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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VALDEÍRA APARECIDA CARDOSO A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO Rondonópolis 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VALDEÍRA APARECIDA CARDOSO

A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO

Rondonópolis

2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VALDEÍRA APARECIDA CARDOSO

A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Educação – PPGEdu, da Universidade Federal de

Mato Grosso Campus de Rondonópolis, na Linha de

Formação de Professores e Políticas Públicas

Educacionais, como parte dos requisitos para a obtenção

do título de mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Eglen Sílvia Pipi Rodrigues

Rondonópolis

2018

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:

78735-901 -RONDONÓPOLIS/MT

Tel : (66) 3410-4035 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: "A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO"

AUTOR : Mestranda Valdeíra Aparecida Cardoso

Dissertação defendida e aprovada em 20/03/2018.

Composição da Banca Examinadora:

_____________________________________________________________________________

____________

Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Eglen Silvia Pipi Rodrigues

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Interno Doutor(a) Ademar de Lima Carvalho

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Externo Doutor(a) Catarina de Almeida Santos

Instituição : Universidade de Brasília

Examinador Suplente Doutor(a) Érika Virgílio Rodrigues da Cunha

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

RONDONÓPOLIS,26/03/2018.

A Tia Bina e Tia Cida,

caminhar até aqui tornou-se muito mais simples,

possível!

A elas, meu mais profundo amor, gratidão e

respeito.

AGRADECIMENTOS

Ao completar esta caminhada registro meu profundo sentimento de gratidão a muitos que,

presentes ou ausentes, contribuíram para que fosse possível chegar até aqui. Com alegria e

satisfação dedico este trabalho a todos vocês que direta ou indiretamente, em algum momento

caminharam comigo.

Embora para mim, agradecer signifique olhar nos olhos e dizer, “obrigado, você é muito

importante para mim”, aqui tentarei expressar um pouco dessa gratidão.

A Deus, gratidão pela vida, pela companhia e força nos momentos de solidão. Aos familiares

pela compreensão das ausências que não foram poucas.

À minha querida e amada mãe Adaira Ungaro Cardoso, pelos cuidados, carinho e afeto

dedicados a mim, pois sem eles nada disso seria possível.

Às amizades novas, as velhas, as próximas e também as distantes, que foram companheiras

dessa jornada, presentes fisicamente ou não, mas que, de uma forma ou de outra fizeram parte

desse processo de aprendizagem e crescimento intelectual e espiritual.

À Profa. Dra. Eglen Silvia Pipi Rodrigues, orientadora desta pesquisa, merecedora de todo meu

sentimento de gratidão por tornar possível este momento me aceitando como sua orientanda,

amiga e companheira, pessoa com quem constantemente tenho aprendido.

Ao Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho, com sua amizade, sabedoria, ética e profissionalismo

que me fizeram ter coragem de seguir sempre em frente acreditando em mim, nas pessoas e no

mundo a minha volta.

À Profa. Dra. Catarina de Almeida Santos, que aceitou prontamente nosso convite para

contribuir com este trabalho, o que fez com muita seriedade desde o exame de qualificação.

Obrigada também pelo carinho e respeito por mim e por todos os envolvidos nessa banca.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (UFMT/PPGEDU/CUR), por todo o auxílio

recebido.

Aos amigos e colegas do Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica

(UFMT/PPGEDU/CUR), pelas conversas, encontros que inspiraram muitas ocasiões deste

trabalho e me fizeram crer que o mundo pode se tornar mais igualitário e justo para todos.

Aos colegas e professores do Grupo de Pesquisas Políticas Públicas Educacionais e Práticas

Pedagógicas (UFMT/PPGEDU/CUR), assim como aos demais professores do Programa de

Pós-Graduação.

RESUMO

Esta pesquisa se insere no Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica

(GEAD), na linha de pesquisa Formação de Professores, vinculado ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus

Rondonópolis. Amparados pelos estudos sobre currículo e educação popular, que

orientam nosso olhar para refletir os elementos fundantes do Currículo Crítico

Comunicativo e que podem contribuir para se pensar uma proposta educativa que valorize

a diversidade presente na comunidade escolar. Nosso objetivo é analisar as concepções

que embasam o conceito de diversidade, solidariedade e equidade apresentados no

documento oficial da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e para saber se os

mesmos estão em concordância com os elementos fundantes do Currículo Crítico

Comunicativo. Para tanto, a questão da pesquisa se configura da seguinte forma: quais as

possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que considere a diversidade,

solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo crítico comunicativo a partir

das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum Curricular? Nosso corpus de análise

é composto pela obra de Donatila Ferrada Torres que apresenta o conceito de Currículo

Crítico Comunicativo como uma proposta de pensar a equidade para todos os meninos e

meninas independente dos contextos socioeconômicos aos quais estejam inseridos. Para

a análise, também foram utilizados artigos acadêmicos publicados a partir da ressonância

da referida obra anteriormente citada e que, conforme critérios pré-estabelecidos, foram

considerados publicações do campo da Educação. Privilegiamos nessa pesquisa a

abordagem qualitativa e adotamos como meio de investigação o estudo bibliográfico.

Tomamos como referência a técnica de Análise Temática de Laurence Bardin. Ainda

contamos com John B. Thompson (2011) sobre a hermenêutica de profundidade (HP), e

aplicando a técnica da análise de conteúdo, conforme preconizado por Laurence Bardin

(1977). A proposta curricular apresentada, assume também o desafio de mobilizar ações

para que possam ser incorporadas uma racionalidade comunicativa como parte integrante

das propostas curriculares, possibilitando repensar a instituição escolar na perspectiva da

igualdade da diferença (FERRADA, 2001). No corpus analisado identificamos que as

concepções que embasam o conceito de diversidade, solidariedade e equidade

apresentados no documento oficial da BNCC que, não apresententam concordância com

os elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo visto que desenvolvem um

discurso sem aprofundamento que acaba contribuindo, talvez reforçando as desigualdades

sociais e o preconceito nas escolas brasileiras.

Palavras-chave: Currículo Crítico Comunicativo. Educação Popular. Diversidade.

ABSTRACT

This research has inserted in the Group of Studies of Dialogical Learning

(GEAD), in the field of research called Teacher Training. It has linked to the Graduate

Program in Education of the Universidade Federal de Mato Grosso, Campus

Rondonópolis. It is supported by studies on curriculum and popular education that guide

our view to reflect on the conceptual bases of the Critical Communicative Curriculum. It

can contribute to think about an educational proposal that has enhanced the diversity

presents in the school community. Our aim to analyze the conceptions substantiate the

concept of diversity, solidarity and equity the presented in official document Common

National Curricular Basis. Our corpus of analysis is composed by the work of Donatila

Ferrada Torres who presents the concept of Critical Communicative Curriculum as a

proposal of possibility of equity for all boys and girls independently of the socioeconomic

contexts to which they are inserted. It also has composed our corpus of analysis, academic

articles published from the resonance of the mentioned work and which, according to pre-

established criteria, were considered publications in the field of Education. For this

purpose, we have adopted as a research methodology the reference of Nadja Hermann

(2002), which proposes to reflect the pedagogical action as a means to enable a new

interpretation and reinterpretation of the educational field questioning the ways of

educating, teaching and learning, understanding and dialogue. We still have John B.

Thompson (2011) on depth hermeneutics (HP), and applying the technique of content

analysis, as advocated by Laurence Bardin (1977). The curricular proposal presented also

assumes the challenge of mobilizing actions so that a communicative rationality can be

incorporated as an integral part of the curricular proposals, making it possible to rethink

the school institution with a view to equality of difference (FERRADA, 2001). In the

corpus analyzed, we identify that tha concept of diversity, solidarity and equity

presentend in the oficial BNCC document whitc do not agree whith the founding elements

of the Critical Comunicaive Curriculun since they develop a discourse without deepening

that ends up contributing, perhaps reinforcing the social inequalities and prejudice in

Brazilian schools.

Keywords: Critical Communicative Curriculum. Popular Education. Diversity.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10

DEFINIÇÃO DA TEMÁTICA ................................................................................................................ 19

1 CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................................................ 19

1.1 MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO: UMA FERRAMENTE PARA INTERPRETAR O JÁ

INTERPRETADO ................................................................................................................................ 40

2 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO ............................................................................. 43

2.1 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO: PRINCÍPIOS, EVOLUÇÃO, CONCEPÇÕES ....................... 45

2.1.1 Reflexões sobre a formação da pessoa para transformar a sociedade................................... 50

2.1.1.2 Que tipo de sociedade queremos construir? ...................................................................... 56

2.2 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA (TAC) DE JÜRGEN HABERMAS E A TEORIA DA AÇÃO

DIALÓGICA DE FREIRE PARA PENSAR UM CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO .............................. 60

2.3 TEORIA DA RESISTÊNCIA: RESISTIR E LUTAR POR UMA ESCOLA PARA O POVO ........................... 66

2.4 GIRO DIALÓGICO E O CURRÍCULO: DO INDIVIDUAL AO COLETIVO ............................................. 72

3 CURRÍCULO: INSTRUMENTO IDEOLÓGICO CONTROLADOR OU EMANCIPATÓRIO?

............................................................................................................................................................ 79

3.1 DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CURRÍCULO ....................................................................... 81

3.2 O MOVIMENTO HISTÓRICO CURRICULAR NO BRASIL E SUAS MUDANÇAS .................................... 91

3.3 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR:

PROJETO DE SOCIEDADE? QUAL? ................................................................................................... 104

3.3.1 Equidade, solidariedade e respeito às diferenças humanas: construindo uma escola e

sociedade mais solidária e equitativa ......................................................................................... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................ 130

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 136

APÊNDICE....................................................................................................................................... 143

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Análise de Conteúdo

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CNE Conselho Nacional de Educação

CUR Campus Universitário de Rondonópolis

DCNs Documentos Curriculares Nacionais

GEAD Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica

HP Hermenêutica de Profundidade

INEP Instituto Nacional de Pesquisa

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério de Educação e Cultura

PNE Plano Nacional de Educação

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

SNE Sistema Nacional de Educação

TAC Teoria da Ação Comunicativa

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância, em inglês United Nations

Children's Fund

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. As fases da Hermenêutica de Profundidade

Figura 2. Teoria Critica Comunicativa de Educação

Figura 3. A intersubjetividade e a construção da pessoa

10

INTRODUÇÃO

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado

para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da

opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a

necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão

pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento

e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que,

pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de

amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência

dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa

generosidade referida. (FREIRE, 1987).

Esta dissertação propõe analisar quais as concepções embasam o conceito de

diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base Nacional

Comum Curricular (BNCC) para saber se estão em concordância com os elementos fundantes

do Currículo Crítico Comunicativo.

Assim como Freire (1996) anuncia, pensamos a solidariedade como obrigação histórica

de homens e mulheres, contrária ao individualismo que é um “mito espalhafatoso do

capitalismo, que precisa de uma política de “dividir para conquistar” contra a solidariedade das

pessoas comuns que ele procura organizar numa cultura comercial e conformista, contradizendo

o próprio individualismo que ele propõe” (FREIRE, 1986, pg. 71). Deste modo, a solidariedade

torna-se um instrumento de luta e enfrentamento, capazes de potencializar uma “ética universal

do ser humano”, capaz de promover e instaurar a solidariedade social e política para uma

sociedade menos “feia” e “arestosa”, onde possamos ser nós mesmos. No tocante a educação,

a aprendizagem solidária é incompatível com o “treinamento pragmático e com o elitismo

autoritário” (FREIRE, 1996, pg. 42). Ainda de acordo com Freire (1996), o espaço de

aprendizagem é, um texto para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito" e “reescrito”.

Neste sentido, quanto mais solidariedade houver entre o educador e educandos no

“trato” deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola

(FREIRE, 1996, p. 97).

As possibilidades de uma aprendizagem democrática certamente perpassam segundo

Freire (2001), um “educador progressista” que está aberto à uma prática pedagógica crítica que

valorize a diversidade de culturas, ou seja, que “se entrega aberto e crítico à compreensão da

importância da posição de classe, de sexo e de raça para a luta de libertação” (FREIRE, 2001,

p.46).

11

Mas para viver democraticamente numa sociedade plural como o caso do Brasil, é

preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que o compõem, investindo na superação e

irradicação das diversas formas de preconceito e discriminação. Embora Freire (2001) não

deixe explicito em suas obras especificamente o conceito de diversidade cultural, é possível

compreender como ele que, uma proposta educativa coerente com os problemas da diversidade

cultural como elemento indispensável para a problematização de uma autêntica prática

educativa libertadora, assumindo um conceito dinâmico de cultura proposto por ele já que para

o mesmo autor, a mudança é componente indispensável da experiência cultural, fora da qual

não somos, atribuindo a nós é buscar maneira de entender a diversidade cultural na ou nas suas

origens de ser, ou seja, mudanças que ocorrem “no campo dos costumes, no do gosto estético

de modo geral, das artes plásticas, da música, popular ou não, no campo da moral, sobretudo

no da sexualidade, no da linguagem”, etc. (FREIRE, 2000, p. 17).

Nessa direção e como pressuposto teórico para análise buscou-se os elementos

fundantes que embasam o currículo escolar na perspectiva crítico comunicativa, enfoque desta

pesquisa que exigiu além da compreensão acerca do conceito de currículo, seu movimento

histórico no cenário brasileiro, especialmente a partir da década de 1990, período marcante para

as políticas públicas, com a elaboração e implementação de leis e políticas econômicas, sociais

como meio para refletir as principais mudanças ocorridas e quais as concepções de sociedade

que embasam as políticas e projetos educacionais.

Do ponto de vista da LDB a coordenação da elaboração das diretrizes curriculares

nacionais fica sob a responsabilidade do MEC, mas os currículos são de responsabilidade das

redes de ensino. De maneira prática, é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996,

prevista pela Constituição Federal de 1998, que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCNs) de modo que a LDB define como a educação básica deve ser organizada para toda

educação básica brasileira e todo sistema de ensino, seja ele público ou privado. Esses

documentos, cada um em sua especificidade, dão de beber a construção e implementação da

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para educação infantil e ensino fundamental 2017.

A aprovação do Documento BNCC no final de 2017, suscitou desta pesquisadora um

aprofundamento ainda maior das questões aqui analisadas. Em busca desse aprofundamento

deparei-me com um parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação que foi emitido em

virtude do processo de discussão sobre a questão da BNCC, constituindo uma Comissão

Bicameral. Essa comissão foi designada pela Portaria CNE/CP nº 11/2014, com o propósito de

“acompanhar e contribuir com o Ministério da Educação na elaboração de documento acerca

dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” e das metas prognosticadas no

12

Plano Nacional de Educação aprovado pela Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (CNE/CP

nº 11/2014).

Entre os argumentos das conselheiras está o pedido de vistas para o documento da BNCC,

estão a “urgência” na aprovação da proposta, a “exclusão do ensino médio”, “estreitamento

curricular”, “[...] no que se refere às diversidades regionais, estaduais e locais, além da

necessária articulação entre direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.”

(BRASIL, 2016b, não paginado).

No âmbito de uma sociedade bastante diversificada, onde as contradições sociais,

epistemológicas, conceituais, teóricas, etc., estão presentes em todos os espaços, no campo do

currículo não haveria de ser diferente. Uma sociedade marcada historicamente por educação

superficial em uma escola fragilizada por processos excludentes, incapazes de promover nos

sujeitos uma educação voltada ao aprofundamento acerca do mundo social em todos os seus

aspectos. Essa mesma sociedade de classes, contraditória, pode também tornar-se espaço de

transformação e espaço de luta e um movimento constante de resistência da classe trabalhadora

em prol de educação e escola inclusivas no sentido amplo do termo.

Significa dizer que é preciso garantir direito a educação a qualquer pessoa sem que, isso

esteja atrelado a sua condição sociocultural, biológica e psicológica. Aqui partimos do

pressuposto de que toda e qualquer pessoa tem direito a educação independentemente do local

que esteja, das suas diferenças e da diversidade do contexto ao qual esteja inserido,

considerando os processos de discriminação e preconceito que sofre esse sujeito.

É preciso ter cuidado com o discurso da inclusão escolar. Partimos do ponto de vista de

que o discurso dominante apresenta também uma concepção de escola inclusiva onde a

educação oficial molda o sujeito, inclui esse sujeito na dinâmica do consumismo e da

individualidade. Partimos da concepção de inclusão na perspectiva da educação popular crítica,

que se opõe a um sistema que oprime, trabalhando e incluindo na perspectiva da inclusão

somente para, o consumo e a dominação. Uma educação que é contrária a todo tipo de

acolhimento da organização social e está apoiada apenas nos pilares da concorrência, da

hierarquização e classificação do ser humano (PINTANO, 2016, p. 43).

Dizemos isso porque, em leitura do documento da BNCC quando fala sobre os marcos

legais que a embasam, referindo-se a promulgação de Documentos Curriculares Nacionais

(DCN) pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) quanto a ampliação de contextualização

do conhecimento considerando a [...] realidade local, social e individual da escola, percebe-se

que “[...] portanto, a [...] inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e

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à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade

[...]” (BRASIL, 2017, p. 11)

Por conseguinte, nesse novo contexto social, que pratica uma educação tecnológica e

massificada a inclusão é transcender um discurso distanciado de práticas reais para uma escola

real. A constituição curricular tradicional acaba potencializando processos excludentes, uma

vez que trata todos os alunos que chegam a escola igualmente, sem considerar sua real situação

social, econômica e cultural. Pois bem, sabemos que a escola de modo algum é capaz de

oferecer uma “escola igual para todos”, o que não nos impede de acreditarmos em uma escola

para o “povo”, um povo que já chega a escola marginalizado e fragilizado por uma sociedade

capitalista, excludente, classista e contraditória. (NIDELCOFF, 1978, p. 9-20).

Nessa direção, argumentamos em defesa de uma proposta curricular na perspectiva

crítica comunicativa que propõe um currículo escolar voltado para formação humana e um certo

tipo de organização de sociedade, de pessoa e de relações que se estabelecem nesse espaço

social. No que tange a educação pensamos uma sociedade apoiados em Habermas (2001) e

Freire (1996). Para o primeiro que concebe a sociedade com dois pilares principais definidos

por ele como sistema que diz respeito ao sistema econômico e político que tendenciosamente

coloniza os aspectos mais específicos da vida humana a partir de uma ideologia

homogeneizadora que pode ser combatida através da educação consolidando interação e

diálogo entre mundo da vida e sistema mundo produzindo efeitos emancipatórios. Para o

segundo autor citado acima, nessa mesma sociedade é preciso transpor de uma educação

bancária para uma educação libertadora e emancipadora.

Para Freire (1996), a educação bancária é reflexo de uma sociedade que oprime e

confere privilégios a uns poucos. Isso acontece quando o processo de comunicação é

controlado, ou seja, os conteúdos e conhecimentos (dominantes) são considerados válidos. É o

mesmo que dizer que professores e educadores são detentores de todo saber na sociedade, que

tem como ferramenta a educação. Já uma educação que liberta uma sociedade da opressão é

aquela que existe a interação entre quem ensina e quem aprende e vice-versa. Nesta mesma

sociedade descrita pelo autor, onde nos incluímos, a educação tem papel fundamental de

desvelar as diversas relações opressoras, transformando homens, sociedade e o mundo.

Para que seja possível essa transformação, pensamos sobretudo uma proposta capaz de

dialogar em todos os espaços, sejam eles escolares ou não, bem como com a diversidade, por

considerar aqui, que um currículo fechado da forma com está pensado, não possibilita uma

educação que promova a compreensão de temas como ética, meio ambiente, pluralidade

14

cultural, saúde, orientação sexual e diversos outros temas sociais locais que além de promover,

naturalizam a exclusão social.

Partimos desse princípio, considerando que o referencial que sustenta essa proposta de

Currículo Crítico Comunicativo, está pautada no diálogo respeitoso e na igualdade de

diferenças, tendo como perspectiva a inclusão da diversidade em todos os seus aspectos, sejam

eles sociais, de gênero, raça, orientação sexual, etc., e todos os outros que hoje tem sofrido

diversos ataques pelas políticas públicas curriculares, as mesmas políticas que servem de

referência para os currículos das escolas brasileiras. Um currículo capaz de contribuir com os

processos de ensino e aprendizagem direcionados para autoformação e autocompreensão,

aliado a capacidade do ser humano de questionar, revisar e re-interpretar o que já foi

interpretado anteriormente, respeitando seu atual contexto histórico social, respeitando

também, o mundo em que vive, os outros e a si mesmo.

O Currículo Critico Comunicativo, como proposta curricular, vai além do diálogo

respeitoso e da igualdade na diferença. Se trata de uma proposta curricular voltada para

processos educativos que permitam elucidar e abrir espaços, possibilitando a construção e a

reconstrução de práticas que valorizem a solidariedade, o respeito das diferenças humanas, a

igualdade de oportunidades, a luta contra todo tipo de discriminação e a participação real nos

diversos espaços sociais, assumindo, conforme defende Ferrada (2001, p. 3, tradução nossa),

“[...] o desafio de mobilizar ações para incorporar uma racionalidade comunicativa como parte

das ações curriculares.”

A esse currículo são incorporadas a racionalidade comunicativa e o diálogo nas relações

sociais como base para se pensar, refletir e compreender os conflitos e desafios educacionais

demandados das transformações sociais, culturais e econômicas atuais, acompanhando as

transformações ocorridas ao longo do tempo, considerando que há muito estamos imersos e

submetidos a um mundo globalizado, também chamado de sociedade informacional ou

sociedade do conhecimento. Nesse novo modelo social a demanda é de que, de uma “restrita

visão de currículo como lista de disciplinas e conteúdos, passa-se a uma visão de currículo que

abrange praticamente todo e qualquer fenômeno educacional. Ou seja, “o currículo torna-se

tudo ou quase tudo” (MOREIRA, 1998, p.75).

Ao partir desse pressuposto, percebe-se que essa atual estrutura social altera as novas

demandas e exigências informacionais, culturais e formativas. São demandadas também nessa

nova dinâmica, projetos de educação intercultural, pautados no diálogo, que possam “[...]

recuperar o lugar central que a cultura teve nas finalidades fundamentais da educação e pôr os

meios e técnicas pedagógicas a seu serviço” e considerar que os processos educativos devem

15

ser concebidos tendo como base uma “[...] nova sociedade conectada em rede” (SACRISTAN,

2002, p. 24). Ainda de acordo com o mesmo autor, essa sociedade globalizada insurge

decorrente dos “[...] fenômenos econômicos, políticos, e culturais globalizadores.” exigindo da

educação e aqui inserimos o currículo escolar, que pensem propostas educativas orientadas para

e pela necessidade de construção de criação de um “modelo orientador de ser humano.”

(SACRISTAN, 2002, p. 30).

No centro dessa mudança de modelo social está como indispensável a necessidade de

diálogo e comunicação para pensar a resolução dos conflitos no interior e entre os grupos

sociais. Deste modo, pensar em formar seres humanos no âmbito dessa sociedade globalizada,

tanto em âmbito macro como micro, ou nas relações políticas, como nas relações pessoais do

dia a dia das pessoas em suas casas, onde se descobre a cada momento mais valores dialógicos,

descobrem também, uma intensa relação entre tais valores e as transformações dialógicas que

são impulsionadas.

O diálogo passou a ser muito mais necessário podendo desempenhar um maior papel

nas sociedades pós-modernas do que nas sociedades industriais e como consequência, exige

que as escolas deixem de desempenhar apenas o papel de transmissoras de culturas

descontextualizadas da realidade social de seus sujeitos ou o que Freire (1987, p. 35) chama de

“educação bancária”, passando à produtora de cultura própria. Para Sacristan (2002, p. 24)

trata-se de “uma cultura desejável” para o que chamamos de uma sociedade desejável.

É sabido que nem tudo ocorre na mais perfeita ordem e esse movimento dialógico pode

oferecer limitações consideráveis. Diversas barreiras são impostas para que sejam efetivadas as

transformações necessárias. A exemplo é possível citar o tradicionalismo, que acaba negando

o efetivo dialogo nas relações e a barreira sistêmica, apresentado pela forma burocrática das

diversas instituições sociais. Na escola não é diferente e pode ser massacrada por uma lógica

capitalista que se utilizam de discursos descontextualizados socialmente, culturalmente e

economicamente de uma prática verdadeira e plena de democracia, cidadania e igualdade para

todos.

Partimos do pressuposto de que as propostas de elaboração e implementação curricular

vive dilemas de um modelo que, certamente está longe de atender as reais necessidades culturais

e formativas de meninos e meninas que frequentam as escolas. Uma hipótese é que o currículo

que está posto para educação e escola, não dá conta do atual contexto em que vivemos, pois

não considera a imensa pluralidade de culturas, saberes, conhecimentos que está presente no

cotidiano das escolas. É essa mesma escola que vive dias difíceis, pois está subjugada a uma

lógica curricular que não considerar a grande pluralidade que está presente em seu cotidiano,

16

pautada em um modelo ultrapassado, que cerceia o indivíduo ao invés de emancipá-lo e de criar

condições para a autonomia.

Entre os anos de 1990 e 2017 foram elaboradas e aprovadas pelo CNE algumas diretrizes

e normas, dentre essas as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil, para o

Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, homologadas pelo MEC. E em 2017, o MEC

encaminha ao CNE a 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular.

Essas considerações que apresentamos pretende desempenhar a função de resgatar

debates e concepções em torno da construção curricular e projetos de sociedade, que pretendem

desenvolver com a prescrição de conteúdos para as escolas públicas brasileiras. Certamente que

se trata de discussões que fazem emergir consensos e dissensos com relação a um currículo

padronizado para todas as escolas do país.

Desse modo, entendemos que algumas questões precisam de atenção para que possamos

refletir, são elas: para que serve a BNCC? Para quem é pensada? A partir de qual concepção de

sociedade é pensada? Diante de tantas mudanças, há uma relação com documentos curriculares

produzidos anteriormente? É possível avançar para uma escola pública de qualidade social a

qual seja uma escola inclusiva sentido latu do termo? O que se entende por diversidade, para

além da concepção de “escola para todos”? É possível construir um currículo escolar, a partir

das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, na perspectiva crítico comunicativa? Há

possiblidades de construção de currículos inclusivos seguindo os conteúdos e as diretrizes da

Base Nacional Comum Curricular?

As revelações até aqui amparam reflexões que constituem a questão central dessa

pesquisa que é saber: quais as possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que

considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo crítico

comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum Curricular? Para

compreender esse movimento partiu-se da análise temática do documento oficial da Base

Nacional Comum Curricular, prevista na Constituição de 1988, na LDB de 1996 e no Plano

Nacional de Educação. Analisamos os discursos concernentes ao conceito de diversidade e

como esses conceitos são apresentados e descritos nos textos e partir de que bases teóricas são

amparados. Ficou definido 1 também para análise a obra de Donatila Ferrada Torres que

1 No decorrer do texto que apresentamos, os verbos utilizados, no modo indicativo, tais como, pesquisamos,

analisei, adotamos, realizei, dentre outros, apresentados tanto na primeira pessoa do singular quanto na primeira

pessoa do plural referem-se a um conceito / reflexão / ação individual e coletiva. Há momentos no texto em que

verbos indicativos na primeira pessoa do singular indicam a minha posição, o meu olhar diante de uma situação

enquanto pesquisadora, em outros momentos, os verbos indicativos na primeira pessoa do plural fazem referências

a uma reflexão ou conceito o da pesquisadora e orientadora da dissertação e / ou. Tais verbos estão identificados

em notas de roda pé para melhor compreensão da pesquisa.

17

apresenta o conceito de Currículo Crítico Comunicativo como uma proposta de se pensar a

equidade para todos os meninos e meninas, independente dos contextos socioeconômicos aos

quais estejam inseridos.

Tem-se conhecimento do poder decisório de tais organismos governamentais com relação

a imposição de políticas curriculares pensadas para serem implementadas nas e pelas escolas

brasileiras, mas, tem-se também convicção de que este mesmo espaço pode transformar-se em

espaço de resistência e luta das classes exploradas e mais afetadas pelas desigualdades

produzidas por tais instrumentos de imposição.

Pesquisar os discursos da diversidade produzidos nos documentos e propostas

curriculares nos ajuda a pensar sobre as representações que a sociedade, de modo geral, e em

especial professores, alunas e alunos tem sobre a diversidade e o quais as implicações que essa

representação pode promover no interior das escolas e na sociedade como um todo, em especial

nas relações que se estabelecem no cotidiano da escola, certamente refletindo na sociedade e

vice-versa. Entendemos que os documentos curriculares, são como peças que contribuem (ou

não) significativamente na construção social justa ou injusta. A organização curricular faz parte

da construção de realidades e isso tem impacto no contexto educativo e social.

Para que possamos expor os resultados que aqui pretendemos, organizamos este

trabalho em três capítulos.

O Capítulo 1 é dedicado às trajetórias metodológicas do trabalho. No segundo tópico

desse mesmo capítulo, é apresentado o método da Hermenêutica de Profundidade (HP) de John

B. Thompson (2011) descrevendo a Analise de Conteúdo como técnica escolhida para análises

das formas simbólicas a partir da análise temática.

Apresentamos no Capítulo 2 o Currículo Crítico Comunicativo, amparados pelos

estudos sobre currículo e educação popular a fim de situar o leitor para nosso objeto de estudo

o qual defendemos como proposta educativa. Neste capítulo apresentaremos os elementos

fundantes do Currículo Crítico Comunicativo bem como os procedimentos adotados, suas

significações e os resultados obtidos a partir da análise temática obtida a partir da leitura e

análise do livro de Donatila Ferrada Torres

No capítulo 3, nossa atenção está voltada para a temática a respeito construção curricular

no Brasil e sua contextualização sócio histórica, que compreende uma das fases da

Hermenêutica de Profundidade (HP), dialogando com o aporte teórico como meio de

questionar, interpretar e reinterpretar mecanismos e instrumentos do campo educacional. Neste

capítulo refletiremos o diálogo e ação comunicativa e como aporte teórico Freire e Habermas,

além de outros autores que dialogam nessa mesma perspectiva. O capítulo discute ainda

18

discursos presentes na BNCC a respeito da diversidade e como esta é apresentada no texto da

Base, finalizando assim, a segunda fase da HP.

Nas considerações finais retomam de modo geral, a problematização bem como as

constatações evidenciadas na pesquisa no que tange ao conceito de diversidade apresentado

pela BNCC em contraposição com os elementos fundantes de uma proposta curricular na

perspectiva crítico comunicativa, o Currículo Crítico Comunicativo. O que talvez encaminhe

nossas reflexões para um recomeço no tocante às formas de pensar a constituição curricular e

sua relação com o conceito da diversidade.

19

1 CAMINHOS DA PESQUISA

Qualquer tentativa séria de entender a quem pertence o

conhecimento que chega à escola deve ser, por sua própria

natureza, histórica. Deve começar por considerar os

argumentos atuais sobre currículo, pedagogia e controle

institucional como consequências de determinadas

condições históricas, como argumentos que eram e são

gerados pelo papel que as escolas desempenham em nossa

ordem social. Assim, se pudermos começar a compreender

os objetivos econômicos e ideológicos que as escolas serviram no passado, então poderemos começar a ver as

razões pelas quais os movimentos sociais progressistas que

buscam determinados tipos de reforma escolar – tais como

participação da comunidade e controle das instituições – tem

frequentemente menos sucesso do que seus proponentes

gostariam que tivessem. (APPLE, 2006)

A partir das questões que permeiam esta pesquisa – as possiblidades de

construção de uma escola inclusiva, que considere a diversidade, solidariedade e equidade sob

a perspectiva de um currículo crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base

Nacional Comum Curricular – assumimos como basilar, para responder aos questionamentos

apresentados, e como ponto de partida as discussões acerca da organização curricular no Brasil.

Em razão do tema e da análise dos discursos, adotamos como metodologia, nessa

pesquisa, a Hermenêutica em Profundidade de John Thompson (2011) e como técnica de análise

a Análise de Conteúdo de Lawrence Bardin (1977). Elegemos as dimensões sócio-histórica e

culturais da organização curricular no Brasil, desde a década de 1990, para a análise que aqui

se pretende. E quando sistematizadas evidenciam, que a forma como são pensados tais

documentos deixam de fora a diversidade cultural presente na sociedade, demonstra uma

pretensão de modelo de organização social e de pessoa.

1.1 Definição da temática

Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e

passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...]

O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa

do sujeito em face do mundo. Requer sua ação

transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca

constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a

reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer,

pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se

assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os

condicionamentos a que está submetido seu ato. [...]

conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode

20

realmente conhecer. (FREIRE, 1969; 1992a, p. 27, apud

SILVA, 2004).

O tema em questão começou a se delinear a partir dos estudos sobre Comunidades de

Aprendizagem2 que são desenvolvidos pelo Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica

(GEAD) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/CUR) coordenado pela professora

doutora Eglen Sílvia Pípi Rodrigues que vem se debruçando a estudar tal assunto, entre outros

temas, buscando refletir sobre propostas educativas que valorizem a diversidade cultural da

comunidade escolar e de seu entorno.

Nessa direção e tendo como base a interação, primeiramente em minha experiência de

vida como pertencente à classe popular e como dizia Paulo Freire em suas reflexões acerca da

educação e escola popular, não falo como pesquisadora alheia a cultura popular, “de fora”, falo

como alguém que conhece tal realidade de perto, de dentro. Posteriormente, minha experiência

aumenta quando com crianças, jovens e professores em projetos de leitura formulados e

desenvolvidos a partir da experiência como docente do curso de Biblioteconomia da

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, projetos estes pensados para bibliotecas e

escolas situadas nas periferias de áreas urbanas desta cidade, que foi possível observar e ainda

é, a presença da diversidade cultural, ao mesmo tempo que também foi possível perceber a

tentativa de negar e/ou silenciar essa diversidade.

Nessa constante, deparei-me com diversos ataques à educação e escola vindo de todos

os lados. Talvez o pior de tudo é que os sujeitos que compõem a trama da sociedade brasileira,

pais, professores, alunas (os), comunidade em geral não apenas neguem e/ou tentem silenciar a

diversidade que está presente nas escolas, acreditando que dispõem de um sistema educativo

verdadeiramente democrático e inclusivo, apesar de que os próprios conceitos equivocados de

democracia e cidadania vem se ressignificando e se cristalizando paulatinamente, dificultando

assim uma reflexão por parte da sociedade do que de fato é escola democrática.

Quero esclarecer que embora tenha sido um longo, mas, importante caminho percorrido

até a escolha do Currículo Crítico Comunicativo como objeto de estudo dessa pesquisa, e aqui

me ombreando à Guimarães Rosa que diz que o “[...] real não está na saída e nem na chegada,

2 Esta proposta pensada principalmente para transformar a partir da proposta curricular a realidade de exclusão

social que existe na escola e entorno. A proposta de Comunidade de Aprendizagem foi desenvolvida pelo Centro Especial em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades, da Universidade de Barcelona/Espanha e pelo

Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa, da Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Refere-se à

transformação da escola e de seu entorno para que todas as pessoas, estudantes da escola e moradores do bairro

possam fazer parte de um novo cenário social. (MELLO et al., 2012)

21

ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.” (ROSA, 1994, p. 85), tentei, acima de tudo,

aproveitar ao máximo o meu caminhar, onde foi possível transitar por diversos temas e teorias

que me fizeram chegar até aqui.

Dentre os temas, em especial, as questões que discutem o sentido da escola, a exclusão

escolar e escolas inclusivas e democráticas e especialmente o tema currículo. O envolvimento

dessa autora em projetos de incentivo à leitura em comunidades periféricas desta cidade foi

determinante nesse processo de escolha da temática em questão, bem como da professora

orientadora que é referência como pesquisadora de Comunidades de Aprendizagem no

município de Rondonópolis. É importante enfatizar que é a compreensão de aprendizagem que

motiva as Comunidades de aprendizagem, e que se baseia em sete princípios 3 de igual

importância no processo educativo para que todos tenham êxito em contextos socioculturais,

ou seja, comunidade e escola.

Nesse viés de raciocínio, a proposta de Comunidades de Aprendizagem visa, sobretudo,

a transformação da realidade da escola, como também das diversas formas de exclusão social e

cultural e foi desenvolvida pelo Centro Especial em Teorias e Práticas Superadoras de

Desigualdades, da Universidade de Barcelona/Espanha e pelo Núcleo de Investigação e Ação

Social e Educativa, da Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Refere-se à transformação

da escola e de seu entorno para que todas as pessoas, estudantes da escola e moradores do bairro

possam fazer parte de um novo cenário social (MELLO et. al., 2012).

Nessa trajetória, partindo de um estudo preliminar, foi desenvolvido um levantamento a

por meio do Estado do Conhecimento, que compreendia as teses e dissertações com recorte das

produções acadêmicas (2005-2015) brasileiras, que naquele momento contribuíram com

discussões sobre a diversidade cultural, escola inclusiva, multiculturalismo e currículo

dialógico, como possibilidades para se pensar a construção curricular. Foi possível identificar,

entre outros dados, que grandes parcelas das pesquisas localizadas se concentram na Educação

o que aumenta o interesse em relação ao tema, aumenta também à medida que percebemos um

dado bastante importante, que nenhum trabalho no Estado do Mato Grosso discute,

especificamente, a temática que aqui nesse estudo propomos.

Nesse breve levantamento e levados a buscar entendimento acerca do que tem sido

produzido especificamente na área educacional, foi possível identificar algumas questões

relevantes que poderiam contribuir para as reflexões que aqui estão propostas, como por

3 Diálogo igualitário; inteligência cultural; transformação; criação de sentido; solidariedade; dimensão

instrumental e igualdade de diferença. Alguns autores contribuem teoricamente e apoiam estes princípios, dentre

eles: Freire, Vygotsky, Bruner, Wells, Habermas, Chomsky, Scriner e Mead.

22

exemplo, pensar caminhos possíveis para a construção de uma escola que respeite a diversidade

cultural, uma escola verdadeiramente inclusiva.

De modo geral, uma análise preliminar identificou trabalhos que tratam da temática em

questão, ficando evidente que na maior parte desses, que discutiam a escola inclusiva, tratavam

apenas da inclusão dos alunos com algum tipo de deficiência psicomotora. Um número pouco

expressivo nessas produções discutia a inclusão a partir do viés da diversidade cultural e

currículo, ou seja, questões decorrentes dos debates de raça, etnia, cultura, sexualidade, gênero,

classe social, religião, idade, necessidades especiais que por sua vez tem estreita relação com

outros confrontos sociais e com a construção curricular.

Posteriormente, deu-se a busca por compreensão acerca da escola e as possibilidades de

torná-la verdadeiramente inclusiva na perspectiva da educação popular emancipadora como

possibilidades para contribuir com os processos de formação humana com foco na construção

de um currículo onde o sujeito fosse visto integralmente, sujeito que interage, sujeito que possua

laços de escuta, de fala e de reflexão com os demais em uma interação intersubjetiva,

possibilitando o que Habermas (1987a apud PINENT, 2004) aponta como ação comunicativa

que se manifesta numa clara intencionalidade dialógica entre dois ou mais indivíduo. Que seja

um movimento inerente ao diálogo, da palavra verdadeira, da práxis, ação e reflexão (FREIRE,

1987, p. 44).

Nessa direção é preciso compreender que a educação popular, que de fato tenha

compromisso com a libertação das amarras d1987as desigualdades sociais é justificada por uma

prática pedagógica em contextos de opressão, como é o caso brasileiro, oferecendo resistência

a opressão social (PITANO, 2016).

A luz de análises e da observação do processo educativo, atravessado pelas incertezas

pedagógicas e marcada pela opressão, passou-se a busca na literatura para compreender como

é possível que o currículo seja considerado fora de interação dialógica entre escola e vida,

quando entendemos que ele deve contemplar tanto desenvolvimento humano, o conhecimento

quanto também a diversidade de culturas dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica e que estes

sujeitos também buscam incessante o conhecimento que é produzido historicamente e que lhe

é negado. Essa busca vai desde “nossa capacidade de pensar e raciocinar” até a busca por

“mecanismos de superação dos desafios e relações conflituosas” que são impostos pela

existência humana (MARIGO, 2015, p. 23).

Mas a preocupação não está diretamente relacionada com legitimidade científica do

conhecimento que é materializado no currículo, a questão primordial a saber é em relação aos

procedimentos que levam a considerar um conhecimento legítimo de modo que essa validade

23

seja capaz de anular um outro conhecimento que os mesmos mecanismos asseguram ser

inválidos. De acordo com Apple (2015, p. 46) tratam-se de conhecimento “ilegítimos”, e que

amparar-se nos modelos curriculares tradicionais, os questionamentos se limitam a analisar os

“[...] critérios epistemológicos estreitos de verdade e falsidade. Como consequência, os

modelos técnicos de currículo limitam-se a questão de como organizar o currículo [...],

deixando de fora tanto a interação que acontece no cotidiano escolar como nas práticas

educativas.”

Assegurar uma aprendizagem dialógica aumenta a aprendizagem das pessoas,

potencializando a criação de sentido nos processos de escolarização de meninos e meninas.

Nesse sentido, é preciso criar mecanismos capazes de romper com os processos hierárquicos

que são identificados nas ações de ensino e aprendizagem e na produção de conhecimento seja

ele social ou cientificamente produzido. Marigo (2015), a esse respeito, esclarece que somente

integrando conhecimento social e cientifico, é possível eliminar o imenso abismo que se

instaurou no interior de “grupos socialmente vulneráveis” de um lado e de outro, “pesquisas em

ciências sociais e educação” e avançar nos processos de ensino e aprendizagem (MARIGO,

2015, p. 159).

Estudos apontaram também, para a urgência em reconhecer que são tempos difíceis para

escola pública bem como dos processos de ensino e aprendizagem que essa oferece, os sinais

são demasiadamente contraditórios e estão por todos os lados. Da mesma forma que é

necessário pensar sobre mecanismos de luta capazes e desvelar como as desigualdades sociais,

econômicas e culturais são produzidas e de que maneira é possível eliminá-las. Romper com

um pensamento ingênuo com relação a produção das desigualdades sociais, quando na verdade

podem ser reforçadas (se não produzidas) pela própria escola e pelo currículo escolar, quando

é aceito como instrumento neutro e desinteressado, quando na verdade o currículo e escola

sempre foram parte de instrumentos de controle social.

A título de ilustração sobre tais instrumentos de controle no qual essa autora se inclui, é

possível citar os aparelhos ideológicos discutidos por Althusser (2003) em sua obra “Aparelhos

Ideológicos de Estado”, que considera a instituição escolar também como aparelho ideológico

de Estado dominante nas formações sociais capitalistas e de reprodução, e também é a escola

que toma para si em seus processos todas as crianças, impondo-lhes e inculcando-lhes uma

ideologia, que geralmente advém da classe dominante.

