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Notícias FAPESP - Ed. 45
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FAPESP
AGOST01999
PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
vai lançar programa de incentivo ao jornalismo científico
A arquitetura dos sem-teto Moradores de rua de São Paulo, Tóquio e Los Angeles encontram formas próprias para reutilizar materiais descartados pela sociedade de consumo
Pág. 28
pág. 8
lfJAPESP
Noticias FAPESP é uma publicação mensal da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Conselho Supenor
Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz
(Presidente)
Dr. Mohamed Kheder Zeyn
(Vice-Presidente)
Prof. Dr. Adilson Avansi de Abreu
Prof. Dr. Alain Florent Stempfer
Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva
Prof. Dr. Celso de Barros Gomes
Dr. Fernando Vasco Leça do Nascimento
Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes
Prof. Dr. José Jobson de A. Arruda
Prof. Dr. Mauricio Prates de Campos Filho
Prof. Dr. Paulo Eduardo de Abreu Machado
Prof. Dr. Ruy Laurent1
Conselho Técnico-Administrativo
Prof. Dr. Francisco Romeu Landi
(Diretor Presidente)
Prof. Dr. Joaquim J. de Camargo Engler
(Diretor Administrativo)
Prof. Dr. José Fernando Perez
(Diretor Científico)
Equipe Responsável
Coordenador
Prof. Dr. Francisco Romeu Landi
Editora responsável
Mariluce Moura (MTB 790)
Editora executiva
Maria da Graça Mascarenhas
Editor assistente
Fernando Cunha
Editor de Arte
Moisés Dorado
Capa
Hélio de Almeida
Fotos: Arquivo Maria Cecilia Loschiavo dos Santos
Colaboradores: Ana Maria Fiori,
Carlos Fioravanti, H1sato Tanaka,
Mário Le1te Fernandes, Myriam Clark,
Thereza L. O. de Almeida e Wilson Marini
Fotolitos e Impressão: GraphBox Caran
Tiragem: 22.000 exemplares
FAPESP- Rua Pio XI, n• 1500,
CEP: 05468-901 -Alto da Lapa
São Paulo- SP-Tel: (011) 838-4000
Fax: (011) 838-4117
Este informativo está disponível na
home-page da FAPESP: http://www.fapesp.br
E. mail: [email protected]
CARTAS Opinião contrária
A propósito do artigo "A defasagem entre a ciência e a tecnologia nacionais", assinado por Edgar Outra Zanotto, publicado na seção Opinião, edição de junho/1999, temos alguns comentários a registrar.
Em primeiro lugar, vale assinalar que a magnitude dos dados apresentados está na faixa que em engenharia é classificada como de ruídos (magnitude percentuais muito pequena); e, por essa razão, nada sinaliza para as conclusões apresentadas. Afirmações do tipo "há óbvia defasagem entre o grau de desenvolvimento científico e o grau de desenvolvimento tecnológico no Brasil! É inegável que a geração de tecnologia no Brasil é insatisfatória e não tem apresentado sinais de crescimento relativo nos últimos anos" não encontram nenhum respaldo nos dados coletados. O pioneirismo da Petrobras na exploração do petróleo em mar profundo e o sucesso recente da Embraer, para citar os exemplos mais ilustrativos, sãoeloqüentese mostram que tal afirmação é um gritante equívoco do articulista.
As duas conclusões destacadas no final do artigo não se sustentam nem nos dados (ruídos) nem na realidade brasileira. Examinando-se percentuaisextremamentepequenos,coletados em apenas três fontes, e concluir que a produção científica nacional cresce acima da média internacional é wna temeridade arriscada (Será que a intra-estrutura de produção científica brasileira cresce mais que a média mun-dial? Que média é essa?). O mesmo vale sobre a afirmação de que a geração de tecnologia brasileira ainda apresenta nível insatisfatório.
Todavia, o que salva wn tanto o textoemquestãoéapreocupaçãocom a prática de pesquisa nas empresas nacionais, embora não tenha sido esse importante assunto o tema do artigo.
José Elias Laier Escola de Engenharia de São Car-los, USP-SC
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tão:"Em que países se originaram a devastadora maioria dos remédios, dos eletrodomésticos, dos utilitários e demais insumos e equipamentos com agregado tecnológico que tanto facilitam a vida cotidiana?"
Sobre o outro comentário - "As duas conclusões destacadas no final do artigo não se sustentam nem nos dados (RUÍDOS) e nem na realidade brasileira ... concluir que a produção científica nacional cresce acima da média internacional é uma TEMERIDADE arriscada (grifo EDZ) ... "-esclareço que as conclusões do artigo supracitado concordam com as de eminentes cientistas que o analisaram antes de sua publicação e com as de vários autores que nos precederam. A primeira delas, ainda que fosse incorreta, estaria longe de ser "temeridade arriscada".
A título de esclarecimento, reforçamos a explanação sobre a figura 1. Esta delineia, ano a ano, a relação entre o número de publicações científicas assinadas por autores vinculados a instituições brasileiras e o total de artigos mundiais sobre ciências exatas e tecnologia. É absolutamente clara a tendência de crescimento, acima da média internacional, da produção científica nacional, indexada pelo lnstitute of Scientific I nformation (a mais respeitada base de referências científicas, com aproximadamente 18 milhões de artigos, dos mais prestigiosos periódicos, coletados desde 1973 ).
Sendo o que nos consta, ficamos à disposição para esclarecimentos posteriores. Cordialmente, Edgar Outra Zanotto
1,2
0,8
0,6
0,4
0,2
o+------------------75 85
ANO 95
Resposta do Prof. Edgar Outra Zanotto:
Figura 1. Percentual de artigos publicados em periódicos indexados pelo ISI por autores vinculados a instituições nacionais, nos últimos 20 anos. (Fonte: webofscience.fapesp.br). A curva foi colocada para guiar os olhos.
Caro professor Laier, Ao fazer o seu comentário- " ... A mag
nitude dos dados apresentados está na faixa de RUÍDOS (grifo EDZ) e, por essa razão, nada sinaliza para as conclusões ... "- o senhor confundiu "ruído" com grandezas de pequena magnitude!
Os dois exemplos destacados por V. Sa. (Petrobras e Embraer), além de umas poucas empresas nacionais que mantêm bem equipados centros de pesquisa, diligentemente contabilizadas pelas ANPEI , são notáveis exceções! Esse pequeno número de empresas de base tecnológica poderia até ser confundido com "ruído" no cenário mundial de alta tecnologia. Para ilustrar o problema, sugerimos refletir sobre a seguinte ques-
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Sobre a publicação Ao receber o número 44 do Notícias FA
PESP certifiquei-me de que cada edição dessa publicação é fato r de renovação e estímulo aos profissionais da área de C&T. Parabéns!
José Pereira Lopes Leal, Departamento de Ciência e Tecnologia
DCETISCTDE, São Paulo, SP
Solicitamos, por cortesia, uma assinatura de revista Notícias FAPESP. Ela será utilizada com fins pedagógicos entre professores e alunos desta unidade de ensino e será mantida como acervo em nossa biblioteca.
H aro/do Silva ClubedeCiênciasAugusto Ruschi, Araucária, PR
Editorial ................................... Pág. 4 Opinião .................................... Pág. 5 Notas ....................................... Pág. 6 O Genoma na TV ..................... Pág. 1 O Separação de células .............. Pág. 11 Novos frutos do Genoma ......... Pág. 12 Eliminação de vazamentos ...... Pág. 23 Livro ........................................ Pág. 32
FAPESP prepara
lançamento do Programa
José Reis de Incentivo ao Jornalismo
Científico Pág. 8
Laser e medicamentos aceleram a regeneração de células hepáticas
Pág. 13
Físicos brasileiros propõem novo mecanismo de
interação dos neutrinos com a matéria na Terra
Pág. 15
~ As adaptações ~ da flora da ~
Serra do Cipó, em ~ Minas Gerais, à
escassez de água Pág. 18
ÍNDICE
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Pesquisa avalia diversas variedades de
laranja para uso industrial
Pág.24
Pesquisadores estudam fósseis de moluscos com 250 milhões de anos, encontrados no interior paulista
Pág.20
Um programa que permite a troca de dados entre computadores grandes e pequenos, de qualquer tipo
Historiador faz Dicionário
Enciclopédico do Cinema Brasileiro
Pág.31
Pág.26
Sem-teto de Los Angeles, São Paulo e Tóquio dão novas funções aos materiais descartados pela sociedade de consumo
Pág.28
EDITORIAL
Múltiplos caminhos para compreender as mudanças do fim do século As ciências humanas não têm fornecido com a fre
qüência que desejaríamos material para as capas do Notícias FAPESP. Seria talvez porque, fiéis à natureza deste produto - que, sendo institucional, é essencialmente jornalístico, fruto de um jornalismo especializado, científico-, temos buscado imprimir sempre nesse elemento de tão ricas possibilidades que é a capa de uma revista, por meio de uma frase sintética e de uma imagem, uma informação nova e significativa da pesquisa científica e tecnológica feita no Estado de São Paulo. As ciências humanas talvez se prestem pouco a essa redução jornalística. Aparentemente, mais adequada às suas traduções simplificadas, seriam as ciências biológicas e as ciências da saúde, com seus resultados que, mesmo quando parciais, meramente incrementais, falam tão de perto à nossa vida, à nossa sobrevivência e aos nossos temores mais fundamentais . Ou as ciências exatas, com suas descobertas que fascinam porque, parecendo tão precisas, propõem a cada passo um alargamento vertiginoso do mundo fisico em que estamos imersos. Ou ainda as inova-ções tecnológicas, que de certo modo
de rua, de cidades tão díspares como São Paulo, Los Angeles e Tóquio, aproveitam materiais descartados pela sociedade de consumo para construir seus abrigos que nomeiam casas; uma constatação espantada, depois de criteriosa investigação, de como conseguem extrair do que para nós se afigura uma situação limite uma dimensão última de dignidade humana, são, sem sombra de dúvida, contribuições para entendermos mais no cerne as mudanças políticas, econômicas e sociais deste final de século e, por que não?, alguma coisa mais da extrema plasticidade da natureza humana.
Do olhar científico sobre os sem-teto, que resultou inclusive numa exposição fotográfica no Museu de História Cultural da Universidade da Califórnia (onde permanecerá até 2 de janeiro de 2000), o leitor desta edição do Notícias FAPESP poderá saltar para algo tão completamente diverso como "o diálogo entre as máquinas". Trata-se de uma matéria sobre um projeto de inovação tecnológica desenvolvido em parceria por pesquisado-
res da empresa Perrotti Informática e da Escola Politécnica da USP, cujo re
nos prometem sempre um mundo mais confortável, mais manipulável , mais rico. Isso para ficar apenas em poucos campos sobre os quais a pesquisa investe.
"As ciências humanas constituem
sultado é um software de segurança que permite a troca de informações entre computadores de qualquer tipo. E o que é melhor: com a possibilidade de gerar já este ano negócios deUS$ 4 milhões. Mas será mesmo isso? Ou, em nos
sa parcimônia em conceder espaço na capa da revista aos projetos da área de humanas, estamos involuntariamente refletindo um fenômeno que se passa
a quarta área que mais recebe bolsas e auxílios
da FAPESp''
A diversidade dos campos científicos e tecnológicos apoiados pela FAPESP permite também a esta edição passar pela paleontologia, mostrando os resultados de uma pesquisa fascino âmbito da pesquisa paulista? Ques-
tão para refletir. Afinal, as ciências humanas constituem a quarta área que mais recebe bolsas e auxílios da FAPESP (investimento de R$ 33,5 milhões, em 1998, correspondendo a pouco mais de 12% do total de recursos distribuídos por área de conhecimento), mas têm, por exemplo, uma presença pouco expressiva nos temáticos da Fundação, que são projetos maiores, com objetivos mais ambiciosos, quase sempre interdisciplinares e com metas de pesquisa muito claramente definidas. Dentro desses projetos, que têm desempenhado um papel crucial para empurrar a pesquisa paulista até um patamar próximo dos países mais desenvolvidos, a participação das ciências humanas e sociais foi de apenas 4,5% dos R$ 26,7 milhões que lhes foram destinados em 1998.
Sejam quais forem, no entanto, as reflexões que esses números possam suscitar, nesta edição as ciências humanas nos deram uma capa forte- e bela, apesar da dureza do tema. Uma nova compreensão sobre como moradores
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nante que envolve o achado de fósseis em São Paulo, e suas revelações sobre o mar que cobria o Sudeste brasileiro, muito antes do tempo dos dinossauros , e desembocar na fisica de partículas. Aí, um grupo de jovens pesquisadores trabalha com a hipótese instigante de que os neutrinos, essas ainda mal definidas e misteriosas partículas, que não necessariamente precisam ter massa, podem interagir com a Terra muito mais do que se pensa.
Para concluir de forma circular, vamos voltar ao jornalismo científico, cuja busca paciente, incansável, é trazer os resultados da pesquisa científica ou tecnológica, mesmo a mais complexa, para a linguagem do senso comum. E isso porque a FAPESP, entendendo que bons jornalistas nesse campo podem melhor explicar aos contribuintes para que serve e em que se investem parcelas do seu dinheiro em ciência e tecnologia, está dando início ao Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico, que também é objeto de matéria desta edição.
OPINIÃO
Divulgação científica e sociedade
É inegável o impacto sobre a sociedade causado pelo advento da ciência moderna no século XVII. A associação do método experimental e das matemáticas, característica da ciência moderna, ampliou a possibilidade de aplicação de conhecimentos científicos para a solução de inúmeros problemas práticos de vital importância para os seres humanos. Desde então, como é bem conhecido, as feições e os rumos econômicos e culturais das nações têm sido em boa parte moldados pela evolução da ciência. Sendo assim, não é possível pensar em desenvolvimento e bem-estar de uma sociedade sem vinculá-los ao papel desempenhado nesta pela ciência. A rigor, podemos dizer que a ciência, mediante os seus métodos de investigação e teorias, a tua sobre a sociedade em duas esferas distintas : como uma força produtiva (invenção tecnológica e organização do trabalho) e como uma fonte de idéias (esfera cultural).
Em função de sua importância na transformação da sociedade humana, a ciência passou a figurar como um dos quesitos fundamentais da educação dos povos. Não é exagero afirmar que um país cujo sistema educacional retarde o desenvolvimento da ciência ou, mais desastroso ainda, não transmita a atitude científica de uma forma eficiente, estará comprometendo inexoravelmente o seu futuro . Sendo assim, é necessário tanto um sistema educacional que proporcione uma formação científica sólida como também a mais ampla divulgação das mais recentes conquistas da ciência para o homem comum .
É claro que os cientistas formam uma comunidade especial presente em sociedades de estudos especializados e universidades em que trabalham. Entretanto , por sua própria natureza, a ciência constitui um conjunto de conhecimentos públicos, aos quais cada pesquisador acrescenta sua contribuição pessoal , devidamente registrada para ser corrigida pela crítica recíproca e depois reelaborada . Por outro lado, a atividade da comunidade científica deve ser entendida não como centrada em si mesma, mas com elos de ligação com toda a sociedade que a financia e a preserva, esperando dela os resultados de suas pesquisas. Desse modo, o empreendimento científico possui um caráter eminente-
José Carlos Vaz de Lima
mente social. Isso torna a informação científica, especialmente para o leigo, urr meta necessária tanto quanto a inform< ção especializada, pois muitas decisõe avaliações e ações de profundas repe cussões sociais serão geradas por cid< dãos não-especialistas .
Portanto, volto a repetir, torna-~ mister, sobretudo se levarmos em conl a extrema rapidez dos avanços tecnoli gicos nesta época de globalização, um maior divulgação das mais recentes cor quistas do conhecimento científico, e: pecialmente em sua modalidade info mativa, voltada para o homem comu1 não-pesquisador.
Os meios de ligação entre a ciênci profissional e a comunidade em ger: têm sido , sobretudo desde a revoluçã industrial, no final do século XVIII começo do século XIX, motivo de prec cupação sistemática tanto por parte de cientistas como dos governantes. A cr ação de sociedades como a BritishAss( ciation for the Development of Science, em 1831 , e o desenvolvimento do jornalismo científico, crescente em nossos dias , tanto em jornais diários como em revistas científicas para leigos, atestam esse fato . Entre nós, as revistas Superinteressante, Galileu e Ciência Hoje são um excelente exemplo.
Embora necessária, importante e desejável, a tarefa de divulgar o conhecimento científico, principalmente as pesquisas em andamento, não pode ser considerada fácil. A dificuldade radica-se na própria natureza do conhecimento científico, que possui a sua linguagem própria altamente desenvolvida e em grande parte matematizada, não podendo, assim, simplesmente ser parafraseada com vistas a facilitar a sua compreensão. Não raras vezes , a divulgação popular corrompe e banaliza o conteúdo de um determinado conceito ou teoria científica. O sensacionalismo, que é comum no jornalismo, não sendo propriamente adequado à boa imprensa, é mortal para a ciência e deve ser evitado a todo custo . Essas dificuldades, no entanto, não devem servir de motivo para que serestrinja a divulgação do conhecimento científico. Muito ao contrário. Para que o leigo possa compreender adequadamente os mais modernos avanços da ciência e da tecnologia , deve lhe ser dada uma
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educação apropriada, sem a qual o leigo, enquanto cidadão, não poderá avaliar e muito menos julgar determinados resultados das pesquisas, sobretudo aquelas, como na engenharia genética, que levantam questões de natureza ética e envolvem riscos ambientais. Em um passado recente, a questão nuclear era o centro de todas as atenções.
Francis Bacon, no século XVII , ao vincular poder e ciência, já insistia na questão da responsabilidade da ciência para com a humanidade. Com muito mais razão, nos dias de hoje, com a globalização, é desejável , e mesmo inevitável, um certo controle democrático da ciência. Para isso, um esforço de divulgação dos avanços da ciência e da tecnologia é não só uma necessidade como um dever social. Por outro lado , uma educação científica deve preparar o cidadão para assimilar informações de qualidade, aprimorando o seu juízo crítico e, conseqüentemente , dando solidez a uma sociedade verdadeiramente democrática.
Deputado estadual, presidente da Comissão de Cultura, Ciência e Tecnologia da Assembléia Leg islativa do Estado de São Paulo .
OThS OThSNOThSNO~SNO~SNO~ NO~S TIASNO~SNO~SNQTh~ nu~NO~SNO~S
Diretor Presidente reconduzido
O professor Francisco Romeu Landi, indicado na lista tríplice votada pelo Conselho Superior da FAPESP no dia II de agosto, foi reconduzido ao cargo de Diretor Presidente da Fundação, para exercer um novo mandato de três anos. O ato de nomeação assinado pelo governador Mário Covas foi publicado no Diário Oficial do Estado, do dia 20 de agosto.
O professor Landi é engenheiro mecânico-eletricista graduadopelaEscolaPolitécnicada Universidade de São Paulo (USP). Doutorou-se em engenharia química pela mesma instituição e fez pós-doutoramento no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), de Lisboa, em Portugal, e no Building Research Establishment, em Garston, na Inglaterra.
Landi é professor titular de Engenharia Civil na Politécnica da USP, instituição da qual foi diretor de 1990 a 1994. Nesse período, contribuiu para a estruturação de boa parte dos laboratórios e para a organização da PósGraduação e da Extensão dessa escola. Foi conselheiro da FAPESP desde 1991 e presidente do Conselho Superior a partir de agosto de 1995, cargo que deixou quando foi nomeado para seu primeiro mandato de Diretor Presidente, em agosto de 1996.
Inscrições ao Prêmio Henry Ford
Estão abertas até o próximo dia I o de outubro as inscrições para o 4° Prêmio Henry Ford de ConservaçãoAmbiental, uma iniciativa conjunta da Ford Brasil e da Conservation 1 nternational do Brasil. O prêmio se distribui em quatro categorias: Conquista Individual, Negócios em Conservação, Ciência e Formação de Recursos Humanos e Iniciativa do Ano em Conservação.
Maiores informações podem ser obtidas na Conservation 1 nternational do Brasil, pelo telefone O (- 31) 441-1795, pela página na intemetwww. conservation.org.br ou, ainda, pelo endereço eletrônico premio @conservation.org.br.
