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A Arte Contemporânea e o Espectador Criativo Prof. Dr. Marcos Rizolli(*) Resumo: O presente estudo pretende apresentar alguns valores históricos, conceituais e perceptivos acerca das formas de recepção da arte contemporânea. As relações artista obra de arte espectador, mediadas por modos interativos. A substituição de uma percepção contemplativa, própria das mensagens imagéticas para o olhar, por uma percepção ativa, necessária à apreensão dos signos híbridos da arte contemporânea. Abstract: This study intends to provide some historical values, conceptual and perceptive about ways of receipt of contemporary art. Relations artist - work of art - spectator, mediated by interactive modes. The replacement of a contemplative perception, the message itself images to look for an active perception, needed to seize the signs hybrid of contemporary art. No mundo contemporâneo, a arte é, sobretudo, exercício. A Arte Contemporânea move-se por meio de uma meta sempre atualizável: consiste, mais do que tudo, na sua possibilidade. E se a obra de arte é infinitamente aprimorável, deve-se considerar mais interessante a operação, o procedimento. Está em pauta a exigência de uma expressão que não se limite a registrar os dados visuais, mas que os elabore conceitualmente. No signo da nova sensibilidade artística está implícita a analogia entre arte, todas as artes, ciência, conhecimento, criação, vida. Assim, a experiência artística ficou algo parecido com: Reinterpetações; estilos de análise retro-projetiva; campos históricos, da ciência e da filosofia; descrições de conhecimentos de fundo empírico e irrefletido, ulteriores formalizações; encontros

A Arte Contemporânea e o Espectador Criativo

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Arte e espectador de arte.

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A Arte Contemporânea e o Espectador Criativo

Prof. Dr. Marcos Rizolli(*)

Resumo:

O presente estudo pretende apresentar alguns valores históricos, conceituais e

perceptivos acerca das formas de recepção da arte contemporânea. As

relações artista – obra de arte – espectador, mediadas por modos interativos. A

substituição de uma percepção contemplativa, própria das mensagens

imagéticas para o olhar, por uma percepção ativa, necessária à apreensão dos

signos híbridos da arte contemporânea.

Abstract:

This study intends to provide some historical values, conceptual and perceptive

about ways of receipt of contemporary art. Relations artist - work of art -

spectator, mediated by interactive modes. The replacement of a contemplative

perception, the message itself images to look for an active perception, needed

to seize the signs hybrid of contemporary art.

No mundo contemporâneo, a arte é, sobretudo, exercício. A Arte

Contemporânea move-se por meio de uma meta sempre atualizável: consiste,

mais do que tudo, na sua possibilidade. E se a obra de arte é infinitamente

aprimorável, deve-se considerar mais interessante a operação, o procedimento.

Está em pauta a exigência de uma expressão que não se limite a registrar os

dados visuais, mas que os elabore conceitualmente. No signo da nova

sensibilidade artística está implícita a analogia entre arte, todas as artes,

ciência, conhecimento, criação, vida.

Assim, a experiência artística ficou algo parecido com:

Reinterpetações; estilos de análise retro-projetiva; campos

históricos, da ciência e da filosofia; descrições de conhecimentos

de fundo empírico e irrefletido, ulteriores formalizações; encontros

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com a experiência imediata das imagens; perseguições genéticas

sobre a vida e o sistema das obras de arte; decomposições

graduais; decomposições de nova ordem; (MONTAGENS);

descrições das continuidades e dos retornos; revivals de formas

elaboradas; disciplina; interferência (Rella, 1989:66).

E o espectador diante desta nova fenomênica da obra de arte, ou...dos

novos objetos artísticos, ou...ainda - e melhor descrevendo - das mais atuais

experiências artísticas?

Se há algo que a Arte Contemporânea exige do público, do visitante

cultural e do espectador é capacitação, diante dos novos enfrentamentos

expressivos. As experiências artísticas contemporâneas requerem um

espectador instruído – nas formas estruturantes da linguagem visual [e suas

hibridizações], nos modos de interação com o fenômeno artístico, nas

intersemioses [do objeto, do signo e...do próprio conceito de arte].

Precisa-se, então, de um espectador criativo, disposto aos mais

diversificados, inusitados e imponderáveis confrontos com o universo artístico.

