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‘O ACIDENTE DE FLIC’: A APRESENTAÇÃO DO ACONTECER CLÍNICO COMO NARRATIVA BRINCANTE A partir da concepção de que o conhecimento científico constrói-se tendo como elemento fundamental a interlocução com a comunidade acadêmica, entendemos ser de suma importância que a apresentação dos estudos em andamento, das idéias que habitam os grupos de pesquisa, seja realizada com o rigor necessário. Tratando-se de investigações em psicanálise, disciplina que tem seu exercício fundamentalmente ancorado no acontecer inter-humano, a comunicação de resultados muitas vezes passa por apresentações de material clínico, por recortes de sessões terapêuticas, por depoimentos de participantes de pesquisa. Evidentemente a divulgação deste tipo de material requer que alguns cuidados sejam respeitados. Com os avanços tecnológicos, ao tornarem acessíveis na web teses, dissertações e artigos, o problema é recolocado, pois, ao que tudo indica, torna-se cada vez mais fácil a identificação dos casos pelos próprios pacientes e por terceiros. Considerando esse quadro, apresentamos uma forma de registrar o acontecer clínico, com o intuito de preservar os aspectos afetivo-emocionais essenciais, registrando o caso sob roupagem ficcional que dificulte ou até impossibilite o reconhecimento, tanto da própria pessoa, como de terceiros. Trata-se de uma proposta inspirada na transicionalidade winnicottiana, que denominamos "narrativas brincantes". A utilização deste tipo de proposta vem revelando-se bastante produtiva no contexto dos grupos de pesquisa. Uma vez que pretende, ao mesmo tempo, dificultar maximamente a auto-identificação dos pacientes/participantes, bem como assegurar a apresentação do acontecer clínico, compreendemos que tal procedimento abrange o cuidado com o rigor científico, mas também atenta à preservação do bem-estar psicológico dos participantes/pacientes, efetivando um cuidado ético. Elaboramos estudo fundamentado na substituição de relatos literais de sessão pela apresentação de registros do acontecer clínico sob a forma de narrativas brincantes, de caráter ficcional, no contexto do grupo de pesquisa. As associações livres, hipóteses e compreensões produzidas pelos pesquisadores diante destas narrativas são anotadas e, num segundo momento, comparamos as percepções clínicas do grupo com aquilo que surge a partir dos relatos não ficcionais dos mesmos casos. Flic é um pingüim que habita o sul do continente. É agitado e adora cuidar dos outros pingüins que o procuram freqüentemente pedindo ajuda. Nunca passa despercebido quando chega em algum lugar, pois é brincalhão e demonstra muita vivacidade através da sua extroversão. Mas, de fato, ninguém conhece Flic, pois por trás daquele esforço em demonstrar sempre uma grande alegria, existe alguém que se sente muito sozinho e que possui muita dificuldade em expor os seus sentimentos. Essa situação fez com que ele há alguns anos procurasse ajuda nas reuniões que são realizadas pelos pinguins-de-olhos-amarelos.(...) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004) Ser e Fazer: Enquadres Diferenciados na Clínica Winnicottiana. Aparecida: Idéias e Letras, 2004. p. 9-21. AIELLO-VAISBERG, T. M. J.; MACHADO, M. C. L; AYOUCH, T.; CARON, R.; BEUANE, D.. Les récits transferenciels comme présentation du vécu clinique: une proposition méthodologique IN BEAUNE, D. Psychanalyse, Philosophie, Art: Dialogues. Paris: L'Harmattan, 2009, p. 39-52. AIELLO-VAISBERG, T. M. J.; MACHADO, M. C. L. (2005). Narrativas: o Gesto do Sonhador Brincante. In: Trabalhos do IV Encontro Latino Americano dos Estados Gerais da Psicanálise. São Paulo: Estados Gerais da Psicanálise, 2005. BAPTISTA, A. M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004).O Coelhinho Ludovico: intervenção na clínica winnicottiana. In Aiello-Vaisberg, T. e Ambrosio, F. F. (orgs.) Cadernos Ser e Fazer – O Brincar. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2004. p.58-62. BLEGER, J. (1963) Psicologia de la conduta. Buenos Aires: Paidós, 1977. GRANATO, T. M. M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004) Tecendo a pesquisa clínica em narrativas psicanalíticas. In Mudanças – Psicologia da Saúde, 12 (2), 253-271 HERRMANN, F.; CHAVES, L. P.; LIMA, L. T. O.; FAVILLI, M. P. (2002). Debate: O Caso Clínico, sua Narrativa. In Jornal de Psicanálise, São Paulo, 35 (64/65): 9-27, dez.2002. PONTALIS, J-B. [15 novembro, 2002].São Paulo: Jornal de Psicanálise, 35 (64/65): 29-47, dez.2002. Entrevista concedida a Marcelo Marques. WINNICOTT, D. W. (1945) Desenvolvimento Emocional Primitivo. In Textos Selecionados Da Pediatria à Psicanálise. Tradução de Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p. 269-285, 1993. WINNICOTT, D. W. (1964). Transtorno (disorder) psicossomático. In Winnicott, C.; Shepherd, R; Davis, M. (Org.). Explorações psicanalíticas: D. W. Winnicott. Tradução: José Octavio de Aguiar Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 82-93, 1994. _______________________________________________________________________________________________________ 1 Doutoranda em Psicologia pela PUCCAMP, bolsista CNPq. 2 Assistente de Coordenação da Ser e Fazer e Responsável pela Oficina de Cores. 3 Profa. Livre Docente pelo IPUSP, orientadora dos programas de pós graduação do IPUSP e da PUCCAMP. Fabiana Follador e Ambrosio 1, Walkíria Cordenonssi Cia 2, Tânia Maria José Aiello Vaisberg 3 Pontifícia Universidade Católica de Campinas OBJETIVO Compreendemos que a necessidade de apresentação de material clínico na pesquisa psicanalítica deve ser problematizada, levando em conta o impacto invasivo causado a partir da auto-identificação dos pacientes nas comunicações dos analistas. Intencionamos verificar o uso de narrativas psicanalíticas brincantes como estratégia heurística na produção de conhecimento. METODOLOGIA RESULTADOS E DISCUSSÃO

