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Maria Carolina Rissoni Andery A BUSCA PELA INDIVIDUAÇÃO ATRAVÉS DA RELIGIÃO: QUANDO O INDIVÍDUO ESTÁ PRIVADO DE SUA LIBERDADE Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica – São Paulo 2008

A BUSCA PELA INDIVIDUAÇÃO ATRAVÉS DA RELIGIÃO: … Carolina... · para conquistar meu objetivo. Aos amigos, sempre presentes, pelo apoio e incentivo, principalmente a Andrea,

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Maria Carolina Rissoni Andery

A BUSCA PELA INDIVIDUAÇÃO ATRAVÉS DA RELIGIÃO: QUANDO O INDIVÍDUO ESTÁ PRIVADO DE

SUA LIBERDADE

Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica – São Paulo

2008

Maria Carolina Rissoni Andery

A BUSCA PELA INDIVIDUAÇÃO ATRAVÉS DA RELIGIÃO: QUANDO O INDIVÍDUO ESTÁ PRIVADO DE

SUA LIBERDADE

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial da graduação no curso de Psicologia, sob orientação do Prof. Dr. Sergio Ozella.

Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica – São Paulo

2008

Aos meus pais, meu irmão e ao sempre

presente, mesmo ausente, vô Antônio (in

memorian).

Agradecimentos

Aos meus pais, pelo financiamento. A eles, meu irmão e familiares pelo carinho,

incentivo, paciência e confiança que depositaram em mim nesses anos de trabalho e luta

para conquistar meu objetivo.

Aos amigos, sempre presentes, pelo apoio e incentivo, principalmente a Andrea,

pela convivência harmoniosa, confiança e cooperação para que eu conseguisse atingir este

objetivo.

À professora Graziela Acquaviva Pavez que me incentivou a continuar o projeto

feito em 2005, no qual foi orientadora.

Ao prof. Dr. Sergio Ozella que aceitou orientar meu trabalho, mesmo não sendo da

sua área. Por ter me ajudado com discussões, conversas e ter acreditado em meu projeto.

À profa. Noely Moraes que aceitou ser co-orientadora, ajudando-me nas questões

relacionadas à teoria e dispendendo seu tempo para discutir alguns assuntos comigo.

À profa Eloísa Penna pelas discussões, co-orientação e por se dispor a ler meu

trabalho.

No silêncio do si mesmo encontra-se o

que não tem representação, o que está para

além de qualquer suposta identidade.

(Gilberto Safra)

7.07.00.00-1

Ma Carolina Rissoni Andery: A Busca pela Individuação Através da Religião: Quando o

Indivíduo está Privado de Sua Liberdade, 2008.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Ozella

Palavras-chave: Presidiário, Religião, Processo de Individuação.

Resumo

Vive-se hoje uma mudança nas relações dentro da sociedade, as pessoas estão mais individualistas e têm buscado um local que lhes dê conforto e possam encontrar pessoas com questões comuns. Tem sido perceptível o aumento na busca pela religião, crescimento da violência e a descrença nas instituições que deveriam dar segurança; provocando crises nos indivíduos e em algumas instituições que deveriam oferecer segurança, respaldo, além de ajuda ao indivíduo. Por esse motivo, o objetivo da pesquisa é investigar como se dá o processo de individuação para o indivíduo religioso que está no presídio cumprindo pena privativa de liberdade, ou seja, como essa pessoa, que está num local onde as regras são outras e sua vida mudou completamente, consegue se enxergar. Para isso foram feitas entrevistas com um presidiário que cumpre pena no Presídio Militar “Romão Gomes”. Estas foram feitas em duas visitas, com foco nas transformações ocorridas com o indivíduo desde que entrou no presídio, buscando compreender a influência da religião em sua vida e como todas as mudanças ocorridas foram vistas e passadas. Através da análise das mesmas foi possível identificar que a religião ajuda nesse momento por ser um espaço que recebe o indivíduo, o faz pertencer a um grupo e ao mesmo tempo leva o indivíduo a “pensar”. O processo de individuação acontece através do divino, pois a atitude religiosa tem em si a relação interno-externo e Deus, como força externa, atua como quem dita regras e é a energia que dá força ao indivíduo.

Sumário

Introdução ............................................................................................................................. 1

Método .................................................................................................................................. 5

1. Sistema Prisional e Religião ............................................................................................. 8

1.1 Sistema Prisional ............................................................................................................ 8

1.2 Sistema Prisional e Religião .......................................................................................... 11

1.3 Presídio Militar “Romão Gomes” ................................................................................. 15

2. Estado, Sociedade e Sistema Prisional / Penal ................................................................ 16

3. Psicologia Analítica ........................................................................................................ 24

3.1 Psicologia Analítica e Religião ..................................................................................... 31

4. Análise: Como se dá o Processo de Individuação Dentro do Presídio?........................... 37

4.1 Relações entre Presídio e Religião ................................................................................ 37

4.2 Análise do relato de um interno .................................................................................... 41

5. Considerações Finais ....................................................................................................... 49

Referências Bibliográficas .................................................................................................. 52

Anexos ................................................................................................................................. 55

Introdução

“O lugar de origem de uma fé verdadeira não é a consciência e sim a experiência religiosa espontânea que estabelece um elo direto entre o sentimento de fé e sua relação com Deus” (JUNG, [s.d.])1

O individualismo presente na sociedade de hoje é muito grande, principalmente nas

grandes cidades, onde as relações estão cada vez mais frias. Nas palavras de Bezerra (1995)

vive-se a ‘solidão das massas’, o ‘stress urbano’, o consumismo, e este conjunto torna o

contato humano cada vez mais difícil e distanciado. A mesma autora ainda comenta que no

nosso mundo globalizado, onde o indivíduo é reduzido apenas a uma “unidade econômica”,

produto do trabalho e do consumo, a busca da individuação2 começa a surgir como único

valor que ainda faz sentido. Em meio a esse processo, tem aumentado a procura por uma

religião, o desejo de pertencer a um grupo que possa diminuir as angústias e de alguma

forma oferecer respostas,

Muitas pessoas hoje buscam uma religião como forma de reencontrar-se. Essa busca em geral se dá nos momentos em que ele já não encontra mais respostas às suas questões existenciais. Surge o desespero, angústia e todos os recursos encontram-se esgotados, então o homem reza e suplica sem saber a quem. A religião se propõe através dos símbolos utilizados pelo homem, a ser portadora de um mundo que faça sentido, tornando desta forma o fiel mais forte. (BEZERRA, 1995: 25-26)