Estamos, aqui, diante de um jogo de interatividade entre o artista (o criador

autorizado) e o espectador (disposto à uma criatividade latente e

complementar) – necessariamente mediada pela expressão contemporânea

que, por sua vez, perpassa todas as etapas de emissão/recepção da arte.

E este novo contexto é quase sempre mediado por uma questão: isso

que vemos e que se apresenta como arte é arte? Ou, alargando o problema: a

arte, hoje, deve ser reconhecida por suas estranhesas? Mais: estaríamos

diante de obras de arte? Ainda, perdendo o controle de espectador: devemos

concordar com aquilo que nos afirmam críticos, historiadores e teóricos da

arte?

A partir de tantas perguntas, instala-se, aqui, o panorama atual: aquele

de estranhamento e distanciamento do público dos fenômenos artísticos, das

obras de arte e de seus certames de apresentação. Estamos, então, diante de

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obstáculos entre o sistema da arte – a cultura artística, devidamente

profissionalizada – e a sociedade. Mas, entre estas duas dimensões devem

haver pontos de convergências, que nos permitam a comunicação. Devemos

nos aplicar em dispositivos de aproximação entre as autoridades (artistas,

críticos, curadores, teóricos, acadêmicos, conservadores, marchands,

colecionadores) e o grande público – sem que se corra o risco de imaginar que

deveriam existir preceitos seguros para distinguir o que é ou não é arte, na

busca de modelos classificadores. Advertindo:

Para se estabelecer, seja como for, uma escala classificativa, é

preciso admitir que existem na arte valores permanentes,

intemporais, e que o valor autêntico de uma obra é algo estável,

independente da época e da circuntância (Jason: 1979:10).

Sabemos que as obras de arte não concentram qualidades absolutas. E,

para novas experiências devemos reajustar constantemente nossa percepção.

Justamente para compreender as criações artísticas em seus contextos

temporais e em suas conjunturas espaciais.

A criação está na natureza e na natureza humana.

Mas, o que é: criar? Idealizar? Configurar? Formar? Abstrair? Significar?

Seria: o lance de gênio? A associação única? O rasgo imaginativo? O

arranque inventivo? A combinação? A disciplina técnica?

Fayga Ostrower, em seu maravilhoso ensaio Criatividade e Processos

de Criação, afirma que criar é basicamente formar (2006: 12)). Sugere, assim,

que devemos considerar a associação entre o ato criativo, a dimensão

semiótica e a perícia técnico-material, manual ou maquínica.

Assim, o fazer artístico – por mais modestas quer sejam, atualmente, as

tarefas de realização de uma obra de arte – implica numa densa manipulação

sígnico-material que deseja ser correspondente ao lance imaginativo. O fazer,

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então, seria um guia criativo. Mais ou menos assim: a elaboração de formas

definidas a partir de matérias em bruto, sem forma definida. O processo

criador, então, consistiria numa longa série de rasgos de imaginação e nas

tentativas do artista para lhes dar forma correspondente no material. Toda

matéria oferece resistência à vontade humana…e a mente do artista está em

contínua mudança e por isso são vagas e flutuantes as diretrizes da

imaginação. A imagem mental só começa a tornar-se nítida quando o artista

executa o primeiro gesto, que logo se torna a primeira parte de uma imagem –

a única parte fixa, tensionada com todo o resto que ainda está para nascer.

E, por acrescimos, salta a imaginação, em incessante crescimento – em

constante fluxo e refluxo de impulsos. Assim: o artista define, pouco a pouco, a

imagem, até que toda ela ganhe forma visível (perceptível).

A criação artística é sempre uma experiência – para o artista e para o

seu público. Uma experiência impossível de ser descrita com exatidão – da tão

sutil e íntima. O processo criador deveria, assim, ser descrito como um

procedimento de transferência ou projeção de imagens da mente do artista

para a percepção do espectador. Procedimento, este, pleno de surpresas e de

modo algum automático. Afinal, os próprios artistas tender a encarar a sua obra

de arte como coisa viva. A obra de arte seria, por finalidade, a mais

maravilhosa expressão dos sinais de vida – a previsão da forma.

Jason, novamente, nos orienta:

É evidente que a elaboração de uma obra de arte pouco se

assemelha ao que, vulgarmente, se entende por fazer. Trata-se

de uma atividade estranha e aventurosa na qual o executante

nunca entende bem o que está a realizar enquanto não der a obra

por finalizada.

