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Churchill

1º Capitulo - Churchill

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Em história, a Nova Fronteira é a editora churchilliana por excelência. Desde sua fundação, com “Minha mocidade”, até seu mais recente lançamento, “Uma história dos povos de língua inglesa (condensada em um volume), tem entregue aos leitores brasileiros obras de Sir Winston Churchill, assim como celebradas biografias do estadista inglês considerado o “grande homem do século.”Inclui agora em seu catálogo de história mundial o moderno autor Paul Johnson com esta biografia de Winston Churchill. Johson, celebrado por obras recentes como “Tempos moderno: o mundo dos anos 1920 aos 1990, “História ilustrada do antigo Egito” e “A história dos judeus”, recebeu uma excelente crítica por este seu último sucesso, “Churchill”.

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r Coleção Nova Fronteira rHistória Mundial

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Minha Mocidade, Winston S. ChurchillMemórias da Segunda Guerra Mundial, Winston S. ChurchillMemórias da Primeira Guerra Mundial, Winston S. ChurchillMemórias de Entre as Guerras, 1919-1939, Winston S. ChurchillHitler, Joachim C. FestStalin, Dmitri VolkogonovChurchill, Roy JenkinsRoosevelt, Roy JenkinsRoosevelt e Hopkins, Robert SherwoodGrandes Homens do Meu Tempo, Winston S. ChurchillDon Quixote Americano, Richard PowellNápoles, 1944, Norman LewisPaz em Paris, 1919, Margaret MacMillanEureka! 100 Grandes Descobertas Científicas do Século XX, Rupert LeeTempos Muito Estranhos, Doris Kearns GoodwinHistória da Guerra Fria, John Lewis GaddisO Intérprete de Yalta, Arthur H. BirseHomens em Armas, Evelyn WaughOficiais e Gentlemen, Evelyn WaughRendição Incondicional, Evelyn WaughOs Três Grandes, Churchill, Roosevelt, Stalin, Jonathan FenbyFranco, Caudillo da Espanha, Paul PrestonMussolini, Pierre MilzaA China de Deng Xiaoping, Michael E. MartiVidas Históricas: Winston S. Churchill, Stuart BallAlmirante Canaris, Misterioso Espião de Hitler, Richard BassettPaz em Berlim, 1945, Charles L. Mee, Jr.Os Sete Chefes do Império Soviético, Dmitri VolkogonovDe Gaulle, Éric RousselA Estrada para Fornovo, Fernando Lourenço FernandesA Paz depois de Napoleão. Congresso de Viena 1812-1822, Harold NicolsonDiplomacia & Memórias: A Paz de Versalhes 1919, Harold Nicolson A Vida de Disraeli, André Maurois Churchill, Hitler e a “Guerra Desnecessária,” Patrick J. BuchananLawrence da Arábia, Malcolm BrownUma História dos Povos de Língua Inglesa (condensada), Winston S. ChurchillMein Kampf, a História do Livro, Antoine VitkineChurchill, Paul Johnson

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ChurchillPAUL

JOHNSON

BIOGRAFIA

TraduçãoGleuber Vieira

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Título original: ChurchillCopyright© by Paul Johnson, 2009

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira Participações S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite.

Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico

Editora Nova Fronteira Participações S.A.Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso – 21042-235Rio de Janeiro – RJ – BrasilTel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212/8513http://www.novafronteira.com.br

CIP-Brasil. Catalogação na FonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Johnson, Paul, 1928- Churchill : biografia / Paul Johnson; tradução Gleuber Vieira. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2010. il. - (Coleção Nova Fronteira. História Mundial)

Tradução de: Churchill ISBN 978-85-209-2424-2

1. Churchill, Sir Winston, 1874-1965. 2. Primeiros- -ministros - Grã-Bretanha, 3. Guerra Mundial 1939-1945. 4. Grã-Bretanha - Política e governo, 1936-1945. I. Título. II. Série.

CDD: 923.241CDU: 929:32(240)

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A Daniel,meu filho mais velho.