Embora essa ideologia apresente-se em forma de projetos e propostas (currículo) que na

maioria das vezes são impostas e ditam as práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem da

escola, determinando a esses sujeitos as práticas que estes desempenharão na sociedade, ou

24

seja, uma posição de explorado ou explorador, que compõem as formações capitalistas da

sociedade atual, é nesse mesmo chão de escola que podem se dar espaços de lutas em prol de

uma educação emancipadora capaz de transformar a realidade de meninas e meninos

marginalizados em uma sociedade de classes.

Quanto à escolarização das pessoas, muitos desafios são apresentados, principalmente no

que diz respeito à aprendizagem, mais especificamente ao conhecimento a ser ensinado.

Amparada em Marigo (2015), digo que é urgente compreender que o Brasil recebe destaque no

atual contexto educacional e entre diversos países que tem sido investigado e estudado, dentre

eles o Brasil é o que apresenta precariedade marcante na área da educação.

Mas, acreditando que nem tudo está perdido, em contrapartida estão os professores e

profissionais da educação que munidos de práticas respeitosas e de consciência política, com

respeito a liberdade, cultural, social e econômica, e respeito as diferenças, desenvolvem

propostas e projetos a fim de estimular a consciência crítica e reflexiva destes alunos confiados

à escola. Uma das razões porque dizemos isso, é que entendemos como Moreira e Candau

(2003, p. 159-160) que a escola é uma instituição cultural de modo que “[...] não se pode

conceber uma experiência pedagógica desculturizada.”, sem que os inúmeros costumes e

tradições que se manifestam na sociedade sejam uma constante na escola também.

Colocado de outra maneira pelos autores, escola e cultura são “universos entrelaçados,

como uma teia, tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados.” Mas como

paralisar o que é puro movimento? O currículo pode até ser movimentado por intenções oficiais

de transmissão de uma única cultura como sendo uma cultura oficial, mas certamente nunca o

resultado será o esperado, isso porque essa transmissão sempre se dará em um espaço dinâmico

de significação de puro movimento (MOREIRA; SILVA, 2011, p. 27).

Mas embora seja dado ênfase no comum, atualmente, muitos estudos e pesquisas

demonstram a necessidade de se entender que a pluralidade de diferenças se faz cada vez mais

presente em nossa sociedade e consequentemente na escola. Em decorrência dos embates

produzidos pelas diferenças culturais muitos autores, 4 de diferentes perspectivas, têm se

debruçado sobre o tema da cultura, da diversidade cultural, do multiculturalismo, igualdade de

diferenças, inclusão/exclusão, e defendem a necessidade de pensar que o currículo deve

apresentar em sua elaboração as diferentes expressões culturais.

4 Moreira e Candau (2008), Sacristan (2001), Moreira e Silva (2011), Silva (1995), Mclaren (1997) Pérez Gomes

(2001), Giroux (1998), Louro (2013; 2014; 2015) dentre outros que no momento oportuno contribuirão com essa

pesquisa.

25

É nesse contexto que defendemos que não se trata apenas de exaltar a diferença e a

diversidade cultural, mas sim, de reconhecê-las. O que nos leva a considerar que se tratando de

um país multicultural que, ao falar em democratização do ensino e garantir a todos e todas,

acesso aos bens e serviços sejam eles, sociais e/ou culturais, constitui compreensão das questões

relacionadas a respeito a diferentes culturas que coexistem nesse mesmo espaço. Isso porque

partimos do princípio que temos o direito a sermos nós mesmo em nossas subjetividades.

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o

direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a

necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que

não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (SANTOS, 1999, p. 44).

Naturalmente que essa convivência no espaço escolar não é pacífica e pode oferecer

desafios aos estudantes e professores. São conflitos colocados também para a educação, escola

e principalmente para a construção curricular, por estarmos assentados, historicamente e

epistemologicamente, em uma cultura escolar que prioriza o que é comum, o uniforme o

homogêneo, fazendo com que a construção curricular não fuja a essa regra.

Com base nas alegações acima, é que este projeto de pesquisa intitulado “Currículo

Crítico Comunicativo: caminhos possíveis para uma escola inclusiva”, busca a primazia de

compreender a construção curricular que considera a diversidade cultural em favor de uma

educação e escola inclusivas e que sejam possuidoras de relações mútuas de respeito com as

diferentes culturas presentes no cotidiano escolar, respeitando o princípio da igualdade e

garantindo direitos iguais para atender às necessidades específicas de cada um que compõem o

todo social.

É importante considerar que a igualdade aqui está relacionada à ideia da garantia de

direitos sociais. Todas as pessoas têm que ter os seus direitos sociais respeitados, sem distinção,

sempre considerando todos em quaisquer diferenças, sejam elas relacionadas à classe social,

raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura, religião, idade, necessidades especiais, e a outras

características que convivem em um mesmo espaço social.

Foram essas e tantas outras inquietações que ao longo dos últimos anos, provocaram em

mim, enquanto pesquisadora, o desejo e a necessidade de refletir a partir de um referencial

teórico, a possibilidade de pensar em construir relações respeitosas no interior da escola e fora

dela. Nesse contexto, a concepção de Bardin (1977, p. 27) contribui para refletir sobre o papel

do pesquisador como investigador social que além do “[...] desejo de rigor e necessidade de

26

descobrir, de adivinhar, de ir além das aparências[...]”, como também o de observar e “[...]

determinar as influências culturais das comunicações de massa da nossa sociedade.”

Nesse horizonte de inquietações surge uma hipótese, a de que talvez seja porque “[...]

vivemos em uma sociedade marcada por políticas neoliberais, excludentes e que potencializam

cada vez mais a homogeneidade de seus sujeitos, asseverando a negação do outro.” (CANDAU,

2012, p. 23), inclusive por currículos e práticas escolares que certificam uma educação e

currículos iguais para todos.

Na contramão desse discurso de negação do outro, merecem destaque a criação de

iniciativas afirmativas em prol da educação e do respeito à diversidade cultural nas políticas

curriculares. Entre outras iniciativas, há uma lei sancionada em 9/01/2003, pelo então

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que “tratava-se” de uma medida de ação afirmativa que

“tornava” obrigatória a inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira

nos currículos dos estabelecimentos de ensino públicos e particulares da educação básica. Dizia

respeito a uma alteração da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN).

Mais do que uma iniciativa do Estado, essa lei deve ser compreendida como uma vitória

das lutas históricas empreendidas pelo Movimento Negro brasileiro em defesa da educação

como direito de todos. Portanto, a partir de 2003, a Lei 9.394/96 passa a vigorar acrescida dos

seguintes artigos: 26-A, 79-A e 79-B: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental

e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-

Brasileira incluído pela Lei 10.639, de 09/01/2003. (BRASIL, 2003).

Mas, em decorrência das disputas teóricas e de poder são concretizadas propostas que

contrariam o estado democrático de direito. Surgem no horizonte educacional novas medidas

impostas a educação e a escola. Para a construção dessa reflexão, podemos (devemos) observar

certos documentos oficiais como por exemplo a reforma do ensino médio, e as alterações na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em seu artigo 61, discorre a respeito das mudanças

que chegam por meio de medida provisória. A palavra de ordem é “falência do ensino”, a

justificativa: “um salto de qualidade para o ensino médio”. As mudanças vão desde a disciplinas

que deixam de ser obrigatórias à contratação de “professores de notório saber”.

Assim, presenciamos as idas e vindas das políticas educacionais, sempre acompanhadas

de diferentes discursos políticos, sociais ou culturais, que às vezes se manifestam de forma

implícita, ou explicitamente no cenário atual político. Por isso, entendemos como Freire (1987,

p. 30) que a “educação é ato político”, do mesmo modo que não acreditamos que currículo seja

27

apenas território em disputa teóricas, mas também disputas por direitos, tanto políticos, sociais

ou culturais.

Em meio às disputas e confrontos políticos temos sempre que acreditar num horizonte de

possibilidades para uma escola pública de qualidade social. É bem verdade que numerosos

debates em torno da qualidade do ensino vêm ocorrendo na educação, bem como no campo do

currículo na atualidade. Entre as questões centrais desses debates estão a seleção e a

organização do conhecimento e a qualidade do ensino, medida não pela ótica da eficiência e

eficácia do ensino, e sim pela qualidade que leve em conta as possibilidades de

desenvolvimento pleno do indivíduo com participação ativa na sociedade.

Assim como Carvalho (2005, p. 15), penso que qualidade na educação tem a ver com a

“educação de qualidade social” e aqui como o autor é incluída aos tipos de educação capazes

de garantir “[...] o acesso e a permanência de todos os alunos na escola e, ao mesmo tempo,

propicia uma educação emancipadora para toda a sociedade e a apropriação do conhecimento

sistematizado, visando o fortalecimento do poder popular.”

Nesse entendimento, embora difícil, devemos manter viva a vitalidade e a força dos

sujeitos que frequentam a escola, bem como a busca por uma reforma educacional democrática

e justa para todos. É preciso continuar, mesmo que isso signifique lutar constantemente nesse

ambiente de inquietações, contra os “ataques gerais a educação” (APPLE; BEANE, 2001, p.

11).

Para tanto, essa pesquisa se ancora na metodologia proposta por John B. Thompson

(2011) desenvolvida em três fases: 1. Análise sócio histórica, 2. Análise formal ou de discurso

e 3. Interpretação e reinterpretação dos dados que será realizada com a ajuda da técnica da

análise de conteúdo, conforme preconizado por Laurence Bardin (1977). Entendemos ser

possível, dessa maneira, realizar o tratamento e interpretação das mensagens para além da

superficialidade que elas possam apresentar. Segundo salienta Bardin (1977, p. 16), “[...] por

detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que

convém desvendar.”

A seguir, no próximo capítulo, os procedimentos metodológicos utilizados para a

realização desta pesquisa serão descritos passo a passo.

1.2 HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE E A TÉCNICA DA ANÁLISE DE CONTEÚDO

28

Embora seja bastante expressivo o número de trabalhos que trazem à luz discussões de

diversos temas relacionados e entrelaçados nessa construção que aqui se apresenta, é, necessário

selecionar um referencial que sustente nossa intenção de pesquisa e auxilie na compreensão dos

elementos de análise para que os documentos selecionados possam, conforme Richardson

(2011, p. 233) “[...] proporcionar a informação adequada para cumprir os objetivos da

pesquisa.”

Acreditamos que no universo da pesquisa qualitativa, seja exigido um método criterioso

com base em subsídios teóricos metodológicos adequados para a análise do material

selecionado. Diante dessa afirmação, apresentamos a Hermenêutica de Profundidade (HP) de

John B. Thompson (2011). A HP configura-se como instrumento metodológico capaz de

oferecer subsídios para compreensão e interpretação. Para o autor essa opção está em

consonância com a análise que aqui se pretende, nas palavras dele,

[...] muitos fenômenos sociais são formas simbólicas e formas simbólicas são construções significativas e que, embora possam ser analisadas pormenorizadamente

por métodos formais ou objetivos, inevitavelmente apresentam problemas

qualitativamente distintos de compreensão e interpretação (THOMPSON, 2011, p.

358).

Isso nos leva a compreender porque as formas simbólicas necessitam de análise e

interpretação tanto estatísticas, objetivas como interpretativas, por se tratarem de um objeto de

análise já pré-interpretado (THOMPSON, 2011). E nesse processo de análise, interpretação e

reinterpretação de dados, buscamos evidenciar que não existe uma única verdade, embora o

positivismo tenha prevalecido na modernidade e venha refletindo ainda hoje na forma como

concebemos aspectos de caráter psicológico, sociológico, político, histórico e culturais nos

processos educativos. A hermenêutica é contrária a essa via de mão única de se conceber os

ambientes de produção e reprodução do conhecimento.

No âmbito específico dessa pesquisa é possível afirmar a Hermenêutica como

importante subsidio teórico metodológico à análise que aqui pretendemos, pois mantem sua

característica interpretativa, embora, num primeiro momento, ela remetia a interpretação,

unicamente, de textos bíblicos conforme é conceituado no dicionário de filosofia de Japiassu e

Marcondes (2001, p. 92). De acordo com os autores e como meio de apresentar alguns aspectos

históricos, as origens do termo “hermenêutica” tem suas raízes na teologia e designa,

[...] 1. A metodologia própria à interpretação da Bíblia: interpretação ou exegese dos

textos antigos, especialmente dos textos biblicos. 2. O termo passou depois a designar

todo esforço de interpretação cientifica de um texto dificil que exige uma explicação.

29

[...] 3. Contemporaneamente. A hermenêutica constitui uma reflexão filosófica

interpretativa ou compreensiva sobre os símbolos e os mitos em geral [...]

(JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 92).

Esse resgate da concepção da hermenêutica serve para nos localizarmos acerca do

contexto sociohistórico ao qual a hermeneutica está insirida e da sua contribuição com a análise

dos diversos contextos sócio-históricos ao longo do tempo.

Vale ressaltar que o corpus a ser analisado é constituído pelo documento da Base

Nacional Comum Curricular (BNCC), compreendidos aqui como formas simbólicas que são

“[...]construções significativas que exigem uma interpretação.” (THOMPSON, 2011, p. 357),

por isso elegermos como método a HP, por compreendemos que embora Thompson (2011) não

aborde o conceito de formas simbólicas especificamente no campo curricular, ele vê a escola e

aqui é possível incluir a organização curricular que é pensada para essa escola, como

importante território de contestação, dominação e de disputa de poder e um território pré-

interpretado, que exige ainda mais uma análise meticulosa.

Para Thompson (2011) isso se deve, também, pelo fato de que a escola como instituição

responsável pela distribuição do conhecimento, está entre os espaços sociais em que a maior

parte das pessoas vivem suas vidas cotidianas sendo profundamente afetadas pela comunicação

de massa ou pela “[...] ampliação da educação de massas.” conforme esclarece Silva (2000 apud

HIDALGO, 2008, p. 28).

Ainda segundo Silva (2000), ao discutir as complexidades das “[...] elaborações teóricas

acerca do currículo”, afirma que já na década de 1960 com o advento movimentos sociais e a

elaboração das teorias críticas, acabaram provocaram intensas alterações no interior no campo

curricular, demandando

[...] atenção exclusiva dos aspectos técnicos da elaboração e organização do currículo,

sem questionamento político do papel da educação na sociedade, passa a ser

substituída pelas preocupações pelas desigualdades sociais e o papel do currículo na

manutenção e ampliação dessas (SILVA, 2000 apud HIDALGO, 2008, p. 28).

Já para Thompson (2011), o contexto sócio-histórico é sem dúvida alguma,

indispensável para a análise exaustiva das formas simbólicas interpretando e reinterpretando,

mas o autor lembra que, é preciso avançar nessa concepção e ir além das interpretação e

reinterpretação do que ele chama doxa. Para o autor, a doxa, nada mais é do que “[...]

interpretações de opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas

pessoas que constituem o mundo social.” Não afirmamos aqui que é preciso desconsiderar a

30

interpretação da doxa, o que estamos afirmando é a necessidade de ir além, para uma análise

mais profunda das formas simbólicas (THOMPSON, 2011, p. 364). Nas palavras do autor,

Sem esquecer a interpretação da doxa, devemos ir além desse nível de análise, para

tomar em conta outros aspectos das formas simbólicas, aspectos que brotam à

constituição do campo-objeto. As formas simbólicas são construções significativas

que são interpretadas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e recebem, mas

elas são também construções que são estruturadas de maneiras definidas e que estão

inseridas em condições sociais e históricas específicas (THOMPSON, 2011, p. 365).

A luz desses esclarecimentos, entendemos ser possível refletir o currículo, bem como

escola, a partir do viés de contextos sócio-histórico. Ao qual tanto organização curricular, como

escola estão inseridos, bem como a forma como são produzidas, transmitidas e recebidas as

mensagens que estes carregam ao longo do tempo histórico e, considerando que percebemos o

currículo como um espaço de luta e contestação constantes. Nesse aspecto, Thompson (2011,

p. 288) diz que o currículo é também território de “[...] produção institucionalizada e a difusão

generalizada de bens simbólicos através da transmissão a do armazenamento da

informação/comunicação.”, que se efetivam por meio e através das instituições escolares

(THOMPSON, 2011, p. 288).

O autor ao se referir a tais construções como formas simbólicas, insere também como

sendo formas simbólicas:

[...] ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser

compreendidas [...], por se tratarem de uma ampla variedade de fenômenos

significativos, desde ações, gestos e rituais, até manifestações verbais, textos,

programas de televisão e obras de arte. (THOMPSON, 2011, p. 183).

E são constituídas por cinco características que tem uma intrínseca relação com o

“significado”, “sentido” e significação” do objeto a ser estudado (THOMPSON, 2011, p. 183).

Do mesmo modo que o autor esclarece quando descreve tais características, não temos

a intenção de discutir profundamente as mesmas, mas no que se refere essa pesquisa elas são

“cruciais para a análise da cultura” em que são interpretados os discursos apresentados pelos

documentos curriculares quanto ao sentido e significado do que se quer dizer ou do que se diz

com tais discursos.

Assim, mesmo que de maneira sucinta não iremos negligenciar tais aspectos sob pena

de perder de vista o caráter cultural da interpretação das formas simbólicas, que aqui nessa

pesquisa diz respeito a organização curricular e o conceito de diversidade apresentado por esse

documento e do pressuposto de que cultura pode ser interpretada, como as particularidades:

31

[...] espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou

um grupo social [...] carregados de aspectos culturais que são produzidos ao longo do tempo histórico da vida do ser humano. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

PELA EDUCAÇÃO CIÊNCIA E CULTURA, 2002, não paginado, grifo nosso).

Ao partir dessa premissa, observa-se que a primeira característica, de acordo com

Thompson (2011, p. 183), está relacionada com o “aspecto intencional” das formas simbólicas,

tem a ver com o modo como as formas simbólicas são produzidas, construídas e empregadas

por um sujeito com intencionalidades de expressão de algo que quer dizer ou projetar para outro

sujeito ou sujeitos. A segunda característica diz respeito ao “aspecto convencional” das formas

simbólicas. É importante destacar que essa característica, embora a produção e representação

das formas simbólicas estejam submersas a “[...] aplicação de regras, códigos, ou convenções

de vários tipos.”, não é intrínseco a esse processo a consciência de tais regras de modo que seja

capaz de formulá-las de maneira clara e concisa (THOMPSON, 2011, p. 185).

Ao descrever a terceira característica, Thompson (2011) detalha o “aspecto estrutural”

das formas simbólicas. Para ele, significa dizer que se existe nas formas simbólicas uma

estrutura articulada, é possível abstrair e reconstruir dessa maneira, uma variedade de

elementos, de modo que suas análises devam considerar tais aspectos, bem como suas inter-

relações (THOMPSON, 2011, p. 187). A quarta característica é o “aspecto referencial”, ou seja,

o aspecto da representação, pois as construções representam algo, querem dizer algo acerca de

alguma coisa, ou como Thompson (2011, p. 190) descreve, “[...] são construções que

tipicamente representam algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma coisa.”

E por fim, o autor apresenta a quinta característica. O “aspecto contextual” diz respeito

aos processos e contextos sócio-históricos” ao qual as formas simbólicas estão inseridas, sendo

a através destes contextos que tais formas são “produzidas, transmitidas e recebidas” e

possivelmente carregadas de marcas resultantes das relações sociais desses contextos

(THOMPSON, 2011, p. 192).

É preciso considerar nessa última característica, que quando esse contexto diz respeito

às formas mais complexas como por exemplo, discursos, textos, etc., “[...] pressupõem, uma

variedade de instituições especificas, dentro das quais, e por meio das quais, essas formas

simbólicas, são produzidas, transmitidas e recebidas.” (THOMPSON, 2011, p. 183).

Nessa direção e considerando o contexto social ao qual está inserido nosso corpus de

análise, as características das formas simbólicas dizem muito pois, estas acabam por produzir,

32

instituir, criar, sustentar, nutrir ou reproduzir relações de poder e de dominação, a partir do

sentido e significado atribuído as mensagens, sejam elas implícitas ou explícitas.

E aqui, partindo do princípio de que tais relações, são permeadas por conflitos e

diferenças de classe, raça, gênero, orientação sexual, opção religiosa, idade, pode etc. Enfim, a

diversidade em suas diversas expressões e no tocante a organização curricular determinar,

prescrever conteúdos como receitas prontas, pode estabelecer uma relação de dominação de uns

sobre outros. Nas palavras de Thompson,

Relações de classe são apenas uma forma de dominação e subordinação, constitui

apenas um eixo da desigualdade e exploração; as relações de classe não são, de modo

algum a única forma de dominação e subordinação. [...] vivemos atualmente um

mundo em que a dominação e a subordinação de classe continuam a desempenhar um

papel importante, mas em que outras formas de conflito são prevalentes e, em alguns

contextos, de importância igual ou até maior (THOMPSON, 2011, p. 77-78).

Do mesmo modo o universo de construção, reconstrução e desconstrução curricular é

local onde se manifestam a representação como domínio, discurso e regulação. De modo que

não é possível desconsiderar as características apresentadas por Thompson (2011) ao elaborar

a concepção estrutural da cultura. Nas palavras de Silva (1996) quanto a organização curricular

e também no

[...] currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de

formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais

estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais. (SILVA

,1996, p. 23).

O currículo deriva sempre de uma tradição de escolha seletiva, resultado da seleção de

alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. A sistematização

do conhecimento no currículo é “[...] produto de tensões, conflitos e concessões culturais,

políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” de uma nação (APPLE, 1992

apud MOREIRA; SILVA, 2011, p. 71).

Aqui partimos do pressuposto de que currículo não é apenas o conhecimento, mas

também é atravessado por atitudes, comprometimento e intenções. Nesse caso, ele corresponde

as todas as ações que se desenvolvem no espaço escolar com a participação de professores e

alunos. O que, de certa forma, faz com que sua construção se dê numa arena de conflitos e

desafios. Tais desafios podem se relacionar com a forma de pensar o currículo, a articulação

do tempo e do espaço, a flexibilização, a organização, a não compartimentalização dos

conteúdos, sobretudo a construção curricular que não considere a diversidade cultural.

33

A metodologia da Hermenêutica em Profundidade (HP), está inserida no campo da

Teoria Social Crítica, bem como entendemos que essa investigação também se situa, pois,

buscamos a partir de nosso corpus de análise do mesmo modo que o autor propõe, desvelar,

interpretar e reinterpretar o já dito a respeito da construção curricular no que tange à sua

elaboração e implementação e as relações que se estabelecem nesse campo, com relação ao

conceito de diversidade que é inserido no documento e textos que aqui analisamos.

Embora a HP tenha sofrido inúmeras transformações desde a Grécia Clássica, ou seja,

a mais de dois milênios, conforme preconiza Thompson (2011, p. 357-360), ela conserva

características fundamentais para a análise que dispomos a realizar, dentre elas é possível citar

que no estudo das formas simbólicas é fundamentalmente uma questão de compreensão e

interpretação bem como o autor nos relembra que “[...] os sujeitos que constituem parte do

mundo social estão sempre inseridos em tradições históricas.” Sendo preciso considerar que, os

acontecimentos sócio-históricos são tanto campo-objeto como campo-sujeito e, que segundo

mesmo autor, trata-se da distinção entre investigação social e conduta das ciências naturais.

Contudo se a hermenêutica nos relembra que campo-objeto é também campo-sujeito,

[…] ela também nos recorda que os sujeitos que constituem o campo-sujeito-objeto

são, como os próprios analistas sociais, sujeitos capazes de compreender, de refletir

e de agir fundamentados nessa compreensão e reflexão [...] outro aspecto relacionado,

devido ao que a hermenêutica conserva sua importância hoje, ela nos recorda que os

sujeitos que constituem parte do mundo social estão sempre inseridos em tradições

históricas. [...] (THOMPSON, 2011, p. 359-360, grifos do autor).

Não é possível então, conceber os seres humanos apenas como observadores ou

espectadores como alguns documentos e construções curriculares tentam impor, mas estes

devem ser compreendidos como parte da história, do mesmo modo que entendemos ser possível

refletir com e sobre construção do currículo distanciado da realidade social e cultural dos

sujeitos para quem esse currículo é sistematizado e prescrito. É nessa perspectiva que

desenvolvemos essa investigação, apoiamo-nos nesse referencial teórico metodológico (HP),

proposto por Thompson (2011, p. 365) como meio de analisar as “formas simbólicas” do

currículo em contextos sócio-históricos.

Essa abordagem teórica metodológica, abarca três fases, sendo elas: análise sócio

histórica, análise formal ou discursiva, e interpretação-reinterpretação conforme demostrado na

figura abaixo:

Figura 1 – As fases da Hermenêutica de Profundidade

34

De acordo com essa proposta metodológica, a análise do contexto sócio-histórico

corresponde a primeira etapa da HP, que é entendida como produção, circulação e recepção das

formas simbólicas e que, no que se refere a essa pesquisa, trata-se do documento da BNCC,

especificamente as diretrizes para a educação básica e do livro de Donatila Ferrada Torres,

Curriculum Crítico Comunicativo, ambos aqui compreendidos como “[...] objetos e expressões

que circulam nos campos sociais.” são também textos que de são também de alguma forma são

“[...] construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada.” e que

caracteriza-se como a segunda fase de análise, a “análise formal e discursiva.” (THOMPSON,

2011, p. 369).

A análise formal ou discursiva refere-se à segunda fase da HP que, parte do

entendimento de que as formas simbólicas apresentam uma complexidade quanto a sua

estrutura, e é por meio dessa estrutura que os fatos são revelados. A esse respeito, Thompson

(2011) parte do princípio de que:

[...] as formas simbólicas são produtos contextualizados e algo a mais, pois elas são

produtos que, em virtude de suas características estruturais, têm capacidade, e têm por

objetivo dizer alguma coisa sobre algo. (THOMPSON, 2011, p. 369).

Dessa forma, para execução e desenvolvimento da segunda fase da HP, analisamos,

tanto o livro de Donatila Ferrada Torres que apresenta o conceito de currículo numa perspectiva

crítico comunicativa, como o documento da BNCC na parte que trata da educação básica,

35

compõem o corpus deste trabalho que levou em consideração o tema central da pesquisa,

Currículo Crítico Comunicativo: caminhos possíveis para uma escola inclusiva.

Desse modo, na segunda fase da HP definimos as formas simbólicas sobre a temática

da análise em questão: diversidade. O recorte temporal foi definido a partir da análise sócio-

histórica (primeira fase da HP) compreendido como período importante com exponenciais

transformações no campo educacional e curricular, e utilizando como contribuição na analise a

produção acadêmica a partir da ressonância na temática do Currículo Crítico Comunicativo e

dos textos oficiais que descrevem a BNCC e como a diversidade e apresentada nos textos, como

forma de contribuir com as interpretações e reinterpretações do objeto de estudo.

Ainda que sejam inúmeras formas de realizar a análise formal, e que tem a ver com “[...]

organização interna das formas simbólicas, com suas características estruturais, seus padrões e

relações.” (THOMPSON, 2011, p. 369). Enfim, tendo em mente as características e as

circunstâncias que circunscrevem o objeto de estudo, definimos como técnica de análise nesta

segunda fase da HP, a “Análise de Conteúdo” (AC), que conforme defendida por Bardin (1977)

busca, dentre outros aspectos, rigor teórico-metodológico da pesquisa bem como de sua análise.

Essa técnica é capaz de transpor as barreiras da subjetividade e do achismo, evitando a

ilusão da transparência e dos pressupostos apresentados apressadamente por diversos textos

como é o caso de alguns conceitos apresentados pelo documento elaborado para a BNCC, como

o conceito de cidadão, escola pública de qualidade, direitos, deveres, e principalmente pelo

estudo que aqui se pretende, o conceito de diversidade, pois como Bardin (1977, p. 16) salienta,

“[...] por detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um

sentido que convém desvendar.”

É nessa direção e intenção que recorrermos à instrumentos de investigação laboriosa de

documentos, a fim de desenvolver, um modo de vigilância crítica que,

[...] exige o rodeio metodológico e o emprego de técnicas de ruptura e afigura-se tanto

mais útil para o especialista das ciências humanas, quanto mais ele tenha sempre uma

impressão de familiaridade face ao seu objeto de análise. E ainda dizer não a leitura

simples do real, sempre sedutora [...] (BARDIN, 1977, p. 28).

Antes de passamos para a terceira fase da HP, nos deteremos a desenvolver uma reflexão

mais aprofundada da Análise de Conteúdo. Este fato se deve a necessidade em destacar sua

importância como conjunto de técnicas de análise de comunicações, bem como demostrar a

importância da semântica para a análise pretendida, ou seja, a análise do sentido ou significado

de um texto.

36

Mas a busca por compreender certas relações e conexões existentes no campo

curricular a partir da HP não podem correr o risco de deixar que as heranças do positivismo

interfiram. É necessário entender que embora não se descarte essa possibilidade, não podemos

partir apenas de análise puramente “formal, estatística e objetiva” como acontece com o

positivismo, mas é preciso considerar as especificidades das “[...] formas simbólicas como

construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por

serem construções significativas.”, que podem e devem ser compreendidas (THOMPSON,

2011, p. 356).

Nesta pesquisa optamos pela análise temática, ou como Bardin (1977) chama de unidade

de registro tema. A escolha se deu por compreendemos que nosso objeto de estudo se trata de

formas simbólicas de comunicação de massa e que segundo Thompson (2011, p. 366) são “[...]

produzidas, transmitidas, e recebidas em condições sociais e históricas específicas[...], que tem

como objetivo principal a [...] reconstrução das condições sociais e históricas de produção,

circulação e recepção das formas simbólicas.”

Nessa perspectiva utilizamos a análise temática por se tratar também de uma técnica

aplicada para analisar “[...] motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de

tendências, etc.”, bem como a comunicação de massa que utiliza o tema como base de análise

em busca de “[...] descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença,

ou frequências de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”

(BARDIN, 1977, p. 106).

Do mesmo modo que acontece na análise sócio-histórica, é possível elencar inúmeras

maneiras de realizar a análise formal ou discursiva dos dados, mas que segundo Thompson

(2011) esse fato se deve as características do objeto de estudo, bem como das circunstâncias

especificas em que acontece a investigação. Mas aqui não nos interessa discutir,

pormenorizadamente, cada método ou os diversos tipos de análise. Por ora, nos deteremos a um

tipo específico que será capaz de dar conta da análise que pretendemos, pois precisamos

questionar o discursos acerca do conceito de diversidade que a BNCC apresenta bem como

contrapô-los aos elementos fundantes do currículo na perspectiva crítico comunicativa como

meio de evidenciar os ocultamentos que os textos trazem para que possamos desvendar

algumas possíveis intencionalidades presentes nos discursos.

Dentre as inúmeras etapas que desta pesquisa, talvez essa tenha sido a mais exaustiva,

tanto na escola como na realização da escolha da técnica de análise. Contudo, com o intuído de

alcançar o objetivo dessa pesquisa – analisar as concepções que embasam o conceito de

diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base Nacional

37

Comum Curricular (BNCC) e para saber se os mesmos estão em concordância com os

elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo – a partir desse procedimento

sistemático e objetivo para descrever e dar sentido ao conteúdo das mensagens, bem como, um

olhar multifacetado sobre a totalidade do corpus e por entendermos o caráter polissêmico dos

dados obtidos no documento da BNCC, a escolha pela a Análise de Conteúdo preconizada por

Bardin (1979), se deu por tratar de uma técnica de investigação com a finalidade de realizar a

descrição objetiva, sistemática e quantitativa no conteúdo manifesto nas comunicações.

Nessa pesquisa, é do conceito de diversidade, presente no documento da BNCC

especificamente no texto que apresenta, trata e direciona a educação básica das escolas de todo

sistema de ensino brasileiro e que, do nosso ponto de vista, tal proposta de organização

curricular pode ser compreendida como sendo um “transporte de significações de um emissor

para um receptor” e a análise de conteúdo dá conta de um aprofundamento e abrangência do

que queremos compreender com a análise pretendida. (BARDIN, 1977, p. 32).

Compreender a partir dos discursos da diversidade apresentados no documento da

BNCC, é fundamental para avançar na concepção que fundamenta a construção de escola

inclusiva, pautando-se no rigor cientifico e discussões mais consolidadas teoricamente,

evitando a superficialidade nas análises utilizando um “[...] conjunto de técnicas de análise das

comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens.” deduzindo e inferindo a partir dos índices e indicadores elencados para a análise

do conteúdo (BARDIN, 1977, p. 38).

Conforme destacado por Thompson (2011), a análise deve ser realizada de maneira

aprofundada e sistemática. Optamos pela Análise de Conteúdo como técnica de análise, por

tratar-se de um método rigoroso como meio de uma compreensão mais ampla dos

conhecimentos a serem adquiridos e que Richardson (2011) define, como “[...] um conjunto de

instrumentos metodológicos cada dia mais aperfeiçoados que se aplicam a discursos diversos.”

e tem como fundamento segundo o mesmo autor, “[...] compreender melhor um discurso, de

aprofundar suas características (gramaticais, fonológicas, cognitivas, ideológicas, etc.) e extrair

os momentos mais importantes.” (RICHARDSON, 2011, p. 223-224).

Segundo Bardin (1977, p. 95), existem, quanto a organização da Análise de Conteúdo,

diferentes fases a serem descritas, como por exemplo o “[...] inquérito sociológico ou a

experimentação.” que podem ser organizados em torno de três polos cronológicos: pré-análise

– é neste momento que acontece a exploração de material, ou seja dos documentos a serem

submetidos a análise que, aqui nessa pesquisa, foi a leitura flutuante da BNCC em sua

totalidade, mais pormenorizadamente na parte que trata da educação básica. Nesse momento, o

38

material é devidamente organizado de forma operacional e sistêmica. Essa organização

compreende outras quatro etapas: o contato com o material bruto; a demarcação do que será

analisado nos documentos; a formulação das hipóteses e objetivos do texto; a referenciação dos

índices e elaboração dos indicadores.

Alguns aspectos devem ser considerados nesta fase de tratamento do material destinado

à Análise de Conteúdo e dizem respeito a “[...] regras precisas que quando consideradas

permitirão atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão.” (BARDIN, 1977, p.

95), regras que dizem respeito a exaustividade; representatividade; homogeneidade;

exclusividade. Em outras palavras, é preciso esgotar o texto em sua totalidade, de modo que

este seja fielmente representado, mas, levando em consideração um único princípio de

classificação como meio de evitar ambiguidades na amostra que, deve ser conduzida por um

único princípio de organização de categoria.

Tratar o material é codifica-lo. A codificação corresponde a uma transformação – efectuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta

que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do

conteúdo, ou da sua expressão [...] (BARDIN, 1977, p. 103, grifo do autor).

A síntese das duas primeiras fases da HP culmina na terceira e última fase, então a

articulação dos resultados da análise sócio-histórica e da análise formal ou discursiva leva à

“[...] construção criativa de possíveis resultados.” (THOMPSON, 2011, p. 375). Essa fase

implica um movimento novo de pensamento, uma construção criativa por meio da qual se

oferece uma interpretação do que é dito ou representado pela forma simbólica sob a análise.

A partir dos discursos analisados, foram lançadas outras interpretações sobre como vêm

sendo abordadas as temáticas aqui levantadas. Ou, como Thompson (2011, p. 375) diz: “[...] é

preciso propor, estabelecer, elucidar as conexões existentes entre, de um lado a cultura, a

ideologia e comunicação de massa e de um lado, e a analise prática dessas diferentes formas

simbólicas do outro.”, que certamente interferem no cotidiano escolar e na construção

curricular. Mas, para seja, adequadamente, compreendido os conflitos e tensões do campo

curricular, bem como, das instituições responsáveis pela comunicação de massa é preciso

abandonar uma visão simplista dessas organizações responsáveis pelos meios de comunicação

e na vida social e política na atualidade. Para Thompson (2011, p. 128), “[...] as atividades dos

estado e governos, de suas organizações e funcionários, tem lugar dentro de uma arena que é,

até certo ponto, constituída pelas instituições e mecanismos da comunicação de massa.”

39

Thompson (2011, p. 31) ao explicar as comunicações de massa chama a atenção para o

aspecto ardiloso e característica “enganadora” desses mecanismos, bem como de um olhar mais

atento, sob pena de considera-los meramente desinteressados e livres de,

[...]inculcação da ideologia dominante; ao contrário, esses meios são parcialmente

constitutivos do próprio fórum em que as atividades políticas acontecem nas

sociedades modernas, o fórum dentro do qual e, até certo ponto, com respeito ao qual

os indivíduos agem e reagem ao exercer o poder e ao responder ao exercício de poder

de outros.

Na técnica da análise de conteúdo o movimento é bastante semelhante, pois

compreende tanto aspectos quantitativos como qualitativos de modo que os dados são reunidos

por intermédio do tratamento estatístico das unidades de contextos com possibilidade de uma

nova interpretação. Isso provoca a possibilidade de identificar mensagens que se encontra num

“segundo plano”, e alcançar através de “[...] significantes ou significados (manipulados), outros

significados de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc.” (BARDIN, 1977, p.

41).

Esse espaço de luta recebe também interferência do modo como concebemos o conceito

de ideologia que por sua vez interfere na construção da análise dos dados. Aqui nos ombreamos

à Thompson (2011, p. 31) no que tange a concepção desse entendimento e que segundo ele é

uma “concepção crítica da ideologia”. Sendo assim, ideologia no sentido que propomos e

discutimos aqui, mesmo não descartando a negatividade que o conceito de ideologia carrega,

que são heranças conceituais e teóricas, mas, para além disso, considera também que este deve

ser analisado considerando os contextos sócio-históricos aos quais o objeto de análise está

inserido.

Na visão de Thompson (2011, p. 19), é possível definir, diante das ambiguidades

teóricas e conceituais que o conceito de ideologia propõe, vê-la como fator determinante de

luta, e aqui nesta pesquisa entendemos também que ideologia tem:

[...] uma característica criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e

reproduzida, contestada e transformada, através de ações e intenções, as quais incluem

a troca continua de formas simbólicas.

O currículo escolar também é atravessado a todo momento pelo conceito de ideologia

e cultura, o que nos impulsiona a buscar como o próprio autor pontua, “[...] revisar ou recolocar,

criticar ou refazer estes conceitos e teorias à luz dos desenvolvimentos que estão acontecendo

em nosso meio.” (THOMPSON, 2011, p. 10) e ao contexto histórico ao qual estamos imersos.

40

Nesse contexto, o corpus de análise dessa pesquisa está estruturado a partir da obra de

Dona Ferrada que apresenta o conceito de Currículo Crítico Comunicativo. Para a análise,

também foram utilizados artigos acadêmicos publicados a partir da ressonância da referida obra

e que, conforme critérios pré-estabelecidos, foram considerados publicações do campo da

Educação, considerados também como formas simbólicas significativas, pois estão “[...]

inseridas em processos e contextos sócio-históricos específicos dentro dos quais e por meio dos

quais elas são produzidas, transmitidas e recebidas.” (THOMPSON, 2011, p. 192) e como tal

são percebidas e assimiladas pelos sujeitos no cotidiano das sociedades.

1.2.1 MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO: UMA FERRAMENTE PARA INTERPRETAR O JÁ

INTERPRETADO

Não posso estar no mundo de luvas nas mãos

‘constatando’ apenas, a acomodação em mim é apenas caminho para a inserção que implica ‘decisão’,

‘escolha’, ‘intervenção’ na realidade.

(FREIRE, 2007).

Esta pesquisa se ampara nos estudos sobre currículo e educação popular. Currículo é

aqui definido como a intenção educativa e como importante instrumento das instituições de

ensino e das escolas. No plano de ação curricular estão as normas, as regras, as formas de

avaliação a serem desenvolvidas pelas escolas. É ele também que define as atividades que

resultam das intencionalidades por parte dos professores, tratando das atividades que não

aparecem implícitas, como resultados ocultos ou subprodutos determinantes dos currículos.

É o currículo que estrutura a grade das matérias, os horários, define as atividades

escolares e as ações das professoras (es). É ele também que determina, que impõe e prescreve

a sequência dos conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas. Silva (1996) define currículo como

ambivalente, pois, hora se mostra estático, hora em movimento e, dependendo do contexto em

que esteja inserido pode ser local privilegiado de encontro entre o saber e o poder.

Ao descrever essa concepção de currículo, queremos deixar claro que não temos a

pretensão meramente de uma investigação técnica, mas de refletir os contextos sociais mais

amplos em que a organização curricular como meios de produção, reprodução, disseminação e

de inculcação estão inseridos. Deste modo é possível dizer que, tanto produção, circulação e

recepção das formas simbólicas

[...] são processos que acontecem dentro de contextos ou campos historicamente

específicos e socialmente estruturados. A produção de objetos e expressões

41

significativas – desde falas quotidianas até obras de arte – é uma produção tornada

possível pelas regras e recursos disponíveis ao produtor, e é uma produção orientada

em direção à circulação e recepção antecipada dos objetos e expressões dentro de um

campo social (THOMPSON, 2011, p. 368).

Por fim, a terceira fase da HP, recomenda a interpretação/reinterpretação das formas

simbólicas mesmo considerando que por mais,

[...] rigorosos e sistemáticos que os métodos da análise formal ou discursiva possam

ser, eles não podem abolir a necessidade de uma construção criativa do significado,

isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito [...].

É esse aspecto referencial que procuramos compreender no processo de interpretação

(THOMPSON, 2011, p. 375).

Nesse momento da terceira fase da HP, Thompson (2011) orienta a levar em

consideração as duas fases anteriores. Tanto análise sócio-histórica como a análise formal ou

discursiva ajudarão na produção de uma nova interpretação, porém, é preciso levar em conta

que essa nova interpretação não depende só das fases anteriores para produção de sentido, mas,

também de outros aspectos, como uma boa argumentação, sustentando a reinterpretação do

pesquisador, já que, segundo Thompson (2011), as formas simbólicas já são de uma maneira

ou de outra pré-interpretadas.

Ao considerar essa premissa e objetivando chegar a uma reinterpretação plausível e

aceitável, do mesmo modo que na coleta de dados, nesse momento é preciso que essa análise

seja validada. Para Campos (2004, p. 614), existe ainda outro aspecto a ser considerado, as

[...] teorias pessoais do pesquisador podem vir acompanhadas de ideias pré-

concebidas ou cristalizadas sobre o fenômeno, desta forma se faz necessário o

ajuizamento desta análise [...] e que, embora existam [...] diversas formas de se

realizar essa validação, por exemplo, na triangulação de teorias, na qual se analisa os

dados tomando por base várias teorias [...] uma forma de encontrar validade intrínseca,

perpassa necessariamente a compreensão de que, o [...] exercício de compreensão e

discussão dos dados ou resultados é um processo que possa ser feito conjuntamente com os outros passos da análise, ou seja, à medida que são feitos, os idos e vindos ao

material, ao corpo teórico norteador, referencial pessoal do pesquisador e suas

inferências.

Desse modo, elencamos para compreender e discutir os dados, um corpo teórico capaz

de dar conta das discussões, reflexões e reinterpretações da organização curricular, bem como

da concepção de educação popular, escola inclusiva, igualdade de direitos, etc. como

contribuição para desvelar os sentido e significado atribuído ao conceito diversidade. Nessa

pesquisa, essa fase da HP refere-se a quarta e última parte da dissertação. O objetivo dessa parte

é interpretar os discursos da diversidade que são apresentados pela Base Nacional Comum

42

Curricular. Tal interpretação é sustentada pelo contexto sócio- histórico de produção,

reprodução e distribuição em que o documento da BNCC se insere. Dentre os instrumentos

utilizados pela pesquisadora nessa investigação, a validação à análise decorrida foi uma dessas

diversas formas que poderiam ser utilizadas. A exemplo, “[...]na triangulação de teorias, na qual

se analisa os dados tomando por base várias teorias e tenta-se encontrar validade intrínseca pelo

embasamento de cada uma delas.” É comum que tal validação seja realizada por, “[...] juízes e

pelos pares.” (CAMPOS, 2004, p. 614).

Nessa direção, dentre os principais autores com quem analisaremos as categorias

elencadas estão Habermas, Mead, Dona Ferrada, Freire, Candau, Albert et al, Arroyo e outros.

43

2 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO

Es de responsabilidade de quienes nos encontramos

cercamos a uma Teoría Crítica de la Educación ir más allá

de uma teoria de la denuncia y de constestación, tenemos que

atrevernos a construir propuestas orientadoras para

encaminhar la acción educativa por um rumbo distinto.

Propuestas que nos permitan delucidar y abrir espacios em los cuales construir y reconstruir prácticas de valores como

la solidariedade, el respeito a los derechos humanos, la

igualdad de oportunidades, la lucha contra todo tipo de

discriminaciones, la participacioón real, etc.

(FERRADA, 2006)

Conforme observações lançadas na introdução dessa dissertação, nessa nova

configuração social, a qual nos encontramos imersos, denominada de sociedade globalizada, da

informação, informacional e/ou do conhecimento, são demandadas das ciências humanas e

sociais um aprofundamento teórico acerca da organização curricular, bem como, das maneiras

de se conceber os processos de ensino e aprendizagem. Esse modelo de aprendizagem é

requerido, pois aqui, partimos do princípio de que vivemos em um momento em que pensamos

muito mais, acerca das decisões a serem tomadas.

Isso se deve, principalmente, pelo fato de que com o exponencial aumento das

tecnologias, devemos considerar diversas possibilidades antes da tomada de decisões, a

exemplo o diálogo pautado em ações mais comunicativas, baseadas no consenso e não

fundamentado na coerção, fato esse que não acontecia anteriormente, nas décadas de 1970 e

1980, por exemplo.

Outra questão relevante para a reflexão pretendida, refere-se à discussão sobre as escolas

e currículo escolar com o mesmo olhar ingênuo como se fossem “[...] os grandes motores da

democracia.” (APPLE, 2006, p. 104.). Para Apple (2006) que não nega que haja uma parcela

de verdade nessa afirmação, alerta para o fato de que as escolas e currículo fazem parte de um

conjunto de instituições que através de seus mecanismos de controle social contribuem e até

produzem as desigualdades sociais. Para o mesmo autor, dois fatores merecem atenção e devem

ser levados em consideração para desvelarmos o modo como as desigualdades são produzidas

ou reforçadas.

O primeiro consiste em ver as escolas como parte de um conjunto de relações de outras

instituições – políticas, econômicas e culturais – basicamente desiguais. As escolas existem por

meio de suas relações com outras instituições de maior poder, instituições que são combinadas

de maneira a gerar desigualdades estruturais de poder e acesso a recursos.

44

Em segundo lugar, essas desigualdades são reforçadas e produzidas pelas escolas, por

meio de suas atividades curriculares, pedagógicas e avaliativas no seu dia-a-dia de sala de aula,

as “[...] escolas desempenham um papel significativo na preservação, senão na geração, dessas

desigualdades [...]” (APPLE, 2006, p. 104, grifo nosso).

Assim, à educação e escola são demandados processos distintos dos que ocorrem hoje.

De acordo com Marigo (2015, p. 39) isso acontece porque nessa nova formulação social, desde

as décadas finais do século XX, requer uma modificação de como o conhecimento é concebido,

pois este deixa de ser pertencente a um modelo inquestionável, dando lugar a processos

modificados de ensino aprendizagem.

São requeridos também, formas de tornar a escola, e aqui considerada ainda como uma

das principais instituições educativas oficiais contemporâneas, espaço de inclusão em seu

sentido latu do termo. Também potencializar nesse espaço e fora dele, relações de respeito entre

pessoas e os diferentes grupos sociais.

Partindo do pressuposto da escola como as principais instituições educativas e, mesmo

compreendendo a complexidade apresentada no que se refere a educação, escola e organização

curricular, bem como com a organização destes por serem ainda formulações orientadas por

teorias da sociedade industrial, será também na escola são também estudos que permitem novas

possibilidades de avançar para uma concepção de organização curricular a partir de novas

orientações críticas. Nessa linha de raciocínio que Dona Ferrada (2001) aponta tais orientações

para desenvolver o Currículo Crítico Comunicativo.

O conceito de Currículo Crítico Comunicativo está fundamentado teoricamente em

autores das teorias críticas de educação. Estes teóricos pensam para além da denúncia e da

contestação dos conflitos e desafios enfrentados pela educação e escola. É preciso segundo

Ferrada (2001, p. 9), refletir a construção de propostas educativas e curriculares capazes de

construir e reconstruir espaços com práticas de valores como respeito aos direitos humanos,

solidariedade, igualdade de oportunidade, a luta contra todo tipo de discriminação e a

participação real na sociedade. A autora apresenta uma proposta orientadora capaz de

encaminhar e direcionar a ação educativa por outro caminho, um caminho distinto da realidade

escolar que está posta para a sociedade na atualidade.

Nessa premissa, aqui nessa seção, pretende-se descrever tal proposta de organização

curricular pautada em tais práticas de valores, bem como uma concepção crítico comunicativa

de educação, a diversidade de racionalidades no currículo que tenha como objetivo central,

melhorar a convivência entre diferentes grupos possuidores de distintos interesses ideológicos,

direcionar e orientar as ações sociais para ações mais comunicativas e dialógicas.

45

2.1 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO: PRINCÍPIOS, EVOLUÇÃO, CONCEPÇÕES

“[...] sólo se es humano cuando se reconece al outro como legítimo outro, a través de la biologia del amor.”

(MATURANA, 1992)

Inicia-se essa abordagem apresentando alguns dos autores das teorias críticas de

educação, que segundo Ferrada (2001), pensam para além da denúncia e da contestação dos

conflitos e desafios enfrentados pela educação e escola, como possibilidade de auxiliar na

construção de alternativas para a educação escolar a qual meninas e meninos estão submetidos.

Cabe pensar na possibilidade de evitar a produção de desigualdade ao mesmo tempo em que

considere a diversidade cultural como componente central dos debates e disputas nessa nova

configuração social – sociedade informacional ou globalizada.

Sendo assim, as contribuições de Donatila Ferrada Torres com a obra Currículo Crítico

Comunicativo serão desenvolvidas no decorrer dos próximos segmentos desse capitulo. A

autora desenvolve em sua obra, a configuração de uma Teoria Crítica Comunicativa de

Educação e que segundo ela, se realiza, basicamente, sobre a confluência de três correntes

teóricas que considera, e aqui nós incluímos, essenciais para desenvolver este capítulo.

Entre essas correntes – a Teoria da Ação Comunicativa (TAC) de Jürgen Habermas, que

abarca a teoria da sociedade; a Teoria da resistência com autores como Henry Giroux, Michael

Apple, Ramon Flecha no campo da sociologia da educação que apresenta também o conceito

de “aprendizagem dialógica” que emana da ação e reflexão coletivas, isto é, sujeitos partilham

diferentes conhecimentos que são embasados pela intervenção humana quando necessária.

Completando esse aporte, a Teoria Freireana com raízes na antropologia social de Paulo Freire

(TORRES, 2001, p. 9-10).

Como consequência dessa diversidade teórica, a proposta curricular oferecida apresenta

subsídios que permitam melhorar os acordos em grupos de interesses ideológicos distintos;

orientar a ação social baseada em ações mais comunicativas que sejam capazes de garantir que

os acordos alcançados dessa relação sejam sempre mediados por uma linguagem racional que

seja isenta de coerção; e realizar proporções suscetíveis de crítica por um grupo social que

participa e legitima em última instancia a produção, reprodução e a reconstrução do

conhecimento (FERRADA, 2001, p. 9, tradução nossa).

Nesse sentido, acreditamos que o avanço na construção de uma proposta curricular, e

refletir as questões que permeiam esta pesquisa – quais as possiblidades de construção de uma

escola inclusiva, que considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um

46

currículo crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum

Curricular – será possível a medida que avançarmos em análise e reflexão crítica de tais

elementos.

Dentre esses, também é preciso considerar a pluridimensionalidade dos diversos

contextos, “europeus, latino-americanos” e aqui inclui, nessa configuração, o contexto social

brasileiro para se pensar desde os contextos experienciais, que contribuem com a construção de

um conhecimento que considere nossas próprias realidades locais e para Ferrada (2001, p. 9,

tradução nossa) “[...] isto significa pensar localmente sem desvincular-se no universal.”,

permitindo elucidar e potencializar a construção e a reconstrução de práticas de valores como

solidariedade, respeito as diferenças humanas, a igualdade de oportunidades, a luta contra todo

tipo de discriminação e a participação real na sociedade.

Desse modo, os subsídios que as diversas teorias trazem, estão organizados em quatro

tópicos. Em um primeiro momento apresentamos a obra de Dona Ferrada que apresenta o

conceito de Currículo Crítico Comunicativo bem como dos elementos fundantes dessa proposta

curricular. No momento seguinte apresenta-se a TAC de Habermas que permite estabelecer

uma relação com o currículo, no que se refere às ações sociais e a racionalidade que as

subjazem.

A Teoria Freiriana vem no terceiro tópico, com ele refletimos acerca do conceito de

diálogo e da intersubjetividade como elemento chave para pensar a aproximação entre a

intenção com a realidade curricular brasileira. Henry Giroux e Michael Apple no quarto tópico

desse capítulo nos ajudam a fundamentar as discussões acerca do papel do professor como

intelectual transformador nesse contexto educativo e curricular. Ramon Flecha para pensar uma

escola que potencialize a transformação e possa criar espaços de e para a libertação dos

oprimidos.

De maneira prática, tais autores apresentam os principais aspectos teóricos que

configuram uma Teoria Critica Comunicativa de Educação, conforme demostrado na figura

abaixo:

Figura 2 - Teoria Critica Comunicativa de Educação

47

Fonte: Ferrada (2001, p. 18).

3.1.1 Princípios do Currículo Crítico Comunicativo

Em contraposição ao modelo de propostas curriculares tradicionais que conservam seu

caráter autoritário e patriarcal desde a sociedade industrial, Ferrada (2001) apresenta o

Currículo Crítico Comunicativo. A autora se debruça sobre as questões curriculares para

desenvolver orientações críticas de currículo inspiradas nas ciências sociais atuais. Para a

autora, tal proposta curricular é pensada para a sociedade informacional do século XXI muito

mais dialógica e comunicativa, pois, a partir do Currículo Crítico Comunicativo, concede-se

considerável valor às decisões da comunidade a qual a escola está inserida, respeitando

principalmente a diversidade dos sujeitos, bem como, a diversidade de contextos com a

participação destes em diversos âmbitos decisórios, justificando seu posicionamento

fundamental nessa obra: a luta pela igualdade e equidade baseadas em práticas de solidariedade.

Superar as desigualdades sociais perpassa, necessariamente a elaboração de projetos que

levem em conta que o princípio da solidariedade como essencial. A solidariedade aqui

compreendida como elemento fundante do currículo na perspectiva crítico comunicativa, é

pensada para além de projetos desconectados da realidade local a qual a escola está inserida.

Esse princípio é contrário ao individualismo, logo, projetos educativos que tem como objetivos

48

a transformação igualitária na educação deve incorporar a prática da solidariedade no cotidiano

das escolas.

Como Albert et al (2008, p. 184), entendemos que solidariedade vai além de apenas

“textos e jogos solidários” que discutem a problemática sem uma efetiva relação desta com a

realidade local, quando na verdade é preciso levar os alunos e as alunas a refletirem acerca das

causas reais do problema que os afeta e que afeta a grande maioria de pessoas, não só nas

escolas, mas na comunidade como um todo, só assim é possível uma transformação da realidade

desse aluno e da comunidade.

Nessa direção, e pensando aqui no currículo, entendemos que não há solidariedade em

uma proposta de organização curricular que prioriza o comum, bem como escola e que tem

como referência de indivíduo o igual, demostrando que estão totalmente despreparados para

enfrentar os conflitos gerados pela pluralidade cultural na atual sociedade. Do mesmo modo

que uma educação pautada no comum não é solidária com as diferenças que coexistem no

espaço escolar. Impede que o sujeito seja capaz de criar seu próprio futuro baseado em suas

reais necessidades em detrimento de uma educação igual para todos.

Nessa premissa, ao professor cabe refletir sua própria prática. Se partimos da máxima

de que não podemos dar o que não temos, pois bem, é nesse sentido que entendemos que é

preciso que o professor e professora e toda comunidade escolar entenda que se a solidariedade

não está na escola, também não estará na sociedade e todo comunidade é penalizada.

Como Albert et al (2008, p. 184), compreendemos a solidariedade como princípio

fundamental que deve ser empreendida para a realização de projetos educativos que desejam

promover a emancipação e a transformação do sujeito e do meio em que este vive. Para que

isso aconteça a solidariedade não deve apenas ser apreendida nas escolas, mas sim

constantemente e diariamente praticada no interior de seu espaço escolar, tornando-se parte

constituinte desse espaço e da vida de seus atores.

Por meio desses argumentos, queremos dizer de maneira pontual, que a “[...]

transformação igualitária de educação.” só se efetiva se a educação for de fato solidária com

todos e todas estudantes, que não leve em consideração as diferenças desses alunos,

independentemente de quais sejam, isso porque só é possível praticar ensino solidário se não

somos solidários em nossa prática social com os demais membros da comunidade (ALBERT et

al. 2008, p. 184-185).

De acordo com Ferrada (2001) o currículo, a partir de uma concepção crítica de

educação, como acontece com o Currículo Crítico Comunicativo, também é instituído como

construção social que emana da multiplicidade de interações de pessoas que fazem parte da

49

comunidade educativa contextualizada histórica e socialmente. Desse modo, esse currículo está

sujeito tanto a relações de imposição, quanto ao diálogo, de maneira que os processos de

seleção, transmissão e evolução do conhecimento educativo emanado dessa proposta curricular

podem promover uma importante gama de mecanismos direcionados a produção das

transformações necessárias, que conduzem a sociedade e contam com a participação ativa de

seus membros, numa clara intencionalidade de participação igualitária.

Visto de outra forma, o currículo, agrega em si um aspecto emancipatório, mas também

outro conservador, o que determina um ou outro é a maneira em que nos encontramos e nos

posicionamos subjetivamente, ou intersubjetivamente na sociedade, nos tornando responsáveis

por desenvolver o potencial transformador e emancipador do currículo. Nesse cenário a

intersubjetividade, tanto da pessoa, como da sociedade ao qual a escola, bem como, currículo

estão inseridos, acaba influenciando no tipo de sociedade se quer construir, a partir das

interações formativas que são desenvolvidas socialmente.

Nessa direção e a partir da afirmação de que as pessoas são dotadas de ação e reflexão,

portanto, capaz de atuar, transformar e modificar o meio em que vive, Ferrada (2001) apresenta

alguns aspectos a se considerar com relação a esse processo. Primeiro é entender e desmascarar

a crença de que a pessoa é um ser passivo, incapaz de mudanças no meio social. Aspectos esses

influenciados por concepções conservadoras que tentam justificar a impossibilidade de

mudanças na sociedade. Em segundo, não é possível conceder a pessoa protagonismo, tanto na

formação dela mesma, como da sociedade em que esta vive, exigindo construir uma visão dela

mesma e da sociedade diferente da visão tradicionalista de educação e currículo,

potencializando a construção de um currículo para a transformação social e pessoal mediados

pela linguagem, tanto como ser biológico como psico-social.

Desse modo, Ferrada (2001) busca contribuição de diferentes áreas do conhecimento,

bem como de autores que encaminham as reflexões para a compreensão de que o diálogo e a

comunicação vem sendo requisitados em diferentes setores da sociedade bem como em

diferentes relações sociais e também por considerando que toda e qualquer tentativa séria de

organização curricular deve levar em conta tanto conceito de pessoa como de sociedade.

A autora busca fundamentar tal discussão baseada em algumas contribuições teóricas

para se pensar os aspectos formativos capazes de favorecer um Currículo Crítico comunicativo.

Dentre eles a biologia do conhecimento de Maturana e Varela; o interacionismo simbólico de

Mead; e Habermas com a teoria da ação comunicativa (FERRADA, 2001).

50

2.1.1 REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA PESSOA PARA TRANSFORMAR A SOCIEDADE

O processo de formação da pessoa acontece desde abordagens biológicas do

conhecimento de acordo com Ferrada (2001). Ao citar Maturana e Varela, a autora dialoga com

tais abordagens, enfatizando o fato de que as interações entre as pessoas são mediadas pela

linguagem, característica fundamental da pessoa intersubjetiva, tanto como ser biológico como

ser psico-social. Colocado de outra forma, primeiramente vemos a pessoa como ser biológico

e posteriormente como ser psico-social e capaz de relacionar-se com os demais seres

desenvolvendo o domínio linguístico, por conseguinte a linguagem e a autoconsciência.

Nas palavras de Maturana e Varela quando citados na obra de Dona Ferrada, (2001), é

a partir dessa característica da pessoa é possível que

O próprio domínio linguístico torna-se parte do meio das interações sociais possíveis.

Mas só acontece a reflexão linguística, quando há linguagem, os organismos emergem

e os participantes de um domínio linguístico começam a operar em um domínio

semântico. E também só acontece quando, o domínio semântico passa a ser parte do

meio quando eles operam sobre eles e mantem sua adaptação. Isso acontece com os

seres humanos: existimos em nossa operação na língua e preservamos nossa adaptação

no domínio dos significados que isso cria: fazemos descrições das descrições que

fazemos...e somos observadores e existimos no domínio semântico que nossa

operação linguística cria (MATURANA; VARELA, apud FERRADA, 2001 p. 56,

tradução nossa).

Deixaremos claro aqui, amparados por Ferrada (2001, p. 56) que, apenas a linguagem

não é capaz de conhecer e reconstruir o mundo que compartilhamos e, reconhecermos como

nosso e dos outros, mas, por meio dela nos pode ser apresentado, ferramentas capazes de

promover tal processo de reconhecimento e reconstrução do “eu” refletindo sobre si mesmo de

modo que, essa reflexão não se dê distanciada da linguagem.

Nessa mesma direção, para Maturana (1990) para além dessa reflexão é preciso que este

procedimento se dê como fenômeno, não podendo de modo algum se dar fora da linguagem.

Para o autor esse movimento não pode se dar fora da linguagem,

[...] porque sem a linguagem não existe um espaço operacional que permita distinguir

o de dentro e o de fora, que permita a operação reflexiva. Então, é a partir da

linguagem que o “eu” surge. Mas ao mesmo tempo, ao aperar a partir da linguagem

as mudanças fisiológicas se alteram e alteram também o fluxo em linguagem.... De

modo que nosso estar em uma linguagem, nosso conversar, tem consequências em

nossa fisiologia e o que passa em nossa fisiologia tem consequências em nossa

conversa (MATURANA, 1990 apud FERRADA, 2001, p. 56, tradução nossa).

51

Em Maturana (1990), seguindo essa mesma linha de raciocínio, é a partir desse processo

dinâmico da linguagem que as transformações acontecem, desde a fisiologia do “eu”,

ampliando esse horizonte de transformações a partir de interações consensuais, ou seja, esse

sujeito a partir da linguagem é dotado de capacidade de regular-se a si mesmo e o encontro com

os outros através de relações de amor e emoções.

Já para Mead (1973) que se localiza também no capo da psicologia, traz contribuições

importantes que apoiam as bases teóricas do currículo crítico comunicativo. A análise dos

aspectos psico-sociais das pessoas, traz os elementos da intersubjetividade que são

desenvolvidas por ele. Ao descrever essa concepção intersubjetiva de pessoa ele à apresenta

como produto da socialização que embora, aconteça, também a partir da linguagem, é da

linguagem gestual a que ele faz referência, que se dá a partir da transformação da linguagem

gestual para a linguagem simbólica, ou conforme Ferrada (2001) apresenta no início desse

tópico, o interacionismo simbólico de Mead.

Mas o que vem a ser linguagem gestual? Para Mead (1973), embora essa intenção de

comunicação se dê em forma de gestos, estes devem ser válidos para ambas as partes, ou seja,

a linguagem simbólica da qual trata Mead, dever ser significativa para todos os participantes da

comunicação. Isso ocorre quando um simples gesto é transformado em símbolo e acaba por ter

o mesmo significado para todas as pessoas nas relações interpessoais que tanto ouvintes ou

falantes compartilham na intenção comunicativa de linguagem. Mas como acontece a passagem

de linguagem gestual para linguagem simbólica? Do ponto de vista de Ferrada (2001), esse

processo se dá à medida que acontece a transformação

[...] do gesto em símbolo, [...] surgem as normas acordadas socialmente, onde os

membros de uma comunidade, ao outorgar os mesmos significados as situações ou

objetos, acabam por regular suas ações mediante normas que se validam em interação

na interação (FERRADA, 2001, p. 58).

Diante disso, Ferrada (2001) remetendo-se à construção social da pessoa, apresenta o

ponto de vista de Mead com relação a esse processo. Nessa perspectiva tal processo se dá a

partir nas interações sociais, nas interações simbólicas. É preciso destacar que sem estas não

existe a linguagem e sem a linguagem não podem existir significados comuns. Por sua vez, os

significados comuns culminam nos acordos que regulam uma comunidade social. Para Mead

(1973) a construção social da pessoa não se dá ao nascer, ele tem que se fazer pessoa, em suas

palavras esse processo não está, mas se trata de algo que está em desenvolvimento e,

52

[...] não está presente inicialmente, no seu nascimento, mas surge dos processos da

experiência e da atividade social, isto é, desenvolve-se no individuo como resultado

de suas relações com esse processo como um todo e com os outros indivíduos que se

encontram dentro desse processo social completo. A organização e unificação de um

grupo social é idêntica à organização e unificação de cada uma das pessoas que

surgem dentro do processo social em que determinado grupo está ou está realizando

algo (MEAD, 1973 apud TORRES, 1993, p. 58-59, tradução nossa).

Mas, para o pleno desenvolvimento da pessoa são demandadas duas etapas a se

considerar. Marigo (2015, p. 92) esclarece bem do que se trata esses dois movimentos para se

pensar a partir do “interacionismo simbólico” de Mead a construção social da pessoa. Segundo

ela, tendo como ponto de partida para explicar as duas etapas está o conceito de “self” de Mead

que inclui simultaneamente o “eu” e o “mim”, onde primeiramente que “[...] cada pessoa se

constitui em sujeito e em objeto de reflexão de si mesma, pois também considera a própria

imagem que é oferecida pelo outro.” de modo que “[...] a formação humana se dá em continua

interação social mediada pela linguagem, seja em experiências concretas , seja em pensamentos

e atitudes resultantes dos processos de desenvolvimento social.” (MARIGO, 2015, p. 92).

Em resumo, o interacionismo simbólico de Mead, demonstra que os significados das

pessoas ou objetos é produzido a partir das interações sociais e que nesse contexto a linguagem

e essencial. Existe também nesse argumento o ato social que de acordo com Mead, pode tanto

ser demonstração de uma ideia como de emoções e que serve de estímulos para os outros

indivíduos que participam do ato social. Nesse sentido, Mead (1973, p. 87) afirma que o gesto

“[...] provoca reações nos outros e estas reações, por sua vez, se convertem em estímulos para

readaptação para que o ato social em si possa ser efetuado.” Nas palavras do autor,

O processo social relaciona reações de um indivíduo com gestos de outra, enquanto

as significações destes é responsabilidade do surgimento e existência de novos objetos

na situação social. A reação do organismo do gesto do outro, em qualquer ato social

dado é uma significação deste gesto, e também, um sentido, pois se refere a um ato

social (MEAD, 1973, p. 87, tradução nossa).

Desse modo, Ferrada (2001) explica que para Mead a pessoa, considerada como

processo social, é atravessada por essas duas fases: o “eu” consciente e “mim” como criação

social. De maneira pontual seria então, o “eu” ao qual se refere Mead é um apanhado de atitudes

dos outros que o “eu” assume para si, fazendo com que as atitudes dos outros, determine a

organização do “mim” e, por conseguinte o “eu” (FERRADA, 2001, p. 59).

Utilizando-se desse argumento, Rodrigues (2010, p. 45), destaca uma das principais

contribuições de Mead para essa investigação, o conceito de pessoa como uma construção social

53

que se dá a partir das experiências que tem com os demais indivíduos de modo que, é impossível

conceber uma pessoa distanciada da interação social com os demais.

Para Ferrada (2001), esse processo de interação social (centro da criação de

significados) entre as pessoas é de grande relevância tanto para a aprendizagem do sujeito como

para sua própria construção (pessoa no mundo) quanto para a constituição de pessoa aprendiz.

Isso, porque a partir do entendimento do “eu” e do “mim”, socialmente produzidos, desenvolve-

se a “[...] criatividade e a responsabilidade consciente de forma equilibrada nos conduzindo a

alcançar as mudanças sociais que desejamos, queremos e que emana de uma postura crítica.”

frente aos desafios enfrentados pelo coletivo social. (FERRADA, 2001, p. 62, tradução nossa).

Nessa linha de raciocínio, Ferrada (2001) alerta para o fato de que somente isso não

basta e que é preciso avançar para além dessa concepção de que apenas estes elementos dão

conta de alcançar a transformação social. A autora explica que será preciso somar novos

elementos que mostrem como a intersubjetividade está presente na construção da pessoa em

seus diversos estágios do desenvolvimento, apresentando mecanismos capazes de mostrar que

a pessoa é possuidora de capacidade crítica e reflexiva própria, e capacidade de desenvolver

ações em conjunto com os demais sujeitos sociais. Dessa forma o indivíduo poderá localizar

tais elementos que desenvolva a capacidade de compreender sua responsabilidade sobre suas

ações.

Em busca desses novos elementos, a teoria da Ação Comunicativa de Habermas (2001)

criada na década de 1980, mostra novas perspectivas e abre espaço para as teorias da sociologia,

argumentando em favor de possibilidades capazes de transformações a partir do estudo e

entendimento abordando conceitos como mundo da vida e sistemas apresentados pelo autor em

sua teoria da Ação Comunicativa que busca essencialmente universalizar os direitos humanos

e que embora ambicionado desde a contemporaneidade, precariamente conquistada.

Ao avançar para além da ideia de Mead, Habermas apresenta alguns elementos capazes

de responder ao questionamento lançado anteriormente. Em sua teoria, ele explica que as

subjetividades se configuram como produtos de um processo de interiorização das relações

sociais que acontecem no mundo externo, decorrendo da intersubjetividade. Nesse sentido ele

expõe a ideia de que apenas o sujeito possuidor de linguagem e ação pode avançar criticamente

em suas responsabilidades consigo mesmo e com suas ações (FERRADA, 2001).

Embora Habermas apresente em sua teoria quatro tipos de ações, dentre elas a ação

teleológica (uma pessoa traça uma meta e busca atingi-la), a ação normativa (são normas

baseadas em acordos em as partes), a ação dramatúrgica (adota-se uma postura, uma imagem

com intencionalidade de ser vista, percebida) e ação comunicativa que apresenta uma

54

racionalidade característica que a diferencia das demais a qual nos debruçaremos com mais

afinco para propósito deste capítulo. Na ação comunicativa as interações sociais são

fundamentadas na interação e no consenso visando atingir um objetivo comum aos atores

sociais (RODRIGUES, 2004 apud HABERMAS, 2010, p. 40).

Habermas (2010) por sua vez, entende que o processo de ensino e aprendizagem se dá

numa relação de ação e comunicação entre os indivíduos. Ele define a teoria da ação

comunicativa para contrapor a reprodução do poder e das desigualdades considerando a

existência de ações dialógicas guiadas pelo entendimento e a libertação dos sujeitos oprimidos.

Para Ferrada (2001) que traz a teoria da ação comunicativa de Habermas para pensar a

construção de um currículo crítico comunicativo, tal afirmação diz muito a respeito da pessoa

como crítica e reflexiva capaz de intervir em sua formação e autoformação.

Desse modo, a partir das teorias apresentadas por Ferrada (2001) no qual procedeu-se a

análise, tanto de Maturana e Varela; de Mead e Habermas, nos fazem refletir que a formação

das pessoas emerge de mecanismos de regulação que as constituem como unidades: um centro

regulador que é construído em si mesmo e outro intersubjetivo que regula sua linguagem e sua

ação.

A pessoa, a partir do centro regulador se constrói a si mesma (centro autopoiético),

constrói em si como totalidade orgânica do próprio mecanismo regulador, que o torna humano

na interação com o entorno emotivo e amoroso, e mediatizado pela influência da linguagem. E,

a partir do seu centro intersubjetivo regula sua linguagem e ação (centro intersubjetivo) dotado

de atitudes críticas que emanam das interações que mantem com pessoas de referência que o

dotam de responsabilidade em seus atos e no uso da linguagem que por sua vez determina a

conexão entre um e outro centro regulador (FERRADA, 2001).

A dualidade do mecanismo regulador com o qual a pessoa conta como unidade,

evidencia sua intersubjetividade e autopoiese como ser social e como ser orgânico, dotado de

iniciativa e criatividade em suas próprias mudanças no interior de uma comunidade de

comunicação. Levando a concluir que é agente em si mesma, capaz de empreender sua

transformação e uma transformação que emerge da necessidade do coletivo ao qual pertence.

Assim o modo como as pessoas são reguladas bem como sua constituição estão demostrados

no quadro abaixo conforme Ferrada (2001) apresenta em sua obra.

Figura 3 – A intersubjetividade e a construção da pessoa.

55

Fonte: Ferrada (2001, p. 69).

Todas essas abordagens teóricas são direcionadas para refletir acerca da pessoa, mas,

pessoa capaz da manutenção, renovação e transformação da sociedade em que vive e identifica

os principais aspectos que favorecem a construção de um Currículo Crítico Comunicativo. Isso

porque a construção de um currículo crítico comunicativo, bem como os processos de ensino e

aprendizagem que emanam desse mecanismo, se dá e deve mesmo se dar, baseados no

entendimento e do consenso que devem estar presentes nas interações sociais entre os sujeitos.

Retomando o questionamento lançado no início deste segmento e justificando todo

desenvolvimento do mesmo – desmascarar a crença de que a pessoa é um ser passivo incapaz

de mudança no meio social – crenças motivadas por concepções conservadoras de educação,

escola e currículo. Para responder, Ferrada (2001) afirma a partir das contribuições teóricas

lançadas aqui que:

Não é certo, portanto, que a pessoa humana seja naturalmente passivo e incapaz de se

comprometer nas mudanças no meio social, muito pelo contrário, é um ser orgânico e

socialmente dotado de iniciativa e protagonismo, tanto em sua própria construção

como pessoa, como em relação a sociedade de que faz parte. Logo, é admissível

56

pensar em um Currículo Crítico Comunicativo que aponte para uma transformação

social congruente com os planejamentos de uma Teoria Crítica ativa e atual

(FERRADA, 2001, p. 70, tradução nossa).

Isso porque, compreendemos que a constituição curricular tradicional potencializa

processos excludentes, uma vez que trata todos os alunos que chegam a escola igualmente, sem

considerar sua real situação social, econômica e cultural. Pois bem sabemos que a escola de

modo algum é capaz de oferecer uma “escola igual para todos”, o que não nos impede de

acreditarmos em uma escola para o “povo”, um povo que já chega à escola marginalizado e

fragilizado por uma sociedade capitalista, excludente e classista (NIDELCOFF, 1978, p. 9-20).

2.1.1.2 QUE TIPO DE SOCIEDADE QUEREMOS CONSTRUIR?

A sociedade na perspectiva habermasiana é entendida como mundo da vida e a

intrínseca relação da pessoa com o meio social em que vive (mundo da vida) na construção de

si mesma. Na teoria da Ação Comunicativa apresentada por Habermas (1990), o conceito de

mundo da vida é local privilegiado, pois, é onde tanto conhecimentos tácitos como as

experiências podem produzir comunicação entre as pessoas, como meio de alcançar o

entendimento nas interações sociais.

Conforme apresentado por Habermas (2001), para além da compreensão do conceito de

mundo da vida, é preciso refletir a forma como esse sistema social é mantido, é preciso que haja

busca constante de fundamentos epistemológicos capazes de manter, renovar e transformar a

cultura, a sociedade e a personalidade, entendendo estes como os elementos estruturantes do

mundo da vida, que estão em constante interação com o sistema, identificando os aspectos

centrais e os conteúdos culturais que fazem parte de cada um desses processos, buscando

subsídios para explicar os fenômenos das crises das sociedades modernas (FERRADA, 2001,

p. 70, tradução nossa).

Partimos do princípio de que, não se pode esquecer que a modernidade tanto cria a

diferença, como exclusão e a marginalização. Mas as instituições modernas e aqui incluímos a

escola e o currículo, ao mesmo tempo que são produtoras de exclusão, são também capazes de

oferecer diversas possibilidades de emancipação, bem como criar mecanismos de eliminação

ao invés da realização do eu apenas produzido no individualismo (GIDDENS, 1994 apud

FERRADA, 2001, p. 70).

Desse modo, os mecanismos que emergem da sociedade moderna que tanto promove

realização como opressão do “eu”, são essenciais para pensar um currículo que seja

57

fundamentado para a transformação social do sujeito bem como do meio em que vive,

transformando a realidade das escolas e a vida de toda comunidade educativa.

Ferrada (2001), no entanto, para melhor explicar como se dão tais mecanismos, parte da

análise baseada na dualidade da sociedade, ou seja, da teoria da ação comunicativa de Habermas

e da teoria de auto realização do “eu” de Gilddens. Nessa linha de compreensão, a visão de

sociedade conceituada tanto como mundo da vida de um determinado grupo social, como um

sistema que se regula em si mesmo, como resultado, uma forma mais clara de se entender os

diversos mecanismos de opressão, exclusão e marginalização que operam na sociedade

moderna e, que emanam das ações resultantes das interações entre indivíduo e sociedade, e

assim buscar mecanismos para explicar também as crises que os envolve (FERRADA, 2001, p.

70-71).

Na concepção de Giddens (1994) no que diz respeito a teoria da restruturação, os agentes

e as estruturas são passíveis de dicotomia de modo que o efeito das estruturas sobre os agentes

é o de se posicionar segundo em certos contextos, deixando brechas que condicionam sua

movimentação em tais estruturas. Significa dizer que, esses agentes de modo quando agem de

maneira reflexiva, acabam regulando os espaços universais, seja para manter como estão, seja

para alterá-los (MARIGO, 2015 p. 25).

Na mesma direção, com as possibilidades de mudanças apresentadas pelo sujeito

cognoscível que tem como característica a ação reflexiva apresentada por Giddens, Marigo

(2015 apud FLECHA; GÓMEZ ; PUIGVERT, 2001), apresenta também os desafios da

sociedade da informação, que operam em modo capitalista produtor de desigualdades em seu

modelo de produção. A autora esclarece que não é o que se produz, mas como se produz essa

mercadoria. Como consequência, ocorre diversas desigualdades que são produzidas pelo que

ela chama de “capitalismo informacional” – entre interatuantes e interatuados, significa que as

hierarquias continuam presentes nesse modelo social, que distingue-se entre os que acessam,

seleciona e processa e que elabora; as desigualdades permanecem entre os trabalhadores em

rede e os desconectados; entre explorados e excluídos, nesse caso, grande parte destes ainda

não despertam o interesse do mercado potencial, estão às margens das intenções de serem

incluídos ao mercado informacional (MARIGO, 2015, p. 2.6).

Nesse contexto o papel da educação na sociedade informacional tanto pode incluir como

excluir. Nesse viés de raciocínio e considerando que todos têm possibilidade de acessar e

processar a informação, o que é exigido então da educação por meio de um currículo na

perspectiva crítica comunicativa, é promover a aquisição de conhecimento e habilidades

suficientes para que o sujeito se desenvolva criticamente, dizer isso é dizer que ele seja capaz

58

de ler criticamente os conteúdos com autonomia e com capacidade de tomar decisões baseadas

em atitudes reflexivas. Pois, estas são atividades indispensáveis para que esse sujeito conduza

sua vida social, cultural de maneira coletiva.

Mas, esta não é uma preocupação recente. Já em 1902 John Dewey como um dos

primeiros teóricos progressistas das teorias curriculares, apontava a necessidade de incorporar

nos processos de ensino e aprendizagem as questões culturais, bem como “[...] apontava a

importância de o planejamento curricular considerar os interesses e experiências sociais das

crianças e jovens.” (HIDALGO, 2008, p. 28).

Assim, especificamente a respeito da crise social instaurada na sociedade moderna, cabe

também a educação auxiliar na resolução de tais conflitos e oferecer estabilidade educacional

ao sistema social vigente. Hidalgo (2008, p. 50) que discute as principais causas das

desigualdades sociais nessa sociedade permeada por contradições, acredita que as

desigualdades poder ser consequências de “[...] acesso às informações e ao conhecimento entre

pessoas e grupos sociais.” A autora ainda afirma a existência de uma “uma crise na cidade”,

que tem como consequência uma “crise educativa” e diversos problemas sociais como, por

exemplo, “[...] a exclusão social, a violência, a fragmentação territorial, o desemprego a

poluição, a solidão e o individualismo [...], cada vez mais presentes na sociedade.” (HIDALGO,

2008, p. 50).

Como vemos, são diversos os conflitos e impactos sofridos principalmente por

comunidades periféricas urbanas, provocados pelo acesso à informação, ou melhor, pela

impossibilidade de muitos em acessar essa informação, potencializando e provocando diversas

crises no interior da comunidade. Mas antes de explicar como se dão as crises, será prudente

expor o funcionamento da sociedade em sua totalidade, só assim será possível, então, prosseguir

com a compreensão acerca das crises sociais.

Partimos da compreensão que, pensar a sociedade como mundo da vida e que esta é

simbolicamente estruturada, significa entender como a sociedade se constitui como

comunidades em comunicação e compreendida a partir de um aparato cultural problematizado

como fundamento comum de que compartilham os sujeitos que interagem socialmente. A partir

desses elementos – cultura, sociedade e personalidade – a ação comunicativa desempenha

distintas funções, desde o entendimento, a coordenação e socialização, estas juntas, visam, para

a reprodução simbólica do mundo da vida: reprodução cultural, integração e socialização

(FERRADA, 2001, p. 71-72). Para a mesma autora, tais elementos do mundo da vida,

59

[...] constituem quadros complexos de significado que são incorporados em distintas

bases, mas interligados entre si. O conhecimento cultural é materializado em formas

simbólicas, em objetos de uso e tecnologia em palavras e teorias, materializadas em

ordens institucionais, em normas legais ou em estruturas de práticas e usos

normativamente regulamentados (livros e documentos), não menos que em ações

humanas (FERRADA, 2001, p. 71-72, tradução nossa).

Nesse aspecto, como Ferrada (2001), entendemos que o fato de tais elementos serem

incorporadas em distintos fundamentos, não significa que sejam delimitados, ou seja, não

podem ser entendidos como sistemas em si, isso porque são implexos por uma linguagem

cotidiana comum, que possibilita a referência permanente da totalidade do mundo da vida que

compartilham. Nas palavras de Habermas (1990), sobre os componentes do mundo da vida –

cultura, sociedade e personalidade,

[...] não devem ser entendidos como sistemas que constituem ambientes um para o

outro; antes de se entrelaçarem um com o outro pelo meio comum que representa a

linguagem comum...Nem os sistemas de ação que, em grande medida, se

especializaram nas funções de reprodução cultural (escola) ou integração social

(direita) ou de socialização (família) Operam de uma maneira totalmente separada.

Através do código comum que representa o idioma comum, eles cumprem as funções

de cada um dos outros, mantendo assim uma referência à totalidade do mundo da vida.

(HABERMAS, 1990 apud FERRADA 2001, p. 71, tradução nossa).

Como consequência dessa interação, segundo Habermas (1990) a:

[...] sociedade permanece em ordens institucionais em normas legais ou em estruturas

de práticas e usos normativamente regulamentados. E finalmente, as estruturas de

personalidade literalmente incorporadas no substrato que são organismos humanos.”

(HABERMAS, 1990, p.101, tradução nossa).

A razão de ser das novas teorias sociológicas contemporâneas é de buscar

possibilidades de transformação social da atual sociedade, através do entendimento de

conceitos como sistema e mundo da vida, proposto pela teoria da ação comunicativa de

Habermas e do conceito de estrutura social e agência humana compreendido a partir da teoria

da estruturação de humana de Giddens e suas relações e inter-relações como meio de ajuizar

mecanismos de superação das desigualdades sociais.

Assumimos o conceito de desigualdade a partir das contribuições de Pitano (2016, p.

41) ao afirmar que tudo que a desigualdade (e não a diferença) provoca nos seres humanos é

injusto. O autor parte do ponto de vista de que somos seres ontologicamente iguais, semelhantes

uns aos outros, e iguais quando “fazedores de cultura”, portanto, é justo quando questionamos

as desigualdades que explora e oprime uns em detrimento das atitudes de outros de uma

sociedade desigual.

60

Mas, em meio a essa mesma sociedade desigual, Marigo (2015), explica que tanto essa

sociedade, como a educação, podem motivar relações de solidariedade entre os sujeitos, a partir

do mundo da vida e por meio da agencia humana, possibilitando a produção de transformações

sistêmicas e/ou estruturais, guiadas pelas ações políticas e pedagógicas. O que nos resta,

portanto é, desenvolver ambientes baseados na comunicação, avançando para além da

denúncia, espaços capazes de potencializar relações de respeito que promovam mecanismos

que respondam as demandas educativas para eliminar exclusão social.

A partir desse entendimento, podemos ser capazes de encontrar mecanismos de

superação dos desafios e relações conflituosas, impostos por nossa existência. Nessa direção e

considerando que a inteligência humana faz parte da constituição do conhecimento produzido

pelas ciências tanto humanas como naturais, ela está também articulada aos processos

educativos, culturais e principalmente os processos de escolarização. (MARIGO, 2015, p. 23).

2.2 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA (TAC) DE JÜRGEN HABERMAS E A TEORIA DA AÇÃO

DIALÓGICA DE FREIRE PARA PENSAR UM CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO

Qualquer ato de fala, através do qual um falante se entende

com um outro sobre algo, localiza a expressão lingüística em

três referências com o mundo: em referência com o falante,

com o ouvinte e com o mundo. (HABERMAS, 1990b, p. 95).