Tecnologia aproxima usuários da Internet A Multicast, tecnologia
recente em engenharia de redes que permite a participação interativa de usuários da lnternetemeventos, foi utilizada em 19 de agosto, a partir do auditório da FAPESP, para transmissão de um ciclo de palestras promovido pelo Grupo Técnico de Engenharia de Redes (GTER), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil. Graças a essa tecnologia, o encontro contou com apresença virtual de técnicos de empresascomoEmbratel, Embrapa, AOL e IBM, e das universidades federais do Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, entre outras, a partir do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília. A utilização do
recurso Multicast exige a instalação de dois softwares específicos para emitir e receber sinais de imagem e som, equipamentos para captação e transmissão desses sinais e uma conexão de boa qualidade à rede mundial.
A FAPESP viabilizou a transmissão através da Rede ANSP-Academic Network at São Paulo e de suas conexões com a Embratel e outros provedores, permitindo acesso de todos os participantes. A Fundação é o único ponto de tráfego entre todos os provedores na cidade de São Paulo. A Multicast estende o alcance de eventos, permitindo a participação de qualquer usuário da Internet.
Prêmio Jovem Cientista O XVI Prêmio Jovem Ci
entista, que tem como tema Saúde da População- Controle da Infecção Hospitalar, estará recebendo inscrições até o próximo dia 30 de outubro. O prêmio, uma iniciativa do Grupo Gerdau , da Fundação Roberto Marinho e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, tem na versão deste ano cinco categorias: Graduados, para pesquisadores que tinham menos de 40 anos de idade até 31 de dezembro de 1998; Estudantes, para alunos
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de escolas técnicas ou cursos superiores, com menos de 30anos até a mesma data; Mérito Institucional, que premia a instituição com maior número de candidatos inscritos; Orientador, dirigido aos responsáveis pela orientação dos vencedores; e Jovem Cientista do Futuro, uma nova modalidade, que se destina a estudantes do ensino médio. Maiores informações podem ser obtidas no CNPq, telefone O (-61) 348-941 O ou pela página na Internet http ://www. cnpq.br/jovemcientista.
Referência internacional
O consultor Andrew McLaughlin, da Internet Corporationfor Assigned Names and Numbers (ICANN) - novo organismo internacional que está sendo criado para administrar os registras de domínios na Internet em todo o mundo -, levantou a possibilidade de o sistema de registro desenvolvido pela FAPESP servir de referência para outros países. Responsável pela estruturação do ICANN, McLaughlin já manteve encontros internacionais com especialistas da área em Cingapura, Berlim e Santiago e, em visita à FAPESP, em 18 de agosto, destacou a eficiência e a segurança do sistema brasileiro. Hoje, o registro. fapesp.bracolhe entre 500 e 600 novas solicitações diárias. Desde 1996, o sistema passou de 7 mil para, pelo menos, 116 mil registras até este mês.
Espanha incentiva setor privado
A Espanha pretende elevar seus gastos com pesquisa e desenvolvimento, de 0,8% a 0,9% para I ,2% do PIB, nos próximos quatro anos, o que poderá representar um aumento de I 0% no orçamento do governo para ciência já no próximo ano. O plano apresentado recentemente no Senado pelo ministro da Educação e Cultura, Mariano Rajoy, deverá ser aprovado pelo gabinete em outubro e pressupõe "aumentos lentos e contínuos" do investimento público em pesquisa, "revisado anualmente".
As metas, segundo Rajoy, são encorajar o investimento privado em pesquisa, fortalecer o caráter internacional da ciência espanhola e estimular a cultura c ientífica na sociedade. Para isso, atenção especial deve ser dada a questões de emprego, incluindo contratos de longo prazo para pesquisadores experientes em institutos de pesquisa. O investimento espanhol a tua! em P&D é muito inferior aos 2,2% do PIB dos países da OCDE e os gastos públicos ainda são maiores do que os do setor privado.
NOThSNOThSNOThSNOThSNOThSNOTh~ NOThS OThSNOThSNOThSNOThSNO~~ OThSNOThS
Aproximando o conhecimento do desenvolvimento O deputado José Carlos Vaz
de Lima (PSDB), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Assembléia Legislativa de São Paulo, foi recebido pelo Conselho Superior e di retores da FAPESP, em almoço na sede da Fundação, no dia 11 de agosto. O encontro é indicativo tanto da preocupação da FAPESP em interagir com o Legislativo, quanto do interesse do próprio deputado Vaz de Lima e da comissão que ele preside em conhecer de perto iniciativas importantes na área de ciência e tecnologia em São Paulo. O Legislativo tem um papel fundamental no estabelecimento da política científica e tecnológica do Estado e, vale lembrar, sua atuação foi decisiva para a criação e instituição da FAPESP e, já em 1989, para a elevação do repasse de recursos do Tesouro para a Fundação, previsto na Constituição paulista, de 0,5% para I% das receitas tributárias do Estado.
No encontro, o deputado Vaz de Lima ouviu do presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, uma breve explanação sobre a preocupação crescente da Fundação com caminhos concretos para aproximar o conhecimento do desenvolvimento económico e social, necessidade premente num país que registra uma séria deficiência de P&D nas empresas. Indi-
cou que a preocupação de caráter económico se traduz em programas que levam a pesquisa para dentro da empresa, como os de Inovação Tecnológica em Parceria (PITE) e Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). E que a preocupação de caráter eminentemente social traduz-se em outros programas que levam o conhecimento ao poder público, como o de Apoio ao Ensino Público e o Programa de Pesquisas em Políticas Públicas. Brito Cruz falou ainda sobre o cuidado da FAPESP com a seleção e o acompanhamento dos projetas de pesquisas, destinado a garantir que os recursos do contribuinte sejam aplicados da maneira mais consistente possível. Finalizou observando que hoje o desenvolvimento depende fortemente da capacidade das nações
em gerar conhecimento, e que o Estado de São Paulo, com instrumentos como suas três universidades públicas estaduais e a FAPESP, tem uma grande contribuição a dar ao Brasil nesse sentido.
O deputado Vaz de Lima observou, ao sair do encontro, que as pesquisas fmanciadas pela Fundação precisam ser divulgadas para um número crescente de cidadãos. Em sua visão, isso é muito importante para que esses cidadãos tenham a exata percepção do alto nível desses trabalhos e das formas como são aplicados os recursos públicos investidos em pesquisa. É importante também para que se tomem conscientes da perspectivadeindependênciaedesenvolvimento que o progresso da ciência abre para a sociedade e dos novos recursos tecnológicos que a pesquisa põe à sua disposição.
Vaz de Lima (à direita) com o presidente e os di retores da FAPESP: iniciativas relevantes em C& T
Liberdade de pesquisa com responsabilidade social Depois dos cortes dramáti
cos nos gastos públicos no último ano, uma nova política de pesquisa promete mais liberdade para os cientistas holandeses estabelecerem suas prioridades de trabalho, embora os interesses nacionais não devam ser esquecidos. Segundo a Nature de 29 de julho último, o ministro da Ciência, Loek Hermans, divulgou, no mês de junho, um novo plano para a política científica do país radicalmente diferente do que foi praticado por seu antecessor, Jo Ritzen, e que enfatizava a associação da pesquisa com metas socioeconómicas. Na prática, esse plano acabou se traduzindo em cortes
orçamentários e no fracasso da tentativa de transferir recursos das universidades para a Organização para a Pesquisa Científica da Holanda-NWO, a agência nacional de fomento à pesquisa, procedimento que visava a uma definição mais centralizada das prioridades nacionais de pesquisa.
De acordo com o plano apresentado por Hermans, as universidades passam a apresentar planos estratégicos à NWO a cada quatro anos, e não mais relatórios bienais de progresso para o ministério. A agência vai elaborar um plano nacional de pesquisa baseado nas solicitações das universidades. E, ao mesmo tem-
po, para promover a consciência do potencial económico e darelevância social da pesquisa, estudos prospectivas elaborados por um organismo independente, o Conselho Consultivo para a Política de Ciência e Tecnologia, serão colocados à disposição das universidades.
As mudanças indicam maior flexibilidade na alocação de recursos às universidades que, nos últimos vinte anos, estava condicionada a estatísticas obsoletas de números de estudantes. Tudo isso deve ampliar o papel das universidades na definição de prioridades para seu orçamento de pesquisa deUS$ I ,2 bilhão.
7 'ESP
Japão investe mais em genômica
O governo japonês pretende aumentar seu apoio à genómica através de duas iniciativas: um plano qüinqüenal para dobrar os investimentos em pesquisas nessa área( com oaportede2 trilhões de ienes em cinco anos, elevando, assim, os gastos com genómica a pelo menos 0,2% do PfB japonês) e um projeto para decifrar 30% das seqüências de genes expressos humanos até 2001, informou a Nature de 29 de julho passado.
A estratégia, anunciada em I 3 de julho último, por cinco ministérios, vai centrar-se na análise do genoma humano e na criação de uma base de dados de polimorfismos de nucleotídeos isolados, Snips, na população japonesa, que poderá levar a novos medicamentos e técnicas de diagnóstico.
O plano inclui a criação de centros nacionais de pesquisa genómica, até 2001, e a ampliação do apoio a investimentos de risco nessa área, num esquema similar ao do programa norte-americano Small Business Innovation Research (SBIR), de financiamento a pesquisas inovadoras com potencial comercial em pequenas empresas (que, aliás, foi uma das fontes de inspiração do PIPE, o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas da FAPESP).
O plano está afinado com um programa de dez anos do governo japonês para ampliar 25 vezes o atual mercado de biotecnologia do país, fazendo-o alcançar US$ 213 bilhões (25 trilhões de ienes) e ajudar na criação de mil novas companhias até 20 I O. Há um sentimento crescente entre pesquisadores e industriais de que a pesquisa em biotecnologia no Japão, particularmente nos projetas de genómica, está muito atrasada em relação ao Ocidente. A contribuição japonesa para o Projeto Genoma Humano, por exemplo, responde por apenas 8% do esforço total e, segundo o Ministério da Indústria e Comércio Internacional (MITJ), os investimentos anuais em genómica, de US$4,77 milhões(560bilhões de ienes), são menos de um quarto dos norte-americanos.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
JORNALISMO CIENTÍFICO
Compreender e explicar Programa da FAPESP vai apoiar a formação de profissionais especializados em informação científica
AFAPESPlançará,nopróximodia 21 de outubro, o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Cientifico, uma iniciativa que envolve empresas de comunicação, faculdades e a Fundação com o objetivo de capacitar jornalistas na divulgação da ciência e da tecnologia (veja, na página ao lado, a íntegra do programa). Com essa iniciativa, a Fundação dá mais um importante passo no cumprimento de um dos seus objetivos estatutários - a divulgação científica. Nomesmo dia, será lançado o livro Do Laboratório à Sociedade, reunindo reportagens sobre 20 projetos temáticos pulicados no Notícias FAPESP.
"O Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Cientifico insere-se perfeitamente na filosofia da FAPESP de, em seus diversos programas especiais, agir como ponte entre o sistema de pesquisa e vários segmentos da sociedade", assinala José FemandoPerez, diretorcientífico. Ele especifica: "Ponte entre o sistema de pesquisa e o ensino, por meio dos programas de melhoria da educação; entre a pesquisa e a indústria, por meio dos programas de inovação tecnológica, e entre a pesquisa e o governo, através do programa de políticas públicas". No caso do novo programa, na avaliação de Perez, a FAPESP e a mídia intermediarão o contato entre o sistema de pesquisa e a sociedade em geral.
"Esta relação é muito importante", diz o diretor científico da FAPESP Em primeiro lugar, segundo ele, porque é o cidadão, em última análise, que financia o investimento em ciência e desconhece o impacto e a qualidade do que vem sendo realizado. Em segundo lugar, porque um mínimo de informação sobre ciência é essencial para o exercício da cidadania. "Hoje, a informação contida em um exame de sangue pode afetar a empregabilidade e toda a inserção social de um indivíduo, e ele precisa estar informado", adverte Perez. "Além disso, será a informação científica que lhe permitirá posicionar-se de forma equilibrada sobre assuntos que afetarão diretamente a sua vida, como o uso de transgênicos, por exemplo."
Parceria eclética O Programa José Reis de Incentivo ao
Jornalismo Cientifico foi concebido de for-
ma a envolver de maneira harmônica e integrada três segmentos: a empresa de comunicação ou a mídia acadêmica, a instituição acadêmica que fornece curso de jornalismo e o sistema de pesquisa, por meio do pesquisador. Está prevista a concessão de bolsas remuneradas concedidas pela FAPESP para estudantes de jornalismo e jornalistas graduados, os quais trabalharão em estreita ligação
com aqueles três segmentos. A bolsa se destina a apoiar a execução de uma proposta de pesquisa, que resulte em documentos jornalísticos de divulgação e ao cumprimento de um programa de estudos.
À instituição acadêmica caberá fornecer cursos de introdução ao jornal is mo científico, sendo que uma das finalidades do programa é exatamente incentivar a criação desses cursos, que deverão serfreqüentados obrigatoriamente pelos bolsistas. Ao pesquisador cabe supervisionar a realização da proposta de pesquisa
8 fSP
e cumprimento do programa de estudos. Às empresas de comunicação ou à mídia acadêmica caberá supervisionar o estágio profissional do bolsista a elas vinculado e veicular as reportagens. "Existe uma preocupação em concilia r oferta e demanda, isto é, não adianta o curso gerarreportagens ou relatórios que vão ficarnagavetadasempresasdecomunicação", destaca Perez.
Ele cita, ainda, um artigo recentemente publicado pela revista Nature, no qual se verifica que o nível de apoio ao investimento público em pesquisa é decorrente não do aumento da formação científica média da sociedade norte-americana, mas de um jornalismo científico capaz de sensilibilizar a sociedade para o potencial de beneficios que ela pode auferir do conhecimento e do próprio fascínio que a ciência exerce sobre a sociedade. "Com esse programa, queremos tornar a informação científica de qualidade uma rotina em nossa mídia", afirma.
Dupla homenagem A escolha do nome do cientis
ta e jornalista José Reis para o novo programa da FAPESP tem um duplo significado. De um lado, homenageiase um dos pioneiros do jornalismo científico no País. "Não temos medo de sermos repetitivos (o CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico possui o Prêmio José Reis de Jornalismo Cientifico)", diz José Fernando Perez. "José Reis é um nome muito ligado à história da FAPESP. A Fundação foi inscrita na Constituição paulista de 194 7, mas José Reis escrevia sobre ela desde 1945. Mesmo depois da Constituição, ele continuou escrevendo artigos, um dos
mais importantes publicados na revista Anhembi, no qual fez uma espécie de resenha do que deveria ser a FAPESP e em que se percebe que ele era uma espécie de portavoz de toda uma comunidade de pesquisadores do Estado de São Paulo."
Assin1, ao dar o nome de José Reis ao seu Programa de Incentivo ao Jornalismo Científico, a FAPESP faz uma homenagem a ele também pela sua contribuição à criação e consolidação da Fundação e, por extensão, à comunidade científica responsável pela instituição.
Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico 1. Justificativa e Objetivos O fortalecimento do sistema de ciência e tecno
logia de um país requer a divulgação adequada e sistemática, por todos os meios de comunicação, dos resultados das atividades de pesquisa nele desenvolvidas. Por um lado, o desenvolvimento desse sistema depende decisivamente do apoio da sociedade que o sustenta, da implantação firme e generalizada da atitude de valorização da busca e aplicação do conhecimento. É evidente que esse apoio será tanto mais efetivo quanto melhor informada estiver a sociedade a respeito da extensão, potencial e limitações das atividades de pesquisa. Por outro lado, são inúmeros os desafios e problemas com que se defronta a sociedade como um todo em função da acelerada ampliação dos horizontes de aplicação da ciência. Até mesmo para o exercício intenso e equilibrado da cidadania, faz-se, pois, necessária a difusão ampla das informações científicas, pressuposto indispensável da tomada de decisões apropriadas.
O desenvolvimento experimentado pela pesquisa científica brasileira nos últimos 30anos, atestado por todos os indicadores relevantes de qualidade e quantidade, não tem sido acompanhado pela intensificação, na mesma proporção, das atividades de divulgação de seus resultados. De modo geral, a sociedade brasileira não demonstra um interesse significativo pelo curso e pelos produtos da ciência. Isso se deve, em grande parte, à carência de jornalistas com motivação específica e formação adequada no campo do jornalismo científico. Nos países cientificamente mais desenvolvidos, o apoio da população aos investimentos em pesquisa científica e tecnológica é creditado à qualidade do jornalismo lá praticado.Assim, estudo recentemente realizado pela National Science Foundation, publicado na revista Nature, vol. 394, p. 107, atribui a visão majoritariamente favorável da opinião pública americana a respeito do impacto social das atividades científicas e tecnológicas à intensa cobertura jornalística de que tais atividades são objeto nos diferentes meios de comunicação.
O presente programa tem por objetivo contribuir para a superação dessa carência, estimulando a formação de profissionais especializados no campo do jornalismo científico. Em suas linhas regulares de auxílio, a FAPESP já apóia a divulgação de resultados de pesquisa no interior da comunidade dos pesquisadores, na forma de auxílios à organização de eventos, à participação de pesquisadores em eventos e à publicação de livros, artigos e periódicos especializados. Com este programa, passará a apoiar também a divulgação desses resultados para o público não especializado.
Trata-se de conceder Bolsas de Jornalismo Científico, destinadas a apoiar a execução de propostas de pesquisa jornalística, que resultem na produção de documentos jornalísticos de divulgação, em veículos de comunicação de qualquer natureza- jornais, revistas, rádio, televisão, mídia eletrônica, etc.- e de um ou mais projetas ou programas de pesquisa, paralelamente ao cumprimento de um programa específico de estudos. Esse programa deve incluir a realização de um Curso de Introdução ao Jornalismo Científico. Um dos objetivos específicos do programa é precisamen-
te estimular a criação de tais cursos, dentro e fora do âmbito acadêmico, eventualmente com o patrocínio de empresas de comunicação.
2. Bolsas de Jornalismo Científico A FAPESP concederá anualmente um certo nú
mero de bolsas de Iniciação ao Jornalismo Científico, após processo de avaliação competitivo, a candidatos já aceitos como alunos por um Curso de Introdução ao Jornalismo Científico e como estagiários por empresa de comunicação ou departamento de comunicação de uma instituição de pesquisa.A bolsa é destinada a apoiar a execução de uma proposta de pesquisa jornalística, que resulte numa série de documentos jornalísticos de divulgação de um ou mais projetas ou programas de pesquisa científica ou tecnológica, em adição ao cumprimento de um programa de estudos que vise ao aperfeiçoamento no campo do jornalismo científico e à realização de um estágio profissional de jornalismo científico em tal empresa ou departamento.
A realização da proposta de pesquisa jornalística e o cumprimento do programa de estudos devem ser supervisionados por pesquisador experiente na área científica ou tecnológica a que se refira a proposta jornalística ou por jornalista com ampla e documentada experiência profissional em divulgação de assuntos de Ciência e Tecnologia. Esse supervisor será o responsável pela solicitação perante a FAPESP. O estágio profissional deve ser supervisionado por jornalista vinculado à empresa ou departamento em que ele se realize.
As bolsas, com duração de seis meses e renováveis por no máximo mais 6 meses, terão valor compatível com o nível de formação do bolsista. A alunos de cursos de graduação, serão concedidas bolsas de Iniciação ao Jornalismo Científico I, de valor correspondente ao das bolsas regulares de Iniciação Científica. Àqueles que tenham diploma de curso superior, serão concedidas bolsas de Iniciação ao Jornalismo Científico 11, de valor correspondente ao das bolsas regul~res de Mestrado I. Àqueles que tenham o título de mestre, serão concedidas bolsas de Iniciação ao Jornalismo Científico III, de valor correspondente ao das bolsas regulares de Doutorado I. A renovação da bolsa dependerá do desempenho do bolsista, avaliado pelo seu relatório de atividades. Os candidatos às diferentes categorias de bolsa serão selecionados por meio de processos distintos de avaliação.
