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  • An Bras Dermatol. 2013;88(3):401-7.

    Uso do iodeto de potssio na Dermatologia: consideraesatuais de uma droga antiga*

    Use of potassium iodide in Dermatology: updates on an old drug

    DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132377

    Resumo: Iodeto de potssio, sob a forma de soluo saturada, um valioso medicamento no arsenal teraputicodo dermatologista. usado h mais de um sculo e til para doenas de fisiopatologias diversas em virtude deseu carter imunomodulador. Prescrev-lo, entretanto, tem se tornado cada vez menos frequente na prtica der-matolgica. O pouco conhecimento sobre seu exato mecanismo de ao, o desinteresse da indstria farmacuti-ca com o advento de novos frmacos, alm da toxicidade do medicamento pelas altas doses utilizadas so algu-mas das possveis justificativas. Dessa forma, os estudos cientficos envolvendo seus aspectos farmacolgicos,posolgicos e de eficcia so relativamente raros. Consequentemente, no se convencionou uma padronizao naforma de manipular e prescrever a soluo saturada de iodeto de potssio, o que causa um verdadeiro desconhe-cimento da dose exata em gramas do sal que est sendo fornecida aos pacientes. Ao considerar que a dose estdiretamente relacionada toxicidade e o conhecimento da caracterstica imunomoduladora dessa droga, importante definir a quantidade a ser fornecida, reduzindo-a at a dose mnima eficaz, de forma a diminuir aintolerncia e melhorar a adeso ao tratamento. A relevncia do tema se deve ao fato da soluo saturada de iode-to de potssio ser, muitas vezes, a nica escolha na teraputica disponvel para o tratamento de algumas derma-toses de origem infecciosa, inflamatria ou imunomediada, quer por indicao especfica, por falha de outromedicamento ou por seu custo acessvel. Palavras-chave: Dermatopatias; Iodeto de potssio; Iodo; Teraputica

    Abstract: Potassium iodide, as a saturated solution, is a valuable drug in the dermatologists therapeutic arsenaland is useful for the treatment of different diseases due to its immunomodulatory features. However, its prescrip-tion has become increasingly less frequent in dermatology practice. Little knowledge about its exact mechanismof action, lack of interest from the pharmaceutical industry, the advent of new drugs, and the toxicity caused bythe use of high doses of the drug are some possible explanations for that. Consequently, there are few scientificstudies on the pharmacological aspects, dosage and efficacy of this drug. Also, there is no conventional standardon how to manipulate and prescribe the saturated solution of potassium iodide, which leads to unawareness ofthe exact amount of the salt being delivered in grams to patients. Considering that dosage is directly related totoxicity and the immunomodulatory features of this drug, it is essential to define the amount to be prescribed andto reduce it to a minimum effective dose in order to minimize the risks of intolerance and thus improve treatmentadherence. This review is relevant due to the fact that the saturated solution of potassium iodide is often the onlytherapeutic choice available for the treatment of some infectious, inflammatory and immune-mediated der-matoses, no matter whether the reason is specific indication, failure of a previous therapy or cost-effectiveness.Keywords: Iodine; Potassium iodide; Skin diseases; Therapeutics

    Recebido em 17.12.2 012.Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicao em 04.01.2013. * Trabalho realizado no Laboratrio de Micologia, Servio de Dermatologia, Hospital Universitrio Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-

    UERJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil.Conflito Interesses: Nenhum / Conflict of Interests: None.Suporte Financeiro: Nenhum / Financial Support: None.

    1 Doutora Professora associado da disciplina de Dermatologia - Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

    2 Mestranda - Curso de ps-graduao em Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil.3 Farmacutica - Hospital Universitrio Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil.4 Doutorado Professora visitante da disciplina de Dermatologia - Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio

    de Janeiro (RJ), Brasil.

    2013 by Anais Brasileiros de Dermatologia

    REVISO 401

    Rosane Orofino Costa1

    Aline Carvalhal3Priscila Marques de Macedo2

    Andra Reis Bernardes-Engemann4

  • An Bras Dermatol. 2013;88(3):401-7.

