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5910187 – Biofísica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 7 1 A Base Termodinâmica da Pressão Osmótica Elementos de Termodinâmica As leis básicas da termodinâmica dizem respeito à conversão de energia de uma forma em outra e à transferência de energia de um corpo para outro. As origens dessas leis foram empíricas, baseadas em experimentos e observações sobre o comportamento térmico de sistemas mecânicos, elétricos e químicos nos Sécs. XVII e XIX, antes do desenvolvimento da teoria atômica da matéria. Portanto, a termodinâmica adota uma “descrição macroscópica” dos fenômenos, baseada em variáveis como “pressão”, “volume” e “temperatura” (uma das poucas exceções é o uso da variável “número de moles” para representar a quantidade de cada espécie química presente em uma substância). As variáveis macroscópicas usadas em termodinâmica para descrever o estado de um sistema podem ser classificadas em dois tipos: variáveis extensivas e variáveis intensivas. Variáveis intensivas não dependem do tamanho do sistema (e.g. temperatura, concentração, pressão, densidade); elas são ditas não-aditivas, porque quando dois sistemas idênticos são juntados formando um só os valores das variáveis intensivas não mudam. Variáveis

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5910187 – Biofísica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 7

1

A Base Termodinâmica da Pressão Osmótica

Elementos de Termodinâmica

As leis básicas da termodinâmica dizem respeito à conversão de

energia de uma forma em outra e à transferência de energia de um

corpo para outro. As origens dessas leis foram empíricas, baseadas

em experimentos e observações sobre o comportamento térmico de

sistemas mecânicos, elétricos e químicos nos Sécs. XVII e XIX,

antes do desenvolvimento da teoria atômica da matéria. Portanto, a

termodinâmica adota uma “descrição macroscópica” dos

fenômenos, baseada em variáveis como “pressão”, “volume” e

“temperatura” (uma das poucas exceções é o uso da variável

“número de moles” para representar a quantidade de cada espécie

química presente em uma substância).

As variáveis macroscópicas usadas em termodinâmica para

descrever o estado de um sistema podem ser classificadas em dois

tipos: variáveis extensivas e variáveis intensivas. Variáveis

intensivas não dependem do tamanho do sistema (e.g. temperatura,

concentração, pressão, densidade); elas são ditas não-aditivas,

porque quando dois sistemas idênticos são juntados formando um

só os valores das variáveis intensivas não mudam. Variáveis

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extensivas, por outro lado, dependem do tamanho do sistema (e.g.

massa, volume, entropia, número de moles); elas são ditas aditivas,

pois aumentam quando dois sistemas idênticos são combinados em

um só.

A termodinâmica assume que existem estados particulares de um

sistema, chamados de estados de equilíbrio, que podem ser

completamente caracterizados por um conjunto de variáveis de

estado (como P, V, T, n, etc).

Uma variável de estado depende apenas do estado de equilíbrio do

sistema e não da maneira como o estado foi atingido.

Matematicamente, se A for uma variável de estado, uma pequena

alteração em A é descrita por uma diferencial exata.

Uma função A = A(B, C, D) possui uma diferencial exata se a sua

diferencial, expressa na forma,

,NdDMdCLdBdA ++=

satisfizer às condições de Cauchy:

. ; ; ⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂=⎟

⎞⎜⎝

⎛∂

∂⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂=⎟

⎞⎜⎝

⎛∂

∂⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂=⎟

⎞⎜⎝

⎛∂

BN

DL

CN

DM

BM

CL

Caso contrário, a diferencial será chamada de inexata. Uma

variável cuja diferencial for inexata terá a sua variação entre dois

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5910187 – Biofísica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 7

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pontos dependendo não apenas dos estados do sistema nos dois

pontos, mas da maneira como o sistema é levado de um ponto ao

outro.

A primeira lei da termodinâmica expressa a lei da conservação da

energia, ou seja, que a energia não pode ser criada ou destruída.

Vamos definir uma variável de estado U, chamada de energia

interna do sistema, tal que, quando o sistema passa de um estado

inicial i para um estado final f, a variação dU obedece à lei,

,dWdQdU += (1)

onde dW é a quantidade de energia transferida para o sistema na

forma de trabalho e dQ é a quantidade de energia transferida para o

sistema na forma de calor. Esta equação estabelece que calor e

trabalho são apenas formas de se transferir energia para o sistema

(por isso eles têm unidades de energia).