Durante o período de vigência da bolsa, o bolsista não poderá manter vínculo empregatício, sendo-lhes vedada a realização de atividades remuneradas de qualquer natureza.
As bolsas apenas serão concedidas após a aprovação do candidato em teste de proficiência em língua inglesa reconhecido pela FAPESP.
3.Projetos de Pesquisa Jornalística O candidato à bolsa deverá encaminhar à FA
PESP uma proposta de pesquisa jornalística, avalizada por seus supervisores, que inclua no mínimo as seguintes informações.
1. Título, resumo e orçamento do projeto, conjunto de projetas ou programa de pesquisa científica ou tecnológica que será objeto de sua pesquisa jorna-
9 PE. p
lística, e identificação das fontes de financiamento desses projetas.
2. Justificação da escolha desse projeto, conjunto de projetas ou programa de pesquisa científica ou tecnológica, em termos de sua relevância científica, tecnológica, cultural, econômica ou social.
3. Identificação dos pesquisadores envolvidos nas pesquisas científicas ou tecnológicas que serão objeto da pesquisa jornalística.
4. Descrição e cronograma das atividades previstas para a realização da proposta de pesquisa jornalística.
O trabalho do bolsista deve resultar em documentos de boa qualidade tanto do ponto de vista jornalístico como do ponto de vista científico. Em particular, deverá abordar a história do desenvolvimento dos projetas científicos ou tecnológicos de que se ocupa, situálos no contexto nacional e internacional, evidenciar sua relevância científica, tecnológica, cultural, social e econômica e apontar seus possíveis desdobramentos. Oeverá também aquilatar o impacto potencial da execução desses projetas na formação de recursos humanos, na difusão do conhecimento e na transferência de conhecimentos para os selares público e privado. Espera-se que os documentos produzidos sejam capazes de informar o público e, ao mesmo tempo, de despertar seu interesse e educá-lo na área do conhecimento em questão. Serão consideradas prioritárias propostas que se refiram a projetas de pesquisa científica ou tecnológica apoiados pela FAPESP.
O aval da empresa ou departamento em que se realize o estágio deve implicar sua disposição, em princípio, para veicular os documentos produzidos, caso os julgue de boa qualidade. Essa veiculação será item importante de avaliação do relatório final do bolsista.
4. Programa de Estudos e Curso de Introdução ao Jornalismo Científico
O candidato a uma bolsa deverá apresentar um programa de estudos, avalizado por seu supervisor, destinado a propiciar seu aperfeiçoamento no campo do jornalismo científico. Esse programa de estudos deve incluir a realização de um Curso de Introdução ao Jornalismo Científico, oferecido por instituição acadêmica ou não, com duração mínima de um semestre letivo. O elenco das disciplinas, correspondentes, no mínimo, a 90 horas-aula, deverá proporcionar o tratamento, em nível introdutório, ao menos dos seguintes tópicos.
1. Metodologia e Filosofia da Ciência. 2. História da Ciência e da Tecnologia. 3. Ética da Ciência. 4. Temas centrais da ciência contemporânea. 5. Modos de organização e financiamento dos
sistemas de pesquisa, no Brasil e no exterior. 6. Mídias, linguagens e prática do jornalismo ci
entífico. A solicitação de bolsa deve ser acompanhada da
descrição detalhada do curso de Introdução ao Jornalismo Científico a ser seguido, que inclua a carga didática prevista, a lista das disciplinas, com as respectivas ementas, e a lista dos professores por elas responsáveis. A qualidade do curso proposto será elemento importante no processo de avaliação das solicitações.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
TELEVISÃO
Ciência no horário nobre Série sobre o Genoma-FAPESP veiculada pela TV Cultura de São Paulo obtém ampla repercussão
A TV Cultura de São Paulo exibiu, no mês de agosto, em seu horário nobre, a série Genoma: Em Busca dos Sonhos da Ciência, sobre o Programa Genoma-FAPESP, produzida, dirigida e apresentada pela jornalista Mônica Teixeira, e cuja realização teve o apoio da FAPESP, do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e da empresa Amercham Pharrnacia Biotech. Durante cinco noites, de 16 a 20, os telespectadores da emissora paulista e das emissoras educativas de todo o Bras i I, em rede, conheceram as origens do Programa Genoma-FAPESP e as pesquisas que se desenvolvem no seu âmbito, descobriram o mundo da genética e da biologia molecular, ouviram cientistas brasileiros e norte-americanos sobre os rumos dessas ciências e seus impactos na sociedade de hoje e do futuro .
Exibir um programa de informação científica no horário nobre da televisão brasileira foi um ato inovador e arriscado da TV Cultura, mas perfeitamente apoiado pelos espectadores, a julgar pelo grande número de correspondência recebida tanto pela emissora quanto pela FAPESP e a quantidade de pedidos de reapresentação e de aquisição dos vídeos da série.
"Este é o primeiro ( espero que de uma grande lista) contato que mantenho com vocês da TV Cultura. Não poderia deixar de parabenizar a mais inteligente emissora do País pelo trabalho apresentado ontem ( 16/08) sobre o Projeto Genoma. Apresentado de forma muito clara e interessante, o programa me fez começar a entender um pouco mais sobre esse assunto que sempre me deixou fascinado", escreveu o telespectador de 24 anos, Carlos Jorge, de Belém, Pará.
De São Paulo, um outro telespectador, Gilberto Tuttura Júnior, escreveu: "Gostei muito do primeiro programa Genoma que foi exibido, como foi dito no 'Opinião Nacional ' , num horário inovador. Foi muito bom te ruma opção inteligente durante o horário em que só se consegue ver novela ou tragédias".
Sensibilidade Muitas das correspondências traduziam
a emoção e o orgulho do espectador ao tomar
conhecimento da qualidade e da importância da produção científica brasileira. "O Projeto Genoma faz com que sintamos orgulho de sermos brasileiros, coisa rara ultimamente", escreveu Rejane Gontow, de Campinas, SP. E Waldir de Souza, de São Paulo, comentou: "Ao ver que brasileiros dedicam-se de corpo e alma para alcançar objetivos tão ilustres foi com o sentimento de brasilidade enaltecido que atentamente assisti a todos os capítulos da série".
Com um tema tão complexo, muitas vezes foi difícil absorver todas as informações da série. Isso, entretanto, não desanimou o público: "Foi muito prazeroso e instigante assistir a série Genoma. Embora em alguns
momentos o assunto ficasse mais complexo, mesmo sem uma compreensão mais ampla percebia que ali estava sendo dito algo importante, talvez não totalmente compreendido, mas importante", foi a mensagem de uma telespectadora.
Os cientistas, normalmente tão afastados do grande público, tiveram seus nomes, rostos e realizações revelados. "Parabéns pela bela reportagem sobre Genoma. Vocês mostraram os verdadeiros artistas deste país. Mesmo atrás das cortinas eles mostram que o show is still going on", escreveuAlexander Razook, de Sertãozinho, SP. E Ricardo de Souza Costa, eletricista de distribuição da Companhia Paulista de Força e Luz ( CPFL ), emBebedouro, SP, escreveu emocionado para a FAPESP: "Quero parabenizá-los pelo Projeto Genoma;
lO
nem imaginava que pessoas tão dedicadas e inteligentes de nosso país estavam pesquisando um assunto tão próximo e ao mesmo tempo tão distante de todos nós. Sucesso! Muito sucesso! Que vocês possam alcançar todos os seus objetivos. Vocês ganharam um aliado, um admirador e um torcedor. Mesmo que muito pequeno, e sem muita influência, estou muito contente com as pesquisas que estão fazendo" .
No e-mail enviado, Ricardo recordou algo acontecido há muitos anos com ele, quando trabalhava como recepcionista no Hotel Pioneiro, em sua cidade. Numa ocasião, uma pesquisadora lhe entregou umas folhas de pés de laranja, e pediu para guardar
na câmara fria do hotel. "Aquilo me marcou, pois me disseram que era uma pesquisadora muito conceituada e muito importante. Quando ela apareceu no documentário da TV Cultura eu me lembrei do acontecido e fiquei contente. Mesmo que por um simples e pequeníssimo gesto, eu pude contribuir com esta tão importante pesquisa."
A pesquisadora a que Ricardo se refere é a agrônoma Victória Rossetti, a primeira mulher formada em Agronomia em São Paulo, e uma das maiores autoridades em doenças de citros. Quanto à contribuição à pesquisa a que o telespectador se refere, ela é dada anonimamente por cada cidadão, pois é ele quem financia a pesquisa científica . Os cientistas agradecem e retribuem com os seus trabalhos.
CIÊNCIA
GENOMA CÂNCER
Separar para analisar Novo método, que separa populações celulares do tecido mamário, é ferramenta para projeto brasileiro
O pesquisador Michael O'Hare, da filial inglesa do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer e do University College, de Londres, esteve no Brasil falando sobre uma nova metodologia desenvolvida por sua equipe que é ferramenta fundamental no projeto brasileiro Genoma Humano do Câncer. O'Hare é chefe do laboratório de pesquisas de Câncer de Mama e responsável por um método que separa as diferentes populações celulares presentes no tecido mamário.
Formado em Zoologia (Cambridge, 1966) e PhD pelo Instituto de Biologia do Câncer da Universidade de Londres, O' Hare, em palestra feita na FAPESP, no dia 16 deste mês de agosto, mostrou que cada um dos tecidos que compõem a mama tem funções diferentes e expressa genes diferentes . Para pesquisar a mama é preciso identificar quais são as células estruturais, as epiteliais e quais as provenientes dos vasos que irrigam os tecidos. A expressão dos genes, estudada pela equipe de O'Hare, se dá na forma de proteínas e para cada uma delas são gerados anticorpos que se ligam na superficie das células. Os anticorpos são um recurso para destacar e identificar os diferentes subtipos de células. Daí a técnica ser chamada de separação celular.
O trabalho feito em Londres, de separar as populações celulares, beneficia os cientistas brasileiros. Quando os pesquisadores do Genoma Humano do Câncer recebem para estudo células limpas, sem a contaminação com outras células, eles têm um grau maior de confiança de que os genes analisados são realmente expressos numa população específica e assim identificam de qual célula provém determinado gene. Já o trabalho brasileiro, de gerar as informações do gene, também beneficia o grupo de O 'Hare. "Eles têm arnetodologiadesepararenósternosamaneira de obter a informação do gene, que é o Projeto Genoma. São trabalhos complementares", diz Luís Fernando Reis, coordenador de RNA do Projeto Genorna Humano do Câncer.
A informação dos genes seqüenciados aqui através da metodologia Orestes (Open Reading Frames EST), desenvolvida por Andrew Simpson e Emrnanuel Dias Neto, do Instituto Ludwig em São Paulo e participantes do projeto brasileiro, volta para Londres, onde o grupo a estuda nas células previamente isoladas. "É um método elegante e eficiente", diz O'Hare sobre o Orestes, entusiasmado.
Não é para menos. Aplicando o Orestes no material do câncer de mama, tem-se a gama total de moléculas e proteínas possíveis que o
tumor de mama pode produzir. "É como se tivéssemos um bom dicionário dos genes da mama. Poderemos consultá-lo toda vez que identificarmos mudanças ocorridas nos tecidos de câncer. A técnica Orestes possibilita acrescentar novas 'palavras' no dicionário do câncer de mama", diz O'Hare. Para analisar um número grande de genes ao mesmo tempo, o grupo de câncer de mama se vale da técnica do microarray (um grande número de seqüências de DNA fixadas numa fase sólida em que oRNA dos tecidos é marcado para identificar quais dos genes imobilizados nessa fase correspondem ao RN A mensageiro do tecido).
Ganhos diários Assim corno nos laboratórios
O'Hare: ganhos de eficiência no trabalho conjunto do Projeto Genoma Humano do Câncer, os pesquisadores de Lon-dres fazem um banco de dados de tecidos tumorais congelados. Atualmente o laboratório de Câncer de Mama do Instituto Ludwig/ University College de Londres processa, ou seja, isola as células, de dois tumores ao dia, num total de 200 ao ano. As células sempre vêm de um tumor que acaba de ser removido durante urna cirurgia. Os pedaços analisados são conservados em nitro gênio e ficam disponíveis para análises futuras . "No Hospital do Câncer, isso é uma rotina. Os pacientes que passam por cirurgia são informados dos nossos projetos de pesquisa e nós guardamos pedaços dos tumores no nosso banco", diz Reis. O Projeto Genorna Humano do Câncer já gerou mais de II mil seqüências.
A ligação dos laboratórios brasileiros com O'Hare vem desde o projeto piloto que deu início ao projeto brasileiro. Na época, foram geradas 1 O mil seqüências para testar a viabilidade do projeto. Parte do RNA utilizado veio do laboratório de O'Hare. Mas, mesmo antes do projeto piloto, os grupos de Luís Fernando Reis e de O'Hare já trocavam materiais e metodologias. A partir de interesses similares, resolveram, juntos, descobrir maneiras de trabalhar com mais eficiência. Esse foi um dos fatores que levaram ao acordo de cooperação entre a FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer. "Vir ao Brasil para estimulare facilitar o Projeto Genorna brasileiro é uma demonstração da universalidade da ciência", diz O'Hare.
Depois do acordo, os centros de pesqui-
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sa conseguiram caminhar mais depressa e estimular quem trabalha neles. "Se estivéssemos sozinhos, dificilmente realizaríamos o trabalho completo", comenta o pesquisador inglês. O coordenador de DNA do Projeto Genoma Humano do Câncer, Andrew Simpson, ressalta o respeito adquirido pela ciência brasileira a partir das colaborações de alto nível estabelecidas recentemente. "São resultado dos projetas Genoma da FAPESP, que nos colocaram ao lado de quem está agindo nas fronteiras", diz Simpson. Para ele, sempre que colaborações de qualidade como esta forem estabelecidas, aumenta o potencial do trabalho alcançado pela técnica Orestes. Entre outros acordos de cooperação, a empresa Oxford Glyco Sciences está gerando dados a partir de células isoladas em Londres, que complementam as pesquisas do câncer de mama no mundo e no Brasil.
Agora que já domina a metodologia de separar células, o desafio da equipe londrina é encontrar diferenças na expressão de RNA, nas células de pacientes com câncer de mama. Além disso, quer desenvolver novas drogas para reduzir a mortalidade e aumentar a qualidade e expectativa de vida dos pacientes. Quanto tempo levaria para esses métodos e remédios se tornarem rotina e beneficiarem pacientes? Previsões são sempre perigosas em se tratando de ciência, alerta O'Hare. Ainda assim, arrisca dizer que este é seu grande sonho e que o veremos concretizado dentro dos próximos dez anos.
on
CIÊNCIA
GENOMA
Novos e bons frutos Tecnologias são desenvolvidas no decorrer do Programa Genoma
O ambiente propiciado pelo Programa Genoma-FAPESP está gerando bons e imprevistos frutos. Até agora, dois laboratórios estão se preparando para registrar descobertas ou iniciar metodologias antes impensáveis no Bras i I e que surgiram no decorrer do projeto. As pesquisadoras Eliana de Macedo Lemos e Lúcia Carareto Alves, da Faculdade de CiênciasAgrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal , que participaram do seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, no âmbito do Projeto GenomaXylella, já estão preparando uma descrição científica de como elaborar um meio de cultura definido para o crescimento desse microrganismo, com o qual trabalham desde 1994. A FAPESP pretende patentear a descoberta. Simultaneamente, Luís Fernando Reis, do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, que participa do Genoma Humano do Câncer, desenvolveu chips de DNA.
Para estudar e chegar ao genoma da Xylella, que está agora com 99,9% dos genes seqüenciados, os pesquisadores do projeto precisam fazer com que a bactéria cresça e se multiplique rapidamente e em grande quantidade. Para conseguir isso, se valem de meios de cultura onde a bactéria possa encontrar todos os nutrientes necessários à sua sobrevivência. No Projeto GenomaXylella usamse meios complexos, ou seja, meios cujas fontes de carbono e nitrogênio que os compõem não são definidas. Para o projeto, foram utilizados os meios PW, desenvolvido por M. J. Davis, e o SPW, do norte-americano J.S. Hartung. Os constituintes dos meios PW e o SPW são materiais caros e importados. Com adescoberta de Eliana Lemos e Lúcia Alves os componentes do meio de cultura podem ser comprados aqui mesmo.
Mas as vantagens do meio definido não são só conseguir fazer com que a bactéria cresça e se multiplique. Ele é valioso tam-
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1fi~tidiosa. X: o
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bém para a manipulação genética daXylella. Com o genoma praticamente fechado, os laboratórios envolvidos no Genoma Funcional pesquisam uma maneira de modificar geneticamente a bactéria, alterando os prováveis genes responsáveis por sua patogenicidade. A idéia é obter mutantes e, para sua seleção, o pesquisador precisa saber exatamente os componentes do meio. Os cienti stas ainda não dominam os métodos para a manipulação genética da bactéria, mas ter um meio definido já significa um passo a mais nessa direção.
Como o genoma da bactéria estava quase pronto e a maior parte dos genes estavam anotados, Eliana, bióloga e bioquímica, e Lúcia, bioquímica e microbióloga, analisaram os dados armazenados no Laboratório de Bioinformática do Projeto Genoma Xylella. Sabendo que a maioria dos microrganismos utilizam glicose como fonte de carbono para reações de síntese de moléculas importantes na obtenção de energia, como a ATP, as pesquisadoras analisaram os genes presentes naXylella , que, descobriram, possuía todas as enzimas necessárias ao meta-
holismo da glicose e do glicerol, outra fonte de carbono. Portanto, no meio para o crescimento da Xylella poderia ser usado tanto a glicose quanto o glicerol como fonte de carbono.
Voltando ao genoma Para definir a fonte de nitrogênio do
meio, as pesquisadoras analisaram novamente o genoma e observaram quais dos 22 aminoácidos a bactéria conseguia sintetizar. Um deles, o glutamato, era uma exceção. Isso significava que ele deveria estar presente no meio de cultura. Ficou faltando apenas a definição dos sais. Novamente o genoma mostrou que a bactéria tinha os genes relacionados com o transporte dos sais para dentro dela. A membrana da Xylella é seletiva, e a porta de entrada é uma proteína por onde entram ferro, sulfato e magnésio. A análise do genoma também ind icou uma elevada quantidade de genes relacionados com a pirofosfatase. Era o que as pesquisadoras precisavam para acrescentar o fosfato, na forma de pirofosfato, ao meio de cultura.
O meio definido deXylella vai beneficiar pesquisadores do mundo todo e principalmente aqueles envolvidos no Genoma Funcional daXylella . "Ficou provado que é possível voltar ao genoma e resolver um problema sério", diz Eliana Lemos. Desde a metade do ano passado, quando chegou à formulação do novo meio de cultura, o laboratório de Jaboticabal faz testes para tornar a bactéria mais competente e possibilitar as modificações genéticas.
Eliana Lemos e o novo meio de cultura (ao lado, à esq.): facilitando a manipulação genética e a pesquisa de mutantes da Xy/el/a
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Chips de DNA O primeiro laboratório de chips de DNA,
que começa a ser montado no Brasil, irá utilizar seqüências geradas pelo Projeto Genoma Humano do Câncer. Os chips vão organizar as informações geradas pelo projeto e possibilitar aos cientistas responder quando e em quais tecidos um determinado RNA está presente. A iniciativa é do Instituto Ludwig e está sob a responsabilidade do coordenador de RNA do Genoma Humano do Câncer, Luís Fernando Reis . "Eventualmente vamos encontrar genes que estão sendo expressos só no tumor e não no tecido normal e assim descobrir novos alvos para o tratamento ou formas de diagnóstico", diz Reis.
O novo laboratório deve começar a funcionar em outubro, no prédio do Instituto, que investirá U$ 800 mil no primeiro ano eU$ 400 mil no segundo. A partir daí serão U$ 200 mil anuais para manutenção. Além do coordenador, Reis, outros quatro pesquisadores já estão envolvidos no projeto: Alex Carvalho, Sibele Meireles, Beatriz Stolf e Ludrnila Ferreira.