Considerando que a sociedade vive um momento de crise, a religião vem acenando

às pessoas a possibilidade de pertencerem a um mundo que propõe um sentido para suas

questões existenciais. Em outras palavras, a busca pela religião tem crescido devido ao

desejo das pessoas de pertencerem a um grupo já que nossa sociedade vive um momento de

crise. (BEZERRA, 1995; ANDERY, 2005)

1 In ANSPACH, Sílvia. C.G. Jung Rituais, Dogmas e Identidade Humana e Religiosa, p 62 2 Ou seja, a busca por si – mesmo, tornar-se único. Quando o indivíduo passa pela individuação ele entra em contato com o mundo externo e interno, “deixando” de lado as características que não são dele, que são de sua família / cultura e passa a ser mais dono de si. Ampliando sua consciência através da integração dos conteúdos psíquicos. (JUNG, 1987a)

Discorrendo um pouco sobre a crise atual, pode-se dar destaque para o problema da

criminalidade no Brasil. A impunidade é muito grande. Segundo o NEVUSP3 (Núcleo de

Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) de 1980 a 2006 houve 568

linchamentos; 8422 casos de execução sumária; e 5371 casos de violência policial no

Estado de São Paulo. A violência está cada vez maior, as pessoas mais descrentes em

relação à polícia, ao governo, enfim, não se sentem protegidas pelos órgãos que deveriam

dar segurança, prevalece a descrença e a sensação de impunidade.

Nessa linha de raciocínio em 2005, desenvolvi um estudo que tinha como hipótese

verificar se a religião era utilizada pelos presidiários (estes, ex-militares) como válvula de

escape. Observou-se que estes indivíduos apegavam-se a ela (religião) pelo seu simbolismo

e para conseguir continuar convivendo com a privação de liberdade, distanciamento da

família e cumprimento da pena. (ANDERY, 2005)

As religiões, muito antes de qualquer prática psicológica, procuram através de suas visões de mundo, de homem, ritos e sacramentos dar respostas e significados às necessidades existenciais humanas, baseadas nas normas estabelecidas e que devem ser seguidas por aqueles que têm fé e almejam as dádivas “prometidas”. Pode ser vista como um conjunto de pensamentos e ações em torno do divino, tendo por finalidade tornar o Ser Divino propício e favorável ao indivíduo ou comunidade. (BEZERRA, 1995: 8 - 22)

Hoje em dia há um grande número de Religiões que procuram ampliar o número de

devotos e movimentos, como por exemplo: Cristãos, Espíritas, Adventistas, Evangélicos,

entre outros. Falando particularmente sobre a religião Evangélica têm-se várias

ramificações, e dentro de cada movimento existem diversas Igrejas correspondentes. Dentre

as religiões optei, em 2005 abordar presidiários devotos da Igreja Universal do Reino de

Deus (IURD), Igreja que pertence ao Neopentecostalismo Autônomo. No presente o estudo

tinha a mesma intenção, mas devido a saída da IURD desse presídio, fiz minha investigação

com um presidiário evangélico.

As Igrejas Neopentecostais surgiram do movimento pentecostal, de Igrejas

Evangélicas, onde a Palavra de Deus, é levada ao indivíduo através do Evangelho. Tais

Igrejas têm a fé como mecanismo solucionador da crise existencial do ser humano, que

procura pertencer a um grupo, mesmo que a sociedade e as próprias Igrejas o enxerguem

3 In http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=742&Itemid=81

através do individualismo. Esse movimento especializou-se em propor soluções para

pessoas que vivem em sociedades como o Brasil, assimétricas, dizendo respeito a

problemas de ordem material e espiritual. As igrejas neopentecostais têm em seu ideário e

culto características da contemporaneidade: o uso dos meios de comunicação de massa,

valorização do corpo como lugar em que as forças físicas e espirituais se encontram; o

exercício da cura obtida pelo poder do Espírito Santo; e a demonização do erro, do

sofrimento, e do ‘outro’. (MACHADO, 2000; SILVA, 1998)

Verifica-se hoje, na nossa sociedade, uma grande valorização da mercadoria. As

relações estão progressivamente frágeis e as pessoas sentem cada vez mais medo e vêem-se

desamparadas. Projetam suas expectativas, vontades e medos nos outros e nas instituições,

principalmente nas governamentais, pois são estas instituições que deveriam dar suporte e

segurança às pessoas; demonstrando que os indivíduos passam por muitas mudanças, crises

e falta de assistência. No caso dos presidiários o problema parece ainda maior. Na maioria

das vezes, o presidiário (homem) é o provedor da família e alguém que finge estar bem

onde está para não preocupar seus entes ainda mais, pois, estes, quando vão visitá-lo estão

preocupados com sua situação e em deixá-lo o menos preocupado possível com os

problemas da família. (ANDERY, 2005)

Levando em consideração a questão dos indivíduos que cometeram crimes e são

presos não se pode deixar de considerar o fato de o sistema prisional ser um sistema falho,

ou seja, não propõe mudanças para o indivíduo e não cumpre com seus deveres – não dá o

respaldo suficiente para que o indivíduo se ressocialize. (TORRES, 2001) Ele (Sistema

Prisional) é regulamentado pela Lei de Execução Penal – Nº 7.210 de 11/07/1984 (LEP),

que se fosse cumprida conseguiria reeducar e ressocializar pelo menos uma parcela da

população carcerária e transparecer seu nível de eficiência e competência.