Note que a quantidade de trabalho feita sobre um sistema para

levá-lo de um estado i para um estado f depende do tipo de

processo (mecânico, elétrico etc) usado. Portanto, dW não é uma

diferencial exata. O mesmo vale para dQ. Porém, a soma dW + dQ

é a diferença de energia entre os dois estados e não depende dos

processos usados para levar o sistema de um estado para o outro.

Portanto, dU é uma diferencial exata.

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O exemplo mais usado de trabalho feito sobre um sistema é o do

caso em que o sistema é um gás dentro de um cilindro com um

pistão móvel em uma das suas extremidades. Para o caso em que o

pistão é movimentado, alterando o volume do gás, de uma maneira

quase-estática, o trabalho feito sobre o gás é dado por

,PdVdWp −= (2)

onde P é a pressão e V é o volume. Note a convenção de sinais:

pela equação (2), o trabalho é positivo se ele aumenta a energia do

sistema. Isto ocorre quando se faz pressão sobre o sistema de

maneira que o seu volume diminui.

Há outros exemplos de trabalho (mecânico, eletromagnético ou

químico) que pode ser feito sobre um sistema. Nesses casos,

quantidades equivalentes a P (variável intensiva) e V (variável

extensiva) são usadas para se escrever uma expressão para dW.

Um caso importante de trabalho feito sobre um sistema ocorre

quando se adicionam partículas a ele. Quando o número de moles

ni de uma dada espécie química i é aumentado em dni, esperamos

intuitivamente que a energia interna do sistema aumente. O

número de moles é uma variável extensiva, como o volume.

Portanto, por similaridade com a expressão (2) podemos propor a

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seguinte expressão para o trabalho associado a uma variação no

número de moles da espécie i:

,iin dndWi

µ= (3)

onde a variável µi é denominada potencial químico da componente

i. Ainda em analogia com a expressão (2), podemos dizer que µi

deve ser uma variável intensiva.

No caso geral em que o sistema é composto por várias espécies

químicas (por exemplo, r), o trabalho associado às variações nos

números de moles de cada uma delas é escrito como:

∑=

=r

iiiQ dndW

1

.µ (4)

Este trabalho é chamado de trabalho químico.

Combinando as expressões para trabalho dadas por (2) e (4),

podemos reescrever dU como

∑=

+−=r

iiidnPdVdQdU

1

.µ (5)

Uma variável de estado de grande importância em termodinâmica

é a entropia, S. Ela é definida por

TdQ

dS rev= , (6)

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onde dQrev é a quantidade de calor fornecida ao sistema através de

um processo reversível a uma temperatura T. Como S é uma

função de estado, dS é uma diferencial exata (embora dQrev não

seja). A entropia é uma variável extensiva, isto é, aditiva.

A segunda lei da termodinâmica nos diz que a entropia S é uma

variável de estado de um sistema, função das suas variáveis

extensivas, com a seguinte propriedade: para cada estado de

equilíbrio do sistema existe um valor definido de S (pois ela é uma

variável de estado); em particular, existe um para o qual S é

máximo. Na ausência de restrições (como, por exemplo, paredes

adiabáticas) impostas ao sistema, o estado de equilíbrio

selecionado pelo sistema é o de máxima entropia.

Em termos da entropia, a equação (5) pode ser escrita como,

∑=

+−=r

iiidnPdVTdSdU

1.µ (7)

Considerando U como uma função U = U(S, V, n1, ..., nr), a

diferencial de U é:

.1 ,,,...,,,...,, 11

i

r

i nVSinnSnnV

dnnUdV

VUdS

SUdU

irjrr

∑=

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂+⎟

⎞⎜⎝

⎛∂

∂+⎟

⎞⎜⎝

⎛∂

∂= (8)

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Comparando (7) com (8), podemos escrever as seguintes

definições formais para a temperatura, a pressão e o potencial

químico da i-ésima componente da solução:

. ; ;,,,...,,,...,, 11 ijrr nVSi

innSnnV n

UVUP

SUT

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

−=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

= µ (9)

Ao invés de descrever o estado de um sistema tendo a energia

interna como variável dependente, U = U(S, V, n1, ..., nr), podemos

usar a entropia como variável dependente, S = S(U, V, n1, ..., nr).

