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    Winston Churchill permaneceu imune linguagem da revoluo eda inovao. Dizia-se que ele era um conservador antiquado que no

    compreendia os novos tempos. Mas Churchill compreendia bem demaisos novos tempos. E no gostava daquilo que compreendia.

    Winston Churchill

    Simplesmente, umgrande homem

    Churchill 2015

    Foi por ter assimiladoto profundamentea distintiva tradiopoltica inglesa, queChurchill se aperce-beu imediatamenteda ameaa revolucio-

    nria que representavam tanto o bol-chevismo como o nazismo.

    Entre as doutrinas do camaradaTrotsky e as do dr. Goebbels, deve ha-ver espao para cada um de ns, e maisumas quantas pessoas, cultivarmos asnossas prprias opinies.

    Esta uma tpica tirada churchillia-na, que exprime o que poderamos de-signar por anti-comunismo e anti--nazismo primrios de que ele muitose orgulhava.

    Em 1936, num discurso contra as ti-ranias nazi e bolchevique proferido emParis, Churchill exprimiu com clareza evigor a sua repulsa pelo despotismo:

    Como poderemos ns, criados comofomos num clima de liberdade, tole-rar ser amordaados e silenciados; ter

    espies, bisbilhoteiros e delatores acada esquina; deixar que at as nossasconversas privadas sejam escutadas eusadas contra ns pela polcia secretae todos os seus agentes e sequazes; serdetidos e levados para a priso sem jul-gamento; ou ser julgados por tribunaispolticos ou partidrios por crimes atento desconhecidos do direito civil?

    PIO DOS INTELECTUAISHoje, estas palavras podem parecer ba-nais. Mas, na altura, no eram. Na pri-meira metade do sculo XX, a maioriados intelectuais na Europa no sentiagrande entusiasmo pela democraciaocidental, para no dizer pior. Foi umperodo durante o qual o funcionamen-to das instituies polticas europeias,com excepo das britnicas e das su-as, foi perturbado pela guerra e pelasideologias revolucionrias.

    Os intelectuais tendiam a ser entu-siastas fervorosos das mars revolucio-nrias, fossem da esquerda ou da direita,do comunismo ou do nacional-socialis-mo. Os revolucionrios apresentavam-secomo porta-vozes de um mundo novo.Havia que deixar para trs a inrcia dademocracia parlamentar e a mesquinhezcomercial do capitalismo. A Inglaterrae a Amrica eram vistas como smbolosdo velho mundo. Dizia-se que estavam merc da conspirao judaica e da

    PORJoo CarlosEspadaDirector do Institutode Estudos Polticosda UniversidadeCatlica Portuguesa.Director deNovaCidadania

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    plutocracia financeira mundial.A Inglaterra e a Amrica eram acu-

    sadas de resistir ao novo Estado total,centralizado e inovador, introduzido porLenine e Trotsky, Mussolini e Hitler. NaEuropa, muitas pessoas mostravam-sepermeveis s novas tendncias: Sim,o mundo est a mudar, diziam, e, talcomo o mundo, tambm ns temos demudar. A poca do mercado livre e doparlamentarismo est a passar.

    CONSERVADOR ANTIQUADOWinston Churchill permaneceu imune linguagem da revoluo e da inova-o. Dizia-se que ele era um conserva-dor antiquado que no compreendia osnovos tempos. Mas Churchill compre-endia bem demais os novos tempos. Eno gostava daquilo que compreendia.

    Churchill era um admirador da tra-dio liberal do seu pas e do ImprioBritnico. Estudara Macaulay e apren-dera que a Revoluo Gloriosa de 1688 a ltima revoluo que ocorrera emInglaterra fora feita com relutnciae com o objectivo principal de tornardesnecessrias futuras revolues.

    A linguagem apaixonada da inova-o tambm no o entusiasmava. Chur-chill estudara Edmund Burke e sabiaque a monarquia parlamentar inglesaemergira da resistncia contra o des-potismo da inovao promovido pormonrquicos, ou por republicanos, queaspiravam ao poder absoluto.

