A AGRICULTURA COMERCIAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU (UFPI) Ncleo de Referncia em Cincias Ambientais do Trpico Ecotonal do Nordeste (TROPEN) Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA)

A AGRICULTURA COMERCIAL E SUAS CONSEQNCIAS SOBRE O AMBIENTE NOS MUNICPIOS DE PALMEIRA DO PIAU E CURRAIS

JOS ADAUTO OLIMPIO

Teresina 2004

II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU (UFPI) Ncleo de Referncia em Cincias Ambientais do Trpico Ecotonal do Nordeste (TROPEN) Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA)

JOS ADAUTO OLIMPIO

A AGRICULTURA COMERCIAL E SUAS CONSEQNCIAS PARA O MEIO AMBIENTE NOS MUNICPIOS DE PALMEIRA DO PIAU E CURRAIS

Dissertao apresentada ao Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piau (PRODEMA/UFPI/TROPEN), como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. rea de Concentrao: Desenvolvimento do Trpico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Polticas de Desenvolvimento e Meio Ambiente. Orientadora: Prof Dr Maria do Socorro Lira Monteiro

Teresina 2004

III

O46a Olimpio, Jos Adauto A agricultura comercial e suas conseqncias sobre o ambiente nos municpios de Palmeira do Piau e Currais/Jos Adauto Olimpio. Teresina: UFPI, 2004. 146f. Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) Universidade Federal do Piau. Teresina, 2004. 1. Meio Ambiente Agricultura 2. Cerrado 3. Impactos Ambientais. I. Ttulo. C.D.D. 631.583

IV

Dissertao defendida e aprovada em 5 de novembro de 2004 pela banca examinadora constituda pelos professores:

__________________________________________ Prof. Dra. Maria do Socorro Lira Monteiro Universidade Federal do Piau/PRODEMA/TROPEN

__________________________________________ Prof. Dr. Joo Batista Lopes Universidade Federal do Piau/PRODEMA/TROPEN

__________________________________________ Prof. Dr. Francisco Casimiro Filho Universidade Federal do Cear/PRODEMA/DEA

V

DEDICATRIA

Ao Meio Ambiente, por suportar a incompreenso e a ganncia do homem e, ainda assim, continuar oferecendo todas as condies de manuteno da vida no planeta.

memria de meus pais, Raimundo e Ana, que me ensinaram a lutar por ideais, atravs do exemplo de vida e de trabalho.

minha esposa, Francisca, e aos meus filhos, Berlane e Ederlen, que sempre me apoiaram no trabalho e na vida cotidiana.

Ao meu irmo, Gerardo, que me proporcionou as condies para a realizao de meu sonho de obteno do conhecimento.

VI

AGRADECIMENTO

Aos meus pais Raimundo Olimpio de Meneses e Ana Santa de Meneses, responsveis pela formao de meu carter e personalidade; Ao meu irmo Gerardo Olimpio de Meneses, cujo apoio moral e financeiro possibilitou a minha formao agronmica; minha esposa Maria Francisca Alves Ferreira Olimpio e aos meus filhos Berlane Alves Olimpio e Ederlen Alves Olimpio que sempre estiveram me apoiando e incentivando no enfrentamento das dificuldades cotidianas; Aos meus colegas de trabalho Agacy Furtado de Mendona, Raimundo Nonato Martins Rocha e Adolfo Martins de Moraes, pelo apoio e colaborao; Dra. Maria do Socorro Lira Monteiro, orientadora e amiga que, com sua pacincia e compreenso, me ajudou a completar com xito essa difcil tarefa; Aos Drs. Milton Jos Cardoso, Francisco Casimiro Filho e Joo Batista Lopes, que me ofereceram importantes sugestes para o aprimoramento dessa Dissertao; Aos Servidores do IBAMA engenheiros agrnomos Almir Bezerra Lima e Eugnia Vitria e Silva de Medeiros, ao mdico veterinrio Jos Lacerda da Luz e ao servidor Salvador (Docha), sem a ajuda dos quais no teria xito na realizao da pesquisa de campo e na identificao das espcies de animais silvestres; professora Maria Jos da Silva Furtado de Mendona que, gentilmente, procedeu a reviso ortogrfica deste trabalho; bibliotecria Lcia Maria Gurjo Santos, pela ajuda incondicional no referenciamento dos ttulos utilizados na consecuo desta Dissertao; Ao colega engenheiro agrnomo Jos Ossian de Pinho Alencar, pela competente reviso do texto em lngua inglesa; professora da UFPI Iracildes Maria de Moura F Lima, aos pesquisadores da EMBRAPA Gilson Jesus de Azevedo Campelo, Rosa Maria Cardoso Mota de Alcntara e Marcos Lopes Teixeira, ao engenheiro agrnomo Manoel Joo de Oliveira, ao bilogo Alcimar de Sousa e Silva, ao gerente da agncia do Banco do Brasil de Bom Jesus, senhor Humberto R. Veloso, ao coordenador regional do EMATER-PI de Bom Jesus, engenheiro

VII agrnomo Leonardo de Moura Sousa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Currais, senhora Cludia Regina Carvalho e Santos, ao prefeito municipal de Palmeira do Piau, senhor Joo Carlos Andrade Cavalcante, pela gentileza em colaborar nas entrevistas sobre o Cerrado Piauiense; Ao Secretrio do Planejamento Felipe Mendes de Oliveira, por possibilitar a minha liberao para participar do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente; Aos professores do Curso de Mestrado Agostinho Paula Brito Cavalcanti, Francisco de Assis Veloso Filho, Jara Maria Alcobaa Gomes, Maria do Socorro Lira Monteiro, Jos Gerardo Beserra de Oliveira, Joo Batista Lopes, Luiz Botelho Albuquerque, Maria do Carmo Bezerra Maciel Bdard, Washington Lus de Sousa Bonfim e Jos Machado Moita Neto, pelos ensinamentos e aprofundamento de conhecimentos cientficos para o trabalho e para a vida; Aos produtores do Cerrado dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, Milton Okano, Everaldo Mauri, Ivo Pieta, Ivani Sbartellotto, Marildo Marquesi, Odair Ranucci, Onofre Antnio Caus, Antnio Kaspary (Alemo), Delci Gonalves Jnior e Samuel Hoogerheide que, com presteza, forneceram as informaes as quais permitiram-me a realizao deste estudo.

VIII

SUMRIO

RESUMO ............................................................................................................ XVI ABSTRACT ....................................................................................................... XVII I INTRODUO ................................................................................................. 18 20 22 22 23 31 37 37 50 58

1.1 Procedimento metodolgico .............................................................................. II CARACTERIZAO DO CERRADO ..........................................................

2.1 Introduo .......................................................................................................... 2.2 Cerrado Brasileiro: caracterizao, ocupao e uso ...................................... 2.3 Cerrado Piauiense: caracterizao, ocupao e uso ....................................... 2.4 Caracterizao dos municpios ......................................................................... 2.4.1 Palmeira do Piau ................................................................................... 2.4.2 Currais .................................................................................................... 2.5 Resumo conclusivo ............................................................................................. III CONSEQNCIAS DA AGRICULTURA COMERCIAL SOBRE O SOLO E A BIODIVERSIDADE ...................................................................... 3.1 Introduo .......................................................................................................... 3.2 Impactos ambientais .......................................................................................... 3.3 Impactos sobre a biodiversidade ...................................................................... 3.4 Impactos sobre o solo ........................................................................................ 3.5 Impactos por agrotxicos .................................................................................. 3.6 Conservao do solo .......................................................................................... 3.7 Resumo conclusivo ............................................................................................. IV ANLISE DA PESQUISA DE CAMPO .........................................................

60 60 61 69 73 78 79 87 88 88 88 88 99

4.1 Introduo .......................................................................................................... 4.2 Pesquisa nos projetos dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais ........ 4.2.1 Municpio de Palmeira do Piau ........................................................... 4.2.2 Municpio de Currais ............................................................................ 4.3 Pesquisa com tcnicos, autoridades e representantes de entidades civis organizadas ........................................................................................................

116

IX 4.4 Resumo conclusivo ............................................................................................. 120 V CONCLUSO E RECOMENDAES ......................................................... 124 124 127 127 128 129 129 129 130 130

5.1 Concluso ........................................................................................................... 5.2 Recomendaes .................................................................................................. 5.2.1 Polticas pblicas ................................................................................... 5.2.2 Mtodos de manejo e conservao ....................................................... 5.2.3 Assistncia tcnica ................................................................................. 5.2.4 Conservao dos recursos naturais ...................................................... 5.2.5 Plano Diretor do Cerrado ..................................................................... 5.2.6 Educao ambiental .............................................................................. 5.2.7 Pesquisas .................................................................................................

5.2.8 Zoneamento Econmico Ecolgico ....................................................... 131 REFERNCIAS ................................................................................................ ANEXOS ............................................................................................................ 132 136

X

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Regio do Cerrado Brasileiro ..................................................................... 23 Figura 2 Vegetao do Cerrado no Municpio de Palmeira do Piau (PI) ............. 33 Figura 3 Vista parcial da unidade agroindustrial da BUNGE Alimentos. Municpio de Uruu (PI) ............................................................................ 36 Figura 4 Mapa de Localizao dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais .. Figura 5 Mapa do Municpio de Palmeira do Piau sob imagem de satlite Landsat 7/ETM ............................................................................................ 39 Figura 6 Nmero de imveis, por estrato de rea, do Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001 .................................................................... 41 Figura 7 rea dos imveis (ha), por Estrato de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001 ............................................................... 41 Figura 8 Nmero de estabelecimentos agropecurios, por grupos de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1980, 1985 e 1995/1996 ... Figura 9 Mapa do Municpio de Currais sob imagem de satlite Landsat 7/ETM Figura 10 Vale do Gurguia, mostrando ao fundo o plat do Cerrado. Municpio de Currais (PI) ............................................................................................. Figura 11 Nmero dos imveis, por estrato de rea, no Municpio de Currais, no ano de 2001 ................................................................................................... 53 Figura 12 rea dos imveis (ha), por estrato de rea, no Municpio de Currais, no ano de 2001 .............................................................................................. 54 Figura 13 Assoreamento no rio Uruu Preto. Municpio de Palmeira do Piau (PI) ................................................................................................................. 74 Figura 14 Sedimentos em estrada de penetrao na serra do Uruu. Municpio de Currais (PI) ............................................................................................. Figura 15 Assoreamento em estrada na serra do Uruu. Municpio de Currais (PI).................................................................................................................. 84 83 52 51 43 38

XI

LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Quantidade e rea dos imveis, por estrato de rea, do Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001 .............................................. 40

Tabela 2

Nmero de estabelecimentos agropecurios, por grupos de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1980, 1985 e 1995/1996 ... 43