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Sumário

1. Moço arrojado 1

2. Estadista liberal 16

3. Lições do fracasso 43

4. Sucesso e desastres 71

5. Profeta desprezado 85

6. Poder supremo e frustração 102

7. Crepúsculo glorioso 135

8. Epílogo 152

Outras obras sobre Churchill 158

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––––––––– 1 ––––––––Moço Arrojado

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De todas as altas figuras do século XX, boas e más, Winston Chur-chill foi a mais valiosa para a humanidade e também a mais apreciada. É um prazer escrever sua vida e ler sobre ela. Nenhuma dá mais lições, em especial para a mocidade: como usar uma infância difícil; como aproveitar com boa disposição todas as oportunidades que surgem, físicas, morais e intelectuais; como ousar espetacularmente, consolidar os sucessos e deixar para trás os inevitáveis fracassos. E também como, ao perseguir uma vultosa ambição com energia e prazer, cultivar ao mesmo tempo amizade, generosidade, compaixão e polidez.

Homem algum fez mais por preservar a liberdade, a democracia e os valores que nos são caros no Ocidente. Nenhum nos entreteve mais com seus dramáticos altos e baixos, sua oratória nobre, seu po-derio de pena e de palavra, seus repentes de ira e sua verve luminosa. Ele ocupou por sessenta anos um lugar de frente na cena pública de seu país e do mundo, e o palco pareceu vazio com sua saída. Desde então, nem de longe alguém combinou tão bem essa variedade de papéis. Como pôde um homem fazer tanto ao longo de tanto tempo e com tamanho efeito?

Jovem político, viu-se ele em um jantar ao lado de Violet Asquith, filha do então Chancellor of the Exchequer, o ministro das Finanças. Respondendo-lhe a uma pergunta, saiu-se com esta tirada inesque-cível para ela: “Nós todos somos insetos. Mas quanto a mim, acho que sou um vaga-lume.”

Por que foi ele assim tão vivamente luminoso? É justamente o que vamos investigar.

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Winston Leonard Spencer Churchill nasceu em 30 de novembro de 1874, filho de Lord Randolph Churchill, o filho mais novo do 7º Duque de Marlborough, e de Jennie, segunda das quatro filhas de Leonard Jerome, financista em Chicago e Nova York. O parto devia ser realizado em Londres, em uma mansão em Mayfair que o jovem alugara e onde estava tudo preparado. Porém, durante visita a Ble-nheim Palace, casa de Lord Randolph, Jennie sofreu uma queda, e seu bebê nasceu dois meses antes do previsto em um aposento térreo do palácio preparado às pressas. Portanto, o nascimento já foi da forma característica: inesperada, apressada, arriscada, perigosa e dramática. O trabalho de parto durou oito longas e exaustivas horas, mas o bebê nasceu “saudável,” além de “muito bonito.” Tinha cabelos ruivos, descritos como “da cor de um taco de bronze,” era calmo, rosado e de pulmões fortes. Mais tarde ele se vangloriava de ter uma pele excepcionalmente delicada que o obrigava a ter sempre seda junto ao corpo. Afirmava que nunca usou um par de pijamas.

Como sua mãe, era criativo, impulsivo e propenso a se acidentar, mas, em toda sua longa vida, pouco foi perturbado por problemas de saúde. Embora viesse a padecer de surdez em idade avançada, não teve defeitos orgânicos, a não ser uma leve falha de dicção, um leve cicio quase imperceptível nas gravações. Por essa razão, foi muito cuidadoso com os dentes. Era atendido pelo melhor dentista de seu tempo, Sir Wilfred Fish, que preparou suas dentaduras, produzidas pelo renomado protético Derek Cudlipp. (Estão preservadas no Royal College of Surgeons Museum em Londres.) Também cuidava da saúde, e, tão logo pôde, adotou como seu médico pessoal Charles McMoran Wilson, a quem mais tarde deu o título de Lord Moran (Fish foi agraciado com o título de Sir). Churchill também comia avidamente, principalmente bife, linguado e ostras. Bebericava o dia todo brandy ou uísque bem-diluído em água ou soda. Apesar disso, seu fígado, examinado após a morte, estava tão perfeito quanto o