Mas, como verificado através de dados, as prisões brasileiras não conseguem atingir a ressocialização, mostrando que a LEP não é cumprida e aplicada de forma eficaz, pois são desrespeitados os direitos dos presidiários através da superlotação dos presídios; formação dos grupos organizados, criando poder transversal – facções - aceito pelos diretores dos presídios; falta de atendimento médico; violência contra os presidiários cometida pelos agentes que lá trabalham; e morosidade do judiciário em conceder direitos ou a pena que será cumprida. (ANDERY, 2005:25)

A população do estudo de Andery (2005) envolveu presidiários que foram policiais

militares (PM), portanto, é possível que eles se sentissem poderosos ou até onipotentes,

pois tinham a incumbência de prender, matar, decidir pela vida de um terceiro. Com a falta

de preparo e infra-estrutura vista hoje (baixo salário, falta de cursos de reciclagem e

supervisão durante o dia de trabalho), esse poder tornou-se conflituoso fazendo com que,

em muitos momentos, o indivíduo não separe mais sua individualidade como PM de sua

individualidade como cidadão e provedor de família. Quando o policial é detido acontece

uma mudança em sua identificação, pois passa de militar para um presidiário, alguém que

precisa conviver com a ausência de sua família e do poder, a privação de liberdade e os

problemas do sistema prisional, razões pelas quais, provavelmente o indivíduo busca a

religião, um grupo para sentir-se amparado. Então, o presidiário passa a ser um ex-policial,

presidiário e religioso, ou seja, parece ter três individualidades diferentes, (ANDERY,

2005)

A assistência religiosa no presídio é forte, existem muitas Igrejas trabalhando dentro

dele, que procuram dar respaldo e conforto para os indivíduos. No caso dos freqüentadores

das Igrejas Evangélicas, estas buscam fazer um trabalho para “tirar o demônio do corpo”,

pois o erro foi do outro (demônio) e não do indivíduo. Nesse caso é dito que foi o demônio

quem o cometeu e não o José / Paulo/ João, por exemplo, o que de alguma forma os alivia

bastante, pois tira o peso da culpa.

Segundo Ferraz (1994) citado por Bezerra (1995: 9), para a Psicologia Analítica,

uma atitude religiosa está ligada à experiência do si-mesmo, sendo a psique a totalidade das

forças psíquicas instintivas e espirituais do ser. Neste sentido, o caminho da individuação

estará voltado para a “Imago Dei”, uma força suprapessoal diante da qual o ego deve

reconhecer sua posição subordinada estando preparado para servir à totalidade e aos seus

fins. Entenda-se o processo de individuação como o contato com o si-mesmo, acontecendo

de forma diferente para cada indivíduo. Com ele ocorre a integração dos conteúdos

psíquicos e, conseqüentemente, a ampliação da consciência (BEZERRA, 1995; JUNG,

1987a).

O presente estudo tem por objetivo investigar como se dá o processo de

individuação para o indivíduo religioso que está no presídio cumprindo pena privativa de

liberdade. Ou seja, como a pessoa que teve sua liberdade privada consegue enxergar a si

própria, tendo passado por uma completa mudança de vida e sendo obrigada a ficar em um

lugar repleto de novas regras, sendo esta, religiosa ou não antes de sua entrada no presídio,

mas que tenha se tornado ou continuado a freqüentar cultos de Igrejas Evangélicas. Como

entende a mudança que aconteceu e se vê como pessoa, como alguém que infringiu a lei,

não é mais policial e ao mesmo tempo continua sendo o pai, marido, irmão, filho de

determinada família. Segundo Bezerra (1995), o homem é o único ser que se pergunta a

respeito de sua identidade, “seu modo de ser no mundo” e sente necessidade de elaborar

suas angústias, o que o faz sair à procura de formas alternativas que o auxiliem a resgatar

sua identidade.

Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto – religião, sistema

prisional e violência e foi estruturado um capítulo de fundamentação teórica de acordo com

conceitos da Psicologia Analítica que permitirão a discussão dos resultados obtidos.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que tem como base teórica a Psicologia

Analítica, já que “é a partir do homem que Jung se propõe a entender e explicar Deus e os

dogmas religiosos. Desta forma seu estudo se dá sobre a imagem inconsciente e a

arquetípica que o homem tem de Deus – si mesmo”.(BEZERRA, 1995:16) e a “experiência

imediata, o numinoso, a revelação, para Jung, acontecem ao homem e o afetam, resistindo

a um controle meramente volitivo, interpretativo, racional e egóico”.(ANSPACH, 2005:57)

Contendo entrevistas semi-dirigidas, com pesquisador participativo – há interação e

participação ativa e não intervenção no ambiente (em anexo as entrevistas). Elas estão

estruturadas de forma a permitir a identificação do processo de individuação, que foi

percebido através dos símbolos apresentados pelo indivíduo. Posteriormente será realizada

a discussão dos resultados procurando fazer uma articulação dos primeiros capítulos com as

informações obtidas através da tradução (delimitação do contexto) e associação.

Para execução das entrevistas houve contato com o Presídio Militar Romão Gomes,

local onde foi feita a pesquisa anterior, buscando a possibilidade de fazer o presente estudo

como extensão do trabalho realizado em 2005. Nesse contato foi detalhado o objetivo da

pesquisa,; comentado sobre as entrevistas anteriores (como foram realizadas); falado sobre

a necessidade de mais de um encontro para que os objetivos da pesquisa fossem alcançados

e apresentado um termo de consentimento livre e esclarecido.

O “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, e a pesquisa em geral, levaram

em consideração as questões éticas e estão de acordo com as normas previstas pelo

Conselho Nacional de Saúde (Resolução 196/96), garantindo sigilo profissional pelo

comprometimento de não divulgar a identidade dos participantes, bem como a utilização

dos registros obtidos apenas no âmbito acadêmico4.

A Psicologia Analítica trabalha com conceitos como: inconsciente coletivo,

inconsciente pessoal, arquétipo, complexo, símbolo, entre outros. Tais conceitos dizem

respeito ao modo de o indivíduo se portar e estabelecer suas relações com o mundo e o

outro. Estão relacionados também à história da cultura, como, por exemplo, os arquétipos

que dizem respeito a padrões de comportamentos comuns à humanidade e se expressam de

formas diferentes na cultura. Os símbolos são a conexão do consciente com o inconsciente

e o fenômeno psíquico possível de ser analisado, ou seja, dizem respeito a algo vivido ou

chamativo para o indivíduo, pois lhe causa emoção. Eles “podem ser interpretados a partir

de um contexto psicológico histórico, cultural ou generalizado5”.