Quem não for artista, terá dificuldade em acreditar que tal

incerteza, tal necessidade de arriscar, possa constituir a

verdadeira essência do trabalho criador (op.cit.: 12).

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A atividade artística implica em imprevistos…a concepção e a execução

de uma obra de arte andam de mãos dadas e mostram-se tão dependentes

uma da outra que é impossível separá-las. O artista é sempre levado a tentar o

impossível – ou pelo menos, o improvável ou o inimaginável. O modo de

trabalhar do artista é irredutível às regras pré-estabelecidas.

A necessidade do artista em estabelecer novas fronteiras semióticas

excede em muito a nossa capacidade de assimilar experiências novas – tantas

vezes profundamente perturbadoras. Contudo, o desejo de penetrar universos

desconhecidos, de realizar algo inusitado e novo, talvez se manifeste também

em todos os sujeitos – não somente nos artistas. Mas, há um outro obstáculo:

somente conseguimos reconhecer o gênio, o talento e o perfil benéfico nos

artistas. Estamos, outrossim, instigados ao enfrentamento das obras de arte –

que, de alguma maneira, nos instala diante do pensamento imaginativo (ou

artístico). Na interação com as obras de arte, podemos nos imaginar artistas

potenciais. Mas, precisamos nos munir do mesmo tipo de talento e genialidade

dos artistas. Isso quer dizer: precisamos dominar os códigos de linguagem com

os quais inventimamente operar os artistas. Precisamos ser espectadores

instruídos. E, para isso, é preciso desenvolver aptidões. Por seu turno, o

talento criador parece completamente imprevisível – somente passível de

detecção quando devidamente compreendido numa obra de arte, de admirável

originalidade.

Originalidade, aliás, é termo corrente nas mais diversificadas tentativas

de compreensão da obra de arte contemporânea. O que anteriormente era

considerado raridade, novidade ou frescor na atualidade expressiva os teores

de originalidade diluem-se em soluções aproximadas ou imcompletas,

rasuradas por cópias, reproduções, imitações ou transposições imagéticas.

As diversas origens da obra de arte contemporânea – que,

inadvertidamente, não nasce mais do traço inspirado do desenhista ou da

pincelada elegante do pintor – nos acarreta o sentimento de uma percepção

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fragmentária. Que, muito além do simple efeito de uma imagem duplicada, nos

requer o reconhecimento de suas fontes semióticas.

Uma das vanguardas históricas que deve ser considerada matriz das

novas concepções de arte, da elaboração material das obras de arte e de suas

formas de recepção será o movimento Dadá.

Em lapidar síntese:

Negar tudo coincide inevitavelmente com o seu contrário, ou seja,

significa que se permite tudo o que anteriormente foi, mais ou

menos explicitamente, negado. Assim, o radicalismo dadaísta

acabou por legitimar qualquer eventual processo artístico. Se

Duchamp expusera um urinol, também Piero Manzoni poderia pôr

à venda os seus próprios excrementos, sob a designação de

Merda de Artista. Se Duchamp acrescentara um bigode a La

Gioconda de Leonardo, um dos ícones mais emblemáticos do

imaginário coletivo, toda arte poderia ser parodiada. O que o

dadaísmo introduziu na arte foi sobretudo a leveza e o humor que

seriam depois reivindicados por alguns artistas Pop e conceituais,

enquanto a sua versão mais dramática encontraria seguidores em

grande parte da Body Art…E nos nossos dias, há muitos aspectos

de Nova Figuração e da Arte Conceitual que remetem, de uma

forma decerto mais latente para o Dadaísmo (Ferrari, 2001:48).

Seguindo a trilha proposta pelos artistas dadaístas, que com suas idéias

inovadoras e suas técnicas inventivas – os ready-mades, as fotomontagens –

foram protagonistas de uma revolução perceptiva…que vai alterar de modo

definitivo as formas de percepção. Sai de cena a tradicional percepção

contemplativa – que tem como protagonista o olhar e todas as suas derivações

estéticas. Entra em cena uma percepção ativa – que, além do olhar, solicita

todos os outros sentidos humanos. E mais, requer que os sentidos estejam

capacitados aos vôos conceituais da arte.

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Acerca da potencialização dos sentidos, duas tendências artísticas

devem ser mencionadas. A Body Art e a Land Art. Respectivamente, as artes

com o corpo e no corpo e as artes com a natureza e na natureza. Homem,

natureza e obra de arte integram-se de modo irreversível.