A teoria da ação dialógica de Freire e da ação comunicativa de Habermas resgatam e

ampliam um modelo de aprendizagens desenvolvidos na e pela escola. Mas, para que isso

aconteça é preciso, além de resgatar os modelos de conhecimentos baseados no diálogo e na

comunicação, é preciso também considerar que os conteúdos não são neutros não podendo deste

modo existir a dicotomia entre “[...] leitura do mundo/leitura da palavra, leitura do texto/leitura

do contexto” (FREIRE, 2005 apud MARIGO, 2015, p, 123).

Tendo como base a teoria do agir comunicativo de Habermas, os processos de ensino e

aprendizagem devem conservar a partir das interações, seu aspecto dialógico, deve ir para além

das relações hierárquicas, deve alcançar as ciências modernas e conhecimento que esta mesma

ciência produz e propõe, fundamentando-o na racionalidade comunicativa que emerge do

diálogo igualitário entre as pessoas (HABERMAS, 2001).

Para Marigo (2015), para concretização da racionalidade comunicativa tanto o

conhecimento produzido cientificamente como aquele que parte das experiências vivenciadas

devem ser considerados válidos. Cabe, portanto, à educação, à escola e currículo resgatar a

61

natureza dialógica da aprendizagem humana, no intuito de buscar a garantia de igualdade de

direitos para todos (MARIGO, 2015).

A Teoria da Ação Comunicativa do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas é

importante alicerce para se pensar a possibilidade de um currículo escolar baseado na interação

entre os sujeitos a partir de relações respeitosas, sujeitos que segundo o autor, são capazes de

linguagem e ação, ou seja, através do desenvolvimento da racionalidade comunicativa, pode-se

superar a racionalidade técnica, oferecendo condições ao sujeito de emancipação da dominação

técnica, que o torna preso a um sistema, sem condições mínimas de ação e reflexão,

potencializando assim uma possível transformação da educação das práticas educativas e

curriculares.

Entretanto, pensar em transformação significa envolver todos os agentes educativos nas

tomadas de decisões que afetam a escola. Mas, apenas se esse encontro for pautado em ações

mais humanas mais autônomas, e que nenhum desses sujeitos tentem ser dominantes e

repressores. Só assim será possível apontar um caminho possível como meio de superação

consensual de conflitos, onde o conceito de racionalidade comunicativa é contrário às reduções

cognitivo-instrumentais da razão.

Ao defender o Currículo Crítico Comunicativo, Ferrada (2001) partilha das afirmações

de Habermas e de Freire quando ela esclarece que esse conceito de currículo parte do princípio

de que a proposta curricular que representa a sistematização teórica dentro do esforço coletivo,

se realiza pela recuperação de espaços de liberdade, participação e da tomada de consciência.

A autora afirma que tal proposta tem como alvo, a construção de uma sociedade mais solidária

e equitativa e de relações respeitosas em seu interior. Nesse espaço coletivo, a construção deve

ser coletiva, pois este é local privilegiado de interação e diálogo e, de acordo com Carvalho

(2005, p. 57) pode e deve mesmo,

[...] permite que cada agente social o compreenda enquanto sujeito comunicante, e

que a sua formação acontece mediante o encontro com as diferentes vertentes que a

realidade oferece. [...] A finalidade da construção coletiva é a tomada de consciência

de que a verdadeira cidadania passa pelo engajamento na luta para a construção da

identidade do sujeito e da nova realidade social.

Em linhas análogas, Habermas (2012, p. 43) indica um processo educativo a partir do

diálogo, no qual as ações humanas sejam mais autônomas, mais lúcidas e menos dominadoras

e repressoras, pois, a:

62

[...]racionalidade comunicativa em maior medida, por sua vez amplia no interior de

uma comunidade de comunicação o espaço de ação estratégica para a coordenação

não coativa de ações e a superação consensual de conflitos de ação [...]

Assim, o conceito de racionalidade comunicativa é contrário às reduções cognitivo-

instrumentais da razão nas diversas relações, sejam elas na escola e fora dela.

Uma outra questão a se considerar em uma proposta curricular voltada para o

entendimento é que resgata seu aspecto pluridimensional de contextos, significa que uma

análise e reflexão crítica segundo Ferrada (2001) deve ser realizada, desde os muitos contextos

de experiências e que contribuem para o resgate do conhecimento de nossas realidades

sociais e culturais locais (micro), sem deixar de considerar o contexto universal (macro),

ampliando o potencial dialógico e comunicativo.

Mas, isso só é possível porque o Currículo Crítico Comunicativo é herdeiro de

concepções de análises que recuperam a diversidade de contextos, concedendo particular valor

a comunidade local onde se localiza a escola, considerando seus costumes e hábitos,

proporcionando e fundamentando a participação da comunidade e escola em diversos âmbitos

referentes as decisões alusivas ao currículo. A partir desse contexto, a escolha dos conteúdos

“[...] tem que ver com: que conteúdos ensinar, a quem, a favor de quê, de quem, contra quê,

contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem decide sobre que conteúdos ensinar.”

(FREIRE, 2005, p. 45).

Seguindo o pensamento de Freire (2005), o diálogo permite e amplia o entendimento de

uma realidade especifica, enquanto se considera nessa relação de diálogo distintas significações

e conhecimentos sobre uma dada realidade. Tal afirmação se apoia e se explica nas ciências

sociais e educativas, permitindo que os princípios da aprendizagem dialógica possam orientar

a reflexão e a prática em diferentes contextos de exclusão, sejam eles sociais e/ou educativos.

Nessa perspectiva, é que entendemos que o diálogo verdadeiro, é capaz de promover o

conhecimento significativo.

De modo que ao currículo cabe incorporar e não negar as experiências históricas, nem

silenciar as vozes pelas quais os estudantes dão sentido ao mundo, tão pouco calar os

significados que atribuem a realidade na qual estão inseridos cotidianamente. Já que a escola é

um território de luta, segundo Freire (2005), o currículo torna-se um campo de disputa de poder,

do mesmo modo que a pedagogia crítica deve ser a política cultural que traga um currículo

“ressignificado humanizante”, capaz de promover da emancipação dos sujeitos (FREIRE, 2005,

p. 45).

63

Ferrada (2001) afirma, amparada nas TAC de Habermas, que todos os processos

educativos devem promover uma racionalidade comunicativa. Para a autora:

[...]promover a mudança de racionalidade comunicativa está fortemente relacionada

com as formas com que os diferentes integrantes da comunidade escolar utilizam seus

distintos conhecimentos em prol de um bem comum amparados em práticas solidárias

e respeitosas (FERRADA, 2001, p. 12, tradução nossa).

As reflexões para se pensar a emancipação do sujeito a partir de uma escola e currículo

que sejam distanciadas do conceito de diálogo, seria algo ingênuo de se pensar, pois, conforme

afirma Ferrada (2001), a escola que não dialoga, corre o risco de se extinguir, o que torna o

diálogo indispensável nas relações entre escola, sujeito e comunidade, sobre o que e quando

ensinar, com esse diálogo se espera promover relações que promovam a transformação real.

Sendo as escolas e as instituições educativas ambientes de disseminação da cultura, do

saber, do conhecimento e que dissemina-se tanto ideologias de supremacia, como de ideologias5

de projeto de sociedade emancipada, precisamos reivindicar um currículo escolar que amplie

as capacidades humanas de respeito, dignidade, com base em conhecimento significativo, para

que as pessoas possam intervir na sua autoformação e transformarem as condições ideológicas

e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da

democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.

O diálogo deve estar fundamentado no respeito mútuo, comprometido com a

transformação de uma sociedade injusta e a emancipação do sujeito através da superação da

consciência ingênua que incapacita os sujeitos a desvelarem as relações que se desenvolvem no

interior da escola e que interfere em sua formação e transformação.

Para que a educação de desenvolva numa perspectiva dialógica, o diálogo se torna um

dos elementos essenciais para a se pensar um currículo que considere a diversidade dos sujeitos

envolvidos nessa dinâmica. Freire (1987) nos explica que o diálogo é um fenômeno humano,

que é constituído pela ação e reflexão, numa interação contínua em busca da transformação do

5 Não tentaremos aqui explorar os diversos conceitos e concepções atribuídos ao termo “ideologia”, mas por hora

cabe compreender a ambiguidade do termo especialmente no cenário político e social. Mas de acordo com Thompson (2011) que utiliza e considera algumas das fases principais na história da ideologia para repensar uma

concepção crítica de ideologia à qual nos inserimos. Para o autor que desenvolve uma formulação alternativa do

conceito de ideologia e que diz respeito ao atual contexto sócio histórico, ele distingue em dois tipos gerais de

concepções de ideologia. [...] “concepções neutras de ideologia”, que são aquelas que tentam caracterizar

fenômenos como ideologia, ou ideológicos, sem implicar que esses fenômenos sejam, necessariamente,

enganadores e ilusórios, ou ligados com os interesses de algum grupo em particular. [...] concepções críticas de

ideologias, que são aquelas que possuem um sentido negativo, crítico ou pejorativo. Diferentemente das

concepções neutras, as concepções críticas implicam que o fenômeno caracterizado como ideologia – ou como

ideológico – é enganador, ilusório ou parcial; [...] (THOMPSON, 2011, p. 72-73).

64

mundo, ressaltando que a palavra na reflexão, sem a ação se torna verbalismo, nas palavras do

autor, “blablablá”, identificando outro aspecto a se considerar, para ele a palavra somente na

ação se torna ativismo e acaba impossibilitando o diálogo verdadeiro.

No entanto, o “diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo”, para

pronunciá-lo, de modo que é possível conceber homens e mulheres como seres inconclusos em

processo de constante construção e reconstrução de suas histórias de vida, não num mundo já

dado, determinado, porém como tempo de possibilidades, e isso só é possível através da práxis

(prática), que propicia o diálogo (FREIRE, 1987, p. 45).

Do mesmo modo que o Currículo Crítico Comunicativo propõe um processo educativo

a partir da perspectiva do diálogo, para Freire (2006, p. 65), as relações de mundo só acontecem

a partir da comunicação, ou seja, “[...] o mundo social e humano, não existiria como tal se não

fosse um mundo de comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento

humano.”, e acredita que para se chegar a esse conhecimento não é possível se dar alheio à

comunicação pois, para ele, “[...] não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras,

no trabalho, na ação-reflexão.” (FREIRE, 2003, p. 92).

Significa dizer que o conhecimento materializado no planejamento curricular sempre

emerge de intencionalidades particulares e de relações de poder de diferentes grupos ou pessoas.

É sempre resultado de acordos de diversas práticas, em diferentes contextos históricos. Resulta

sempre de processos e contextos sejam eles social, econômico e cultural, bem como de disputas

por intenções, que tantos desejos desperta em grupos e pessoas com diferentes propósitos

(ARROYO, 2011).

Mas a quem interessa que um conhecimento considerado legítimo, deve ser ensinado,

transmitido e aprendido (ou não) nas escolas? Quem determina o que é conhecimento legítimo

(universal) ou não? Quais conhecimentos recebem o direito de estarem presentes no currículo

escolar? Quais são os saberes e experiências que devemos proporcionar para meninos e meninas

em nossas escolas? O que acontece quando um conhecimento (a cultura do outro) é deixado de

fora do currículo e das salas de aula? Qual o porquê de tantas reformas curriculares?

Devemos reconhecer que não se trata de obter respostas a esses questionamentos, mas

provocar reflexão acerca da problemática da construção curricular baseada em ação dialógica e

na ação comunicativa, promovendo a aproximação das diversas práticas que se realizam na

escola, e fora dela. Isso poderá oportunizar a esses sujeitos refletir sobre o currículo macro, para

um currículo micro, aquele que guia a prática do professor em sala de aula. Cabe ressaltar que

acreditamos que a construção curricular é “[...] resultados de disputas culturais, de embates e

conflitos em torno dos conhecimentos, das habilidades e valores que se consideram ser dignos

65

de serem transmitidos e aprendidos.” no ambiente escolar e fora dele (CANEN; MOREIRA,

2001, p.7).

Mas para que aconteça uma efetiva transformação das relações dos sujeitos, para uma

sociedade mais digna e justa, está, necessariamente, imbricado na forma como pensamos o

conhecimento e as formas desiguais de educação. É preciso revelar as condições desiguais que

a escola e o conhecimento são oferecidos a meninos e meninas. Desvelar as desigualdades e as

formas de preconceito que estão na sociedade, na escola, bem como, no currículo, porque tudo

isso é preciso para avançar na identificação de ferramentas de luta e resistência às formas

desiguais de educar.

Tanto Freire com Habermas compartilham do mesmo horizonte utópico de educação,

Habermas como teórico da sociedade, envolvido com as questões sociológicas e filosóficas do

seu tempo e Freire sempre envolvido com questões relacionadas as contradições sociais,

demostrando uma clara diferenciação do contexto da ação/reflexão de ambos no curso da

investigação de ambos (PITANO, 2016, p. 15-16).

Mesmo que a dedicação de Habermas estivesse voltada às questões do capitalismo e as

de Freire as questões da libertação dos povos colonizados6, nunca se pode considerar as teorias

de ambos como reducionistas e revestidas de relativismo, isso porque, embora exista claramente

uma dicotomia entre as distintas teorias determinada pelo tempo histórico de suas vidas, não

inviabiliza a nossa discussão aqui – ação comunicativa e o diálogo para penar o currículo

escolar na perspectiva crítico comunicativo – dizemos isso apoiados na concepção ideal de

educação, democracia, liberdade e justiça social que ambos os teóricos desenvolveram ao longo

de suas vidas (PITANO, 2016)

Dizemos isso amparado em Pitano (2016), pois entendemos como ele, que tanto

Habermas como Freire exercem, ainda hoje, uma forte influência nos campos da atividade

humana ao qual também inserimos esta investigação – sociologia, política e educação – de

modo, que pensar a educação e incluímos a construção curricular, distanciado desses campos

pode enfraquecer a problemática a que se propõe, sob pena de transformá-la em “puro idealismo

acadêmico”. Nesse sentido, Ferrada (2001) indica que é de nossa responsabilidade enquanto

pesquisadores e pesquisadoras nos valermos de uma Teoria Crítica de Educação como

6 Entendemos nesse trabalho investigativo o processo de colonização, do mesmo modo que Jaffe (2001)

compreende. Segundo ele se trata do “processo de desapropriação através da conquista e a superxploração da

opressão e da inanição cultural realizado pelos colonizadores capitalistas e companhias estrangeiras” (JAFEE 2001

apud PITANO, 2016, p. 15).

66

possibilidade de ir para além da “denúncia e contestação [...]” (FERRADA, 2001, p. 9, tradução

nossa).

2.3 TEORIA DA RESISTÊNCIA: RESISTIR E LUTAR POR UMA ESCOLA PARA O POVO

O colonialismo invisível te mutila sem disfarce: te proíbe de

dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo

invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um

destino, e a impotência sua natureza: te convence que não se

pode dizer, não se pode fazer, não pode ser. (Galeano, ano)

Freire ao apresentar a obra de Henry Giroux (2008) – Os professores como intelectuais

transformadores – afirma que não é possível, tampouco viável, escrever ou conversar sobre os

contextos ou os temas ou ensiná-los, de maneira isolada, sem levar em conta as forças culturais,

sociais e políticas que os moldam. Para o autor, é preciso promover reflexão crítica de modo a

questionar a ideia simplista de que as escolas são propulsoras de uma ordem democrática e

igualitária e, ir além.

Ao partir de uma interpretação crítica da realidade, é possível afirmar que as escolas

podem, também, desenvolver mecanismos de produção e reprodução de desigualdades, de

dominação e opressão. Hidalgo (2008, p. 49) reconhece também a escola como uma das

principais instâncias sociais responsáveis por desenvolver tais elementos como meio de “[...]

desenvolver a consciência de que as identidades culturais.”, uma vez que nesse cenário social

globalizado, sofre com a “perda do referencial” como nação, sucumbindo-se a

“universalização” e “compartilhamento crescente das ideias, estéticas similares, emoções

próximas”, atribuindo a escola o papel de produtora de uma identidade cultural, sob pena de

promover processos de exclusão social.

Essa interpretação é necessária, pois, pode produzir a possibilidade de confronto e luta

para uma reforma verdadeiramente democrática das escolas brasileiras, que demandam a

presença de dois importantes elementos: primeiro, as escolas como esferas públicas e

democráticas e segundo os professores como intelectuais transformadores (GIROUX, 2008, p.

30).

Nessa linha de raciocínio, entendemos que, na atualidade, o discurso difundido em todo

âmbito brasileiro é de que todos têm direito a educação e escola pública de qualidade. É um

momento atravessado pelo amadurecimento político dos sujeitos que, atualmente frequentam a

escola. Partimos do princípio de que é de responsabilidade da sociedade, mais especificamente,

67

do poder público promover formação cultural e formativa para todas as brasileiras e brasileiros,

bem como sua permanência na escola básica (LIBÂNEO, 1991, 34).

Não se trata de um problema atual, conquistar uma escola possível para todos,

principalmente para trabalhados rurais e moradores das periferias urbanas, ainda que seja

amplamente divulgado pelos profissionais da educação que entendem que a escola como está

instituída não é capaz de evitar a exclusão e fracasso escolar, já que poucos são os que

conseguem permanecer na escola por 3 a 4 anos. Será possível aprender nesse curto espaço de

tempo? Certamente que não. É possível uma escola nesse pais para os filhos do povo?

(ARROYO, 1991, p. 34).

Sim é possível. Mas para isso, é preciso muito mais do que, simplesmente inserir esse

sujeito na escola sob o discurso de serem escolas inclusivas, democráticas, escola do povo,

formação humana, etc., discursos quase sempre distanciados da realidade dessas escolas e das

pessoas e que não garantem a verdadeira educação inclusiva e popular.

Pitano (2016) narra alguns fatos que comprovam a afirmação acima. Para o autor,

enquanto ideologia, o capitalismo também pensa projetos de formação humana, mas um modelo

próprio de ser humano. O autor corrobora com esta afirmação com outros exemplos de projetos

que foram desenvolvidos ao longo da história e que também pensavam a formação humana

como o socialismo e o nazismo por exemplo, cada um com o pé fincado em uma ideologia em

particular, mas, propunham “[...] projetos de formação humana, para uma concepção de mundo

que julgavam ser a correta.” (PITANO, 2016, p. 43).

Entretanto, como vimos a partir das contribuições de Pitano (2016), tais projetos são

desenvolvidos sob um discurso veladamente por ideias de liberdade e inclusão. Nas palavras

do autor cada projeto carrega em si uma visão de sociedade particular e obviamente,

[...] o faz sob uma ótica própria, de tal forma que os coloca, disfarçadamente, a serviço

do fim maior, o lucro, resultado do processo produtivo do sistema. O indivíduo livre,

igualitário e fraterno é, na verdade aprisionado na teia densa e pouco visível que o

mantem competindo por mais capacidade de consumo e oportunidades de vida,

capazes de proporcionar a elevação dessa capacidade (PITANO, 2016, p. 43).

Assim, fica claro que a inclusão dentro de um sistema capitalista significa que à

educação oficial cabe formar o indivíduo para ser “incluído” no sistema e que, para o bom

funcionamento desse sistema, a exclusão não oferece vantagens, devendo ser evitada sob pena

de fragilizar o sistema, bem como o consumo, nas palavras de Pitano (2016), a exclusão a ser

evitada a todo custo é com relação ao mercado, pois, “[...] é preciso evitar a revolta, a violência

68

de qualquer natureza (que não a estatal) e promover ao consumo o maior número de indivíduos-

clientes, chamados nesse sistema de cidadãos.” (PITANO, 2016, p.43, grifo do autor).

É preciso ir além desses discursos e projetos que engendram uma concepção, sempre

contrárias a uma educação para a transformação. Compreender que o processo de

democratização da sociedade, perpassa a escolarização em todos os seus aspectos. Sem a

escolarização, considerada como elemento essencial nesse processo, não é possível promover

o desenvolvimento das diversas capacidades intelectuais, bem como o domínio dos

conhecimentos necessários para que o sujeito seja capaz de interferir criticamente e

positivamente através de suas ações e reflexões. Desse modo, para que a democratização se

efetive na sociedade, é necessária uma “[...] educação de qualidade, capaz de promover a

construção dessa sociedade democrática.” (ARROYO, 1991, p. 34-35).

Em uma sociedade democrática, qualidade da educação tem a ver com qualidade social,

diminuição da exclusão escolar, democratização do acesso ao conhecimento, etc., Porém, é

sabido que esse processo está longe de se concretizar, considerando que a escola se encontra

distanciada de uma prática de justiça social.

É bem verdade que a escola não inventa, tampouco cria tais conflitos, eles estão

presentes na sociedade e, certamente, estarão presentes no cotidiano escolar. O que a escola

pode, eventualmente é acentuá-los ou eliminá-los, o que a escola não pode, é negá-los, pois eles

estão na sociedade e certamente acabam rompendo-se na escola (CUNHA, 2009).

A esse respeito, Moacir Gadotti ao escrever o prefácio da obra de Paulo Freire, Educação

e Mudança (GADOTTI, 1983, p. 13), contribui com a afirmação acima, pois assegura que não

é possível:

[...] esperar que uma escola seja ‘comunitária’ numa sociedade de classes. Não

podemos esquecer que a escola também faz parte da sociedade. Ela não é uma ilha de

pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não penetram.

Há, portanto, segundo Freire (1983) a necessidade de se instaurar uma relação respeitosa

e de diálogo verdadeiro no interior dessas escolas e em seu entorno, com o propósito

fundamental de efetivamente superar as diversas formas de desigualdades de classes e das

várias formas de preconceito que existem na sociedade e escola.

Sem a intenção de desvalorizar todo esforço em tornar democrático o ensino, bem como

a escola, do mesmo modo que é possível perceber as tentativas de estender essa escola a maioria

das pessoas, é que Beisiegel (2005, p. 116) alerta para uma “[...] crise instaurada no ensino

público e que leva grande parte dos críticos radicais que estudam a situação do ensino, a não

69

aceitar a expressão democratização do ensino.” Segundo o mesmo autor, mesmo que exista a

“[...] extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não teria sofrido

alterações significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades sociais.”

Não é possível ignorar as capciosas intenções neoliberais de fazer-nos acreditar numa

democratização verdadeira do ensino de tal forma que, Giroux (2005), considera que é preciso

elucidar, ou seja, escancarar mesmo a verdade de nossas escolas e comunidade e, como se dá

todo processo educativo e formativo.

Apesar de muitas forças contrárias segundo Apple e Beane (2001), só será possível

transformar a realidade das escolas públicas se houver projetos e iniciativas de escolas que

trabalham pela crítica, pela emancipação do homem, resistindo aos diversos ataques.

Nesse sentido, não é prudente relegar a diversidade dos sujeitos históricos, possuidores

de culturas, dotados de valores e conhecimentos diversos que compõem o cotidiano escolar.

Sendo assim, é preciso considerar na organização do currículo tanto as experiências sociais

como culturais dos diversos sujeitos que convivem em permanente interação social, sendo

urgente “[...] torná-los visíveis e reconhecê-los sujeitos críveis.” (ARROYO, 2011, p.148).

Cabe ao professor libertar-se das amarras conceituais “[...] transformando-se em um

intelectual transformador.”, promovendo a “libertação da memória”, o que em linhas gerais,

significa dizer que a esse professor compete a tarefa de tornar evidente as relações de opressão

e sofrimento daqueles que por muito tempo estiveram quiçá, ainda estão, sob o julgo de relações

desiguais em uma sociedade também desigual (APPLE, 2006, p, 30).

Mas, dentre outras atitudes atribuídas ao professor como intelectual transformador, cabe

de acordo com Carvalho (2005, p. 15), “[...] entender o processo escolar e descobrir o motivo

que o desqualifica, bem como planejar e colocar em prática o projeto educativo que permite

compreender como a realidade é e como pode ser transformada.”

Nessa perspectiva, Candau (2012) esclarece que não se trata de um processo isolado, é

preciso ainda potencializar aprendizagens, visando construir conhecimentos que incorporem os

processos de crescimento tanto pessoal como social que considere as especificidades da

comunidade local sem esquecer é claro do universal. Ainda segundo a autora, é preciso

direcionar nosso olhar para a formação do professor no sentido de potencializar as

“aprendizagens significativas”7.

7 Segundo Candau (2012, p. 59) para que sejam aprendizagens significativas o conhecimento escolar não pode ser

um “dado” inquestionável e “neutro”, a partir do qual os professores/as configuram o ensino. “Trata-se de uma

construção permeada por relações sociais e culturais, processos complexos de transposição/recontextualização

didática e dinâmicas que ter de ser ressignificadas continuamente”.

70

Nesse contexto e no que diz respeito à formação desse professor, Giroux (2006) considera

que eles devem ter capacidade crítica e reflexiva para encontrar maneiras e alternativas a fim

de reorganização do cotidiano escolar, tendo em vista as esferas temporais, espaciais assim

como a criação de ideologias que permitam a construção de estruturas necessárias para a escrita,

pesquisa e trabalho na produção de currículos e repartição do poder.

Em última análise, os professores precisam desenvolver um discurso e conjunto de

suposições que lhes permita atuarem mais especificamente como intelectuais

transformadores. Enquanto intelectuais, combinarão reflexão e ação no interesse de

fortalecerem os estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem as injustiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o

desenvolvimento de um mundo livre da opressão e exploração. Intelectuais deste tipo

não estão meramente preocupados com a promoção de realizações individuais ou

progresso dos alunos nas carreiras, e sim com a autorização dos alunos para que

possam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo quando necessário (GIROUX,

2006, p. 31).

No espaço dos processos de ensino e aprendizagem, como “intelectual transformador”

a esse professor cabe, portanto, propor como chama Candau (2012, p. 51) “modelo de educação

multicultural” para o dia a dia das salas de aula, que devem levar em consideração diversas

dimensões, que juntas irão potencializar grandes mudanças no sistema educacional atual que é

“[...] discriminador, hierarquizador, autoritário e de negação do ‘outro’ da nossa sociedade.”,

transformando-se em uma educação voltada principalmente para a edificação de bases

concretas de uma “sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade

com políticas de identidades”.

Cada vez mais, é possível perceber que, ao invés de ensinar os jovens apenas a lerem

criticamente o mundo, a ênfase fica em como esses podem dominar as ferramentas de uma

leitura crítica. Assim, nos perguntamos: como é possível tornar a escolarização significativa de

modo a torná-la crítica e emancipadora? Como meio de avançar nesse questionamento, é

preciso então entender os limites e possibilidades das escolas a partir de uma nova linguagem.

Pois partimos do princípio de que vivemos em uma sociedade sob a égide de uma linguagem

de escolarização limitada e mecanizada que decorrem de processos de escolarização precários

como vimos.

Por conseguinte, essa característica da linguagem impede que todos, especialmente os

professores, sejam capazes de atingir uma leitura crítica de mundo e de escolarização,

impedindo que sejam desveladas as relações, por exemplo, de ideologia de sua própria

linguagem cotidiana e como consequência, por um lado, serviria para desmitificar os fracassos

71

da escolarização e por outro pensar em novos mecanismos e experiências escolares com vistas

à emancipação dos sujeitos.

Sem a intenção de nos aprofundarmos na questão do fracasso escolar, é preciso ter

cautela ao utilizar tal conceito sob pena de desresponsabilizar os responsáveis, seja se valendo

do discurso da mídia, seja do conceito atribuído pela literatura especializada. Por hora basta

explicar que,

[...] os fenômenos designados sob a denominação de ‘fracasso escolar’ são mesmo

reais. Mas não existe um objeto ‘fracasso escolar’, analisável como tal. Existem, é

claro, alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não

adquirem os saberes que supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas

competências, que não são orientados para a habilitação que desejariam, alunos que

naufragam e reagem com condutas de retração, desordem, agressão. É o conjunto

desses fenômenos, observáveis, comprovados, que a opinião da mídia e os docentes agrupam sob o nome de ‘fracasso escolar’ (CHARLOT, 1996 apud RODRIGUES,

2010, p. 9).

Esse é o cenário de fracasso escolar que muitas vezes é atribuído exclusivamente ao

professor, desresponsabilizando o Estado de suas responsabilidades enquanto “democracia

representativa” na construção de escolas para o povo. Escolas estas vistas, sobretudo, pela ótica

do mercado, e da competição por esse mercado, os alunos como clientes e os professores como

prestadores de serviço, como bem descreve Coelho (2012, p. 63), quando ele aponta que a

escola como instituição esvaziada do seu “sentido cultural e formativo”, voltada

principalmente, quiçá, reduzida somente a uma lógica de mercado.

A escola se transformou em mercado educacional sendo ajustada por uma concorrência e

competição desenfreada, como efeito, caminhamos a passos largos para que o Estado seja

eximido ou desresponsabilizado da educação e escola.

Dentre os efeitos produzidos a partir de escola e educação no viés da lógica de mercado,

Coelho (2012) destaca a redução do saber a experiências; dados e informações ordenadas e

sistematizadas deságua no primado e prevalência dos chamados conteúdos, das competências,

do aprender a fazer, da prática, do treino da mente; os alunos reduzidos a sujeitos de mente

vazia, a ser preenchida com os saberes que aos poucos ele vai recebendo e acolhendo, e dos

quais se apropria; alunos sendo transformados em consumidor de saber acabado e partilhado

pelos professores (COELHO, 2012).

Nesse contexto, resta aos alunos o inevitável: a perda de sentido enquanto pessoa na sua,

“[...] condição de estudante, alguém que se dedica e sente prazer no trabalho com o sentido da

linguagem e das coisas.” (COELHO, 2012, p.63). Enquanto isso, no mundo capitalista

neoliberal,

72

[...] o saber, os livros, os cursos e a formação são reduzidos a mercadorias, a capital

humano; o que deve ser dito ou silenciado, a verdade, a mentira, a imagem das instituições, a honra e a dignidade das pessoas são submetidas a lógica da competição,

do comercio de bens e serviços. Não escapam, pois, à esfera dos negócios. Não há

distinção clara e precisa entre, de um lado, o público, o direito, a cultura, a educação,

a saúde, e de outro, o privado, os interesses, os negócios, o dinheiro e o poder.

(COELHO, 2012, p. 63).

Concluindo, como meio de opor-se a esse tipo de educação, que tem como principal

objetivo educativo, educar para o mercado e para o consumo, Pitano (2016) apresenta

argumentos amparado em Freire, de uma educação popular que opera a partir de um ponto de

vista crítico, como mecanismo de luta a um sistema considerado impiedoso e cruel. Do mesmo

modo, esse mesmo autor não crê,

[...] na capacidade de acolhimento de uma organização social, articulada sobre os pilares da concorrência, que classifica e hierarquiza ao mesmo tempo em que prega a

liberdade e igualdade entre as gentes. Uma educação que aposta na formação crítica

dos sujeitos como caminho de estruturação de resistência à massificação do consumo

em meio ao qual sucumbe o indivíduo ideal (e concreto) do capitalismo (PITANO,

2016, p. 43-44).

Também não aceita o reformismo, entendido como postura de natureza conservadora,

face aos problemas sociais vivenciados, na atualidade. Não postula em seu projeto libertador,

obter concessões, quaisquer que sejam do funcionalismo sistêmico, acostumados a se

autorreconstruir de acordo com as necessidades percebidas na história. Corajosamente, ratifica

a utopia transformadora “[...] das relações de propriedade e da criação de um sistema justo de

apropriação e distribuição da riqueza social” (MCLAREN, 2001, p. 96).

Diante do exposto, entendendo a nova configuração social, nos perguntamos ou pelo

menos deveríamos nos perguntar, e aqui incluímos nesse leque de sujeitos, autoridades,

professoras (ex), gestoras (ex), pais, mães, estudantes e principalmente os membros da

comunidade que dependem da escola: que tipo de escola queremos? Que tipo de sociedade

esperamos formar a partir da educação que estamos oferecendo aos estudantes? Que tipo de

prática educativa estamos desenvolvendo nas escolas? É possível, a partir de um currículo,

colaborar com uma transformação social? Há possiblidades de construção de uma escola

inclusiva, no sentido latu do termo, a partir das diretrizes e conteúdos emanados da Base

Nacional Comum Curricular?

2.4 GIRO DIALÓGICO E O CURRÍCULO: DO INDIVIDUAL AO COLETIVO

73

Nas últimas duas décadas do século XX diversas foram as mudanças ocorridas em nossa

sociedade após a Revolução Industrial. Muitas foram as transformações, tanto no campo

socioeconômico e político quanto no campo da cultura, da ciência e da tecnologia. Muitos foram

os movimentos sociais, como os do leste europeu, no final dos anos 80, culminando com a

queda do Muro de Berlim. Além disso, as transformações advindas da revolução tecnológica

provocaram o surgimento da era da informação.

O fenômeno social da globalização; entre outros aspectos que desencadearam uma forte

tendência dialógica que invadiu diversos espaços sociais. No cerne dessa transição de modelo

social está a necessidade de diálogo e comunicação para resolução de conflitos nos grupos

sociais (ALBERT et al, 2016, p. 28).

É possível observar a mudança de autoridade de sociedade patriarcal que dá lugar às

relações dialógicas, observando, por exemplo, o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e

a participação mais ativa dos filhos nas decisões familiares. Em outros âmbitos da vida

cotidiana as relações também tendem a serem mais dialógicas, mesmo que o sistema tente

refrear esse movimento. Deste modo, para se chegar ao consenso e encontrar soluções, é preciso

ter claro que as “[...] pessoas precisam cada vez mais se comunicar e dialogar para tomar

decisões em relação ao presente e ao futuro cheio de novas opções que são produtos de novos

valores, normas sociais e intercâmbios culturais" (ALBERT et al., 2016, p. 28).

Portanto, com o aumento de possibilidades, a novidade dessas últimas décadas do século

XX, é a dinâmica da reorganização da produção em diferentes lugares em forma de redes, tendo

como núcleo central de organização a tecnologia da informação e comunicação, do mesmo

modo que “não é mais aceito, tanto pelos sujeitos como pelos grupos, a repressão e submissão

a uma ordem social formal e hegemônica, sobre a qual eles não possam opinar e/ou interferir.”

(MELLO; BRAGA; GABASSA, 2012, p. 20).

Desse modo, existe uma transição do modelo de desenvolvimento informacional que

vai tomando distância do modelo industrial que assinalava o modo de produção capitalista em

vigor desde as últimas décadas do século XX, localizando assim a sociedade da informação.

Esse modelo de sociedade recebe, ainda, outras denominações de acordo com alguns autores8:

“sociedade em rede”, “sociedade pós-industrial” e “sociedade do risco”. Tais autores

compartilham da ideia de que este é um momento marcado dentre outras características, a

globalização e o multiculturalismo, e estes últimos como importantes aspectos promotores das

diversas mudanças dessa transição (MARIGO, 2015, p. 24-25).

8 “Sociedade em rede” (CASTELLS, 2011); “sociedade pós-industrial” (TOURAINE, 1998); “sociedade do

risco” (BECK, 2012) apud (MARIGO, 2015).

74

Nesse cenário, resta tanto aos sujeitos, como aos grupos dessa nova formação social,

buscar maneiras possíveis de direcionar as relações sociais através do consenso e para o

entendimento mutuo, livre de repressão e que tem como característica central a linguagem9.

Esses não são fatores isolados e ocorrem por todos os espaços sociais e como dito

anteriormente, “não tem volta”. Para que fosse possível a retomada das interações baseadas na

relação de poder, o que não é, seria então necessário que se restaurasse as relações de autoridade

desde nossas casas e da sociedade como um todo. Como então enquadrar os filhos desse novo

modelo social em um modelo escolar patriarcal? A resposta é bem simples: “impossível”, “[...]

o passado não vai mais voltar.” (ALBERT, et al, 2008, p. 27).

Como resultado dessa tentativa de restaurar ou de manter os mesmos e antigos padrões

de convivência baseados na autoridade e poder, os conflitos e disputas podem surgir, isso

porque de acordo com Albert et al (2008) a única maneira de recuperar a “ordem” é através de

relações baseadas no diálogo.

A ordem não vai voltar por meio de imposição autoritária, sem argumentos além da

força para recuperar a convivência e o sentido reside no poder dos argumentos que

ocorrem em relações dialógicas. Na atualidade, somos mais capazes de oferecer

argumentos porque, ao possuir mais opções em muitas esferas (pessoal, profissional, social, etc.), pensamos mais sobre todos os aspectos de nossa vida, com o objetivo de

tomar decisões (ALBERT et al., 2008 p. 179).

No campo da educação escolar, nas interações institucionais, tentar restabelecer, ou

mesmo manter as relações hierarquizadas e de autoridade como era praticada anteriormente na

escola pelo professor, por exemplo, é tarefa irrealizável. Do mesmo modo, toda dinâmica de

sala de aula é alterada significativamente, baseada agora no consenso e diálogo tanto nos

processos de ensino e aprendizagem, como na formulação das normas que regem a convivência

de professores e alunos, colaborando ou não com a criação de sentido, dependendo da

motivação que lhe é oferecida, a que o sentido tem conexão com a dinâmicas que acontecem

no cotidiano da escola. Nesse aspecto Albert et al. (2008, p. 180) afirma que, o sentido passar

a existir quando o sujeito atribui valor ao objeto estudado, mas

[...] depende à cultura escolar, que continua se correspondendo a cultura

hegemônica, ocidental e de classe média-alta. Sendo assim, a organização das

escolas e das salas, o currículo e o professorado e a linguagem correspondem à

cultura de um numero minoritário de famílias. Como resultado, muitos meninos e

meninas de classe médias e baixas, de família não acadêmicas, em situação de

pobreza e marginalidade, de minorias étnicas e de outras culturas e línguas

diferentes da majoritária não se identificam com a cultura escolar.

9 De acordo com Habermas (1987a) a finalidade da linguagem é se chegar por meio da comunicação a um

mesmo entendimento.

75

Em substituição a esses velhos padrões que orientavam nossas vidas na sociedade

industrial, apresentamos o “giro dialógico”, que descreve a crescente centralidade do diálogo

nas relações em todos os âmbitos: desde a política internacional a sala de nossa casa, incidindo

sobre trabalho, também sobre a escola, a família, nas relações intimas e instituições como

bancos, hospitais e administração política e social. O “giro dialógico é elemento do contexto

social e cultural na atualidade, sendo esse elemento percebido e sentido por todos, em diferentes

canais, e está na base das alterações da escola e na criação de sentido” (ALBERT et al, 2008,

p. 27-28).

Na mesma direção, em linhas gerais é possível dizer que a criação de sentido tem

intrínseca relação com o currículo escolar se considerarmos que um currículo atribui valor a

certos conhecimentos e outros não. Nessa dimensão, Silva (2015), aponta que quando da

nomeação de alguns conteúdos e outros não, essa prática evidencia que a seleção pode ser

assinalada por uma intervenção e manutenção de relações de poder, como consequência

favorece direta ou indiretamente as fronteiras funcionais desse poder. Afinal, é possível

questionar: por que alguns conteúdos são deixados de fora? Quais os critérios para que um tipo

de conhecimento seja considerado válido para ser parte do currículo e outros não? Por que esses

conhecimentos e não outros? Por que esse conhecimento é considerado importante e não

outros?

Essas questões demonstram que, embora muitos sejam os fatores que levam a perda de

sentido na escolarização de meninos e meninas, segundo os escritos de Albert et al. (2008) isso

acontece principalmente pelo uso do poder e não do diálogo na instrução e na formulação

educacional. Nas palavras dos autores esse fator leva à “processos de burocratização e

tecnificação da escola” e como consequência favorecendo à

[...] distribuição desigual do poder na educação, encapsulando o mundo da educação

escolar nas escolas e impedindo uma comunicação fluida dos profissionais da

educação com a sociedade civil. A burocracia e a tecnificação desumanizaram o que

ocorre na escola, distanciando as famílias dos currículos, das programações etc., e

individualizaram assim suas vozes” (ALBERT, 2008, p. 181).

Nessa direção, criação de sentido tem a ver com a interação dos participantes dos

processos educativos e sua relação com o mundo da vida e os conteúdos escolares. Em outras

palavras, modelos de aprendizagens tradicionais pautados em currículos fechados,

padronizados colocam barreiras a aprendizagem mais dialógica e ao entendimento. Nessa

direção, só é possível atribuir sentido as aprendizagens dos meninos e meninas quando a “leitura

76

da palavra for sinônimo da leitura da realidade” conforme afirma Freire Freire (2005),, não

podendo haver separação entre escola e vida cotidiana quando a escolarização tem como

propósitos essenciais, a criação de sentido.

Em Albert et al. (2008, p. 181), encontramos a definição de encapsulamento de

conhecimento escolar que nos ajuda a pensar sobre a dicotomia entre escola e vida cotidiana,

para os autores uma maneira para se acabar com o

[...]encapsulamento do conhecimento é formar os e as estudantes para abordar

criticamente os conteúdos escolares e a própria maneira como aprendem tais conteúdos,

explicitando assim o currículo oculto.

É nessa arena de conflitos que o planeta é ameaçado constantemente, tanto por riscos

sociais, políticos, econômicos e individuais, o que torna urgente pensar mecanismos para

incorporar à sociedade da informação o convívio entre diversos sujeitos como parte integrante

da mesma sociedade. Como Marigo (2015, p. 23), acreditamos que embora se trate de diversos

desafios apresentados pela sociedade informacional, “globalização e o multiculturalismo”,

ainda assim é possível perceber diversas possibilidades de diálogo com vistas a liberdade e

igualdade de direitos entre os sujeitos, e novas formas de viver socialmente com respeito mútuo

apoiando-se na comunicação e tolerância entre os sujeitos (MARIGO, 2015, p. 23).

Somos chamados a todo o momento a refletir toda atividade social e individual.

Considerando que quanto à atividade social na sociedade industrial, as decisões eram pautadas

em costumes e tradições, por outro lado, na sociedade informacional são exigidos dos sujeitos

novas posturas e novas abordagens para se compreender os conflitos atuais, mais

especificamente os gerados pela interação humana com a estrutura social.

Essa dualidade faz referência a perspectiva sociológica sistêmica, que por sua vez

entende a sociedade e sua estrutura a partir de leis determinadas e de sistemas que são impostos

para as pessoas, desconsiderando sua ação. A proposta então é buscar compreensão dessa

dualidade para se pensar a teoria da ação comunicativa. Esses são fatores que merecem atenção,

pois, desencadeiam diversas mudanças que precisam ser compreendidas quando, acreditamos

que a escolarização dos sujeitos tem objetivos sociais, promovendo a aproximação de diversos

sujeitos ou grupos que interagem e convivem, modificando assim seu modo de pensar, de sentir

e agir (MARIGO, 2015, p. 24-25).

A tendência dialógica da sociedade implica na postura humana de buscar mais diálogos

nas relações, possibilitando maior democratização do conhecimento e dos elementos

informacionais. Quanto a isso Albert et.al. (2008, p. 31) ilustram essa questão

77

O aumento da reflexão associada ao aumento das opções não é negativo se sabemos

gerir o sentimento de risco que as ocasiões produzem. Converter esse processo em intersubjetivo é uma das melhores formas de reduzir os riscos e a desorientação, pois

ao considerar os distintos pontos de vista que nos oferecem outras pessoas, podemos

decidir com mais argumentos e mais livremente qual é a melhor opção para cada um.