Em um caso dizemos que estamos trabalhando na representação

de energia e, no outro caso, dizemos que estamos trabalhando na

representação de entropia. Na representação de entropia, temos,

em analogia com a equação (8):

.1 ,,,...,,,...,, 11

i

r

i nVUinnUnnV

dnnSdV

VSdU

USdS

irjrr

∑=

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

+⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

= (10)

A partir das relações (9) e da seguinte relação entre derivadas

parciais, ( ) 1−=∂∂⎟

⎠⎞⎜

⎝⎛

∂∂⎟

⎠⎞⎜

⎝⎛

∂∂

yxz xz

zy

yx ,

pode-se escrever:

. ; ;1

,,,...,,,...,, 11 ijrr nVSi

i

nnUnnV nS

TVS

TP

US

T≠

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

−=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

(11)

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Vamos usar a representação de entropia e as relações (11) para

analisar três situações de equilíbrio: térmico, mecânico e relativo

ao fluxo de matéria.

Equilíbrio Térmico

Consideremos um sistema composto fechado formado por dois

sistemas simples separados por uma parede rígida e impermeável

ao fluxo de matéria, mas que permite o fluxo de calor. Os volumes

e os números de moles de cada um dos dois sistemas simples estão

fixos, mas as energias U(1) e U(2) podem variar livremente, sujeitas

à restrição:

constante.)2()1( =+UU (12)

Assumindo que o sistema chegou ao equilíbrio, a segunda lei da

termodinâmica nos diz que esse estado de equilíbrio deve ser tal

que a entropia seja um máximo. Sendo assim, pela condição

matemática usual de extremo de uma função de várias variáveis,

no equilíbrio:

.0=dS (13)

Como a entropia é uma propriedade aditiva, temos que:

( ) ( ).,,,,,,,, )2()2(1

)2()2()2()1()1(1

)1()1()1(rr nnVUSnnVUSS …… += (14)

Como os volumes e os números de moles dentro deles não variam,

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.11 )2()2(

)1()1(

)2(

,,)2(

)2()1(

,,)1(

)1(

)2()2()1()1(

dUT

dUT

dUUSdU

USdS

rr nVnV

+=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

=……

A restrição (12) nos dá que,

,)1()2( dUdU −= (15)

que, substituída na expressão para dS, resulta em:

)1()2()1(

11 dUTT

dS ⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −= .

Finalmente, a condição de equilíbrio (13) implica que:

.ou ,11 )2()1()2()1( TT

TT== (16)

Isto é, a condição de equilíbrio para o sistema é que as

temperaturas nos dois subsistemas sejam iguais.

Equilíbrio Mecânico

Consideremos um sistema composto fechado consistindo de dois

sistemas simples separados por uma parede móvel e diatérmica

(que permite trocas de calor), mas que não permite fluxo de

matéria. Os valores dos números de moles são fixos e constantes,

mas os valores de U(1) e U(2) e de V(1) e V(2) podem variar sujeitos

às condições:

, constante )1()2()2()1( dUdUUU −=⇒=+ (17)

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. constante )1()2()2()1( dVdVVV −=⇒=+ (18)

No equilíbrio, devemos ter

,0=dS (19)

onde,

. )2(

,...,)2(

)2()2(

,...,)2(

)2(

)1(

,...,)1(

)1()1(

,...,)1(

)1(

)2()2()2()2(

)1()1()1()1(

dVVSdU

US

dVVSdU

USdS

rr

rr

nUnV

nUnV

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

=

Substituindo (17), (18), (19) e as relações (11) nesta equação:

.011 )1()2(

)2(

)1(

)1()1(

)2()1( =⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−+⎟

⎞⎜⎝

⎛ − dVTP

TPdU

TT (20)

Como esta expressão deve ser válida para valores arbitrários e

independentes de dU(1) e dV(1), devemos ter:

,ou ,11 )2()1()2()1( TT

TT== (21)

e

P(1)

T (1) =P(2)

T (2) , ou (usando (21)) P(1) = P(2). (22)

Portanto, o equilíbrio mecânico do sistema composto é atingido

quando as temperaturas e as pressões são as mesmas para os dois

sistemas simples.

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Equilíbrio com Relação ao Fluxo de Matéria

Consideremos agora a situação que mais nos interessa para o

estudo do transporte de matéria através de membranas semi-

permeáveis. Seja um sistema fechado composto por dois sistemas

simples conectados por uma parede rígida e diatérmica, permeável

apenas a uma das espécies químicas (por exemplo, ni) que

constituem o sistema. Para este caso, os números de moles das

outras espécies químicas são fixos e constantes, assim como os

volumes dos dois subsistemas, mas as respectivas energias e

números de moles da espécie i podem variar, sujeitas às restrições:

, constante )1()2()2()1( dUdUUU −=⇒=+ (23)

. constante )1()2(2)1(iiii dndnnn −=⇒=+ (24)

No equilíbrio, devemos ter

,0=dS (25)

de maneira que,

,011 )1()1(

)1(

)2(

)2()1(

)2()1( =⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−+⎟

⎞⎜⎝

⎛ −= iii dnTT

dUTT

dS µµ (26)

onde já usamos as condições (23), (24), (25) e as relações (11).