Tabela 3 Tabela 4

Utilizao das terras no Municpio de Palmeira do Piau 1995/1996 ... 45 Efetivo dos rebanhos bovinos, sunos, ovinos, caprinos e aves, no Piau e no Municpio de Palmeira do Piau, no perodo de 1997 a 2001 ........... 47

Tabela 5

rea Colhida, Produo e Rendimento Mdio de Arroz de Sequeiro, Milho, Feijo Caupi, Soja, Mandioca e Cana-de-Acar, no Municpio de Palmeira do Piau, no perodo de 1998/2002 ........................................ 49

Tabela 6

Quantidade e rea dos imveis, por estrato de rea, do Municpio de Currais, no ano de 2001 .............................................................................. 53

Tabela 7

Efetivo dos rebanhos bovinos, sunos, ovinos, caprinos e aves, no Piau e no Municpio de Currais, no perodo de 1997-2001 ............................... 55

Tabela 8

rea Colhida, Produo e Rendimento Mdio de Arroz de Sequeiro, Milho, Feijo Caupi, Soja, Mandioca e Cana-de-Acar, no Municpio de Currais, no perodo de 1998/2002 ......................................................... 57

Tabela 9

Condio da propriedade nos projetos do Municpio de Palmeira do Piau .............................................................................................................. 89

Tabela 10 Sistema de produo nos projetos do Municpio de Palmeira do Piau, na safra agrcola 2002/2003 ........................................................................ Tabela 11 rea colhida, produo e rendimento mdio das culturas de soja, arroz, milho e feijo no Estado do Piau em 2001 ..................................... 92 Tabela 12 Condio da propriedade nos projetos do Municpio de Currais .......... 100 Tabela 13 Sistema de produo e comercializao nos projetos do Municpio de Currais, na safra agrcola 2002/2003 ......................................................... 102 91

XII Tabela 14 rea colhida, produo e rendimento mdio das culturas de soja, arroz, milho e feijo no Estado do Piau em 2002 ..................................... 105 Tabela 15 Financiamento da produo em Currais, na safra agrcola 2002/2003 .. 113

XIII

LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 Questionrio da Pesquisa I Entrevista com produtores ....................... 137 Anexo 2 Questionrio da Pesquisa II Entrevista com tcnicos, autoridades e representantes de entidades civis organizadas .......................................... 144 Anexo 3 Mapa dos projetos no Municpio de Currais Fazenda So Joo .......... 146 Anexo 4 Mapa dos projetos no Municpio de Currais Assentamento Alto Piraj ............................................................................................................. 147 Anexo 5 Registro fotogrfico do Cerrado do Piau ................................................. 148

XIV

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGF Aquisies do Governo Federal BN Banco do Nordeste (ex-BNB) BNB Banco do Nordeste do Brasil BB Banco do Brasil S.A. CAMPO Companhia de Promoo Agrcola CBL Sistema CBL (Caatinga/Buffel/Leucena) CECOSA Comisso Estadual de Conservao do Solo e da gua CEPA-PI Fundao Comisso Estadual de Planejamento Agrcola do Piau COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CEPRO Fundao Centro de Pesquisas Econmicas e Sociais do Piau CFP Comisso de Financiamento da Produo DEMA-PI Diretoria Estadual do Ministrio da Agricultura no Piau DOU Dirio Oficial da Unio ECO-92 Conferncia Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento EGF Emprstimo do Governo Federal EMATER/PI Instituto de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Estado do Piau EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EIA Estudo de Impacto Ambiental FGV Fundao Getlio Vargas FINEX Fundo de Financiamento de Exportao FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste FISET Fundo de Investimentos Setoriais FNE Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria ISO International Organization for Standardization

XV IR Imposto de Renda ITR Imposto Territorial Rural JICA Japan International Cooperation Agency ONG Organizao No-Governamental ONU Organizao das Naes Unidas PCNE Programa Corredor de Exportao Norte PGPM Poltica de Garantia de Preos Mnimos PIS Programa de Integrao Social POLOCENTRO Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente PROCECER Programa de Cooperao Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados PRODEMA Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente PROINFRA Programa de Financiamento Infra-Estrutura Complementar da Regio Nordeste RIMA Relatrio de Impacto Ambiental SAPI Secretaria da Agricultura do Piau SGA Sistema de Gesto Ambiental SPD Sistema Plantio Direto SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste TROPEN Ncleo de Referncia em Cincias Ambientais do Trpico Ecotonal do Nordeste UBS Unidade de Beneficiamento de Sementes UC Unidade de Conservao UFPI Universidade Federal do Piau WWF World Wildlife Fund (Fundo Mundial para a Natureza)

XVI

RESUMO

O Estado do Piau possui aproximadamente 11,5 milhes de hectares de Cerrado, tendo como rea de domnio cerca de 70% e de transio em torno de 30%. O Cerrado tem sua localizao geogrfica em vrios pontos do Estado; entretanto, suas principais reas de ocorrncias ocupam toda a regio sudoeste e parte do extremo-sul piauiense, verificando-se manchas de reas de domnio e transio nas regies centro-leste e norte. O modelo de ocupao agropecuria nas terras do Cerrado, incentivado por meio de polticas pblicas a partir da dcada de 70, caracteriza-se principalmente pelo aumento da produo obtido graas incorporao de novas terras. Este estudo tem por finalidade avaliar os efeitos da moderna agricultura sobre o solo e a biodiversidade no Cerrado dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, que se encontram localizados no centro-sul do Estado, cuja explorao agrcola para produo de gros (soja, arroz, milho e feijo) concentra-se no plat da serra do Uruu, na parte oeste dos dois municpios, sendo que a maioria dos projetos est organizada em associaes de produtores. O estudo constatou que os impactos sobre o solo j so visveis, principalmente nas estradas de acesso e nas de circulao interna dos projetos, enquanto os impactos sobre a biodiversidade nas reas dos projetos, identificados por produtores, tcnicos, autoridades e representantes de entidades civis organizadas so observados mediante reduo na populao de determinadas espcies de animais silvestres, aumento na de outras espcies bem como o surgimento de novas plantas invasoras e novas pragas e doenas nas culturas.

XVII

ABSTRACT

The State of Piaui, Brazil possesses about 11,5 million hectares of Cerrado (extensives areas of plane lands, sparse vegetation with acid soils, very common in several regions of Brazil), being 70% the predominant area and 30% the transition one. Cerrado has it geographical situation in many points of the State, but its main areas of occurrence occupy the whole South-west region and it part of Far South of Piaui, where one finds spots of predominant and transition areas in Central-East and North regions. The model of agriculture occupation in the lands of Cerrado, motivated through public policy that has been starting in the 70s, is characterized specially by the increase of production obtained by incorporation of new lands. This study aims to estimate the effects of modern agriculture in the soil and biodiversity of Cerrado, in Palmeira do Piau and Currais, municipalities located in CentralSouth of the State, whose agricultural exploration to produce grains (soy, rice, corn and beans) is concentraded on the plateau of Uruu Mountain in West of the two municipalities, with the most of projects organized in producers associations. The study verified that impacts in the soil are already visible, specially on the roads of access and on those of the projects, while impacts in biodiversity in projects areas, identified by producers, technicians, authorities and representatives of organized civil entities are observed by reduction in population in many species of wild animals, increase of others and appearance of weeds and new plagues and disease in agriculture.

I. INTRODUO

Em decorrncia do Cerrado Piauiense se encontrar localizado sobre solos sedimentares, pode-se inferir que o mesmo passvel de grande risco de degradao, devido ao desmatamento para fins de explorao agrcola. A prioridade dada ao interesse econmico, acima da conservao do meio ambiente provoca, como conseqncia imediata, a degradao ambiental, atravs da perda da camada de solo agrcola e a reduo da populao de diversas espcies de plantas e de animais, alm dos efeitos indiretos sobre o clima e a populao humana. Com base nessa realidade, surgiu o interesse em estudar o impacto da explorao agrcola do Cerrado Piauiense, onde a atividade utiliza moderna tecnologia com a predominncia de mecanizao e o uso de insumos, tais como a aplicao de corretivos do solo, fertilizantes qumicos, defensivos e sementes selecionadas de cultivares indicadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA). Tendo em vista a uniformidade das condies edafo-climticas do conjunto dos municpios da regio, selecionaram-se os Municpios de Palmeira do Piau e Currais por consistirem em plos de atrao no ltimo decnio para implantao de projetos agrcolas, os quais esto situados no plat da serra do Uruu. A instalao desses projetos visando a produo de gros (soja, arroz de sequeiro de terras altas e milho) iniciada na dcada de 1990, em Currais e de 2000 em Palmeira do Piau, a cada ano vem sendo expandida, em decorrncia da alta rentabilidade, cuja produtividade atinge valores economicamente compensadores. Alm dessa atividade agrcola, encontram-se nos municpios a coleta de frutas, fibras, cips e flores praticada pela populao residente nas proximidades da serra do Uruu, s margens do rio Gurguia e cercanias, com a finalidade de produo artesanal e comercializao e a extrao de madeiras, uma atividade tradicionalmente trabalhada na regio e consiste basicamente na retirada de algumas espcies destinadas construo de moradias, produo de carvo e ao uso domstico. Todavia, este estudo concentra-se na anlise dos impactos ambientais que a ocupao, alicerada na explorao agrcola moderna, provoca no solo e na biodiversidade dos referidos municpios, haja vista o debate no Estado alertar para a no existncia de uma

19 racionalidade nos procedimentos de ocupao e uso do solo, o que coloca a agricultura como uma das atividades de maior responsabilidade pela degradao do meio ambiente, uma vez que o desmatamento, o uso intensivo de fertilizantes, de agrotxicos e de mecanizao, com o objetivo de aumentar a produtividade e a produo, provocam efeitos negativos diversos sobre: mananciais de guas superficiais e subterrneas, os solos, a biodiversidade e a sade humana. A escolha do tema alicerou-se na importncia e no potencial produtivo da regio do Cerrado para a economia piauiense e no risco que este ecossistema se encontra submetido, no momento em que a agricultura tecnificada se implanta em ritmo acelerado, sem que medidas adequadas de conservao do ambiente e polticas pblicas sejam adotadas, a exemplo do que ocorreu no Cerrado do Brasil Central, onde houve uma degradao ambiental, de propores alarmantes, cujos resultados danosos atingiram nveis totalmente irreversveis. Nesta perspectiva, surge a pergunta norteadora da pesquisa: Quais as conseqncias de uma agricultura comercial moderna para o meio ambiente, de modo especial sobre o solo e a biodiversidade no Cerrado dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, implementada a partir da dcada de 1990? Partindo-se dessa problemtica, a hiptese do estudo : A explorao agrcola comercial na regio do Cerrado Piauiense, estimulada por meio de polticas pblicas, promove agresses ao meio ambiente, colocando em risco a integridade fsica do solo e a biodiversidade. Assim, a pesquisa tem por finalidade avaliar os impactos sobre o solo e a biodiversidade do Cerrado nos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, em conseqncia da explorao agrcola comercial para produo de gros, implementada a partir do incio dos anos 1990. Para tanto, analisou-se o processo de ocupao e uso das terras nos referidos municpios, explicitando a extenso da rea de terras exploradas, os tipos de sistemas de produo utilizados na produo, o processo de expanso da agricultura comercial para produo de gros (soja, arroz de sequeiro de terras altas, milho) e os impactos dessa atividade sobre o solo e a biodiversidade. A estrutura da dissertao est organizada em trs captulos, na concluso e recomendaes. No primeiro captulo enfoca-se o bioma Cerrado no Brasil e no Piau, enfatizando o processo de ocupao e uso da terra, bem como uma caracterizao dos municpios objeto do estudo. No segundo captulo, abordam-se os impactos provocados sobre

20 o solo e a biodiversidade, como resultado de prticas inadequadas de explorao e pelo uso de agrotxicos, alm de uma anlise sobre a conservao do solo. No terceiro captulo so analisados os dados e as informaes coletadas na pesquisa de campo, com a finalidade de testar a hiptese bsica, concernente s conseqncias da explorao da agricultura comercial sobre o meio ambiente nos municpios estudados. Enfim, so apresentadas as concluses da investigao, seguidas de

recomendaes acerca das possveis alternativas de explorao sustentvel no Cerrado Piauiense, particularmente nos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, referentes aos sistemas de explorao, s medidas de polticas pblicas e aos requisitos necessrios viabilizao da expanso da agricultura moderna, tendo em vista a sustentabilidade do ecossistema Cerrado.