    INTRODUOO iodo, originalmente obtido a partir de algas

    marinhas no incio do sculo XIX, era utilizadosomente para o tratamento de desordens tireoidianas.Com o tempo, novas aplicaes tornaram o medica-mento til e verstil, principalmente nos casos defalha teraputica de doenas de origem inflamatria,imunomediada ou infecciosa. A psorase, o eczema, olpus vulgar e a sfilis constituem exemplos dessesantigos alvos teraputicos do iodo.1 Posteriormente,foi usado no manejo do tratamento de dermatosesinflamatrias, como eritema nodoso, eritema polimor-fo e granuloma anular; de dermatoses neutroflicas,como sndrome de Sweet e pioderma gangrenoso; e dedermatoses infecciosas, como esporotricose e zigomi-cose.1,2

    Medicamentos novos e potentes substituram oiodeto de potssio na prtica dermatolgica, sob opretexto de que sua dose teraputica era muito prxi-ma da txica. Por outro lado, o maior entendimentosobre seu mecanismo de ao resultou em novosquestionamentos sobre qual seria a dose ideal e o usocorreto, gerando perspectivas futuras otimistas paraum medicamento conhecido, seguro, de baixo custo eeficaz.

    A proposta deste artigo mostrar a versatilida-de de uma droga antiga que continua sendo umaopo teraputica segura e eficaz para algumas der-matoses, desde que devidamente indicada e adminis-trada. Sero abordados temas como Farmacologia,mecanismo de ao, indicaes e contraindicaes emanejo adequado do medicamento.

    MTODOSComo o medicamento muito antigo, foi esque-

    cido ao longo dos anos e no h estudos randomiza-dos, placebos-controlados ou duplos-cegos sobre suautilizao. A exceo um artigo sobre nova posologiapeditrica.3 Isto prejudica a realizao de estudos demetanlise. A busca em diversas bases de dados,usando descritores de sade definidos pela BibliotecaVirtual em Sade (BVS - Bireme) para iodeto de pots-sio - potassium iodide, saturated solution of potassium iodi-de - isoladamente ou AND dermatology, traz arti-gos isolados do uso em determinadas dermatoses, emacidentes nucleares e tireoidopatias, alm de relatosde eventos adversos.

    ASPECTOS FARMACOLGICOS E MECANISMODE AO

    O iodeto de potssio (KI) um sal compostopor 76% de iodo e 23% de potssio, que se apresentacomo cristais hexadricos transparentes ou opacos decor branca.1,4 fotossensvel e tem propriedades leve-mente higroscpicas, sendo bastante solvel em

    gua.4 Os limites de solubilidade variam de acordocom o solvente utilizado, sendo 1g do soluto para 0,7mL de gua; para 0,5 mL de gua fervida; para 22 mLde lcool e para 2 mL de glicerol. A soluo tem pro-priedades neutras a alcalinas.4,5

    O iodo pouco absorvido quando aplicado pele. Por via oral, as solues de sais de iodeto soconvertidas em iodo que transportado e se concen-tra na glndula tireoide; o restante eliminado pelaurina e pequena quantidade aparece nas fezes, salivae suor. excretado no leite e atravessa a barreira pla-centria. 4

    As diversas hipteses quanto ao seu mecanis-mo de ao justificam a versatilidade teraputica doiodeto, que atua na proteo da glndula tireoide emacidentes nucleares ou disfunes glandulares, nainterao com as clulas do sistema imune e na aodireta contra agentes infecciosos. Alguns deles encon-tram-se exemplificados a seguir.