Os chips de DNA ou microarray permitirão a organização dos 500 mil plasmídeos gerados pela técnica Orestes. Plasrnideos são DNA circulares, que se multiplicam nas bactérias de forma autônoma e que carregam um pedaço do DNA de determinada célula. Dentro do Projeto Genoma, para chegar a esse pedaço, os pesquisadores extraem oRNA da célula, que contém os genes expressos. A partir do RNA, que é de dificil manipulação, gera-se o cDNA. Quando são seqüenciados os genes de uma célula de pulmão, por exemplo, está se trabalhando com um pedaço do DNA, ocDNA, introduzido num plasrnideo. Atualmente, chips de DNA são feitos pela comunidade científica com os genes de domínio público disponíveis nos bancos de dados internacionais. O novo laboratório, além de iniciar uma prática pioneira no Brasil, permitirá a descoberta de possíveis novas drogas ou novos marcadores tumorais.
O processo A base do chip é um suporte sólido, que
tanto pode ser uma membrana de náilon ou uma lâmina de vidro. Nela se fixam os plasmídeos com as seqüências correspondentes aos genes expressos nos tecidos normais ou tumorais. Essas seqüências são depositadas no suporte sólido por meio de um robô e, pela utilização de raios ultravioleta, uma reação química fixa as seqüências à membrana. Com os genes assim dispostos e organizados, e comparando-se duas ou mais fases sólidas idênticas, pode-se saberem quais tecidos um determinado gene é expresso. O microarray também pode indicar quando um gene é expresso: se no tecido normal, na alteração pré-maligna ou na fase maligna. Um robô leva aproximadamente duas horas para produzir cerca de 50 réplicas de uma fase sólida com 1 O mil seqüências distribuídas em cerca de 2 centímetros quadrados, no caso de lâminas de vidro, ou cerca de 13 mil seqüências em 70 centímetros quadrados, no caso de suporte de náilon.
MEDICINA
Regeneração acelerada Laser e medicamentos aceleram recuperação do fígado
Um dos órgãos mais complexos do corpo humano é o fi gado. São conhecidas pelo menos cinco mil funções para esse órgão, que compreendem a captação de substâncias, síntese, metabolismo e coagulação do sangue, consideradas indispensáveis à vida. Não é de se admirar, portanto, que pessoas enfrentem sérias dificuldades quando perdem parte do figado em intervenções cirúrgicas. Sua situação pode melhorar em futuro próximo. Uma equipe multidisciplinarda Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto está realizando pesquisas sobre maneiras de estimular a regeneração do fi gado a partir da parte restante do órgão. A primeira parte do estudo, envolvendo trabalhos de laboratório em ratos, terminou com muito sucesso. A partir do ano que vem, provavelmente, começam os testes em seres humanos, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
"Os resultados são extremamente animadores", diz o professor Orlando de Castro e Si 1 v a J únior, do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicinada USPde Ribeirão Preto, coordenador da equipe, que envolve ainda os departamentos de Farmacologia e Patologia da própria faculdade e o Instituto de Física de USP de São Carlos. Os pesquisadores conseguiram comprovar que é possível estimular a regeneração hepática em animais de laboratório, tanto com o uso de luz laser de baixa potência como com o uso de algumas substâncias químicas. As perspectivas são de que os métodos tenham sucesso também em seres humanos, abreviando o período de tratamento e a volta às atividades normais depois da operação.
O início dos testes em seres humanos depende agora da aprovação dos métodos a serem aplicados, pela comissão de ética do Hospital das Clínicas. Essa é uma praxe em experiências como esta, que ainda não fazem parte da literatura médica internacional. Os pacientes serão, principalmente, pessoas que têm parte do fi gado extraída devido a vários fatores, como tumores irreversíveis. As experiências, iniciadas há três anos, contaram com um investimento de R$ 369,7 mil da FAPESP, dentro do projeto temático Transplante Experimental de Fíga-
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do e Regeneração Hepática, coordenado pelo professor Castro e Silva.
Quarta parte "Conseguir acelerar a regeneração do
figado é fundamental", diz o médico sobre os pacientes submetidos a esse tipo de cirurgia. "Com isso, proporcionamos ao figado
remanescente melhores condições de adaptação ao organismo e melhor recuperação do paciente", acrescenta. Há casos em que os médicos tiram até 75% do fi gado do paciente . O restante, a quarta parte do órgão, é capaz de regenerar-se, se estiver em boas condições. Gradualmente, o fi gado volta a exercer todas as suas funções.
A fase crítica ocorre nos primeiros dias depois da operação. Mesmo com um acompanhamento médico intensivo, o paciente sofre bastante. A mudança que ocorre no metabolismo de captação e excreção gera um desconforto muito forte. Se for possível acelerar essa regeneração, o paciente vai passar mais depressa por essa fase . Além de ter o desconforto ai iviado, ficará menos tempo internado e terá a recuperação abreviada.
Problema social O problema não é raro . As doenças do
fi gado estão entre as mais graves e as de tratamento mais difici l. Dos casos de hepatite B, entre 5 e I 0% evoluem para uma hepatite crônica ou uma cirrose hepática, doença que pode levar à morte. Entre os casos de hepatite C, a maioria apresenta uma infecção persistente e evolui para se transformar numa doença crônica do fi gado. Uma boa parte das cirroses tem origem no consumo exagerado de bebidas alcoólicas. "A cirrose por álcool tem elevada prevalência em nosso meio", diz o professor Castro e Silva. "Isso mostra como o alcoolismo é um grave problema social."
Entre os tumores que atacam o fi gado, o de maior incidência parece ser o carcinoma hepatocelular. Nos países ocidentais, ela é de uma em cada I 00 mil pessoas. Entre 80 e 90% dos casos de tumores hepáticos primários, ele se instala quando o fi gado já está comprometido por outros problemas, especialmente as cirroses provocadas pelos vírus dos tipos B e C (o tipo A é considerado benigno). Se não for tratado convenientemente, a mortalidade é muito alta, chegando a 35% em um ano, 80% em dois anos e 95% em três anos.
Atualmente, as ressecções parciais do fi gado cirrótico para tratamento desses tumores primários não podem ser maiores de 15%. O remanescente cirrótico não tem o mesmo poder de regeneração que o normal. "Com o laser, estamos tentando verificar a possibilidade de ressecções maiores em figados cirróticos, com tumor, visando melhores índices de ressecabilidade de tumores", afirma o cirurgião.
Capacidade natural No trabalho de recuperação do figado
depois que parte dele é extraído numa cirurgia, os médicos contam com um ponto valioso. O órgão tem, naturalmente, a capacidade de regenerar-se, apesar da sua complexa estrutura, que ostenta sete diferentes tipos de células e uma dupla irrigação sanguínea. O objetivo da equipe de Ribeirão Preto é acelerar essa regeneração. Para isso, partiu de muito pouco. "Não havia na I iteratura nenhuma descrição de como regenerar o figado", diz o professor Castro e Silva. "Foi um verdadeiro achado verificar que o raio laser pode colaborar para essa regeneração", acrescenta. Em circunstâncias comuns, o fi gado leva cerca de seis meses para voltar ao peso normal depois que parte dele é extraída numa cirurgia, de acordo com avaliações feitas por exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética.
Também foram testadas com sucesso substâncias farmacológicas. Nos testes com ratos, a equipe da USP
Regeneração Hepática Quantas vezes mais a bradicinina, o lisinopril e o laser recuperam o fígado em relação aos animais/controle
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de Ribeirão Preto conseguiu multiplicar por dez a regeneração do fi gado 24 horas depois da operação, em 70% dos casos, com o uso da droga bradicinina. Os pesquisadores ainda não têm resposta sobre o porquê desses resultados. Outra droga, a substância P, usada em várias aplicações pelo Departamento de Farmacologia da USP de Ribeirão Preto, obteve amplitudes menores de regeneração. Mas os resultados de sua aplicação foram considerados animadores, especialmente porque antecipou o pico de regeneração de 24 para 17 horas.
A aplicação do laser mostrou-se menos eficiente - apenas duplicou a capacidade de regeneração. Mesmo assim, o resultado foi considerado positivo e merecedor de ser incluído no prosseguimento dos estudos. Os pesquisadores descobriram que o comprimento de onda correspondente à cor azul foi o que melhor estimulou a regeneração hepática. Houve um cuidado especial com relação à intensidade da luz, uma vezqueexisteorisco de uma aplicação muito forte causar danos celulares. A conclusão é a de que uma aplicação de até I 000 mw por centímetro quadrado de tecido não causa danos às células.
Pontos específicos Um aspecto muito importante, mas que
ainda intriga os pesquisadores, é o de que o fi gado remanescente responde positivamente ao estímulo dos raios laser seja qual for a área bombardeada. Trata-se de uma enorme vantagem, pois há pontos do fígado nos quais, pela sua localização, o bombardeio es-
pecífico seria extremamente difícil. De qualquer maneira, os médicos
vão tentar descobrir agora se existem pontos no fígado onde a ação
do laser pode mostrar-se mais eficaz do que em outros.
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·. Outro aspecto do projeto que vai começar
brevemente é verificar se o fí gado consegue regenerar-se, se for submeti-
do ao tratamento com raios laser, mesmo se sofrer uma ressecção de até 90%. Trata-se de uma experiência muito importante para os casos de insuficiência hepática aguda. Há casos em que o paciente entra no hospital com uma hepatite aguda fulminante. Sua única esperança é um transplante, o mais rapidamente possível.
"A hipótese é que poderíamos irradiar o fi gado nessas condições ou para revertera situação ou melhorar as condições do doente, dando-lhe a chance de esperar, em melhores condições clínicas, a chegada de um órgão para transplante", diz Castro e Silva.
Há mais. Durante as pesquisas, a equipe de Ribeirão Preto descobriu que o lisinopril, nome genérico de um hipertensivo, também acelera a regeneração hepática. Isso abre importantes perspectivas. É comum que os pacientes de operações no fígado desenvolvam, no pós-operatório, níveis variáveis de hipertensão arterial. Só isso já justificaria o uso do lisinopril. Se a droga também acelerar a regeneração do fígado , o tratamento mataria dois coelhos com uma só cajadada.
Funcionou nos animais de laboratório, mas a equipe quer fazer ainda mais experiências, antes do início dos testes em seres humanos, no ano que vem. "Temos que ser cautelosos antes do uso clínico", diz o professor Castro e Silva. "Precisamos ter a comprovação definitiva dos graus de eficiência dos diversos métodos", acrescenta. De qualquer maneira, os testes iniciais apontam para um progresso muito grande, em futuro não muito distante, para um problema muito sério da medicina a tua!.
Periil: Orlando de Castro e Silva Jr., 46 anos, é cirurgião responsável pelo Setor de Cinurgia Hepática da Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Hepatologia Cirúrgica e do curso de PósGraduação da área de Cirurgia. Fez o pós-doutorado em cinurgia hepática na Universidade de Barcelona, na Espanha. Projeto: Transplante Experimental de Fígado e Regeneração Hepática Investimento: R$ 369,7 mil
CIÊNCIA
FÍSICA
A nova força dos neutrinos Físicos brasileiros mostram que essas partículas poderiam interagir com a Terra mais do que se pensava
Os experimentos às vezes são cruéis com os cientistas. Principalmente quando os resultados colhidos não conferem com os previstos e não há teorias prontas que os expliquem. É o que está ocorrendo no estudo dos neutrinos, partículas elementares da matéria que viajam quase à velocidade da luz e se formam em abundância no Sol, nas usinas nu-cleares ou pela fragmentação dos raios cósmicos na alta atmosfera terrestre. Em junho do ano passado, os pesquisadores que trabalham no SuperKamiokande, o maior detector de neutrinos do mundo, em operação há três anos no Japão, verificaram que um dos tipos de neutrinos chegava em quantidade inferior à esperada, sobretudo depois de atravessar o interior da Terra. O fato de desaparecerem foi visto como uma evidência de que essas partículas efetivamente têm massa, como há décadas os físicos procuram demonstrar.
setembro - não se limitam a explicar os resultados verificados no Japão.
A hipótese do Gefan implica uma reavaliação de um dos tipos de forças fundamentais da matéria, também chamadas interações. Pode ganhar novas dimensões, especificamente, a interação fraca, que atua de modo
Mas pode não ser assim. Há outra fonna de explicar o desaparecimento dessas partículas que não precisam necessariamente ter massa, de acordo com a interpretação dos físicos do Grupo de Estudos de Física e Astrofísica de Neutrinos (Gefan), formado há dois anos por pesquisadores das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp ). Para eles, os neutrinos de um tipo, os muônicos, que chegam em quantidade inferior à prevista, estariam interagindo com a matéria das camadas internas da Terra e se transformando em neutrinos de outro tipo, os tauônicos, que não podem ser percebidos pelos equipamentos
SuperKamiokande: tanque de 40 metros de altura à espera de neutrinos
atuais.
Repensando o Universo Em colaboração com pesquisadores das
universidades de Wisconsin, nos Estados Unidos, e de Valencia, na Espanha, os físicos brasileiros trabalham desde julho do ano passado nessa proposta, que muda o foco do problema. Em vez de proporem mudanças no neutrino, aceitando que podem ter massa, repensam a forma como essas partículas serelacionam com a matéria que atravessam. As conclusões a que chegaram - publicadas em abril na Physical Review Letters e debatidas em uma das apresentações do To pies in Astroparticle and Underground Physics, uma conferência realizada em Paris no início de
discreto no entrosamento entre as mais minúsculas das partículas atômicas e na fragmentação de elementos químicos radioativos. Sem carga elétrica e infinitamente pequenos, os neutrinos estão sujeitos apenas a essa força. Vivem indiferentes à força nuclear de interação forte, que a tua entre partículas maiores, à força eletromagnética, decisiva entre partículas eletricamente carregadas, e à gravidade, praticamente inexpressiva no universo das partículas, de massa extremamente pequena.
Até agora se pensava que os neutrinos atravessavam a matéria sem qualquer dificuldade, como resultado do modelo a tua! da interação fraca. O grupo de físicos está demonstrando que eles podem, sim, modificar-sele-
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vemente ao longo dessas travessias, ao contrário do que supõe a Física atual.
O estudo dos neutrinos integra um projeto temáti co financiado pela FAPESP,Fenomenologia das Partículas Elementares, que começou no ano passado e segue até 2002. Com um orçamento de R$ 224 mil, mobiliza
dez fís icos que, em cinco projetos, estudam o comportamento das partículas elementares. "Procuramos antecipar e reinterpretar os resultados dos trabalhos práticos", diz o físico Gil da Costa Marques, coordenador do projeto. Trata-se de uma área bastante dinâmica, marcada pela descoberta de cerca de 60 partículas em menos de um século e por constantes revisões teóricas. A Física de Partículas está também associada à história do Prêmio Nobel (ver quadro) .
O interesse pelos neutrinos se explica também porque se trata de uma das mais fascinantes e desconhecidas partículasatômicas. Chegam detodasasdireções a todo momento e atravessam o Sol ou a Terra. "A matéria usual é transparente aos neutrinos", comenta o físico Marcelo MoraesGuzzo,professorda Unicamp que divide a coordenação do Gefan com Renata Zukanovich Funchal, da USP, e Vicente Pleitez, da Unesp. As experiências indicam que os neutrinos, vistos por outras partículas, ocupam uma área cerca de I 00 milhões de vezes menor que a do elétron.
O problema é saber se são apenas energia ou têm massa. Trata-se de uma questão fundamental da astrofísica e da cosmologia, que poderia determi-nar se o Universo continuaria em expansão indefinida, como hoje se acre
dita, ouse a partir de um momento poderia começar a se encolher. "Se os neutrinos tiverem mesmo massa, ainda que muito pequena, mudaria a massa total e a compreensão do Universo, porque são abundantes", diz o professor Piei tez, da Unesp. Os neutrinos são quase tão abundantes quanto os fótons, as partículas de luz, que conduzem a força eletromagnética - e, estas sim, destituídas de massa.
Calcula-se que há I O bilhões de neutrinos para cada próton, um dos elementos do núcleo atômico. Espalham-se dos confins do Universo ao interior do corpo humano, que produz 20 milhões de neutrinos por hora, como resultado das reações com um dos tipos de potássio que compõem o organismo. A cada segundo, o corpo humano é a traves-
sado por I 00 bilhões de neutrinos originados nas usinas nucleares e mais 50 trilhões vindos do Sol e da fragmentação dos raios cósmicos, inclusive à noite, já que eles atravessam a Terra e chegam de todo lado, a todo momento. "Se enxergássemos os neutrinos, estaríamos radiantes", diz Renata Funchal.
Mesmo assim, é dificílimo caçar neutrinos. São quase indetectáveis porque não têm carga elétrica e reagem tão raramente com outras partículas que escapam até mesmo ao gigantesco detector de neutrinos construído em Kamioka, a 250 quilômetros de Tóquio, a um custo aproximado deUS$ I 00 milhões. O SuperKamiokande consiste de um tanque cilíndrico de cerca de 40 metros de lado por 40 de altura com água ultrapura, a um quilômetro abaixo da superfície, que filtra partículas indesejadas. É tão grande porque apenas um em cada um bilhão de trilhões (o número um seguido de 21 zeros) de neutrinos que por ali passam reage com a água. Quando isso acontece, emitem um tipo de luz especial, que é registrada por cerca de 12 mil fotocélulas instaladas nas paredes laterais do tanque.
No SuperKamiokande, comportaram-
se conforme o previsto apenas um dos três tipos de neutrinos, os eletrônicos, os mais comuns, que surgem quando os raios cósmicos colidem com os prótons e nêutrons dos gases da alta atmosfera. Chegaram todos. Os que costumam desaparecer - ou oscilar, na linguagem dos físicos - são os neutrinos muônicos, pro
duzidos também quando os raios cósmicos se desfazem. O terceiro tipo de neutrinos, os tauônicos, resultantes do decaimento ( desintegração) de partículas atômicas, é bastante raro e ainda não pode ser detectado por nenhum equipamento.
Para explicar os resultados dos experimentos, os físicos do SuperKamiokande cogitaram que os neutrinos de um tipo poderiam se transformar em outro. Mesmo assim, essa hipótese mostrou-se incompleta para os integrantes do Gefan. Porque as partículas desaparecem ao passar pelas camadas mais densas da Terra e nada acontece quando atravessam apenas a atmosfera? Dos neutrinos que passam pelo núcleo terrestre, chega só a metade, enquanto dos que percorrem apenas a atmosfera não se perde nenhum (ver ilustração). Tais constatações levaram a pensar que esse comportamento estaria associado ao ângulo (ou direção) do neutrino em relação ao detector, à distância e à densidade do material que atravessam.
Os físicos do Gefan estão supondo que os neutrinos podem interagir com a matéria de modo mais intenso do que se imaginava até
As partículas e os Nobel A todo momento, quando os raios cós
micos se desfazem ao se chocarem com as partículas da alta atmosfera, a 20 km da superfície, forma-se o chamado chuveiro de partículas, com variados tipos de fragmentos do átomo. Além dos neutrinos, surgem outras partículas, que também podem se desfazer em neutrinos, os píons, descobertos em 1947 pelo físico curitibano César Lattes ( 1924-), em colaboração com Giuseppe Occhialini (1907-1993) e o inglês Ceci/ Powe/1 (1903- 1969).
O píon- visto como uma das partículas responsáveis pelo comportamento das forças fundamentais da matéria, cuja existência Lattes comprovou em experiências realizadas a 2.800 metros de altitude, na Bolívia - havia sido proposto teoricamente em 1935 pelo japonês Hideki Yukawa (1907-1981), que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1949 por esse trabalho.
Os brasileiros, os neutrinos e os Nobel vão se entrelaçar novamente nos anos 70, com outro pioneiro da física teórica e da astrofísica moderna no Brasil, o recifense Mário Schenberg ( 1916- 1990 ), professor da Universidade de São Paulo que também estudou essas partículas. Schenberg trabalhou com o primeiro cientista que concebeu a existência dos neutrinos, o físico suíço nascido na Áustria Wolfgang Pauli (1900-1958), em Zurique, na Suíça, eemPrin-ceton, nos Estados Unidos.