Por meio desta abordagem foram discutidas e analisadas as entrevistas feitas com

presidiários que cumprem pena no Presídio Militar Romão Gomes e que, no interior do

mesmo, freqüentam cultos de Igrejas Evangélicas. Para escolha do sujeito houve uma

4 O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com protocolo sob no 070/2008 5 In http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/simbolo.htm acessado em 24/03/2008

conversa com o Coronel do presídio, onde foi esclarecido que para cumprir o objetivo da

pesquisa seria necessário entrevistar presidiários religiosos que freqüentassem cultos

evangélicos. Primeiramente foram escolhidos três sujeitos, estes foram indicados pelo

Coronel, houve uma entrevista com os três na qual houve a participação de um sargento na

sala. As entrevistas podiam acontecer durante uma hora e meia e foram feitas perguntas

mais diretivas, não tão profundas. Após essa entrevista foi escolhido um dos três

entrevistados que havia iniciado freqüência às Igrejas Evangélicas dentro do presídio e

falou mais sobre as mudanças que ocorreram em sua vida. Por meio das entrevistas,

buscou-se identificar a forma como se dá o processo de individuação dos presidiários

devido às mudanças que sofrem dentro do presídio. Ou seja, como o indivíduo se vê dentro

daquele contexto, se conseguiu se singularizar, construir novas formas de ser dentro do

ambiente restritivo de liberdade.

A análise das entrevistas foi feita com base na Psicologia Analítica, como dito

acima, e teve como critério a transcrição, leitura e separação de algumas categorias, como:

busca pela religião; relação Deus - Demônio; transformações ocorridas; relação Deus – pai;

relação com a família; e escolha da profissão, ligada a poder. A partir dessas categorias

foram encontrados símbolos na fala do sujeito, levando em conta, principalmente os

momentos em que ele demonstrou emoção.

A Autora entende que o estudo trata de um tema instigante e com escassez de

informações, pesquisas ou publicações, pois aborda, concomitantemente, dois assuntos

muito discutidos nos tempos atuais: o sistema prisional e a falta de confiança na polícia,

órgão governamental. Por esse motivo espera que a discussão dos resultados obtidos

venham de alguma forma, ampliar seu conhecimento e trazer contribuição para essas

discussões contemporâneas.

1. Sistema Prisional e Religião

1.1 Sistema Prisional

“As prisões estão dentro das cidades e ninguém as vê” (Michel Foucault, [s.n.t.] apud ANDERY, 2005)

No Brasil até o século XIX, a repressão penal não distinguia os crimes de ordem

moral, religiosa, política ou econômica. Após a chegada da Família Real no Brasil em 1808

é que surgiu a gênese moderna das prisões e com a Constituição Imperial de 1824

organizou-se um código criminal que determinava a pena privativa de liberdade e a

existência de prisões sob condições de higiene e funcionamento. (TORRES, 2005) “O uso

da prisão enquanto sanção penal e autônoma aparece a partir do desenvolvimento da

sociedade organizada sob os modelos do capitalismo”. (SOUZA, 2004:1)

Segundo Torres (2005), a prisão recolhe intencionalmente o indivíduo a um sistema

social fechado de poder, com cultura, regime e conflitos internos próprios que não se

reduzem aos muros, grades, celas e trancas. “Estabelece o cunho terapêutico e correcional,

institucionalizando as relações e os comportamentos de funcionários, técnicos e massa

carcerária, falaciosamente acreditando que levará o indivíduo, supostamente adaptado

pela prisão, a viver livremente” (p. 36) Concebida pelos reformadores progressistas do

século XIX como local de meditação e arrependimento interior, como instituição total, não

cumpre suas funções regeneradoras dos homens que são encaminhados para lá pelo

Judiciário. Segundo Zaluar (1994), a prisão é, de fato, o lugar onde se completam os

circuitos da revolta por ser pobre, do aprendizado do crime e da aquisição de vícios pelo

ócio, na visão dos criminosos de Cidade Deus – tenham, estes, passado pela instituição ou

não. E a passagem por ela causa silêncio, o que acontece em seu interior não é muito

comentado pelos que lá estiveram, embora mencionem “horrores”; é como se a lei da prisão

(não ter olhos, ouvidos, boca) continuasse a impor proibições além dos muros. (p. 85 -86)

O sistema prisional brasileiro é regulamentado pela LEP (Lei de Execução Penal N

7210 de 11/07/1984). A referida lei regula os direitos e os deveres do presidiário, o que

demonstra que, se cumprida integralmente, ressocializaria e reeducaria o presidiário. Mas

este sistema apresenta grandes problemas em seu funcionamento, como: superlotação (“a

superlotação foi constante nos cárceres brasileiros desde o século XIX e no século XX, a

prisão crescerá se alimentando do contingente de excluídos sociais” (TORRES, 2001:58))

e desrespeito aos direitos humanos, demonstrando, então, que a ressocialização dificilmente

irá acontecer. (ANDERY, 2005) Segundo Marchezi & Menandro (2004), as prisões

brasileiras funcionam como mecanismo de oficialização da exclusão que já paira sobre os

detentos, o descrédito e rejeição como um atestado de exclusão com firma reconhecida.

Contudo, não podemos falar sobre esse assunto sem pensar na conjuntura social,

política e cultural na qual estamos inseridos, “pois a realidade carcerária brasileira é o

retrato fiel da questão social numa sociedade desigual e de excluídos sociais” (TORRES,

2001:78) O indivíduo sofre muitas violências em seu dia-a-dia, principalmente aqueles que

estão na margem de exclusão.

O empobrecimento dos mecanismos tradicionais de socialização, o enfraquecimento de algumas instituições, e a desresponsabilização do Estado para com os seus deveres de garantir os direitos de cidadania desencadeou uma crise de valores que fez surgir uma ideologia individualista onde o sujeito passa a ter como ideal uma liberdade exacerbada. Hoje, a sociedade “pede” que seus membros sejam consumidores através dos meios de comunicação de massa. Quem não pode participar desse consumismo acaba ficando excluído e, alguns partem para a vida de crimes em busca de dinheiro ou poder para conseguir ter tudo aquilo que almejam, ou seja, o não consumismo leva à exclusão da sociedade. (ANDERY, 2005:21)

Entretanto, essa realidade em que nos encontramos, na qual o individualismo está

muito presente e o consumismo exacerbado, faz com que as pessoas percam seu valor. Não

diz respeito somente à diferença de classe, rico e pobre, mas, também, ao que Bauman

chama de sociedade líquido – moderna.