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‘O ACIDENTE DE FLIC’: A APRESENTAÇÃO DO ACONTECER CLÍNICO COMO NARRATIVA BRINCANTE

A partir da concepção de que o conhecimento científico constrói-se tendo como elemento fundamental a interlocução com a comunidade acadêmica, entendemos ser de suma importância que a apresentação dos estudos em andamento, das idéias que habitam os grupos de pesquisa, seja realizada com o rigor necessário. Tratando-se de investigações em psicanálise, disciplina que tem seu exercício fundamentalmente ancorado no acontecer inter-humano, a comunicação de resultados muitas vezes passa por apresentações de material clínico, por recortes de sessões terapêuticas, por depoimentos de participantes de pesquisa. Evidentemente a divulgação deste tipo de material requer que alguns cuidados sejam respeitados.

Com os avanços tecnológicos, ao tornarem acessíveis na web teses, dissertações e artigos, o problema é recolocado, pois, ao que tudo indica, torna-se cada vez mais fácil a identificação dos casos pelos próprios pacientes e por terceiros. Considerando esse quadro, apresentamos uma forma de registrar o acontecer clínico, com o intuito de preservar os aspectos afetivo-emocionais essenciais, registrando o caso sob roupagem ficcional que dificulte ou até impossibilite o reconhecimento, tanto da própria pessoa, como de terceiros.

Trata-se de uma proposta inspirada na transicionalidade winnicottiana, que denominamos "narrativas brincantes".

A utilização deste tipo de proposta vem revelando-se bastante produtiva no contexto dos grupos de pesquisa. Uma vez que pretende, ao mesmo tempo, dificultar maximamente a auto-identificação dos pacientes/participantes, bem como assegurar a apresentação do acontecer clínico, compreendemos que tal procedimento abrange o cuidado com o rigor científico, mas também atenta à preservação do bem-estar psicológico dos participantes/pacientes, efetivando um cuidado ético.