Foi Pauli quem propôs, em 1931, numa carta endereçada aos físicos em um congresso na Europa, ao qual não pôde comparecer, a existência de uma partícula sem carga elétrica e sem massa, queresolveria uma aparente sobra de energia em reações com elementos radioativos. Por esse feito, Pauli ganhou o prêmio Nobel de Física de 1945.
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agora. Ao encontrarem os nêutrons e prótons que formam quase a total idade da matéria comum, os neutrinos reagiriam e sofreriam pequeníssimas modificações. Mudariam apenas o chamado sabor, uma das características das partículas atômicas, tal qual a carga elétrica. "Quanto maior a densidade da matéria que atravessa, há mais nêutrons e prótons por volume, e será maior a chance de interação com os neutrinos", diz Guzzo.
Essa força, chamada Flava r Changing (troca de sabor) ou interações exóticas que trocam sabor, não afetaria em nada a matéria atravessada pelos neutrinos, porque a diferença entre massas é imensa: um próton já é I 00 milhões de vezes maior do que um neutrino. Caso encontrasse um núcleo, formado por dezenas ou às vezes centenas de prótons combinados com nêutrons, a proporção seria ainda mais astronômica. "Seria como um minúscula bola de borracha, menor do que a unha de um polegar, batendo em um trem com centenas de vagões", compara o professor.
Analogia com o Sol Na reunião de julho do ano passado, foi
Guzzo quem lançou a idéia de que os neutrinos poderiam se comportar na Terra como no Sol. Conforme ele estudou no doutoramento, parte dos neutrinos eletrônicos que se formam no núcleo desaparecem ao reagir com os prótons e os nêutrons da coroa solar. Outro sumiço ocorre a caminho da Terra, onde chegam apenas cerca de 35% dos neutrinos eletrônicos produzidos no Sol que deveriam chegar.
A tese do Gefan, associando o desaparecimento dos neutrinos também à distância percorrida, ajuda a entender esse outro fenômeno mal compreendido pelos físicos. Só apresenta um inconveniente: não está prevista no chamado Modelo Padrão, o modelo teórico que descreve as partículas elementares e as for-
Um ano depois, o físico italiano Enrico Fermi (190 1-1954 ), com quem Schenberg também trabalhou, em Roma, incorporou essa partícula, que ele chamou de neutrino (em italiano, minúsculo neutro), na teoria de partículas que ele desenvolvia. Fermi, que ganhou o Nobel em 1938 por suas pesquisas em energia nuclear, participou nos Estados Unidos da construção da primeira bomba atômica, em 1945. A primeira observação dos neutrinos coube ao norteamericano Frederic Reines (1918-1998), Prêmio Nobel de 1995.
O estudo das forças fundamentais também tem sido reconhecido com o prêmio Nobel. O físico norte-americano Steven Weinberg(1933- ), que em 1967desenvolveu a teoria da força nuclear fraca, dividiu em 1979 o prêmio Nobel de Física com o norte-americano She/don Glashow ( 1932-) e o paquistanês Abdus Saiam ( 1926- 1996 ), que chegaram ao mesmo resultado de forma independente.
mas como elas interagem. Foi prevista apenas teoricamente, em 1978, pelo tisico norte-americano Lincoln Wolfenstein."Se a força exótica for comprovada, teremos de repensar o Modelo Padrão, que não explica os resultados verificados no SuperKamiokande", diz ele.
O que se sabe até o momento, de acordo com o Modelo Padrão, é que a força de interação nuclear fraca, a única à qual os neutrinos estão sujeitos, pode atrasar a propagação ou mudara direção dessas partículas. Só é relevante quando não está presente a interação forte, que aproxima prótons e nêutrons e as partículas que os constituem, no núcleo do átomo. Seu efeito toma-se irrelevante diante da eletromagnética, de alcance infinito, que junta os átomos emmoléculaseco/aamatériaqueconhecemos.
A força que permitiria aos neutrinos entrosar-se mais intensamente com a matéria, como está sendo proposto pelo Gefan, seria um tipo de interação fraca, embora capaz de
Núcleo Diâmetro: 3.000km Densidade: 11,5 g/cm3
Metade dos neutrinos muônicos que
percorreram diagonalmente o núcleo, a camada
mais densa da Terra, transforma· se em tauônicos.
mudar a identidade dos neutrinos. "Trata-se de uma mudança na essência, não no nome, porque continua fraca", explica Guzzo.
Os fisicos imaginam que a habilidade de atravessar a matéria sem limitações de distância pode ter aplicações práticas. Seria possível, por exemplo, simplificar a busca de reservas de petróleo. Os neutrinos poderiam trazer informações sobre os .materiais de modo mais preciso e profundo do que os raios-X, seus similares mais próximos, de alcance restrito a poucos metros.
Nos próximos meses, os fisicos pretendem aproveitar os resultados de outras experiências, realizadas nos detectores dos Estados Unidos, França, Itália e Suíça, onde também se observou o desaparecimento de neutrinos, para verificar até que ponto resiste a hipótese que criaram, tratada agora como um carro aprovado na prancheta e em trajetos curtos que merecesse testes mais amplos.
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muônicos que atravessam apenas a
atmosfera chegam ao detector sem se transformarem em tauônicos.
... o
§
Perfi s : Gil da Costa Marques, 53 anos, graduouse em Física na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Fez o mestrado e o doutorado no Instituto de Fís ica da USP, do qual foi diretor entre 1994 e 1998. Marcelo Moraes Guzzo, 35 anos, graduou-se no Instituto de Física da USP, fez o mestrado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e o doutorado na lnternational School for Advanced Studies, na Itália. Renata Zukanovich Funchal, 35 anos, cursou Física na USP, fez o mestrado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e o doutorado na Universidade de Orsay, na França. Vicente Pleitez, 49 anos, graduado em Química na Universidade de El Salvador, fez o mestrado e o doutorado em Física na Unesp. Projeto: um dos cinco estudos do temático Fenomenologia das Partículas Elementares. Investimento total: R$ 224 mil no temático.
CIÊNCIA
BOTÂNICA
Ambiente único Pesquisa leva a importantes descobertas sobre a adaptação de plantas da Serra do Cipó, em Minas Gerais
Quando conheceu os campos rupestres da Serra do Cipó, em Minas Gerais, na década de 1960, a bióloga com especialização em botânica Nanuza Luiza de Menezes estranhou a paisagem. "Parecia um vale de dinossauros", conta. Suas primeiras viagens foram recompensadas com a descoberta de muitas espécies novas, como uma da canela-de-ema, a Vellozia gigantea, que chega a seis metros de altura. Foi o início de um longo trabalho. Em 30 anos de estudos, o grupo do qual faz parte Nanuza identificou cerca de 1.550 espécies de plantas crescendo numa área de 150 quilômetros quadrados de solo pedregoso da Serra do Cipó, escolhida para o levantamento florístico. É uma enorme riqueza. Em toda a Inglaterra, com todos os seus tipos de terreno, há apenas 1.600 espécies de plantas nativas.
alunos de iniciação científica. lniciadoem I o
de dezembro de 1997, com um financiamento de R$ 165 mil da FAPESP, o projeto tem término previsto para novembro.
Soluções diferenciadas A imensa diversidade biológica signifi
ca também uma enorme variedade de soluções para o problema da escassez de água. Cada família tem características próprias que
ce a canela-de-ema, é um exemplo de adaptação. As plantas desse grupo se conservam sempre verdes porque aproveitam a umidade da neblina que cobre trechos da Serra à noite. Essa umidade é absorvida por raízes que correm ao longo do caule, por baixo das bainhas de folhas velhas. Quando as folhas murcham e caem, as bainhas ficam em torno do caule, protegendo as raízes adventícias. Essas raízes estão cobertas por um tecido de
revestimento, composto de diversas camadas, chamado velame, encontrado também em orquídeas. O velame acumula a água da neblina e essa umidade é transportada para o interior da planta.
Não é só. As plantas da família das veloziáceas têm um sistema
"É uma vegetação muito especial", conta a professora Nanuza. "As plantas crescem diretamente em solos pedregosos ou arenosos, nos quais a água escoa rapidamente e não há lençol freático" , prossegue. "As plantas estão adaptadas para conservar a quantidade mínima de água disponível , pois ocorrem períodos de até quatro meses sem que caia uma gota de chuva", diz. Nesses períodos, em geral, só a neblina noturna traz umidade. A Serra do Cipó é parte da cadeia do Espinhaço e fica a cerca de II O quilômetros a noroeste de Belo Horizonte. A altitude quase sempre varia entre 1.000 e 1.400 metros, mas há pontos em que chega a 1.800 metros. A Serra tem vários tipos de ecossistemas, mas a vegetação típica, predominante, é o campo rupestre com suas plantas adaptadas a viver em solo pedregoso ou arenoso.
Espécies adaptadas à escassez de água: a canela-de-ema gigante, a Lavoisiera glandulifera, que absorve água através dos pêlos das folhas,
São essas plantas o centro do projeto temático Estudo das Adaptações dos Orgãos Vegetativos e Reprodutivos ao Ambiente Rupesfl-e, que Nanuza, professora do Departamento de Botânica do Instituto de Biociênciasda Universidade de São Paulo (USP), está coordenando. Ela também é responsável por oito dos subprojetos do trabalho. Outras duas professoras do Departamento de Botânica dividem mais seis subprojetos, Verônica Angyalossy Alfonso, com quatro, e Jane Elizabeth Kraus, com dois. As pesquisas envolvem ainda II estudantes de pós-graduação e seis
lhes permite sobreviverem condições adversas. Basicamente, há as que escapam da seca e as que toleram a seca. As que escapam da seca têm ciclo de vida extremamente rápido. Brotam na época das chuvas, crescem, sereproduzem, deixando as sementes no solo para a próxima estação e morrendo antes que a seca chegue outra vez. As que toleram a seca também podem ser divididas em dois grupos: as que se mantêm sempre verdes, conseguindo umidade de diversas maneiras, e as que murcham e se ressecam, mas revivem e se desenvolvem quando volta a chover.
A família das veloziáceas, à qual perten-
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muito eficiente para perder o mínimo de umidade. Seus estômatos, as estruturas presentes nas folhas por onde se processa a entrada e a saída de água da planta, ficam em fendas existentes nas folhas. Quando o tempo está excessivamente seco, essas fendas se fecham e a umidade liberada pelos estômatos não chega a sair da planta. Forn1a-se um sistema fechado, conservando a água que já está na planta.
Há outros exemplos. As plantas da família das melastomatáceas, na qual se incluem as quaresmeiras, se caracterizam pela presença de muitos pêlos, chamados tricomas, na sua superficie. Um aluno da professora Nanuza,
em sua tese de doutorado, descobriu evidências de que a água penetra no interior da planta através dos tricomas. Esses pêlos aparecem também nas folhas e caules de plantas de outras famílias , especialmente nas folhas jovens. Em alguns casos, os pêlos também protegem a planta do inverno rigoroso da Serra. No período frio, a planta se mostra como um chumaço de algodão. Conforme a primavera
e, no alto, o Paepalanthus hirlairei
se aproxima, os pêlos brancos vão secando e surge o verde das folhas.
Campos de flores Como a paisagem da região da Serra se
altera constantemente, as plantas passam por di versas mudanças, internas e externas, acompanhando a estação do ano. "A região é linda", afirma a professora Nanuza. As espécies do gênero Paepalanthus têm inflorescências em forma de bolas de extraordinária beleza. "Às vezes, o campo fica completamente coberto de flores", diz ela. Mas numa das suas primeiras viagens à região, em 1968,
com o professor Aylthon Brandão Joly, já falecido, ficou impressionada com uma área que lhe deu a impressão de "um cenário pré-histórico".
Foi nessa área que o grupo da USP descobriu a canela-deema de seis metros de altura, a Vellozia gigantea. Essa planta, que apesar de atingir essa altura conserva o caule com apenas I centímetro de diâme-tro, é endémica da Ser
As pesquisadoras Nanuza (à frente), Verônica (esq.) e Jane: descobertas importantes
ra, isto é, só existe naquela região da Serra do Cipó. "O professor Joly acreditava que, para atingir esse porte, as plantas deveriam ter cerca de 500 anos de idade", lembra Nanuza. A árvore tem outra característica. Nos seus galhos mais altos, vive uma microorquídea, a Constantiacipoensis. Essa orquídea também só existe na Serra do Cipó e só vive sobre a canela-de-ema gigante.
A descoberta dessa espécia de Vellozia foi considerada tão importante que levou a uma campanha, feita por pesquisadores paulistas e mineiros, para a criação de um parque nacional na área. Deu certo. O Parque Nacional da Serra do Cipó foi criado por um decreto de 1975 e começou a funcionar no dia 27 de setembro de 1984. Era mais que necessário. A região estava sendo invadida por pessoas que, para coletar as orquídeas, não hesitavam em dem1bar as canelas-de-ema gigantes.
Um dos resultados do projeto temático é a descrição da Vellozia gigantea como espécie nova, o que ainda não tinha sido realizado, apesar de a planta ter sido observada pela primeira vez em 1968. A descrição, feira pela professora Nanuza e pelo professor Renato de Mello-Silva, do Departamento de Botânica da USP, deve ser publicada antes do fim de setembro. "Foi muito importante dar uma contribuição, anatômica e taxonômica, para o conhecimento dessa planta", diz a professora . Ainda como parte do trabalho, Nanuza e Mello-Silva descreveram outra espécie da mesma família, a Vello:ia auriculata, que parece ser muito importante para o entendimento da evolução do gênero.
Órgão especial O projeto levou a outras descobertas.
Plantas da família das dioscoreáceas, a mesma do inhame e do cará, mostraram um órgão subterrâneo especial, ao qual a professora Nanuza deu o nome de rizóforo. Quando descreveu pela primeira vez o órgão, em 1979, em espécies do gênero Vemonia (família das compostos), a professora achava que poderia ter ocorrido uma mutação, por se tratar de algo inusitado. Agora, já sabe que ela é característica em algumas espécies de famí lias diferentes. Trata-sedeumórgão, mais se-
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melhante a um caule do que a uma raiz, que corre debaixo da superficie. Dentro da terra, o rizóforo lança apenas raízes e outros rizóforos. Mas, se por acaso for descoberto e receber a luz do sol, ele emite uma planta completa, com caule, folhas e flores. O nome rizóforo é dado normalmente a estruturas encontradas em samambaias e significa pot1ador de raízes.
Outros resultados importantes vêm do estudo de cerca de dez famílias de trepadeiras, encontradas nas matas ripá rias ou de galerias. Essas matas acompanham o curso dos rios e riachos que co11am o campo rupestre. Como a umidade do solo é maior, elas têm vegetação mais alta que a dos campos vizinhos, com árvores e arbustos nos quais as trepadeiras se enrolam, usando-os como suporte, em busca da luz solar.
Verônica explica que esse processo de crescimento promove uma modificação na morfologia externa e interna do caule, facilitando sua subida para o dossel. Assim, uma das características interessantes é a associação de vasos de grande calibre, garantindo uma condução de água e nutrientes de maneira rápida e eficiente, com vasos de pequeno calibre, permitindo uma condução segura. Isso ocorre tanto nas trepadeiras com caules mais espessos, denominadas lia nas, como nas com caules mais finos, denominadas de trepadeiras herbáceas. "Cada espécie apresenta uma característi ca nova, ainda não mencionada na literatura para a espécie ou o gênero", di z a professora.
Adaptação local Há mais. Outros resultados interessan
tes, dentro do projeto temático, estão sendo obtidos pelos estudos sobre a plasticidade fenotípica - casos em que plantas da mesma espécie, com ampla dispersão, apresentam fonnas completamente diferentes conforme o I ugarnos quais vivem.
Há vários casos em que a mesma planta tem características diferentes das encontradas em outras regiões do País quando observada na Serra do Cipó. "As plantas que apresentam plasticidade fenotípica seadaptamàsdiferençasdeambiente",diz Verônica. "As folhas,prin-
cipalmente, reagem bastante a essas mudanças", comenta a pesquisadora.
Mas não são só fatores climáticos como regime de chuvas, temperatura e ventos que causam adaptações das plantas ao ambiente. "Existem intricadas interações e interdependências entre as plantas e outros organismos", afirma a pesquisadora Jane. Uma dessas interações, resultante do parasitismo da planta por outras formas de vida, como bactérias, fungos, ácaros e insetos, leva à formação de galhas, também conhecidas como cecídios ou tumores vegetais.
Riqueza em galhas As galhas representam modificações
em células, tecidos e mesmo órgãos da planta. Uma das atividades de Jane no projeto é pesquisar as alterações provocadas pela ação de insetos galhadores sobre as plantas da Serra. "Dados de literatura produzidos por pesquisadores brasileiros e americanos já tinham mostrado que o número de galhas na Serra do Cipó é muito elevado", comenta ela. "A Serra é uma das regiões do mundo mais ricas em galhas, mas há pouquíssimos trabalhos sobre as alterações morfoanatômicas que elas envolvem", acrescenta. Já foram observados mais de 30 tipos de galhas numa só espécie do gênero Baccharis. Num ambiente equilibrado, as plantas podem sobreviver ao parasitismo representado pelas galhas. Mas, em condições ambientais adversas, as plantas atacadas podem desaparecer de uma área.
Num projeto tão amplo, é natural que surjam intercâmbios intensos entre os pesquisadores. Por exemplo, no estudo da Marcetia taxifolia, planta da família das melastomatáceas que apresenta grande plasticidade fenotípica, área de Nanuza e Verônica, foram encontradas várias galhas, área da professora Jane. "Outro aspecto importante desse trabalho é a formação de recursos humanos", diz Nanuza. Mesmo depois de terminado o projeto, ela pretende continuar a estudar a vegetação da Serra.
Perfis: Nanuza Luiza de Menezes, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), formou-se em 1950 em História Natural, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USR onde fez mestrado e doutorado. Seu pós-doutorado foi no Jockell Laboratory, no Royal Botanic Garden, na Inglaterra. Verônica Angyalossy Alfonso formou-se em 1978 em Ciências Biológicas na USR onde se doutorou. Fez pós-doutorado no Forest Products Laboratory, em Wisconsin, Estados Unidos. Jane Elizabeth Kraus graduou-se em Ciências Biológicas na USP em 1970, onde fez mestrado e doutorado. Seu pós-doutorado foi na Universidade Católica do Chile, em San tiago , Chile. Projeto: Estudo das Adaptações dos Órgãos Vegetativos e Reprodutivos ao Ambiente Rupestre. Investimento: R$ 165 mil.
CIÊNCIA
PALEONTOLOGIA
Mergulho no Permiano Fósseis mostram como era o mar que cobria o
Sudeste brasileiro muito antes do tempo dos dinossauros
Não se impressione com as miniaturas de plástico e balões com imagens de dinossauros que enchem os laboratórios ocupados pela equipe de Paleontologia do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), emBotucatu. Eles têm efeito puramente decorativo. Na verdade, o principal interesse da equipe coordenada pelo professor Marcel! o Guimarães Simões está nos restos de animais bem mais modestos, conchas com entre 5 e I O centímetros de comprimento máximo, que viveram num período anterior ao dos dinossauros, o Permiano, 250 milhões de anos atrás (os dinossauros desapareceram cerca de 60 milhões de anos atrás).
Essas conchas, restos principalmente de moluscos bivalves - o grupo de animais de duas valvas, ou conchas, que inclui os mariscos e as ostras - , podem ser mais importantes do que indica seu tamanho. Elas estão dando valiosas indicações sobre o passado do Sudeste brasileiro, inclusive sobre um mar interior ou mar epicontinental , como é conhecido do ponto de vista geológico, com salinidade variável, que cobria partes de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E prometem dar ainda mais. A valiosa coleção reunida em Botucatu, com 5 mil exemplares cuidadosamente conservados e classificados, pode ser o ponto de partida para novos e importantes estudos.