    Por isso mesmo, Churchill fazia galaem mostrar-se bastante cptico relati-vamente a modelos de perfeio inova-dores. Temos de nos precaver contra ainovao desnecessria, especialmentequando orientada pela lgica, dissenuma afirmao que ficou famosa, aoresponder em 1942 na Cmara dos Co-muns a uma proposta no sentido de sealterarem as designaes do Ministroda Defesa e do Secretrio de Estado daGuerra, por serem ttulos ilgicos.

    CONTRA HITLERFoi por ter assimilado to profunda-mente a distintiva tradio poltica in-glesa, que Churchill se apercebeu ime-diatamente da ameaa revolucionriaque representavam tanto o bolchevis-mo como o nazismo. Em breves pena-das, captou a essncia dos dois populis-

    mos revolucionrios.No caso de Hitler, por exemplo, re-

    cordou as suas origens modestas e ofacto de no ter conseguido entrar paraa Academia das Artes em Viena, bemcomo a sua vida de pobreza em Vienae mais tarde em Munique, por vezescomo pintor da construo civil, fre-quentemente como trabalhador sememprego fixo. Devido a estas circuns-tncias, escreve Churchill,

    [Hitler] nutria um ressentimento amar-go, que ocultava, em relao ao mundoque lhe negara o xito. Estes reveses noo levaram a ingressar nas fileiras do co-munismo. Acalentava cada vez mais umsentimento anormal de lealdade raciale uma admirao fervorosa e msticapela Alemanha e pelo povo alemo. (...)

    S e fechado sobre si mesmo, o pequenosoldado reflectia e especulava sobre aspossveis causas da catstrofe [a derro-ta alem na Primeira Guerra Mundial],orientado apenas pelas suas experin-cias pessoais limitadas. (...) A sua in-dignao patritica fundiu-se com a suainveja dos ricos e afortunados dando ori-gem a um dio profundo.

    EM DEFESADO CAPITALISMO importante recordar estas passagens dolivro de Churchill sobre a Segunda GuerraMundial e poderamos citar muitas mais porque, durante dcadas, a propagandacomunista e esquerdista tentou identifi-car Hitler com o capitalismo.

    Churchill nunca se deixou impressio-nar por essa propaganda. Era e permane-ceu sempre um defensor do capitalismo edo comrcio livre como recordaremosadiante e sabia muito bem que o na-zismo e o comunismo pretendiam des-truir a economia de mercado. Queriamsubstituir os mecanismos de mercado e apropriedade privada por uma economiacentralizada e militarizada.

    TIRANIA BOLCHEVISTAEm Janeiro de 1920, Churchill apresen-tou energicamente a sua opinio sobre atirania bolchevique:

    Acreditamos no governo parlamentarexercido em conformidade com a vonta-de da maioria dos eleitores, determinada

    constitucional e livremente. Eles preten-dem derrubar o parlamento atravs daaco directa ou por outros meios vio-lentos... e, depois, governar as massas danao de acordo com as suas teorias, quenunca foram aplicadas com xito, e porintermdio de grupos de polticos auto--eleitos ou panelinhas de adeptos.Eles pretendem destruir o capital. Nspretendemos controlar os monoplios.Eles pretendem erradicar a ideia dapropriedade individual. Ns pretende-mos utilizar o grande trampolim da ini-ciativa humana como meio de aumentaro volume de produo em todos os sec-tores e partilhar os seus frutos de umamaneira muito mais ampla e equitativaentre milhes de agregados familiares.Defendemos a liberdade de conscinciae a igualdade religiosa. Eles pretendem

    destruir todos os tipos de crena religio-sa que tm constitudo uma consolaoe inspirao para a alma humana.

    HESITAO TRABALHISTAChurchill percebeu desde o incio que oobjectivo do bolchevismo (como semprelhe chamou) era a revoluo mundial eexps muito claramente a sua posio:

    A revoluo mundial o objectivo bol-chevique, que eles tentam alcanar tan-to em paz como em guerra. Na verdade,a paz bolchevique apenas uma outra

    forma de guerra. Se no esto de mo-mento a tentar dominar com exrcitos,esto a tentar minar com propaganda.