    Doenas cuja patognese envolve a ao deneutrfilos respondem bem ao iodeto. Demonstrou-seque o iodo, assim como a dapsona, tem a capacidadede suprimir a produo de intermedirios txicos dooxignio pelos leuccitos polimorfonucleares e, dessaforma, exercer seu efeito anti-inflamatrio.6 Outraao do frmaco a inibio da quimiotaxia de neu-trfilos, mostrada in vivo no sangue perifrico quandoda ingesto oral de KI na dose de 15 mg/Kg/dia portrs dias.7 Especula-se que o iodo atue nas reaes dehalogenao das mieloperoxidases, fundamentais naao dos fagcitos.8 Este mecanismo ajuda tambm acompreender, em parte, a utilidade do medicamentonas doenas infecciosas.

    Quando usado por via tpica, o iodeto tem aodesinfetante e antissptica.4 A capacidade do iodeto depotssio de destruir diretamente micro-organismosainda motivo de especulao. Embora a literatura dereferncia em Farmacologia afirme que o iodeto depotssio no tem atividade antifngica in vitro, umtrabalho mostra que, quando as leveduras doSporothrix schenckii so expostas a concentraes cres-centes da droga, ocorre lise celular atravs da libera-o de enzimas lisossomiais.4,9 Ao considerar tambma ao imunolgica in vivo do iodeto, possvel queeste tenha algum efeito direto sobre o agente infeccio-so. Entretanto, so necessrios mais estudos que com-provem esses mecanismos de ao.

    O carter imunomodulador do frmaco justifi-ca seu mecanismo de ao em relao s demaisdesordens inflamatrias e imunomediadas. No entan-to, ignora-se o alvo exato da complexa via imunolgi-ca sobre o qual o iodeto atua em cada uma das doen-as. Talvez a falta de investigaes cientficas se justi-fique pelo desinteresse da indstria farmacutica na

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    droga antiga e, portanto, sem perspectiva de lucro.

    INDICAES NO DERMATOLGICASTireoidopatias a indicao mais clssica e pioneira nas expe-

    rincias teraputicas. O iodo fundamental para ometabolismo da glndula tireoide de forma a mantera homeostasia decorrente da ao dos hormnios. Nosestados carenciais que causam hipotireoidismo ebcio, a suplementao de iodo importante. O hiper-tireoidismo tambm pode ser tratado atravs da abla-o com iodo radioativo quando existem ndulos soli-trios quentes, secretores de hormnios ou no bciomultinodular txico. Alguns casos de doena deGraves tambm podem ser tratados desta forma,especialmente naqueles refratrios aos agentes antiti-reoidianos.10,11 O iodo tambm usado, sob a forma demarcao radioativa, nos exames cintilogrficos datireoide.

    Doenas das vias respiratrias O iodeto de potssio pode ser utilizado sob a

    forma de xarope expectorante na concentrao de 2%(20mg/mL) nas doenas infecciosas das vias respira-trias ou no caso de doenas pulmonares nas quaisalteraes anatmicas prejudiquem a expectorao,tais como enfisema e fibrose cstica. Atua comoexpectorante irritante, cujo mecanismo de ao sed por irritao direta das glndulas da mucosa respi-ratria.4,12

    Acidentes nuclearesO iodeto de potssio vem sendo utilizado como

    bloqueador da absoro de iodo radioativo (131) pelaglndula tireoide, a partir da saturao dos receptores,em casos de acidentes nucleares como o que ocorreu nausina nuclear de Chernobyl. Diminui o risco de cncerde tireoide e hipotireoidismo, induzidos pelo iodoradioativo. administrado em comprimidos, geral-

    mente em dose nica, poucas horas aps a exposio radiao e varia de acordo com a idade.13

    ColposcopiaO iodo tambm usado em exames diagnsticos

    como a colposcopia. A soluo iodada, ou lugol, utiliza-da no teste de Schiller cora as reas ricas em glicognio.Nas clulas neoplsicas, o tamanho do citoplasma menor porque o ncleo aumenta em virtude da maiorreplicao de DNA. Desta forma, as reas iodo-negati-vas revelam e orientam o local a ser biopsiado.14

    DERMATOSESInfecciosasPor via tpica, o iodo tem ao bactericida, antis-

    sptica e desinfetante.4 No passado, foi utilizado paratratamento da sfilis e lpus vulgar.1 Atualmente, usado no tratamento de algumas doenas de etiologiainfecciosa.