"Só é possível encontrar material com idade semelhante, tão bem preservado, em áreas do Permiano do Texas, nos Estados Unidos", diz o professor Simões, sobre os exemplares coletados em São Paulo. Estudando esses moluscos, a equipe da Unesp pretende determinar como evoluíram, em que condições ambientais viveram e como se forma-
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ramos depósitos fossilíferos nos quais foram encontrados. A FAPESP colabora com o grupo de Botucatu desde 1993. Na pesquisa a tua!, o projeto Estudo Paleoecológico dos Pelecípodes do Grupo Passa Dois (Assembléias de Leinziafroesi, Pinzonella i/lusa e Pinzonella neotropica, Permiano Superior, no EstadodeSãoPaulo), fez um investimento de R$ 36,6 mil. O projeto, iniciado em 1997, deve ficar pronto este ano.
Passa Dois As conchas reunidas em Botucatu pas
saram 250 milhões de anos nas rochas conhecidas pelos geólogos como Grupo Passa Dois, que incluem, em São Paulo, as formações Serra Alta, Terezina e Corumbataí. Elas são encontradas principalmente nas regiões de Tambaú-Leme, Rio Claro-Pi racicaba e Porangaba-Bofete. Tais rochas sedimentares contêm moluscos fósseis que viveram num mar epicontinental, ou seja, fechado , como um grande lago, ou apenas com uma pequena saída para o exterior, e águas relativamente rasas.
São exemplos modernos de mares desse tipo o mar Cáspio, entre a Rússia e o Irã, e o mar Negro, que banha Ucrânia, Turquia, Romênia e Bulgária. Mares desse tipo são formados com o levantamento de cadeias de montanhas ou quan-do há um rebaixamento no nível dos
Exemplar de Tambaquyra camargoi, o maior bivalve
da malacofauna permiana do Estado de São Paulo, coletado às margens da
rodovia Castello Branco
oceanos. Surgem, então, barreiras que fecham as comunicações com o oceano, deixando isolado um grande lago de água salgada.
A descoberta dos moluscos, em si, não é novidade. Já em 1918, o cientista austríaco Karl Holdhaus recebeu para estudos vários exemplares coletados em São Paulo e no Paraná. Nas décadas de 1950 e 1960, o professor Josué Camargo Mendes, da Universidade de São Paulo (USP), coordenou pesquisas mais amplas sobre esses fósseis. Paleontólogos do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e da Unesp de Rio Claro também fizeram estudos sobre o assunto. "Os animais foram classificados, mas nunca houve a preocupação de conhecer sua origem, em termos evolutivos", diz o professor Simões.
Tafonomia modema Simões acrescenta que desde o início da
década de 1970, quando dois cientistas estrangeiros, o australiano Bruce Runnegar e o americano Norman Newell, apresenta-ram algumas hipóteses com base nas descobertas do professor Mendes, os estudos sobre esses fósseis permianos estavam praticamente negligenciados. A equipe de Botucatu passou, então, a aplicar conceitos e métodos tafonômicos modemos para o estudo da gênese das concentrações fossilíferas. A tafonomia estuda a origem dos depósitos fossilíferos, compreendendo o ramo da paleontologia que mais se desenvolveu nas duas últimas décadas."A chamada tafonomia de invertebrados foi iniciada de maneira inédita no Brasil, no âmbito desse projeto", informa Simões.
Além disso, com a finalidade de inves-tigar as relações de parentesco dos moluscos fósseis e sua autoecologia, o estudo envolveu a a análise cladística e a anatomia funcional.
Os resultados desses trabalhos levaram o professor Simões, inclusive, a contradizer o pioneiro Mendes. O professor da USP acreditava que as conchas eram de moluscos de água doce. Simões acha, "com boas possibilidades de acerto", segundo afirma, que
elas não são de animais dulcícolas. "Creio que a hipótese anterior pode ser agora totalmente descartada", declara. Essa conclusão
foi confirmada por vários estudos, alguns dos quais feitos por equipes multidisciplinares.
As pesquisas mostraram que muitos moluscos encontrados nos depósitos do Permiano viviam em condições de alto estresse ambiental, causadas por variações sazonais no índice de salinidade da água, como acontece, hoje, no mar Cáspio. Por ser uma bacia marinha fechada, esse índice variava bastante no lago-mar que cobria o Sudeste. Nos pro-
longados períodos de chuva, havena mmor aparte de água doce, com subida do nível d'água e diminuição do teor de sal. Nas épocas de seca, as águas baixavam e a quantidâde relativa de sal aumentava.
Doce e salgado Simões acha que descobertas recentes
de outros pesquisadores, que encontraram fósseis típicos de água doce (como ostrácodes), ao lado de outras estruturas biossedimentares, tais como os estromatólitos e microbialitos, que são caracteristicamente formadas em ambientes altamente salinos, confrrmam essa teoria. "Numa época determinada, pode ter havido uma influência maior da água doce ou o contrário, pois o ambiente variava muito", afirma. "Outros estudos paralelos, aliás, provam que isso realmente ocorreu."
Outro aspecto importante é a constatação de que uma alta proporção dos animais cujos restos fósseis foram encontrados em São Paulo era de escavadores da areia. Isso mostra que o mar interno, como o Cáspio de hoje, era relativamente raso, com entre 50 e 70 metros de profundidade. "As feições tafonômicas das concentrações fossilíferas também são evidências de águas rasas", acrescenta.
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do Brasil, incluindo conchas silicificadas e moldes; ao lado, bloco de arenito bioclástico
da Formação Corumbatai, em cuja superfície podem ser observadas conchas de bivalves da tssembléía de Pínzonella íllusa
União com a África Fósseis semelhantes aos colhi
dos em São Paulo foram encontrados na Namíbia e na bacia do Karoo,
na África do Sul. Isso reforça a teoria de que América do Sul e África já estiveram unidas, como parte do supercontinente de Gondwana. A área da união teria sido coberta pelo oceano. A separação ocorreu há cerca de 65 milhões de anos e os dois continentes continuam a afastar-se, à razão de entre 2 e 6 centirnetros por ano. Antes disso, porém, o mar teria secado e seu leito substituído por uma área desértica, coberta de rochas.
Simões acha que o estudo dos fósseis de conchas marinhas encontrados em São Paulo e no sudoeste da África podem levar a informações interessantes sobre quanto tempo as duas áreas ficaram unidas e quando se deu a separação, mas destaca que esse não é um aspecto primordial do trabalho do grupo de Botucatu.
"O mais importante", diz, "é a reconstituição do ecossistema da época, com a obtenção de informações como a profundidade do mar, a cadeia alimentar, o índice de salinidade, as relações entre as espécies e o processo evolutivo e a extinção dos animais." Ele não é modesto quanto aos resultados da pesquisa. "Graças ao emprego de conceitos avançados no estudo dos fósseis de invertebrados marinhos, o projeto ajudou a escrever um novo capítulo na paleontologia brasileira", afirma.
Para isso, os pesquisadores partiram de
Simões: avanços na paleontologia brasileira
algumas questões básicas, como a determinação de se os fósseis eram de animais descendentes de antepassados marinhos, de onde vieram, como viviam, do que se alimentavam e como eram sua fisiologia e seu metabolismo. "Queríamos entender os processos envolvidos nas origens das concentrações desses fósseis", lembra Simões.
Três áreas de estudo foram acionadas simultaneamente, para permitir um estudo mais abrangente do material coletado: a sistemática e a evolução dos animais; a paleoecologia dos animais; e a tafonomia. O estudo da sistemática foi feito com uma abordagem cladística, método de reconstrução das relações de parentesco. Foi a primeira vez que se fez isso com fósseis de moluscos bivalves tão antigos e, nesse setor, o grupo contou com a ajuda de biólogos da USP de Ribeirão Preto. "Isso permitiu eliminar o caráter puramente intuitivo das classificações", diz Simões.
Quanto à paleoecologia, Simões acredita que foi possível "reconstituir, na medida do possível, como esses animais viviam e sob quais condições". Para isso, afirma o professor, foram usados "conceitos de morfologia funcional que não haviam sido largamente explorados na paleontologia brasileira". Ele também garante a adoção de conceitos pioneiros na tafonomia, o estudo da origem das concentrações de fósseis.
Apoio externo Um dos aspectos mais importantes da
pesquisa foi a integração entre paleontólogos, biólogos e tafônomos, algo que, segundo afirma, não é comum em trabalhos desse tipo no Brasil. Dentre os biólogos, o grupo teve o apoio do Departamento de Biologia do campus de Ribeirão Preto da USP, com a
coordenação do pesquisador Antônio Carlos Marques. No da tafonomia, do professor Michael Kowalewski, do Departamento de Geologia da Universidade Estadual e Politécnica da Virgínia, dos Estados Unidos.
Simões afirma que com apenas dois anos de estudos os resultados foram tão bons que trabalhos sobre o assunto já estão sendo apresentados em periódicos de circulação internacional, como a revista alemã Facies e o Journal of Paleontology. Também foram apresentados em congressos como a reunião anual da Sociedade Americana de Geologia, realizada em outubro do ano passado em Toronto, no Canadá.
No Brasil, já valeu pelo menos uma distinção: o prêmio professor Josué Carvalho Mendes, outorgado pela Sociedade Brasileira de Paleontologia para a melhor dissertação sobre paleontologia do ano, ganho em agosto pelo trabalho de mestrado Análise cladística dos bivalves do Grupo Passa Dois (Neopermiano), Bacia do Paraná: implicações evolutivas e paleontológicas, de Luiz Henrique Cruz de Mello, da USP e da Unesp. Outras duas dissertações resultantes do projeto, as dos alunos Fernanda de Freitas Torello e Renato Pirani Ghilardi, estavam entre os outros concorrentes ao prêmio.
Na beira da estrada Os pesquisadores passaram várias sema
nas no campo, em 1996 e 1997, em busca de material. Isso levou à descoberta de fósseis em novos pontos, como Santa Rita do Passa Quatro, Leme e Tambaú. Uma ocorrência chegou a ser descoberta ao lado da rodovia Castello Branco, entre os quilômetros 160 e 165, no sentido Capital-Interior. Os registras anteriores indicavam a presença de fósseis do período estudado apenas em Piracicaba, Rio Claro e Angatuba.
"O projeto ampliou muito as áreas se distribuição dos organismos", afirma Simões. Os cientistas já tinham registrado a ocorrênciade rochas indicativas da presença dos animais, mas não os fósseis em si. Outra novi-
dade é a descoberta de espécies de moluscos que nunca tinham sido descritas, como Tambaquyra camargoi. "Isso mostra que a fauna era mais diversificada do que supúnhamos", acrescenta o professor.
Os resultados foram obtidos em condições técnicas muitas vezes adversas, diz Simões. Além das dificuldades apresentadas, muitas vezes, pelos proprietários das áreas, os pesquisadores tiveram que enfrentar os problemas característicos das rochas nas quais os fósseis estão preservados, muito silificadas e extremamente duras. Os blocos, que podem pesar mais de 70 quilos, são levados para os laboratórios, onde começa um paciente trabalho de preparação.
Em cada viagem, os pesquisadores recolhem entre 300 e 500 quilos de material. "Isso demanda longos períodos no campo, em condições nem sempre confortáveis", diz o professor. Mesmo assim, o grupo de Botucatu se prepara para um novo e ambicioso projeto. Quer estudar rochas do período Devoniano, encontradas em Goiás, Mato Grosso e nordeste do Paraná. Elas são ainda mais antigas que as de São Paulo. Têm cerca de 320 milhões de anos, muito, muito mais antigas que as do período dos dinossauros.
Perfil: O paleontólogo Marcello Guimarães Simões, 35 anos, é graduado em geografia na USP, onde fez o doutorado no Instituto de Geociências. É professor de Geologia e Paleontologia do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu desde 1990. Também é professor do Programa de Pós-Graduação em Geologia Sedimentar do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) e professor visi tante do Departamento de Geociências da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Obteve a livre-docência pela Unesp em 1998. Projeto: Estudo Paleoecológico dos Pelecípodes do Grupo Passa Dois (Assembléias de Leinzia froesi, Pinzonella i/lusa e Pinzonella neotropica, Permiano Superior, no Estado de São Paulo}. Investimento: R$ 36,6 mil.
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tumidum Cape, pequeno réptil que habitava o lago-mar da Bacia do Paraná, durante o Permiano
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TECNOLOGIA
CONSTRUÇÃO CIVIL
Eliminando os vazamentos Engenheiros desenvolvem métodos que reduzem a zero a perda de água em edifícios
O Hospital das Clínicas, o maior centro público de atendimento à saúde em São Paulo, não perde mais água. Há um ano, passou por ali a equipe do professor Orestes Marraccini Gonçalves, do Departamento de Engenharia e Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Usando o geofone, um aparelho semelhante a um estetoscópio, com o qual os médicos acompanham os batimentos cardíacos, os pesquisadores examinaram os 8 mil pontos de saída de água do hospital e encontraram 1.600 com vazamento. Apenas uma cozinha perdia S.SOO litros de água por hora. Resolvidos os vazamentos, o hospital economizou IS% no consumo de água, o equivalente a R$ ISO mil reais por mês.
Orestes Gonçalves preparou-se antes de enfrentar esse desafio. No Laboratório de Sistemas Prediais da Escola Politécnica, simulou situações de vazamentos invisíveis. Construiu paredes com diferentes tipos de revestimentos e provocou vazamentos de tubulações embutidas, para verificar a sensibilidade e a precisão do geofone, concebido originalmente para as redes públicas. O aparelho funcionou perfeitamente ao determinar o local do vazamento, quebrando a parede apenas naquele ponto.
Enfoque ambiental Em sua pesquisa, Metodologia para
Detecção e Correção de Perdas de Água por .~ Vázame$nt4o0em Slisf~emas !'rdediaisl, que contou ~w com R m1 manc1a os pe a FAPESP, ~
Gonçalves propõe e aplica técnicas para de- ~ tectar e corrigir vazamentos de água em sistemas hidráulicos. Essa metodologia é bem desenvolvida nos sistemas públicos, mas ainda incipiente nos sistemas hidráulicos dos edificios residenciais, comerciais, industriais e institucionais.
Como pode ser caro e demorado quebrar as paredes até encontrar a origem do vazamento, o projeto aprimora técnicas para descobrir e eliminar - em poucas horas - os focos de perda de água, adaptando metodologias empregadas habitualmente nas redes hidráulicas subterrâneas. Além do geofone, os pesquisadores utilizam o correlacionador de ruídos, que premi te descobrir o ponto de vazamento por ondas sonoras. Normalmente, conta Gonçalves, o maior problema não é detectar e corrigir os vazamentos, mas encontrar as tubulações , que nem sempre se mantêm conforme o projeto à medida que se suce-
A busca por alternativas para corrigir os vazamentos invisíveis contitui a tese de doutorado da professora Lúcia Helena de Oliveira, que integra o grupo de pesquisa e desenvolve um método mais abrangente de detecção desses problemas. Faz parte também do Programa de Uso Racional da Água (Pura), desenvolvido pela Escola Politécnica em parceria com a Companhia de Abastecimento e Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp).
O Pura sugere mecanismos que reduzam as perdas de água, provocadas por vazamentos visíveis ou invisíveis e por uso inadequado e desperdício. É dividido em duas vertentes. Uma trata do desenvolvimento de equipamentos que permitam economizar água e a outra enfatiza a conscientização e educação dos consumidores. "A escassez de água é uma realidade", diz Orestes Gonçalves. Trata-se de um recurso que, lembra ele, não se renova com a mesma intensidade com que é consumido. "A preocupação com o ambiente é o objetivo maior desse trabalho."
O crescimento populacional afeta diretamente tanto o consumo quanto o custo da água potável, porque os mananciais encontram-se cada vez mais distantes dos centros consumidores. Segundo ele, a dessalinização da água dos oceanos poderia ser uma alternativa, mas os custos a tua is inviabilizam seu uso
mais intensivo. Em alguns países, como Estados Unidos, México, Japão e Suécia, há políticas públicas que motivam pesquisadores, técnicos e fabricantes de equipamentos a proporem alternativas que possam reduzir o consumo de água.
Controlando o consumo, toma-se possível reduzir ou adiar investimentos na expansão dos sistemas de abastecimento. Foi o que ocorreu na escola estadual de primeiro e segundo graus F e mão Dias Paes, em Pinheiros, um bairro próximo à Universidade de São Paulo, com cerca de 2.500 alunos. Ali, a metodologia aprimorada ao longo de dois anos permitiu uma redução de aproximadamente 90% do consumo médio anual de água, após estancar uma série de vazamentos enormes, ainda que imperceptíveis. Segundo o pesquisador, o retomo do investimento no conserto, o chamado pay-back, varia de seis meses a um ano.
Perfil: O engenheiro civil Orestes Marraccini Gonçalves, 47 anos, graduou-se na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), onde fez o mestrado e o doutorado e da qual é professor desde 1975. Projeto: Metodologia para Detecção e Correção de Perdas de Agua por Vazamento em Sistemas Prediais. Investimento: R$ 40 mil.
dem as reformas das construções. Maria Lúcia e Orestes Gonçalves: domínio das técnicas de detecção de vazamentos invisíveis em edifícios
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TECNOLOGIA
LARANJA
Doce e amargo Pesquisa define características de dezenas de variedades de laranja e amplia leque de escolha dos citricultores
Stuchi, pesquisador da Estação de Bebedouro; Otávio Sempionato, da Coopercitrus, que presta serviços na Estação de Bebedouro; e Marcos Pozzan, técnico da Montecitrus. As variedades testadas foram escolhidas de acordo com sua disponibilidade no Centro de Citricultura Sylvio Moreira e por informações já existentes sobre seu comportamento. A ausência devariedades conhecidas por sua disponibilidade nas feiras e supermercados para consumo in natura se explica. As laranjas de umbigo, como a Baía e a Baianinha, não servem para a produção de suco, pois conferem um teor muito amargo ao produto; e a Seleta tinha sido testada anteriormente, confirmandose que também tem uso industrial potencial.
Imagine uma laranja. Viu a cor, sentiu o sabor? Faça a mesma sugestão a outra pessoa. Pode ser que ela imagine uma fruta completamente diferente. Laranjas não são iguais. Existem mais de 1.000 variedades espalhadas pelo mundo. Quando se trata de uma poderosa atividade econômica, como a produção de suco de laranja no Estado de São Paulo, isso é mais que uma simples curiosidade. Milhares de empregos, preciosos dólares obtidos pela exportação dependem da quantidade e da qualidade das frutas que chegam às indústrias processadoras. E a variedade, com suas características, tem papel crucial nesse processo. Uma boa laranja para a produção de suco industrial precisa ter qualidades bem definidas, como cor, equilíbrio entre açúcares e ácidos, rentabilidade, produtividade. Os fabricantes fazem "blends", como se estivessem fabricando uísques, para tentar obter o máximo de uniformidade no produto. Tudo, porém, depende da qualidade da fruta e das características das variedades.
Donad1o: comparaçoes podem elevar a produtividade e reduzir o risco de interrupções da pr uçao
O trabalho comparou diversas variedades com as quatro mais plantadas atualmente. Diversos fatores fazem com que uma variedade se mostre adequada para a indústria. De acordo com o professor Donadio, estão entre os mais importantes o rendimento de suco, ora
A imensa maioria da produção de suco de laranja de São Paulo depende de apenas quatro variedades: a Hamlin, precoce; a Pêra, de meia-estação; e a Valência e a Natal, tardias. Para as condições do norte do Estado de São Paulo, para processamento precoces são as laranjas que produzem em julho e agosto, de meia-estação as que dão frutos de julho a outubro e tardias as que podem ser colhidas de setembro a janeiro. Em 1998, os dados da produção de São Paulo e de parte do Triângulo Mineiro indicavam que 38,02% do suco vinha de laranjas Pêra, 25,58% de Natal, 17,32%de Valência e 6,79% de Hamlin. Isso representa um risco. Uma doença típica de uma variedade pode arrasar os pomares e deixar a produção a descoberto até que novas árvores cheguem à fase adulta. Além disso, na disputa acirrada pelo mercado mundial, é preciso obter ganhos em produtividade e em resistência aos problemas que afetam a produção. Uma das maneiras mais eficientes de chegar a esses objetivos é por meio de novas variedades.