‘Líquido – moderna’ é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir e onde o lixo é o principal e, comprovadamente, mais abundante produto da sociedade líquido-moderna de consumo (BAUMAN, 2007:6 – 17, grifo nosso)

Segundo o autor, na atualidade, os indivíduos se preocupam muito com o consumo e

em estar sempre “na moda”, os laços são frágeis, vive-se em constante incerteza e as coisas

são jogadas no lixo rapidamente, pois perdem seu valor de uso para que sejam substituídas

por outras melhores ou citadas como melhores. As realizações individuais não se tornam

permanentes porque as mudanças são bruscas, as capacidades se tornam incapacidades

rapidamente. “Entre as artes da vida líquido – moderna e as habilidades necessárias para

praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade em adquiri-las” (BAUMAN, 2007: 8)

O resultado disso tudo está estampado através dos meios de comunicação e nas ruas

através do medo, da intolerância e da grande violência. Esquece-se das pessoas e das

relações como se esquecem das coisas. As pessoas que estão em privação de liberdade são

um grande exemplo. Muitas delas não recebem visita o que faz com que precisem

comercializar ou pedir à Assistente Social ajuda para conseguir as coisas para sua

necessidade básica, gerando o crescimento do comércio também dentro dos presídios, que

não se resume aos produtos de necessidade básica.

O Estado de São Paulo é o mais problemático, a situação carcerária é a mais

desordenada, proporcionando diversas rebeliões que são mostradas pelos meios de

comunicação com um certo sensacionalismo, o que causa revolta e preocupação na

população. Mas, também fica evidente um outro lado, que é a precariedade do sistema.

Marchezi & Menandro (2004) dizem que o trajeto de exclusão que os presidiários

brasileiros sofrem são expressos através das rebeliões: desejo de ser gente e angústia por se

sentirem inferiores, sem valor, procurando por um reconhecimento social. (ANDERY,

2005)

Existe uma “desassistência” em relação a população carcerária que é o sinal da

“ausência de uma política pública séria voltada para este segmento da população em

situação de reclusão e portadora de necessidades sociais muito específicas” (TORRES,

2005:17) Fato comemorado pela sociedade - que concorda e autoriza o Estado a punir quem

comete crime - , destacando que a situação das prisões é problema político, pois a falta de

verba não é pior que a desorganização e desumanização encontradas.

O desafio da cidadania está, ininterruptamente, posto, para a academia e a rua, a teoria e a práxis, o conhecimento e a ação, dialeticamente. Há muito o que construir nesta direção, desde que se rompa com o senso comum dominante, e este é o desafio democrático que

hoje se impõe, sobretudo, aos que têm o poder da criminalização stricto sensu; pois têm, igualmente, o poder de reencontrar o território da cidadania. (ANDRADE, 2003:30)

Combinando as condições das prisões com as condições sociais no Brasil, verifica-

se que para o detento não há prognóstico, há apenas diagnóstico - bandido - segundo

Marchezi & Menandro (2004), pois as prisões devolvem para sociedade o indivíduo

destruído por ter passado por exclusão social, desigualdade e pobreza com grande

intensificação em relação a tudo que passava fora, já que aconteciam em um local que não

mostrava saída. (ANDERY, 2005)

Segundo a mesma autora, por esses e outros motivos, como, por exemplo, agüentar

o período de privação de liberdade, a religião é um instrumento bastante utilizado por essas

pessoas. Muitas delas quando saem do presídio são devotas, estão seguindo uma religião.

Sendo as evangélicas, pentecostais, as mais presentes, cujos cultos são mais procurados

pelos devotos para ouvir a “palavra de Deus”, sem que se preocupem com o nome da

Igreja. Segundo Machado (2000), praticamente todo sistema religioso tem uma narrativa

mítica que procura explicar o surgimento da mulher, do homem, da natureza. Com isso dá

para perceber que a religiosidade está intrinsecamente relacionada com o imaginário de

cada grupo social, já que a obsessão do homem para circunscrever o bem e o mal varia de

cultura para cultura.

1.2 Sistema Prisional e Religião

Existe relação entre o sistema prisional e a religião, pois a assistência religiosa é

prevista pela LEP, assim como as assistências: psicológica, médica, jurídica, social e

educacional.

Como previsto no artigo 24 da citada Lei:

Art. 24. A assistência religiosa, como liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1o No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos § 2o Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.

Esta é uma assistência muito importante para os presidiários, principalmente porque

como verificado em estudo realizado anteriormente, a religião é usada como válvula de

escape, um meio para que os mesmos continuem convivendo com a privação de liberdade e

outras mudanças decorrentes do encarceramento. (ANDERY, 2005)

A religião é importante para a sociedade moderna, onde o distanciamento dos

indivíduos e a perda do espírito coletivo são mais freqüentes, levando a solidariedade à

morte. Ou seja, é uma necessidade social que utiliza Deus como garantia para algum

imprevisto.

O Brasil é um país onde a mistura de crenças e rituais é bastante freqüente. “O

sincretismo configura um quadro de fronteiras indefinidas, em que possuir uma crença não

exclui a aceitação de outra”. (MACHADO, 2000:50) Muitos fiéis freqüentam a Igreja

Católica, mas vão algumas vezes a cultos evangélicos ou espíritas, buscando uma resposta

ou um conforto maior, para então decidirem qual religião vão seguir, pelo menos por um

certo período.

Existem muitas Igrejas fazendo trabalho nos presídios, sejam elas católicas,

evangélicas, espíritas, entre outras. Fazem um trabalho com os presidiários onde de certa

forma promovem saúde, levando a Palavra de Deus, a escuta e em alguns casos ajuda

material. Assim, além de conseguirem cada vez mais adeptos, ajudam os mesmos a

continuarem convivendo com a privação de liberdade e conversam sobre o crime, sobre o

porquê estão ali, dentre outras atividades que cabe a cada Igreja, por seu funcionamento e

forma de ver o trabalho. Demonstrando que, como diz Durkheim [s.d.], “não existem

religiões falsas. À sua maneira, todas são verdadeiras, todas respondem, mesmo que de

diferentes formas, a condições dadas da existência humana”. (p 206)

Segundo a psicóloga Karina Prates da Fonseca6, o trabalho religioso acaba sendo

muito rico para os presidiários, pois além de mostrar uma outra saída para os mesmos, “a

partir do momento em que o preso ‘encontra Deus’ toda a vida passada dele é apagada e a

responsabilidade por seus atos, destruída. Acontece a construção de um ‘novo homem’”.