1.1. Procedimento metodolgico

Em termos de procedimento metodolgico, foi imprescindvel uma pesquisa bibliogrfica e uma pesquisa de campo. A pesquisa bibliogrfica foi realizada em livros, artigos cientficos e revistas especializadas, disponveis em bibliotecas e instituies pblicas e na Internet, com a finalidade de construir um embasamento terico do tema e de conhecer a realidade dos Cerrados Brasileiro e Piauiense. A pesquisa de campo foi realizada mediante aplicao de dois questionrios. Um dos questionrios direcionado aos proprietrios ou administradores dos projetos agrcolas financiados pela rede bancria oficial e por agncias privadas de financiamento (Anexo 1). O segundo questionrio foi aplicado junto a tcnicos que trabalham direta ou indiretamente na regio do Cerrado, autoridades locais, dirigentes sindicais, gerentes dos bancos oficiais, funcionrios de instituies pblicas ligadas ao setor agrcola e representantes de entidades do setor privado com atuao tambm na regio do Cerrado (Anexo 2). A referida pesquisa foi dividida em trs etapas. A primeira objetivou o reconhecimento da regio e envolveu, inclusive, municpios alm da rea selecionada para o estudo. Na segunda etapa realizou-se o teste-piloto para adequao dos questionrios com dois proprietrios do Municpio de Currais, aonde ocorre maior nmero de projetos, e um aplicado no Municpio de Palmeira do Piau. Tambm testou-se o questionrio de entrevistas com trs tcnicos que trabalham diretamente nos projetos em toda a regio do Cerrado Piauiense. Em seguida, fizeram-se os ajustes

21 necessrios nos dois questionrios. Na terceira e ltima etapa aplicaram-se, definitivamente, os demais questionrios. Na pesquisa, com os produtores, foram aplicados questionrios com todos os proprietrios e gerentes dos projetos financiados pela rede bancria oficial (BB e BN) e ainda as agncias de financiamento privadas que produziram gros na safra agrcola 2002/2003, num total de dez, sendo dois em Palmeira do Piau e oito em Currais, enquanto que, nas entrevistas com tcnicos, autoridades locais, dirigentes sindicais, gerentes dos bancos oficiais, funcionrios de instituies pblicas ligadas ao setor agrcola e representantes de entidades do setor privado foram selecionados, inicialmente, dois representantes de cada categoria, tendo em vista que em 30,0% dos casos no havia mais que dois representantes. Entretanto, s foi possvel entrevistar um total de dez representantes. Aps a aplicao dos questionrios foi realizada a tabulao dos dados e uma anlise estatstica qualitativa, por municpio, tendo como referncia a freqncia de cada item pesquisado. Finalmente, utilizaram-se comparaes entre os resultados obtidos, buscando esclarecer as razes de sua ocorrncia.

II CARACTERIZAO DO CERRADO 2.1 Introduo

O Cerrado Brasileiro tem sido motivo de constantes estudos em funo da sua importncia para a economia como um todo e, principalmente, pelo fato de sua explorao ter provocado um processo de degradao ambiental, bem como o deslocamento das populaes rurais. Sua ocupao foi iniciada nas regies do Tringulo Mineiro e sul de Gois expandindo-se, posteriormente, zona de pecuria extensiva no Estado do Mato Grosso do Sul. A conquista da parte setentrional verificou-se desde o sul do Maranho, o sudoeste do Piau, o oeste da Bahia e o Tocantins, sobretudo, a partir da construo de Braslia e da abertura dos corredores: BR-153 (Belm-Braslia), BR-020/BR-242 (Braslia-Salvador) e BR020/BR-135 (Picos-Barreiras-Braslia). Segundo Moraes (2000), a incorporao do Cerrado Brasileiro, pelo moderno processo produtivo agroindustrial, foi iniciada nos anos 70 e acelerada, a partir dos anos 80, por meio de polticas gerais e especficas. Esta forma de explorao vem produzindo no apenas gros, carnes, empregos, mas tambm urbanizao descontrolada e danos ambientais irreversveis. Historicamente, o desenvolvimento agro-pastoril e o extrativismo mineral neste ecossistema apresentam um modelo econmico predatrio. Este espao trabalhado em funo do desenvolvimento nacional satisfatrio, se houver racionalidade na execuo. Atualmente, o desenvolvimento agrcola vem desencadeando graves problemas para a regio. Um dos mais srios a impossibilidade de utilizao do solo, em face de sua compactao e eroso, resultantes de tcnicas no satisfatrias tornando desprotegido o solo durante as pocas de chuvas torrenciais. Entretanto, a adoo de prticas modernas de manejo do solo poder reduzir esse impacto negativo. Nesse sentido, este captulo abordar as opinies de diferentes autores acerca da caracterizao, ocupao e uso do Cerrado do Brasil e do Piau, na perspectiva de subsidiar a anlise dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, objeto desta dissertao. Para tanto, o mesmo ser distribudo nos seguintes itens: Cerrado Brasileiro: caracterizao, ocupao e uso, no qual se levanta o estado da arte no que se relaciona com as caractersticas, o processo

23 de ocupao e as atividades principais desenvolvidas na regio; Cerrado Piauiense: caracterizao, ocupao e uso, enfocando-se as caractersticas, o processo de ocupao e o uso do Cerrado no Piau; Caracterizao dos municpios, aonde se faz uma descrio dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais, especialmente no que tange a suas origens, localizao geogrfica, rea territorial, populao, clima, estrutura fundiria e principais atividades econmicas e Resumo conclusivo.

2.2 Cerrado Brasileiro: caracterizao, ocupao e uso

De acordo com Rocha (1997), o Cerrado Brasileiro a segunda maior formao vegetal (2 milhes de km2), ocupando cerca de 20% do territrio nacional, estendendo-se por todo o Distrito Federal e os Estados de Gois e Tocantins; a maior parte de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; reas de So Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piau, Maranho, Rondnia, Roraima e Amap, conforme se pode observar na Figura 1.

Fonte: Adaptado de EMBRAPA (2004) Mapa do Cerrado.

Figura 1 Regio do Cerrado Brasileiro.

24 Buschbacher (2000) assinala que a ocupao do Cerrado teve incio no sculo XVIII com a minerao que utilizou um ciclo de explorao intensiva at o quase esgotamento das jazidas, o que resultou na decadncia da atividade. A regio passou por um perodo de estagnao at o incio do sculo XX. Na dcada de 30 desse sculo, com a construo de ferrovias, apresentou um novo impulso nas atividades econmicas, possibilitando o comrcio entre as regies mais urbanizadas do Pas. Na dcada de 40, polticas pblicas direcionadas para a ocupao do Estado de Gois culminaram com a criao da Colnia Agrcola de Gois, considerada o primeiro passo na marcha para o oeste no territrio brasileiro. Assim, a marcha se consolidou com a construo da Capital Federal, no centro do Cerrado, na dcada de 50. O modelo de ocupao agropecuria, nas terras do Cerrado, caracteriza-se principalmente pelo aumento da produo obtido atravs da incorporao de novas terras, e por meio de ganhos em produtividade, em razo do trabalho desenvolvido pela pesquisa da EMBRAPA, no s na introduo de novas cultivares adaptadas s condies de clima e solo, como tambm no desenvolvimento de novas tcnicas agrcolas e de modernos equipamentos. Conseqentemente, extensas reas da regio tm sido desmatadas, deixando os solos desprotegidos. Atualmente, nestas reas tornaram-se comuns a eroso dos solos, a contaminao de aqferos e a reduo da biodiversidade. Caruso (1997) afirma que a vegetao do Cerrado Brasileiro corresponde s savanas de outras regies tropicais do planeta, apresentando cobertura vegetal intermediria entre o aberto e o fechado, classificando-se em quatro categorias, de acordo com a ordem crescente de biomassa: campo sujo (vegetao rasteira, formada por ervas e gramneas); campo cerrado (vegetao rasteira com raros arbustos); cerrado (arbustos, rvores e vegetao rasteira); e cerrado (rvores de porte mais elevado bem prximas umas das outras). Santos & Cmara (2002) caracterizam o Cerrado como um mosaico de tipos vegetacionais, incluindo as formaes abertas do Brasil Central (campo limpo, campo sujo, campo cerrado e campo rupestre) e as formaes florestais caractersticas (vereda, mata de galeria, cerrado e mata mesoflica). A vegetao herbcea coexiste com mais de 420 espcies de rvores e arbustos esparsos. Para Giordano (1999), o tipo principal de vegetao evidencia-se por savanas estacionais, com presena de matas de galeria perenes ao longo dos rios. Ocorrem, ainda, com menor freqncia, as veredas e os campos rupestres. As rvores se apresentam de modo geral baixas e retorcidas, com um sistema radicular profundo, tendendo a ser maior que a sua parte

25 area, justamente com a finalidade de prover reservas durante os perodos longos de estiagem e ausncia de trocas com o meio via razes. Percebe-se que os trs autores apresentam idias similares sobre a vegetao do Cerrado Brasileiro incorporando, assim, todas as suas ocorrncias e variaes. Entretanto, observam-se pormenores entre os mesmos, sendo que a viso de Santos e Cmara mais especfica, enquanto a de Giordano mais genrica. Caruso, em seus estudos, reconhece os tipos de vegetaes ocorrentes classificadas, segundo sua ordem crescente de biomassa, o que permite ter-se um esclarecimento exato de sua configurao. Nesse sentido, considera-se que a flora do Cerrado a mais rica dentre as savanas do mundo. Muitas espcies so utilizadas localmente na alimentao (condimentares, aromatizantes e corantes), medicina, produo de cortia, fibras, mel, leos, gorduras, tanino, artesanato e decorao. Castro (1997, p. 147), analisando a composio florstica do bioma Cerrado, conclui que

A conservao da biodiversidade dos cerrados brasileiros est cada vez mais ameaada pela sua ocupao desordenada. Como a maioria das terras dos cerrados privada, a responsabilidade desta conservao recai sobre os seus proprietrios. Os atuais modelos de desenvolvimento precisam incorporar a idia de que produo tambm deve incluir manuteno da biodiversidade.

