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O ATAQUE DOS CONSUMIDORES EMERGENTES 1 As marcas dos produtos de consumo das empresas multinacionais mantiveram-se na liderança de seus mercados e na mente dos consumidores brasileiros durante décadas. Algumas marcas tornaram-se sinônimos de categorias de produtos, como Gillette, Band-Aid, Danone, Maizena e Omo. No entanto, na virada do Milênio, essa liderança passou a ser ameaçada. Não se tratava de uma batalha entre Coca e Pepsi. Os novos desafiantes eram pequenas e médias empresas nacionais, oferecendo produtos até pela metade do preço das grandes fabricantes. Eram os produtos chamados marcas-B ou marcas econômicas. No início de 2001, estimava-se em mais de 30% a participação das marcas B no mercado brasileiro. Nos EUA e Europa, essa participação era de 20%. Entre 1998 e 2000, as marcas líderes perderam participação em volume em 63% de 157 categorias de produtos pesquisados. As maiores perdas ocorreram nas categorias de bebidas não-alcoólicas, alimentos doces e limpeza caseira. Apenas 12% das líderes ganharam participação no período analisado. As marcas de baixo preço avançaram em seis de cada dez categorias. No caso dos biscoitos de 250 gramas, as marcas baratas passaram a 41% das vendas, um acréscimo de 7 pontos percentuais. Em setores como alimentos e bebidas, higiene pessoal e limpeza, as empresas brasileiras vinham crescendo mais que as multinacionais. Os cereais matinais Kellogg’s tinham 72% de participação em 1995. De 1995 até 2002, perderam 25 pontos percentuais, num mercado em que cada ponto valia 1,6 milhões de reais. A Kellogg’s passou a sofrer a concorrência da Nestlé, que chegou a 2002 com 21% das vendas. No entanto, a vice-liderança era do conjunto das marcas mais baratas. De cada 1 Preparado com base na matéria A Invasão das Marcas Talibãs, de Nelson Blecher, Revista Exame, 9 de janeiro de 2002, pp. 32-49.

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O ATAQUE DOS CONSUMIDORES EMERGENTES

O ATAQUE DOS CONSUMIDORES EMERGENTES

As marcas dos produtos de consumo das empresas multinacionais mantiveram-se na liderana de seus mercados e na mente dos consumidores brasileiros durante dcadas. Algumas marcas tornaram-se sinnimos de categorias de produtos, como Gillette, Band-Aid, Danone, Maizena e Omo. No entanto, na virada do Milnio, essa liderana passou a ser ameaada. No se tratava de uma batalha entre Coca e Pepsi. Os novos desafiantes eram pequenas e mdias empresas nacionais, oferecendo produtos at pela metade do preo das grandes fabricantes. Eram os produtos chamados marcas-B ou marcas econmicas. No incio de 2001, estimava-se em mais de 30% a participao das marcas B no mercado brasileiro. Nos EUA e Europa, essa participao era de 20%.

Entre 1998 e 2000, as marcas lderes perderam participao em volume em 63% de 157 categorias de produtos pesquisados. As maiores perdas ocorreram nas categorias de bebidas no-alcolicas, alimentos doces e limpeza caseira.

Apenas 12% das lderes ganharam participao no perodo analisado.

As marcas de baixo preo avanaram em seis de cada dez categorias. No caso dos biscoitos de 250 gramas, as marcas baratas passaram a 41% das vendas, um acrscimo de 7 pontos percentuais.

Em setores como alimentos e bebidas, higiene pessoal e limpeza, as empresas brasileiras vinham crescendo mais que as multinacionais.

Os cereais matinais Kelloggs tinham 72% de participao em 1995. De 1995 at 2002, perderam 25 pontos percentuais, num mercado em que cada ponto valia 1,6 milhes de reais. A Kelloggs passou a sofrer a concorrncia da Nestl, que chegou a 2002 com 21% das vendas. No entanto, a vice-liderana era do conjunto das marcas mais baratas. De cada 100 pacotes de cereais consumidos no Brasil, 32 eram de nomes pouco conhecidos.

Em dez anos, o nmero de marcas de achocolatados em p chegou a 40, ganhando 22% de participao. At a metade dos anos 90, o lder Nescau detinha 63% das vendas. Em novembro de 2001, era de 52%.

Os consumidores emergentes

Uma combinao de crescimento do mercado, produtos tradicionais vulnerveis e consumidores insatisfeitos aconteceu nos anos seguintes ao Real. A populao de baixa renda passou a ter mais dinheiro para gastar e aumentou o consumo de alimentos e outros itens domsticos. No faltaram oportunidades para novas marcas de produtos como leite longa vida, biscoitos, adoantes, refrigerantes, amaciantes e fraldas. As vendas de leite longa vida mais do que triplicaram. As de suco pronto, de adoantes e at de raes para ces, dobraram. A demanda por esses produtos estava mais reprimida entre os consumidores mais pobres do que entre os de renda mais alta. A hegemonia das marcas principais j vinha sendo ameaa desde 1995, o ano seguinte ao Real. A Figura 1 mostra a distribuio das classes de renda no Brasil no ano de 2000. A classe C teve um crescimento de 37% em relao a 1992.