Um passo bem largo nesse sentido foi dado pela pesquisa, desenvolvida no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria,AvaliaçãoAgronômica e Industrial devariedades Cítricas, que acaba de ser completa-
da na Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro. Dezenas de variedades foram avaliadas, nas safras de 1996, 1997 e 1998,deacordo com sua qualidade de processamento para a indústria. Ela chegou a resultados interessantes. "Entre as variedades precoces, algumas se mostraram melhores que a Hamlin com relação à cor do suco, o principal defeito dessa variedade comercial", informa Luiz Carlos Donadio, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em Jaboticabal, coordenador do trabalho. "Entre as variedades de meia-estação, algumas apresentaram a mesma qualidade da Pêra, com a vantagem de produzirem numa só vez, enquanto essa variedade apresenta diversas floradas", prosseguiu. "Foram os casos da Berna, lndian River, Pineapple, Tarocco A e Valência 2."
Disponibilidade O projeto contou com recursos de R$
59.500, dos quais R$ 41.800 saíram da FAPESP e o restante da empresa Montecitrus Trading, que contribuiu também com apoio técnico para as análises industriais. O professor Donadio teve como colaboradores os engenheiros-agrônomos Eduardo Sanches
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tio, o rendimento industrial ou índice tecnológico (IT), a cor, o sabor e a produção. Oratio é a relação entre os açúcares e os ácidos inorgânicos da fruta. Normalmente, os açúcares, ou carboidratos, constituem mais de 70% dos sólidos solúveis da fruta; os ácidos orgânicos, especialmente o cítrico e o málico, menos de I 0%. Os produtores acompanham constantemente o índice de maturação do fruto, até que ele atinja o ralio desejado. O processamento pode começar com uma faixa de entre 12 e I 3. Mas a preferida pelas indústrias é a que fica entre 15 e I 8.
Este valor varia imensamente. Depende de fatores que incluem a idade da planta, o porta-enxerto (as laranjeiras usadas comercialmente são sempre enxertadas), as condições do solo, o clima e até mesmo a posição do fruto na árvore, conforme ele recebe mais ou menos luz solare a irradiação do calor que sobe do solo. Como a indústria não pode levarem conta variedades individuais, é necessário considerar os padrões para cada variedade. Para as condições do norte do Estado de São Paulo, por exemplo, o ratio da laranja Pêra, a mais plantada, varia de 12,94 a 20,75. Nas laranjas Valência e Natal, a variação é de 9,90 a 19,20. A Hamlin, a precoce mais usa-
da, apresenta uma variação menor, de 14,22 a 16,22. Em compensação, mostra como ponto fraco a cor do seu suco, que tem um score de entre 34,8 e 32,8, quando o desejável é de 36 a 40 (o score da Pêra é de 37,3 a 36,94).
Precoces Entre as laranjas precoces, o projeto es
tudou nove variedades, sendo cinco mais precoces (Olivelands, Mayorca, João Nunes e Westin, mais a Hamlin, como padrão) e quatro de maturação posterior(Torre-grosso, Finike, Kawatta e Cadenera). De todas estas, só a João Nunes não foi considerada adequada para a industrialização, por ter um teor de acidez muito baixo. Ela é um tipo intermediário entre as laranjas comuns e as de baixa acidez, como a Lima. Todas as outras do grupo mais precoce mostraram-se adequadas para a produção de suco. "Em pomares comerciais, a Westin tem-se apresentado como boa opção", diz o relatório. Entre as variedades precoces de maturação mais tardia, Torregrosso, Finike e Kawatta mostraram-se supe-
lhos de laranja Pêra, recolhidos em fazendas da região de Bebedouro, e enxertados sobre limoeiro Cravo. Eles foram avaliados apenas em 1997 e 1998 e mostraram características não muito diferentes da Pêra normal. Outra fase da pesquisa sobre laranjas de meia-estação incluiu dez variedades (Jaffa, Moro, Sangüínea, Biondo, Pineapple, Homosassa, Early Oblong, Tarocco A e Rubi) enxertadas em citrumelo Swingle. Elas foram comparadas apenas entre si, não com a Pêra. A Taroc-
bedouro, enxertados em Swingle. No geral, todas tiveram características satisfatórias para a industrialização, mas não a ponto de suplantar as dominantes. "Não houve vantagem de outras variedades com relação à Valência e à Natal, as atuais variedades comerciais", informa Donadio.
A pesquisa contribuiu decisivamente para o conhecimento do comportamento de diversas variedades de laranja no norte do Estado de São Paulo, a principal região produtora do
Brasil. Estabeleceu dados que servirão de base para futuros plantios e para a renovação de antigos pomares. De qualquer maneira, de acordo com Donadio, a Pêra, a Natal e a Valência continuarão a ser as variedades dominantes para processamento na citricultura brasileira no futuro próximo. Esperam-se, porém, substituições mais amplas com relação à Pêra, devido ao problema das flora das múltiplas, e da Hamlin, por sua deficiência quanto à cor do suco. Donadio já detectou aumentos nos plantios da Westin, precoce; Rubi , de meia-estação, mas cujo período de colheita pode concorrer com a Hamlin; e Folha Murcha, tardia.
A pesquisa, realizada com variedades precoces com a Oliverlands, ganha desdobramentos: 250 variedades e híbridos estão em testes no campo
De qualquer maneira, a tendênciaédequeaescolhaseamplie. Nada menos do que 150 novas variedades de laranja foram introduzidas na Estação Experimental de Bebedouro, apenas no período de 1997 I 1998. Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, em Piracicaba, e da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, estão realizando trabalhos de melhoramento, usando a fusão de protoplastos. É possível que em novas variedades esteja a resposta a alguns dos pro-
blemas que afetam a citricultura. Na
ri ores à Cadenera. Mas, de maneira geral, todas demonstraram características próximas ou superiores às da Hamlin, atualmente aprecoce mais plantada.
O estudo das laranjas de meia-estação envolveu um número maior de variedades. Foram estudadas doze variedades (Homosassa, Tobias, Jaffa, Cadenera, Tarocco A, Harvard Blood, Pineapple, Stone, Berna, Havana, lndian Ri vere Strand) e oito clones de laranja Pêra (G.S. 2000, Ipiguá 2, Vimusa, Premunizada, Bianchi, EEL, Santa !rene e Olímpia) enxertados sobre tangerineira Sunki. A conclusão foi a de que quase todas têm uma ou outra vantagem com relação à Pêra, especialmente o fato de darem uma só fi orada, o que facilita a colheita, mas também desvantagens com relação à variedade mais plantada. "Nenhuma delas atende a todos os itens avaliados", afirma o relatório.
A pesquisa incluiu ainda dez clones ve-
coA mostrou características superiores às demais para a industrialização. A EarlyOblong, porém, se destacou por ter período de colheita posterior ao das outras, perdendo apenas com relação ao tamanho médio do fruto.
Três etapas O estudo sobre variedades tardias se
processou em três etapas. Na primeira, foram comparados clones premunizados das variedades Valência e Natal , as mais usadas atualmente, enxertadas sobre tangerineira Cleópatra. Na segunda, houve uma comparação entre 14 variedades (São Miguel , Natal Murcha, Berry Valência, Valência Late, Vaccaro Blood, Folha Murcha, Valência I, L.G. Gong, Werly Valência, Te Ide, Bidwells Bar, Valência 2 e Natal PI) enxertadas sobre citrumelo Swingle. E na terceira, foram estudados onze clones velhos de Natal e cinco de Valência, recolhidos na região de Be-
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sua nova pesquisa, Donadio está testando cerca de 250 variedades e híbridos com relação ao seu comportamento diante da Ciorose Variegada dos Citros (CVC), uma das mais graves doenças dos laranjais paulistas. Os resultados, mais uma vez, podem levar a aumentos de produtividade e a um risco menor de interrupções na produção.
Perfil: Luiz Carlos Donadio, 55 anos, graduou-se em Engenharia Agronômica na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, onde também fez o doutorado, na área de Fitotecnia, fez pós-doutorado em Portugal. É professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp de Jaboticabal desde 1973. É presidente da Sociedade Brasileira de Fruticultura. Projeto: Avaliação Agronômica e Industrial de Variedades Cítricas - Programa de Inovação Tecnológica em Parceria. Investimentos: R$ 41 .800 da FAPESP e R$ 17.700 da Montecitrus Trading.
O diálogo entre a l Rpr; eria entre empresa e universidade formata negócios de milhões de dólares
Para quem trabalha em computador, é um drama quando um arquivo dos computadores mais comuns, os PCs, não abre nos equipamentos de outros tipos, como os Macintosh ou Unix- pode ocorrer também de aparecerem quadrados e símbolos ilegíveis no lugar do texto antes ocupado pelas letras. Mas o que é um problema para os usuários é uma oportunidade de negócios para as empresas. A par dessa situação, a empresa paulistana Perrotti Informática tratou de agir e, vendo-se incapaz de chegar sozinha onde pretendia, buscou amparo técnico na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Do contato nasceu uma pesquisa conjunta, realizada no âmbito do Programa Inovação Tecnológica em Parceria (PITE) da FAPESP, que resultou no desenvolvimento do EBS- Enterprise Backup System, um software de segurança dedicado a redes de computadores de grandes empresas corporativas que permite a troca de informações entre computadores de qualquer tipo.
Houve outros ganhos, além do próprio produto. Ganharam um ritmo mais intenso as atividades da empresa e a produtividade de seus profissionais, que atuam em um se to r caracterizado pela alta especialização e pela grande concorrência internacional. Os beneficias podem ser avaliados também economicamente. Estima-se que, este ano, os negócios gerados a partir do desenvolvimento do EBS devem movimentar cerca de US$ 4 milhões, o equivalente a cerca de 30% do faturamento projetado pela Perrotti. No mercado externo, o produto movimentou US$ 300 mil no Mercosul e US$ 350 mil nos Estados Unidos.
A pesquisa mudou o perfil da própria empresa: à medida que avançava o trabalho em parceria com a USP, a Perrotti, cuja principal atividade até então era a representação no Brasil de programas estrangeiros de computador, criou e consolidou um departamento de desenvolvimento de novos produtos, que cresceu rapidamente. Tornou-se uma nova divisão, a Perconsult, que presta serviços de consultaria no mesmo estilo de trabalho que a originou, desenvolvendo soluções por meio de parcerias com a universidade.
O começo da pesquisa O projeto que levou a esses resultados,
intitulado Sistema Automatizado de Cópias de Segurança e Recuperação de Arquivos Backup/Restare em Plataformas Heterogéneas, propõe o desenvolvimento de um programa de computador capaz de fazer cópias de arquivos em diferentes tipos de computador. O desenvolvimento dessa proposta inicial coube aos pesquisadores do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP, acompanhados por programadores da Perrotti. Juntos, formaram uma equipe de 30 pessoas, incluindo parceiros internacionais da Perrotti no País, também interessados nos resultados do trabalho.
"Desenvolvemos um núcleo para sistema de controle de informação tendo por base um sistema canadense já disponível", explica o professor Antonio Marcos de Aguirra Massola, coordenador da pesquisa e diretor da Escola Politécnica. O software EBS foi desenvolvido para atuar sobre a plataforma
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TCS (Tempus ConectivitySolution), fer-ramenta da empresa canadense Microtem-pus, representada no Brasil há dez anos pela Perrotti. A Microtempus desenvolve produtos de conectividade micro-mainframe, que promovem a comunicação de dados entre PCs e os grandes computadores do tipo IBM, os mainframes, necessários para o processamento de volumes elevados de informações. Seu principal produto é essa plataforma TCS, capaz de atuar sobre diferentes sistemas operacionais.
Para entender melhor essa capacidade de comunicação entre máquinas diferentes, vale uma explicação: é como se o TCS conseguisse reunir uma área em comum para congregar os diversos tipos de computadores que podem coexistir numa grande empresa. Esse era o desafio: criar um software que, a partir desse modelo, estabelecesse uma comunicação tranqüila com qualquer máquina, do simples e comum computador PC da secretária ao enorme mainframe IBM do departamento financeiro, passando pelos ágeis Unix dos proj etistas e os Macintosh da equipe de marketing.
Em geral, as máquinas diferentes entre si apresentam uma pequena compatibilidade de dados, quando muito permitindo uma simples troca de mensagem do correio eletrônico, de forma que o trabalho feito no Windows do PC não pode ser visto ou organizado pelo mainframe. OTCS permitiu aos pesquisadores do projeto abrir uma trilha nessa troca de dados ou intercambialidade, fornecendo o que se costuma chamar de uma ferramenta de desenvolvimento, composta por
um conjunto de funções que estabelecem conexões entre programas e regulam tanto o envio quanto o recebimento de dados e o acesso remoto a arquivos.
Sem risco de perdas Com esse enfoque, foi desenvolvido o
EBS, que é, em síntese, um sistema de backup de arquivos para ambientes corporativos. Tem a função de gerar cópias e recuperar arquivos operando com fluidez dentro das intranets, as redes internas de computadores das empresas de porte.
Como o TCS é um produto com distribuição mundial, o EBS tem conseguido suprir o mercado nacional e também o internacional. No Brasil e Mercosul, é distribuído pela Perrotti, enquanto nos Estados Unidos o EBS é agora representado pela própria Microtempus, que cuida desse fi lho te brasileiro do TCS nesse país.
Desde o planejamento, o projeto levou cerca de um ano e meio. Nos oito últimos meses é que a equipe se dedicou propriamente às etapas de programação, testes e formatação do produto, realizadas inicialmente em microcomputadores do tipo PC. Compradas ou alugadas com o financiamento de R$ 55 mil concedido pela FAPESP, as máquinas foram cedidas em regime de doação para a Poli técnica, depois de encerrado o trabalho, como previsto nos projetas de parcerias desse tipo. Houve também locação de uso dos equipamentos maiores, os mainframes, nos quais em seguida o programa foi testado para simular as condições reais de uso. Os custos com pessoal ficaram a cargo da Perrotti, a quem coube investimentos da ordem de R$ 275 mil durante o período de desenvolvimento.
Na Escola Politécnica, o retorno pode ser mensurado, segundo Massola, pelo fato de a instituição ter trabalhado com a cooperação de empresas com ampla atuação internacional no setor de informática. "Conhecemos diversos mecanismos para desenvolver um projeto dessa natureza, oferecendo um suporte acadêmico para esse tipo de trabalho", diz ele.
"A importância desse trabalho não se resume ao produto em si", diz a engenheira Suely Novato, designada pela Perrotti para participar desse projeto. Com base no trabalho realizado com a USP, ela desenvolveu sua tese de doutorado, Uma Proposta de Método para o Desenvolvimento de Projetas em Parceria de Sistemas de Informação. Não parou após terminar sua própria pesquisa, em setembro. No dia-a-dia, como diretora de desenvolvimento daPerrotti, utiliza a experiência adquirida para gerar novos negócios para a empresa.
Novas atividades Graduada em Física, mestra em siste
mas de rede e agora doutoranda, Suely conta que parte da equipe de trabalho que gerou o EBS foi convidada pela Perrotti Informática para a condução de novas atividades na empresa. Aproveitando a formação desses profissionais e a metodologia implantada, a empresa iniciou uma série de atividades, di retamente relacionadas ao chamado bug do milênio, um problema de software que pode
Com empresas, porém, não foi a primeira experiência. Com mais intensidade a partir
Massola: agora, a possibilidade de recuperar arquivos e criar cópias de segurança
do início dos anos 70, a Escola Politécnica mantém uma série de parcerias de desenvolvimento no setorde informática e tecnologia, exemplificadas por trabalhos em conjunto com a Scopus, a NEC e a Siemens. Uma história respeitável. Segundo Massola, a Politécnica realizou mais de 450 convênios.
ocorrer em alguns computadores na virada deste final do ano. "A Perrotti acredita numa prestação de serviços com diferencial acadêmico", comenta. A empresa tanto acreditou na nova equipe que, na mais recente Comdex, uma feira de informática dedicada a redes de computadores realizada em agosto em São
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Paulo, anunciou a criação da Perconsult, uma divisão de serviços e soluções que rapidamente pôs na lista de clientes nomes como a Petrobras, Siemens, Coca-Cola e Vasp.
O plano da Perconsult é atuar no desenvolvimento de soluções e de produtos na área de informática, uma atividade com bastante espaço no Brasil. Ainda é comum as empresas trazerem programas de outros países. Acontece que, conta Suely, cada vez mais esses produtos precisam ser customizados ou redimensionados para atender às necessidades específicas do usuário. Desse modo, acabam passando por um desenvolvimento adicional, que muitas vezes origina produtos novos, como aconteceu com o projeto com a Escola Politécnica.
A Perconsult, mesmo tendo a consultoria como atividade principal, deve gerar softwares como o EBS. "Pretendemos investir no desenvolvimento de novos produtos, principalmente para o Mercosul", afirma Suely.
Atualmente, os trabalhos se concentram no corpo de especialistas da USP, mas, segundo Suely, a Perrotti deverá concluir ainda
este ano mais dois convênios, com outras universidades, desta vez incluindo as particulares. O que se busca é a autonomia relativa, desejada, de resto, por todas as partes desses acordos. Não parece que será difícil chegar a essa meta. Os profissionais que atuam na Perconsult mantêm atividades também na área acadêmica, caso típico de Suely, que aproveitou a oportunidade para fazer o doutorado.
Não é a única. Estão surgindo outros trabalhos acadêmicos alimentados pelos trabalhos conjuntos entre a empresa e a universidade. "Ainda há controvérsias sobre essa mistura, mas eu tenho conseguido bons resultados", conta a recém-doutora. Terminada a tese, volta a dedicar-se intensamente à vida na empresa, mas não perde o reconhe-cimento pelos professores da Es-cola Politécnica. "É díficil encontrar no mercado pessoas com alta capacidade de desenvolvimento", diz ela. "Esses profissionais po-dem ser encontrados nas universidades."
Pe rf i l : Antonio Marcos de Aguirra Massola, 55 anos , graduou-se em Engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), onde fez o doutorado e da qual atualmente é diretor.
Projeto: Sistema Automatizado de Cópias de Segurança e Recuperação de Arquivos Backup/Restare em Plataformas Heterogêneas - Programa de Inovação Tecnológica em Parceria. Investimentos: R$ 55 mil da FAPESP e R$ 275 mil da Perrotti Informática.
MORADORES DE RUA
Vidas embrulhadas Sem-teta de Los Angeles, São Paulo e Tóquio dão novas funções
aos materiais descartados pela sociedade de consumo
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I Pesquisadores costumam ser encontrados em laboratórios, biblio·~ tecas ou salas de aula. Em trabalho de campo, vão a matas, cavernas ~ ou aldeias ind ígenas. Raramente se aproximam de moradores de ª rua. Mas foi exatamente isso que fez a filósofa paulistana Maria C ei cília Loschiavo dos Santos, que passou boa parte de seu pós-dou-
toramento em estética e planejamento urbano percorrendo o centro de Los Angeles, nos Estados Unidos, ao lado dos sem-teta.
Sob o sol intenso do verão de 1995, Cecília os acompanhava das nove da manhã até o final da tarde, para entender as estratégias de construção de suas casas, barracas ou tendas, com materiais descartados, sobretudo o papelão das embalagens. Conciliava as caminhadas com os cursos na Universidade da Califórnia (Ucla), para onde tinha ido com a intenção de realizar apenas levantamentos bibliográficos. Mas, convidada por instituições assistenciais, não deixou escapar a oportunidade de trabalhare aprender com os habitantes das grandes cidades que até então lhe eram absolutamente desconhecidos.
As descobertas e as emoções que resultaram dessas investigações estão sintetizadas em 32 fotografias que a pesquisadora produziu e agora vai expor no Museu de História Cultural da própria Universidade da Califórnia, entre os dias 4 de setembro e 2 de janeiro do ano 2.000. A exposição Castoff!OutcastLiving on the Street (Restos e Marginais -Vivendo na Rua) retrata as formas de construção e de sobrevivência não apenas dos moradores de rua de Los Angeles, os home-
less, mas também de São Paulo, onde ela pesquisou em seguida, e de Tóquio, cujo inverno conheceu de forma inusitada, no início deste ano, entrevistando os homeressu, como são conhecidos por lá.