A assistência social não pode ocorrer como deveria por falta de recursos, e a

psicológica nem sempre é encontrada dentro do presídio. Tal fato deixa o presidiário sem

respaldo e convivendo com mais uma carência. Então, a religião traz a relação com o

transcendente através de seu simbolismo e em alguns casos a ajuda material que o sujeito

precisa, o que demonstra a diferença promovida pelo trabalho religioso, que compensa a

falha da necessidade assistencial que os presidiários deveriam receber.

Por ser a religião importante atualmente e um dos temas do trabalho, foram

escolhidas como foco as Igrejas Evangélicas, hoje conhecidas como pentecostais. Por

serem estas Igrejas as mais fortes dentro do presídio, e existir uma Associação Religiosa de

Policiais Militares, onde não existe uma Igreja “comandando”, mas o Evangelho, a Palavra

de Deus é levada por um conjunto de Igrejas Evangélicas, considerando, especialmente,

que, segundo Durkheim [s.d.], é preciso saber atingir a realidade e a verdadeira significação

que o símbolo figura, já que todas as religiões são comparáveis, espécies do mesmo gênero

e têm elementos que lhes são comuns.

Nos últimos 20 anos estão emergindo novas religiões, caracterizadas por novas

formas da prática religiosa que trazem consigo novas configurações de Deus e resquícios

de religiões tradicionais. Contudo, a palavra Igreja continua sendo usada para “designar

uma manifestação organizacional de um conjunto de crenças, doutrinas e práticas que

ligam pessoas através de rituais coletivos, aos quais se atribuem uma eficácia de origem

sagrada” (CAMPOS, 1997:14), além de propiciar a interação coletiva entre o grupo

religioso e a sociedade que o contém.

6 In www.jornalvaleparaibano.com.br/preso/series28.html

Podemos identificar esse “excesso de ofertas de produtos religiosos” como uma

comprovação de que estamos vivendo num momento onde convivem muitos tipos de

credos que não permitem o abandono da secularização da religião, ou seja, apesar de

existirem muitos credos, não podemos abandonar a passagem das crenças que estavam sob

o domínio religioso, a despeito de termos abandonado a tendência à universalização desse

processo. (CAMPOS, 1997) Além disso, podemos, também, identificar que as diferentes

religiões oferecem experiências diferenciadas em relação à superação de sentimentos como

abandono, desemprego, autodepreciação, entre outros, e fortalecem a dignidade pessoal.

As Igrejas Pentecostais participam do processo de “reencantamento” do mundo.

Esse movimento pentecostal propõe dar soluções rápidas aos problemas das pessoas, de

ordem material e espiritual, e tem a fé como elemento indispensável para seu sucesso e

podendo ser identificado, também, como Pentecostalismo Autônomo (Neopentecostalis-

mo). (CAMPOS, 1997; ANDERY, 2005)

Enfim, segundo Campos (1997), as mudanças dos papéis sociais das organizações

religiosas, a exacerbação da competição entre agências produtoras de sentido, a

possibilidade de escolherem estilos religiosos a partir dos resultados observados

constituem-se como apropriação subjetiva e individualizante do sagrado. (34)

No caso típico do cristianismo ocidental, católico ou protestante, essas representações de Deus, ora muito próximas, ora distantes umas das outras, construíram um universo de sentido muito sólido, mas que começa a ser outra vez abalado por novas configurações. Tanto de um lado como de outro, o Deus cristão de nossa cultura tem oscilado entre Deus-milagre e Deus-razão, correndo as variações na esteira das circunstâncias sociais e culturais. Assim, temos tido o Deus do altar e o Deus da consciência, o Deus do indivíduo e o Deus morto e Deus vivo, Deus próximo e Deus distante. Como se configura Deus na efervescência religiosa de nosso tempo? (CAMPOS, 1997: 9)

1.3 Presídio Militar “Romão Gomes”7

O Presídio da Polícia Militar “Romão Gomes” – PMRG foi inaugurado em 21 de

abril de 1949 e foi oficializado pelo Decreto no 28.653 em 1957, como Unidade

Administrativa Autônoma.

Foi criado com o nome Presídio Militar “Romão Gomes” no tempo da Força

Pública do Estado de São Paulo. Quando houve a junção da mesma com a Guarda Civil,

que resultou na Polícia Militar. Em 1975, com a edição do Decreto no 7290 seu nome foi

mudado para Presídio da Polícia Militar “Romão Gomes”. Recebeu esse nome como

homenagem ao Coronel Dr. Romão Gomes, o primeiro militar juiz do Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo.

Nesse presídio os internos seguem normas como as de um quartel, de forma que

acabam sendo resguardadas práticas anteriores, e nesse ponto não saem muito da rotina, já

que antes de serem presidiários tinham o cargo de Policiais Militares. Segundo a Assistente

Social, o presídio tem um regulamento próprio, não segue a LEP. (ANDERY, 2005)

Existe um diferencial deste com os outros presídios, pois os internos têm assistência

social, psicológica e religiosa, todos trabalham em empresas que ficam dentro do presídio e

ainda existem civis voluntários que aplicam acupuntura e reiki nos internos. (ANDERY,

2005)

O presídio é dividido em dois prédios: o da administração e o da subseção, neles os

presidiários são divididos por estágios. O ambiente parece tranqüilo, todos se

cumprimentam pelo nome ou seguindo a hierarquia que existe dentro da polícia militar –

isso acontece mesmo entre internos, apesar de não serem mais militares. É um lugar regido

pela norma militar, com limites e uma certa liberdade para os presidiários, sendo diferente

em alguns aspectos, do que se ouve dos outros presídios. E como muitos outros, recebe as

mais diferentes Igrejas para darem assistência a seus internos. (ANDERY, 2005)