CLASSERENDA MENSAL = SALRIOS MNIMOSCONSUMO EM BILHES DE REAISMILHES DE DOMICLIOS

A/BMAIS DE 10428 (52%)19% =

CDE 4 A 10226 (28%)30% = 12,6

D/EDE 1 A 3163 (20%)51% =

Uma vez que a renda e a disposio para o consumo aumentaram, por que no ocorreu o mesmo com a participao das marcas principais? Segundo um estudo do Boston Consulting Group, as multinacionais orientaram-se, durante dcadas, pela noo errnea de um piso de consumo restrito s classes A e B. De acordo com um executivo da Elma Chips, essa noo vigorou porque foi possvel construir grandes negcios fornecendo apenas para uma parte da populao do Brasil. Nos trs anos que se seguiram ao Real, o faturamento da Elma mais do que dobrou, mas a empresa perdeu participao. A explicao: o mercado informal das feiras livres e camels, que tomaram conta da periferia das grandes cidade, cresceu mais rpido que o mercado oficial. Esse executivo acreditava que o mercado informal era 2,5 vezes superior ao oficial, movimentando cerca de quatro vezes por ano o faturamento da Elma. As grandes marcas, como a Elma, tinham se preparado para atender ponta da pirmide, mas no haviam investido para produzir em escala de grandes massas. Com a exploso do consumo, pequenos e mdios fabricantes regionais ocuparam o vazio deixado pelas grandes marcas.

As grandes redes e o pequeno comrcio varejista

Com a estabilizao, o poder de barganhar preos e impor condies passou para o lado dos varejistas. Contribuiu para isso o processo de concentrao das redes de supermercados. Em 1992, as cinco maiores redes geravam 27,7 das vendas. Em 2002, a proporo subira para 40,7%. As grandes empresas industriais, que j haviam feito cortes em seus custos desde o incio da dcada de 90, comearam a perder rentabilidade, devido s crescentes exigncias das grandes redes varejistas: promoes de preos, propaganda cooperada, compra de espao nas lojas, promotores e mercadoria grtis na inaugurao de lojas.

A grande indstria passou ainda a enfrentar o crescimento das marcas prprias dos varejistas. No incio de 2001, eram 12.854 itens embalados como marcas prprias, mais que o dobro do que havia em 1999. Alm de fazer concorrncia, esses itens ocupavam espao na prateleira. As marcas prprias respondiam por 6% das vendas nos supermercados. Em 2003, deveriam chegar a 17%, movimentando 7,9 bilhes de reais.

Parte da distribuio dos produtos das grandes indstrias j havia sido terceirizada para atacadistas e distribuidores. Com os impostos em cascata, os produtos chegavam a preos pouco competitivos nas lojas tradicionais da periferia e pequenos supermercados, frequentados por consumidores de baixa renda. De 1997 a 2002, esse foi o segmento que mais proliferou. O nmero de lojas com quatro ou menos caixas aumentou 35% nesse perodo, chegando a 52 mil.

Os pontos de venda populares eram ideais para a introduo das marcas B. Na rede Econ, com 30 lojas para a classe D na periferia de So Paulo, as marcas principais ficavam expostas para que o consumidor fizesse comparaes. De seus 231 fornecedores, 180 eram de marcas B.

As classes de baixa renda revelavam-se pouco fiis a marcas. Quando a situao financeira ficava difcil, 43% das consumidoras optavam pela marca conhecida mais barata, mas 30% a substituam por outro produto. Menos da metade das entrevistadas de uma pesquisa com a classe C consumia a marca que seria sua primeira opo.

As marcas B tambm tinham a vantagem da informalidade. Estimava-se que no setor de refrigerantes, os informais j seriam responsveis por quase um quarto dos 12 bilhes de reais faturados anualmente pela indstria. Com a carga tributria de 40% sobre uma empresa, no pagar imposto representava grande vantagem.

A reao

Uma estratgia para reagir a essa situao poderia ser o lanamento de marcas B, como fizeram diversas empresas.

Unilever. Na ndia, a Unilever perdeu, na dcada de 1990, expressiva participao no mercado de detergentes para uma marca popular. Depois de estudar o universo do consumo emergente, a empresa fez uma completa reviso de seus processos e lanou uma marca competitiva, vendida por quase um tero do preo da marca mais cara. Com essa marca, a empresa recuperou sua participao. No Brasil, esse projeto serviu de modelo para o produto Ala, o primeiro sabo em p para os consumidores emergentes, vendido no Nordeste pela metade do preo do Omo, principal marca da Unilever.

Outro exemplo era o xampu Seda. Lanado em 1968, o Seda chegara a 1995 com 7% de participao. As vendas de xampu aumentavam, mas o Seda estava estacionado. Para conhecer os consumidores emergentes, a Unilever mandou 40 gerentes entrevistarem famlias em lares da classe C. Essa equipe descobriu, por exemplo, as diferentes necessidades dos biotipos raciais dos brasileiros. Surgiram assim produtos especficos para cabelos ondulados e crespos, antes s fabricados por empresas de segunda linha. Para garantir a distribuio s milhares de lojas do comrcio tradicional, a Unilever contratou distribuidores especializados em produtos de higiene pessoal, que vendiam pequenos lotes em pontos de venda nas localidades mais distantes. Em 2002, a marca Seda alcanava 25% do mercado de xampus.

Mabesa. Outra empresa a usar a mesma estratgia era a mexicana Mabesa, atuando no mercado brasileiro de fraldas, que, desde 1995, crescia em mdia 21,7% anuais em volume. A Mabesa j se tornara a segunda do mercado. Quando comeou, o ndice de bebs que usavam fraldas era de apenas 15%. Suas fraldas para a classe D eram vendidas em pacotes com menor nmero de unidades. Em 2001, a Mabesa passou a deter uma fatia de 18% das vendas de 3,8 bilhes de unidades, contra 22% da Kimberly Clark, a lder do mercado. Alm de suas marcas, a Mabesa produzia 75% de todas as marcas prprias de fraldas das redes varejistas, o que rendia 20% de sua receita.

Coca-Cola. Em poucos anos, o nmero de fabricantes de tubana cresceu de 55 para 750. Foi a embalagem PET de dois litros, sem retorno, inventada pela Coca-Cola, que viabilizou o negcio dos tubaineiros, que tinham 33% do mercado. Para se defender, a Coca-Cola comprou o guaran Jesus, que tinha expressiva participao no mercado do Nordeste.

Nestl. Nem sempre a estratgia funcionava. O nmero de fabricantes de biscoitos cresceu de 100 para 540 nos anos 90. A Nestl, alm de reduzir seus preos, o que diminuiu sua rentabilidade, lanou em 1996 a marca Bnus, cuja produo foi interrompida. Segundo um executivo da empresa, era difcil uma corporao produzir ao mesmo tempo marcas de prestgio e marcas B. Para isso funcionar, seria necessrio ter duas organizaes, com culturas diferentes, aproveitando algumas reas comuns, como logstica e informtica. Apesar disso, a Nestl preparava-se para lanar linhas econmicas de biscoitos e modificaria o visual e o tamanho das embalagens, para tornar seus produtos mais acessveis classe C. Tambm procuraria aumentar sua distribuio, para atingir as padarias e lojas tradicionais.

O crescimento das marcas B mudou os paradigmas de marketing. As marcas lderes, que ensinaram aos brasileiros os primeiros passos do marketing e dos produtos como margarina, sabo em p e maionese, no conseguiram reconhecer o poder de consumo das classes C e D. Tambm concentraram as vendas nas grandes redes varejistas, abrindo mo de atender o pequeno e mdio varejo do interior, o que mais cresce atualmente.

No incio de 2001, tudo indicava que as grandes marcas iriam enfrentar uma prolongada e surpreendente guerra de guerrilha.

As guerrilheiras

Algumas das empresas que ameaavam a liderana das grandes marcas eram as seguintes:

Sabo Fontana, de Encantado (RS), fabricante dos sabonetes Iara, Encanto e Anafont e do detergente lquido Font. Com 17 mil clientes ativos em 2001, pretendia chegar a 25 mil em 2002. Fechou o ano de 2001 com faturamento de 75 milhes de reais.

Aroma do Campo, de Nova Iguau (RJ), fabricante da tintura de cabelo Luminous Colour e de produtos de beleza especficos para a raa negra, xampus, condicionadores, cremes e maquiagem. Faturou 60 milhes de reais em 2001.

Coelho, fabricante de macarro e biscoito, de Sobral (CE), faturou 9 milhes de reais em 2001, com foco no mercado nordestino.

Comrcio de Doces Lucky, de So Paulo (SP), produz diariamente 100 toneladas de salgadinhos. Desde 1998, suas vendas crescem 50% ao ano.

Asa, de Recife (PE), fabricante de detergente lquido, massa de tomate, fralda descartvel e flocos de milho, faturou 100 milhes de reais em 2001, atuando principalmente no Nordeste.

Questes

1. Explique por que as grandes marcas perderam a oportunidade de explorar o mercado das marcas de baixo preo. 2. Se voc fosse consultado sobre o que as grandes marcas deveriam seguir para combater as marcas B, quais estratgias consideraria? Apresente as vantagens e desvantagens de cada alternativa que considerar, inclusive a de no fazer nada e deixar as marcas B atuarem em seus nichos.

3. Como se explica o sucesso das marcas B?

4. O que pode ameaar o desempenho das marcas B?

5. Que estratgia voc recomendaria para as marcas B preservarem suas posies e avanarem ainda mais no mercado das grandes marcas? Apresente os fundamentos de sua recomendao.

Preparado com base na matria A Invaso das Marcas Talibs, de Nelson Blecher, Revista Exame, 9 de janeiro de 2002, pp. 32-49.