Em novas sínteses:

Sobre a Land Art:

Land Art significa arte da paisagem; é uma intervenção sobre o

ambiente compreendido seja como espaço natural, seja como

espaço construído e organizado pela ação humana. É uma

produção com origem nos anos 1965 e se estende fortalecida até

os anos 90. – sobretudo através da ação de artistas americanos

que dispuseram de grandes extensões e lugares naturais ainda

não habitados – como os desertos, as pradarias, os lagos e os

grandes vales. Com notáveis empregos de meios e de incentivos

financeiros, os artistas-operadores deste tipo de expressão

traçaram signos e formas sobre vastas extensões territoriais,

escavando, transportando terra ou acumulando pedras (De

Giorgis e Prette, 2001: 256).

Sobre a Body Art:

Um deslocamento perceptivo, que se despreende da obra de arte

e vai interessar-se pelo artista que age, em sua natureza

orgânica, deu lugar, nos últimos anos da década de 1960, ao

Comportamentismo ou Body Art. O corpo do artista será, então, o

meio com que artistas se exprimem ou comunicam-se com o

público. A performance (ou comportamento) é um verdadeiro e

próprio espetáculo, que além do corpo, conta com o auxílio de

materiais e objetos (sígnicos). O Happening (ou evento) baseia-se

numa conduta de improvisação coletiva, orientada pelos artistas e

operadores. A Body Art alcançou sua supremacia até final dos

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anos 70. Alguns artistas realizaram registros fotográficos de suas

proposições – utilizando sua própria expressão facial ou seu

próprio corpo, em sucessiva exposição de sígnos auto-referentes

(Op. Cit.: 257).

Assim, tendências artísticas inseridas num contexto mais bem lapidado

pela contemporaneidade permitem que se faça arte a partir de somente um

conceito. A arte contemporânea está baseada no princípio de que a idéia em si

mesma, mesmo que não realizada visualmente, é uma obra de arte, tanto

quanto um produto finalizado. Geralmente, a arte contemporânea se comunica

com o espectador a partir de combinações de objetos (sígnicos e materiais)

que pretendem transmitir mensagens – e sentimentos de artisticidade.

Nas culturas e artes comptemporâneas, precisa-se, então, não somente

de artistas inventivos mas, principalmente de espectadores criativos – capazes

de decodificar as mensagens artísticas expressas. Estamos num mundo

complexo: do fazer artístico simpliciado (vejamos a inserção de máquinas em

muitos processos realizadores das novas aventuras de linguagem) e,

paradoxalmente, das mais variadas e excêntricas formas de percepção da obra

de arte contemporânea.

A arte contemporânea apresenta jogos visuais (ou perceptivos) que

dependem da intervenção do espectador. Sem uma criatividade biunívoca

artista-espectador, talvez, a arte perca seu sentido mais essencial. Comunicar

o sensível. Tão emotivo quanto sensorial.

A originalidade artística passa a ser também atribuição do público. A

percepção ativa requer doação de conceito, empréstimo de energia…ações

metacriativas. Artista – obra de arte – público constituem os elos de uma

cadeia de relações. A máxima de que nenhum homem é uma ilha pode-se, na

contemporaneidade, aplicar às obras de arte. Ou, às criações artísticas e às

experiências que delas são derivadas. O conjunto dessa cadeia forma uma

espécie de urdidura a que damos o nome de intertividade, na qual cada ente

relacional ocupa um lugar específico. Sem a interatividade nenhuma

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originalidade será possível, é ela que proporciona ao artista a segura

plataforma que lhe serve de alavanca para a imaginação criadora.

A interatividade permite a configuração das estruturas mentais onde se

formam os conceitos de arte – em constante revisão.

A manutenção da interação artista – obra de arte – público sugere que

deveríamos conhecer todos os elementos de convengência que se manifestam

numa determinada obra de arte ou experiência artística. Na origem da atividade

artística, ninguém, afinal, pode ser ensinado a criar, quando muito, ficará a

saber orientar-se através dos mecanismos da criação. Mas, no mundo

contemporâneo, saber perceber (ver – com todos os sentidos) nos permite

caminhar para qualquer um destes inúmeros domínios especiais conhecidos

pela designação geral de arte. A interação proposta pela experiência artística

contemporânea não deve nos iludir: na presença de oportunidades para

realizações originais, devemos considerar que o fluxo criador não poderá ficar

delimitado à idéia corrente acerca das manifestações artísticas

contemporâneas devem cumprir as necessidades cotidianas do homem.

Devemos admitir, contudo, que às vezes é muito difícil estabelecer a linha de

separação entre a arte e as outras dimensões da experiência humana.

Vejamos esta opinião:

Visto que a arte é um assunto tão discutível que nem os próprios

especialistas se entendem um com os outros, as minhas opiniões

são tão boas como as deles – é tudo uma questão de preferência

subjetiva. E as minhas podem até valer mais, porque sou um leigo

no assunto e reajo perante a arte de um modo espontâneo, sem

ter os olhos vendados por dúzias de teorias complicadas. Com

certeza há qualquer coisa de errado na obra de arte se for

necessário um especialista para explicar (Janson, Op. Cit.: 17).

A citação acima reflete as limitações perceptivas com as quais a arte

contemporânea se depara. Depois destas considerações, talvez se possa

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admitir que a arte é uma atividade humana tão complexa – por muitos e

variados motivos – mas, ao mesmo tempo, possamos reconhecer que não há

ninguém que não tenha qualquer conhecimento sobre arte. Mesmo que

baseada em escolhas pessoais, a arte é a única dimensão humana em que a

maioria das pessoas tem alguma experiência. E nela se baseiam as idéias

correntes sobre os valores artísticos. Ou seja, as obras de arte existem mais

para ser apreciadas que discutidas.

No mundo contemporâneo, o processo criador só ficará completo

quando a obra de arte encontrar um público para ela. Se a atividade artística –

pelo viés do artista – é uma experiência intensamente individual, será também

– pelo viés do espectador – uma experiência coletiva, compartilhada com o

público, sem o qual não se realizará plenamente.

O artista nos oferece a qualidade de arte e o público sente-se estimulado

para prosseguir, dando continuidade ao criar. O espectador pode ser receptivo,

entusiasmado, crítico. Pode aceitar ou recusar uma experiência artística. Mas,

haverá sempre uma tensão emocional entre o artista e o espectador. É desta

tensão, deste sentimento de incerteza, deste desafio, que artista e espectador

têm necessidade. O artista precisa sentir que o seu trabalho se impõe, que é

capaz de vencer a resistência do público. O espectador precisa sentir que a

obra de arte que percebe está disposta ao diálogo expressivo. Artista e

espectador, assim, co-autorizam uma criação genuína. Mais do que intenção,

um fato perceptivo.

Contudo, o espectador criativo não é o grande público. Lamento

informar!

O espectador criativo está algo entre os críticos de arte e o público

interessado. São sujeitos que revelam um amor esclarecido pelas obras de

arte. São pessoas cuja autoridade assenta mais na experiência que no

conhecimento teórico. São, tanto quanto os artistas, protagonistas de novas

interpretações. A minoria ativa!

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Todavia, não existe uma fronteira absoluta nem uma diferença

perceptível entre o espectador criativo e os profissionais do sistema da arte.

Mas, para finalizar, façamos uma advertência útil: o caminho que leva ao

entendimento da arte solicita toda a gente de percepção aberta e capaz de

assimilar novas experiências. A medida que percorremos o caminho, cresce a

nossas compreensão. Encontramo-nos a compreender muito mais! Podemos,

sim, nos situar entre a minoria ativa – que participa de maneira criativa no

traçado da rota artística de nosso tempo.

Referências:

De Giorgis, A e Prette, M.C. (2001) La Storia dell’Arte – Dalle origini ai giorni

nostri. Firenze: Giunti.

Ferrari, S. (2001) Guia de História da Arte Contemporânea. Lisboa: Presença.

Janson, H.W. (1979) História da Arte. Lisboa: Calouste Gulbenkian.

Ostrower, F. (2006) Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes.

Rella, F. (1989) Forma e Pensiero Del Moderno. Milano: Feltrinelli.

Rizolli, M. (2005) Artista – Cultura – Linguagem. Campinas: Akademika.

Palavras-Chave:

Arte Contemporânea; Interatividade; Criatividade

(*) Doutor em Comunicação e Semiótica: Artes; Professor no Programa de

Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – Brasil; Membro da Associação

Brasileira de Criatividade e Inovação – CRIABRASILIS.