Maria Cecília faz questão de frisar: não está interessada no voyerismo ou na estética da miséria, mesmo que tenha formado um acervo com cerca de 5.000 fotos ao longo desses anos de trabalho, com a finalidade de documentar construções extremamente efêmeras. Tampouco lhe atrai o estudo dos perfis psicológicos ou sociológicos dos moradores de rua, embora tenha ouvido numerosas histórias pessoais. Quer, sim, mostrar uma cultura material já integrada à arquitetura urbana e repensar o uso do espaço público, o significado dos materiais, a obsolescência dos produtos e o design.
Com sua pesquisa, intitulada Vidas Embrulhadas ou Aspectos do Design no Hábitat Informal das Grandes Cidades - São Paulo, Los Angeles e Tóquio , imagina que poderá atrair especialistas de outras áreas e despertar consciências que levem ao reconheci-
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mento e à reintegração dos moradores de rua, negligenciados a ponto de não constarem sequer das estatísticas oficiais. Em Los Angeles, formam um grupo estimado em cerca de 30.000 indivíduos, em São Paulo, talvez cheguem a 6.000 e, em Tóquio, aproximam-se dos 8.000. Constituem, porém, grupos com hábitos e interesses próprios, além de uma engenhos idade ilimitada, como atestou este trabalho.
Criatividade Nas três cidades que estudou, com finan
ciamento da FAPESP, da Nihon University, da Japan Foundation e do Swedish Institute, Maria Cecília testemunhou "a transformação do nada na eterna sobrevivência". Os moradores de rua não apenas reciclam ou reutilizam os materiais descartados pelos cidadãos comuns, mas dão a eles, principalmente às embalagens, novas funções. Placas de papelão tomam-se paredes, camas, mesas, salas de estar ou cobertores. Garrafas de refrigerante são transformadas em vasilhames de água ou utensílios de cozinha. Latas viram panelas, pratos ou funis . Móveis e os restos dos produtos industriais também ganham novas funções, e os gabinetes de geladeiras podem, por exemplo, transformar-se em carroças.
"O objeto que morreu para a sociedade de consumo é exumado, por uma necessidade de sobrevivência, e transfom1ado em matéria-prima, com finalidades diferentes das originais", diz a pesquisadora. "Não se trata mais de um design para proteger produtos, mas de uma es-
pécie de antidesign, cuja principal função é servir de abrigo para frágeis vidas humanas." Em Los Angeles, São Paulo e Tóquio, os componentes estruturais das casas que às vezes duram apenas um dia são os mesmos: papelão, plástico e latas de alumínio. São as composições que variam bastante, de acordo com as matérias-primas encontradas e a necessidade de conforto térmico e de proteção contra o vento, a chuva ou a neve. Pode ocorrer, como num acampamento no centro de Tóquio, que os sem-teto ergam suas tendas com galhos de árvore e pedaços de plástico azul, um material bastante valorizado na arquitetura das ruas por ser flexível , resistente e isolante térmico.
"Os detalhes da construção e as junções de materiais revelam técnicas de projeto e de construção absolutamente únicas", diz ela. Há casas móveis e outras construídas dentro de carros velhos ou até de trailers. Além de constituir a estrutura das habitações, os materiais cumprem também uma função artística, como ela verificou no Japão, onde os homeressu desenham ou pintam no papelão que reveste suas moradias, erguidas num canto da estação do metrô no centro de Tóquio, de onde foram defmitivamente expulsos em fevereiro do ano passado, após um conflito que ocasionou três mortes.
Orgulho e espanto MaisdeumavezMariaCecíliave
rificou que, para o morador de rua, a casa é um espaço sagrado, do qual normalmente se orgulham. "Com papelão, plásticos, panos e cobertores velhos e tudo o que encontramos no lixo, criamos um espaço aconchegante", contou certa vez à pesquisadora uma morado
nômicas deste final de século. Em Tóquio, a seu ver, associa-se com clareza à crise econômica desta década, porque era raro encontrar homeressu antes de 1994, quando a situação do país complicou. "Os moradores de rua representam as contradições e os conflitos da nossa sociedade", diz. Eles transformam o espaço urbano: os catadores de papelão não passam mais despercebidos na paisagem urbana, empurrando carroças em São Paulo ou carrinhos de supermercado em Los Angeles ou Tóquio. Para a pesquisadora, a
ra de rua em São Paulo, enquanto a convidava para conhecer a pequena cozi Maria Cecília: descobrindo a cidade feita de embalagens de papelão
nha montada embaixo de um viaduto. "Minha casa é meu castelo", confessou-lhe um sem-teto no Japão. "Tenho gerador de eletricidade e televisão, e minha casa é muito bem organizada", acrescentou. Na mesma comunidade, outro homeressu lhe dizia que preferia os plásticos brancos aos azuis, porque gostavadedeixarsuacasamaisiluminada-eaconsiderava mais confortável do que os hotéis baratos da cidade.
Maria Cecília espantou-se também com o ritmo intenso de trabalho dos sem-teto para conseguir água, alimento ou combustível, nos países de inverno rigoroso. Foi no Japão que ouviu este comentário: "Não pensem que somos preguiçosos e vivemos sempre dormindo. Se fosse assim, não nos manteríamos vivos. Sempre andamos para procurar coisas úteis. Quando não pudermos mais caminhar, morreremos."
Em cada país, ela acredita, o crescimento da população que vive nas ruas pode ter origens específicas diferentes, mas invariavelmente se deve às mudanças políticas e eco-
cultura que criaram não pode mais ser negada. "A miséria hoje está publicamente exposta nas principais cidades do mundo."
Dúvidas e surpresas Ir às ruas, com a roupa mais simples pos
sível e a disposição de passar horas ouvindo os habitantes a quem normalmente se dá pouca atenção, é uma decorrência dos trabalhos anteriores de Maria Cecília, que acompanhou de perto a história da tecnologia e da habitação do Brasil neste século. Ela escreveu um livro sobre os 90 anos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e em seguida o Móvel Moderno no Brasil, a partir de sua pesquisa de mestrado. No doutorado, analisou a obra de designers de móveis pioneiros no Brasil, entre eles Joaquim Albuquerque Tenreiro (1906-1922), português radicado no Rio de Janeiro. Desde que entrou nessa área, há 21 anos, porém, ela sabia: estava estudando o mobiliário da casa de classe média.
Após terminara tese de doutoramento, em
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1993, ocorreram-lhe dúvidas e descobertas inesquecíveis. Em meio aos afazeres familiares, passava de carro pelos bairros da zona Oeste de São Paulo, quando notou,jogadas pelas ruas, as peças clássicas do design brasileiro, cuja história conhecia tão bem.A princípio, não entendeu por que era descartada a tecnologia que havia custado tanto ao país. Com o tempo, a pesquisadora verificou o que acontecia: uma vez descartados, cadeiras, poltronas e bancos de designers famosos são dessacralizados, perdem o channe e o misticismo de objetos caracterís
ticos de uma classe social. Vieram mais surpresas. "Além do
mobi 1 iário, encontrei lares e seres humanos", conta Maria Cecília. "Descobri uma outra cidade, feita de restos da sociedade de consumo." Ela conta que visitou de 40 a 50 comunidades de rua em cada uma das três cidades, em áreas evitadas pela maioria da população. Em São Paulo, conheceu as habitações ou mocós, por exemplo, das áreas próximas ao Elevado Costa e Silva, na Praça da Sé, na região da antiga Rodoviária, e na baixada do Glicério. Antes, buscava o apoio de instituições ligadas diretamente aos moradores de rua, que lhe indicavam os elementoschave das comunidades. "Sempre fui recebida com uma hospitalidade inacreditável", diz. Tomava também certa precaução. Em Los Angeles, por exemplo, como o uso de drogas à noite é mais intenso, acompanhava os homeless somente durante o dia, com uma colega holandesa e duas norteamericanas.
Professora da USP desde 1998, Maria Cecília iniciou este ano uma colaboração mais intensa com pesquisadores franceses . E já faz tempo que participa de uma rede internacional de especialistas de diversas áreas que, a seu ver, consolidam uma nova área de pes
quisa, que trata do morador de rua das grandes cidades. Para ela, o século XX não pode entrar na história apenas como a civilização do concreto e do vidro, mas também a do plástico e do papelão que ganham vida nova nas ruas.
Perfi I: Maria Cecília Loschiavo dos Santos, 45 anos, graduou-se em 1975 em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), onde fez o mestrado e o doutorado na área de estética. Pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp) entre 1 996 e 1 997, realizou o pósdoutoramento em estética e planejamento urbano na Universidade de Califórnia (Ucla), em Los Angeles , e em estética e design na Nihon University, em Tóquio, e é autora de diversos livros. É professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Projeto: Aspectos do Design no Hábitat ln formal das Grandes Cidades - São Paulo, Los Angeles e Tóquio. Investimento: R$ 13.91 O.
CINEMA
A história em detalhes Historiador faz o Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro
O cinema, como outras novidades importadas, chegou cedo ao Brasil. Sete meses depois da demonstração pública do invento dos franceses Auguste e L ou is Lumiere, em dezembro de 1895, os moradores do Rio de Janeiro assistiam à primeira exibição do cinema. A produção e a divulgação de pesquisas nesta área é que não tem sido tão veloz. Mais de cem anos depois, as informações sobre a história do cinema brasileiro ainda se diluem na Internet em meio a um mundo de atualidades. Há poucos dicionários específicos e nas enciclopédias os cineastas e filmes brasileiros também aparecem com discrição. O historiador José Inácio de Melo Souza resolveu pôr fim a essa escassez e trabalhou durante dois anos no Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro , reunindo infomações de cerca de I 00 títulos e SOO números de revistas e jornais em arquivos públicos de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A versão preliminar de sua pesquisa tem agora a forma de um CD-Rom com 6.500 registras com informações sobre salas de cinema, di retores, exibidores, distribuidores, a tores, a trizes, festivais e filmes de longa-metragem, que marca o encerramento desta etapa da pesquisa, financiada pela FAPESP com R$ 5 mil. Souza não se contenta com a descrição das 3 mil salas de cinema que constam de seu trabalho ou com os cerca de 50 longas-metragens brasileiros produzidos nos primeiros 40 anos do cinema brasileiro, antes dos filmes falados. Continua pesquisando e pretende colocara base de dados à disposição na Internet o mais breve possível.
Pesquisador da Cinemateca Brasileira, Souza colocou no CD o acervo da própria Cinemateca, uma das maiores instituições do gênero no País, com cerca de 30 mil títulos de longa e curta-metragens brasileiros e I O mil fotografias de cenas de filmes , di retores e atares nacionais e estrangeiros e 4.500 cartazes de filmes. Como desde o início pensava em se valer das vantagens da Internet, que permite atualizações constantes, sem limitação de espaço ou de assunto, como ocorre nas publicações em papel ou mesmo dos CD-Roms, logo buscou reforço em outras instituições.
O crime da mala Sousa vasculhou também os arquivos
do Museu LasarSegall, Museu Paulista, Biblioteca Municipal, Instituto Histórico e Geográfico e Arquivo do Estado, em São Paulo, e Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Não se limitou
às coleções de revistas e jornais, como as do Diário Oficial e do Estado de São Paulo, que folheou desde 1907, quando começa a funcionar a primeira sala fixa de cinema em São Paulo. Atento a outras fontes de informações, localizou na coleção de cartões-postais do Museu Paulista uma fotografia de uma sala de cinema em Tatuí, no interior paul is ta , que funcionou até os anos 50. Nas publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístia (IBGE) encontrou fotos de salas do Acre e de Roraima.
As descobertas que resultaram dessa peregrinação podem surpreender até mesmo os cinéfilos. Souza descobriu, por exemplo, o atar principal de um dos primeiros filmes censurados do Brasil , O Crime da Mala, produzido em 1908 por Francisco Serrador: foi Alberto Jorge, ato r de teatro normalmente esquécido nas filmografias, embora atuasse no filme como o assassino Michel Traad. Além dos esclarecimentos pontuais, o historiador sente-se agora à vontade para argumentar que não foi o italiano Afonso Segreto ( 1875-1920) que fez o primeiro filme brasileiro, em 1898, mas o carioca José Roberto da Cunha Sales ( 1840-1903), um ano antes. Médico e advogado que se envolvia com o jogo do bicho e com a exibição de cinema, Sales filmou a Baía da Guanabara em novembro de 1897. O resultado, de apenas um segundo, Cenas de um Embarcadouro, encontra-se guardado no Arquivo Nacional do Rio, ao passo que não há qualquer registro da trabalho do cineasta italiano, segundo o pesquisador. Outra prova do pioneirismo brasileiro, diz ele, é que Sales patenteou sua obra e solicitou os direitos de exclusividade para filmar no Brasil.
No CD-Rom, editado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)e pela Cinemateca Brasileira, com apoio da FAPESP, Souza dedica uma atenção especial a esse primeiro momento do
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cinema brasileiro, o chamado período mudo, quando as sessões exibiam em média 12 filmes de no máximo um minuto e meio de duração. Depois de anos de exibições ambulantes, surgiriam as salas fixas, em 1907 no Rio e 1908 em São Paulo, com orquestras ou pianistas que acompanhavam os filmes. "Já era dificil concorrer com a produção francesa e italiana, que predominava nessa época", conta o pesquisador. Até os anos 60, lembra ele, os homens iam ao cinema somente de terno e as mulheres, devestidos. "Era um ritual", diz. Até o final de sua pesquisa, ele espera ter contado a história de cerca de 6 mil salas de exibição, incluindo as recentes multiplex dosshoppingcenters, e de 2 mil longas-metragens produzidos até agora no Brasil.
Perfil: José Inácio de Melo Souza, 50 anos, formado em História, com mestrado e doutorado em cinema na Universidade de São Paulo (USP), é pesquisador da Cinemateca Brasi leira desde 1987. Projeto: Dicionário Enciclopédico do Cinema Brasileiro. Investimento: R$ 5 mil.
LIVRO
A política romana vista por César Certos personagens históricos, pelo trá
gico, sublime ou, simplesmente, patético de suas vidas, tomam-se símbolos que ultrapassam seu próprio significado enquanto indivíduos, povoando o imaginário coletivo de sucessivas gerações. Júlio Cé-sar é, sem dúvida, um dos que dispensam apresentações. Quem, com efeito, nunca ouviu falar do brilhante político e general romano, invencível no campo de batalha, que sepultou a República, pagando com a vida o preço de sua ambição; de seus amores por Cleópatra, de suas fra-ses de efeito, que se incorporaram ao nosso linguajar, como a famosa a sorte está lançada ou o soberbo vim, vi, venci?
César foi, igualmente, um orador de grandes recursos e um escri-tor talentoso e refinado, coisa mais comum entre os políticos de sua época do que da nossa. De seus dois livros que sobreviveram, um narra suas vitoriosas campanhas na Gália; o outro, a Guerra Civil, é um relato de sua luta pelo poder em Roma, no qual descreve os motivos que o levaram a invadir a Itália, em 49 a.C. e a seqüência de batalhas magistrais, pelas quais derrotou Pompeu e assumiu o controle de Roma e de seu Império. Bellum Civile- a Guerra Civil acaba de ser publicado pela Estação Liberdade/FAPESP, em texto bilíngüe e com tradução de Antonio da Silveira Mendonça, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas daFFLCH da USP Há vários méritos na publicação, a começar pelo texto bilíngüe, que vem se instituindo como prática salutar, embora tardia, em nosso país. Ressaltese a excelência da tradução do professor Mendonça e da introdução e notas elucidativas, permitindo ao leitor compreender o contexto de uma obra escrita há mais de dois mil anos.
A Guerra Civil possui um valor histórico apreciável: narra, em primeira mão, e através da observação de um participante privilegiado, as ações e os eventos que conduziram ao fim da República romana, que não caiu apenas pela contradição entre o tamanho do império e o acanhamento das estruturas políticas da cidade-estado, mas sobretudo pelas cesuras internas que as riquezas desse império provocaram no tecido social romano, cujos conflitos entre ricos e pobres tomaram-se, ao longo do primeiro século antes de nossa era, cada vez mais agudos e irreconciliáveis. Mas o interesse do texto não se resume às informações históricas que fornece sobre os acontecimentos desse período crucial. Propicia uma verdadeira imersão num universo cultural, radicalmente diferente do nosso, com o qual temos
relações curiosas. Um mundo que nos antecede e que é nosso pressuposto enquanto cultura escrita e erudita. Um mundo distinto, cujas
regras, motivações e sentimentos compreendemos mal, mas com o qual ainda podemos dialogar com proveito. Quais são, no entanto, as condições desse diálogo?
Quem procurarna Guerra Civil uma História, no sentido moderno do termo, não a encontrará. Trata -se de um texto político, embora escrito na forma de uma narrativa factual, aparentemente impessoal e precisa. Como peça propagandística, é uma obra magistral, que esconde seu objetivo através de recursos estilísti
cos habilmente manipulados. Os eventos parecem narrados com distan
ciamento quase absoluto. César fala de si na terceira pessoa, como se falasse de outrem, disfarçando seus juízos de valor em afirmações rápidas e casuais, mas que caracterizam com grande força os personagens do drama que narra: Pompeu é um covarde e pusilânime general; seus seguidores, um bando de corruptos, inconseqüentes, traiçoeiros. César, por outro lado, aparece como gênio militar imbatível, capaz dos mais ardilosos estratagemas militares, todos detalhadamente descritos. Um político clemente, respeitoso das leis, propugnador da concórdia entre as facções que se di gladiavam no interior da República. São mensagens fortes, politicamente orientadas e que, no entanto, aparecem sublimadas. Um curioso exemplo de utilização da forma da narrativa histórica, com sua pretensa objetividade, para fins claramente pessoais e subjetivos.
O texto de César coloca-nos interessantes questões sobre sua relação com a verdade. Trata-se, sabemos, de uma narrativa interessada, partidária. Em que medida podemos considerá-la uma narrativa verdadeira? Há diferentes respostas possíveis. Os historiadores contemporâneos identificaram duas ou três imprecisões factuais no relato, através da comparação com outras fontes, mas os eventos
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
narrados parecem substancialmente exatos e verdadeiros. O parti pris de César manifestase porsutis apreciações sobre os a tores do drama, não sobre os acontecimentos que o animam. Podemos afirmar, no entanto, que César mente em seu julgamento de personagens como Pompeu e Catão ou ainda sobre si mesmo? Sua clemência seria mera estratégia de propaganda, ou traço real de sua personalidade? Cícero, ao menos, que foi seu adversário, via em César uma natureza clemente e gentil. E não haveria, efetivamente, pusilanimidade entre os pompeianos? Nenhum historiador contemporâneo afirmaria o contrário. As reais intenções de César animaram um intenso debate que me parece, na essência, inútil. É evidente que o texto da Guerra Civil nos mostra a imagem de si e de seus oponentes que César queria transmitir à opinião pública de Roma, mas não temos, hoje, instrumentos para demonstrar que fosse , necessariamente, falsa. Mais interessante é observarmos não a própria maneira como encara seu mundo, mas as condições de verdade de sua visão. E aí, quantas surpresas!
A historiografia contemporânea tende a rejeitar o papel dos chamados grandes homens e a vê-los como produto e parte de circunstâncias que são mais gerais e que escapam a seu controle. César foi parte de um movimento histórico mais amplo, que não podia compreender plenamente ou de cuja compreensão não nos deixou testemunho escrito.
Permanece o fato de que César foi uma personalidade poderosa, cuja ação foi eficaz nesse mundo que não criou, mas no qual se colocou numa posição privilegiada para sintetizar os conflitos que o agitavam. Personalidade não apenas trágica, mas dotada de uma fina inteligência, que transparece a cada página do texto. A Guerra Civil é capaz de nos fazerpenetrarnummundodistintodonosso,mas com o qual ainda podemos dialogar, que ainda é capaz de comunicar. Não é um mero objeto de estudo, passível de dissecação, mas algo vivo, atualizável, nem que seja como um diálogo entre duas inteligências, a do autor e a de seu leitor, a despeito dos dois milênios transcorridos.
Norberto Luiz Guarinello Professor do departamento de História da
FFLCHdaUSP
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO