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8-1 Motores a Combustão Interna Prof. Fernando Porto Curso Eng. Mecânica - UNITAU 8. SISTEMA DE ARREFECIMENTO Quando um motor se encontra em operação, a temperatura dos gases de combustão pode chegar a uma faixa entre 1500 e 2000C, embora a expansão da câmara de combustão faça reduzir esta temperatura rapidamente até perto de 800C (figura 8-1). Todos os componentes do motor que tenham contato com estes gases aquecidos acabarão por absorver calor, e este deve ser removido de modo eficiente ou o motor poderá sofrer danos irreversíveis, que impedirão o seu funcionamento. 8.1. MOTIVOS PARA A REMOÇÃO EFICIENTE DO CALOR 8.1.1. EFEITOS DO SUPERAQUECIMENTO As paredes do cilindro, a coroa do pistão e as regiões próximas ao canal de exaustão serão aquecidas ao ponto da distorção destes componentes, o que causará vazamentos de gases, líquido de arrefecimento ou de lubrificante. As válvulas permitir o escape de gases, com consequente perda de potência, ou mesmo vir a falhar, paralisando o motor. Figura 8-1: temperaturas típicas na câmara de combustão [A Practical Approach to Motor Vehicle Engineering and Maintenance, Allan Bonnick e Derek Newbold]. Perda da capacidade de lubrificação do óleo lubrificante, com consequente quebra do filme lubrificante e desgaste excessivo e prematuro dos componentes móveis. A mistura ar/combustível se torna aquecida antes da injeção, o que reduz sua densidade, causando perda de potência. Se ao ser injetada na câmara de combustão, a mistura ar/combustível encontrar uma temperatura muito mais elevada que o adequado, pode ocorrer a detonação prematura. Isto pode acarretar danos severos ao motor. 8.1.2. EFEITOS DO ARREFECIMENTO EXCESSIVO Uma baixa temperatura na câmara de combustão pode levar à condensação, nas paredes da câmara, de uma parcela do combustível injetado. Isto leva à carbonização da câmara e das válvulas, com consequente redução da eficiência do motor. O lubrificante, operando em baixas temperaturas, pode gerar borras e também uma substância denominada de verniz lubrificante, reduzindo sua capacidade de lubrificar, o que pode levar os componentes ao desgaste prematuro e excessivo, assim como paralisar o motor. O arrefecimento excessivo leva à queima incompleta do combustível. Uma vez que baixas temperaturas também levam à ocorrência de folgas entre os anéis dos pistões e as paredes do cilindro, uma parcela deste combustível não queimado acaba atingindo o óleo lubrificante, diluindo-o e causando desgaste dos componentes móveis do motor.

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8. SISTEMA DE ARREFECIMENTO Quando um motor se encontra em operação, a temperatura dos gases de combustão pode chegar a uma faixa entre 1500 e 2000C, embora a expansão da câmara de combustão faça reduzir esta temperatura rapidamente até perto de 800C (figura 8-1). Todos os componentes do motor que tenham contato com estes gases aquecidos acabarão por absorver calor, e este deve ser removido de modo eficiente ou o motor poderá sofrer danos irreversíveis, que impedirão o seu funcionamento. 8.1. MOTIVOS PARA A REMOÇÃO EFICIENTE DO CALOR 8.1.1. EFEITOS DO SUPERAQUECIMENTO As paredes do cilindro, a coroa do pistão e as regiões

próximas ao canal de exaustão serão aquecidas ao ponto da distorção destes componentes, o que causará vazamentos de gases, líquido de arrefecimento ou de lubrificante. As válvulas permitir o escape de gases, com consequente perda de potência, ou mesmo vir a falhar, paralisando o motor.

Figura 8-1: temperaturas típicas na câmara de combustão [A Practical

Approach to Motor Vehicle Engineering and Maintenance,

Allan Bonnick e Derek Newbold].

Perda da capacidade de lubrificação do óleo lubrificante, com consequente quebra do filme lubrificante e desgaste excessivo e prematuro dos componentes móveis.

A mistura ar/combustível se torna aquecida antes da injeção, o que reduz sua densidade, causando perda de potência.

Se ao ser injetada na câmara de combustão, a mistura ar/combustível encontrar uma temperatura muito mais elevada que o adequado, pode ocorrer a detonação prematura. Isto pode acarretar danos severos ao motor.

8.1.2. EFEITOS DO ARREFECIMENTO EXCESSIVO Uma baixa temperatura na câmara de combustão pode levar à condensação, nas paredes da

câmara, de uma parcela do combustível injetado. Isto leva à carbonização da câmara e das válvulas, com consequente redução da eficiência do motor.

O lubrificante, operando em baixas temperaturas, pode gerar borras e também uma substância denominada de verniz lubrificante, reduzindo sua capacidade de lubrificar, o que pode levar os componentes ao desgaste prematuro e excessivo, assim como paralisar o motor.

O arrefecimento excessivo leva à queima incompleta do combustível. Uma vez que baixas temperaturas também levam à ocorrência de folgas entre os anéis dos pistões e as paredes do cilindro, uma parcela deste combustível não queimado acaba atingindo o óleo lubrificante, diluindo-o e causando desgaste dos componentes móveis do motor.

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8.1.3. ARREFECIMENTO EFICIENTE Por estas razões, o motor deve contar com um sistema que mantenha sua temperatura operacional em um patamar ótimo, de modo que a temperatura média da câmara de combustão não exceda 250C, embora a temperatura máxima dos gases de exaustão possa atingir 2000C. Desta forma, pode ser afirmado que a função do sistema de arrefecimento não é somente remover o calor excessivo do motor, mas também de mantê-lo em uma temperatura ótima de operação, e que esta temperatura ótima seja atingida o mais rápido possível. 8.2. TIPOS DE SISTEMAS DE ARREFECIMENTO Os tipos de sistemas de arrefecimento mais utilizados em veículos automotivos produzidos comercialmente utilizam fluidos, normalmente água ou ar, para realizar a remoção do calor. 8.2.1. ARREFECIMENTO A AR Os motores refrigerados a ar mais famosos no Brasil são os Volkswagenwerk A. G. Wolfsburg 1.600 TI, conhecidos como Typ 126 (ver figura 8-2), mas existe uma ampla gama de motores automotivos e aeronáuticos refrigerados a ar já produzidos em massa, ou ainda em produção, no mundo. Entretanto, o uso de arrefecimento a ar, em automóveis, tem sido normalmente restrito aos motores de pequena potência.

Figura 8-2: motor VW 1.600 TI.

Um dos motivos para seu uso restrito às baixas potências é o grande volume de ar necessário ao seu funcionamento, cerca de 30 a 40 m3/h de ar para cada CV, em motores a gasolina, podendo chegar a 60 m3/h por CV em motores diesel. Além disso, é necessário ter em mente a presença de uma superfície de refrigeração, cerca de 10 a 15 cm2 por centímetro cúbico de cilindrada, significando que um motor 1600 cc (1,6 litros) precisa de uma área de refrigeração entre 1,6 e 2,4 m2 para funcionar adequadamente. A necessidade desta grande área de refrigeração resulta na instalação de aletas ao redor de cada cilindro para a troca eficiente de calor, impedindo que os cilindros sejam muito próximos entre si. Este distanciamento resulta em um virabrequim longo e pesado, levando a um motor mais pesado que outro refrigerado à água, de cilindrada equivalente. Entretanto, devido à simplicidade e ao pouco peso do sistema de arrefecimento a ar, este tem sido usado em uma grande gama de motores de combustão interna, especialmente em motocicletas e aeronaves, mas também em automóveis (ver figura 8-3). Além disso, em locais onde a temperatura ambiente possa atingir valores próximos ou abaixo de 0C, o uso do arrefecimento a ar em motores de grande potência pode se tornar uma vantagem (pouco peso e isento de risco de congelamento do fluido de arrefecimento), de modo que em alguns países podem ser encontrados até mesmo caminhões com motores refrigerados a ar.

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Franklin 1907 Roadster Model D – EUA

3.3L 4cil. 20hp

Fiat 500 Nuova “Cinquecento” (1957 - 1975) – Itália

0.48L 2cil.

Porsche 356 (1948–1965) – Aústria / Alemanha

1.1 a 2.0L 4cil.

Porsche 911 Neunelfer (1963 – atual) – Alemanha

2.0 a 3.6L 6cil. Com refrigeração a ar até 1998.

Volkswagen Type 1 (1938 – 2003)

1.1 a 1.6L 4cil.

Família Tatra T815 (1983 – atual) – Eslováquia

Diversos motores, incluindo V8 a V12 diesel a ar.

Tatra Tatrapan 6x6 (1994 – 2009) – Eslováquia

Diversos motores, incluindo diesel refrigerado a ar.

Honda 1300 ou 145 (1969 –1973) – Japão Diversos motores, incluindo 1.3L 4cil. a ar

Figura 8.3: Exemplos de veículos produzidos com motores refrigerados a ar.

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8.2.2. ARREFECIMENTO A ÁGUA O meio refrigerante normalmente é água com aditivos para rebaixar o ponto de congelamento (por exemplo, etileno-glicol) e proteger da corrosão (mais detalhes sobre aditivos serão apresentados adiante). Atualmente nos motores automotivos, o líquido arrefecedor circula de modo forçado através da ação de uma bomba d’água, removendo o calor para um radiador, o qual é responsável por entregar a energia térmica para o ambiente (ver figura 8.4). Existem motores a combustão interna refrigerados a água que não utilizam bombas d’água, utilizando um sistema denominado de termo sifonado ou termo sifão. Como neste tipo de sistema a circulação da água é lenta, é necessária uma quantidade maior de água do que sistemas que empregam um fluxo forçado, exigindo também um radiador maior e, portanto, mais pesado. Além disso, este tipo de sistema obriga o radiador a ser posicionado acima do motor, de modo que o líquido aquecido force a circulação. Devido a estas características, o emprego dos sistemas termo sifonados é atualmente restrito a motores de pequeno porte, normalmente estacionários e, portanto, não será detalhado aqui.

Figura 8.4: Principais componentes de um sistema típico de arrefecimento automotivo a água.

Desta forma, no sistema automotivo de arrefecimento a água, típico, o líquido arrefecedor é bombeado através de canais dentro do motor, removendo o calor dos pistões, paredes do cilindro, cabeçote, etc., sendo a bomba d’água (figura 8.5) o componente responsável pela circulação forçada deste fluido. Acionada por correia, pode chegar a absorver até 15% da potência do motor.

Figura 8.5: Bomba d'água para motores Ford 2.3 16V (Fusion e Ranger), e Duratec 2.0 16V (Mondeo, Ecosport, Focus) fabricados

em 2001 e em diante.

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Ao entrar em funcionamento, o motor começa a aquecer. Até atingir a faixa ideal de trabalho de temperatura, o que ocorre com certa rapidez, o fluido de arrefecimento circula somente dentro das galerias do motor. Quando o motor alcança esta faixa, normalmente entre 85 e 95ºC, a válvula termostática (figura 8.6) se abre e o fluido passa a circular não somente no motor, mas também no radiador. No radiador ocorre a troca de calor com o meio ambiente, e o fluido arrefecedor tem sua temperatura reduzida, consequentemente reduzindo a temperatura do motor. A temperatura no radiador decresce pouco, na ordem de 5oC, evitando choques térmicos e decréscimos na temperatura ótima de funcionamento do motor. Quando a temperatura alcança o limite inferior da temperatura operacional, a válvula termostática fecha e o fluido volta a circular somente dentro do motor, permitindo que este aqueça novamente. Desta forma, a válvula permite não apenas que o motor alcance rapidamente a faixa de temperatura ideal de operação, mas mantém a temperatura dentro desta faixa.

Figura 8.6: Válvula termostática típica, de cera expansiva. 8.2.3. VÁLVULA TERMOSTÁTICA Como já mencionado, a válvula termostática tem como função permitir o rápido aquecimento do motor e controlar a temperatura do mesmo, mantendo-a na faixa ideal de serviço. Tipicamente as válvulas são comandadas pelo núcleo de cera expansiva, que ao atingir uma determinada temperatura, se liquefaz e expande, abrindo desta forma a válvula (figura 8.6). Entretanto, a faixa ideal de operação pode variar muito dependendo do projeto do motor e do combustível utilizado (figura 8.7), sendo que, por exemplo, válvulas termostáticas de motores a etanol normalmente devem abrir com temperaturas maiores do que no mesmo motor, em versão a gasolina.

Figura 8.7: Exemplos de válvulas termostáticas. [Catálogo de Produtos 2018, Metalúrgica Iguaçu Ltda.]

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Para garantir que a cera se liquefaça e expanda na temperatura correta, muitas destas válvulas possuem a capacidade de operar de acordo com o combustível utilizado pelo veículo, atendendo ao comando da ECU (módulo de controle eletrônico). São as chamadas válvulas termostáticas eletrônicas, interligadas à ECU, a qual envia tensão em pulsos para aquecer a cera fazendo a válvula abrir na temperatura requerida. Na figura 8.7 pode ser observado que carcaça da válvula de código 401.1525 possui uma entrada para o conector do controle eletrônico. Alguns proprietários removem a válvula termostática de seus veículos, sob o pretexto de que esta, quando falha, provoca danos ao cabeçote ou até mesmo a perda do motor. Motores a combustão automotivos não devem operar sem a válvula termostática, especialmente os equipados com injeção eletrônica, pois a temperatura do motor não atingirá a faixa ideal de operação. A ECU, operando com um motor frio, enriquecerá a mistura ar/combustível, acarretando excesso de consumo e falhas constantes. Por sua vez, devido a estarem em temperatura menor que a ideal de serviço, as partes mecânicas do motor estarão em dimensões diferentes das dimensões de projeto para a operação, trabalhando assim com folgas, o que acarretará redução do tempo de vida do motor. 8.2.3. RADIADOR O radiador automotivo é um trocador de calor, cuja função é transferir calor do líquido arrefecedor do motor para o meio ambiente. Para tal, é projetado para conter uma parcela do líquido arrefecedor do sistema, oferecendo uma grande área superficial para a troca de calor, e simultaneamente, apresentando somente uma relativamente pequena área frontal, de modo a prejudicar ao mínimo possível a aerodinâmica do veículo. Normalmente é posicionado a frente do motor, de modo a receber o fluxo de ar movimentado pelo ventilador ou ventoinha do motor. Existem diversos tipos de radiadores, mas todos possuem dutos para a circulação do líquido arrefecedor, dotados de aletas para dissipar o calor no fluxo de ar. Os projetos mais antigos de radiadores automotivos apresentam grandes dimensões, com dutos aletados dispostos verticalmente, onde o líquido arrefecedor quente originado do motor entrava por uma caixa ou tanque superior (ver figuras 8.4 e 8.8), e retornava ao motor passando por uma caixa ou tanque inferior. Esta disposição dos tubos aletados fazia com que o fluxo interno do arrefecedor tivesse uma velocidade mais elevada do que a ideal para a troca eficaz de calor. Além disso, devido ao tamanho, estes radiadores antigos demoravam em aquecer, e depois de aquecidos, não reduziam eficazmente a temperatura do arrefecedor. Com isto, na maior parte do tempo o motor acabava operando abaixo ou acima da faixa da temperatura ideal de serviço.

Radiador GM Opala 4 cil. 1968 a 1998.

Radiador GM Onix Prisma Cobalt 2013 e em diante.

Figura 8.8: Exemplos de radiadores com diferentes disposições dos dutos aletados.

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Os projetos atuais de radiadores são estreitos, com dutos aletados de parede fina, dispostos horizontalmente (ver figura 8.8), permitindo uma baixa velocidade de fluxo do arrefecedor, melhorando a eficácia da troca de calor. Com a disposição horizontal, estes radiadores podem ser mais baixos e largos, em uma configuração que favorece a aerodinâmica da carroceria. A temperatura do líquido arrefecedor no radiador varia pouco, sendo normalmente devolvido ao motor somente 5oC mais frio do que ao vir do mesmo. Isto evita choques térmicos e decréscimos na temperatura ótima de funcionamento do motor. A quantidade de meio refrigerante em serviço deve ser pequena (ver figura 8.9), para poder chegar rapidamente à temperatura de serviço, podendo haver uma reserva mantida no mesmo circuito.

Figura 8.9: Exemplos de capacidade do sistema arrefecedor, em litros. [Tabela de Aplicação de Aditivos para Radiador DQ-06-26, Paraflu]

A sobrepressão no sistema de refrigeração, normalmente de 7 a 11% acima da pressão atmosférica, permite um radiador menor e eleva a temperatura de ebulição, embora submeta mangueiras, juntas e o próprio radiador a solicitações mais elevadas. O retardamento da ebulição é importante pois evita a formação de bolhas de vapor, as quais impedem o contato da água com as paredes dos canais de arrefecimento do motor, além de reduzir ou até inviabilizar o fluxo do arrefecedor nos canais. Quando a pressão ultrapassa um determinado valor, a tampa do radiador (figura 8.10) funciona como válvula de alívio, reduzindo o excesso de pressão (figura 8.11) e enviando o excesso de fluido para o reservatório de expansão (ou tanque de recuperação). A função deste tanque ou reservatório é a de garantir que o nível de arrefecedor circulante no sistema permaneça estável, estando este frio (volume menor) ou aquecido (volume maior). O abastecimento do sistema de arrefecimento é realizado através do bocal deste tanque.

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A pressão de acionamento da tampa do radiador varia conforme o fabricante e modelo do carro (figura 8.10). As tampas também operam como válvulas de alivio de vácuo, admitindo ar atmosférico no sistema no momento em que este começa a se esfriar (figura 8.11). Isto evita a contração das mangueiras e o colapso do radiador. Em projetos mais atuais, a tampa do radiador é ocultada para evitar a manipulação indevida pelo usuário do veículo, permanecendo acessível somente a tampa do reservatório de expansão.

88 kPa

108 kPa

130 kPa

Figura 8.10: Exemplos de tampa pressurizada de radiador.

Figura 8.11: Operação típica da tampa pressurizada de radiador.

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Muitos veículos atuais tem um ventilador elétrico para complementar ou substituir o ventilador do motor (figuras 8.12 e 8.13). Trata-se de um ventilador comandado por um interruptor térmico localizado no radiador. Quando a temperatura do arrefecedor atinge um valor máximo específico, o interruptor aciona o ventilador. Quando a temperatura atinge um determinado valor mínimo, o interruptor desliga o ventilador. Deste modo, o sistema é mantido operando dentro de uma faixa pré-determinada de temperatura.

Figura 8.12: Diagrama esquemático de um sistema arrefecedor dotado de eletro-ventilador comandado por um interruptor térmico.

[Adaptado da publicação Sistema de Arrefecimento, da MTE-THOMSON Ind. Com. Ltda.]

Figura 8.13: Exemplos da localização do eletro-ventilador no automóvel. Na figura 8.4 pode ser observado, no canto superior direito do radiador, o acesso ao filtro do arrefecedor (figura 8.14). A presença deste tipo de filtro em motores de pequeno porte é uma raridade, podendo ser encontrados mais comumente em motores de grande porte.

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Apesar da presença de aditivos anticorrosivos no líquido arrefecedor, as paredes dos canais de arrefecimento sofrem oxidação, ainda que seja uma fração ínfima do que sofreria na ausência do aditivo. Devido ao aquecimento e resfriamento alternado do motor, as superfícies destes canais acabam por liberar esta oxidação na forma de partículas, que passam a circular no fluxo do arrefecedor. Estas partículas podem desgastar por abrasão a bomba d’água, assim como, em casos extremos, restringir ou entupir os canais e mangueiras, provocando superaquecimento e aumento de pressão, danificando ou até mesmo levando o motor a fundir. O filtro do sistema de arrefecimento permite manter o líquido arrefecedor livre das partículas de oxidação, liberando a passagem somente de água e dos aditivos. Além disso, alguns modelos de filtros contêm aditivos que são liberados lentamente durante a vida útil do filtro, permitindo manter a aditivação do arrefecedor nos níveis requeridos.

Figura 8.14: Filtro para

arrefecedor Wega WA-100. [Catálogo Produtos Wega

2019]

8.2.4. LÍQUIDO ARREFECEDOR Por mais que a afirmação soe como incongruente, a verdade é que sistemas automotivos de arrefecimento a água não devem usar unicamente água como fluido arrefecedor, sob risco de reduzirem drasticamente a vida útil do motor. O líquido arrefecedor deve atender os seguintes requisitos: Propriedades ótimas de transmissão de calor. Elevada capacidade térmica. Baixa perda por evaporação. Boa capacidade anticongelante. Oferecer proteção à corrosão, erosão e cavitação para todos os componentes metálicos do

sistema de arrefecimento. Compatibilidade com plásticos, elastômeros e revestimentos do sistema. Estabilidade sob a variação de temperatura. Baixa necessidade de manutenção. Longa vida útil operacional. Manuseio simples. Baixo custo. Mínimo impacto ambiental. O arrefecedor normalmente consiste de uma mistura de água deionizada, desmineralizada ou destilada, com um conjunto de aditivos testados e aprovados pelo fabricante do motor, na proporção de 50% - 50%. O conjunto de aditivos geralmente contém 90% de monoetileno-glicol, sendo os restantes 10% composto por vários outros aditivos, incluindo substâncias inibidoras de corrosão e de cavitação, reguladoras do ph, antiespumantes, pigmentos, além de outros.

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Anticongelante, Antifervura, Lubrificante, Anti-ressecamento O monoetileno-glicol, uma vez combinado com a água, tem a capacidade de baixar a temperatura de congelamento desta, e também eleva a temperatura de ebulição da mesma. Combinado com a água na proporção de 50% do volume total, o monoetileno-glicol reduz a temperatura de congelamento para -35C, e eleva a temperatura de ebulição da água para 150C. Além disso, o monoetileno-glicol também atua como lubrificante da bomba d’água e protege do ressecamento as mangueiras, vedações e demais componentes plásticos, elastômeros e revestimentos do sistema. Alguns produtos substituem o monoetileno-glicol por monopropileno-glicol. Anticorrosivo A água potável contém ar dissolvido, do qual aproximadamente 20% é oxigênio gasoso. Este oxigênio livre ataca os metais produzindo partículas de oxidação, as quais causam desgaste abrasivo à bomba d’água, e atacam as vedações da bomba, causando vazamentos. Os aditivos anticorrosivos tradicionais mais comuns são soluções contendo bórax, mercaptobenzotriazol, difosfato de sódio, benzotriazol e toliltriazol, em diferentes proporções e combinações, ou ainda contendo apenas um destes produtos citados. Anticavitação O “pitting” ou cavitação é causado pelo movimento normal das peças durante o funcionamento do motor. O movimento do pistão dentro da camisa e a energia liberada pelo processo de combustão provocam a vibração da camisa. A energia liberada pelo processo de combustão provoca a vibração da camisa em alta frequência. A camisa move-se com rapidez suficiente para se afastar do líquido refrigerante, e formando “bolhas” de vácuo. Quando a camisa retorna, as bolhas virtualmente implodem contra a parede da camisa. A energia liberada no processo erode o material desta.

Figura 8.15: Cavitação nas paredes da camisa do cilindro.