7 In http://www.polmil.sp.gov.br/unidades/pmrg/ acessado em 05/05/2008

2. Estado, Sociedade e Sistema Prisional/ Penal

“Emancipação ou barbárie, eis o desafio” (RORHER, 2001)

Vive-se sob a égide de um Estado Neoliberal, ou seja, um Estado Mínimo quando se

refere aos elementos pertencentes à sociedade e um Estado Máximo para o capital, o que

faz com que exista, hoje, uma crise estrutural da sociedade. Dentro dessa perspectiva,

Demo (1995) discute quatro paradigmas8 de Estado, quando fala sobre a qualificação do

mesmo, apresentando alguns conceitos de uma nação: legítima, democrática e de serviço

público. Em relação aos itens citados, pretende-se discorrer sobre o Estado Capitalista

Máximo por ser, segundo Demo (1995: 20), o paradigma que representa a ideologia atual

dominante, que tem como carro-chefe a privatização crescente de empresas públicas e a

diminuição da área de abrangência da atuação do Estado. Faz parte dessa tendência a

definição do Estado como promotor de políticas sociais compensatórias, para assistir aos

que não conseguem se inserir adequadamente no mercado.

Esse modo de funcionamento do Estado tem como regra básica as relações de

mercado, que, do ponto de vista econômico, impõem-se como fim de tudo. “É da lógica do

mercado a tendência monopolista e concentradora, por privilegiar os que têm sobre os que

não têm, e todas as estratégias políticas que facilitam manter ou alargar as vantagens

disponíveis e desejáveis” (DEMO, 1995: 6-7). Segundo o mesmo autor, tal modo de

funcionar do Estado é o que faz com que os indivíduos se vejam perdidos, pois a

mercadoria tem valor maior, o ter é mais importante que o ser. A prioridade concedida ao

sistema financeiro faz com que cresça a ignorância9 entre as pessoas – levando em conta

que a educação também foi privatizada e cada vez menos pessoas têm acesso a ela – e o

sistema seja mantido, pois a partir do momento em que se evita que o trabalhador se

8 Esses quatro paradigmas dizem respeito ao sistema capitalista e ao socialista. Para Demo (1995) teríamos no sistema socialista o Estado Socialista Mínimo, pretendido por Marx, e o Estado Socialista Máximo, imposto por Lênin desde a revolução russa de 1917. No sistema capitalista o Estado Capitalista Mínimo, modelo norte-americano, onde a economia de mercado é o regulador central da sociedade e do Estado e o Estado Capitalista Máximo representado pelo Welfare state. (p 9-10) 9 Quando falamos sobre aumento da ignorância na sociedade, estamos falando da falta de recursos existentes, onde não é de interesse do Estado que as pessoas tenham clareza das relações e do modo de funcionamento do mesmo.

conscientize, revolte-se e interfira nas relações de mercado, elas acontecem como “leis

naturais”.

Por conseqüência, esse modo de funcionamento influencia a constituição da

sociedade que hoje está organizada de uma forma em que as mudanças são bruscas, as

coisas acontecem rapidamente, e as pessoas não têm tempo de significar tudo o que

acontece em seu dia-a-dia, precisando estar sempre prontas para o novo, para se

transformarem em indivíduos diferentes, visto que, na modernidade, sentem-se ameaçadas

pelos mais variados riscos, tais como tecnológicos, econômicos, sanitários, entre outros.

“Afinal, a ‘identidade’ (tal como costumavam ser a reencarnação e a ressurreição dos

velhos tempos) se refere à possibilidade de ‘renascer’, de deixar de ser o que é para se

transformar em alguém que não é”. (BAUMAN, 2007:15-16) Ao mesmo tempo em que o

indivíduo faz parte da sociedade, convivendo em situações igualitárias com outros

indivíduos, ele precisa ser diferente, para ocupar um lugar próprio na estrutura social,

havendo necessidade de se destacar de alguma forma, a fim de conquistar seus objetivos.

“O perigo não é mais o fato do ambiente, mas os riscos atribuídos às conseqüências das

decisões” (MARTUCCELLI, 1999: 160), pois, conforme citado acima, o indivíduo precisa

ser diferente, mas ao mesmo tempo sua singularidade é muito parecida com os demais, já

que o novo é sempre validado e os símbolos passam a ser os mesmos para todos, de modo

que não haja muita diferença entre as pessoas, por mais que busquem, intensamente,

constituírem-se em indivíduos únicos.

Tem-se, hoje, um modelo consumista, “o indivíduo vive num mundo no qual sua

segurança, individual e social, é fortemente garantida por relações sociais altamente

abstratas e impessoais”. (MARTUCCELLI, 1999: 165) Em correspondência com as

questões acima indicadas, referentes à regulamentação do Estado, estão imbricadas as

relações ocorridas no contexto social, onde o indivíduo não tem muito valor, a

singularidade acaba marcada pela diferença entre o novo e o velho, o fluído – leve e o

pesado. As instituições antes estabelecidas, hoje estão desaparecendo, perdendo seu grande

valor. Ulrich Beck10 denomina essas instituições como “instituições zumbis”, afirmando

que as mesmas “estão mortas e ainda vivas”.

Segundo Andery (2005), essa crise estrutural do Estado – impunidade, aumento da

violência, descrença institucional, entre outros - no Brasil, faz com que os cidadãos vivam

na barbárie e tem como conseqüência um aumento da violência que perpassa por todos os

setores, não deixando a Polícia imune a essa contaminação e, conseqüentemente, obrigando

os indivíduos a viverem com o mínimo possível, sem padrões de referência.

Temos uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e o peso da trama dos padrões e a responsabilidade pelo fracasso caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos (...) os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “auto-evidentes”; eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. (BAUMAN, 2001:14)

Levando em conta que a violência varia histórica e culturalmente, pois está

relacionada com as normas e tratos vigentes em cada sociedade, é possível perceber como

os princípios têm sido desconsiderados na atualidade, o limite tem sido ultrapassado (não é

mais respeitado o espaço de cada indivíduo, por exemplo) e com isso a perturbação em

relação aos outros tem aumentado, mostrando o desrespeito às regras e ao outro. A questão

da legalidade e legitimidade é fundamental quando discutida a violência, pois se a questão

da legitimidade não for contida satisfatoriamente, “se aqueles que cometeram violência,

não sofrem sanções, a população tende a perder a confiança nas instituições”.