    EsporotricoseA soluo saturada de iodeto de potssio (SSKI)

    considerada como primeira escolha para o tratamen-to das formas cutnea fixa e linfocutnea da esporotri-cose desde 1900.1,15,16,17 Sua eficcia e baixo custo permi-tiram que este medicamento fosse utilizado com segu-rana por um longo perodo. Entretanto, a comodidadeposolgica do itraconazol, introduzido na dcada de90, fez com que este fosse considerado o medicamentode primeira linha em alguns centros, embora no hajadiferena de eficcia em relao SSKI e a despeito deseu maior custo. Na principal recomendao interna-cional (guidelines) sobre o tratamento dessa doena, osautores classificam as diferentes modalidades terapu-ticas em nveis de evidncia e qualidade cientfica. ASSKI e o itraconazol esto no mesmo nvel, isto , IIA.Portanto, ambos so igualmente eficazes e indicadoscomo escolha teraputica para a esporotricose linfocu-tnea e cutnea fixa (Quadro 1).18

    Categoria, grade Definio

    Fora de recomendaoA Evidncia forte para embasar uma recomendao.B Evidncia moderada para embasar uma recomendao.C Evidncia fraca para embasar uma recomendao.

    Qualidade da evidnciaI Evidncia 1 de ensaios clnicos randomizados II Evidncia 1 de ensaios clnicos bem planejados e conduzidos, sem randomizao;

    estudos observacionais de coorte ou caso-controle (preferencialmente >1 centro); de mltiplas sries de casos ou de resultados excepcionais em experimentos no controlados.

    III Evidncia baseada em opinies de autoridades respeitadas, em experincias clnicas, estudos descritivos,ou relatrios de comits de especialistas.

    Fonte: Kauffman et al., 2007 18

    QUADRO 1: Fora de recomendao e qualidade de evidncia cientfica

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    Entomoftoromicoses Micoses subcutneas, causadas por zigomice-

    tos do gnero Basiodiobolus e Conidiobolus, as entomof-toromicoses podem ser tratadas com SSKI, sendo con-siderada padro-ouro mesmo quando comparada aosantifngicos mais recentes. Relatos de casos mostramresultados satisfatrios, inclusive em casos exuberan-tes, com boas taxas de cura.19

    Outras O uso da SSKI tem sido descrito na literatura

    como alternativa teraputica em algumas infeces,especialmente quando h impossibilidade de uso deoutros medicamentos. Muitas vezes, associa-se umprocedimento cirrgico, como eletrocoagulao, ex-rese, drenagem cirrgica, termoterapia ou crioterapia.Seguem algumas dessas referncias: cromomicose,micetoma, nocardiose cutnea, criptococose cutnea epitiose humana. O sucesso teraputico est direta-mente ligado ao tamanho e tempo de evoluo daleso e ao status imunolgico do hospedeiro.1,20,21,22

    Inflamatrias e imunomediadasAs duas melhores indicaes deste grupo so

    as dermatoses neutroflicas e as paniculites.1,2 A fisio-patologia do pioderma gangrenoso, sndrome deSweet e doena de Behet envolve a ao dos neutr-filos.1 Estas clulas esto presentes especialmente nasfases iniciais, em que a intensa atrao e a toxicidadedos polimorfonucleares produzem uma respostainflamatria exuberante e secreo purulenta estril.A doena de Behet exibe manifestaes claras destemecanismo, tais como acne, hippio e meningiteassptica. O iodeto de potssio tem ao inibitriasobre a quimiotaxia de neutrfilos e sobre a produode radicais txicos por estas clulas, o que justifica seuuso neste grupo de desordens.6,7,23,24

    possvel supor que o iodeto de potssio tenhaimportante papel anti-inflamatrio nas paniculites,pois os pacientes com melhor resposta apresentamtambm sintomas sistmicos e aumento da protena Creativa. Normalmente, a melhora rpida, com redu-o da febre, da dor e do eritema em dois dias e remis-so completa em at duas semanas. As principaisindicaes so: eritema nodoso, vasculite nodular epaniculite nodular migratria subaguda.1,2