O aditivo anti-cavitação, normalmente nitrito, forma uma camada protetiva de óxido recobrindo a superfície dos componentes. As bolhas de vácuo continuam se formando, mas estas implodem contra o filme de óxido, não fazendo contato com o metal. A causa mais comum da cavitação é a subconcentração do aditivo, originada pela aplicação do fluido refrigerante em proporção inadequada, ou pelo prolongamento excessivo da vida operacional do fluido. Além de ocorrer nas paredes das camisas dos cilindros (figura 8.16), a cavitação também pode ocorrer no rotor da bomba d’água, onde as bolhas implodem contra as próprias pás (figura 8.17).

camisa

fluido

bolhas de vácuo

camisa

fluido

implosão das bolhas

material da camisa erodido pelas

implosões

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Figura 8.16: Efeito da cavitação em camisas de cilindro, motor diesel

Figura 8.17: Efeito da cavitação no rotor da bomba d’água.

Entretanto, a utilização de um aditivo anti-cavitação deve ser realizada de forma precisa. Tratar excessivamente o sistema com aditivos é uma das maneiras mais rápidas de gerar problemas de corrosão de solda. Isto porque o nitrito, é muito agressivo ao chumbo quando muito concentrado no líquido de refrigeração. Níveis de nitrito três vezes maior do que o recomendado levam à rápida corrosão do chumbo. Entretanto, se a concentração dos aditivos for menor do que o recomendado, o sistema de refrigeração também fica exposto a problemas de corrosão. Anti-incrustante As superfícies aquecidas do motor (camisas, cabeçotes, etc.) podem ser revestidas com depósitos de cálcio e silicatos (quando usada água “dura”), produtos da corrosão, assim como altas concentrações de aditivos. Isto pode causar sérios problemas de troca de calor. Uma incrustação de 1/16 de polegada (1,59mm) proporciona o mesmo isolamento que 4 polegadas (101mm) de ferro fundido, não permitido, portanto, a absorção do calor das superfícies quentes do motor pelo líquido de refrigeração. Além disso, como a incrustação não ocorre uniformemente, algumas áreas revestidas trocam calor mais rapidamente do outras, criando gradientes de temperatura e consequente distorção da superfície devido à expansão térmica irregular.

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Antiespumante A formação de espuma ocorre devido a presença de ar dissolvido no fluido arrefecedor. Na movimentação do fluido, em alta velocidade nos estreitos canais de arrefecimento, camadas de bolhas acabam por surgir. Como o ar é um excelente isolante, estas camadas de bolhas impedem localmente a transferência de calor do motor para o fluido de arrefecimento, reduzindo assim a eficiência do sistema de refrigeração. O aditivo antiespumante é uma substância que tem uma tensão superficial menor que a das paredes das bolhas de espuma do fluido arrefecedor. O aditivo rompe a parede da bolha já formada, e ao mesmo tempo, reduz a possibilidade de formação de outras. Água A água não é um aditivo do fluido arrefecedor, e sim o componente responsável pela troca de calor. Entretanto, suas características devem atender alguns requisitos, ou se tornará um agente de destruição no interior do sistema. A água potável possui quantidade excessiva de cálcio e magnésio. Estes minerais contribuem para a formação de escamas, que aderem à superfície dos canais de arrefecimento, prejudicando a troca de calor, e o nível elevado de cloretos e sulfatos acentua a corrosão. Como resultado do uso de diferentes metais na construção do motor, existe a ocorrência de corrosão galvânica. Metais dissimilares têm diferentes potenciais de eléctrodo, e quando dois diferentes metais entram em contato através de um meio líquido condutor, agem como se fossem uma bateria, um metal agindo como ânodo e o outro como cátodo. Tal como na bateria, o metal que age como ânodo é dissolvido no fluido condutor, e depositado no metal que atua como cátodo. A água potável é boa condutora, e este processo pode destruir com relativa rapidez o metal anódico. A água potável de boa qualidade, com taxa de sais minerais dissolvidos em proporção adequada para o consumo humano, possui condutividade na ordem de 200 μS/cm. A água destilada comercial tem condutividade entre 0,5 e 3,0 μS/cm, e a deionizada encontrada no comércio varejista automotivo, na ordem de 1 μS/cm. Considerando a mesma procedência, a água desmineralizada apresenta condutividade entre 0,5 e 5,0 μS/cm. Assim, devido à baixa condutividade elétrica e ausência de minerais dissolvidos em quantidade significativa, é obrigatória a utilização de água deionizada, desmineralizada ou destilada como base para o fluido de arrefecimento. 8.3. COMPARAÇÃO ENTRE SISTEMAS DE ARREFECIMENTO 8.3.1 SISTEMA DE ARREFECIMENTO A AR Vantagens Peso. Um MCI completo, com sistema de arrefecimento a água é mais pesado que um MCI de