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de uma criança. Churchill era capaz de tremendos esforços físicos e mentais, com grande intensidade em longos períodos, muitas vezes com poucas horas de sono. Mas tinha igual capacidade de relaxar se ocupando com várias atividades de seu agrado, além da facilidade de tirar pequenas sonecas quando o tempo permitia. Ademais, sempre que possível, passava as manhãs na cama, telefonando, ditando e recebendo visitantes. Em 1946, quando eu tinha dezessete anos, tive a feliz oportunidade de perguntar a ele: “Mr Churchill, sir, a que o senhor atribui seu sucesso na vida?” Sem pausa ou hesitação, respon-deu: “Preservação de energia. Nunca ficar em pé quando pode sentar e nunca sentar quando pode deitar.” E entrou em sua limusine.

Esta criança esperta e saudável foi o mais velho de dois filhos que tiveram notáveis genitores. O pai, Lord Randolph Churchill (1849-1895), foi educado em Eton e no Merton College, Oxford. Foi mem-bro do parlamento pelo distrito eleitoral da família – Woodstock, adjacente ao Blenheim Palace – de 1874 a 1885, depois, por South Paddington, Londres, até morrer. Sua trajetória política foi meteó-rica, turbulenta e pontilhada por rixas espetaculares. Com alguns colegas descontentes, fundou um grupo de pressão que defendia uma oposição mais vigorosa à maioria liberal (1880-84) e esposava o que ele chamou “democracia tory.” Mas, perguntado sobre o significado dessa expressão, em caráter particular respondia: “Ah, oportunismo, principalmente.” Também se opôs à política do Home Rule para a Irlanda preconizada por Gladstone, que forçaria o Ulster protestante a submeter-se à maioria católica de toda a Irlanda, com o lema in-cendiário de “o Ulster lutará – e o Ulster tem razão.” Era um orador impressionante e, em meados da década de 1880, foi um dos quatro políticos cujos discursos os correspondentes da Central News Agency tinham ordem de reproduzir em sua totalidade, sendo os outros três o próprio Gladstone, Lord Salisbury, líder tory, e o dinâmico radical--imperialista Joseph Chamberlain. Os anos de 1885-86 marcaram

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o auge da carreira de Lord Randolph. Foi o primeiro ministro para a Índia e em seguida, por seis meses, Chancellor of the Exchequer, ministro das Finanças. Porém, justamente quando preparava seu primeiro orçamento, teve uma briga fatal com o primeiro-ministro. Salisbury recebeu o apoio do restante do Gabinete, e Lord Ran-dolph renunciou, descobrindo, com o desenrolar dos acontecimentos, que tinha exagerado grotescamente suas possibilidades. Foi o caso do cão latindo e a caravana passando. Nunca se recuperou desse erro. Ao mesmo tempo, uma doença misteriosa e progressiva o atingiu. Alguns acharam que era sífilis, e outros, uma forma de corrosão mental her-dada do ramo materno da família, os Londonderrys. Aos poucos seus discursos se tornaram confusos, hesitantes e penosos para os ouvintes, até que sua morte em 1895 baixou uma cortina misericordiosa sobre sua então abalada carreira.

Winston tinha apenas vinte anos quando o pai morreu, e ficou marcado por esta trágica fase final, até conseguir exorcizar o fantasma ao escrever uma biografia em dois volumes transformando seu pai em uma das grandes e trágicas personalidades da história política inglesa. Para Winston, foi mais um motivo de tristeza ter contado com tão pouca atenção do pai, inicialmente por estar sempre ocupado e, de-pois, tão abalado. Lembrava-se de cada palavra das poucas conversas pessoais que com ele mantivera.

O quanto de bom e de ruim Winston herdou do pai é questão de opinião. Penso que não muito. Na verdade, nele há pouco dos Chur-chills. No todo, eram uma gente sem destaque. Mesmo o fundador do clã, John, o 1º Duque de Marlborough, deveria, na opinião do Rei Charles II, perspicaz julgador de pessoas, ter permanecido um tranquilo proprietário rural, não tivesse se deixado influenciar por sua surpreendente e ambiciosa esposa, Sarah Jennings. De seus sucessores, nenhum teve destaque. Cinco dos sete primeiros duques foram vítimas de depressão patológica. Winston, se deve reconhecer, queixava-se

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de periódicos momentos escuros, que ele chamava “the Black Dog” (o Cão Negro). Mas tais períodos advinham de contratempos e eram logo superados por uma vigorosa atividade. O extremismo e as opiniões de seu pai foram frequentemente usados contra Winston em sua própria carreira, e ele em algumas ocasiões exagerou e viu-se severamente castigado. Porém, de modo geral, aprendeu com os erros de Lord Randolph e conseguiu se afastar do precipício. Tampouco revelou qualquer sintoma do colapso mental que aos poucos tomou conta do pai. Até os oitenta e tantos anos, Winston continuou com o pleno domínio de suas faculdades mentais, a despeito do declínio físico geral.

Foi mais de sua mãe que ele herdou seus atributos mais caracterís-ticos: energia, gosto pela aventura, ambição, intelecto versátil, sen-timentos calorosos, coragem e perseverança, além de enorme amor pela vida em todos seus aspectos. O objetivo de se tornar o político mais importante em Westminster foi a manifestação masculina da imensa ambição de sua mãe de ser a mais admirada dama em Mayfair. Ela conquistou e manteve este título por uma década ou mais, não apenas pela refinada e fascinante beleza de rosto e figura, mas porque se apresentava, movia-se, falava e dançava com quase diabólica ma-gia. Disse mais tarde: “Nunca admiti não ser a mulher mais bonita do salão.” Ficava envaidecida ao entrar e sentir que todos os homens lhe voltavam os olhares. Era americana típica. Acreditava que o céu era o limite, que tudo era possível, que tradição, antecedentes e a maneira “certa” de fazer as coisas podiam ser ignoradas sempre que a ambição exigisse. Adorava correr riscos e não chorava – pelo menos por muito tempo – se as coisas não acontecessem como queria. Tudo isso ela transmitiu a seu primogênito. (Jack, o irmão mais moço de Winston, criado desde pequeno em posição secundária, era muito mais um Churchill normal). Jenny também o acostumou a ser o centro da conversação. Em meados dos anos 1870, os Churchills

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foram para o exílio em Dublin quando Lord Randolph, como era de seu temperamento, tomou as dores de seu irmão mais velho a respeito de uma mulher contra o Príncipe de Gales. Rapidamente o Duque de Marlborough teve de ser designado vice-rei da Irlanda e para lá foram os Churchills, para agitar o Dublin Castle até que a tormenta passasse. A mais antiga lembrança de Churchill era de seu avô, então vice-rei, arengando para a elite local no pátio do castelo. O assunto: guerra.

Winston pouco viu seus pais, na época e depois. A principal figura de sua infância foi Mrs Elizabeth Anne Everest (1833-1895), sua babá, uma mulher de origem humilde, do Kent, que o adorava, e que ele chamava de “Woomany” ou “Woom.” Suas cartas para Winston são comoventes testemunhos daquele período. Ele retribuía a afeição e a homenageou em seu romance Savrola, que contém significativa passagem exaltando as virtudes e a lealdade dos servidores de família. Sua presença e seu amor permitiram que a infância de Winston, que poderia ter sido desastrosa e destrutiva, fosse razoavelmente feliz.

A relação entre Mrs Everest e Winston constitui uma das melhores passagens de toda a vida de Churchill. Ela o incentivou e apoiou nos tempos de escola, fazendo o que sua mãe não podia ou não sabia, descobrindo no menino talento e temperamento afetuoso. Ele retri-buía tratando-a carinhosamente como sua mais íntima confidente, revelando a ela todas as suas preocupações. Achava que seus pais a trataram mal, despedindo-a quando não mais precisavam de seus serviços e deixando-a na pobreza. Embora ainda estudante, fez o mais que pôde para aliviar suas privações e, mais tarde, passou a lhe enviar dinheiro quando podia. Esteve com ela no leito de morte e compareceu ao funeral, levando Jack consigo. Cuidou de seu túmulo e da inscrição que há nele, e pagou anualmente um florista local para mantê-lo cuidado.

Winston amava os pais com o amor ilimitado de criança e ado-

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lescente sensível. Porém, eles o decepcionavam seguidamente, por ausência, indiferença e censuras. Não foi um menino que se saísse naturalmente bem na escola, e seus boletins eram medíocres. O pai logo o qualificou como um fracasso acadêmico. Depois de fraco desempenho em colégio particular, Lord Randolph resolveu não mandá-lo para Eton: não era inteligente o bastante. Em vez disso, decidiu por seu ingresso em Harrow. Certo dia, entrou no quarto de brinquedos de Winston, onde estava armada a coleção de solda-dinhos de chumbo. Eram mais de mil, organizados em uma divisão de infantaria, com uma brigada de cavalaria. (Jack tinha um exército “inimigo” mas seus soldados eram todos negros e não podia possuir artilharia). Lord Randolph inspecionou os soldados de Winston e lhe perguntou se queria seguir a carreira militar, pensando “ele só é talhado para isso.” Winston, supondo que a pergunta do pai signifi-cava que ele previa para o filho um futuro de glória e vitória segundo a tradição Marlborough, respondeu com entusiasmo, “Sim.” E assim ficou decidido.

O desempenho de Churchill em Harrow confirmou a expectativa do pai de que não daria para nada. Nunca conseguiu sair da turma mais fraca e lá estudou por três anos, até ser transferido para a classe que preparava para o exército, para ingresso na Escola de Cadetes de Sandhurst. Algumas das cartas que Lord Randolph lhe escreveu são cruéis, até mesmo brutais. As da mãe são mais afetuosas, mas muitas delas refletem a insatisfação paterna. Poucos estudantes jamais rece-beram cartas tão desencorajadoras dos pais. Lord Randolph decidiu que Winston devia ir para a infantaria, enquanto o filho preferia a cavalaria. A infantaria exigia melhores notas, mas era mais barata. Seus pais, Lord Randolph em particular, preocupavam-se muito com dinheiro. O chefe da família contava com uma renda proveniente das terras Blenheim, e sua mulher dispunha de outra fonte de renda herdada do pai. Juntos, porém, mal conseguiam cobrir as despesas

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de um distinto casal digno de integrar a alta sociedade. Não tinham economias ou dívidas acumuladas. Winston só conseguiu ingressar em Sandhurst na terceira tentativa e se saiu razoavelmente bem, é verdade. Mas foi para a cavalaria – o 4º de Hussardos – para desespero do pai. Mas na época Lord Randolph se aproximava do fim. Foi para a África do Sul tentando deixar uma fortuna para a família e entrou no negócio da extração de ouro e diamantes. Foi, de fato, induzido a fazer lucrativos investimentos que acabaram se revelando bastante valiosos. Quando morreu em 1895, porém, tiveram que vender tudo para pagar suas dívidas. Ficou evidente, então, que Churchill teria que ganhar a vida.

Harrow acabou tendo inestimável importância no seu preparo para viver por conta própria. Não ficou fluente em latim e grego, cujo ensino era tão completo naquela escola. Aprendeu algumas citações bem conhecidas em latim e como usá-las apropriadamente, mas tam-bém percebeu como o reitor, Reverendo J.E.C. Welldon (mais tarde seu amigo como bispo de Calcutá), fazia uma careta quando ele as pronunciava. Mais tarde, Winston notou a mesma expressão de dor no rosto do primeiro-ministro Asquith, conhecido acadêmico em clássicos, ante suas citações latinas no gabinete. Mas nunca se transfor-mou num classicista, pois encontrou algo muito mais compensador e valioso: fluência na língua inglesa escrita e falada. Três anos na turma mais fraca, sob a zelosa orientação de seu professor de inglês, Robert Somervell, tornaram isso possível. Winston se tornou não apenas um bom dominador das palavras, mas um mestre, um virtuose em seu uso. Amava as palavras. Tornou-as uma torrente verbal que corria em suas veias enquanto construía sua maturidade política. Estadista inglês algum quis tão bem às palavras quanto ele, e nenhum as empregou com mais persistência para impulsionar sua carreira e defendê-la em momentos de adversidade. As palavras sempre foram a principal fonte de renda em toda sua vida. Praticamente desde o começo de

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sua vida independente foi bem-remunerado, em nível incomum na época, e seus livros acabaram proporcionando rendimentos prodi-giosos a ele e a seus descendentes. Escreveu milhares de artigos para jornais e revistas, além de mais de quarenta livros, alguns deles bem volumosos. Suas Memórias da Segunda Guerra Mundial têm mais de 2.050.000 palavras. Em comparação, o Declínio e queda do Império Romano, de Gibbon, tem 1.110.000. Estimo que o total de palavras escritas por Churchill que foram impressas, incluindo discursos, deve estar entre oito e dez milhões. Deve haver muito poucos jovens que fizeram uso tão lucrativo de algo aprendido na escola. Neste aspecto, a educação de Winston, ao contrário do que em geral se diz, foi um grande sucesso.

Lady Randolph desempenhou papel saliente no processo de trans-formar palavras em dinheiro, particularmente em conseguir encomen-das para o filho. Ela fizera todo o possível para aliviar o sofrimento de Lord Randolph em seu lento e terrível declínio. Mas depois da morte dele, em 1895, ficou livre para dedicar-se a impulsionar a carreira do filho mais velho, e essa atividade se transformou no objeto de todos seus esforços. Buscando apoio para Winston, foi ousada, desinibida, persistente e quase sempre teve sucesso. Sua posição na sociedade londrina, sua beleza e encantos e sua astúcia permitiram-lhe abrir caminho até proprietários de jornais, editores, e políticos – qualquer pessoa em posição de ajudar. “O tempo que vivemos exige pressão,” escreveu Winston à mãe “e devemos pressionar ao lado dos melhores.” Transformaram-se no par que mais pressionou em Londres, quiçá no Império, que, naquela época, se espalhava por quase um quarto da superfície terrestre.

Tão logo ingressou no exército, Churchill (como podemos chamá--lo doravante) pôs em execução seu plano de operações para se tor-nar famoso ou, pelo menos, conhecido. Soldado precisa de guerra, e Churchill mais do que ninguém necessitava de uma, para poder

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traduzi-la em palavras e, pois, em dinheiro. Porém, quem fica para-do, esperando que a guerra apareça, pode morrer de fome de ação. É preciso buscá-la. Esta foi a política de Churchill. O 4º de Hussardos, sob o comando do coronel Brabazon, amigo da família, foi mandado para a Índia. Mas havia em curso uma guerra bastante adequada em Cuba, onde os Estados Unidos simpatizavam com os insurgentes. Brabazon concordou com relutância, e Churchill e a mãe moveram os cordões para que ele fosse para a frente de combate, conseguindo um contrato com o Daily Graphic para publicar seus artigos. Em no-vembro de 1895, Churchill já estava sob fogo, assim como sofrendo surtos de febre amarela e varíola. “Pela primeira vez,” escreveu, “ouvi tiros dados para valer e projéteis cortando a carne ou sibilando no ar.” Faz lembrar a famosa descrição de George Washington em 1757, ao ouvir balas sibilando. Porém, ao contrário de Washington, Churchill não achou “nada de agradável no ruído,” pelo contrário, aprendeu a se abrigar. Esteve sob fogo, avalio, cerca de cinquenta vezes ao longo da vida e nunca foi atingido por uma bala. Não foi o único estranho a ir a Cuba para colher experiência. Theodore Roosevelt, seu con-temporâneo mais velho, comandou uma força de flibusteiros naquela guerra. Os dois tinham muito em comum, mas não se deram bem. Roosevelt afirmou: “Aquele rapaz Churchill não é um gentleman. Não se levanta quando uma dama entra na sala.” Pode ser verdade. Uma vez acomodado em uma cadeira, Churchill hesitava em se levantar, obedecendo a seu princípio de conservação de energia.

Os espanhóis agraciaram Churchill com a medalha normalmente concedida a oficiais, a Cruz Roja de España, que ele recebeu agrade-cido – sua primeira condecoração – assim como recebeu vinte e cinco guinéus pagos pelo Graphic por cinco artigos. Esta foi sua diretriz de vida nos cinco anos seguintes. Sair atrás de guerras. Conseguir auto-rização especial para conhecê-las ou delas participar, narrando-as em matérias para jornais ou em livros. E colecionar medalhas. Quando

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esteve na Índia, olhou em volta em busca de ação. Mas não ficou à toa esperando oportunidades. Estava consciente de suas deficiências de conhecimento e implorou à mãe que lhe mandasse grandes livros, importantes. E ela mandava. O dia no exército da Índia começava cedo, mas havia um longo intervalo no meio do dia, quando o sol estava mais quente. A maioria sesteava. Churchill lia. Foi assim que devorou a History of England, de Macaulay, e obras de Gibbon. Leu também o panfleto ateu de Winwood Reade, The Martyrdom of Man, que o transformou em livre-pensador pelo resto da vida e em crítico da religião organizada (embora para uso externo sempre tentasse evitar o rótulo de “ateu,” que poderia ser politicamente prejudicial). Lia tudo de valor que lhe chegasse às mãos, nada esquecendo do que lia. Mas sentia que sempre restavam lacunas em seu conhecimento, que ele procurava ansiosamente preencher quando lhe recomendavam livros fundamentais.

Em agosto de 1897, participou de sua primeira campanha militar inglesa integrando a Força de Combate de Malakand, organizada por Sir Bindon Blood para castigar os pathans da fronteira noroeste por uma incursão do território. Blood era uma figura glamorosa, descendente do coronel Blood, que tentou roubar as joias da Coroa durante o reinado de Charles II. A expedição foi um grande sucesso, e Churchill presenciou a ação, esteve sob fogo e aprendeu bastante sobre campanhas punitivas e guerrilha. Sua mãe conseguiu que escrevesse uma série de “cartas” para o Daily Telegraph. Ficou aborrecido com ela por não ter estipulado com antecedência que seriam assinadas – pois vivamente queria ficar famoso – e pediu cem libras pela série de cartas. Também escreveu para o jornal indiano The Allahabad Pioneer e, finalmente, um livro, The Story of the Malakand Field Force. Foi seu primeiro livro, e ele remeteu um exemplar ao Príncipe de Gales, que lhe enviou encantadora carta de agradecimento, exaltando a obra e a recomendando aos seus amigos. Blood também ficou satisfeito e

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a ele se referiu elogiosamente para seus superiores. Blood viveu até idade avançada e morreu em 1940, dois dias após receber a honrosa notícia de que seu antigo subalterno se tornara primeiro-ministro. Churchill continuou esta trajetória de sucessos ao ser adido à Força Expedicionária do Tirah: mais experiência, outra medalha.

Churchill já olhava para a África que, em 1897, estava agitada por guerras em curso ou iminentes. Escreveu para a mãe explicando, concisa e friamente, que seu objetivo era usar a fama conquistada na guerra para conseguir entrar no Parlamento: “Alguns meses na África do Sul me permitiriam ganhar a medalha South Africa e, com toda probabilidade, a Company’s Star. Dali, rapidamente rumo ao Egito – para regressar com mais duas condecorações, em um ano ou dois – e transformar o aço de minha espada em minha dispatch box de ministro.” Aliás, a oportunidade que surgiu em primeiro lugar foi no Egito. Com tremendo esforço, Lady Randolph conseguiu que ele fosse adido a um regimento de cavalaria integrante de expedição que tinha a missão de vingar o assassínio de Gordon em Khartum. A manobra envolveu apelo ao primeiro-ministro, contornando o comandante em chefe local, Lord Kitchener, que já ouvira rumores sobre a crescente fama de Churchill de caçador de medalhas e não o queria em sua tropa. Mas o rapaz chegou a tempo de tomar parte em uma das últimas cargas de cavalaria da história do exército inglês durante a famosa batalha de Omdurman (1899), que destruiu o exér-cito derviche. Recebendo um bom pagamento, Churchill também reportou para a imprensa de Londres e escreveu um de seus melhores livros sobre a campanha, The River War, em dois volumes, magnífico relato das glórias e dos horrores do imperialismo no apogeu.

Em seguida foi para a África do Sul, de onde narrou a Guerra dos Bôeres para o Morning Post. Para ser exato, não era um combatente, mas, por ocasião de uma emboscada bôer contra um trem blindado, tomou parte ativa no combate, em particular dirigindo a luta para

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liberar a locomotiva. Foi capturado, considerado prisioneiro de guerra, conseguiu escapar, viveu uma perigosa jornada através das linhas bôeres, enquanto cartazes anunciavam polpuda recompensa por sua recaptura, e foi recebido de forma arrebatadora em Durban, onde se viu na condição de herói. Retornou ansiosamente à guerra, demonstrando extraordinária disposição física. Antes de os bôeres se renderem em Johannesburg, Churchill conseguiu percorrer a cidade de bicicleta, acelerando quando via grupos inimigos armados.

Tendemos a vincular Churchill unicamente a sua vida sedentária posterior, mas na juventude foi hiperativo. Levantou o Campeonato de Esgrima Harrow and Public School – e esgrima era um dos esportes mais desgastantes. Na Índia, jogou polo com entusiasmo, fazendo parte da equipe de seu regimento que venceu a All-India Calcutta Cup, o que naqueles dias era a conquista suprema. Grande parte de seu tempo na África do Sul foi despendido em longas caminhadas nas quais gastou um par de botas. Esteve entre os trinta mil homens que marcharam triunfantemente até Pretória, capital bôer, tendo à testa um balão de guerra que, em sua matéria para o Morning Post, comparou ao “pilar de nuvens que guiou as hostes de Israel.”

Todos os seus feitos foram amplamente explorados em seus artigos. Mas em 1900 achou que tinha esgotado as oportunidades na África do Sul, onde a guerra se confinara a uma exigente e aborrecida campa-nha de guerrilha. Voltou rapidamente para casa. Conquistara a fama almejada, fizera-se conhecido (sua fotografia apareceu mais de cem vezes em jornais durante o ano de 1900) e regressou a Londres como herói. Imediatamente publicou dois livros, London to Ladysmith via Pretoria e Ian Hamilton’s March. Graças à fama, ganhou mais dinheiro fazendo uma série de conferências públicas na Inglaterra, no Canadá e nos Estados Unidos. Essas iniciativas deixaram-no com um capital de 10.000 libras, que foram investidas para ele pelo conselheiro fi-nanceiro de seu pai, Sir Ernest Cassel. Além disso, exibia uma fileira

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de medalhas: a Cruz del Mérito Militar de 1ª Classe da Espanha; a India Medal 1895 com barra; a Queen’s Sudan Medal 1896-98 sem barra; a Khedive’s Sudan Medal com barra; e a Queen’s South Africa Medal, com seis barras. Também fez jus à medalha Campaña de Cuba concedida pela Espanha.

Paralelamente, ensaiava seus primeiros passos na política. Disputou pelos tories o distrito de Oldham em 1899, e foi vitorioso na “eleição khaki” no ano seguinte. Em todos esses eventos, que se sucederam celeremente, acumulara inúmeras críticas e criou inimigos e a fama de impulsivo, arrogante, presunçoso, desobediente, fanfarrão e sem caráter. Foi acusado de abusar de sua condição de oficial do exército inglês e do seu status de jornalista civil, e de quebrar sua palavra de honra como prisioneiro de guerra. Entre os ortodoxos e os “certinhos,” a simples menção de seu nome provocava arrepios de raiva. Por outro lado, era o jovem mais conhecido de sua geração. Quando ocupou seu lugar no plenário da Câmara dos Comuns – o assento da ponta da bancada da frente após os degraus da gangway, o mesmo banco de onde seu pai apresentou a renúncia – para fazer seu primeiro discurso, em fevereiro de 1901, mal completara vinte e seis anos. Nada mau para um começo.

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