    DiversosO iodeto de potssio j foi usado com sucesso

    no eritema polimorfo, mesmo quando associado infeco pelo vrus do herpes simples; granulomaanular, inclusive com relatos de boa resposta a qua-dros disseminados; eritema anular centrfugo e gra-nulomatose de Wegener.1,2,25

    APRESENTAO E POSOLOGIAA dose preconizada de iodeto de potssio para

    as doenas infecciosas varia de 4-6g/dia ou 6-7,5g/dianos adultos, dependendo da referncia cientfica. Adose peditrica cerca de metade ou um tero da dosedo adulto.1,17,26,27,28

    Entretanto, para as dermatoses inflamatrias, adose recomendada menor, aproximadamente 1g/dianos adultos, dividida em trs doses.1,27,28

    Como expectorante, o xarope formulado a 2%(20mg/mL) e administrado na dose de 5 mL, 3-4x/d.4

    Para tornar seu uso mais conveniente, o iodetode potssio administrado sob a forma de soluosaturada (SSKI).1 Entende-se por saturada uma solu-o na qual qualquer adio de soluto resultar naprecipitao da mesma. Considerando o limite desolubilidade para gua destilada, que o veculo habi-tualmente utilizado, constatamos que 1g do sal paraum volume de 0,7mL deste solvente resulta em umasoluo de aproximadamente 1,42g/mL.4

    Observa-se, na literatura cientfica, uma discre-pncia em relao posologia da SSKI a ser adminis-trada, evidenciada nas formulaes recomendadaspela OMS ou mesmo por alguns livros de refernciafarmacolgica e artigos cientficos, que consideram asoluo saturada de iodeto de potssio com uma con-centrao definida como 1g/mL.4,17,26-31 Provavelmente,partem de solues saturadas j preparadas e diluem-nas at obter uma soluo concentrada (e no satura-da) de 1g/mL. No Brasil, habitualmente, utiliza-se osal puro do iodeto de potssio (PA) nas formulaesteraputicas.

    Ao administrar a SSKI a um paciente, precisoter todas essas consideraes em mente para que adose posolgica real seja conhecida. Muitas vezes, atoxicidade ou a falta de resposta teraputica deve-se inadequao da posologia. A maioria dos trabalhosaborda a quantidade de gotas a ser administrada parao tratamento, sem mesmo mencionar as caractersticasda soluo e o volume da gota utilizados, isto , aquantidade em gramas que est sendo administradaao paciente.

    Pelos motivos expostos anteriormente, deduz-se que o conhecimento e a padronizao do uso corre-to da SSKI so importantes para que o tratamento sejatolervel, seguro e correto.

    Partindo de cristais de iodeto de potssio puro(PA), a frmula correta para um volume final de 100mL seria de 100g do sal para 70 mL de gua destiladaou de 50 g do sal para 35 mL de gua se o volume finaldesejado for de 50 mL.

    Considerando um conta-gotas padro, em quecada gota tem volume de 0,05 mL, tem-se que nestasoluo haver 0,07g de KI por gota (1,42g/mL).Assim, ao se administrar 20 gotas desta soluo

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    3x/dia, a dose diria de iodeto de potssio ingerida de aproximadamente 4g. Tambm possvel usar asoluo concentrada, em que h 1g de iodeto de pots-sio em cada mL de gua. No entanto, se considerarmoso mesmo volume da gota de 0,05mL, a dose diriaingerida, administrando-se 20 gotas 3x/dia, ser de 3g.

    Os estudos para recomendar doses baseiam-sena indicao mais clssica, ou seja, o tratamento daesporotricose. Na publicao oficial da IDSA (InfectiousDiseases Society of America), a recomendao para trata-mento da esporotricose linfocutnea ou cutnea fixa de 40-50 gotas 3x/dia de uma soluo saturada, mas apublicao no informa como feita esta soluo.18 Sefosse saturada, a dose total diria seria insuportvel,entre 8,4 e 10,5 g/dia. provvel que tenha considera-do a soluo concentrada; mesmo assim, a dose diriade 6-7,5g no sempre bem tolerada.