    Esta posio levou Churchill a opor--se ascenso do Partido Trabalhistana Gr-Bretanha, no s devido s suaspropostas socialistas mas tambm, etalvez principalmente, devido sua he-sitao face Unio Sovitica.

    Um governo trabalhista, escreveunuma carta dirigida ao The Times emJaneiro de 1924, lanaria uma som-bra escura e malfica sobre todas as

    formas de vida nacional. Trs diasmais tarde, quando o Partido Liberalse juntou aos trabalhistas no intuitode derrotar os conservadores e fazerde Ramsay MacDonald (lder do Parti-do Trabalhista), o novo Primeiro-Mi-nistro, Churchill voltou para o PartidoConservador de onde sara para opartido Liberal em 1904.

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    Na altura do regresso aos conserva-dores, em 1924, Churchill afirmou ques este partido oferecia uma base su-ficientemente forte para conseguir aderrota efectiva do socialismo.

    RESISITIR TIRANIAFoi como lder do Partido Conservadorque Winston Churchill dirigiu o gover-no de coligao nacional e a resistnciabritnica ao nazismo. No seu primeirodiscurso como Primeiro Ministro naCmara dos Comuns, a 13 de Maio de1940, enquanto ainda estava a formar oseu Governo, Churchill anunciou o seuprograma de resistncia em palavrasque ficaram clebres:

    Nada tenho a oferecer seno sangue,

    esforo, lgrimas e suor. Temos perantens uma ameaa da mais grave natureza.Temos perante ns muitos, muitos longosmeses de combate e sofrimento. Pergun-tam-me, qual a nossa poltica? Eu direique a de fazer a guerra, por mar, terrae ar, com todo o nosso poder e com todaa fora que Deus nos deu; fazer a guerracontra uma monstruosa tirania, nuncaultrapassada no lamentvel catlogo docrime humano. Esta a nossa polticaPerguntam-me, qual o nosso objectivo?Posso responder numa palavra: a vit-ria. Vitria a todo o custo, vitria apesarde todo o terror, vitria por mais longa e

    rduo que o caminho possa ser; porque,sem vitria, no h sobrevivncia.

    TRADIO OCIDENTALChurchill foi capaz de liderar a resistnciaao nazismo e ao comunismo porque o seuentendimento da democracia liberal noera devedora dos preconceitos raciona-listas modernos. Ele sabia que a demo-cracia era a natural herdeira da tradioocidental cujos alicerces assentam nastradies greco-romana e judaico-crist,no tendo sido subitamente inventadapelo Iluminismo continental, muito me-nos pela Revoluo Francesa de 1789. Foiesta robusta formao poltica que lhepermitiu enfrentar os grandes temas po-lticos do sculo XX sem nunca ceder ssedues anti-democrticas.

    QUESTO SOCIALEntre esses grandes temas do sculo

    encontrava-se a chamada questo so-cial, que dominou os ataques s demo-cracias ocidentais durante as dcadasde 1920 e 1930. Era o tema dominanteda propaganda nazi e comunista con-tra o chamado capitalismo. WinstonChurchill nunca se deixou impressio-nar por esses ataques. Em boa verdade,Churchill era extremamente sensvels condies sociais dos pobres. E alia-va esta preocupao social defesa in-transigente da economia de mercado edo comrcio livre.

    MUDANA DE PARTIDOAs questes da reforma social e do co-mrcio livre duas questes a que osconservadores se opunham levariamChurchill a abandonar o Partido Con-servador e a juntar-se aos liberais em1904. Nos anos que se seguiram, comomembro de governos liberais, Churchillpromoveu vrias reformas sociais im-portantes que atraram a ateno de doisdirigentes socialistas da Fabian Society,o famoso casal Sydney e Beatrice Webb.

    Um dos grandes acontecimentos dosltimos dois anos, escreve Beatri-ce Webb no seu dirio em 1910, queLloyd George e Winston Churchill pra-ticamente eclipsaram no s os seusprprios colegas mas o prprio PartidoTrabalhista. Destacam-se como os maisavanados polticos. E manifestou at oreceio de alguns jovens membros da Fa-

    bian Society virem a tornar-se adeptosdestes dois dirigentes radicais.