O clima diversificado, entretanto, predomina o tropical com duas estaes do ano bem definidas, uma seca e outra mida, enquanto que o solo, antigo e profundo, cido e de baixa fertilidade, tem altos nveis de ferro e alumnio. Com relao fauna e aos microorganismos do Cerrado, Alho & Martins (1995) enfatizam a riqueza da fauna de vertebrados, apesar de haver um baixo endemismo de espcies. Os invertebrados so menos conhecidos, mas sabe-se que o endemismo bastante grande, e a riqueza elevada, especialmente de insetos. Em geral, no se discute a importncia dos microorganismos nas questes ligadas biodiversidade, talvez pela falta de dados referentes ao grupo como um todo. O nvel de desconhecimento nesse campo to grande que cerca de 157.000 novas espcies de microorganismos so descritas anualmente, sendo que aproximadamente metade destes so fungos. A importncia dos microorganismos freqentemente subestimada. Na manuteno da biodiversidade, os microorganismos tm sua

26 mais importante contribuio em nvel de ecossistema, onde proporcionam a base alimentar para todas as cadeias trficas1. Sem microorganismos, a pirmide trfica no existiria. Devido a essa riqueza, Giordano (1999), atribui quatro funes bsicas ao Cerrado Nordestino: plo produtor de gros para a moderna pecuria (avicultura, suinocultura industrial e bovinocultura leiteira), cujo consumo de milho e soja exercem forte presso sobre a oferta desses insumos; plo produtor de gros para consumo humano e industrial, considerando que a regio deficitria de alguns produtos bsicos como feijo, arroz e milho, alm de matrias-primas importantes como o algodo; plo auxiliar de sojicultura de exportao, considerando que a produo do Cerrado tende a ser mais regular, menos vulnervel a flutuaes climticas e 3.000 km mais prximo de Roterd do que os portos do sul; plo agroindustrial processador das matrias-primas regionais, especialmente nas reas dos complexos soja, carne e lcteos. Contudo, para que o Cerrado cumprisse suas funes dentro do processo de modernizao conservadora da agropecuria brasileira, desenvolvido a partir da dcada de 60, foram implementadas polticas pblicas com a finalidade de criar as condies para expanso da agricultura e abertura e ocupao do espao no Cerrado, as quais foram: a) Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM) segundo Monteiro (2002), esta poltica, criada na dcada de 40, foi gerida pela antiga Companhia de Financiamento da produo (CFP), cujos principais instrumentos foram os Emprstimos do Governo Federal (EGF) e as Aquisies do Governo Federal (AGF). Este sistema teve sua eficincia, especialmente para mdios e grandes produtores, porm no foi muito efetivo para os pequenos produtores, principalmente para aqueles que no tinham acesso ao sistema bancrio; b) Mecanismo 34/18 ainda conforme a autora mencionada, este instrumento de incentivo surgiu em 1961, com o I Plano Diretor da Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e visava estimular os investimentos privados no Nordeste, como parte da poltica de desenvolvimento, por meio da instituio de incentivos fiscais advindos da deduo de at 50% do Imposto de Renda (IR) de pessoas jurdicas de capital totalmente nacional, devido Unio. Tinha como rgo responsvel pela avaliao dos projetos de desenvolvimento a SUDENE e como gestor financeiro o Banco do Nordeste do Brasil (BNB, hoje Banco do Nordeste BN). Os projetos aprovados podiam receber de 30% a 70% do investimento total proposto e o restante seria a participao empresarial. Este mecanismo1

Cadeia trfica ou cadeia alimentar a transferncia de energia alimentar, desde a fonte nos auttrofos (plantas), atravs de uma srie de organismos de uma comunidade, que consomem e so consumidos. (ODUM, 1988)

27 estimulou a demanda por terras, incentivando a ocupao das reas de fronteira, onde o preo da terra era mais barato. Em 12/12/74 foi substitudo pelo Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR), o qual foi criado por meio da Lei n. 376, com a finalidade de estimular os investimentos privados no Nordeste e de corrigir as falhas apresentadas pelo Sistema 34/18, particularmente a cobrana de altas taxas de juros de captao e demora na implantao de projetos privados. No decorrer de sua vigncia passou por profundas modificaes, em especial no perodo do Governo do Presidente Collor; c) Sistema Nacional de Crdito Rural criado por meio da Lei n 4.829, de 05/11/1965. Em conformidade, tambm, com Monteiro (2002), o sistema constituiu-se no principal mecanismo de poltica pblica para incentivar a produo e modernizao agropecuria. Os recursos utilizados pelo crdito rural so originrios do Tesouro Nacional e da participao compulsria dos bancos comerciais. Apresenta diversas linhas de crdito subsidiado, de acordo com o tipo de atividade agrcola, pecuria e agroindustrial. Atravs dos anos, sofreu mltiplas mudanas nas taxas de juros cobradas, no perodo de carncia e no percentual sobre o valor total do projeto a ser financiado. A transferncia de recursos pblicos para o setor agropecurio, via crdito rural subsidiado, gera expectativas de ganhos produtivos, mas, ao mesmo tempo, tambm gera expectativas de ganhos especulativos, uma vez que possibilita a ampliao da produo e da aquisio de terras; d) Fundo de Financiamento de Exportao (FINEX) segundo a autora mencionada, este instrumento foi criado em 1966, por meio da Lei n. 5.025, e destinava-se a financiar capital de giro para empresas exportadoras, adiantando receitas de vendas ou buyers credit. Teve grande importncia como mecanismo de financiamento das exportaes de castanha de caju; e) I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) conforme Buschbacher (2000), foi executado no perodo de 1972-1974 e delineou uma srie de medidas para dar apoio fiscal e de crdito agricultura brasileira, visando uma transformao tecnolgica e um aporte acelerado ao mercado agrcola sensvel ao estmulo de preos, assim como para alcanar uma expanso da rea, principalmente pela ocupao de espaos vazios no Cerrado do Centro-Oeste; f) Fundo de Investimentos Setoriais (FISET) de acordo com Monteiro (2002), esse Fundo foi criado por meio do Decreto-Lei n. 1.376, de 12 de dezembro de 1974. Tinha como objetivo financiar o reflorestamento, sob a superviso do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e gesto financeira do Banco do Brasil (BB), tornando-se

28 uma variante dos incentivos fiscais. Para que os Estados passassem a receber tais incentivos era necessrio que cada um definisse suas reas prioritrias para reflorestamento, criando os chamados Distritos Florestais. No caso do Piau, foi elaborado o documento denominado reas Prioritrias para Reflorestamento no Piau, cujo espao de abrangncia envolvia praticamente todo o Estado. Entretanto, a grande maioria dos projetos beneficiados concentrou-se na regio do Cerrado, onde foram implantadas grandes reas com plantios de caju. g) Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO) conforme Giordano (1999), o mesmo teve incio em 1975, beneficiando reas dos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois, Tocantins e Minas Gerais, envolvendo financiamentos com taxas de juro subsidiadas, incentivos para o desenvolvimento cientfico-tecnolgico, para o uso de equipamentos, implementos, insumos agrcolas e para a implantao de infraestrutura nas reas de fronteira; h) II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) de acordo com o autor acima, o Plano teve vigncia entre os anos de 1975-1979 e delineou medidas efetivas para aumentar a participao da agricultura e da pecuria no Produto Interno Bruto (PIB) do Pas, para reduzir o dficit pblico e aumentar suficientemente a renda do setor a fim de torn-lo um comprador em potencial de bens materiais e de consumo. Neste sentido, apresentou como estratgias: a expanso da fronteira agrcola em direo s regies pioneiras e incorporao de novas reas nas regies tradicionais de produo; o estmulo especializao da produo, com a inteno de aumentar a eficincia global da agricultura; e o uso intenso de instrumentos cientficos e tecnolgicos de desenvolvimento, com a finalidade de maximizar a produtividade; i) III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND) segundo Buschbacher (2000), foi elaborado para o perodo 1980-1985 e objetivava promover a reduo da desigualdade social e regional, diminuio da expanso urbana (especialmente na regio geoeconmica de Braslia) e criao de novas oportunidades de emprego, promovendo o desenvolvimento da agricultura e da pecuria e a expanso da infra-estrutura; j) Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) concebido em 1974, conforme Giordano (1999), pretendia promover a ocupao das terras do Cerrado para aumentar a produo mundial de alimentos. Esse Programa, desenvolvido pelo Governo brasileiro, recebe financiamentos da Japan International Cooperation Agency (JICA) e coordenao da Companhia de Promoo

29 Agrcola (CAMPO). O Programa foi desenvolvido em etapas, com a primeira etapa (PRODECER I) iniciada em 1980, beneficiando o noroeste de Minas Gerais, assentando 70 mil hectares. A segunda etapa (PRODECER II), iniciada em 1987, beneficiou regies de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois e Bahia, com a incorporao de, aproximadamente, 200 mil hectares. O PRODECER III foi uma expanso do Programa para beneficiar os Estados do Maranho (regio de Balsas) e do Tocantins (regio de Paulo Afonso). Incorporou uma rea de 80 mil hectares no sul do Maranho, com explorao de 30 mil hectares por 42 colonos, tendo consumido investimentos de US$ 138 milhes de recursos dos governos brasileiro (Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social/Banco do Nordeste) e japons (JICA); l) Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) foi criado pela Constituio de 1988 e implantado a partir de 1994, destinando-se ao financiamento de empreendimentos produtivos agropecurios, industriais, agroindustriais minerais, tursticos, comerciais e de servios. Sua rea de atuao abrange todos os estados do Nordeste, alm de partes dos Estados de Minas Gerais e Esprito Santo, includas na rea de atuao da extinta SUDENE. Na programao do FNE para 2003 foram includas inovaes, como o apoio atividade de infra-estrutura, com o Programa de Financiamento Infra-Estrutura Complementar da Regio Nordeste (PROINFRA) e o denominado FNE VERDE, este ltimo destinado a beneficiar produtores e empresas rurais, industriais e agroindustriais, cooperativas e associaes legalmente constitudas (em operaes diretas com os associados). Esse Programa tem por objetivo financiar itens de proteo ambiental e atividades que propiciem a conservao e o controle do meio ambiente, dentre os quais: recomposio ambiental de reas degradadas seja em decorrncia de atividades mineradoras ou de qualquer outra, causadoras de danos ambientais; controle, reduo e preservao da poluio da gua e do ar; recomposio da reserva florestal legal e das reas de preservao permanente; elaborao de estudos ambientais (relatrio ambiental, plano de controle ambiental, relatrio ambiental preliminar, diagnstico ambiental, plano de manejo e de recuperao de reas degradadas, anlise preliminar de risco, estudo de impacto ambiental e respectivo relatrio de impacto ambiental EIA/RIMA); implantao do Sistema de Gesto Ambiental (SGA) e realizao de auditoria ambiental;

30 certificao ambiental (ISO 14.000, selos verdes etc.); gerao de energia alternativa (solar, elica e de biomassa); implantao do Sistema Caatinga/Buffel/Leucena (Sistema CBL); manejo florestal e reflorestamento; produo de remdios, xaropes e outros produtos da farmcia viva; agricultura ecolgica (orgnica, biodinmica, natural, biolgica, sistemas agroflorestais ou agrossilvicultura e permacultura); coleta seletiva e reciclagem de resduos slidos domiciliares, comerciais e industriais; criao de animais silvestres, plantas nativas, ornamentais e medicinais, com vistas explorao econmica, conservao e repovoamento das espcies; outras atividades produtivas que propiciem a conservao do meio ambiente, desde que aprovadas previamente pelo Projeto Temtico de Meio Ambiente do Banco do Nordeste com base em carta-consulta do proponente;

m) Programa Corredor de Exportao Norte (PCNE) lanado pelo Governo Federal em 1990, de acordo com Monteiro (2002), engloba um conjunto de projetos agropecurios e medidas voltados para o desenvolvimento da regio do Cerrado Setentrional Brasileiro, incluindo o oeste da Bahia, o sul do Maranho, o sudoeste do Piau e todo o Estado do Tocantins. Tais polticas atingiram seus objetivos, em relao ocupao das terras do Cerrado, expanso da agropecuria brasileira e ao desempenho da economia do Pas. Entretanto, resultaram numa verdadeira devastao ambiental, atingindo principalmente os solos, a biodiversidade e os recursos hdricos. Duarte (2002, p. 18), ao analisar a devastao das terras do Cerrado, afirma:

Os padres de produo sobre os quais se deu o crescimento econmico nos cerrados so dificilmente sustentveis em longo prazo, uma vez que concentram a renda e a estrutura fundiria, produzem impactos ambientais cumulativos e perigosos, so estimuladores do xodo rural e da ocupao desordenada de novas reas rurais e urbanas, resultando em excluso e em condies socioeconmicas e ambientais negativas, sobretudo para as camadas mais pobres da populao.

31 Neste sentido, Vivaterra (2002), afirma ser o Cerrado o ecossistema brasileiro que mais sofreu alteraes com a ocupao humana. Um dos impactos ambientais mais graves na regio foi causado pelos garimpos que promoveram a contaminao dos rios com mercrio e o assoreamento dos cursos d'gua. A eroso causada pela atividade mineradora tem sido to intensa que, em alguns casos, chegou at mesmo a impossibilitar a prpria extrao do ouro rio abaixo. Nos ltimos anos, a expanso da agricultura e da pecuria representa o maior fator de risco para o Cerrado. As formas de interveno, com expanso mais significativa no Cerrado Brasileiro tm sido a formao de pastagens cultivadas e a lavoura comercial. Desta ltima, as mais importantes so a soja, o milho, o arroz, o caf, o feijo e a mandioca. 2.3 Cerrado Piauiense: caracterizao, ocupao e uso O Estado do Piau, com uma rea de 252.378 km2, ocupa 16,20% da regio Nordeste e 2,95% do territrio nacional. o terceiro maior estado do Nordeste, sendo menor que a Bahia e o Maranho. De acordo com Lima (1987, p. 64-65), a regio do Cerrado, inserida nos Chapades do Alto-Mdio Parnaba, apresenta-se como sendo o conjunto de extensos planaltos ao sul do Piau, dentro da grande unidade estrutural da bacia sedimentar do Maranho-Piau. Em concordncia com EMBRAPA (2002), o Piau possui aproximadamente 11,5 milhes de hectares de Cerrado, tendo como rea de domnio cerca de 70% e de transio em torno de 30%, o que o leva a ocupar o quarto lugar do Pas e o primeiro do Nordeste, apresentando, portanto, grande potencial a ser explorado. Sua rea de abrangncia espacial ocupa toda a regio sudoeste e parte do extremo-sul piauiense, como rea de domnio, alm de manchas de transio ao norte e centro-leste do Estado. Caruso (1997) afirma que, de modo geral, os solos do Cerrado so cidos e com elevado nvel de alumnio, associado a baixos nveis de fsforo, clcio e magnsio. Mostram pouca fertilidade e tambm baixa capacidade de reteno de guas. Para que se tornem aptos produo econmica de gros exigem uma adubao fosfatada e a prvia correo da acidez nociva do solo, elevando o pH2 para valores entre 5,5 e 6,0.

2

O pH a sigla sempre seguida de um nmero que indica o grau de acidez do solo. O pH 7 indica solo neutro; abaixo de 7 cido e acima, alcalino.

32 EMBRAPA (1999) e Goedert (1987) assinalam que os latossolos vermelho amarelo e os plintossolos so os de maior expresso geogrfica na regio do Cerrado Piauiense. Ocorrem tambm, em menor percentual, os planossolos e os neossolos quartzarnicos. Os latossolos vermelho amarelo so solos bastante intemperizados, profundos, cidos e de baixa fertilidade, porm com boas condies fsicas, condicionados por teores de argila predominantemente na faixa de 18% a 40% e estrutura em forma de blocos subangulares e granular. Embora apresentem graves limitaes quanto fertilidade natural, tornam-se excepcionalmente produtivos quando utilizados sob sistemas de manejo tecnificados, com a correo da acidez, o aumento da fertilidade e o controle da eroso. Ocorrem em relevo plano ou suave ondulado, o que os torna bastante apropriados para atividades agrcolas intensivas. Os plintossolos so profundos, associados aos latossolos e com elevada concentrao de concrees laterticas no perfil. Aparecem mais nas bordas das chapadas ou em reas de acumulao. Sua textura argilo-arenosa ou franco-argilo-arenosa na superfcie, passando a argilosa nas camadas subsuperficiais. So fortemente cidos, de baixo teor de carbono nos horizontes superiores e apresentam carncia generalizada de nutrientes. Os planossolos so medianamente profundos, relacionados s condies de saturao peridica de gua que induz intensa reduo dos xidos de ferro, condicionando a formao de cores acinzentadas. Apresentam normalmente teores mdios a elevados de matria orgnica, alta acidez e baixa disponibilidade de nutrientes. Sua utilizao intensiva depende da implantao de sistemas de drenagem, permitindo o controle do excesso de gua. Os neossolos so pouco desenvolvidos, muito profundos, cidos e de baixa disponibilidade de nutrientes, ocorrem em relevo plano ou suave-ondulado. Em funo da fraca estrutura, esses solos apresentam grande suscetibilidade eroso e grande permeabilidade. Os teores de argila so sempre inferiores a 15% e a estrutura fracamente desenvolvida sendo excessivamente drenados e de baixa disponibilidade de gua. EMBRAPA (1999) caracteriza o clima da regio do Cerrado do Piau por uma estao seca podendo perdurar de quatro a cinco meses, ocorrendo chuvas nos meses restantes, com valores pluviomtricos anuais mdios em torno de 1.100 milmetros. J a temperatura mdia se situa entre 23 - 24 Centgrados. O clima predominante na regio o tropical submido quente, inserindo-se tambm, em menor escala, o tipo tropical semi-rido quente.

33 A vegetao da regio em geral pouco densa, apresentando espcies de porte atrofiado, com troncos tortuosos de engalhamento baixo e retorcido, folhas grandes e grossas, copa assimtrica e ausncia de espinhos, conforme ilustrado na Figura 2.

Fonte: Foto de Jos Adauto Olimpio (2003).

Figura 2 Vegetao de Cerrado no Municpio de Palmeira do Piau (PI).

A regio em estudo possui, em quase toda a sua rea, um enorme potencial de guas subterrneas, com bastantes guas artesianas, alm de ser rica em guas superficiais, sendo banhada, expressivamente, por vrios rios perenes, dentre os quais se destacam: Uruu Preto, Uruu Vermelho, Paraim, Gurguia e o Parnaba, onde est localizada a barragem de Boa Esperana, mais precisamente no Municpio de Guadalupe, com 5 bilhes de metros cbicos de gua. A partir de meados da dcada de 70 o Cerrado Piauiense comea a despertar o interesse de diversas empresas agropecurias e investidores individuais de outros Estados para a explorao de pecuria de corte e reflorestamento com caju destaque para o Rio Grande do Sul, Pernambuco, So Paulo e Mato Grosso instalando-se e desenvolvendo extensos

34 projetos agropecurios na regio. A viabilidade econmica do Cerrado est consubstanciada na grande quantidade de terras potencialmente produtivas e a preos baixos, disposio de mo-de-obra, abundncia de recursos hdricos e nos incentivos fiscais e financeiros dos governos Federal e Estadual. O Cerrado do Piau apresenta um conjunto de condies favorveis para sua utilizao intensiva com atividades agropecurias, como o clima, cuja quantidade total de chuvas, temperatura amena e energia solar abundante so fatores necessrios para o plantio de culturas comerciais. Sua topografia permite a mecanizao dos solos. A vegetao se apresenta menos densa do que a da floresta tropical mida e facilmente removida para implantao de campos de culturas e de pastagens. Os solos profundos e de boa drenagem facilitam a mecanizao durante todo o ano. H, tambm, os mercados, devido existncia da demanda de alimentos e matrias-primas em regies internas ou prximas rea do Cerrado. Existem os insumos bsicos, motivados pelas jazidas de calcrio e fosfato relativamente abundantes no Cerrado. Enfim, o crdito rural, disponvel por meio dos bancos oficiais (Banco do Brasil BB e Banco do Nordeste - BN). (PIAU, 1997) Apesar disso, a regio do Cerrado ainda apresenta uma infra-estrutura de estradas, armazns e eletrificao rural insuficientes, sendo um obstculo para o pleno desenvolvimento das atividades agropecurias. Para a efetividade da ocupao e uso do Cerrado, por intermdio da produo agropecuria, fez-se necessria a implementao de um conjunto de polticas pblicas, aliadas ao Plo de Desenvolvimento Integrado Uruu/Gurguia, em execuo pelo BN desde 1998, com recursos do FNE, em parceria com segmentos do Governo do Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada. O Plo tem por finalidade o incentivo ao desenvolvimento de atividades nas dimenses econmica-scio-cultural-ambientais e informao/conhecimentos. Alm disso, o Governo do Estado do Piau oferece uma srie de vantagens legais sob forma de incentivos fiscais e de regime tributrio diferenciado para investidores que se instalem no Estado ou, uma vez instalados, busquem ampliao dos seus negcios. Tais incentivos, segundo Piau (1997), esto regulamentados pela Lei Estadual n. 4.859, de 27/08/1996 e referem-se basicamente dispensa de parte do Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS), nos casos de empreendimentos industriais e agroindustriais prioritrios para o Estado, em implantao, relocalizao ou revitalizao. As atividades econmicas concentram-se no setor primrio, mediante o desenvolvimento de uma agricultura comercial moderna e de alta produtividade que exporta

35 excedentes considerveis para o resto do pas e exterior. A soja, que comeou a ser cultivada a partir da dcada de 90, destaca-se como opo apropriada para a rotao de culturas com arroz em condies de adaptao ao clima e ao solo da regio. H outras culturas comerciais tambm exploradas na regio: milho, feijo, cana-de-acar e mandioca. De acordo com Moraes (2000), a pecuria apresenta dois padres espaciais bem definidos: a extensiva, que ainda persiste em mais da metade dos estabelecimentos, constituda de rebanhos pequenos, de gado p duro e mestio de zebunos, com presena destacada de sunos, caprinos e outros animais; e a pecuria melhorada semi-intensiva se expandindo do sul em direo ao vale do Parnaba, contando com vrios tipos de modernizao estruturadas em bases modernas, pastagem cultivada, melhores raas - onde o leite comea a ter importncia comercial, sem diminuir a pecuria de corte. A agroindstria se estrutura na regio a partir de insumos decorrentes das atividades produtivas do arroz, da soja, do milho e do caju. Teresina e Floriano se constituem nos principais plos de concentrao, onde se registram iniciativas de implantao de unidades agroindustriais para beneficiamento e esmagamento de gros e oferta de rao para animais. A partir do segundo semestre de 2003, entrou em funcionamento uma unidade agroindustrial de esmagamento de soja no municpio de Uruu (Figura 3), pertencente a um grupo de empresrios holandeses (BUNGE Alimentos), ampliando a capacidade de beneficiamento do Piau.

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Fonte: Foto cedida pelo IBAMA (2003).

Figura 3 Vista parcial da unidade agroindustrial da BUNGE Alimentos. Municpio de Uruu (PI)

A evoluo da ocupao e uso do Cerrado ocorreu, de um lado, em resposta ao crescimento da demanda por produtos agrcolas, e de outro, ao desenvolvimento tecnolgico conjugado com polticas agrcolas gerais e de desenvolvimento regional. H de se registrar que o Piau no foi contemplado com o Programa de Cooperao Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), o qual se constituiu em importante instrumento financiador da agricultura no Cerrado dos demais Estados brasileiros. Isso verificou-se em virtude da falta de entendimento poltico entre o Governo do Estado, o Governo Federal e a JICA. Por conta disso, o processo de ocupao do Cerrado Piauiense iniciou mais tardiamente e de maneira mais lenta que nos Estados beneficiados pelo PRODECER. Um elemento fundamental, na expanso da agricultura moderna na regio, foi o desenvolvimento de tecnologias que tornaram produtivo e rentvel o cultivo das terras cidas e pouco frteis. Utilizando recursos do POLOCENTRO, a EMBRAPA intensificou a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias que contriburam para a expanso e a modernizao agrcola no Cerrado.

37 Entretanto, a exemplo do que ocorreu na regio do Planalto Central do Brasil, os solos e a biodiversidade no Cerrado Piauiense tambm esto sujeitos a um grande risco de sofrerem danos ambientais, decorrentes do desmatamento indiscriminado, que reduz o habitat dos animais silvestres, das plantas e dos microorganismos, alm de expor o solo ao efeito da eroso provocada pela chuva e pelo vento, caso no sejam adotadas prticas de conservao adequadas.

2.4 Caracterizao dos municpios

2.4.1 Palmeira do Piau

O desmembramento de reas dos Municpios de Cristino Castro e Uruu ocorreu em 9 de julho de 1962, conforme a Lei Estadual n. 2.279, dando origem ao Municpio que, inicialmente, recebeu a denominao de Palmeira. A instalao aconteceu em 25 de novembro de 1962. Em face de sucessivos equvocos com o Municpio de Palmeirais, o novo espao geogrfico recebeu o nome de Palmeira do Piau, em 1973. (IBGE, 1985) O referido municpio localiza-se no centro-sul do Estado, na Mesorregio Sudoeste Piauiense e na Microrregio Geogrfica do Alto Mdio Gurguia, entre 4402 e 4451 de Longitude Oeste e 816 e 850 de Latitude Sul, distando da Capital, Teresina, 600 km por via rodoviria (Figuras 4 e 5). Os dados do IBGE (CENSO DEMOGRFICO 2000, 2001) indicam que o municpio apresenta uma rea territorial de 2.152 km2, uma populao total de 5.199 habitantes e densidade demogrfica de 2,42 hab/km2. A temperatura mdia anual de 27,5 Centgrados e a precipitao mdia anual de 776,7 milmetros.

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Fonte: Jos Adauto Olimpio (2004).

Figura 4 - Mapa de localizao dos Municpios de Palmeira do Piau e Currais.

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Fonte: Jos Adauto Olimpio (2004).

Figura 5 Mapa do Municpio de Palmeira do Piau sob imagem de satlite Landsat 7/ETM (2004)

O Municpio de Palmeira do Piau, localizado na rea conhecida pela denominao de Chapadas e Chapades do Meio-Norte, seu relevo, modelado em rochas sedimentares antigas, apresenta-se sob a forma de chapadas bastante dissecadas, com escarpas festonadas e topo plano, descambando o conjunto em direo noroeste. Nos amplos vales dos rios Gurguia e Uruu Preto, a topografia suavemente ondulada, com testemunhos tabulares. A altitude oscila entre 250 a 400 metros. A rede hidrogrfica constituda pelos rios Gurguia, sendo seu principal afluente o riacho Brejo Novo, em cuja margem direita est localizada a sede municipal, e Uruu Preto, cujo principal afluente o riacho dos Castros. Os rios principais descrevem meandros em seus cursos.

40 Em conformidade com IBGE (1985), a cobertura vegetal primitiva constituda principalmente de vegetao no florestal, semidecdua3, xeromorfa4 cerrado denso, notadamente nos prolongamentos da serra do Uruu. Em quase toda a rea da bacia do Ribeiro dos Castros ocorre o cerrado. s margens do rio Gurguia desenvolve-se a caatinga. comum nos baixios e nas matas ciliares a ocorrncia de buriti. Com relao aos solos, predominam os latossolos vermelho-amarelo, no entanto, observam-se, tambm, ocorrncias de plintossolos e neossolos quartzarnicos. A estrutura fundiria, segundo as Estatsticas Cadastrais do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), est representada na Tabela 1 e nas Figuras 6 e 7, em seus aspectos de nmero e rea dos imveis rurais.

Tabela 1 Quantidade e rea dos imveis, por estrato de rea, do Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001.

Nmero 1998 % 2001 % 1998

rea (ha) % 2001 %

Estrato de reaPequena Prop. (0 a menos de 100 ha)5 Mdia Prop. (100 a menos de 1.000 ha) Grande Prop. (1.000 a mais ha) TOTAL 342 103 7 452 75,66 22,79 1,55 100,00 387 97 9 493 78,50 19,70 1,80 11.742 28.394 48.728 13,21 31,95 54,84 14.272 29.255 33.202 18,60 38,13 43,27

100,00 88.864 100,00 76.729 100,00

Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 1998 e 2001.

3 4

Tipo de vegetao que perde parte das folhas na poca seca do ano. Vegetao tpica de cerrado, adaptada s condies de clima seco. 5 O INCRA classifica as propriedades em pequenas (0 a menos de 100 ha), mdias (100 a menos de 1.000 ha) e grandes (1.000 a mais ha).

41387 400 350 300 250 200 150 100 50 0 1998Pequena Propriedade Mdia Propriedade

342

103

97

7

9

2001Grande Propriedade

Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 1998 e 2001.

Figura 6 Nmero de imveis, por estrato de rea, do Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001.

48.728 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0

33.202 28.394 29.255

11.742

14.272

1998Pequena Propriedade Mdia Propriedade

2001Grande Propriedade

Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 1998 e 2001.

Figura 7 rea dos imveis (ha), por estrato de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1998 e 2001.

42 De acordo com a Tabela 1 e Figura 6, no ano de 1998 as pequenas propriedades representavam 75,66% dos imveis rurais, as mdias propriedades 22,79% e as grandes propriedades 1,55%. Em 2001, as pequenas propriedades aumentaram a representao para 78,50%, as mdias reduziram para 19,70% e as grandes aumentaram para 1,80% dos imveis rurais. O aumento do nmero desses pequenos espaos entendido na regio pela distribuio das terras entre os filhos dos proprietrios das pequenas e mdias propriedades, via herana. J o aumento do nmero de grandes propriedades deve-se aquisio de glebas por parte dos migrantes das regies Sul e Sudeste para implantao de projetos agrcolas. Em relao rea dos imveis, de acordo com a Tabela 1 e Figura 7, em 1998, 13,21% pertenciam ao estrato de pequenas propriedades; 31,95% ao de mdias propriedades e 54,84% ao de grandes propriedades. J em 2001, as pequenas reas aumentaram sua participao para 18,60% da rea dos imveis, as mdias aumentaram para 38,13% e as grandes reduziram para 43,27%. Donde se conclui que ocorreu uma reduo significativa no tamanho mdio das grandes propriedades, embora o nmero delas tenha aumentado no perodo considerado. Essa constatao explica-se pela venda de parte dessas reas para os migrantes do sul e sudeste, uma vez que as mesmas se localizam nas terras altas (chapadas), enquanto as pequenas e mdias concentram-se mais nos vales dos rios e outras terras baixas. As pequenas e mdias propriedades tiveram um pequeno aumento nos seus tamanhos, em decorrncia da reduo do nmero das mdias propriedades passando pelo processo de diviso por herana, transformando-se em pequenas, as quais aumentaram em nmero e rea. O nmero de estabelecimentos agropecurios, de acordo com os Censos Agropecurios (1980, 1985 e 1995/1996) est configurado na Tabela 2 e Figura 8.

43 Tabela 2 Nmero de estabelecimentos agropecurios, por grupos de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1980, 1985 e 1995/1996

Estabelecimentos Agropecurios (n.) Grupos de rea Total (ha) Pequena Propriedade Menos de 10 De 10 a menos de 100 Mdia Propriedade De 100 a menos de 200 De 200 a menos de 500 De 500 a menos de 2.000 Grande Propriedade 2.000 e mais TOTAL6

1980 419 206 213 109 53 35 21 4 4 532

% 78,76

1985 495 270 225

% 82,50

1995/1996 467 225 242

% 80,80

20,49

99 42 37 20

16,50

109 52 40 17

18,86

0,75

6 6

1,00

2 2

0,34

100,00

600

100,00

578

100,00

Fonte: CENSO AGROPECURIO (1980, 1985 e 1995/1996).

500 400 300 200 100 0

495 419

467

109 4 1980

99 6 1985

109 2 1995/1996

Pequena Propriedade

Mdia Propriedade

Grande Propriedade

Fonte: CENSO AGROPECURIO (1980, 1985 e 1995/1996).

Figura 8 - Nmero de estabelecimentos agropecurios, por grupos de rea, no Municpio de Palmeira do Piau, nos anos de 1980, 1985 e 1995/1996.

6

O IBGE classifica, tambm, as propriedades em pequenas (0 a menos de 100 ha), mdias (100 a menos de 2.000 ha) e grandes (2.000 e mais ha).

44 O nmero de estabelecimentos, cujas reas so classificadas como pequenas propriedades representaram 78,76% em 1980, aumentaram para 82,50% em 1985 e reduziram para 80,80% em 1995/1996. Os de mdias propriedades, que representavam 20,49% em 1980, reduziram para 16,50% em 1985 e aumentaram para 18,86% em 1995/1996, enquanto que os de grandes propriedades, que participavam com 0,75% em 1980, aumentaram para 1,00% em 1985 e reduziram para 0,34% em 1995/1996. Portanto, no perodo de 1980 a 1995 houve aumento do nmero de estabelecimentos agropecurios no estrato das pequenas e grandes propriedades e reduo no nmero de estabelecimentos no estrato de mdias propriedades. J em 1995/1996 ocorreu reduo no nmero de pequenas e grandes propriedades e aumento no de mdias propriedades. Esta reduo no ltimo ano da anlise pode ter sido influenciada pela mudana do perodo de referncia do Censo Agropecurio de 1995/1996 (ano agrcola) em relao aos Censos anteriores (ano civil). Ressalte-se que a alterao na metodologia de elaborao do Censo afeta com maior intensidade as informaes relativas s regies Sul, Sudeste e CentroOeste, que so responsveis pela maior parte da produo agropecuria do Pas (CENSO AGROPECURIO 1995/1996 PIAU). O setor primrio a base econmica do Municpio de Palmeira do Piau e as oscilaes na estrutura fundiria no comprometem o desenvolvimento das atividades agrcolas para produo de gros, principalmente no plat da serra do Uruu, uma vez que as condies edafo-climticas so favorveis implantao de empreendimentos agrcolas. A utilizao das terras do municpio est distribuda em suas diferentes categorias na Tabela 3.

45

46 Conforme a Tabela mencionada, as terras do Municpio de Palmeira do Piau so pouco utilizadas na produo agrcola, predominando grandes extenses de matas e florestas, vindo em seguida as terras produtivas no utilizadas. De um total de mais de 71.000 hectares, pouco mais de 2.000 hectares esto ocupados com lavouras (permanentes e temporrias) e menos de 17.000 hectares constituem as pastagens (naturais e plantadas). Assim, tem-se o montante de terras disponveis para utilizao na produo agrcola totalizando mais de 48.000 hectares de matas e florestas e outras terras produtivas no utilizadas, expressando, por conseguinte, um grande potencial para explorao. Admitindo-se que todas as terras agricultveis fossem exploradas com soja e descontando-se 30% que a Lei exige como reserva legal, restariam 33.600 hectares de terras que produziriam cerca de 69.686 toneladas/ano de gros, considerando-se a produtividade mdia do Piau que de 2.074 quilos por hectare. Entre as diversas atividades econmicas desenvolvidas no municpio, h a predominncia de culturas agrcolas, comrcio e pecuria, onde se destacam os rebanhos bovinos, sunos, ovinos e aves (Tabela 4).

47

48 De acordo com a Tabela 4, os rebanhos so relativamente pequenos e, ao longo do perodo compreendido entre 1997 e 2001, o aumento nos efetivos ocorreu mediante taxas mdias geomtrica de crescimento7 anual de 1,34% (bovino), 0,67% (suno), 2,74% (ovino), 0,68% (caprino) e 3,02% (aves). Quanto participao do efetivo dos rebanhos do municpio em relao ao do Piau, como demonstrado na referida Tabela, atingiu menos de 1,00%, donde se conclui que o municpio, em foco, no tem potencial para expanso da pecuria, pois as terras baixas, onde a pecuria explorada, no se caracterizam por grandes propriedades, como ocorre com as terras altas das chapadas; alm do mais, os pequenos proprietrios no dispem de recursos financeiros para ampliao de suas atividades nem garantias reais para contrair emprstimos bancrios e a demanda do mercado regional no estimula o aumento da produo pecuria nos pequenos empreendimentos. As principais atividades agrcolas de Palmeira do Piau so as culturas de arroz de sequeiro, milho, feijo caupi, mandioca e cana-de-acar, exploradas predominantemente por pequenos agricultores familiares, que utilizam as terras baixas do municpio. A partir de 1998 inicia-se a explorao da soja, com possibilidades de ser a mais importante cultura agrcola do municpio; haja vista, cerca de 2/3 de sua rea total esto situados nas terras altas da serra do Uruu (chapadas), onde a topografia, o solo e o clima apresentam condies favorveis para a prtica de agricultura mecanizada (Tabela 5).

7

Calculada pela equao: r = ano inicial.

n

Pn 1 , onde n = nmero de anos; Pn = rebanho no ano n; e P0 = rebanho no P0

49

50 A referida Tabela apresenta constante oscilao na rea colhida, na produo e no rendimento mdio de ano para ano, provavelmente em funo da variao nas precipitaes pluviomtricas. Alm do mais, o IBGE no registra produo de soja em 2002, o que deixa dvidas em relao veracidade da informao, uma vez que os produtores no costumam interromper suas atividades agrcolas, conjuntamente, apenas por um ano, embora se tenha conhecimento que 2002 no foi um ano de chuvas normais. Os dados explicitam que houve aumento na rea e na produo de arroz apenas em 1999 e 2000, em funo do aumento da rea cultivada nesses anos, seguindo uma tendncia de decrscimo a partir de 2001, tanto na rea plantada quanto na produo colhida. Os demais produtos mantiveram-se com pequenas alteraes para mais ou para menos no perodo em anlise. Os efeitos da implantao de projetos para produo de gros na chapada, utilizando a mecanizao e o uso de corretivos, fertilizantes e defensivos agrcolas, ainda no so vistos em termos de aumento da produo agrcola no municpio em pauta, haja vista, a rea cultivada nesses projetos ainda pequena. No entanto, a chegada de novos empreendedores agrcolas potencializa uma explorao crescente de gros, particularmente, soja.

2.4.2 Currais

Com terras desmembradas do Municpio de Bom Jesus, o Municpio de Currais foi criado em 26 de janeiro de 1994, por fora da Lei Estadual n. 4.680. Localiza-se no centro-sul do Estado, na Mesorregio Sudoeste Piauiense e na Microrregio Geogrfica do Alto Mdio Gurguia, entre 4418 e 4505 de Longitude Oeste e entre 826 e 902 de Latitude Sul, distando da Capital, Teresina, 640 quilmetros por via rodoviria (Figuras 4 e 9). A temperatura mdia anual de 29 Centgrados e a precipitao mdia anual de 944,4 milmetros. Apresenta rea territorial de 3.063 km2, populao total de 4.232 habitantes e densidade demogrfica de 1,38 hab/km2. (CENSO DEMOGRFICO 2000, 2001)

51

Fonte: Jos Adauto Olimpio (2004).

Figura 9 Mapa do Municpio de Currais sob imagem de satlite Landsat 7/ETM (2004).

Localizado na rea conhecida pela denominao de Chapadas e Chapades do Meio-Norte, seu relevo corresponde a uma superfcie modelada em rochas sedimentares antigas, bastante dissecada pelas bacias dos rios Gurguia e Uruu Preto. Ao longo dos vales desses rios existem grandes baixes com uma topografia suavemente ondulada e dissecada em formas tabulares8. A altitude oscila de 290 a 700 metros. (IBGE, 1984). De acordo com o referido rgo, a rede hidrogrfica compreende duas bacias: a do Gurguia, onde est localizada a sede municipal e a do Uruu Preto, ambas drenadas para o rio Parnaba. O riacho da Ema afluente do rio Gurguia e os riachos Buritizinho e das guas so afluentes do rio Uruu Preto.8

Os dados de temperatura, precipitao e relevo so os relativos ao Municpio de Bom Jesus, uma vez que no existem essas informaes para o Municpio de Currais, cuja sede municipal situa-se cerca de 8 km de distncia de Bom Jesus.

52 A cobertura vegetal predominante nas chapadas o cerrado denso e nos vales dos rios e riachos encontram-se as matas ciliares, com ocorrncia de buriti (Figura 10). E, tal como em Palmeira do Piau, os solos mais representativos so os latossolos vermelhoamarelo, aparecendo, ainda, os plintossolos e os neossolos quartzarnicos.

Fonte: Foto cedida pelo IBAMA (2003).

Figura 10 Vale do Gurguia, mostrando ao fundo o plat do Cerrado. Municpio de Currais (PI).

As informaes sobre a estrutura fundiria do Municpio de Currais encontram-se na Tabela 6 e Figuras 11 e 12.

53 Tabela 6 Quantidade e rea dos imveis, por estrato de rea, do Municpio de Currais, no ano de 2001.

Estrato de rea

%

rea (ha) 10.590 15.897 23.777 50.264

% 21,07 31,63 47,30 100,00

NmeroPequena Propriedade (0 a menos de 100 ha) Mdia Propriedade (100 a menos de 1.000 ha) Grande Propriedade (1.000 a mais ha) TOTAL Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 2001. 333 63 12 408 81,62 15,44 2,94 100,00

333 350 300 250 200 150 100 50 0 2001Pequena Propriedade Mdia Propriedade Grande Propriedade

63 12

Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 2001.

Figura 11 - Nmero dos imveis, por estrato de rea, do Municpio de Currais, no ano de 2001. Quanto estrutura fundiria, em 20019, segundo o INCRA, 81,62% dos imveis rurais so pequenas propriedades, 15,44% so mdias propriedades e 2,94% so grandes propriedades (Tabela 6 e Figura 11).

9

O INCRA no dispe de informaes para anos anteriores a 2001 para o municpio de Currais.

54

23.777 25.000 15.897 20.000 10.590 15.000 10.000 5.000 0 2001Pequena Propriedade Mdia Propriedade Grande Propriedade

Fonte: INCRA Estatsticas Cadastrais 2001.

Figura 12 - rea dos imveis (ha), por estrato de rea, do Municpio de Currais, no ano de 2001.

Em relao rea dos imveis, 21,07% pertencem ao estrato de pequenas propriedades, 31,63% ao de mdias propriedades e 47,30% ao de grandes propriedades (Tabela 6 e Figura 12). Apesar da predominncia das pequenas propriedades no Municpio de Currais, quando se observa a extenso total da rea, h quase uma inverso dos nmeros, ou seja, as pequenas propriedades representam 81,62% dos imveis, mas detm apenas 21,07% da rea, enquanto as mdias e grandes propriedades representam 18,34% do nmero de propriedades, todavia possuem 78,93% da rea, circunstncia que mostra a profunda concentrao da estrutura fundiria, a qual pode se constituir em uma situao potencial de gerao de conflitos agrrios. O Censo Agropecurio de 1995/1996 ainda no registra as informaes sobre o nmero de estabelecimentos agropecurios no Municpio de Currais, uma vez que o mesmo somente foi emancipado em 1994. Com relao estrutura produtiva, os bovinos, sunos, ovinos e aves, criados em regime extensivo, constituem os principais rebanhos do municpio (Tabela 7).

55

56 Na Tabela mencionada, o efetivo de cada rebanho sofreu apenas um pequeno aumento no perodo de 1997 a 2001, mostrando que a atividade pecuria no tem atrado novos investimentos. A taxa mdia geomtrica de crescimento anual dos rebanhos foi, respectivamente, 1,34% (bovino), 0,46% (suno), 40,04% (ovino) e 2,45% (aves). Apesar da elevada taxa mdia de crescimento anual do rebanho ovino registrado no perodo considerado, o total do referido rebanho pouco representa para a economia municipal. Quanto participao do efetivo dos rebanhos do municpio em relao ao do Piau, os percentuais apresentados na Tabela 7 so pouco significativos (menos de 0,40%). A exemplo do que ocorre no Municpio de Palmeira do Piau, em Currais tambm a maior extenso de terras est situada nas chapadas da serra do Uruu, onde a atividade pecuria mais limitada pela falta de gua de superfcie. As principais culturas exploradas no Municpio de Currais so as de arroz de sequeiro, milho, feijo caupi, cana-de-acar e mandioca, cultivadas pelas famlias de pequenos produtores nas reas baixas e onduladas, no sistema tradicional no mecanizado (plantio no toco) e cuja finalidade a subsistncia dessas famlias (Tabela 8).

57

58 Pela interpretao da referida Tabela, no perodo de 1998 a 2002, as culturas de arroz, milho e feijo no municpio sofreram alteraes na rea, na produo e no rendimento mdio. A incluso da soja nas estatsticas de produo do municpio se deu a partir de 2002, porm com um rendimento mdio de 350 kg por hectare, muito abaixo da mdia estadual, que foi de 1.052 kg/ha em 2002, causado pela elevada acidez do solo que, nos primeiros anos de cultivo, apresenta baixo rendimento na produo. A correo da acidez do solo exige o emprego de calcrio dolomtico em doses distribudas por dois a trs anos, dependendo do nvel em que se encontra essa acidez. No entanto, a partir do 3 ou 4 ano, as perspectivas so de obteno de nveis mais elevados de produtividade de soja, como j vem ocorrendo em outras reas do Cerrado aonde o cultivo vem se desenvolvendo h cinco anos ou mais. A explorao agrcola para produo de gros (soja, arroz de sequeiro de terras altas e milho) est concentrada no plat da serra do Uruu, na parte oeste do municpio, sendo que grande parcela dos agricultores encontra-se organizada em cinco associaes de produtores e um condomnio, constitudos por associados oriundos das regies Sul e Sudeste do Pas, principalmente dos Estados de Santa Catarina, Paran, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

2.5 Resumo conclusivo

A ocupao e uso do Cerrado Piauiense para a explorao agropecuria est ocorrendo em ritmo acelerado, por meio da presena de novos empresrios e produtores originrios, principalmente, dos Estados do Paran, So Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Esse fato tem duas conseqncias: por um lado, a perspectiva de desenvolvimento da regio, mediante o aumento da produo, da gerao de emprego e renda, do aumento dos negcios e da economia em geral. Por outro lado, a preocupao com o meio ambiente, que est sujeito ao processo de degradao do solo e perda da biodiversidade, em face do desmatamento, da construo da infra-estrutura bsica (estrada, energia etc.), da utilizao de mquinas e equipamentos pesados, do uso intensivo de agrotxicos, do aumento da urbanizao, dentre outros. Apesar da grande extenso de terras altas (chapadas) disponveis nos dois municpios, a agricultura para produo de gros apenas est iniciando e, embora os agricultores piauienses no tenham internalizado ainda a tecnologia para o cultivo de soja, o que os exclui do processo de modernizao agrcola, as perspectivas de ampliao da

59 atividade so bastante promissoras. Desta forma, o ritmo de crescimento da agricultura fica a depender dos migrantes do Sul e Sudeste do Pas. As condies edafoclimticas so favorveis e os dois municpios no apresentam problemas de estrutura fundiria que causem dificuldades implantao de uma agricultura comercial moderna, necessitando, entretanto, que a infra-estrutura bsica de estradas, energia e comunicaes seja disponibilizada pelos governos Federal, Estadual e Municipal. Embora haja por parte das autoridades governamentais e da populao em geral uma maior conscincia ambiental, a expanso da agricultura no Cerrado segue os mesmos passos trilhados nos Estados do Brasil Central, onde a falta de um planejamento racional resultou em danos ambientais irreversveis sobre o solo, a biodiversidade e os recursos hdricos. Ou seja, o Governo estimula a ocupao da regio, mediante polticas pblicas, mas no traa um Plano Diretor capaz de racionalizar a utilizao de novas reas e evitar a repetio dos danos ocorridos nas reas anteriores.

III CONSEQNCIAS DA AGRICULTURA COMERCIAL SOBRE O SOLO E A BIODIVERSIDADE

3.1 Introduo

Campanhola, Luiz & Rodrigues (1997, p. 159) ao apontarem a agricultura como uma das principais atividades produtivas responsveis pela degradao do meio ambiente afirmam que:

Com a intensificao, a agricultura tornou-se dependente de insumos externos que consistem da utilizao de sementes de variedades melhoradas, da mecanizao, de fertilizantes e de agrotxicos, com o objetivo de aumentar a produtividade. Os insumos qumicos e mecnicos tm causado impactos negativos nos diferentes compartimentos dos ecossistemas, representados por eroso e compactao dos solos, contaminao de guas superficiais e subterrneas, resduos qumicos nos solos, efeitos nos organismos edficos e aquticos, danos sade humana, entre outros.

Diante desta situao, a ocupao e uso do Cerrado Piauiense carece de um estudo mais aprofundado, pois esse processo vem ocorrendo na ausncia de planejamento por parte das autoridades responsveis pela definio e implementao de polticas pblicas direcionadas ao setor produtivo (pesquisa, crdito, assistncia tcnica, estradas, energia, comunicaes) e de fiscalizao do uso dos recursos naturais. Com essa perspectiva, organizou-se o captulo em cinco tpicos, seguidos de resumo de teor conclusivo. O primeiro refere-se ao conceito de impacto ambiental, suas formas e evoluo histrica no Brasil; o segundo aborda os impactos sobre a biodiversidade, as principais causas e os efeitos sobre a fauna e a flora; o terceiro discute os impactos sobre o solo, substrato e base do sistema produtivo; o quarto refere-se aos impactos causados pelo uso dos agrotxicos sobre os recursos naturais e a vida; e o ltimo aborda a conservao do solo, relacionando suas diversas prticas, enfatizando sua necessidade visando a manuteno da base fsica para produo dos alimentos que suprem a populao de todo o planeta, por fim apresenta-se resumo conclusivo do captulo.

61 3.2 Impactos ambientais

Por impacto ambiental considera-se qualquer alterao das propriedades fsicoqumicas e biolgicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a sade, a segurana, o bem-estar da populao, as atividades sociais e econmicas, a biota, as condies estticas e sanitrias do meio ambiente, enfim, a qualidade dos recursos ambientais. Com efeito, o Cerrado Brasileiro tem sido considerado o celeiro do Brasil, dada a sua potencialidade agrcola na produo de alimentos e matrias-primas para a populao. Convm questionar-se at que ponto os usurios dessa base produtiva tm tomado os necessrios cuidados, tendo em vista manter sua conservao para as geraes futuras. Theodoro, Leonardos & Duarte (2002, p. 147) expressam suas preocupaes acerca do modelo de explorao adotado no Cerrado:

No caso do Brasil, o modelo agroexportador, implantado desde o perodo colonial, vem mostrando que os atuais recordes de safras definem uma via de mo dupla, pois ao mesmo tempo em que viabiliza o crescimento do setor, acarreta uma maior concentrao de renda e terra. Este modelo de desenvolvimento agrcola adotado pelo pas, e especialmente no cerrado, alm de socialmente injusto, vem acarretando problemas ambientais gravssimos, que podem, em mdio e longo prazos, inviabilizar a regio de maior potencial agrcola.

Portanto, uma ao de impacto provoca, consideravelmente, a ruptura do equilbrio existente no meio ambiente, podendo comprometer todo um ecossistema, uma vez que os processos de interveno antrpica sobre a natureza, em geral so contnuos e direcionados, impedindo qualquer forma de acomodao natural, pois, via de regra, os impactos ambientais desencadeiam os impactos sociais; logo, qualquer que seja a ao estranha sobre o ambiente, acarretar, por conseguinte, custos socializados, repercutindo na qualidade de vida da populao. Bernardes & Ferreira (2003, p. 28), analisando a interao da sociedade com a natureza, afirmam que,

Explorando as riquezas da Terra, a forma capitalista de produzir afeta diretamente o meio ambiente, muitas vezes provocando impactos negativos irreversveis ou de difcil recuperao. Hoje os riscos produzidos se expandem em quase todas as dimenses da vida humana, obrigando-nos a rever a forma como agimos sobre o meio natural e as prprias relaes

62sociais, obrigando-nos a questionar os hbitos de consumo e as formas de produo material.

Essa constatao decorre das pessoas internalizarem, ao longo do tempo, a idia de que os recursos naturais so inesgotveis, em virtude da sua quantidade. Entretanto, na medida que a populao cresce, a tendncia a reduo do estoque ambiental devido a explorao continuada at o momento em que os recursos naturais no mais tenham condies de atender as necessidades da populao. Alm disso, o progresso conquistado mediante o uso do trabalho e da tecnologia no tem respeitado a natureza, resultando em verdadeiro saque aos recursos ambientais. Neste particular, Leis12 (1999, p. 206), citado por Guimares (2003), explicita que ... das piores heranas que o sculo XX recebeu do passado a noo de que o progresso humano baseiase na superao de todo e qualquer obstculo atravs das foras do trabalho e da tecnologia, o que supe sempre uma liberdade c