    Outra padronizao a ser revista o volume dagota. Um conta-gotas padro habitualmente tem 0,05mL/gota, mas h variaes.32 No Brasil, costuma-seadministrar 4-6g/dia para o tratamento da esporotri-cose, divididos em trs tomadas (Quadro 2).1,17,26-28

    Resumindo, seja a soluo concentrada ou saturada, oimportante o conhecimento da formulao que estsendo usada para o ajuste real da dose diria, seja paradoenas inflamatrias, infecciosas ou imunomediadas.

    CONTRAINDICAES E EFEITOS ADVERSOSO uso do KI est contraindicado nos casos de

    tireoidopatias prvias, tais como hipo ou hipertireoi-dismo, presena de ndulos e cncer da tireoide. Ahistria familiar de doena tireoidiana uma con-traindicao relativa. Entretanto, a presena de positi-vidade para autoanticorpos, tais como anti-TPO (anti-peroxidase) e TRAb (anticorpos antirreceptores deTSH), evidencia uma predisposio s doenas tireoi-dianas autoimunes que podem ser desencadeadaspela exposio ao iodo.1,33

    O KI tambm est contraindicado para pacien-tes com qualquer tipo de alergia ao iodo.4,28,29,30 Deve-seevitar o uso nos pacientes com insuficincia renal cr-

    nica pela presena do potssio na formulao e estproscrito naqueles cuja funo renal esteja muito pre-judicada. De forma anloga, os que utilizam diurti-cos poupadores de potssio ou inibidores da enzimaconversora da angiotensina devem ser acompanhadosde perto.1,4,28

    prudente evitar o uso concomitante comoutros medicamentos, como o ltio, por sua interaomedicamentosa, alm dos que contenham iodo, comoa amiodarona.4,28

    Pacientes transplantados, com cncer, histriade doena alcolica, diabetes melito mal controlada einsulino-dependentes, portadores de doenas autoi-munes em geral, que apresentam condies imunos-supressoras, tais como AIDS, e em uso crnico de cor-ticoides e medicamentos imunossupressores, nodevem utilizar este medicamento, cujo mecanismo deao afeta o sistema imune. A tuberculose ativa tam-bm est includa neste grupo.30

    No pode ser usado em gestantes e nutrizes,pois causa hipotireoidismo neonatal, tireomegalia,obstruo respiratria fetal e parto prolongado, estan-do entre as drogas da categoria D.1,4,28,30

    Tambm no deve ser administrado a portado-res da doena de Addison, pois, alm de terem umacondio autoimune, apresentam tambm alteraessemelhantes quelas que ocorrem com o uso de inibi-dores da enzima conversora de angiotensina.28

    Com relao s doenas infecciosas, o KI no recomendado em casos de doenas extensas ou comacometimento de rgos internos como, por exemplo,formas cutneas disseminadas ou sistmicas da espo-rotricose porque pressupem que haja um desarranjoimunolgico nesses pacientes.18

    Podem ocorrer efeitos adversos, em geral levesa moderados, em virtude das altas doses administra-das, sobretudo para tratamento das dermatoses infec-ciosas. Habitualmente, relacionam-se ao sistemadigestivo, predominando a intolerncia gastrintesti-nal e o gosto metlico ou amargo.1,30

    Para amenizar estas queixas, recomenda-se ini-ciar o medicamento com doses baixas, em geral cincogotas do medicamento a 1,42mg/mL (0,35g) trsvezes ao dia, com incrementos dirios de uma gota acada tomada at atingir a dose-alvo, tanto para adul-tos quanto para crianas.1,4,17,18,29,30 Outra recomendao tomar o medicamento aps as refeies, ingerindosucos ou leite logo em seguida.29 Algumas refernciasfarmacolgicas recomendam misturar o medicamentoa estas bebidas.1,17,30 Diminuir a dose a cada tomadamuitas vezes faz cessar a queixa gastrintestinal semreduzir sua eficcia.

    Devido presena de grande quantidade deiodo no medicamento, possvel haver efeitos sobre ometabolismo da tireoide. Existe no organismo huma-

    Soluo Soluo concentrada saturada(1g/mL)

    (1,42g/mL)

    Concentrao/ 0,05g/gota0,07g/gotagota-padro (0,05mL)

    QUADRO 2: Clculo da dose real por gota do iodeto depotssio, considerando as duas formulaes mais usadas

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    no um mecanismo fisiolgico de autorregulao quetem como objetivo manter o equilbrio no pool de esto-que do iodo. Assim, a sobrecarga de iodo causa umefeito inibitrio agudo com aumento transitrio doTSH, denominado bloqueio adaptativo, porm exis-tem mecanismos de escape que mantm a funo nor-mal da glndula.1,10

    O fenmeno de Wolff-Chaikoff descrito comoa interrupo da sntese de hormnios tireoidianosdevido incapacidade de a tireoide superar o efeitoinibitrio agudo em funo de mecanismos de escapedeficientes nos indivduos com tireoidopatias de base,principalmente a tireoidite de Hashimoto. Nestescasos, ocorre supresso do eixo e aumento do TSH,com consequente hipotireoidismo (reduo do T4livre).1,33

    Por outro lado, se o paciente tiver focos autno-mos de produo de hormnios, como no bcio mul-tinodular txico ou doena de Graves, pode haverhipertireoidismo e crise tireotxica, efeito denomina-do Jod-Basedow.1,33

    Eventualmente, encontram-se, na literaturacientfica, outros eventos adversos como erupoacneiforme, dermatite herpetiforme, psorase pustulo-sa, penfigoide bolhoso e iododerma, possivelmenterelacionados ao sobre a quimiotaxia de polimorfo-nucleares, sendo o iododerma mais frequente nospacientes com doenas sistmicas de base. Denomina-se iodismo a sndrome causada por intoxicao peloiodo. Caracteriza-se por hiperemia conjuntival, lacri-mejamento, turvao visual, rinorreia, sialorreia.1,28,30

    Como em qualquer medicamento, deve-se con-siderar a ocorrncia de reaes alrgicas, tais comourticria e angioedema.1,29 J foram descritos casos deinsuficincia cardaca congestiva com edema pulmo-nar e de toxicidade relacionada ao potssio, tais comodisfuno renal, arritmia cardaca e acidose metabli-ca.30,34,35 Tambm foram relatadas cefaleia, artralgia efebre prolongada.1,30

    CONCLUSESO iodeto de potssio, apesar de ser uma droga

    usada h mais de um sculo na Medicina, continuasendo uma boa opo teraputica para diversas der-matoses como primeira ou segunda escolha e podefazer parte do arsenal teraputico do dermatologista.Ao considerar o tratamento com iodeto de potssio,cuja dose est diretamente relacionada sua toxicida-de, importante saber a posologia que est realmentesendo administrada. Isso envolve o conhecimento daformulao que est sendo utilizada e a dose por gota(em gramas) eficaz para cada indivduo e para cadaindicao teraputica. A toxicidade de um medica-mento por si s no motivo para abandonar seu uso,j que o conhecimento mais aprofundado da drogapode gerar benefcios ao paciente que, muitas vezes,no tem acesso ou no pode usar outros medicamen-tos pelo custo, pelos eventos adversos, pelas intera-es medicamentosas ou mesmo por falha teraputi-ca; evidentemente, se for possvel o controle dos even-tos adversos. Recomendar apenas o nmero de gotaspode levar ao uso errneo e administrao de doseinadvertida com riscos aos pacientes.

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  • Uso do iodeto de potssio na Dermatologia: consideraes atuais sobre uma droga antiga 407

    An Bras Dermatol. 2013;88(3):401-7.

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