    NVEL MNIMOChurchill, no entanto, no tinha nadaem comum com a ideologia do ca-sal Webb, que advogava a igualdade eo controlo estatal. Churchill defendia

    que se devia garantir um nvel de vidamnimo, e no que se devia promover aigualdade. Falando em Glasgow no Ou-tono de 1906, Churchill explica:

    No quero retirar vigor concorrncia,mas h muito que podemos fazer para ate-nuar as consequncias do fracasso. Que-remos traar uma linha abaixo da qualno permitiremos que as pessoas vivame trabalhem, mas acima da qual poderocompetir com toda a fora da sua virilida-de. No queremos deitar abaixo a estru-tura da cincia e da civilizao mas simestender uma rede sobre o abismo.

    Churchill chamava a esta rede so-bre o abismo O Nvel Mnimo. Incluanveis mnimos de vida e de salrio, desegurana contra a possibilidade de cairna runa devido a um acidente, a umadoena ou fragilidade de carcter.Seria uma rede de segurana promovi-da pelo Estado por baixo (a um nvelinferior) do enorme tecido desconjun-tado de salvaguardas e seguros sociaisque se formou por si em Inglaterra, masno para o substituir.

    PREMIAR O ESFOROEste sistema no devia, porm, desin-centivar o trabalho esforado porque,tal como Churchill afirma:

    No se deve ter pena de ningum porter de trabalhar esforadamente, por-que a natureza inventou uma recom-pensa especial para o homem que tra-balha esforadamente. Proporciona-lheum contentamento adicional, que lhepermite obter num breve momento, combase em prazeres simples, uma satisfa-o que o ocioso social procura em voao longo de vinte e quatro horas.

    GOVERNO LIMITADOA principal razo pela qual Churchillse opunha ao comunismo e ao nazis-mo no era, fundamentalmente, umaquesto de doutrina ideolgica. Nocontrapunha ao comunismo e ao nazis-mo uma doutrina sistemtica rival. Oque chocava Churchill era precisamen-te a ambio, tanto do nazismo comodo comunismo, de reorganizar a vidasocial de cima para baixo, impondo aosmodos de vida existentes um plano de-

    SIMPLESMENTE, UM GRANDE HOMEM

    Joo Carlos Espada

    O MistrioIngls e aCorrente deOuro:Ensaiossobre a cultura

    poltica de lnguainglesaAletheia, 2010

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    Celia Sandys, neta de Winston Churchill, no Jantar Anual do ICSP, Estoril

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    dutivo baseado numa ideologia total.No cabo Hitler, no ex-socialista Musso-lini e nos idelogos comunistas Lenine,Trotsky e Estaline, Churchill via o fana-tismo grosseiro de homens que queriamdemolir todas as barreiras ao exerccioirrestrito da sua vontade: as barreirasdo governo constitucional, da religio

    judaico-crist, do cavalheirismo, dasliberdades civis, polticas e econmicas,da propriedade privada, da famlia e deoutras instituies descentralizadas dasociedade civil.

    TESTE LIBERDADENuma mensagem dirigida ao povo italianoem 1944, Churchill apresentou sete ma-neiras prticas, bastante simples de re-conhecer a liberdade no mundo moderno:

    Existe liberdade de expresso de opi-nies e de oposio e crtica ao governoque se encontra no poder?Os cidados tm o direito de destituirum governo que considerem censur-vel e esto previstos meios constitucio-nais de manifestarem a sua vontade?Existem tribunais que esto ao abrigode violncia por parte do executivo oude ameaas de violncia popular e semnenhumas ligaes com partidos polti-cos especficos?Podero esses tribunais aplicar leis cla-ras e bem estabelecidas que esto asso-

    ciadas, na mente das pessoas, ao prin-cpio geral da dignidade e da justia?H equidade para pobres e para ricos,para os cidados comuns e para os de-tentores de cargos pblicos?Existe a garantia de que os direitos dosindivduos, ressalvadas as suas obri-gaes para com o Estado, sero man-tidos, afirmados e enaltecidos?Est o simples campons ou operrio,que ganha a vida trabalhando e lutandodiariamente para sustentar a sua fam-lia, livre do receio de que uma qualquerorganizao policial sinistra controla-da por um nico partido, como a Gesta-

    po, criada pelos partidos nazi e fascis-

    Temos de nos precavercontra a inovaodesnecessria, especialmentequando orientada pela lgica

    ta, lhe bata porta e o leve para a pri-so ou para ser sujeito a maus-tratossem um julgamento justo e pblico?