Portanto, as condições de equilíbrio para o fluxo de matéria são:

,ou ,11 )2()1()2()1( TT

TT== (27)

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12

e

µi(1)

T (1) =µi

(2)

T (2) , ou (usando (27)) µi(1) = µi

(2). (28)

Portanto, assim como a temperatura pode ser vista como uma

espécie de “potencial” para o fluxo de calor e a pressão pode ser

vista como uma espécie de “potencial” para mudanças de volume,

o potencial químico pode ser visto como uma espécie de

“potencial” para o fluxo de matéria. Uma diferença no potencial

químico entre os dois sistemas fornece uma “força generalizada”

para o fluxo de matéria.

Para determinar a direção do fluxo de matéria, vamos fazer o

seguinte raciocínio. Vamos supor que os dois sistemas simples

estão à mesma temperatura T, mas que exista uma pequena

diferença entre os seus potenciais químicos da espécie i (µ(1)i > µ(2)

i

ou vice-versa).

Quando o sistema é deixado livre para evoluir nas mesmas

condições estudadas acima, começa a haver um fluxo da

componente i através da membrana semipermeável até que o

equilíbrio seja atingido. Como o equilíbrio corresponde a um

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máximo da entropia, a variação em S, do estado inicial até o estado

final é positiva. Logo, de (26):

.0)1()1()2(

>−

= iii dn

TdS µµ

(29)

Se µ(1)i > µ(2)

i, a desigualdade acima só é satisfeita se dn(1)i < 0.

Portanto, a matéria tende a fluir de regiões de maior potencial

químico para regiões de menor potencial químico.

O potencial químico fornece a “força generalizada” não apenas

para o fluxo de matéria de um ponto a outro, mas também para as

suas mudanças de fase e para reações químicas. Portanto, o

potencial químico desempenha um papel dominante na química

teórica.

Em termodinâmica, tem-se mostrado útil o uso de outras variáveis

de estado além da energia interna e da entropia. As mais usadas

são:

Entalpia: PVUH += (30)

Energia livre de Helmholtz: TSUF −= (31)

Energia livre de Gibbs: TSHG −= (32)

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Para cálculos envolvendo o potencial químico, a energia livre de

Gibbs é particularmente útil. Substituindo a expressão para H em

sua definição,

.TSPVUG −+=

Tomando a diferencial de G:

.SdTTdSVdPPdVdUdG −−++=

Substituindo a equação (7) para dU:

∑=

⇒−−+++−=r

iii SdTTdSVdPPdVdnPdVTdSdG

1

µ

.1∑=

+−=⇒r

iii dnSdTVdPdG µ (33)

Portanto, o potencial químico da i-ésima componente de uma

solução contendo r componentes pode ser definido como:

.,, ijnTPi

i nG

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂=µ (34)

No estudo de um sistema qualquer (líquidos, gases etc), é preciso

obter uma expressão para G em termos de parâmetros

termodinâmicos para, usando (34), encontrar uma expressão para o

potencial químico.

A determinação da função de Gibbs para sistemas genéricos está

além dos objetivos deste curso. Vamos apenas mostrar alguns

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resultados que saem da teoria das soluções diluídas e que têm

relevância para o estudo da pressão osmótica.

Seja um sistema fluido formado por n1 moles de um único

componente 1 (água, por exemplo) para o qual o potencial químico

é µ10 (o superíndice 0 indica que o componente 1 está sozinho).

Então, vamos supor que seja adicionado a 1 um segundo

componente 2 (o soluto) em uma quantidade muito pequena

formada por n2 moles onde

12 nn << . (35)

A condição acima é a que caracteriza a solução como diluída.