mesma potência, refrigerado a ar. Permite ao motor alcançar a temperatura de serviço muito rapidamente. Permite ao motor operar em ambientes de temperatura extrema, seja de muito calor ou de muito

frio, nos quais motores refrigerados a água operam com dificuldade devido ao risco de superaquecimento ou de congelamento do líquido arrefecedor.

Exige pouca ou nenhuma manutenção.

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Motores a Combustão Interna Prof. Fernando Porto Curso Eng. Mecânica - UNITAU

VW Kübelwagen do Afrikakorps – Deserto do norte da

África, entre 1940 e 1943.

“Polar Bug”. Volkswagen Type 1 na base australiana da

ANARE em Mawson, Antártida, 1963. Desvantagens Um ventilador (fan, no Brasil denominado de “ventoinha do motor”) e um adequado dispositivo

direcionador do fluxo (cowl, ou ainda capa do cilindro, placa defletora, etc.) são necessários para manter o fluxo de ar sobre os pistões, especialmente quando o veículo estiver parado. Este ventilador acrescenta ruído ao funcionamento do motor, e rouba potência do mesmo. O dispositivo direcionador de fluxo dificulta o acesso ao motor quando em manutenção.

O ruído tende a ser amplificado pelas aletas de refrigeração dos pistões. A diminuição da velocidade do veículo em engarrafamentos ou até mesmo para abastecimento,

por exemplo, pode acarretar o sobreaquecimento do motor. Quanto mais potente for o motor, maior a probabilidade desta ocorrência.

Mais suscetível ao superaquecimento em elevadas rotações do que o motor refrigerado a água, especialmente em baixas velocidades de deslocamento do veículo.

Os cilindros são normalmente fabricados separadamente do bloco do motor, devido às aletas de refrigeração, elevando o custo de manufatura.

Os cilindros devem ter espaçamento entre si suficiente para as aletas de refrigeração e também para a circulação de ar. Para motores de pequeno porte, isto não é problema, mas a necessidade de aumentar as dimensões, e consequentemente o peso, pode inviabilizar o emprego de sistemas de refrigeração a ar no projeto de MCIs de potência elevada.

Maior dificuldade para aquecimento da cabine do veículo. 8.3.2. SISTEMA DE ARREFECIMENTO A ÁGUA Vantagens A temperatura é mantida mais uniforme, minimizando a distorção do motor. Os cilindros podem ficar mais próximos entre si, permitindo um motor mais compacto. Melhor acesso na manutenção. O sistema de circulação da água absorve uma parcela do ruído do funcionamento do motor,

fazendo-o mais silencioso. O motor é capaz de operar em uma maior gama de condições operacionais e ambientais sem

risco de sobreaquecimento. Desvantagens Maior peso (ver vantagens do sistema de arrefecimento a ar). Uma vez que a água precisa ser aquecida, é necessário maior tempo para se alcançar a

temperatura de operação do motor.

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Em climas de inverno severo, se o veículo permanecer parado ao tempo, com motor desligado, existe o risco de a água congelar no interior do motor, causando grandes danos, mesmo com o uso de aditivos anticongelantes.

Existe sempre o risco de vazamento do líquido arrefecedor devido ao desgaste e ao ressecamento das juntas e conexões.

Exige muito maior manutenção que o sistema de arrefecimento a ar.