    Esta longa citao mostra que a ques-to crucial para Churchill, tal como paraa centenria tradio inglesa da liberdadeexercida sob a lei, era que o poder polticono deve prevalecer sobre os modos devida reais e descentralizados das pessoas.

    O ESPRITO INGLSChurchill exprimiu esta atitude de for-ma particularmente viva ao recordar afilosofia poltica de Sir Francis Mowatt,um alto funcionrio pblico que serviratanto Gladstone como Diasraeli, os doislderes rivais da Inglaterra vitoriana:

    Ele representava a completa viso vi-toriana triunfante da economia e dasfinanas: estrita parcimnia; contabi-lidade exacta; comrcio livre, indepen-dentemente do que o resto do mundopudesse fazer; governo suave e firme;evitar as guerras; apenas pagamen-to das dvidas, reduo dos impostos epoupana; quanto ao resto ao comr-cio, indstria, agricultura, vida social laissez-faire e laissez-aller. Deixe-mos que o Governo se reduza e reduzaas suas exigncias sobre o pblico aomnimo; deixemos que a nao viva desi prpria; deixemos que a organiza-

    o social e industrial tome o curso quequiser, sujeita s leis da terra e aos DezMandamentos. Deixemos que o dinheirofrutifique nos bolsos das pessoas.

    Neste sentido, Winston Churchill erafundamentalmente um intrprete e umherdeiro daquilo que o historiador A. L.Rowse denominava o esprito ingls.A principal caracterstica deste esprito a ausncia de angst ou de ennui.

    No centro do esprito ingls est a fe-licidade, uma fonte profunda de con-tentamento com a vida, o que explica

    o mais profundo desejo do ingls, o de

    ser deixado em paz, e a sua vontade dedeixar os outros em paz desde que elesno perturbem o seu repouso.

    DISPOSIOPARA USUFRUIRTal como disseram Bagehot e Oakeshott,trata-se de uma disposio para usufruir,um sentimento interior de felicidade, decelebrao da vida. Trata-se da consci-ncia de que um privilgio poder usu-fruir de um modo de vida prprio, quenos familiar e que no foi imposto doexterior. uma atitude de cepticismoem relao a aventuras polticas, a modasintelectuais e a todo e qualquer especia-lista que afirme saber organizar melhor anossa educao, a nossa cultura e a nos-sa vida espiritual. Numa palavra, umadisposio para desfrutar a liberdade epara defend-la a todo o custo.

    CORRENTE DE OUROEsta disposio para usufruir a liberdadeno nasceu em Inglaterra com o Ilumi-nismo ou com a Revoluo Francesa de1789. uma disposio ancestral que, noplano poltico, remonta, pelo menos, Magna Carta de 1215. No plano cultural,est expressa no mandamento cristo dedar a Csar o que de Csar e a Deus oque de Deus. Churchill resumiu estaideia quando apresentou a filosofia pol-tica de seu pai, Lord Randolph Churchill,um destacado parlamentar conservador.Disse Churchill sobre seu pai:

    [Lord Randolph Churchill] no via razopara que as velhas glrias da Igreja e doEstado, do Rei e do pas, no pudessem serreconciliadas com a democracia moder-na; ou por que razo as massas do povotrabalhador no pudessem tornar-se osmaiores defensores destas antigas insti-tuies atravs das quais tinham adqui-rido as suas liberdades e o seu progresso. esta unio do passado e do presente, datradio e do progresso, esta corrente de

    ouro [golden chain], nunca at agora que-brada, porque nenhuma presso indevidafoi exercida sobre ela, que tem constitudoo mrito peculiar e a qualidade soberanada vida nacional inglesa.

    Por outras palavras, nesta correntede ouro reside a chave do mistrio in-gls a que dedicmos estes ensaios.

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