Em busca da melhor opção de aprendizagem dos sujeitos, diversos estudos apontam que

os processos de escolarização também oferecem amplo debate nessa configuração social. Isso

porque, no cerne dos processos de escolarização cresce a preocupação com a produção do

conhecimento. Mais especificamente, com que tipo de conhecimento é demandado dos

indivíduos em uma economia moderna de um mundo capitalista que está mais preocupado com

o que o sujeito pode oferecer a esse mercado de posse desse conhecimento.

Neste contexto, a educação também sofre transformações, bem como o conhecimento

acadêmico se levarmos em consideração que nenhum especialista domina todo conhecimento

cultural e social. Nessa direção, também é preciso analisar as relações intersubjetivas pois,

podem possibilitar maior conhecimento e coerência teórica das produções acadêmicas se

levarmos em conta que “[...] na atual sociedade da informação é através do diálogo com as

pessoas ‘não especialistas’ que é possível o desenvolvimento de teorias mais inclusivas e

cientificas.” incluindo nessa produção atores sociais na realização de suas pesquisas por

exemplo, evitando o que os autores chamam de, “vazio metodológico” (ALBERT, 2008, p. 31-

32). Para tanto é preciso considerar que:

Estes não são apenas informantes, mas interpretam sua própria realidade a partir de seus próprios mundos da vida; por isso para conseguir uma maior uma maior

compreensão da realidade social e desenvolver teorias que possam servir de base para

propostas de ação mais eficazes, investigadores e investigadoras precisam trabalhar

de forma colaborativa com os agentes sociais envolvidos nas realidades sociais

estudadas (ALBERT, 2008, p. 31-32).

As relações institucionais, mesmo ainda fortemente burocratizadas, têm sentido uma

certa pressão desse movimento humano que buscam mais diálogo e mais oportunidades de

transformações dessas instituições, pois Albert et al. (2008 et al, p. 33), asseveram que os

sistemas se mantêm fechados e burocratizados, dessa forma “colonizando a vida cotidiana das

pessoas”, contudo quando esses se encontram burocratizados, e nós, sujeitos ativos,

reclamamos o estabelecimento de um diálogo aberto com as instituições, evidenciando que

devemos estar presentes nas decisões que afetam nossas vidas.

78

Partindo desse entendimento, essa constante interação que a globalização promove entre

estes sujeitos ou grupos que passam então, a conviver num dado espaço, é potencializado,

também, pelos diversos movimentos sociais que buscam dentre outras coisas, uma convivência

pacífica entre razão instrumental e as diferentes identidades culturais, bem como entre das

tecnologias e economias com a diversidade cultural.

Entretanto, mesmo que as tomadas de decisão sempre estejam nas mãos dos

especialistas e são tomadas de maneira unilateral e as bases da educação escolarizada

permaneçam, ainda, fortemente arraigadas em seus fundamentos tradicionais, em contrapartida

existem esforços de diversos grupos sociais e de pessoas que buscam dentro outros aspectos,

melhoria de vida e de suas relações, favorecendo elementos para que a verdadeira

transformação aconteça.

79

3 CURRÍCULO: INSTRUMENTO IDEOLÓGICO CONTROLADOR OU

EMANCIPATÓRIO?

Não posso aceitar uma sociedade na qual uma em

cada cinco crianças nasce na pobreza, condição que

piora a cada dia. Também não posso aceitar como

legítima uma definição de educação na qual nossa

tarefa e preparar os alunos para “funcionarem”

facilmente nos “negócios” de tal sociedade. Um país

não é uma empresa. A escola não é parte dessa

empresa, e sua função não é produzir incessantemente

o “capital humano” necessário para administrá-la.

(APPLE, 2006)

Com a intenção de melhor posicionar metodologicamente o presente estudo,

inicia-se neste capítulo a análise do contexto histórico de produção e comunicação da

temática dos discursos sobre a diversidade, solidariedade e equidade que são apresentados

no documento da BNCC que, complementa a primeira fase da HP que já vem sendo

desenvolvida ao longo dessa investigação. Esta fase é reservada à análise sócio-histórica,

conforme a proposta metodológica. Ainda que, de forma modesta, sem a pretensão de

esgotar o tema, nesta fase, enquanto procedimento de pesquisa, realiza-se uma revisão da

literatura sobre as temáticas propostas, garantindo estabelecer uma relação entre o objeto

a ser investigado e o conhecimento acadêmico organizado e possível, a disposição dessa

pesquisadora.

Subjacente aos argumentos, no que concerne o conceito de currículo, foi possível

afirmar que sua história data de mais de um século e de acordo com Moreira e Candau

(2008, p. 11), se “[...] constitui significativo instrumento utilizado por diferentes

sociedades.”, acompanhado por diversas mudanças, se modificando constantemente ao

longo desse período, mudanças essas, relacionadas aos “[...] processos de conservação,

transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados.” Influenciado

e fundamentado por distintas perspectivas teóricas e culturais que pensam como “[...]

socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis.” (MOREIRA;

CANDAU, 2008, p. 11).

Para compreender o modelo curricular na atualidade é preciso considerar todas

essas questões acima mencionadas, pois existe um longo percurso na construção

curricular, desde o contexto histórico, passando pelo texto escrito à sala de aula.

80

Moreira e Candau (2008) ressalta que não é possível perder de vista que, os

discursos curriculares são assinalados por uma forte “[...] influência do pensamento pós-

moderno”. Existe uma linha muito tênue entre o pós-modernismo e o neoliberalismo, este

último tem como projeto de sociedade o desmonte do estado de bem estar social, marcado

por “[...] privatizações, pela diminuição do papel do Estado em atividades sociais e

econômicas e pela crescente redução de políticas de proteção social, com consequências

negativas já exaustivamente denunciadas.” (MOREIRA; CANDAU 2008, p. 9-10).

E no que concerne à educação, especificamente e aqui incluímos o currículo,

“[...] o pós-modernismo é tido como incapaz de fornecer as bases para o tratamento das

deliberações políticas e morais [...]” (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 9-10). É preciso

avançar nas concepções que fundamentam a organização curricular.

Contudo, ao passo que deixamos de ver o currículo com o mesmo olhar inocente

de antes, conseguimos perceber que este se distancia de seu caráter meramente técnico e

assume uma postura mais crítica, à medida que vai incorporando questões “sociológicas,

políticas e epistemológicas” nas discussões (MOREIRA; TADEU, 2013, p.13-14). Não

se trata de afirmar que as questões relacionadas ao “como” deixem de ser importantes

nesse processo, mas que estas não podem se dar distanciadas das questões concernentes

ao “por que” das diversas formas de se organizar o conhecimento (MOREIRA; SILVA,

2011). Em contribuição a esse pensamento, a partir da análise realizada por Apple e Silva

(2015, p. 46) pontua que “[...] a questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas

qual conhecimento é considerado verdadeiro.”

Nessa direção, focalizamos, no presente estudo, o diálogo do currículo,

marcadamente atravessado pelo pós-modernismo, com a construção curricular na

perspectiva crítica comunicativa. Parto do pressuposto de que a construção de uma escola

inclusiva perpassa, necessariamente, refletir a construção como meio de mobilizar ações

para romper com um modelo curricular classista e excludente. Assim, em busca de

contribuir com as discussões acerca da construção curricular, destacamos a importância

de compreender essas relações e suas implicações para a educação, escola e formação

humana.

Descrevo, inicialmente as dimensões epistemológicas do currículo e alguns dos

seus diversos significados, seguido de uma contextualização histórica breve, seguida da

análise dos discursos. Nessa direção, do mesmo modo que Moreira e Candau (2008, p.

11), partimos da premissa de que:

81

[...] toda e qualquer iniciativa na escola e no currículo deve integrar um projeto

emancipatório voltado para a construção de uma intersubjetividade livre, para

a eliminação dos contextos de dominação introduzidos nas estruturas de

comunicação.

Um projeto de escola emancipada, inclusiva é fundamentado a partir dos “[...]

fundamentos práticos de uma educação popular comprometida com o combate da

barbárie social em seus múltiplos espaços, preferencialmente, agindo em todos.”

(PITANO, 2016, 35-36).

Nessa direção, surgem algumas inquietações: é possível romper com políticas

curriculares neoliberais que tanto cerceiam e excluem tanto pessoas como culturas do

convívio social digno e igualitário? É possível a construção de uma escola inclusiva, no

sentido latu do termo, a partir das diretrizes e conteúdos emanados da Base Nacional

Comum Curricular, na perspectiva critico comunicativa? Considerando a forma como

está estruturado o documento da BNCC, que tipo de sociedade é possível construir?

3.1 DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CURRÍCULO

A consciência humana deve ser, pois, considerada

tanto no seu aspecto teórico-predicativo, na forma do

conhecimento explícito, justificado, racional e teórico, como também no seu aspecto

antepredicativo, totalmente intuitivo. A consciência é

constituída da unidade de duas formas que se

interpenetram e influenciam reciprocamente, porque,

na sua unidade, elas se baseiam na práxis objetiva e

na apropriação pratico-espiritual do mundo. A recusa

e subestimação da primeira forma conduzem ao

irracionalismo e às mais variadas espécies de

‘pensamento vegetativo’; a recusa e subestimação da

segunda forma conduzem ao racionalismo, ao

positivismo e ao cientificismo, os quais, em sua

unilateralidade, determinam o irracionalismo como complemento necessário. (KOSIK, 1976).

Com o propósito, nesse primeiro tópico, de refletir sobre as questões

epistemológicas do currículo no tocante à organização, por compreender, do nosso ponto

de vista, que de diferentes projetos de construção curricular emanam diferentes projetos

de organização social, dependendo das intencionalidades de diversos grupos ou pessoas

que se envolvem nessa dinâmica. Mas afinal, o que é currículo?

Nossa discussão começa pelo entendimento acerca do termo currículo. Segundo o

dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, currículo/curriculum significa a “[...] descrição

do conjunto de conteúdo ou matérias de um curso escolar ou universitário.” (AURÉLIO,

82

ano, p.). Mas, com o passar do tempo o currículo vai sendo entendido de várias maneiras

e assume diversas definições, dependendo do contexto ao qual esteja inserido e dos

formuladores. Os tipos e formatos vão desde currículo formal e informal, currículo oficial,

real e oficial, currículo oculto, grade curricular, etc.

Etimologicamente a palavra curriculum, encontra sua origem no latim. Segundo

o dicionário Latino Português, curriculum pode ser definido como corrida, carreira, lugar

onde se corre ou ainda, como espaço da vida e carreira da vida (TORRINHA, 1937). A

partir da expressão latina já é possível perceber que, desde o princípio, esteve atrelado ao

currículo a intenção em determinar um lugar reservado, limitado.

A primeira menção ao currículo se deu há mais de um século e desde então tem

sido amplamente modificado e tem servido de guia desde então à definição de currículo

no cotidiano escolar, definindo desde “[...] guias curriculares propostos pelas redes de

ensino àquilo que acontece em sala de aula, currículo tem significado entre outros, a grade

curricular com disciplinas/atividades e carga horárias [...]” (LOPES; MACEDO, 2011, p.

19).

Tais conceitos e definições foram surgindo e sendo modificados a medida que

diferentes fatores foram influenciando seu campo. As transformações foram ocorrendo

também e sobretudo à medida que os conceitos de escola e sociedade foram sendo

influenciados pela questão da qualidade medida pela eficiência e eficácia. Para Hamilton

(1989, p. 10), já no século XVI o termo curriculum tinha aparecido com referência ao

ensino superior designando “disciplina” e “ordem” no campo educacional. No século XX

o currículo, já demostrava estreita relação com “[...] noções de controle, padronização,

eficiência e administração educacional e social”. A expressão latina ganha destaque como

“ordem como sequencia” e “ordem como estrutura.” (HAMILTON, 1989, p.10).

Sacristán (2000) que continua no mesmo viés de pensamento, esclarece que,

embora parta da palavra currere como definição de currículo, entende estar associado

com a carreira do sujeito, caminho que busca trilhar. São definições que nos dão uma

pista de que a escolaridade sempre esteve relacionada a uma longa caminhada e que o

currículo seria então o que dá significado (ou não) a essa escolaridade através dos

conteúdos definidos como conteúdos válidos para a vida escolar desse sujeito.

Ainda em referência ao currículo, Goodson (1995, p. 117) propõe que na prática

se trata uma direção ou um percurso,

83

[...] aparente ou oficial de estudos, caracteristicamente constituído em nossa

era por uma série de documentos que cobrem variados assuntos e diversos

níveis, junto com a formulação de tudo – ‘metas e objetivos’, conjuntos e

roteiros – que, por assim dizer, constitui as normas, regulamentos e princípios

que orientam o que deve ser lecionado

Diante de tatas ambiguidades conceituais, Moreira e Candau (2008, p. 11-15),

afirmando a falta de conformidade nas diversas assertivas sobre o conceito de currículo,

diz que é importante ter clareza dos impactos dessas divergências e o que este fato reflete

realmente. A complexidade conceitual do currículo apresentada por Moreira (2008), está

relacionada com diversos conceitos que podem significar desde “construção cultural,

histórica e socialmente determinada.” até o conceito de “uma pratica condicionadora do

mesmo e de sua teorização”.

Moreira e Candau (2008, p. 12-13) resgata algumas definições que tem intrínseca

relação com o currículo, dentre elas, “conhecimento escolar e experiências de

aprendizagem”, definindo currículo como “conhecimento tratado pedagógica e

didaticamente pela escola e aprendido pelo aluno”, sendo esta definição, a que mais se

destaca nesse emaranhado de significados. Uma segunda definição segundo o mesmo

autor, se inicia a partir das diferentes “[...] visões de educação e de pedagogia que

começam a se delinear a partir do século XVIII [...], nesta definição existe uma ênfase

tanto [...] nas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais [...]” (MOREIRA;

CANDAU 2008, p. 12-13).

Emanam de diferentes abordagens distintos questionamentos, no caso do currículo

não é diferente. Quando se pensa o currículo na perspectiva do conhecimento, busca-se

entender o que deve um currículo conter. Feito isso, a dúvida é como organizar tais

conteúdos. Mas, se partimos da premissa que o currículo, está relacionado as mudanças

diversas então, os desafios deslocam-se para saber como selecionar as experiências de

aprendizagens que serão ofertadas aos alunos, bem como organizá-las de modo que tenha

sentido e significado e que tenham relação com os diferentes interesses (MOREIRA,

2008, p. 12-13).

Nesta perspectiva, debatidos constantemente pelas teorias pedagógicas, os estudos

curriculares fazem parte dos problemas mais frequentes nesse campo, com uma estreita

relação com mecanismos de poder e controle das minorias, os excluídos socialmente, os

diferentes, se considerarmos currículo como sendo “[...] as experiências escolares que se

desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para

84

a construção das identidades de nossos/as estudantes.” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.

18), ou seja, como referência à todas as atividades escolares, associado ao conjunto de

esforços pedagógicos com fins educativos.

Mas esta não é uma via de mão única para o currículo, ele tem recebido ao longo

dos tempos diversas definições. Muitas delas, embora geralmente passe desapercebido,

influenciam no cotidiano escolar, mas que nem sempre fazem parte dos documentos

oficiais. Embora não pretendamos discutir profundamente, é preciso esclarecer que existe

uma outra maneira de conceber o currículo, quase que imperceptível e que certamente

está lá e influenciando todas os processos de ensino aprendizagem.

Embora pouco comentado e/ou até discutido pela comunidade escolar ele está lá,

o currículo oculto, mas esse processo demanda um olhar mais cuidadoso pois, envolve,

costumes e valores transmitidos de maneira subliminar no interior da sala de aula e fora

dela, ou seja, nas diversas relações que se estabelecem no interior de toda a escola, pela

interação tanto social, como pelos hábitos e costumes do cotidiano escolar.

Também é possível dizer que compõem o universo do currículo oculto todos

aqueles rituais da escola. McLaren (1991, p. 35-36) acredita que a escola é produtora e

reprodutora do capitalismo a partir também de certos “rituais” que, geralmente não são

vistos, mas, certamente estão lá, os rituais, práticas, relações de hierarquia, regras,

procedimentos, as formas como se organizam e desorganizam o espaço e o tempo da

escola e dos alunos e como estes são organizados em formato de grupos ou de turmas.

Buscamos desvelar as diversas relações que se estabelecem no interior do

currículo, pois do mesmo modo que McLaren (2001), nosso comprometimento é com

uma escola e um currículo crítico, capazes de potencializar que meninos e meninas sejam

capazes de participação efetiva e também democrática dentro de uma sociedade classista,

em um mundo globalizado e capitalista.

Nas palavras do mesmo autor, e que tem como interesse direcionar seu trabalho

com foco em políticas curriculares claras e práticas, encontrar maneiras para “[...] a

educação pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de novas formas

de trabalho não-alienado por meio do desmantelamento das relações sociais capitalistas

[...], e esse movimento perpassam o encorajamento dos estudantes a desenvolverem uma

reflexão crítica de modo que sejam capazes de [...] pensarem em tal possibilidade por

meio da criação do que tenho chamado de ‘pedagogia revolucionária.”. (MACLAREN,

2000, p.179).

85

Nessa direção em meio ao exame das bases conceituais do currículo escolar e seu

processo de construção, entendermos que essa construção não acontece distanciada das

relações de poder, disputas e interesses de diversos grupos hegemônicos, pois como

Macedo (2002, p. 132) observa, nesse movimento podemos “[...] compreender que os

limites com os quais se trabalha não são dados ou fixos, mas produtos de ações

conflitantes e interessadas dos homens na História.”

Entretanto, no tocante a problemática como forma de avançar nas discussões

acerca de uma escola emancipada e transformadora esse processo não se dará e não pode

mesmo se dar alheio as questões históricas, contextuais e conceituais do currículo.

Dizemos isso porque entendemos que esse processo se dá mediante as formas pelas quais,

[...] as escolas são usadas para propósitos hegemônicos está no ensino de valores culturais e econômicos e de propensões supostamente “compartilhadas

por todos” e que, ao mesmo tempo, “garantem” que apenas um número

determinado de alunos seja selecionado para níveis mais altos de educação por

causa da sua ‘capacidade’[...] (APPLE, 2006, p. 61).

Mas quem, ou o que mede essa capacidade do aluno? É preciso entender que no

contexto educacional o currículo não pode ser considerado um objeto neutro e inocente

de transmissão desinteressada do conhecimento que é oferecido (prescrito) socialmente,

a muito tempo abandona seu caráter apenas técnico, assumindo uma nova postura,

inevitavelmente convivendo claramente em um campo de relações de poder.

A construção curricular, deriva sempre de uma tradição de escolha seletiva,

resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento

legitimo e que, a sistematização do conhecimento no currículo é “[...] produto de tensões,

conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam

um povo.” (APPLE, 1992 apud MOREIRA; SILVA, 2011, p. 71).

Queremos argumentar que, uma análise crítica permitirá de entender de que forma

o currículo vem sendo organizado ao longo dos anos e quais projetos de sociedade tem

embasado, como possível caminho para oferecer possibilidade de construção de uma

escola efetivamente inclusiva para todos os meninos e meninas que adentram os seus

portões em busca de respeito a suas subjetividades culturais, sociais e econômicas e que

independentemente de quais sejam, a escola e educação seja para todos.

Insistimos então, abordando questões particulares a respeito do planejamento

curricular, com ênfase na construção e reconstrução do currículo ao longo do tempo e a

implementação no Brasil, a partir de duas dimensões de currículo. De um lado – Currículo

86

Crítico Comunicativo – que busca uma ação educativa voltada para a formação humana,

capaz de criar e abrir espaços de construção e reconstrução de práticas de valor como

solidariedade, respeito a diversidade humana, a igualdade de oportunidade e espaços de

luta contra todo e qualquer tipo de discriminação.

De outro – Base Nacional Comum Curricular – que constituída e implementada

para selecionar as áreas bases do conhecimento, de caráter normativo. Determina o

[...] conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os

alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação

Básica [...] assegura aprendizagens e pleno desenvolvimento independente dos

contextos em que os sujeitos se encontram, e ainda com garantia de um [...]

grande avanço para a educação brasileira [...] por se tratar de um documento [...] plural, contemporâneo, e estabelece com clareza o conjunto de

aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças,

jovens e adultos, têm direito (BRASIL, 2017, p. 7, grifo nosso).

Essa análise tem como ponto de partida os dilemas enfrentados pela educação e

escola e as relações que se estabelecem no interior dessas, no que se refere a

sistematização do conhecimento a partir do currículo. Muitas vezes, um currículo imposto

e carregado de um tradicionalismo hegemônico e principalmente nas formas desiguais da

distribuição do conhecimento, impedindo qualquer forma de romper tais mecanismos de

subversão social. Do mesmo modo Goodson (2008) apresenta as questões que dever ser

consideradas nesse processo que culmina em um currículo prescritivo. Para o mesmo

autor,

[...] o interesse dos grupos dominantes estão imbricados em uma parceria

histórica poderosa que estrutura essencialmente o currículo e efetivamente

subverte qualquer tentativa de inovações ou reformas. As prescrições fornecem

‘regras do jogo’ bem claras para a escolarização, e os financiamentos e

recursos estão atrelados a essas regras (GOODSON, 2008, p. 247).

Como se o conhecimento fosse algo a se distribuir ou como um produto a ser

negociado entre grupos e pessoas que ditam quais conhecimentos são importantes e quem

é importante o suficiente para recebê-los, já que, veem a educação como um processo de

“[...] interiorização das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como

mercadoria, para induzi-los a sua aceitação passiva [...]” (MÉSZÁROS, 1930, p. 17). Mas

é a partir dessas mesmas pessoas e grupos, que podem se dar as lutas como meio de

garantir mecanismos potencializadores de uma escola capaz de garantir que todos tenham

direito ao conhecimento historicamente construído, capazes de emancipação social e a

extinção das desigualdades, discriminação e preconceitos em todos os seus aspectos.

87

Os estudos curriculares são parte dos problemas enfrentados e severamente

debatidos pelas teorias pedagógicas, as quais pensam também a intervenção no campo

curricular no que afeta a sua construção. Seja como um agrupamento de conteúdos

sistematicamente organizados, seja como como um conjunto de todas as experiências que

alunos e alunas vivenciam na escola (GIMENO; PEREZ, 1989). Nesse aspecto,

assumimos como premissa básica que toda proposta de organização curricular envolve

três situações distintas, mas que se interpenetram mutualmente em sua elaboração – o

contexto, um processo, bem como um propósito.

Algumas justificativas podem ser evocadas para explicar tal ponto de vista. Não é

possível desvincular a pedagogia das suas relações com a política, como também é

teoricamente incorreto (MCLAREN, 1997), do mesmo modo que investigar o currículo

e seus aspectos históricos é, também buscar entendimento do conhecimento escolar tendo

como porto de partida o “[...] que é distribuído para aqueles que frequentam as instituições

educacionais, e se possível, seus efeitos.” (KLIEBARD, ano apud MACEDO 2002, p.

139).

Mas esta não é uma preocupação recente. Já em 1902 John Dewey como um dos

primeiros teóricos progressistas das teorias curriculares, apontava a necessidade de

incorporar nos processos de ensino e aprendizagem as questões culturais, bem como “[...]

apontava a importância de o planejamento curricular considerar os interesses e

experiências das crianças e jovens.” (HIDALGO, 2008, p. 28).

Ainda que estejamos avançando na análise curricular bem como “[...] começando

a enxergar mais claramente coisas que antes eram obscuras [...], será preciso desvelar o

que ainda está implícito na construção curricular, como meio de romper com os diversos

modos de exclusão escolar.” (APPLE, 2006, p. 37).

Nesse sentido, o que se espera é ir além do desvelamento das questões

curriculares, é preciso também desenvolver uma análise e compreensão mais profunda e

detalhada, avançando na concepção que fundamenta o currículo como elemento capaz de

fornecer “[...] uma visão mais exata do campo do currículo no Brasil." (MOREIRA;

CANDAU, 2003, p.172), desviando-se de "[...] análises que, embora reconhecendo a

existência de interações e resistências, dão importância secundária à esfera cultural no

processo de formação de um campo de estudos." (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 182).

Isso significa que, se o currículo desconsiderar a diversidade, a multiplicidade, a

diferenças presentes no âmbito escolar, poderá dificultar a possibilidade de se trabalhar

os campos disciplinares do conhecimento e do saber, articulados com as questões do

88

cotidiano do aluno e a questão da pluralidade invisibilizadas e silenciadas pela escola.

Nessa direção, Candau (2003) afirma que as escolas também têm sido chamadas a reagir

a partir chegada dessa pluralidade de culturas, se posicionando contrária à uma cultura

única, do mesmo modo que não há possibilidade de valorização de um currículo

monocultural.

Mas, embora a cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, sejam

construídas fundamentalmente a partir da “[...] matriz político-social e epistemológica da

modernidade, que prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como

elementos constitutivos do universal.” (CANDAU, 2011, p. 241), não impede que sejam

escolas invadidas por diferentes grupos sociais e culturais, que antes eram afastados do

espaço escolar, que lutam e resistem para que o conhecimento no currículo seja

significativo à aprendizagem.

Assim, especificamente a respeito da crise social instaurada na sociedade

moderna, cabe também a educação auxiliar na resolução de tais conflitos e oferecer

estabilidade educacional ao sistema social vigente. Hidalgo (2008, p. 50) que discute as

principais causas das desigualdades sociais nessa sociedade permeada por contradições,

acredita que as desigualdades podem ser consequências de “[...] acesso às informações e

ao conhecimento entre pessoas e grupos sociais.” Ainda, na definição de Hidalgo (2008),

permanece a existência de uma “uma crise na cidade”, que tem como consequência uma

“crise na educativa” e diversos problemas sociais como por exemplo, “[...] a exclusão

social, a violência, a fragmentação territorial, o desemprego a poluição, a solidão e o

individualismo[...], cada vez mais presentes na sociedade.” (HIDALGO, 2008, p. 50).

É sabido que a escola na forma como está pensada é incapaz de oferecer uma

escola igual para todos. Aqui partimos do princípio de que não somos todos iguais. E se

não somos iguais, como pode um currículo padronizado, homogêneo, etc., dar garantias

de aprendizagens essenciais e indispensáveis para todos como descrito na BNCC? Como

é possível que um currículo dê conta do que realmente é essencial e indispensável para

cada um sem considerá-los em sua diferença?

Como vimos, o currículo ao longo dos anos, tem sido apresentado de diversas

formas, demonstrando uma imensa pluralidade de definições, que estão atreladas a

diferentes valores, tempo histórico, intensões e concepções de educação e escola. Tais

mudanças ocorrem, à medida que mudam também os interesses em justificar um certo

tipo de educação, um certo tipo de conhecimento e um certo tipo de organização social a

89

ser aceito como válido para todos os meninos e meninas, desconsiderando os contextos

sociais em que estes estejam inseridos.

É bastante recorrente que professores e demais profissionais da educação, em

geral, ainda utilizem diferentes terminologias para o termo currículo. Vale lembrar que

não é relevante aqui a definição que se atribui ao currículo e sim como é possível

problematizar a partir dele, desvelando as relações que se estabelecem em seu interior.

Relações de poder e cultura, sociedade e escola, sujeito e cultura e ensino e a

aprendizagem, e que estão associadas historicamente na construção curricular.

E quando não contestamos e nem expomos as relações historicamente construídas

no interior da organização curricular, corremos o risco de trazer (e trazemos) para o

presente uma falsa ideia de que o currículo escolar está isento das relações de poder que

se estabelecem nesse espaço e que continua produzindo uma imensa desigualdade nos

processos de ensino e aprendizagem das escolas, acompanhado do discurso de que sempre

as mudanças se dão pela melhoria do ensino, discurso este questionável.

Não estamos dizendo que o ensino não é importante, mas, que existem outras

questões a se considerar, pois partimos do princípio de que não se trata só de conteúdo,

mas também, conforme Carvalho (2005, p. 52-56), à “[...] educação de qualidade

sociocultural é aquela que tem um projeto político-pedagógico comprometido com a

realidade, visando formar o cidadão consciente de suas responsabilidades e seus

direitos.”, bem como ser local privilegiado onde se “inter-relacionam as diferentes

culturas”, conforme preconizado por Carvalho (2005, p. 52-56), de maneira que o ensino

dos conteúdos esteja associado a uma leitura crítica da realidade que desvele a razão dos

inúmeros problemas sociais (CARVALHO, 2005). A escolha do conteúdo programático

é de natureza política, pois “[...] tem que ver com: que conteúdos ensinar, a quem, a favor

de quê, de quem, contra quê, contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem decide

sobre que conteúdos ensinar.” (FREIRE, 2005, p. 45).

É nesse sentido que acreditamos que a educação, escola e currículo voltados para

emancipação e respeito do ser humano, sujeito histórico e cultural, não pode e não deve

ser apenas local de transmissão de conteúdos onde professores depositam o que foi

prescrito pelas políticas curriculares. Deve, segundo Freire (1996, p. 49-51), ensinar a

“pensar certo”, que embora as vezes seja “exigente, difícil, às vezes penosa”, é uma

postura que devemos assumir quando o que queremos é que essas alunas e alunos sejam

capazes de “[...] intervir no mundo, de comparar, de ajuizar, de decidir, de romper, de

escolher, capazes de grandes ações [...]” (FREIRE, 1996, p. 49-51).

90

Me ombreando à Moreira (2008) e apreciando todas as contribuições dos

especialistas, há algo a se considerar em todas as teorias críticas de educação, para pensar

a construção curricular na perspectiva crítico comunicativa, não é possível perder de vista

a “[...] preservação, na teorização e na prática curricular, da visão de futuro da utopia.”

(MOREIRA, 2008, p.19). Não uma utopia a partir de uma visão restrita, de um “sistema

social e político imaginário perfeito”, mas sim e na qual nos inserimos, uma utopia na

perspectiva de uma abordagem que sublinha as

[...] funções simbólicas das construções utópicas [...], que não sejam

concebidas a partir de projetos concretos de ação, mas sim a partir

possibilidades e valores de [...] um tempo e lugar imaginário, no qual conflitos

e contradições sociais podem se confrontar, solucionar, anular, neutralizar ou

transformar. (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 20-21).

Diante das constatações, pensamos seguir nesse caminho em busca de não nos

eximirmos da nossa tarefa enquanto pesquisadores sociais, refletir os problemas

essenciais das últimas décadas, que vem emergindo e agravando-se apressadamente na

sociedade, “[...] problemas de degradação ambiental, de crescimento populacional e de

aumento das desigualdades entre o centro e a periferia.” (SANTOS, 1999 apud

MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 22).

É preciso reconhecer que se trata de um momento de extrema delicadeza, marcado

pela naturalização das desigualdades e que diversas formas de preconceito são aceitas,

ou, o que é ainda pior, não percebidas e que caminhamos para a naturalização de

processos excludentes e preconceituosos. Estamos naturalizando as classes de oprimidos

e opressores. Somos seduzidos por um modelo de sociedade globalizada e capitalista que

prioriza a individualidade e a disputa de quem chega na frente. Uma sociedade produtora

de relações desrespeitosas com quem é considerado diferente.

A despeito das crises instauradas na sociedade desde a modernidade até os dias

atuais Santos (1995) explica que estes localizam-se “[...] na raiz das nossas instituições e

das nossas práticas, modos profundamente arraigados de estruturação e de ação sociais,

considerados para alguns como fonte de contradições, incoerências, injustiças [...]” não

sendo possível que a construção curricular apenas pense em sistematizar o conhecimento

ou criar novos, é urgente que nesse conhecimento seja passível de reconhecimento pelos

sujeitos. (SANTOS, 1999 apud MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 23-24). As criações de

novos modelos não podem estar distanciadas das questões acima mencionadas, devem

91

reacender os “sentimentos e as paixões como força mobilizadora de transformação

social”. Pois segundo Santos (1995, p. 287),

De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas

não são apropriáveis por aqueles a quem se destinam. Se o novo paradigma

aspira a um conhecimento complexo, permeável a outros conhecimentos, local

e articulável em rede com outros conhecimentos locais, a subjetividade que lhe

faz jus deve ter características similares ou compatíveis.

Assim no tópico seguinte, apresentaremos o movimento histórico curricular que

compreende também arcabouço da análise sócio-histórica do currículo em movimento e

suas mudanças. Procedemos dessa maneira pois, entendemos que, embora a organização

curricular no Brasil fundamente-se em princípios de desenvolvimento, democracia e

cidadania e com respeito a pluralidade cultural, na prática tais concepções encontram

barreiras para se efetivarem na sociedade como um todo. Que barreiras são essas?

3.2 O MOVIMENTO HISTÓRICO CURRICULAR NO BRASIL E SUAS MUDANÇAS

Nas sociedades modernas, a escola representa a

instituição que mais cresce e se expande em todas as

áreas da vida social. Na escola, as crianças e

adolescentes passam o tempo mais produtivo e

criativo de suas vidas. Geralmente, entram com

esperança, criatividade, fantasia, vontade de aprender

e, na maioria dos casos, saem desiludidos, lesados,

empobrecidos. Saem “afortunados” possuidores de

habilidades, competências e conhecimentos que, na

maioria das vezes, não têm relação com as suas vidas

e com a sociedade na qual devem viver e trabalhar.

(FICHTNER, 2017)

Os estudos curriculares têm sua abertura nos Estados Unidos se intensificando

com as demandas oriundas da industrialização, posteriormente com a intensificação e

massificação da escolarização, claramente para atender os interesses do capital. Começam

assim, as discussões sobre o que ensinar, e com o objetivo de qualificar a grande massa a

partir de procedimentos e métodos para clara obtenção de resultados que possam ser

previamente mensurados conforme descrito por Silva (2015, p. 15) que, [...] buscam

justificar por que ‘esses conhecimento’ e não aqueles’ devem ser selecionados”.

Na mesma direção, Lopes e Macedo (2011), denominam esse período como sendo

o início dos estudos curriculares. Para as autoras, embora o termo currículo tenha sido

92

mencionado em 1633 pela primeira vez, é com as demandas oriundas da industrialização

americana nos anos 1900 e com o movimento da Escola Nova no Brasil, por volta de

1920, que se iniciam as discussões sobre o que ensinar. Esse movimento passa a exigir

das escolas novos encargos e responsabilidades como medida para a resolução de

problemas sociais que foram se intensificando com o advento das transformações

econômicas que ocorreram na sociedade.

Embora não seja o foco central nesse estudo, é pertinente para as análises que aqui

se pretende compreender a concepção de currículo e sua relação com o mercado de

trabalho para compreendermos o movimento curricular atual como forma de

apresentarmos uma proposta curricular contundente com as demandas sociais, culturais e

econômicas na atualidade no Brasil. Tarefa difícil, pois conforme indicado por Lopes e

Macedo (2006) sem a intenção de desconsiderar

[...] importância dessa produção relacionada com as concepções culturais de

currículo, parte expressiva do campo, ressalte-se o entendimento de que a

concepção de currículo tem sua origem e seu desenvolvimento associados à

escolarização. É associada à constituição de um espaço institucionalizado, com

realidade social e material e cultura específica e com poder privilegiado na

socialização do saber e na formação das identidades das gerações mais novas,

que se constitui historicamente a concepção de currículo (LOPES; MACEDO,

2006, p. 13).

Na contramão dessa afirmação, e em “[...] detrimento dos trabalhos de

natureza mais administrativa e das prescrições curriculares.” (MACEDO, 2006, 34) tem

destaque a partir da década de 1980, as teorias críticas10. Entre as principais questões

debatidas por diferentes concepções está o conhecimento, tipo de ser humano desejável

que esse conhecimento produz e o tipo de sociedade que decorre dessa organização e que

segundo Moreira e Silva (2011, p. 7), o currículo corresponde nesse contexto, tanto à “[...]

questão do conhecimento, quanto uma questão de identidade.”

É preciso refletir acerca da distribuição do conhecimento e sua relação com a

economia, considerando que nas construções curriculares predominam tensões e

conflitos, pairando sempre em torno dessas construções a ideia de que uma certa ideologia

tem a capacidade de conceder privilégios determinando classes sociais (explorado;

10 (Moreira, 1990, 1998; Silva, 1999), caracterizada tanto pelas produções de Freire e Saviani quanto pela

influência de autores ligados à Nova Sociologia da Educação e ao pensamento crítico americano (Apple e

Giroux) (LOPES; MACEDO, 2006, p. 34).

93

explorador) em uma sociedade de classes, como consequência favorecendo certos grupos

ou pessoas em detrimento de outras.

Sobre esses contextos, carece de estar atento para essa dualidade nos processos de

construção do conteúdo oficial para o currículo escolar. O desvelamento desse processo

perpassa analisar de forma minuciosa o conteúdo oficial da construção curricular.

Compreender que existem essas “[...] relações sociais dentro da sala de aula e as maneiras

pelas quais conceituamos atualmente esses aspectos, enquanto expressões culturais de

determinados grupos em determinadas instituições e em determinadas épocas.” (APPLE,

2001, p. 4).

Diante dos argumentos, é possível constatar que não se trata de uma questão atual

as possibilidades formativas da organização curricular voltadas para economia, fazendo

com que os fatores econômicos dos estudos curriculares cresçam, juntamente, com a

expansão dos sistemas de ensino. Fato que explica o porquê das escolas, ainda na

atualidade, manterem-se encharcadas por uma necessidade de “[...] capacitação dos

sujeitos que ansiava construir amplamente desde sua gênese.” (PITANO, 2016, p. 26).

Sem a ousadia de abarcar todo o conteúdo, iremos contextualizar brevemente,

dialogando com alguns destes teóricos das teorias críticas do campo curricular e com os

documentos oficiais, realizar um resgate histórico das políticas curriculares. Desse modo,

seguiremos apresentando neste tópico a trajetória da organização curricular ao longo do

tempo até os dias atuais que culmina da organização da BNCC no final do ano de 2017.

Assim, como meio de realizar esse breve resgate histórico e para melhor

compreensão dos discursos apresentados nos documentos oficiais atuais curriculares –

BNCC – sobre o conceito de diversidade, solidariedade e equidade, elencamos para

compor o contexto sócio-histórico sobre o campo do currículo, a Constituição de 1988,

Declaração Mundial sobre Educação para todos (Jomtien – 1990), a Lei de Diretrizes e

Base da Educação Nacional (Lei nº 9394/96), Plano Decenal de Educação para Todos

(1993 – 2003), Parâmetros Curriculares Nacionais. Ainda dialogam com os documentos,

Silva, Moreira, McLaren, Hidalgo, dentre outros que oportunamente contribuíram.

Partimos do pressuposto de que o currículo é espaço amplo de conhecimento

localizado no tempo e espaço, trespassado pelas relações de poder e organizado

sistematicamente pelas políticas educacionais. O papel do currículo é essencial para a

escola como meio de contribuição através das interações dos sujeitos sociais. O currículo

é atravessado por todas as distintas áreas do conhecimento humano e é peça chave na

formação humana. É o currículo que serve de estrutura das políticas educacionais, sendo

94

no espaço curricular que ocorrem os processos de elaboração e implementação das

políticas educacionais brasileiras.

A palavra de ordem quando o assunto e currículo, é “eficiência”, e segundo Silva

(2000 apud HIDALGO, 2008, p. 27) se dá com a expansão dos sistemas de ensino que

passam a ser concebidas como empresas, tem seu marco inicial nas décadas de 1990

desenvolvendo estudos e documentos sobre currículo com uma vertente explicitamente

economicistas.

O contexto histórico da década de 1990, serve como referência significativa para

o campo curricular pois, é nele que nascem os principais documentos, diretrizes, leis,

documentos para educação brasileira, que desde sua organização já demostravam como

meta, atender o mercado econômico, as interações sociais e culturais da sociedade da

época como consequência da forte ampliação do mercado financeiro.

Isso porque já em 1918 com a influência marcante de Bobbit e Taylor a escola e

currículo passam a operar como um modelo de organização necessitando essas

instituições “funcionar de acordo com os princípios da administração científica”

(HIDALGO, 2008, p. 27) que acabam por sua vez determinando certos padrões a

educação. Assim, mais tarde ainda de acordo com a autora, o modelo de Ralph Tyler em

1949, acaba influenciando fortemente o campo também no Brasil, ao estabelecer

princípios curriculares, decide que estes se darão a mediante a “[...] ideia de organização

e desenvolvimento”, que influencia o espaço curricular como puramente técnico.

Neste contexto, Silva (2000 apud HIDALGO, 2008, p. 28) lembra que na década

de 1960, alterações se dão nesse mesmo espaço e são motivados pelos diversos

movimentos sociais e culturais que se intensificam, bem como das teorias críticas do

campo curricular. Nesse período acontecem mudanças marcantes no bojo das teorias

tradicionais e o modo como são instituídas nas bases das teorias tradicionais. Nas palavras

de Hidalgo (2008) ao descrever esse processo, esclarece que os aspectos meramente

[...] técnicos da elaboração e organização do currículo, sem questionamento

político do papel da educação na sociedade, dão lugar de destaque às [...]

preocupações com as desigualdades sociais e o papel do currículo na manutenção e ampliação dessas. (HIDALGO, 2008, p. 28).

Alguns teóricos do campo curricular, descrevem que esse movimento foi marcado

por intensas transformações, dentre elas a expansão do mercado financeiro e das

descentralizações, alterando a lógica do funcionamento social, deslocando as funções do

95

estado para a sociedade, causando um imenso retrocesso social, enquanto o capital

avançava em suas conquistas.

Nesse contexto político-social brasileiro, Jaehn (2011), descreve esse momento

como crítico e complexo pois,

[...] o país passa, nesse período, por um processo de abertura política e de

redemocratização, que inclui o fim da ditadura militar e o nascimento de uma

democracia frágil, que produz mudanças em doses homeopáticas e a partir da

pressão popular, que é articulada pelos movimentos sociais (JAEHN, 2011, p.

95).

Embora os movimentos sociais continuem em constante pressão, paralelamente

existe uma força contrária que de acordo com Peroni (2003, 46) esse processo se dá à

medida que o país busca “ser conduzido as fileiras do Primeiro Mundo”, mas para isso

era preciso ajustar-se “as exigências recomendadas do receituário neoliberal”. Esse

momento também é marcado por um processo de realinhamento, assinalado como

“momento-chave da história e da mudança educacional”, como consequência a

reestruturação dos padrões curriculares, deslocando para uma “padronização e

centralização.” (GOODSON, 2008, p. 24).

Nesse contexto, a Declaração dos Direitos Humanos em seu artigo 26º (FUNDO

DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 1948) já alvitrava que "toda pessoa tem

direito à educação". A Declaração Mundial sobre Educação para Todos

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E

CULTURA, 1998, p. 2) é um documento historicamente importante, pois, explica que

apesar de passados mais de quarenta anos o cenário da educação era desolador, segundo

o documento, “[...] apesar dos esforços realizados por países do mundo inteiro para

assegurar o direito à educação para todos, persistem as seguintes realidades.”

mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são

meninas, não têm acesso ao ensino primário:

mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres - são

analfabetos, e o analfabetismo funcional e um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento:

mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento

impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a

qualidade de vida e ajudá-los aperceber e a adaptar-se às mudanças sociais e

culturais:

e mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem

concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem

adquirir conhecimentos e habilidades essenciais (ORGANIZAÇÃO DAS

NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1998,

p. 2).

96

Embora o texto acima trate da educação em âmbito mundial, demonstra a

realidade educacional encarada, inclusive pelo Brasil. Nesse sentido, contudo sem

esquecer que todos os outros documentos são sempre reintegrações, tomamos a

Declaração Mundial para Educação para Todos (Carta de Jomtien, 1998) como basilar

pela sua exponencial influência em todos os países signatários do documento, inclusive

do Brasil. A partir desse período, há uma forte influência nas políticas educacionais

brasileiras, que foram se intensificando a partir da referida década. Época marcante, pois

se intensificam também, os discursos acerca do conhecimento e o tipo de educação que

são ofertados aos sujeitos.

Existe no mesmo período, uma preocupação com o conhecimento sobretudo, com

os processos de ensino e aprendizagem considerarem tanto conhecimento tácito como

conhecimento científico como meio de suprir, por meio da educação tanto “[...]

necessidades universais e interesses comuns.” (BRASIL, 1993, p. 37). Para isso foi

pensado então que a educação deveria ser capaz de desenvolver “[...] habilidades básicas

de aprendizagem, para que os trabalhadores pudessem satisfazer a demanda imposta pela

acumulação flexível.” (PERONI, 2003, p. 101).

Diante do exposto e citando o Plano Decenal de Educação para Todos – 1993-

2003 – momento em que o Brasil tinha como Presidente da República, Itamar Franco pelo

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o documento se designa como

retorno “[...] às determinações constitucionais e legais, às legítimas demandas sociais ao

sistema educativo, ao Compromisso Nacional firmado na Semana Nacional de Educação

para Todos.” (BRASIL,1993, p. 37).

O referido plano apresenta dentre outros objetivos gerais de Desenvolvimento da

Educação Básica, a responsabilidade de “satisfazer as necessidades básicas de

aprendizagem das crianças, jovens e adultos”, prover dentre outras coisas, “competências

fundamentais” para que a esse sujeito seja dado o direito de participação ativa na “vida

econômica, social, política e cultural do País”, mas a ênfase fica mesmo a cargo das

“necessidades do mundo do trabalho” (BRASIL, 1993, p. 37, grifo nosso).

Mas as necessidades de que trata o Plano Decenal, vão de encontro ao

estabelecimento de “[...] padrões de aprendizagem a serem alcançados nos vários ciclos,

etapas e/ou séries da educação básica [...], e que de acordo com o exposto no documento,

esse processo será capaz de garantir, [...] oportunidades a todos de aquisição de conteúdos

e competências básicas.” (BRASIL, 1993, p. 37).

97

Como garantia desse método, ao sujeito aprendente fica o “domínio cognitivo”

que inclui:

[...] habilidades de comunicação e expressão oral e escrita, de cálculo e

raciocínio lógico [...] capazes de incitar a [...] criatividade, a capacidade

decisória, habilidade na identificação e solução de problemas e, em especial,

de saber como aprender [...], a este sujeito também fica garantido ‘domínio da

sociabilidade’ que se dá pelo ampliação de [...] atitudes responsáveis, de autodeterminação, de senso de respeito ao próximo e de domínio ético nas

relações interpessoais e grupais. (BRASIL, 1993, p. 37).

Mas como obter “domínio cognitivo” e todas as habilidades acima mencionadas,

com uma educação que satisfaça apenas “as necessidades básicas de aprendizagem das

crianças, jovens e adultos”? Transformando escolas e instituições educativas em

ambientes de disseminação da cultura, do saber, do conhecimento e que se dissemina

tanto ideologias de supremacia, como de ideologias 11 de projeto de sociedade

emancipada.

Precisamos reivindicar um currículo escolar que amplie as capacidades humanas

de respeito, dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas

possam intervir na sua autoformação e transformarem as condições ideológicas e

materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e

da democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.

Só se fortalece a cultura popular e a democracia respeitando à diversidade, e que

as interações sociais sejam baseadas em solidariedade e equidade. No Plano Decenal

poucos são os excertos que trazem tais conceitos. São poucas as citações encontradas no

documento. Embora o documento ao descrever suas metas, afirma que só será possível o

cumprimento destas se, considerado o “respeito pela diversidade cultural” (BRASIL,

1993, p. 123). Ainda assim, garante que as diversas “reformas educacionais das últimas

décadas não levaram em conta a diversidade cultural” (BRASIL, 1993, p. 27), e que ao

11 Não tentaremos aqui explorar os diversos conceitos e concepções atribuídos ao termo “ideologia”, mas

por hora cabe compreender a ambiguidade do termo especialmente no cenário político e social. Mas de

acordo com Thompson (2011) que utiliza e considera algumas das fases principais na história da ideologia para repensar uma concepção crítica de ideologia à qual nos inserimos. Para o autor que desenvolve uma

formulação alternativa do conceito de ideologia e que diz respeito ao atual contexto sócio-histórico, ele

distingue em dois tipos gerais de concepções de ideologia. [...] “concepções neutras de ideologia”, que são

aquelas que tentam caracterizar fenômenos como ideologia, ou ideológicos, sem implicar que esses

fenômenos sejam, necessariamente, enganadores e ilusórios, ou ligados com os interesses de algum grupo

em particular. [...] concepções críticas de ideologias, que são aquelas que possuem um sentido negativo,

crítico ou pejorativo. Diferentemente das concepções neutras, as concepções críticas implicam que o

fenômeno caracterizado como ideologia – ou como ideológico – é enganador, ilusório ou parcial; [...]

(THOMPSON, 2011, p. 72-73).

98

Ministério da Educação e Cultura (MEC) caberia então alvitrar e nomear [...]

complementações curriculares [...], para cada sistema de ensino e escolas, respeitando a

pluralidade cultural e as diversidades locais (BRASIL, 1993, p. 45).

Nessa direção, ao MEC cabe, [...] contribuir para que sua interação e convivência

na sociedade sejam produtivas e marcadas pelos valores de solidariedade, liberdade,

cooperação e respeito” e garantir que em todos os processos o princípio da equidade.

(BRASIL. 1993, p. 62). A partir dessa observação, ainda no contexto de desenvolvimento

educacional descrito pelo Plano Decenal, busca-se maneiras de desafiar a

[...] alienação dos programas escolares [...], que só será possível se desenvolver

novas maneiras de relacionamentos e novos processos para a dinâmica social

capazes de “formar o cidadão para o pluralismo, para o senso de tolerância, de

solidariedade e de solução pacífica de conflitos. (BRASIL, 1993, p. 21, grifo

nosso).

Entre os conflitos e obstáculos citado pelo Plano decenal está o fato de que o “[...]

sistema educacional vem mostrando incapacidade de associar o acesso, a permanência

com qualidade e equidade para uma clientela afetada por profundas desigualdades

sociais.” e como estratégia de resolução de conflitos e superação dos obstáculos dentre

tantas outras possibilidades, “universalizar, com equidade, as oportunidades” (BRASIL,

1993, p. 36-33, grifo nosso).

Há neste cenário um alinhamento das políticas educacionais brasileiras com os

modelos internacionais, visto que, direta ou indiretamente estes passam a interferir nos

processos que envolvem a política nacional brasileira. A partir da LDB, passa a se

estreitar cada vez o mundo do trabalho com a educação, quando existe uma clara

associação do “mundo do trabalho e a pratica social” (BRASIL, 2013, p. 207).

Merece atenção esse fato pois, como Peroni (2003, p. 50), que ao declarar o ensino

e educação como “direito público e subjetivo” (Art.5), e responsabilizar o Estado do não

cumprimento desta, ao mesmo tempo que existe uma “política social sem direitos sociais”

é algo contraditório. Reparem que as políticas sociais são contempladas, todavia tais

políticas se deslembram das necessidades da sociedade e passam a atender apenas as

demandas oriundas do capital. Fortalecendo assim a implementação e estruturação do

capital neoliberal, ou seja, e o estabelecimento do “[...] estado máximo para o capital e

mínimo para as políticas sociais.” (PERONI, 2003, p. 51).

O cenário que configura as políticas sociais na sociedade brasileira é desolador,

ao passo que vemos políticas sociais implementadas a partir de ideais democráticos que

99

não saem do papel, tampouco avançam para além dos discursos. A grande maioria nesse

modelo de sociedade terá [...], paixões e interesses comuns: as formas do governo trarão

necessariamente consigo comunicação e concerto e nada poderá reprimir o desejo de

sacrificar o partido mais fraco ou o indivíduo que não se puder defender.” (HAMILTON,

2003, p. 63). Ainda de acordo com Hamilton (2003) os efeitos dessa prática são o

“espetáculo da dissenção e da desordem”, para ele esse fato ocorre porque se trata de um

modelo de governo que é “incompatível com a segurança pessoal e com a conservação

dos direitos de propriedade, e porque os Estados assim governados têm geralmente tido

existência tão curta e morrido morte violenta” (HAMILTON, 2003, p.63-64).

Como possibilidade de superação desse modelo de sociedade baseada no

individualismo, é possível pensar a transformação modificando a dinâmica social, por

outros rumos, e que seja fundamentada em princípios de “modo de vida democráticos”

reais (BEANE, 1990). Mas as interações sociais pautadas em um “modo de vida

democrático”, está atrelada a certas condições que se dão por intermédio da educação,

escola, conhecimento, etc., e que, segundo Apple e Beane (2001, p. 16-17), dentre elas é

possível citar:

O livre fluxo das ideias, independentemente de sua popularidade, que permite

as pessoas estarem tão bem informadas quanto possível; fé na capacidade

individual e coletivas de as pessoas criarem condições de resolver problemas;

o uso da reflexão e da análise crítica para avaliar ideias, problemas e políticas;

preocupação com o bem estar dos outros e com “o bem comum”; preocupação

com a dignidade e os direitos dos indivíduos e das minorias; a compreensão de

que a democracia não é tanto um “ideal” a ser buscado, como um conjunto de

valores “idealizados” que devemos viver e que devem regular nossa vida

enquanto povo; a organização de instituições sociais para promover e ampliar

o modo de vida democrático (APPLE; BEANE, 2001, p. 17)

Esse modelo de sociedade pautada em um ideal de vida democrático, conforme

descrito pelos autores acima citados, nos remete ao fato de que, o Estado assume o

“compromisso democrático” com a sociedade, que se dá a partir da promulgação da LDB

nº 9394/1996. Desse modo, visa “Estabelecer, [...] competências e diretrizes [...] que

nortearão os currículos e seus mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.”

(BRASIL, 1996, não paginado, grifo nosso). Nessa premissa, os engendramentos das

políticas educacionais desde a Declaração do documento do Jomtien desembocam nos

PCNs como meio de atender as necessidades educativas, para tanto é preciso que,

O Plano Decenal de Educação, em consonância com o que estabelece a

Constituição de 1988, afirma a necessidade e a obrigação de o Estado elaborar

100

parâmetros claros no campo curricular capazes de orientar as ações educativas

do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca

da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras (BRASIL, 1997, p.

14, grifo nosso).

De acordo com LDBEN, art. 28 (Lei Federal n. 9.394, 1996), nesse momento há então

uma

[...] ampliação das responsabilidades do poder público para com a educação de

todos [...], quando garante então um processo educativo que “assegure a

todos.”, uma “[...] formação comum indispensável para o exercício da

cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos

posteriores. (BRASIL,1996, p. 14).

Assegurar uma “formação comum” talvez não seja suficiente para evitar que os

diversos tipos de desigualdades sociais continuem excluindo meninos e meninas das

escolas brasileiras. A ênfase da construção curricular sempre foi e continua ancorada no

comum, mesmo que muitos estudos, pesquisas e projetos venham apresentando a

necessidade de aceitar que a pluralidade de diferenças se faz cada vez mais presente em

nossa sociedade e, por conseguinte na escola.

Em decorrências dos embates e lutas que buscam garantir que as diferentes

culturais possam, a partir dos currículos escolares, ser contempladas, muitos autores12 de

diferentes perspectivas têm se debruçado sobre o tema da cultura, da diversidade cultural,

do multiculturalismo, igualdade de diferenças, inclusão/exclusão, uma vez que eles

defendem a necessidade de pensar que o currículo deve apresentar em sua elaboração as

diferentes expressões culturais.

Embora se perceba uma evidente contradição na lógica escolar, na qual a situação

de exclusão social é vivida e/ou presenciada por grande parte da população, observa-se

que não há implementação de mecanismos que possam orientar novos caminhos visando

promover a verdadeira inclusão dos “diferentes” que a cada dia chegam à escola e são

massacrados por políticas públicas excludentes. Nesse sentido, a imensa contradição na

lógica escolar assenta-se no fato de que, “[...] os alunos são desiguais em capacidades de

aprender, mas organizar um currículo único, igual, tendo como parâmetros os alunos tidos

como mais capazes é incongruente.” (ARROYO, 2007, p. 30).

12 Dentre eles é possível citar Moreira e Candau (2008), Sacristán (2001), Moreira e Silva (2011), Silva

(1995), Mclaren (1997) Pérez Gómez (2001), dentre outros que discutem as tensões produzidas pelo

“universalismo” e o “relativismo” no processo de produção de conteúdo. Para Jean Claude Forquín (2000)

é preciso questionar o que é conhecimento válido para o currículo, o autor ainda nos chama a atenção para

conhecimentos “públicos” e sua importância.

101

Mesmo que a exigência de uma base nacional comum não seja privilégio somente

da LDB, ela “[...] reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum,

o que pressupõe a formulação de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currículos

e seus conteúdos mínimos.” (BRASIL, 1997, p. 14), do mesmo modo que “devem ter

uma base nacional comum, a ser complementada “[...], por uma parte diversificada,

exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da

clientela.” (BRASIL, 1997, não paginado, grifo nosso).

Finalmente e diante dessas condições complexas que dizemos, que compete

privativamente à União legislar sobre: “[...] diretrizes e bases da educação nacional; onde

[...] serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar

formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e

regionais.”(BRASIL. 1996, p. 35). Mas afinal de contas, como é possível ofertar

“conteúdos mínimos”, para crianças, jovens e adultos e ao mesmo tempo “assegurar

formação básica” e “respeitar aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais”

(BRASIL, 1996 apud BRASIL. 1997, p. 14), parece-nos tarefa difícil.

Trata-se de uma afirmação bastante contraditória, mesmo que façamos parte de

uma sociedade tem como realidade, uma escola e educação imersas no tradicionalismo

educacional, acreditamos que não é possível “renunciar aos privilégios de uma

democracia”, capazes de “manter a liberdade e a dignidade humana em nossa vida social”

(APPLE; BEANE, 2001, p. 16).

Ideais democráticos podem ser percebidos de diversas formas na sociedade,

porém, é preciso sobretudo, levar em consideração que quando currículo e escola deixam

de considerar a cultura bem como o “caráter histórico, ético, político das ações humanas

e sociais”, como consequência a escola e o “[...] próprio currículo acaba contribuindo com

a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais.” (SILVA, 2011 apud GIROUX,

1997, p. 55).

É preciso ter clareza de que a cultura por si só não provoca desigualdades e

injustiças sociais. Neste contexto, Coelho (2012) nos auxilia ao explicar que a diversidade

cultural não potencializa desigualdades sociais, mas as desigualdades são consequências

de como lidamos com as diferentes culturas que estão presentes na sociedade. Ele acredita

o currículo ao dialogar com as diferenças culturais potencializa as aprendizagens, isso

porque a medida que a heterogeneidade do grupo aumenta, proporciona diferentes

saberes, potencializando diferentes aprendizagens.

Mas nessa sociedade contraditória, a

102

[...] escolas democráticas encontram tempos difíceis [...], os sinais estão por

todos os lados, numa ponta escolas que são convocadas [...] a educar todas as

crianças e, simultaneamente são acusadas pelas disparidades sociais e

econômicas que severamente reduzem suas chances de sucesso. (APPLE;

BEANE, 2001, p. 12.

Na outra ponta, “[...] a tomada de decisão local e glorificada pela retórica política

[...], e tudo isso acontecendo concomitantemente com propostas para [...] implementar

programas nacionais de ensino, um currículo nacional e provas nacionais.” (APPLE;

BEANE, 2001, p. 12).

De qualquer maneira, muitos anos se passaram e a discussão da implementação

de uma base nacional comum sempre esteve acompanhada de posicionamentos contrários

e favoráveis, sem nunca ter sido totalmente “esquecido pelas políticas curriculares.

Agora, argumenta-se que a referida base é exigida pela Lei de Diretrizes e Bases, datada

de 1996, ou mesmo que a Constituição de 1988, em seu artigo 210, já a prescrevia1.”

(MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13).

Como se vê, diante de todos os argumentos expostos ao longo desse tópico, o

“Plano Nacional de Educação seria, assim, a última legislação a mencionar a

obrigatoriedade de uma Base Nacional Comum para os currículos.” (MACEDO;

FRANGELLA, 2016, p. 13). Mas, embora a exigência de uma Base Nacional Comum

estivesse contida nos documentos desde LDB 9394/96, não nega que muito ainda era

preciso discutir antes de sua homologação que ocorreu no final do ano de 2017, até porque

a homologação do documento carrega consigo “[...] a marca de um debate inconcluso no

campo do currículo.” (MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13).

Alguns fatos elucidam a afirmação acima, dentre eles o posicionamento contrário

das conselheiras do Conselho Nacional de Educação (CNE), a respeito da “urgência” em

aprovar e homologar o documento da BNCC. Nas palavras das conselheiras, Márcia

Angela da Silva Aguiar, Aurina Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman, que fizeram

parte do processo de aprovação da BNCC, esta última como presidenta da Comissão

Bicameral (Portaria CNE/CP nº 11/201) da Base Nacional Comum, entendem que este

documento fere,

[...] o princípio conceitual de Educação Básica [...] quando o documento [...]

excluir a etapa do Ensino Médio e minimizar a modalidade EJA, e a

especificidade da educação no campo. Ainda de acordo com as conselheiras, o

documento rompe também com [...] o princípio de valorização das

experiências extraescolares; afronta o princípio da gestão democrática das

103

escolas públicas [...], do mesmo modo que [...] atenta contra a organicidade da

Educação Básica necessária à existência de um Sistema Nacional de Educação

(BRASIL. 2016b, não paginado.).

Processo marcado por contradições, pois, segundo descrito no documento oficial

da BNCC, todo processo seu deu sob a égide de “[...] especialistas de cada área do

conhecimento, com a valiosa participação crítica e propositiva de profissionais de ensino

e da sociedade civil.” (BRASIL, 2017, p. 5) de um lado, e de outro, o parecer emitido

pelo CNE que destaca alguns aspectos relacionados aos procedimentos adotados durante

a elaboração. Segundo as afirmativas do parecer, durante o processo que culmina na

homologação da BNCC, o MEC “[...] privilegia especialistas e subalterniza o diálogo

com as comunidades educacionais e escolares, em um modelo centralizador de tomada

de decisões.” (BRASIL, 2016b, não paginado).

Mas segundo Ferrada (2001), e onde nos incluímos como pesquisadoras, em

defesa de uma proposta de construção curricular na perspectiva crítico comunicativa, esse

processo não pode ser pautado, apenas na organização sistemática dos conteúdos, não

temos a intenção de “[...] negar o aporte do campo do conhecimento [...], o que

significaria, [...] um retrocesso em nossa busca por melhorar as condições atuais de

opressão [...]” (FERRADA, 2001, p. 105, tradução nossa). Mas pensamos o currículo

como uma construção social que,

[...] surge das múltiplas e diversas interações sociais das pessoas que fazem

parte da comunidade educativa contextualizada histórica e socialmente, e que

estão sujeitos tanto a relações de imposição como de diálogo, local onde os

processos tanto de seleção, transmissão como de evolução do conhecimento

educativo do qual fazem parte podem se constituir como instancia significativa

para produzir as transformações necessárias capazes de conduzir a sociedade

construída com a participação igualitária de todas as pessoas que a compõem

(FERRADA, 2001, p. 54, tradução nossa).

De uma forma ou de outra, a homologação da Base Nacional Comum Curricular

(BNCC) é um fato, e se dá fundamentada no discurso de que “[...] o Brasil inicia uma

nova era na educação brasileira e se alinha aos melhores e mais qualificados sistemas

educacionais do mundo.” Assegurando que esta já era “prevista na Constituição de 1988,

na LDB de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014.”, fica ainda garantido que a

BNCC “é um documento plural, contemporâneo”, e serve como guia para estabelecer

“com clareza o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos”

necessitam (BRASIL, 2017, p. 5).

104

Ainda de acordo com o documento, será possível o “acolhimento, reconhecimento

e desenvolvimento pleno de todos os estudantes, com respeito às diferenças e

enfrentamento à discriminação e ao preconceito.” Isso tudo pensado para “[...] reafirmar

o compromisso de todos com a redução das desigualdades educacionais no Brasil e a

promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes brasileiros.”

(BRASIL, 2017, p. 5).

O enfrentamento de situações de desigualdades educacionais no país de fato, se

dará mediante uma educação e aprendizagens de qualidade, conforme aponta o

documento da BNCC. Mas alcançar esse modelo de educação e aprendizagens perpassa

certamente a compreensão que só será possível se equidade, solidariedade e respeito a

diversidade em todos os seus aspectos, fizerem parte das interações sociais, bem como na

educação e escola. “O Currículo Crítico Comunicativo surge então como um argumento

esperançoso diante da busca de um currículo que visa o respeito das diversidades,

mantendo como eixo principal a luta pela igualdade e a equidade baseadas em práticas de

solidariedade” (FERRADA, 2001, p. 10, tradução nossa).

3.3 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR: PROJETO DE SOCIEDADE? QUAL?

Partimos do princípio de que, ao controlar e diferenciar os conteúdos escolares

curriculares, fica fácil controlar as pessoas e as classes sociais e sociedade como um todo.

Isso porque, já “[...] nos anos de 1990, o currículo está implicado em estratégias de

governo e produção dos sujeitos e é produtivo de sentidos, numa prática criativa marcada

por poder.” (SILVA, 1990 apud MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13), processo

marcado pela necessidade em restaurar a ordem e evitar o declínio da classe média e a

ameaça dos imigrantes e outros povos.

Mas é preciso considerar que se trata de um movimento duplo a construção

curricular, que se move tanto em direção ao progresso como ao fracasso de uma nação, o

que determina uma e outra força é o modelo de sociedade e de ser humano ideal que os

formuladores dessas propostas curriculares acreditam ou têm como propósito. De maneira

prática seria então, de um lado “lugar de uma divisão social do saber que produz a

manutenção de um status quo” herança de um modelo capitalista, e na outra ponta a

educação capaz de promover a “democratização do saber, em todos os sentidos, para as

classes populares.” (JAEHN, 2011, p. 47).

105

Dada as circunstancias, buscamos um sentido “[...] por detrás do discurso

aparente, geralmente simbólico e polissêmico pois partimos da premissa que lá nos

discursos do documento da BNCC “[...] esconde-se um sentido que convém desvendar.”

(BARDIN, 1977, p. 16), mesmo considerando que a reforma curricular brasileira não é

uma questão recente.

Como vimos ao longo desse capítulo, esse projeto de educação e escola vem sendo

implementado desde as décadas de 1990 e sempre acompanhando esse movimento,

tensões, conflitos e disputas. Isso porque são distintas forças envolvidas nesse processo,

cada uma delas com um ideal de sociedade, de pessoa, de educação, de escola e de

formação humana. Isso porque o currículo, “[...] tem uma história, vinculada a formas

específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.” (MOREIRA;

SILVA, 2011, p. 14).

Dentre as forças contrárias que se manifestam na reforma curricular, existe

claramente um viés do produtivista, desde sua gênese até as décadas atuais e que, segundo

Saviani (2004), tanto a LDB como, as normas que a regem, fortemente marcadas por uma

concepção produtivista. Com isso o autor não quer dizer que essa concepção voltada a

produção e ao mercado capital, não estivesse presente antes desse período, a afirmação

do autor é de que, essas forças se intensificam a partir da década acima mencionada,

sempre ancorada em um discurso de organizar e adequar a educação e escola para uma

nova dinâmica social, ou seja, a era globalizada.

Sem dúvida que estamos avançando na análise curricular pois, estamos:

[...] começando a enxergar mais claramente coisas que antes eram obscuras [...], mas ainda será preciso desvelar o que ainda está implícito na construção

curricular, como meio de romper com os diversos modos de exclusão escolar,

isso porque dissemina-se a ideia de que a construção e reconstrução curricular

são como como a tábua de salvação de todos os males sociais. (APPLE, 2006,

p. 37).

Mas o que se espera é ir além do desvelamento dessas questões curriculares, é

preciso desenvolver uma análise e compreensão mais profunda e detalhada, avançando

na concepção que fundamenta a construção curricular, deixando de vê-lo com o mesmo

olhar inocente de antes. Para Moreira e Silva, não se trata apenas de “[...] reconhecer que

o currículo está atravessado por relações de poder [...], é preciso avançar e [...] identificar

essas relações.” (MOREIRA; SILVA, 2011, p. 36).

Como meio de avançar no desvelamento de tais relações implícitas no currículo,

seguimos com a análise do documento da BNCC, especificamente a respeito dos

106

conceitos da diversidade, solidariedade e equidade que compõem o texto referente à

Educação Básica – elementos fundamentais da concepção da proposta curricular na

perspectiva crítico comunicativa – compreende a segunda fase da HP – análise formal –

incluídas aqui nas formas simbólicas que circundam os campos sociais. Esse momento é

reservado para a análise “[...] das formas simbólicas, com suas características estruturais,

seus padrões e nas relações.” (THOMPSON, 2011, p. 369)

Para Thompson (2011), esse momento da análise diz respeito à “[...] um

empreendimento perfeitamente legítimo, na verdade, indispensável; ele é possível pela

própria constituição do campo objetivo.” (THOMPSON, 2011, p. 369). E considerando

aqui que são múltiplos os modos que de acordo com Thompson (2011) para se concretizar

a análise formal, fica a cargo dos objetos e as características específicas essa definição,

de modo que elencamos para a análise formal mais adequada para análise dos discursos

coletados, a técnica da Análise de Conteúdo, conforme preconizado por Bardin (1977) já

descrito anteriormente nessa pesquisa.

Entretanto, como meio de evitar a restrição de novos conteúdos que possam surgir

no decorrer da análise formal, que podem por algum motivo não se encaixarem nas

categorias antecipadamente escolhidas, optamos pela análise formal “não apriorística”,

por entendermos que esse tipo de análise emerge totalmente do contexto o qual a

investigação se insere, mormente é preciso lembrar que nesse tipo de análise existe a

possibilidade de “[...] idas e vindas ao material analisado bem como nas teorias

embasadoras, além de não perder de vista os objetivos da pesquisa.” (CAMPOS, 2004, p.

614).

É interessante compreender que não existe um modelo pronto e facilitado de

análise de conteúdo, queremos dizer como Campos (2004) que,

[...] não existem fórmulas mágicas que possam orientar o pesquisador na

categorização, e que nem é aconselhável o estabelecimento de passos

norteadores. Em geral, o pesquisador segue seu próprio caminho baseado nos

seus conhecimentos teóricos, norteado pela sua competência, sensibilidade,

intuição e experiência. (CAMPOS, 2004, p. 614).

Como pesquisadora, busca-se desenvolver uma investigação como meio de

contribuir com as pesquisas já realizadas sem a pretensão de esgotar o tema investigado.

Nesse sentido e entendendo que analisar as formas com que os conceitos da diversidade,

solidariedade e equidade são descritos e fundamentados no documento da BNCC se dá

em momento histórico bastante oportuno pois, em todos os espaços as pessoas têm

107

questionado o futuro da nação, motivados pela instabilidade tanto política, social e

cultural a qual a sociedade atravessa. Entre as questões mais frequentes que motivam as

inquietações vindas dos conflitos sociais estão, saúde, moradia, trabalho, educação e a

escola, etc.

Oportuno também, pois o momento em que acontece essa investigação o currículo

está entre as questões mais debatidas no cenário educacional atual, considerado aqui como

alavanca que move todas as demais áreas mencionadas acima e tem uma estreita relação

com processos pedagógicos precários, por conseguinte um crescente aumento da exclusão

escolar de meninos e meninas.

Dourado (2007) entende que alguns fatores intra/extraescolares contribuem para

acentuar essa realidade, quando não recebe a devida atenção, colocando em risco uma

possibilidade de educação de qualidade social. Sem finalidade de aprofundamento,

qualidade é caracterizada pelas

[...] condições de vida dos alunos e de suas famílias, ao seu contexto social,

cultural e econômico e à própria escola [...], bem como outros fatores também que podem ser chamados para compor esse quadro, são eles os [...] professores,

diretores, projeto pedagógico, recursos, instalações, estrutura organizacional,

ambiente escolar e relações intersubjetivas no cotidiano escolar. (DOURADO,

2007, p. 921).

Isso significa que, se o currículo desconsiderar a diversidade, a multiplicidade, a

diferenças presentes no âmbito escolar, ao prescrever seus conteúdos, poderá dificultar a

possibilidade de se trabalhar os campos disciplinares do conhecimento e do saber,

articulados com as questões do cotidiano do aluno, invisibilizando e silenciando a

pluralidade dos sujeitos. Equidade, solidariedade e respeito às diferenças humanas:

construindo uma escola e sociedade mais solidária e equitativa.

3.3.1 EQUIDADE, SOLIDARIEDADE E RESPEITO ÀS DIFERENÇAS HUMANAS:

CONSTRUINDO UMA ESCOLA E SOCIEDADE MAIS SOLIDÁRIA E EQUITATIVA

Para Ferrada (2001), o respeito à diversidade, a luta constante pela igualdade e

equidade, fundamentadas em práticas de solidariedade, são valores basilares que quando

incorporadas às ações educativas, podem transformar a escola. Nesse sentido, o currículo

incorpora tais ações como meio de possibilitar, a partir das práticas educativas da escola,

a abertura de espaços de liberdade, participação e libertação da consciência humana.

108

No âmbito da diversidade cultural é possível encontrar distintas concepções para

justificar as relações sociais e as desigualdades. Tais concepções, vão desde a crença de

que as crianças, buscam se relacionar com seus pares tendo como base sua própria etnia.

Esta afirmação é proveniente da sociometria – ferramenta de análise – que analisa a

interação entre os grupos, que entende também, que à medida que as idades avançam,

modificam-se interações sociais de acordo com os fenômenos sociais que vão

acontecendo ao seu redor, a exemplo, quando este se percebe minoria frente a maioria

(FERRADA, 2001, p. 81-82), pode desencadear nessa criança ou grupo a desvalorização

cultural e étnica.

Todavia, os resultados destas pesquisas vão na contramão do que os professores

realmente acreditam a respeito da preferência étnica das salas de aula, que na verdade

uma ou outra vez que os alunos escolhem as amizades baseados em sua etnia

(DENSCOMBE; COLS, 1995 apud FERRADA, 2001) não podendo tomar como uma

característica intrínseca das interações de meninos e meninas em sala de aula.

Com esta evidencia, demonstra-se que, muitas vezes, recorremos a técnicas e

resultados científico para justificar ou naturalizar que alguns fatos sociais passam a existir

como naturais, ou seja, que os filhos de um grupo étnico só são atraídos pelos pares,

grande equívoco, quando na verdade, procuram amizade independente de raça e cultura.

Segundo Ferrada (2001), esses conceitos de raça e cultura dão uma ideia de como a

realidade é socialmente construída e baseada em concepções que não refletem realmente

como os fatos acontecem no cotidiano escolar.

Sem a intenção de delongar tal discussão, parto da ideia de que muitos documentos

naturalizem discursos que vão sendo adensados no cotidiano escolar. A própria ideia de

que as crianças escolhem seus grupos os pares, talvez porque a própria prática e os

diversos discurso reforce e fortaleça na criança esse comportamento. Em diversos trechos

do documento da BNCC, a criança desde cedo expressam ideias simples, no entanto, “[...]

bem definidas, de sua vida familiar, seus grupos e seus espaços de convivência.”

(BRASIL, 2017, p. 352).

Em outro momento do documento, esse discurso é reafirmado. “No cotidiano, por

exemplo, desenham familiares, identificam relações de parentesco, reconhecem a si

mesmos em fotos (classificando-as como antigas ou recentes) [...] (BRASIL, 2017, p.

352). Nessa mesma linha de raciocínio, ainda afirma que são [...] procedimentos são

fundamentais para que compreendam a si mesmos e àqueles que estão em seu entorno,

suas histórias de vida e as diferenças dos grupos sociais com os quais se relacionam [...]

109

(BRASIL, 2017, p. 353), os alunos precisam no decorrer do Ensino Fundamental, “[...]

compreender as interações multiescalares existentes entre sua vida familiar, seus grupos

e espaços de convivência e as interações espaciais mais complexas.” (BRASIL, 2017 p.

360, grifo nosso).

Nos levando a crer que exista a necessidade de enquadrar as diversas culturas,

modos de vida, da linguagem, etc., em caixas. Podemos denominá-las de caixas de

étnicas, de gênero, religiosas, de orientação sexual, questões de classe, dentre outras

características que compõem a sociedade brasileira, que assumem diversos modos de

expressão e se manifestam com maior força e rigor na atualidade, dificultando a

convivência em uma sociedade mais igualitária e justa para todos e principalmente acabar

com as caixas.

Não negamos que é bastante emblemático tratar das questões relacionadas à

diversidade nas escolas. Em termos habermasiano, por exemplo, esta maneira de ver

como a diversidade se dá, é componente do “mundo da vida e faz parte de uma teoria

popular firmemente encravada em nossas sociedades”, não só inseridos em nossa

sociedade, bem como em distintas teorias (FERRADA, 2001, 82-83, tradução nossa).

Não se trata de algo novo a questões ligadas a diversidade cultural e dos embates

produzidos por ela. Desde a antropologia existe a prática de categorizar as pessoas em

grupos, caixas, categorias raciais, como se isso fosse algo inseparável a natureza humana,

conforme aponta uma assertiva de Marks (1997, p. 1045), quando afirma que

[...] as raças representam categorias naturais das pessoas, uma espécie de lotes

que para maior comodidade são indicadas por um código de cores: negro,

branco, amarelo e outros. Desde o nascimento, cada um de nós se integra a

uma ou outra categoria como propriedade constitutiva e imediata

(MARKS,1997 apud FERRADA, 2001, p. 83)

Segundo Ferrada (2001), as categorias que são definidas pela história e pela

sociedade como construções humanas, são muito mais importantes que qualquer

categoria formada a partir de uma realidade biológica que estão presentes na raça humana.

No entanto, essa compreensão deve considerar que a diversidade genética e a diversidade

“racial” não têm relação com a denominação da raça aplicada às populações humanas,

mas fato é que acabam influenciando a forma com que estas são definidas (FERRADA,

2001).

É preciso criar espaços de convivência humana com justiça social e cultural para

uma educação emancipada e transformadora na perspectiva critica comunicativa. Diante

110

dessa necessidade, Marigo (2015) destaca importância da escolarização dos sujeitos com

objetivos sociais, pois ela acredita, que independentemente do local do mundo que

estejam, estes sujeitos são afetados e influenciados pelos contextos sociais em que vivem,

refletindo também na maneira em que diferentes pessoas e grupos interagem e convivem,

sendo preciso articular razão instrumental e as identidades culturais, bem como das

tecnologias com a diversidade cultural.

Do ponto de vista dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica

(BRASIL,1997, p. 16), a diversidade, a inclusão e a pluralidade cultural, são temáticas

tratadas como:

[...] questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias

que se entrelaçam na vida social, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pessoas com deficiência, populações do campo [...], e ainda as que dizem

respeito à [...] diversas orientações sexuais, sujeitos albergados, em situação

de rua, em privação de liberdade de todos que compõem a diversidade que é a

sociedade brasileira [...].

Esta mesma sociedade, segundo consta no documento da BNCC, o Brasil é

[...] caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade

cultural e profundas desigualdades sociais [...], o que exige que, [...]os

sistemas e redes de ensino devem construir currículos [...], a partir dos quais a

possibilidade de organizar, propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas

identidades linguísticas, étnicas e culturais. (BRASIL, 2017, p. 15 ).

E destaca que cabe, além dos sistemas de ensino, também,

[...] às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência,

incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas

contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global,

preferencialmente de forma transversal e integradora (BRASIL, 2017, p. 20).

Mas apenas “considerar” as identidades linguísticas, étnicas e culturais seria

suficiente para transformar a escola? Lembrando que, o conceito de diversidade numa

perspectiva crítica comunicativa de educação, compreende muito mais, visa construir

postulados teóricos básicos para desenvolver uma teoria crítico comunicativa de educação

(FERRADA, 2001, p. 12). Para tanto, e baseando nossas argumentações nos breves

antecedentes históricos e sociais antes apresentados, é preciso compreender que, a “[...]

raça não corresponde às características biológicas, genéticas, antropológicas ou

111

moleculares, mas como uma construção social, e como tal, também adquire uma categoria

ideológica.” (FERRADA, 2001, p. 85, tradução nossa).

Sem a crença ingênua de acreditar que somente o fato de saber que raça não tem

identidade biológica, fará com que as desigualdades, o racismo e a discriminação em

todos os seus piores aspectos desapareçam, é pontual elucidar essas situações que se dão

no âmbito dos processos educativos e das políticas públicas educacionais que direcionam

o ensino. Possibilitando, avançarmos rumo à uma teoria crítica de currículo. Teoria que

não admite ações de discriminação racial como se fosse algo naturalmente biológico.

Entendemos como Ferrada (2001, p. 85, tradução nossa) que, “[...] devemos criar

condições para fazer com que aqueles que pertencem “naturalmente a uma raça.”, não

continuem acreditando serem superiores por “natureza” biológica, ou sentimento de

inferioridade por “natureza” que, definitivamente não só será um absurdo, mas também,

o desconhecimento da verdade humana. Devemos sim, construir uma educação como

meio de modificar as condições de discriminação cultural que são fruto das criações

simbólicas e sociais.

No entanto, só se modifica e transforma tais condições de discriminação,

realizando uma “transformação igualitária da educação” (ALBERT et al 2008, p. 184).

Deste modo, todo projeto educativo que tem como objetivo a transformação igualitária e

superação das desigualdades sociais, não fará isso desconectado de práticas solidárias,

mas sim “[...] a solidariedade deve ser um de seus elementos fundamentais.” (ALBERT

et al 2008, p. 184.). Mas a solidariedade não tem sido uma constante na sociedade e em

nossas escolas, nas palavras dos autores antes mencionadas, “[...] a solidariedade perdeu

seu sentido.” e em muitas escolas é possível perceber que a solidariedade é trabalhada de

modo “descontextualizado.” (ALBERT et al 2016, p. 184).

Isso significa que a abordagem adotada para tal é realizada apenas de maneira

pontual e não incorporadas aos processos de ensino e aprendizagem de modo que faça

parte das práticas do cotidiano escolar de meninos e meninas. Uma prática solidária, não

admite apenas, “demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças

e adultos (BRASIL, 2017, p. 43). Isso seria o mesmo que promover, “campanhas a favor

de países pobres, trabalhos com textos e jogos solidárias”. Isso não significa dizer que, a

solidariedade está sendo colocada em prática, tampouco seria suficiente para questionar

minimamente o individualismo nas interações sociais (ALBERT et al., 2008, p. 184).

112

Solidariedade na educação, tem muito a ver também com aprendizagens elevadas

e da melhor qualidade13, a “[...] todos os e as estudantes, independentemente de quais

sejam suas diferenças” (ALBERT et al., 2008, p. 185). Isso porque, ser solidário não se

trata apenas de que todos tenham “oportunidade de frequentar a escola, mas que todos e

todas consigam os melhores resultados”, para tanto, será preciso “trabalhar com todos os

agentes da comunidade na busca de propostas que sirvam para aumentar o nível

acadêmico de todo o alunado”, quando o que se espera é, “aumentar a qualidade das

aprendizagens” (ALBERT et al., 2008, p.186).

E que, “ problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das

lutas e demais práticas corporais, propondo alternativas para superá-los, com base na

solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito” (BRASIL, 2017, p. 233), bem como,

“analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço

e seus significados históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as

diferentes populações” fique apenas à nível de denúncia e contestação das desigualdades

sociais (BRASIL, 2017, p. 400).

Avançar nessa concepção, à nível de sala de aula e nas práticas do cotidiano

escolar seria,

[...] a inclusão de todos os meninos e meninas é uma medida solidária que aumenta aprendizagens e melhora a convivência do grupo-classe. No ambiente

onde existem crianças de, [...] diferentes culturas, que falam diferente línguas,

de diferentes entornos sociais e econômicos, com diferentes tipos de família,

de gêneros diferentes e com diferentes níveis de rendimento etc. [...], e todos

estes empenhados na dinâmica da sala de aula para, [...] resolver uma atividade,

não só aumentam quantitativa, mas, qualitativamente as aprendizagens [...]

(ALBERT et al., 2008, p. 186).

De posse desses argumentos, partimos do princípio de que todas e todos, tem o

mesmo direito de participar das atividades na escola, como também ter o máximo de

aprendizagens em sala de aula, baseando-se em interações solidárias, melhorando as

13 Considerando que o tema da qualidade na educação tenha sido abordado de vários ângulos, e existe

diversas variáveis tanto intra com extraescolares que interferem na compreensão acerca da concepção de

qualidade capazes de interferir nos processos educativos, mas neste trabalho entendemos qualidade na

educação pelo “ângulo da adequação de melhores estratégias para alcançar velhos objetivos instrucionais

ou em função de um currículo em mudança, está [...] ligado a vida das pessoas, ao seu bem viver. [...]

Qualidade e quantidade são conceitos complementares já que qualidade para poucos é privilégio, não é

qualidade. Por isso, a qualidade da educação precisa ser encarada de forma sistêmica. A educação só pode melhorar no seu conjunto. [...] é um conceito dinâmico, que deve se adaptar a um mundo que experimenta

profundas transformações. Trata-se de um conceito político que, apesar de elementos comuns, se altera,

dependendo do contexto (GADOTTI, 2013, p. 01).

113

relações na escola e fora dela. Não é o mesmo que propostas educativas “[...] centradas

na diferença em detrimento da igualdade.”, pois não seria capaz de abarcar todas as

pessoas, e não evitaria a exclusão, mas sim, propostas centradas em “objetivos

igualitários” vindos de distintos campos sociais (político, econômico, educacional, etc.)

(ALBERT et al, 2008, p. 188).

Com o objetivo de promover a “[...] redução das desigualdades educacionais no

Brasil e a promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes

brasileiros [...] através das instituições de ensino.” (BRASIL, 2017, p. 5), a

implementação da BNCC começa a se delinear a partir de determinações do Ministério

da Educação (MEC), e motivadas pelas deliberações a propósito do Plano Nacional de

Educação (PLANO Nacional de Educação, 2014-2024), que já definia em uma de suas

metas desde então, a elaboração de uma “base” nacional para a educação.

Mas o fato de já estar definida como meta do PNE e também prevista na Lei de

Diretrizes e Bases para Educação Nacional (LDBEN, 1996), não faz com que seja

excluído desse processo um intenso debate sobre as direções da educação nacional, bem

como os sentidos e significado que carrega, adotando “medidas imediatistas,

desvinculadas de um planejamento pautado em marcos de referência e nos diagnósticos”

A esse respeito, Cury (2008), ao descrever a análise do conceito da educação

básica, traz algumas contribuições. Para ele, educação básica já “é um conceito, é um

conceito novo, é um direito e também uma forma de organização da educação nacional”

e tem a ver com jeito com que os conceitos carregam ideias soltas. Para Rego (2006, p.

184 apud CURY, 2008, p. 184), “[...] a abstração é fonte fundamental de sua força, porque

permite que os conteúdos de determinados princípios gerais possam ganhar redefinições

inesperadas.” Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, do mesmo modo, “base”, para

ele,

[...]corresponde um termo, vê-se que, etimologicamente, “base”, donde

procede a expressão “básica”, confirma esta acepção de conceito e etapas

conjugadas sob um só todo. “Base” provém do grego básis, eós e corresponde,

ao mesmo tempo, a um substantivo: pedestal, fundação, e a um verbo: andar,

pôr em marcha, avançar (CURY 2008 apud BRASIL, 2016b, não paginado).

E no cerne dessa questão, reside uma nova maneira de compreender como se dá

organização da educação no país, inclusive e sobretudo, uma nova maneira de organizar

o conhecimento escolar. A quem cabe a decisão de determinar o que deve ou não ser

ensinado nas salas de aulas para meninos e meninas? Ao Estado somente?

114

Resposta complexa, pois a questão do conhecimento, bem como, qual seria o mais

válido, está entre as principais questões do campo curricular. Sem mais delongas a esse

respeito, mas buscando contribuir com os temas que se seguem, Macedo e Frangella

(2016, p.) concordam com tal complexidade quando, afirmam que não existe uma

resposta apenas e que são “[...] raros os currículos que não salientam a importância dos

conhecimentos socialmente acumulados [...]”. Assim,

[...]se a pergunta sobre o conhecimento mais válido para ser ensinado não foi

abandonada, a resposta tornou-se muito mais complexa. Depois de décadas de

pensamento crítico no campo do currículo, entende-se que qualquer base

comum curricular se torna, pelo menos, o resultado de uma seleção que atende,

sempre, a determinados interesses (MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 14).

Obviamente, que é preciso considerar nesse contexto os diversos interesses bem

como, distintas concepções políticas e partidárias que operam a favor de um tipo de

sociedade e de pessoa humana. De maneira pontual, sem se estender na temática, tais

concepções definem tendências em diferentes aspectos. O que estamos dizendo é que,

desde o princípio das discussões de uma implantação da base comum, incidiram de muitas

influencias políticas e partidárias tanto de grupos hegemonicamente organizados como

de pessoas.

Deste modo, as organizações políticas partidárias contraditórias, bem como as

diversas mudanças no decorrer do processo, provêm e conjecturam na proposta curricular

implementada e homologada recentemente, produzindo tanto discursos contra, como

favoráveis de um modelo centralizador de currículos e ao mesmo tempo a respeito dos

campos do conhecimento a serem implantados nesses currículos.

De uma maneira ou de outra, existe uma realidade que precisa ser considerada.

Mesmo que, a cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, sejam

construídas fundamentalmente a partir da “matriz político-social e epistemológica da

modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como

elementos constitutivos do universal” não impede que sejam escolas invadidas por

diferentes grupos sociais e culturais, que antes eram afastados do espaço escolar, que

lutam e resistem como sujeitos de direitos que são (CANDAU, 2011, p. 241).

A escola na forma como está pensada seria então, incapaz de oferecer uma escola

igual para todos. Aqui partimos do princípio de que não somos todos iguais. E se não

somos iguais, como pode um currículo padronizado, homogêneo, etc., dar garantias de

aprendizagens essenciais e indispensáveis para todos como descrito na BNCC? Como é

115

possível que um currículo de conta do que realmente é essencial e indispensável para cada

um sem considera-los em sua diferença?

Mas esse mesmo sujeito que busca seus direitos na diferença, “[...] gosta de ser

homem, de ser gente, [...] esse sujeito reconhece que sua estada no mundo não se trata de

um fato predeterminado tampouco preestabelecido e percebe que o seu destino não é um

dado, mas algo que precisa ser feito [...], e se reconhece como responsável por sua própria

história no mundo com o mundo.” (FREIRE, 1996, p. 58).

No entanto, Candau (2003) afirma que a escola tem sido chamada a reagir a partir

chegada dessa pluralidade de culturas, bem como considera que não é mais possível

defender uma cultura única, tampouco a possibilidade de valorização de um currículo

monocultural. A autora ainda enfatiza que a luta pela igualdade não pode e não deve

invisibilizar as diferenças, que está no cerne das funções a promoção da igualdade de

direito, principalmente porque vivemos em uma sociedade onde as desigualdades social,

cultural e econômica sempre se fizeram presentes em todos os espaços sociais.

Promover igualdade de direitos na educação tem sido uma constante nas agendas

políticas nacionais, mas ainda, a realidade da educação no país bastante precária. Em

recente, pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (Inep) que tem como objetivo “monitorar, avaliar e elaborar as políticas

públicas educacionais brasileiras, discorre quanto aos números divulgados pelo Inep a

começar pelo número de escolas que o Brasil possui. Em toda sua extensão são 184,1 mil

escolas, dois terços (112,9 mil) destas escolas são de responsabilidade dos municípios

(informação verbal). 14

Estes dados foram divulgados também em entrevista concedida ao correio

brasiliense, para divulgação dos dados do censo escolar da educação básica do ano de

2018. Maria Inês (presidente do Inep), Maria Helena de Castro, (ministra da Educação),

Rossieli Soares (secretário da educação básica) e Carlos Moreno, diretor de estatísticas

do Inep, anunciam que as escolas particulares atingiram 21,7%, 116 mil instituições

oferecem ensino fundamental. Já o ensino médio é ofertado em 28,5 mil instituições.

Destas são 7,9 milhões de alunos matriculados. Os alunos que realizam atividades em

tempo integral, somam os 7,9%, (2016, eram 6,4%). Já no ensino fundamental,

14 Coletiva de imprensa com a divulgação dos dados do Censo Escolar da Educação Básica. Maria Inês,

presidente do Inep, Maria Helena de Castro, ministra da Educação em exercício, Rossieli Soares,

secretário da educação básica e Carlos Moreno, diretor de estatísticas do Inep (2018).

116

[...]48,6 milhões de matriculados, a taxa de alunos em período integral é de

13,9%. O MEC, no entanto, comemorou o aumento das matrículas em escola

de tempo integral em escolas públicas de todo o país e atribuiu esse aumento à

Política de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Só neste

ano, segundo a ministra em exercício, foram liberados R$ 406 milhões para

apoiar estados na implementação dessas unidades. (INEP, 2018)..

Ao ser questionada, sobre a queda nos números dos matriculados nas instituições

escolares, Maria Helena de Castro, explica que, "o ensino médio vem sendo o grande

gargalo da educação brasileira. Iniciamos o século 21 e o problema permanece. O que

esse dado está mostrando é algo extremamente preocupante" (INEP, 2018).De fato, é

minimamente preocupante, entre os problemas apontados pela ministra é que merece

atenção é, “o alto índice de jovens inativos, ou seja, aqueles que não trabalham nem

estudam. E continua: "Chama a atenção pela quantidade. Por isso que o MEC colocou

na sua prioridade de agenda a reforma do ensino médio, uma série de ações e a base

curricular."

É bastante preocupante e incongruente. Entre consensos e dissensos, é possível

relacionar que ao mesmo tempo que há uma indicação do MEC colocando em sua agenda

como prioridade, tratar dos problemas relacionados ao ensino médio, existe também,

importante necessidade de “ situar, que a nova proposta curricular (BNCC) não cumpriu

com as exigências legais ao excluir uma das etapas da Educação Básica: o Ensino Médio”.

E questionam: “A BNCC sendo direcionada a Educação Básica não deveria contemplar

o Ensino Médio, como definido nos dispositivos legais?” (BRASIL, 2016b, não

paginado).

Ainda de acordo com o parecer emitido pelas conselheiras Aurina Oliveira

Santana, Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar, em pedido de vistas ao CNE

documento que trata da homologação “apressada” da BNCC, esclarecem quanto ao não

cumprimento das “exigências legais”.

A Constituição de 1988 para o Ensino Fundamental, e foi ampliada para o

Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), a partir

da Lei 13.005/2014, em consonância com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro

de 1996 – LDB, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 2016b, não paginado).

Mas este não é o único problema que os números do senso mostram. “Muitos

alunos estão na escola, mas na idade escolar errada. Segundo os dados do INEP, isso

ocorre tanto pela reprovação quanto pela alta taxa de abandono escolar (informação

117

verbal)15. Ainda de acordo com o senso, nos anos iniciais, é possível ver menores taxas

dessa distorção, abrangendo os estados de Minas Gerais (69,1%), Mato Grosso (61,7%)

e São Paulo (56,6%)16 (informação verbal, grifo nosso).

De posse de tais informações, um modo de avançar para além da elaboração de

índices, podemos como meio de uma redefinição do problema a ser enfrentado, buscar a

partir de uma reflexão crítica, entender conceitos como por exemplo, evasão escolar ou

exclusão da escola, dentre outros que oportunamente serão discutidos. Por hora é preciso,

entender: será que se trata apenas de diferenças meramente conceituais?

Para Arroyo (2001), é certo que, quando refletimos tais problemas como “evasão”,

responsabilizamos totalmente os alunos e alunas pelo fracasso escolar. Demostrando que

esse aluno simplesmente abriu mão de “uma grande oportunidade que lhe foi oferecida”.

Para Baldelot e Establet (1976), a questão do fracasso escolar muitas vezes é explicado

por vias de “inúmeras patologias”, coisas que na realidade não existem (FERRADA,

2001, p. 13).

Como consequência desses e de outros equívocos ligados ao fracasso escolar,

podemos isentar o Estado de suas obrigações sociais e culturais perante a sociedade e

especificamente a esse aluno, aproximando-se de modelos pós-modernistas. Quando na

verdade a questão é de exclusão da escola. Recolocar o problema dessa forma

responsabiliza o Estado que além de exclui-lo da escola, nega-lhe outros direitos

(ARROYO, 2001).

Dentre esses direitos que devem ser garantidos ao alunos e alunas, está o respeito

a diversidades. Como (SANTOS, 1999, p. 44) acreditamos que todos trazemos conosco

desde nossa gênese “o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e

temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”. Mas quem

são esses diferentes, que diversidade é essa?

Segundo Candau (2012, p. 23), talvez os diferentes sejam todos aqueles que “[...]

por suas características sociais e/ou étnicas, por serem considerados ‘portadores de

necessidades especiais´, por não se adequarem em uma sociedade cada vez mais marcada

por uma competitividade [...]”, concorremos, muitas vezes, com uma lógica de mercado

15 Informação fornecida por Maria Inês, presidente do Inep, Maria Helena de Castro, ministra da Educação em exercício, Rossieli Soares, secretário da educação básica e Carlos Moreno, diretor de estatísticas do Inep ao Correio brasiliense. 16 TAMBÉM

118

e de consumo, e acabamos considerando os “diferentes” como os “perdedores”, os mais

“fracos”.

Mas será que os respeito a diversidade de diferenças em todos os seus aspectos é

levada em conta nos conteúdos emanados da BNCC? Partimos da premissa que, é preciso

voltar os olhares para efeitos tanto negativos como positivos, resultantes da complexa

diversidade cultural. Os efeitos marcam tanto a sociedade atual quanto currículo e estão

presentes nos diversos espaços culturais, decorrentes dos debates de raça, etnia, cultura,

sexualidade, gênero, classe social, religião, idade, necessidades especiais ou de outros

confrontos sociais (MOREIRA; CANDAU, 2008).

Conforme preconizado no documento da BNCC, dentre as competências, é

preciso,

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de

conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações

próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da

cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência

crítica e responsabilidade (BRASIL, 2017, p. 9, grifo nosso).

E continua:

Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,

compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as

dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,

fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,

com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos

sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2017, p. 10).

Evidenciamos em alguns trechos do documento da BNCC que não se trata apenas

de “valorizar”, “apreciar”, a diversidade, apenas isso não garante avançar em direção ao

respeito à diversidade enquanto gente. Como meio de avançar na concepção que

fundamenta uma escola inclusiva no sentido latu do termo, competiria, portanto,

[...] a elaboração de diretrizes para que as Secretarias de Educação, em

conjunto com as instituições educativas e escolas e as representações sociais,

implementassem as atuais Diretrizes sem o risco de um estreitamento

curricular [...], de qualquer maneira, não seria nenhuma novidade (BRASIL. 2016b, não paginado).

Desse modo, estaria apenas então, “[...] atendendo o que também está previsto no

PNE [...], no tocante às [...] diversidades regionais, estaduais e locais, além da necessária

119

articulação entre direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Processo que

não se efetiva na prática, segundo as conselheiras do CNE, Aurina Oliveira Santana,

Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar (BRASIL, 2016b, não paginado).

São diretrizes do PNE, expressas no Art. 2 dessa Lei:

Art. 2º, PNE- I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do

atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com

ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de

discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o

trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se

fundamenta a sociedade; VI - promoção do princípio da gestão democrática

da educação pública; VII - promoção humanística, científica, cultural e

tecnológica do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos

públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que

assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade

e equidade; IX - valorização dos (as) profissionais da educação; X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à

sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2014, não paginado).

Entendemos que o engessamento curricular da BNCC caracteriza uma negação do

próprio PNE quando nega a possibilidade de avanço na educação no pais, limitando a

aprendizagem e encarcerando o conhecimento. No âmbito da Educação Infantil no

contexto da Educação Básica, segundo consta n BNCC, o que é preciso para “[...]

potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças [...], perpassa

potencializar o [...] diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição

de Educação Infantil e a família são essenciais.” Além disso, a instituição precisa

conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade

cultural das famílias e da comunidade (BRASIL, 2016a, p. 34-35).

Quanto ao fato de compartilhar responsabilidades, para Hidalgo (2008, p. 127), o

fato de os governos defenderem uma reforma do Estado que, sob o argumento de

transferência e divisão de responsabilidades para a promoção do fortalecimento da

sociedade civil, acaba promovendo um processo de desobrigação do Estado para com o

financiamento das políticas. Esse modelo de reforma, idêntica às defendidas por

governos que investiram na criação de mecanismos de mercado para a regulação das

políticas públicas. O que significa então instituir a redução do papel do Estado como

apenas “agente de defesa da propriedade privada” (HIDALGO, 2008, p. 127).

Embora, o CNE no ano de 2010, promulgue novas DCN, ampliando e organizando

o conceito de contextualização como “a inclusão, a valorização das diferenças e o

atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias

manifestações de cada comunidade” (BRASIL, 2016a, p. 11).

120

Mas embora, as experiências e atividades se realizem no âmbito de um currículo

sistematizado, é preciso levar em consideração sobre a necessidade de se ter um currículo

livre das amarras, da rigidez e da intransigência, alçando uma determinada flexibilização

no planejamento tendo em vista a possibilidade de inovações e mudanças que poderão

surgir no decorrer de sua implementação.

Tais mudanças e inovações estão presentes no bojo da sociedade, que apresenta

uma ampla diversidade de costumes e tradições, relacionados as diversas formas de vestir,

de falar, de se expressar, modos de agir e religiões e que fazem parte do cotidiano de um

povo. Dividem espaço com a insistência em se tornar tanto currículo como escola

movimentos estáticos. Mas como paralisar o que é puro movimento? O currículo pode

até ser movimentado por intenções oficiais de transmissão de uma única cultura como

sendo uma cultura oficial, mas certamente nunca o resultado será o esperado, isso porque

essa transmissão sempre se dará em um espaço dinâmico de significação de puro

movimento. (MOREIRA; SILVA, 2011).

Pois bem, é na complexidade do processo educativo, atravessado pelas incertezas

pedagógicas e sociais, que compreendemos que o currículo não pode ser considerado fora

de interação dialógica entre escola e vida, devendo assim contemplar o desenvolvimento

humano, o conhecimento e a cultura dos sujeitos.

E as contradições não cessam, pois, conforme apresentado no documento da Base

Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016a, não paginado) a respeito da igualdade,

diversidade e equidade, segundo afirmativa do documento, o Brasil é um “[...] país

caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e

profundas desigualdades sociais.”, afirma que cabe a todas instituições educativas,

“construir currículos”, bem como “[...] elaborar propostas pedagógicas que considerem

as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas

identidades linguísticas, étnicas e culturais.” (BRASIL, 2016a, p. 20).

Porém, determina que uma base curricular como norma obrigatória à educação

pública. Isso significa que compreender que a concepção de respeito, igualdade,

diversidade e equidade tem caráter normativo e que se estende a todo Território Nacional,

portanto é preciso refletir criticamente se a lei de fato possibilita construir autonomia no

ambiente escolar.

Entendemos que a assunção dos pressupostos, de que à escola cabe a elaboração

e desenvolvimento dessas propostas, é dizer que esta tem autonomia para tanto. Quando

na verdade existem diversos aspectos a se considerar, já que mesmo com que garantias

121

acerca da inclusão da diversidade a escola e seus currículos não foram capazes de

efetivamente transformar a realidade de meninas e meninos pertencentes as classes

trabalhadoras e marginalizados bem como de incluí-los, oferecendo-lhes uma verdadeira

educação emancipadora.

Isso porque surge nesse horizonte, a todo tempo propostas com clara

intencionalidade de planejar cientificamente as atividades pedagógicas e controlá-las de

modo a evitar uma certa conduta do aluno que possa fazer com que esse desvie-se de

padrões culturais e condutas pré-definidas (MOREIRA; SILVA, 2011), motivadas em

decorrência das disputas tanto teóricas como de poder, contrariando o estado democrático

de direito, dando origem a novas medidas que são impostas a educação e a escola.

Para a construção dessa reflexão, podemos observar certos documentos oficiais

como por exemplo a reforma do ensino médio, e as alterações na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (LDB) em seu artigo 61, discorre a respeito das mudanças que chegam por

meio de medida provisória. A palavra de ordem é “falência do ensino”, a justificativa:

“um salto de qualidade para o ensino médio”. As mudanças vão desde a disciplinas que

deixam de ser obrigatórias à contratação de “professores de notório saber”.

Assim, presenciamos as idas e vindas das políticas educacionais, sempre

acompanhadas de diferentes discursos políticos, sociais ou culturais, que às vezes se

manifestam de forma implícita ou explicitamente no cenário atual político. Por isso,

entendemos como Freire (1983) que a “educação é ato político”, do mesmo modo Arroyo

(2011, p. 13) nos diz que “[...] currículo não é apenas território em disputa teóricas”, mas

também disputas por direitos, tanto políticos, sociais ou culturais. É nesse cenário de

disputas no chão da escola que podemos e devemos mesmo criar ambiente de resistência

e luta.

Em meio à essas disputas e confrontos políticos temos sempre que acreditar num

horizonte de possibilidades para uma escola pública de qualidade. É bem verdade que

numerosos debates em torno da qualidade do ensino vêm ocorrendo na educação bem

como no campo do currículo na atualidade. Entre as questões centrais desses debates estão

a seleção e a organização do conhecimento e a qualidade do ensino, medida não pela ótica

da eficiência e eficácia do ensino, e sim qualidade que leve em conta as possibilidades de

desenvolvimento pleno do indivíduo com participação ativa na sociedade.

122

Tendo em mente certas questões, podemos citar apenas a nível de exemplificar, o

Programa Escola sem Partido17, como parte de iniciativas que visam unificar, padronizar

o conhecimento e as práticas educativas. Programas como esse atravessa, escola,

educação e currículo, com clara intencionalidade de impor um pensamento único para

escola, educandos e educadores. E pode representar um imenso retrocesso nas conquistas

de nossos direitos sociais, principalmente à educação, colocando em risco nossa o que já

conquistamos rumo a democracia, pois afeta diretamente a construção efetiva da

igualdade de direitos. A escola sem partido caracteriza o sujeito, seja ele educando ou

educador.

Para Frigotto (2016, p. 2), se trata de uma visão totalmente equivocada de escola.

É uma escola de partido absoluto, intolerante, “[...] ameaça os fundamentos da liberdade

e da democracia liberal [...]”, um partido que claramente “[...] dissemina o ódio, a

intolerância e, no limite, conduz à eliminação do diferente. Igualmente para Freire (1999),

a educação nunca é neutra, da mesma forma que não existe neutralidade em nenhuma

ação humana. Nosso posicionamento sempre está a favor ou contra uma ideologia, seja

ela burguesa ou proletária.

Freire (1983) afirma que a “educação é ato político”, do mesmo modo Arroyo

(2011) nos diz que “currículo não é apenas território em disputa teóricas”.Disputas entre

professores e alunos. Disputas também sobre o que ensinar e como ensinar. Existe

também disputas a respeito do currículo e seus conteúdos e principalmente, conteúdos

periféricos, que um currículo único certamente não contempla. Como não tratar de

questões políticas, socioculturais e econômicas na escola? Onde deverão ser abordados

tais assuntos senão na escola?

No contexto dessa mesma sociedade conflitante, para Hidalgo (2008, p. 49) o

espaço privilegiado pra tratar de tais questões é na escola, pois, a escola é uma das

principais instancias sociais responsáveis por “[...] desenvolver a consciência de que as

17 Os arautos e mentores da “Escola Sem Partido” avançam num território que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e eliminação de seres humanos sob o nazismo, o fascismo e similares. Uma proposta que é absurda e letal pelo que manifesta e pelo que esconde2. O que os projetos que circulam no Congresso Nacional, em Câmaras Estaduais Municipais, em alguns casos como Alagoas, já aprovados, cuja matriz é a “Escola Sem Partido” liquidam a função docente no que é mais profundo – além do ato de ensinar, a tarefa de educar. Na expressão de Paulo Freire, não por acaso execrado pelos autores e seguidores da “Escola Sem partido” - educar é ajudar aos jovens e aos adultos a “lerem o mundo”. Um dos argumentos basilares da “Escola Sem Partido” é a tese da “Liberdade de Ensinar”. O que se elimina e combate é justamente a liberdade de educar. O que era implícito desde a revolução burguesa, instruir sim, ainda que de forma diferenciada, mas educar não, agora é proclamado como programa de ação. (FRIGOTTO, 2016).

123

identidades culturais”, uma vez que nesse cenário social globalizado, sofre com a “perda

do referencial.” como nação, sucumbindo-se a “universalização” e “compartilhamento

crescente das idéias, estéticas similares, emoções próximas”, atribuindo a escola o papel

de produtora de uma identidade cultural, sob pena de promover processos de exclusão

social.

Mas podemos apreender nesse ambiente de inquietações, que embora os ataques

gerais a educação seja uma constante, é preciso, contudo, manter viva a vitalidade e a

força dos sujeitos que frequentam a escola, bem como: “[...] manter viva a longa tradição

da reforma educacional democrática que desempenhou o papel importantíssimo de fazer

de muitas escolas lugares cheios de vitalidade e força para aqueles que a frequentam.”

(APPLE; BEANE, 2001, p. 11).

Assim, a escola e currículo são locais privilegiados de aprendizagens e experiências

ricas e múltiplas. Estas instancias alinhadas, precisam garantir a liberdade de aprender,

ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento livre, a arte e o saber. Também

devem garantir pluralismo de ideias e de percepções pedagógicas e a liberdade de

pensamento e de expressão.

Nesse viés, surge no horizonte de possibilidades o Currículo Crítico Comunicativo

que propõe fundamentar e desenvolver a educação em situação de diversidade social e

cultural. Por ora é importante salientar a necessita de refletir com base em um referencial

teórico metodológico, capaz de elucidar, interpretar e reinterpretar os elementos

propositivos acerca do Currículo Crítico Comunicativo como possibilidade de

transformação e emancipação dos sujeitos. O currículo é entendido aqui como parte de

“[...] fenômenos que são, de algum modo, e até certo ponto, já compreendidos pelas

pessoas que fazem parte do mundo sócio-históricos; estamos procurando em poucas

palavras, reinterpretar um domínio pré-interpretado.” (THOMPSON, 2011, p. 33).

Nessa mesma direção, podemos colocar em debate a forma com que são

construídos os currículos. Não é possível apenas vê-los como “forças progressistas” e que

grande parte dos educadores e da população acreditam ser, em que buscam sempre

“ajudar as pessoas”, do mesmo modo que as escolas por meio de seus currículos podem

sim estar operando em favor de “alguns grupos e servindo como barreira a outros”,

produzindo a exclusão social, gerando desigualdades (APPLE, 2006, p. 104).

Levando em consideração sobre a interferência metodológica nos resultados da

análise de um modo geral. A busca por uma metodologia específica para lidar com a

análise e interpretação dos elementos propositivos do Currículo Crítico Comunicativo,

124

possibilitou a identificação da metodologia da Hermenêutica de Profundidade (HP). Tal

metodologia propicia uma re-interpretação do já dito acerca da escola e currículo,

considerado aqui neste estudo um instrumento de “comunicação de massa” que exigem

uma interpretação apropriada e minuciosa conforme preconizado por Thompson (2011).

Essa direção, para se pensar em propostas educativas coerentes e cientificas de acordo

com a sociedade atual, devemos perpetrar uma análise geral das mudanças sociais que se

produziram nas últimas décadas, seguido de uma reflexão crítica sobre suas

consequências para tal proposta.

Para Moreira e Candau (2008) essa escola baseada no comum está totalmente

despreparada para enfrentar os conflitos gerados pela diversidade e para articular o

comum com o plural, a igualdade com a diferença, mesmo estando inserida em uma

sociedade tão plural. Embora haja inúmeras abordagens voltadas a compreensão do

multiculturalismo, ainda se faz necessário o aprofundamento acerca do tema devido a

grande ambiguidade apresentada, entre elas a afirmação de determinada diferença, um

processo de assimilação de determinados grupos da sociedade hegemônica e ainda pode

ser entendido como promoção de diálogo entre diferentes grupos socioculturais

(MOREIRA; CANDAU, 2003).

Independente da direção assumida, entendemos aqui que essa multiplicidade

presente na escola, não deve distanciar-se do trabalho coletivo. Tendo em vista que

trabalhar coletivamente pode potencializar e favorecer os processos educativos onde

professores e alunos sejam reconhecidos nas suas próprias diferenças, criando espaços de

diálogo na construção curricular levando em consideração a igualdade na diferença.

Para tano, Candau (2003) enfatiza que a luta pela igualdade não pode e não deve

invisibilizar as diferenças, e está no cerne das funções a promoção da igualdade de direito,

principalmente porque vivemos em uma sociedade onde as desigualdades social, cultural

e econômica sempre se fizeram presentes. Assim, cabe a escola a partir do currículo,

promover a construção plena da igualdade por meio das práticas educacionais que

considerem o respeito à diversidade cultural como uma de suas metas.

Nesse viés de raciocínio, propor a diversidade cultural no currículo não significa

abrir mão da sistematização, organização e planejamento. É exatamente nessa direção que

defendemos aqui nossa proposta de pesquisa com vistas a um currículo dialógico. O

planejamento é essencialmente importante tanto para currículo, como para a escola. As

atividades que acontecem no espaço escolar são principalmente planejadas e monitoradas

125

por ela. Desse modo, o currículo não pode ser pensado aleatoriamente a esse

planejamento.

Porém, é preciso levar em consideração que uma vez analisada a questão

sociocultural da sociedade, devemos avançar em busca de encaminhar as atividades

escolares rumo à uma efetiva relação de solidariedade, respeito a diversidade e igualdade

que existe no centro dos grupos de pessoas presentes nessa dinâmica, de acordo com a

realidade cultural da escola, incorporando os conteúdos culturais no currículo escolar

(FERRADA, 2001).

Nesse sentido, baseados nas argumentações da mesma autora, é preciso estar

ciente de que nesse movimento, há o envolvimento dos professores, professoras os e as

estudantes, que é determinante, tanto para a manutenção como para a superação das

demonstrações de discriminação nas interações sociais, de onde também, derivam alguns

dos conteúdos culturais, que devem ser incorporados ao currículo e que tem a ver com as

questões de gênero, as diversas etnias das diversas populações humanas, as classes

sociais, etc., pois ao analisarmos o ambiente escolar concreto, real, estas dimensões das

interações sociais estarão lá.

Tais representações de acordo com alguns estudos 18 , demonstram que se

observarmos as atividades escolares no interior da escola quanto as relações de gênero,

as meninas geralmente, aparecem socialmente subordinadas à meninos, tendendo a ser

dissimuladas e manipuladas, em vez de dóceis ou passivas. Por outro lado, outros

estudos19 mostram que o favoritismo que os professores apresentam para as crianças é

acompanhado por uma sensibilização em relação aos métodos interativos que os meninos

usam para atrair a atenção e promover o colóquio, se observamos “ as diferenças que

apresentam os jogos das meninas, particularmente os musicais, que são essencialmente

cooperativos, regulados por regras, rituais, mas nunca hierárquicos nem competitivos,

como é o caso dos jogos do meninos (FERRADA, 2001, p. 88-89, tradução nossa).

No que diz respeito a etnia, o conflito surge muitas vezes como resposta de

meninos e meninas às atitudes dos professores com relação aos grupos minoritários, isto

se trata apenas de uma pequena parcela do que pode acontecer se não se considera a

questão cultural da escola. Imaginemos as consequências se somamos a isso, um currículo

totalmente homogeneizador.

18 (DRAPER, 1995, p. 89) 19 (FRENCH; FRENCH, 1995, p. 127)

126

Em contrapartida, quando se considera a igualdade de direitos e o respeito as

diferenças, como eleito, promover importantes atitudes igualitárias e Superadoras de

conflitos e das diversas situações de exclusão de pessoas e de povos na modernidade

(FERRADA, 2001). Dizemos com isso que incorporar os conteúdos culturais tanto locais

como universais no currículo e no cotidiano da escola é essencial, porém, isso deve

acontecer dentro de uma perspectiva de participação desde a tomada de decisão até a

seleção dos conteúdos.

Uma resposta contundente como meio de mediar ações baseadas na igualdade

educativa com respeito à diversidade de acordo com Ferrada (2001, 91-92) acontece à

medida que nos apropriamos dos conceitos da TAC de Habermas que se dará a partir do

ato da fala e de acordos mediados pelo entendimento que pode produzir distintos efeitos,

dependendo da intenção empenhada nessa situação, ou seja, a pretensão de validade ou

pretensão de poder.

Se encaminhadas por pretensão de validade, estará baseada na ação comunicativa

como meio de negociação que envolve todos os membros do grupo. Se, guiada por

pretensão de poder, o processo se dará mediante imposição arbitrária, sem que todos a

pessoas a serem afetadas pela decisão participem, apontando para uma clara atitude de

imposição autoritária, totalmente contrária a democratização na tomada de decisões

(FERRADA, 2001, p. 93).

Nessa linha de argumentação, um currículo homogeneizador que trata a todos

como iguais, semelhantes, está dirigido por pretensão de poder, desenvolvendo a

atividade educativa sob a égide da imposição de conteúdos previamente decididos por

uns poucos sem que haja a participação do grupo social, oferecendo restritas

possibilidades da representação cultural desse grupo que, “[...] privilegia especialistas e

subalterniza o diálogo com as comunidades educacionais e escolares, em um modelo

centralizador de tomada de decisões.” (BRASIL, 2016b, não paginado).

Nessa direção, a opção de construção da BNCC “adotou uma metodologia

verticalizada” (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017), mesmo que segundo se denomina

de participativa e que se deu em regime de colaboração. Segundo conta no documento da

BNCC,

Legitimada pelo pacto interfederativo, nos termos da Lei nº 13.005/ 2014, que

promulgou o PNE, a BNCC depende do adequado funcionamento do regime

de colaboração para alcançar seus objetivos. Sua formulação, sob coordenação do MEC, contou com a participação dos Estados do Distrito Federal e dos

Municípios, depois de ampla consulta à comunidade educacional e à

127

sociedade, conforme consta da apresentação do presente documento.

(BRASIL, 2016a, não paginado).

Em consideração a essa afirmativa, as conselheiras Aurina Oliveira Santana,

Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017),

explicam que é “preciso conhecer o que nos revelam os dados e os microdados para a

elaboração de um verdadeiro diagnóstico da educação”. Mas se trata apenas de revelar os

dados, ainda é preciso, [...] ainda, refletir sobre o que está sendo realizado, o que é

desejável e necessário para as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos do nosso

país” (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017).

Ainda sobre a metodologia adotada na elaboração da BNCC, [...] não é incomum

a adoção de medidas imediatistas, desvinculadas de um planejamento pautado em marcos

de referência e nos diagnósticos [...]” (BRASIL, 2016a, não paginado), o

desenvolvimento de todo projeto de elaboração se deu mediante atitudes que privilegia

um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de uma referência que

deixe claro o projeto de nação e educação desejadas. Usuários desse modelo acreditam

que cartilhas, guias como “receitas”, a serem reproduzidos nas escolas, serão “remédio”

infalível para os “males” da educação. Surgem, então, propostas que desconsideram o

grande potencial de nossas comunidades educacionais e escolares.

Na contramão desse modelo centralizador de currículo, está um currículo

construído e encaminhado por pretensão de validade. Ferrada (2001) defende que desse

modo o currículo deve estar suscetível a críticas mediante a argumentação, como meio de

alcançar acordos entre todas as pessoas participantes na tomada de decisões. O que faz

que esse currículo represente de forma muito mais real dos verdadeiros desejos e

necessidades de todos.

Nesse aspecto, contrapõe o que propõe a BNCC que preconiza a validade

normativa de caráter universal. Em síntese, o Currículo Critico Comunicativo, deve

operar fundamentado em contextos de atos de fala baseados na pretensão de validade,

direcionando as atividades com visibilidade de uma educação participativa e mais

igualitária. No entanto, esse modo de ver o currículo demanda a compreensão de maneira

a diagnosticar ou encurtar o fosso existente no que se refere à proximidade e o encontro

que há entre intenção e o que conta realmente como realidade no instante que se

operacionalização do currículo. (FERRADA, 2001, p. 93-94).

128

E é justamente em busca não só no avanço da construção da qualidade da educação,

bem como de seus educandos e educandas que lutamos em prol da autonomia da escola,

dos educadores e educandos, respeitando a educação laica, critica, libertadora e pluralista

e de espaços de resistência construídos nessa mesma escola, como meio de garantir que

que a diversidade seja vista como algo a ser incorporado aos processos de ensino e

aprendizagem e não como problema a ser resolvido, sobretudo considerando a tradição

curricular e da nova implementação da BNCC.

Nessa perspectiva, a defesa de um currículo na perspectiva crítico comunicativo –

currículo Crítico Comunicativo – nunca foi tão necessário, a partir da afirmação de que é

preciso compreender o meio, a si mesmo e ao outro reinterpretando conceitos pré-

concebidos e continuar buscando respostas.

Para que serve esse Documento a BNCC? Para quem ela é pensada? A partir de

qual concepção de diversidade ela está estruturada? Há conversa com Documentos

anteriores? Em que se espera avançar com este documento? Mas existem outras questões

exponencialmente urgentes que precisam de reflexão quando o que almejamos é uma

sociedade justa e igualitária, são elas: o que se percebe por formação humana, para além

de uma dimensão cognitiva? Qual o projeto de sociedade que a BNCC fundamenta? A

proposta articula, como definido no PNE, os objetivos de aprendizagem e

desenvolvimento ou se restringe a aprendizagem? (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017).

Fica nítido como a BNCC – homologada em 2017 – que continua alavancando

diversos questionamentos carecendo ainda de debates acerca do conhecimento e da

educação. Questiona-se principalmente a educação brasileira, e uma forma de conceber o

conhecimento, o currículo como apenas um amontoado de conteúdos, a partir do qual

como ferramenta de domínio, capaz de sufocar qualquer possibilidade de superação das

desigualdades sociais e culturais. Embora garanta autonomia aos “entes federados” e aos

“sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e

as características dos alunos.” (BRASIL, 2016a, p. 16), esta ferramenta tolhe o direito do

professor e dos estudantes de desenvolverem os processos de ensino e aprendizagem a

partir da multiculturalidade presente nesse ambiente.

Consideramos em Gadotti (1994, p. 22) que esse questionamento perpassa a

educação em todos os seus aspectos, “uma pedagogia conteudista de cunho

funcionalista.”, capazes de desenvolver elementos de dominação e subordinação que

impedem que os agentes educativos e alunos trabalhem coletivamente em prol da

129

educação que tem como abertura a multiculturalidade, principalmente por seu caráter

homogeneizador e hierárquico.

Entendemos e desenvolvemos nesse trabalho, a defesa de que o currículo na

perspectiva do igual, similar, carece de análise. É preciso entender que não se trata de um

processo isolado o da construção curricular, necessita acontecer à muitas mãos. Embora,

inicialmente se dê a partir das diretrizes nacionais, deve ser deliberado nas escolas,

contando com a participação de diversos agentes educativos e suas histórias de vida. As

concepções, saberes, conteúdos e as metodologias devem levar em conta todo contexto

ao qual está inserido. É preciso solidificar saberes, desenvolvendo, verdadeiramente, o

conhecimento a partir da realidade, conforme preconizado nos aparelhos legais bem como

nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que versam sobre a Educação Básica

brasileira. Todavia, o protagonismo dos alunos, alunas, professores e professoras e de

todos os demais profissionais da educação deve ser garantido.

Nessa direção podemos afirmar que as escolas e as instituições educativas são

ambientes de disseminação da cultura, do saber, do conhecimento, tanto de ideologias de

supremacia, quanto de ideologias de projeto de sociedade emancipada, precisamos

reivindicar um currículo escolar que amplie as capacidades humanas de respeito,

dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas possam intervir

na sua autoformação a fim de transformarem as condições ideológicas e materiais de

dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da

democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.

Esse posicionamento não constitui uma negação do currículo organizado e

sistematizado conforme já mencionado ao longo desse trabalho, ao contrário, uma

abordagem curricular crítica comunicativa em contexto de diversidade tanto de ações

sociais como de racionalidades. Sempre aberto a participação, abrindo espaços onde a

ação comunicativa seja presente no desenvolvimento de práticas educativas livres de

imposição, baseada na tolerância, solidariedade, no respeito a diversidade em todos os

seus aspectos (FERRADA, 2001).

130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. [...]do inacabamento. Da [...] inconclusão

[...]. Onde há vida, há inacabamento. (FREIRE,

1997).

Este trabalho buscou analisar as concepções que embasam o conceito de

diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base

Nacional Comum Curricular (BNCC) e para saber se os mesmos estão em concordância

com os elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo. Todavia, responder ao

objetivo da pesquisa, solicitou o desdobramento deste. Assim foram analisados quais são

os elementos fundantes que embasam o currículo escolar na perspectiva crítico

comunicativa, bem como buscou-se compreender o conceito de currículo, seu movimento

histórico no cenário brasileiro, refletindo as principais mudanças ocorridas e os projetos

de sociedade que as políticas educacionais embasam.

A investigação realizada sobre as propostas de construção curricular, nos permitem

entender que a BNCC é atravessada a todo tempo pelo discurso de ter sido desenvolvida

a muitas mãos e contado com o envolvimento pleno da sociedade. Discurso caracterizado,

inclusive pelo compromisso com a melhoria da educação brasileira, com foco no

desenvolvimento pleno de todos os estudantes. Assume o compromisso de criar

mecanismos de enfrentamento de processos discriminatórios e do preconceito, a partir do

respeito às diferenças e a diversidade cultural.

Em contrapartida, há evidencias de uma escola fragilizada por processos

excludentes e de discriminação e uma “crise instaurada no ensino público e, que mesmo

que exista extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não teria

sofrido alterações significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades

sociais.” (BEISIEGEL, 2005, p. 116).

Assim, temos de um lado, o Currículo Comunicativo Crítico como projeto político

de pessoa, de formação humana, que propõe construir uma sociedade verdadeiramente

democrática, em que as interações sociais sejam balizadas em relações de respeito às

subjetividades humanas, abandonando a ideia de que currículo é apenas conteúdo. E de

outro, a indicação de um currículo ideológico, fortemente marcado pela forma conteudista

de organização do conhecimento, que “estabelece o conjunto de aprendizagens

obrigatórias para todas as instituições escolares” (BRASIL, 2017). Ao mesmo tempo,

processo marcado pela “[...] incompletude e limitações e, portanto, a necessidade de

131

ampliar o diálogo democrático para assegurar a qualidade social da educação básica em

nosso país (SANTANA; TUTTMAN; AGUIAR, 2017, p. 11).

Com esses pressupostos, assumimos o compromisso de responder à questão central

dessa investigação – quais as possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que

considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo

crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum

Curricular? – com importante alicerce teórico, como meio de validação da análise

procedida por esta pesquisadora. Deste modo, por intermédio da realização dessa

pesquisa e com base nos dados coletados, retomamos de maneira concisa, além da questão

de pesquisa, o objeto investigado e seus objetivos.

Tornou-se possível perceber partir das investigações concretizadas, evidencias de

que os estudos do campo curricular têm um longo percurso nas políticas educacionais

brasileiras, marcado por conflitos e disputas em seus diversos aspectos, principalmente

por disputas de poder que foram produzindo ao longo do tempo. E que essas mudanças

se deram motivadas, principalmente pelos interesses particulares de grupos ou pessoas,

formuladores dessas políticas.

A sistematização desse estudo e posterior investigação, aconteceu em meio a esse

movimento de mudanças das políticas educacionais brasileiras, evidenciando que foi um

longo e movimentado processo que culminou na homologação da BNCC. Assumimos

nessa pesquisa, a existência de um forte viés da mercantilização da educação e das

instituições de ensino de todo país, e que vêm despertando grande interesse do mercado

financeiro tanto internacional como do mercado interno brasileiro.

Embora não se trate um fato novo, a relação intrínseca da educação e o capital e,

sem a intenção de desvalorizar todo esforço em tornar democrático o ensino, bem como

a escola e as tentativas de estender essa escola a maioria das pessoas, explicitamos as

capciosas intenções neoliberais de fazer-nos acreditar numa democratização verdadeira

do ensino, quando na verdade vivemos no país, um desmonte de diversas políticas

públicas educacionais. Como efeito, um imenso fosso entre o direito à educação pública

de qualidade e a realização efetiva desta, que a cada dia toma mais distância de um projeto

de sociedade mais igualitária e justa.

Indicamos que todas as instituições educativas são ambientes de disseminação da

cultura, do saber, do conhecimento, tanto de ideologias de hegemonia, quanto de

ideologias de projeto de sociedade emancipada. Essa última, vislumbrando e

reivindicando um currículo escolar que amplie as capacidades humanas de respeito,

132

dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas possam intervir

na sua autoformação, a fim de transformarem as condições ideológicas e materiais de

dominação, em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da

democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.

Nesse sentido, identificamos com base nessa investigação que, a partir da proposta

do Currículo Crítico Comunicativo, há a possibilidade de resgate do humano, tanto na

educação como nas distintas interações sociais. Isso porque, se propõe a desenvolver a

educação livre de atitudes de coerção, baseadas no consenso e entendimento. Que para

Habermas (2004, p. 107), a comunicação só é possível, baseada na comunicação isenta

de restrições que podem impossibilitar o entendimento, de modo que todos possam ter a

mesma oportunidade de falar sobre o assunto debatido pelo grupo. Do mesmo modo que,

para Freire (2006, p. 65) as relações de mundo só acontecem a partir da comunicação, de

modo que, “[...] o mundo social e humano, não existiria como tal se não fosse um mundo

de comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano.”

Portanto, considerando essa dimensão da comunicação, o Currículo Crítico

Comunicativo, assume o desafio de mobilizar ações que considerem a multiplicidade

cultural presente na escola, sem distanciar-se do trabalho coletivo, potencializando e

favorecendo processos educativos onde, professores e alunos sejam reconhecidos nas

suas próprias diferenças, criando espaços de diálogo na construção curricular e, levando

em consideração a diversidade cultural e a igualdade na diferença.

No que tange à diversidade, esta questão, garantida na construção de um currículo

na perspectiva crítico comunicativa, contribui como fator determinante nos processos de

ensino e aprendizagem, pois entendemos, nessa investigação, que quanto maior a

heterogeneidade do grupo, maior a possibilidade de interação e resolução de conflitos na

sala de aula aumentando a aprendizagem.

Com base nesse trabalho e compreendendo o empenho que deve haver para a

transformação da escola, a partir de um currículo na perspectiva crítico comunicativa,

existem diversos aspectos a se considerar já que, mesmo com garantias nas políticas

públicas educacionais acerca da inclusão da diversidade, a escola bem como seus

currículos não foram capazes de, efetivamente, transformar a realidade de meninas e

meninos pertencentes as classes trabalhadoras e marginalizados, bem como de incluí-los

efetivamente na dinâmica escolar e social, oferecendo-lhes uma verdadeira educação

emancipadora, quiçá quando esse currículo deixa de oferecer essas garantias concretas e

reais.

133

Dentre esses aspectos, estão, a questão de concepção de sociedade, de pessoa e de

um certo tipo de formação humana, no processo de organização curricular. Evidencia-se

assim, diversos elementos de mudança na sociedade que é caracterizada como sociedade

informacional, globalizada ou ainda, sociedade do conhecimento. Nesse contexto não é

admitido mais considerar somente os aspectos do conhecimento sistematizado, mas

também, os elementos culturais. Isso porque, um currículo único, para ser implementado

por todas as escolas, sem levar em conta a realidade local a qual essa escola está inserida,

é rebatido, em consideração a flexibilização do currículo, que se baseia na argumentação

de uma vinculação cultural e social que são requeridos na atualidade.

Consideramos nesse trabalho, baseados nos estudos sociológicos, que nas

sociedades atuais as interações sociais tanto políticas como pessoais do dia a dia das

pessoas, estão cada dia mais dialógicas. Os valores dialógicos estão cada vez mais

presentes nessas interações que, tem intrínseca relação com as transformações ocorridas,

desempenhando um maior papel nas sociedades pós-modernas do que nas sociedades

industriais. Isso, se consideramos que a própria educação tem que ser atendida num

constante movimento dialógico onde, a criança aprende também em constante interação

com o meio e com o mundo, apropriando-se da cultura que a cerca. Em outras palavras,

a criança idealiza o mundo numa constante interação com a cultura e com os outros

indivíduos.

Além disso, o significado de pessoa se dá a partir das interações sociais, ou seja, a

partir de processos sociais que, são essenciais para os processos de aprendizagem desse

sujeito, bem como para sua construção como sujeito no mundo em que vive. Desse modo,

a construção da pessoa não se trata de um fato inato, mas sim, vai acontecendo a partir

das interações sociais desse sujeito, ou seja, surge a partir das suas experiências e do

contato social com os demais membros dessa sociedade e com o todo.

Quanto ao processo de formação humana, observamos nessa investigação que,

formação humana pode ser compreendida de diversas formas. Isso porque muitas são as

concepções de formação humana presente nos diversos espaços sociais, determinadas

pelo tipo de sociedade que tais políticas esperam desenvolver. Além disso, é preciso

considerar que no contexto educacional as diversas concepções políticas e partidárias

operam, favorecendo um determinado modelo de sociedade e de formação humana. Tais

intenções acabam definindo tendências tanto sociais como culturais, descontextualizados

da realidade de meninos e meninas, sem possibilidades para a implementação de um

currículo capaz de promover na educação e escola uma efetiva transformação nos

134

processos de ensino e aprendizagem com respeito a imensa pluralidade cultural presente

na escola.

O currículo nessa perspectiva deve se constituir como elo que une a cultura e a

[...] sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura

herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e

aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. (SACRISTÁN,

1999, p. 61).

É no espaço escolar denominado de democrático que podem, e devem mesmo se

dar movimentos de luta e de enfrentamento. Quando do currículo caracterizado como um

campo de disputa de poder, uma pedagogia crítica, deve ser a política cultural que

potencialize, ressignifique e humanize esse currículo para que seja capaz de ser

propiciador da emancipação dos sujeitos, a partir de uma educação mais ampla e

equitativa, criando espaços de convivência humana com justiça social e cultural.

Assim, advogamos em busca não só no avanço da construção da qualidade da

educação. É preciso manter constante luta em prol da autonomia da escola, dos

educadores e educandos, respeitando a educação laica, crítica, libertadora e pluralista e

de espaços de resistência construídos nessa mesma escola. Só assim, será possível garantir

que a diversidade seja vista como algo a ser incorporado aos processos de ensino e

aprendizagem e não como problema a ser resolvido, sobretudo considerando a tradição

curricular e da nova implementação da BNCC homologada recentemente.

Mencionamos alguns pontos de convergência com relação ao conceito de

solidariedade no tocante a sua concepção, entre as proposições da BNCC e do Currículo

Crítico Comunicativo. De um lado solidariedade como algo pontual, desarticulado das

interações do cotidiano escolar e de outro, como elemento fundamental para superar as

desigualdades sociais e atitudes como o individualismo que são motivadas principalmente

por disputas de poder. A solidariedade só se concretiza, à medida que todos os agentes

educativos se mobilizam para promover o sucesso escolar de todos e todas, pois, partimos

do princípio que a aprendizagem melhora a medida que a interação do grupo aumenta por

mais que esse grupo apresente heterogeneidade marcante.

Isso revela que a escola na sociedade informacional não admite mais ver a

diversidade como problema e sim garantir o acolhimento e respeito da igualdade na

diferença. Significa dizer que a escola deve estar pautada por valores igualitários e não

apenas reconhecer como revela essa investigação, a diferença. Ao trazemos essa análise

135

para a organização curricular, assistiremos a diminuição da discriminação e do

preconceito.

136

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142

143

APÊNDICE

Considerando que elegemos para esta pesquisa a análise de conteúdo a partir da análise temática,

descrevemos abaixo os excertos acerca do conceito de diversidade, solidariedade e equidade.

Tabela 1 – achados da pesquisa sobre diversidade no documento oficial da BNCC/2017.

DIVERSIDADE

UNIDADES TEMÁTICAS PAGINA DESCRIÇÃO

COMPETÊNCIAS GERAIS DA

BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR

09 Valorizar a diversidade de

saberes e vivências culturais e

apropriar-se de conhecimentos e

experiências que lhe possibilitem

entender as relações próprias do

mundo do trabalho e fazer

escolhas alinhadas ao exercício

da cidadania e ao seu projeto de

vida, com liberdade, autonomia,

consciência crítica e

responsabilidade.

COMPETÊNCIAS GERAIS DA

BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR

10 Conhecer-se, apreciar-se e cuidar

de sua saúde física e emocional,

compreendendo-se na

diversidade humana e

reconhecendo suas emoções e as

dos outros, com autocrítica e

capacidade para lidar com elas.

COMPETÊNCIAS GERAIS DA

BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR

10 Exercitar a empatia, o diálogo, a

resolução de conflitos e a

cooperação, fazendo-se respeitar

e promovendo o respeito ao outro

e aos direitos humanos, com

acolhimento e valorização da

diversidade de indivíduos e de

grupos sociais, seus saberes,

identidades, culturas e

potencialidades, sem

preconceitos de qualquer

natureza.

OS MARCOS LEGAIS QUE

EMBASAM A BNCC

11 Em 2010, o CNE promulgou

novas DCN, ampliando e

organizando o conceito de

contextualização como “a

inclusão, a valorização das

diferenças e o atendimento à

pluralidade e à diversidade

cultural resgatando e respeitando

144

as várias manifestações de cada

comunidade”, conforme destaca

o Parecer CNE/CEB nº 7/20106.

O PACTO INTERFEDERATIVO E A

IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC

20 Base Nacional Comum

Curricular: igualdade,

diversidade e equidade

No Brasil, um país caracterizado

pela autonomia dos entes

federados, acentuada diversidade

cultural e profundas

desigualdades sociais, os

sistemas e redes de ensino devem

construir currículos, e as escolas

precisam elaborar propostas

pedagógicas que considerem as

necessidades, as possibilidades e

os interesses dos estudantes,

assim como suas identidades

linguísticas, étnicas e culturais.

BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR E CURRÍCULOS

20 Por fim, cabe aos sistemas e

redes de ensino, assim como às

escolas, em suas respectivas

esferas de autonomia e

competência, incorporar aos

currículos e às propostas

pedagógicas a abordagem de

temas contemporâneos que

afetam a vida humana em escala

local, regional e global,

preferencialmente de forma

transversal e integradora. Entre

esses temas, destacam-se:

direitos da criança e do

adolescente (Lei nº

8.069/199016), educação para o

trânsito (Lei nº 9.503/199717),

educação ambiental (Lei nº

9.795/1999, Parecer CNE/CP nº

14/2012 e Resolução CNE/CP nº

2/201218), educação alimentar e

nutricional (Lei nº

11.947/200919), processo de

envelhecimento, respeito e

valorização do idoso (Lei nº

10.741/200320), educação em

direitos humanos (Decreto nº

7.037/2009, Parecer CNE/CP nº

8/2012 e Resolução CNE/CP nº

1/201221), educação das

145

relações étnico-raciais e ensino

de história e cultura afro-

brasileira, africana e indígena

(Leis nº 10.639/2003 e

11.645/2008, Parecer CNE/CP nº

3/2004 e Resolução CNE/CP nº

1/200422), bem como saúde,

vida familiar e social, educação

para o consumo, educação

financeira e fiscal, trabalho,

ciência e tecnologia e diversidade

cultural (Parecer CNE/CEB nº

11/2010 e Resolução CNE/CEB

nº 7/201023). Na BNCC, essas

temáticas são contempladas em

habilidades dos componentes

curriculares, cabendo aos

sistemas de ensino e escolas, de

acordo com suas especificidades,

tratá-las de forma

contextualizada.

Grade que determina conteúdos para

EDUCAÇÃO BÁSICA/CIÊNCIAS

29 Corpo humano

Respeito à diversidade

/Comparar características físicas

entre os colegas, reconhecendo a

diversidade e a importância da

valorização, do acolhimento e do

respeito às diferenças.

A EDUCAÇÃO INFANTIL NO

CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

BÁSICA

34/35 Nessa direção, e para

potencializar as aprendizagens e

o desenvolvimento das crianças,

a prática do diálogo e o

compartilhamento de

responsabilidades entre a

instituição de Educação Infantil e

a família são essenciais. Além

disso, a instituição precisa

conhecer e trabalhar com as

culturas plurais, dialogando com

a riqueza/diversidade cultural das

famílias e da comunidade.

OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS/

Espaços, tempos, quantidades, relações

e transformações

40/41 Demonstram também

curiosidade sobre o mundo físico

(seu próprio corpo, os fenômenos

atmosféricos, os animais, as

plantas, as transformações da

natureza, os diferentes tipos de

materiais e as possibilidades de

sua manipulação etc.) e o mundo

146

sociocultural (as relações de

parentesco e sociais entre as

pessoas que conhece; como

vivem e em que trabalham essas

pessoas; quais suas tradições e

seus costumes; a diversidade

entre elas etc.).

SÍNTESE DAS APRENDIZAGENS/

O eu, o outro e o nós

52 Atuar em grupo e demonstrar

interesse em construir novas

relações, respeitando a

diversidade e solidarizando-se

com os outros.

O ENSINO FUNDAMENTAL NO

CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

BÁSICA

59/60 Em todas as etapas de

escolarização, mas de modo

especial entre os estudantes dessa

fase do Ensino Fundamental,

esses fatores frequentemente

dificultam a convivência

cotidiana e a aprendizagem,

conduzindo ao desinteresse e à

alienação e, não raro, à

agressividade e ao fracasso

escolar. Atenta a culturas

distintas, não uniformes nem

contínuas dos estudantes dessa

etapa, é necessário que a escola

dialogue com a diversidade de

formação e vivências para

enfrentar com sucesso os

desafios de seus propósitos

educativos. A compreensão dos

estudantes como sujeitos com

histórias e saberes construídos

nas interações com outras

pessoas, tanto do entorno social

mais próximo quanto do universo

da cultura midiática e digital,

fortalece o potencial da escola

como espaço formador e

orientador para a cidadania

consciente, crítica e participativa.

O ENSINO FUNDAMENTAL NO

CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

BÁSICA

63 Desenvolver o senso estético

para reconhecer, fruir e respeitar

as diversas manifestações

artísticas e culturais, das locais às

mundiais, inclusive aquelas

pertencentes ao patrimônio

cultural da humanidade, bem

como participar de práticas

diversificadas, individuais e

147

coletivas, da produção artístico-

cultural, com respeito à

diversidade de saberes,

identidades e culturas.

O ENSINO FUNDAMENTAL NO

CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

BÁSICA

68 Da mesma maneira, imbricada à

questão dos multiletramentos,

essa proposta considera, como

uma de suas premissas, a

diversidade cultural. Sem aderir a

um raciocínio classificatório

reducionista, que desconsidera as

hibridizações, apropriações e

mesclas, é importante

contemplar o cânone, o marginal,

o culto, o popular, a cultura de

massa, a cultura das mídias, a

cultura digital, as culturas

infantis e juvenis, de forma a

garantir uma ampliação de

repertório e uma interação e trato

com o diferente.

68 Da mesma maneira, imbricada à

questão dos multiletramentos,

essa proposta considera, como

uma de suas premissas, a

diversidade cultural. Sem aderir a

um raciocínio classificatório

reducionista, que desconsidera as

hibridizações, apropriações e

mesclas, é importante

contemplar o cânone, o marginal,

o culto, o popular, a cultura de

massa, a cultura das mídias, a

cultura digital, as culturas

infantis e juvenis, de forma a

garantir uma ampliação de

repertório e uma interação e trato

com o diferente.

68 Ainda em relação à diversidade

cultural, cabe dizer que se estima

que mais de 250 línguas são

faladas no país – indígenas, de

imigração, de sinais, crioulas e

afro-brasileiras, além do

português e de suas variedades.

Esse patrimônio cultural e

linguístico é desconhecido por

grande parte da população

brasileira.

148

68 Assim, é relevante no espaço

escolar conhecer e valorizar as

realidades nacionais e

internacionais da diversidade

linguística e analisar diferentes

situações e atitudes humanas

implicadas nos usos linguísticos,

como o preconceito linguístico.

Por outro lado, existem muitas

línguas ameaçadas de extinção

no país e no mundo, o que nos

chama a atenção para a

correlação entre repertórios

culturais e linguísticos, pois o

desaparecimento de uma língua

impacta significativamente a

cultura.

A demanda cognitiva das atividades de

leitura deve aumentar

progressivamente desde os anos

iniciais do Ensino Fundamental até o

Ensino Médio. Esta complexidade se

expressa pela articulação:

73 Da diversidade dos gêneros

textuais escolhidos e das práticas

consideradas em cada campo;

73 Da consideração da diversidade

cultural, de maneira a abranger

produções e formas de expressão

diversas, a literatura infantil e

juvenil, o cânone, o culto, o

popular, a cultura de massa, a

cultura das mídias, as culturas

juvenis etc., de forma a garantir

ampliação de repertório, além de

interação e trato com o diferente.

73/74 Por conta dessa natureza

repertorial, é possível tratar de

gêneros do discurso sugeridos em

outros anos que não os indicados.

Embora preveja certa progressão,

a indicação no ano visa antes

garantir uma distribuição

adequada em termos de

diversidades. Assim, se fizer

mais sentido que um gênero

mencionado e/ou habilidades a

ele relacionadas no 9º ano sejam

trabalhados no 8º, isso não

configura um problema, desde

que ao final do nível a

149

diversidade indicada tenha sido

contemplada.

76 Aqui, também, a escrita de um

texto argumentativo no 7º ano,

em função da mobilização frente

ao tema ou de outras

circunstâncias, pode envolver

análise e uso de diferentes tipos

de argumentos e movimentos

argumentativos, que podem estar

previstos para o 9º ano. Da

mesma forma, o manuseio de

uma ferramenta ou a produção de

um tipo de vídeo proposto para

uma apresentação oral no 9º ano

pode se dar no 6º ou 7º anos, em

função de um interesse que possa

ter mobilizado os alunos para

tanto. Nesse sentido, o manuseio

de diferentes ferramentas – de

edição de texto, de vídeo, áudio

etc. – requerido pela situação e

proposto ao longo dos diferentes

anos pode se dar a qualquer

momento, mas é preciso garantir

a diversidade sugerida ao longo

dos anos.

CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO 94 Campo de atuação relativo à

participação em situações de

leitura, fruição e produção de

textos literários e artísticos,

representativos da diversidade

cultural e linguística, que

favoreçam experiências estéticas.

Alguns gêneros deste campo:

lendas, mitos, fábulas, contos,

crônicas, canção, poemas,

poemas visuais, cordéis,

quadrinhos, tirinhas, charge/

cartum, dentre outros.

CAMPO ARTÍSTICO

LITERÁRIO/DAS HABILIDADES

95 Reconhecer que os textos

literários fazem parte do mundo

do imaginário e apresentam uma

dimensão lúdica, de

encantamento, valorizando-os,

em sua diversidade cultural,

como patrimônio artístico da

humanidade.

150

CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO: 154 O que está em jogo neste campo

é possibilitar às crianças,

adolescentes e jovens dos Anos

Finais do Ensino Fundamental o

contato com as manifestações

artísticas e produções culturais

em geral, e com a arte literária em

especial, e oferecer as condições

para que eles possam

compreendê-las e frui-las de

maneira significativa e,

gradativamente, crítica. Trata-se,

assim, de ampliar e diversificar

as práticas relativas à leitura, à

compreensão, à fruição e ao

compartilhamento das

manifestações artístico-literárias,

representativas da diversidade

cultural, linguística e semiótica,

por meio:

...da experimentação da arte e da

literatura como expedientes que

permitem (re )conhecer

diferentes maneiras de ser,

pensar, (re)agir, sentir e, pelo

confronto com o que é diverso,

desenvolver uma atitude de

valorização e de respeito pela

diversidade;

HABILIDADES 155

Aqui também a diversidade deve

orientar a

organização/progressão

curricular: diferentes gêneros,

estilos, autores e autoras –

contemporâneos, de outras

épocas, regionais, nacionais,

portugueses, africanos e de

outros países – devem ser

contemplados; o cânone, a

literatura universal, a literatura

juvenil, a tradição oral, o

multissemiótico, a cultura digital

e as culturas juvenis, dentre

outras diversidades, devem ser

consideradas, ainda que deva

haver um privilégio do

letramento da letra.

A MÚSICA 155 A ampliação e a produção dos

conhecimentos musicais passam

pela percepção, experimentação,

151

reprodução, manipulação e

criação de materiais sonoros

diversos, dos mais próximos aos

mais distantes da cultura musical

dos alunos. Esse processo lhes

possibilita vivenciar a música

inter-relacionada à diversidade e

desenvolver saberes musicais

fundamentais para sua inserção e

participação crítica e ativa na

sociedade.

O TEATRO 195 Para tanto, é preciso reconhecer a

diversidade de saberes,

experiências e práticas artísticas

como modos legítimos de pensar,

de experienciar e de fruir a Arte,

o que coloca em evidência o

caráter social e político dessas

práticas.

TEATRO/AINDA SOBRE AS

HABILIDADES

201 Descobrir teatralidades na vida

cotidiana, identificando

elementos teatrais (variadas

entonações de voz, diferentes

fisicalidades, diversidade de

personagens e narrativas etc.).

EDUCAÇÃO FÍSICA 217 Em Ginásticas, a organização dos

objetos de conhecimento se dá

com base na diversidade dessas

práticas e nas suas

características. Em Esportes, a

abordagem recai sobre a sua

tipologia (modelo de

classificação), enquanto Práticas

corporais de aventura se estrutura

nas vertentes urbana e na

natureza.

HABILIDADES/EDUCAÇÃO

FÍSICA

235 Experimentar, fruir e recriar

danças de salão, valorizando a

diversidade cultural e

respeitando a tradição dessas

culturas.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE

LÍNGUA INGLESA PARA O

ENSINO FUNDAMENTAL

244 Elaborar repertórios linguístico-

discursivos da língua inglesa,

usados em diferentes países e por

grupos sociais distintos dentro de

um mesmo país, de modo a

reconhecer a diversidade

linguística como direito e

valorizar os usos heterogêneos,

híbridos e multimodais

152

emergentes nas sociedades

contemporâneas.

EIXO DIMENSÃO

INTERCULTURAL/6º

248 Reflexão sobre aspectos relativos

à interação entre culturas (dos

alunos e aquelas relacionadas a

demais falantes de língua

inglesa), de modo a favorecer o

convívio, o respeito, a superação

de conflitos e a valorização da

diversidade entre os povos.

EIXO DIMENSÃO

INTERCULTURAL/7º

252 Reflexão sobre aspectos relativos

à interação entre culturas (dos

alunos e aquelas relacionadas a

demais falantes de língua

inglesa), de modo a favorecer o

convívio, o respeito, a superação

de conflitos e a valorização da

diversidade entre os povos.

EIXO DIMENSÃO

INTERCULTURAL/8º

256 Reflexão sobre aspectos relativos

à interação entre culturas (dos

alunos e aquelas relacionadas a

demais falantes de língua

inglesa), de modo a favorecer o

convívio, o respeito, a superação

de conflitos e a valorização da

diversidade entre os povos.

Das habilidades 257 Construir repertório cultural por

meio do contato com

manifestações artístico-culturais

vinculadas à língua inglesa (artes

plásticas e visuais, literatura,

música, cinema, dança,

festividades, entre outros),

valorizando a diversidade entre

culturas.

EIXO DIMENSÃO

INTERCULTURAL/9º

260 Reflexão sobre aspectos relativos

à interação entre culturas (dos

alunos e aquelas relacionadas a

demais falantes de língua

inglesa), de modo a favorecer o

convívio, o respeito, a superação

de conflitos e a valorização da

diversidade entre os povos.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE

MATEMÁTICA PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL

265 Desenvolver e/ou discutir

projetos que abordem, sobretudo,

questões de urgência social, com

base em princípios éticos,

democráticos, sustentáveis e

solidários, valorizando a

153

diversidade de opiniões de

indivíduos e de grupos sociais,

sem preconceitos de qualquer

natureza.

A ÁREA DE CIÊNCIAS DA

NATUREZA

319 Em outras palavras, apreender

ciência não é a finalidade última

do letramento, mas, sim, o

desenvolvimento da capacidade

de atuação no e sobre o mundo,

importante ao exercício pleno da

cidadania. Nessa perspectiva, a

área de Ciências da Natureza, por

meio de um olhar articulado de

diversos campos do saber,

precisa assegurar aos alunos do

Ensino Fundamental o acesso à

diversidade de conhecimentos

científicos produzidos ao longo

da história, bem como a

aproximação gradativa aos

principais processos, práticas e

procedimentos da investigação

científica.

AINDA NA ÁREA DE CIÊNCIAS

DA NATUREZA

320 Ao contrário, pressupõe

organizar as situações de

aprendizagem partindo de

questões que sejam desafiadoras

e, reconhecendo a diversidade

cultural, estimulem o interesse e

a curiosidade científica dos

alunos e possibilitem definir

problemas, levantar, analisar e

representar resultados;

comunicar conclusões e propor

intervenções.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE

CIÊNCIAS DA NATUREZA PARA O

ENSINO FUNDAMENTAL

322 5. Construir argumentos com

base em dados, evidências e

informações confiáveis e

negociar e defender ideias e

pontos de vista que promovam a

consciência socioambiental e o

respeito a si próprio e ao outro,

acolhendo e valorizando a

diversidade de indivíduos e de

grupos sociais, sem preconceitos

de qualquer natureza.

6. Utilizar diferentes linguagens

e tecnologias digitais de

informação e comunicação para

154

se comunicar, acessar e

disseminar informações,

produzir conhecimentos e

resolver problemas das Ciências

da Natureza de forma crítica,

significativa, reflexiva e ética.

7. Conhecer, apreciar e cuidar de

si, do seu corpo e bem-estar,

compreendendo-se na

diversidade humana, fazendo-se

respeitar e respeitando o outro,

recorrendo aos conhecimentos

das Ciências da Natureza e às

suas tecnologias.

CIÊNCIAS 323 Ao estudar Ciências, as pessoas

aprendem a respeito de si

mesmas, da diversidade e dos

processos de evolução e

manutenção da vida, do mundo

material – com os seus recursos

naturais, suas transformações e

fontes de energia –, do nosso

planeta no Sistema Solar e no

Universo e da aplicação dos

conhecimentos científicos nas

várias esferas da vida humana.

Essas aprendizagens, entre

outras, possibilitam que os

alunos compreendam, expliquem

e intervenham no mundo em que

vivem.

AINDA CIÊNCIAS 324 A unidade temática Vida e

evolução propõe o estudo de

questões relacionadas aos seres

vivos (incluindo os seres

humanos), suas características e

necessidades, e a vida como

fenômeno natural e social, os

elementos essenciais à sua

manutenção e à compreensão dos

processos evolutivos que geram a

diversidade de formas de vida no

planeta. Estudam-se

características dos ecossistemas

destacando-se as interações dos

seres vivos com outros seres

vivos e com os fatores não vivos

do ambiente, com destaque para

as interações que os seres

155

humanos estabelecem entre si e

com os demais seres vivos e

elementos não vivos do

ambiente. Abordam-se, ainda, a

importância da preservação da

biodiversidade e como ela se

distribui nos principais

ecossistemas brasileiros.

AINDA CIÊNCIAS

325 Nos anos iniciais, pretende-se

que, em continuidade às

abordagens na Educação Infantil,

as crianças ampliem os seus

conhecimentos e apreço pelo seu

corpo, identifiquem os cuidados

necessários para a manutenção da

saúde e integridade do organismo

e desenvolvam atitudes de

respeito e acolhimento pelas

diferenças individuais, tanto no

que diz respeito à diversidade

étnico-cultural quanto em relação

à inclusão de alunos da educação

especial.

Continua CIÊNCIAS.... 327

De forma similar, a compreensão

do que seja sustentabilidade

pressupõe que os alunos, além de

entenderem a importância da

biodiversidade para a

manutenção dos ecossistemas e

do equilíbrio dinâmico

socioambiental, sejam capazes

de avaliar hábitos de consumo

que envolvam recursos naturais e

artificiais e identifiquem relações

dos processos atmosféricos,

geológicos, celestes e sociais

com as condições necessárias

para a manutenção da vida no

planeta.

CIÊNCIAS – 1º ANO/OBJETOS DO

CONHECIMENTO

330 Respeito à diversidade

DAS HABILIDADES 331

Comparar características físicas

entre os colegas, reconhecendo a

diversidade e a importância da

valorização, do acolhimento e do

respeito às diferenças.

CIÊNCIAS – 7º ANO/OBJETOS DO

CONHECIMENTO

344 Diversidade de ecossistemas

156

HABILIDADES 9º ano 349 Associar os gametas à

transmissão das características

hereditárias, estabelecendo

relações entre ancestrais e

descendentes.

Discutir as ideias de Mendel

sobre hereditariedade (fatores

hereditários, segregação,

gametas, fecundação),

considerando-as para resolver

problemas envolvendo a

transmissão de características

hereditárias em diferentes

organismos.

Comparar as ideias

evolucionistas de Lamarck e

Darwin apresentadas em textos

científicos e históricos,

identificando semelhanças e

diferenças entre essas ideias e sua

importância para explicar a

diversidade biológica.

Discutir a evolução e a

diversidade das espécies com

base na atuação da seleção

natural sobre as variantes de uma

mesma espécie, resultantes de

processo reprodutivo.

Justificar a importância das

unidades de conservação para a

preservação da biodiversidade e

do patrimônio nacional,

considerando os diferentes tipos

de unidades (parques, reservas e

florestas nacionais), as

populações humanas e as

atividades a eles relacionados.

Propor iniciativas individuais e

coletivas para a solução de

problemas ambientais da cidade

ou da comunidade, com base na

análise de ações de consumo

consciente e de sustentabilidade

bem-sucedidas.

A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS 351 e 352 A área de Ciências Humanas

contribui para que os alunos

desenvolvam a cognição in situ,

ou seja, sem prescindir da

contextualização marcada pelas

noções de tempo e espaço,

157

conceitos fundamentais da área.

Cognição e contexto são, assim,

categorias elaboradas

conjuntamente, em meio a

circunstâncias históricas

específicas, nas quais a

diversidade humana deve ganhar

especial destaque, com vistas ao

acolhimento da diferença. O

raciocínio espaço-temporal

baseia-se na ideia de que o ser

humano produz o espaço em que

vive, apropriando-se dele em

determinada circunstância

histórica. A capacidade de

identificação dessa circunstância

impõe-se como condição para

que o ser humano compreenda,

interprete e avalie os significados

das ações realizadas no passado

ou no presente, o que o torna

responsável tanto pelo saber

produzido quanto pelo controle

dos fenômenos naturais e

históricos dos quais é agente.

As Ciências Humanas devem,

assim, estimular uma formação

ética, elemento fundamental para

a formação das novas gerações,

auxiliando os alunos a construir

um sentido de responsabilidade

para valorizar: os direitos

humanos; o respeito ao ambiente

e à própria coletividade; o

fortalecimento de valores sociais,

tais como a solidariedade, a

participação e o protagonismo

voltados para o bem comum; e,

sobretudo, a preocupação com as

desigualdades sociais. Cabe,

ainda, às Ciências Humanas

cultivar a formação de alunos

intelectualmente autônomos,

com capacidade de articular

categorias de pensamento

histórico e geográfico em face de

seu próprio tempo, percebendo as

experiências humanas e

refletindo sobre elas, com base na

diversidade de pontos de vista.

158

Os conhecimentos específicos na

área de Ciências Humanas

exigem clareza na definição de

um conjunto de objetos de

conhecimento que favoreçam o

desenvolvimento de habilidades

e que aprimorem a capacidade de

os alunos pensarem diferentes

culturas e sociedades, em seus

tempos históricos, territórios e

paisagens (compreendendo

melhor o Brasil, sua diversidade

regional e territorial). E também

que os levem a refletir sobre sua

inserção singular e responsável

na história da sua família,

comunidade, nação e mundo.

A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS 354

Progressivamente, ao longo do

Ensino Fundamental – Anos

Finais, o ensino favorece uma

ampliação das perspectivas e,

portanto, de variáveis, tanto do

ponto de vista espacial quanto

temporal. Isso permite aos alunos

identificar, comparar e conhecer

o mundo, os espaços e as

paisagens com mais detalhes,

complexidade e espírito crítico,

criando condições adequadas

para o conhecimento de outros

lugares, sociedades e

temporalidades históricas. Nessa

fase, as noções de temporalidade,

espacialidade e diversidade são

abordadas em uma perspectiva

mais complexa, que deve levar

em conta a perspectiva dos

direitos humanos.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE

CIÊNCIAS HUMANAS PARA O

ENSINO FUNDAMENTAL

355 4. Interpretar e expressar

sentimentos, crenças e dúvidas

com relação a si mesmo, aos

outros e às diferentes culturas,

com base nos instrumentos de

investigação das Ciências

Humanas, promovendo o

acolhimento e a valorização da

diversidade de indivíduos e de

grupos sociais, seus saberes,

identidades, culturas e

potencialidades, sem

159

preconceitos de qualquer

natureza.

GEOGRAFIA- QUADRO 1 –

DESCRIÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO

RACIOCÍNIO GEOGRÁFICO

358 Ao utilizar corretamente os

conceitos geográficos,

mobilizando o pensamento

espacial e aplicando

procedimentos de pesquisa e

análise das informações

geográficas, os alunos podem

reconhecer: a desigualdade dos

usos dos recursos naturais pela

população mundial; o impacto da

distribuição territorial em

disputas geopolíticas; e a

desigualdade socioeconômica da

população mundial em diferentes

contextos urbanos e rurais. Desse

modo, a aprendizagem da

Geografia favorece o

reconhecimento da diversidade

étnico-racial e das diferenças dos

grupos sociais, com base em

princípios éticos (respeito à

diversidade e combate ao

preconceito e à violência de

qualquer natureza). Ela também

estimula a capacidade de

empregar o raciocínio geográfico

para pensar e resolver problemas

gerados na vida cotidiana,

condição fundamental para o

desenvolvimento das

competências gerais previstas na

BNCC.

GEOGRAFIA – 4º ANO/OBJETOS

DO CONHECIMENTO

374 Território e diversidade cultural

Processos migratórios no Brasil

Instâncias do poder público e

canais de participação social

HABILIDADES GEOGRAFIA 7º

ANO

385 Analisar a distribuição territorial

da população brasileira,

considerando a diversidade

étnico-cultural (indígena,

africana, europeia e asiática),

assim como aspectos de renda,

sexo e idade nas regiões

brasileiras.

GEOGRAFIA – 8º ANO/OBJETOS

DO CONHECIMENTO

386 Distribuição da população

mundial e deslocamentos

populacionais. Diversidade e

160

dinâmica da população mundial e

local

HABILIDADES-8º ANO 387 Relacionar fatos e situações

representativas da história das

famílias do Município em que se

localiza a escola, considerando a

diversidade e os fluxos

migratórios da população

mundial.

HISTÓRIA 398 Nesse contexto, um dos

importantes objetivos de História

no Ensino Fundamental é

estimular a autonomia de

pensamento e a capacidade de

reconhecer que os indivíduos

agem de acordo com a época e o

lugar nos quais vivem, de forma

a preservar ou transformar seus

hábitos e condutas. A percepção

de que existe uma grande

diversidade de sujeitos e histórias

estimula o pensamento crítico, a

autonomia e a formação para a

cidadania.

E CONTINUA... 399 Todas essas considerações de

ordem teórica devem considerar

a experiência dos alunos e

professores, tendo em vista a

realidade social e o universo da

comunidade escolar, bem como

seus referenciais históricos,

sociais e culturais. Ao promover

a diversidade de análises e

proposições, espera-se que os

alunos construam as próprias

interpretações, de forma

fundamentada e rigorosa.

Convém destacar as temáticas

voltadas para a diversidade

cultural e para as múltiplas

configurações identitárias,

destacando-se as abordagens

relacionadas à história dos povos

indígenas originários e africanos.

Ressalta-se, também, na

formação da sociedade brasileira,

a presença de diferentes povos e

culturas, suas contradições

sociais e culturais e suas

161

articulações com outros povos e

sociedades.

E CONTINUA... 401 Essa análise se amplia no 5º ano,

cuja ênfase está em pensar a

diversidade dos povos e culturas

e suas formas de organização. A

noção de cidadania, com direitos

e deveres, e o reconhecimento da

diversidade das sociedades

pressupõem uma educação que

estimule o convívio e o respeito

entre os povos.

HISTÓRIA – 1º ANO/OBJETO DE

CONHECIMENTO

404 A escola e a diversidade do grupo

social envolvido

HISTÓRIA – 5º ANO/OBJETO DE

CONHECIMENTO

412 O que forma um povo: do

nomadismo aos primeiros povos

sedentarizados. As formas de

organização social e política: a

noção de Estado (O papel das

religiões e da cultura para a

formação dos povos antigos

Cidadania, diversidade cultural e

respeito às diferenças sociais,

culturais e históricas.

HISTÓRIA HABILIDADES 7º ANO 421 Identificar a distribuição

territorial da população brasileira

em diferentes épocas,

considerando a diversidade

étnico-racial e étnico-cultural

(indígena, africana, europeia e

asiática).

HISTÓRIA HABILIDADES 8º ANO 424 Identificar, comparar e analisar a

diversidade política, social e

regional nas rebeliões e nos

movimentos contestatórios ao

poder centralizado.

HISTÓRIA HABILIDADES 9º ANO

427 Identificar as transformações

ocorridas no debate sobre as

questões da diversidade no Brasil

durante o século XX e

compreender o significado das

mudanças de abordagem em

relação ao tema.

A ÁREA DE ENSINO RELIGIOSO Ao longo da história da educação

brasileira, o Ensino Religioso

assumiu diferentes perspectivas

teórico-metodológicas,

geralmente de viés confessional

ou interconfessional. A partir da

162

década de 1980, as

transformações socioculturais

que provocaram mudanças

paradigmáticas no campo

educacional também impactaram

no Ensino Religioso. Em função

dos promulgados ideais de

democracia, inclusão social e

educação integral, vários setores

da sociedade civil passaram a

reivindicar a abordagem do

conhecimento religioso e o

reconhecimento da diversidade

religiosa no âmbito dos

currículos escolares. A

Constituição Federal de 1988

(artigo 210) e a LDB nº

9.394/1996 (artigo 33, alterado

pela Lei nº 9.475/1997)

estabeleceram os princípios e os

fundamentos que devem

alicerçar epistemologias e

pedagogias do Ensino Religioso,

cuja função educacional,

enquanto parte integrante da

formação básica do cidadão, é

assegurar o respeito à diversidade

cultural religiosa, sem

proselitismos. Mais tarde, a

Resolução CNE/CEB nº 04/2010

e a Resolução CNE/CEB nº

07/2010 reconheceram o Ensino

Religioso como uma das cinco

áreas de conhecimento do Ensino

Fundamental de 09 (nove)

anos51.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE

ENSINO RELIGIOSO PARA O

ENSINO FUNDAMENTAL

435 4.Conviver com a diversidade de

crenças, pensamentos,

convicções, modos de ser e viver.

HABILIDADES ENSINO

RELIGIOSO – 1º ANO

440 Valorizar a diversidade de

formas de vida.

HABILIDADES ENSINO

RELIGIOSO 6º ANO

451 Reconhecer e valorizar a

diversidade de textos religiosos

escritos (textos do Budismo,

Cristianismo, Espiritismo,

Hinduísmo, Islamismo,

Judaísmo, entre outros).

163

Tabela 2 – achados da pesquisa sobre solidariedade no documento oficial da BNCC/2017.

CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “O EU, O OUTRO E O NÓS” - Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

Demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos.

EDUCAÇÃO FÍSICA – 6º E 7º ANOS/ HABILIDADES

Problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das lutas e demais práticas corporais, propondo alternativas para superá-los, com base na solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito.

CIÊNCIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS FINAIS: UNIDADES TEMÁTICAS, OBJETOS DE CONHECIMENTO E HABILIDADES

Nos anos finais do Ensino Fundamental, a exploração das vivências, saberes, interesses e curiosidades dos alunos sobre o mundo natural e material continua sendo fundamental. Todavia, ao longo desse percurso, percebem-se uma ampliação progressiva da capacidade de abstração e da autonomia de ação e de pensamento, em especial nos últimos anos, e o aumento do interesse dos alunos pela vida social e pela busca de uma identidade própria. Essas características possibilitam a eles, em sua formação científica, explorar aspectos mais complexos das relações consigo mesmos, com os outros, com a natureza, com as tecnologias e com o ambiente; ter consciência dos valores éticos e políticos envolvidos nessas relações; e, cada vez mais, atuar socialmente com respeito, responsabilidade, solidariedade, cooperação e repúdio à discriminação.

A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS

As Ciências Humanas devem, assim, estimular uma formação ética elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir

164

um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais. Cabe, ainda, às Ciências Humanas cultivar a formação de alunos intelectualmente autônomos, com capacidade de articular categorias de pensamento histórico e geográfico em face de seu próprio tempo, percebendo as experiências humanas e refletindo sobre elas, com base na diversidade de pontos de vista.

COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE HISTÓRIA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as diferentes populações.

165

Tabela 3 – achados da pesquisa sobre equidade no documento oficial da BNCC/2017.

APRESENTAÇÃO A BNCC expressa o

compromisso do Estado

Brasileiro com a promoção de

uma educação integral voltada ao

acolhimento, reconhecimento e

desenvolvimento pleno de todos

os estudantes, com respeito às

diferenças e enfrentamento à

discriminação e ao preconceito.

Assim, para cada uma das redes

de ensino e das instituições

escolares, este será um

documento valioso tanto para

adequar ou construir seus

currículos como para reafirmar o

compromisso de todos com a

redução das desigualdades

educacionais no Brasil e a

promoção da equidade e da

qualidade das aprendizagens dos

estudantes brasileiros.

O pacto interfederativo e a

implementação da BNCC – Base

Nacional Comum Curricular:

igualdade, diversidade e equidade

Diante desse quadro, as decisões

curriculares e didático-

pedagógicas das Secretarias de

Educação, o planejamento do

trabalho anual das instituições

escolares e as rotinas e os eventos

do cotidiano escolar devem levar

em consideração a necessidade

de superação dessas

desigualdades. Para isso, os

sistemas e redes de ensino e as

instituições escolares devem se

planejar com um claro foco na

equidade, que pressupõe

reconhecer que as necessidades

dos estudantes são diferentes.

...continua De forma particular, um

planejamento com foco na

equidade também exige um claro

compromisso de reverter a

situação de exclusão histórica

que marginaliza grupos – como

os povos indígenas originários e

as populações das comunidades

166

remanescentes de quilombos e

demais afrodescendentes – e as

pessoas que não puderam estudar

ou completar sua escolaridade na

idade própria. Igualmente, requer

o compromisso com os alunos

com deficiência, reconhecendo a

necessidade de práticas

pedagógicas inclusivas e de

diferenciação curricular,

conforme estabelecido na Lei

Brasileira de Inclusão da Pessoa

com Deficiência (Lei nº

13.146/2015)14.

EDUCAÇÃO FÍSICA – 6º E 7º ANOS Problematizar preconceitos e

estereótipos relacionados ao

universo das lutas e demais

práticas corporais, propondo

alternativas para superá-los, com

base na solidariedade, na justiça,

na equidade e no respeito.