Elaboramos estudo fundamentado na substituição de relatos literais de sessão pela apresentação de registros do acontecer clínico sob a forma de narrativas brincantes, de caráter ficcional, no contexto do grupo de pesquisa. As associações livres, hipóteses e compreensões produzidas pelos pesquisadores diante destas narrativas são anotadas e, num segundo momento, comparamos as percepções clínicas do grupo com aquilo que surge a partir dos relatos não ficcionais dos mesmos casos.

Flic é um pingüim que habita o sul do

continente. É agitado e adora cuidar dos outros pingüins que o

procuram freqüentemente pedindo ajuda. Nunca passa

despercebido quando chega em algum lugar, pois é brincalhão e

demonstra muita vivacidade através da sua extroversão. Mas, de

fato, ninguém conhece Flic, pois por trás daquele esforço em

demonstrar sempre uma grande alegria, existe alguém que se

sente muito sozinho e que possui muita dificuldade em expor os

seus sentimentos. Essa situação fez com que ele há alguns

anos procurasse ajuda nas reuniões

que são realizadas pelos

pinguins-de-olhos-amarelos.(...)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004) Ser e Fazer: Enquadres Diferenciados na Clínica Winnicottiana. Aparecida: Idéias e Letras, 2004. p. 9-21.

AIELLO-VAISBERG, T. M. J.; MACHADO, M. C. L; AYOUCH, T.; CARON, R.; BEUANE, D.. Les récits transferenciels comme présentation du vécu clinique: une proposition méthodologique IN BEAUNE, D. Psychanalyse, Philosophie, Art: Dialogues. Paris: L'Harmattan, 2009, p. 39-52.

AIELLO-VAISBERG, T. M. J.; MACHADO, M. C. L. (2005). Narrativas: o Gesto do Sonhador Brincante. In: Trabalhos do IV Encontro Latino Americano dos Estados Gerais da Psicanálise. São Paulo: Estados Gerais da Psicanálise, 2005.

BAPTISTA, A. M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004).O Coelhinho Ludovico: intervenção na clínica winnicottiana. In Aiello-Vaisberg, T. e Ambrosio, F. F. (orgs.) Cadernos Ser e Fazer – O Brincar. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2004. p.58-62.

BLEGER, J. (1963) Psicologia de la conduta. Buenos Aires: Paidós, 1977. GRANATO, T. M. M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. (2004) Tecendo a pesquisa clínica em narrativas psicanalíticas.

In Mudanças – Psicologia da Saúde, 12 (2), 253-271 HERRMANN, F.; CHAVES, L. P.; LIMA, L. T. O.; FAVILLI, M. P. (2002). Debate: O Caso Clínico, sua Narrativa. In

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 35 (64/65): 9-27, dez.2002. PONTALIS, J-B. [15 novembro, 2002].São Paulo: Jornal de Psicanálise, 35 (64/65): 29-47, dez.2002. Entrevista

concedida a Marcelo Marques. WINNICOTT, D. W. (1945) Desenvolvimento Emocional Primitivo. In Textos Selecionados Da Pediatria à

Psicanálise. Tradução de Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p. 269-285, 1993. WINNICOTT, D. W. (1964). Transtorno (disorder) psicossomático. In Winnicott, C.; Shepherd, R; Davis, M.

(Org.). Explorações psicanalíticas: D. W. Winnicott. Tradução: José Octavio de Aguiar Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 82-93, 1994.

_______________________________________________________________________________________________________ 1 Doutoranda em Psicologia pela PUCCAMP, bolsista CNPq. 2 Assistente de Coordenação da Ser e Fazer e Responsável pela Oficina de Cores. 3 Profa. Livre Docente pelo IPUSP, orientadora dos programas de pós graduação do IPUSP e da PUCCAMP.

Fabiana Follador e Ambrosio1, Walkíria Cordenonssi Cia2, Tânia Maria José Aiello Vaisberg3

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

OBJETIVO

Compreendemos que a necessidade de apresentação de material clínico na pesquisa

psicanalítica deve ser problematizada, levando em conta o impacto invasivo

causado a partir da auto-identificação dos pacientes nas comunicações dos analistas.

Intencionamos verificar o uso de narrativas psicanalíticas brincantes como estratégia

heurística na produção de conhecimento.

METODOLOGIA

RESULTADOS E DISCUSSÃO