Pode-se mostrar (isto não será feito aqui) que a energia livre de

Gibbs para uma solução diluída como essa pode ser escrita como

,ln

ln),(),(),,,(

21

22

21

112

01121

nnnRTn

nnnRTnTPnTPnnnPTG

+

++

++≅ ψµ

(36)

onde ψ é uma função qualquer de P e T. Como estamos na

aproximação de solução diluída (condição (35)), podemos expandir

o logaritmo do terceiro termo na expressão acima até primeira

ordem em n2/n1,

1

2

1

221

1

1

1lnlnnn

nnnn

n−≈

+=

+ ,

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e desprezar n2 em relação a n1 no logaritmo do quarto termo,

,lnln1

2

21

2

nn

nnn

≈+

obtendo,

.ln),(),(),,,(1

2222

01121 n

nRTnRTnTPnTPnnnPTG +−+≅ ψµ (37)

Portanto, usando a equação (34) para calcular os potenciais

químicos do solvente e do soluto obtemos:

,),(),,( 20121 RTxTPxTP −= µµ (38)

e

,ln),(),,( 222 xRTTPxTP +=ψµ (39)

onde se usou a definição da fração molar do soluto,

.1

2

21

22 n

nnn

nx ≈+

=

Vamos fazer uma análise do que estes resultados nos dizem.

A equação (38) nos dá o potencial químico do solvente (água).

Vemos que ele é igual ao potencial químico que o solvente teria se

fosse puro (µ10) menos um termo x2RT. Isto quer dizer que o

potencial químico do solvente quando há soluto misturado nele é

menor do que quando o solvente está sozinho. Como já vimos que

o movimento de matéria se dá no sentido de uma região de maior

potencial químico para uma de menor potencial químico, isto

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explica o fenômeno da passagem da água do recipiente em que ela

está num estado puro para um recipiente em que existe soluto

diluído nela.

Outro aspecto importante sobre a equação (38) é o de que a

redução no potencial químico do solvente depende apenas da

fração molar do soluto (multiplicada por duas constantes

fundamentais). Isto é usado em físico-química experimental para a

determinação do número de partículas (e também da natureza) do

soluto em solução (a partir de medidas do desvio do potencial

químico do solvente em relação ao caso puro).

Vamos considerar uma situação experimental como a do

osmômetro de Pfeffer em que um balão com uma membrana

permeável a água e com um tubo vertical é cheio com uma solução

contendo água e um soluto (como açúcar, por exemplo) e é imerso

em um recipiente contendo água pura. Vamos assumir que a

pressão hidráulica no recipiente contendo água pura é mantida

constante e igual a P0, enquanto que a pressão hidráulica no balão

pode ser alterada devido à altura da solução no tubo. Como há uma

diferença de potencial químico da água entre o recipiente em que

ela está em estado puro o interior do balão, água irá fluir através da

membrana semipermeável para dentro do balão até que se atinja

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um equilíbrio em que a pressão hidráulica da coluna de solução no

tubo se iguale à pressão osmótica. No equilíbrio, os potenciais

químicos da água dos dois lados devem ser iguais,

),,,()0,,( 2101 xTPTP µµ = (40)

onde P é a pressão hidráulica exercida pela coluna de solução no

tubo. Usando a equação (38):

RTxTPTP 2010

01 ),(),( −= µµ . (41)

Expandindo µ10(P,T) em torno de P0,

( )..),(

),(),( 00

01

001

01 PP

PTP

TPTP −∂

∂+=

µµµ (42)

Vamos lembrar agora das condições de Cauchy para uma

diferencial exata. Como G é uma variável de estado, dG tem que

ser uma diferencial exata. Portanto, olhando para a expressão para

dG dada em (33), a seguinte condição de Cauchy tem que ser

satisfeita:

in

i

Pi PnV

⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂ µ

. (43)

Fazendo i = 1 nesta equação e escrevendo o volume da solução

como V = n1v, onde v é o volume ocupado por um mol de solvente,

temos que

,vP

in

i =⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂∂µ

que substituído em (42) nos dá,

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( ).),(),( 0001

01 PPvTPTP −+= µµ (44)

Comparando esta equação com (41), temos que

( ) ,20 RTxPPv =−

ou,

( ) ,20 RTCRT

VnPP Σ==− (45)

que é a lei de van’t Hoff para a pressão osmótica em soluções

diluídas.

Portanto, a lei de van’t Hoff (para soluções diluídas) pode ser

deduzida a partir das leis da termodinâmica. Porém, como acontece

com todas as deduções baseadas na termodinâmica, apenas as

relações macroscópicas corretas foram obtidas. Os mecanismos

microscópicos responsáveis pela pressão osmótica não são

revelados pela análise termodinâmica.