(FERREIRA, 2002:40) Seguindo esse raciocínio, encontra-se a definição de violência de

Yves Michaud:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indiretamente, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD, 2001: 10-11)

A partir do exposto por Michaud (2001), e considerando que o estudo ora elaborado

também trata a questão da polícia, é possível pensar que com o aumento da violência e as

peculiaridades encontradas no trabalho dos policiais, estes vivem numa linha muito tênue,

10 Apud BAUMAN, 2007: 13.

pois convivem com a violência na maior parte do tempo em que estão desempenhando suas

funções.

A Polícia é um órgão que oferece proteção e pode coagir indivíduos que

ultrapassem os limites da lei. Trabalha com a relação proteção/ segurança x punição, uma

herança da ditadura militar, e é necessária para a sociedade atual. (ANDERY, 2005)

Segundo Dias Neto (2000), citado por Rorher (2001:17), a “Instituição policial é um órgão

do Estado que tem autoridade (grande) para intervir na privacidade, na autonomia e na

integridade física e psíquica dos cidadãos”. Por ter esse grande poder em suas mãos, é que

muitas vezes os indivíduos se encontram numa situação difícil, onde se vêem com grande

poder ao mesmo tempo em que são cidadãos comuns (ressalte-se que têm família,

necessidades básicas, também sentem angústia, amor, dificuldades financeiras, etc), o que

muitas vezes é esquecido pelas pessoas quando olham para a polícia, pois olham para o

órgão do Estado, somente, e não para o órgão do Estado e para a pessoa que o representa,

que não deixa de ser um indivíduo, embora vestido do fardamento policial. “A questão da

violência policial é importante pelo fato de o Estado não ter mecanismos de conter o uso

desnecessário de violência pelos seus próprios agentes”.(FERREIRA, 2002: 58)

Como diz Rorher (2001) vivemos numa situação conflitiva entre o impacto sobre a

segurança e a qualidade de vida, e entre confiança ou não na justiça. Na pesquisa realizada

por Zaluar (1994) citada por Ferreira (2002: 41), existem dados que mostram uma

ambigüidade em relação a confiar ou não na polícia e os mesmos sugerem que “o nível de

confiança nas ações do Estado interfere no tipo de repressão esperada e que quanto mais

grave a situação dos órgãos de questão da segurança é percebida, mais medidas

repressivas são propostas”.

Segundo Andery (2005), os policiais militares (PMs) não recebem o devido

respaldo, não fazem cursos de capacitação e educação continuada; o que é aprendido na

academia de Polícia será usado sempre em seu trabalho. Na minoria dos dias recebem

supervisão ao final da jornada de trabalho, o que faz com que tenham uma sobrecarga de

decisões e responsabilidades. Passam a ser os únicos representantes do Estado na área em

que atuam e precisam dar conta de todos os problemas que aparecem, não interessando qual

cena foi presenciada, se foi um homicídio ou uma pequena batida de carro onde só é

necessário fazer o Boletim de Ocorrência (B.O.). Pinheiro (1998), citado por Ferreira

(2002), fez um diagnóstico da polícia destacando questões de racionalização dos gastos de

segurança e de adaptação das instituições policiais às regras de uma sociedade democrática,

onde devem vigorar os direitos dos cidadãos e o controle da violência. Nesse diagnóstico,

destacou pontos como:

Descompasso entre o dever de assegurar os direitos democráticos e a segurança, dizendo que a polícia continua atuando como guarda - fronteiras entre as classes; diferenciação regional; ineficiência da organização em controlar o arbítrio e melhorar o desempenho de seus membros; autonomia excessiva e a falta de controle das policias pelos governos estaduais; incentivo ao uso de armas das corporações e de armas particulares por policiais fora de serviço; má divisão dos recursos para pagamento de pessoal na polícia, incentivando os ‘bicos’ e aumentando a vulnerabilidade dos policiais à violência; precariedade da investigação criminal; e anacronismo de uma policia ostensiva militarizada pelo fato de não haver maiores ameaças violentas aos governos estaduais. (PINHEIRO, 1998 apud FERREIRA, 2002: 58-59)

Por esses e outros motivos os PMs estão se organizando em associações que visam

parcialmente atendê-los em situações de acidente de trabalho, separações conjugais,

tentativas de suicídio e associações religiosas. Ou seja, associações que atuem sobre o

impacto da violência ou outros aspectos na vida pessoal dos policiais11.

A Associação PMs de Cristo, que será apresentada na presente pesquisa por ser

religiosa, tem como missão apoiar psicologicamente os policiais, fazendo um trabalho de

ronda para valorizar a vida do policial, atendendo-o no próprio lugar de trabalho, no

hospital e no presídio Romão Gomes. Existe, dentro da associação, um aconselhamento

pastoral, um serviço de plantão que ajuda o policial e sua família. Esse trabalho é

desempenhado por um pastor com experiência nessa atividade específica, pois, para dar o

aconselhamento, precisa passar por um treinamento e ter um bom “currículo”. A diferença

entre a associação e uma igreja é que, a primeira, conhece melhor tudo aquilo pelo que o

policial passa e vai ao encontro deste, fazendo com que aceite com maior facilidade seu

auxílio, pois individualiza o ser humano e começa sua ação levando Deus e a palavra, não a

11 In ANDERY (2005) e discussões feitas no Núcleo de Violência e Justiça da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica – SP em 2005, quando o enfoque era a Policia Militar.

igreja. Por esse motivo sua ação não diz respeito a uma Igreja, leva o nome da mesma, mas

relaciona-se a muitas Igrejas Evangélicas12.

Segundo o Ex-Tenente Zeza (da Associação dos PMS de Cristo), o Policial Militar,

por estar em contato com a violência o tempo todo, não percebe que essa o ultrapassou, ou

seja, que está agindo com violência em seu cotidiano. Fica em “guarda”, como se estivesse

trabalhando, o que pode desestruturar sua família e a si próprio. Não tem momentos de paz,

tranqüilidade e distanciamento, necessários para repor as energias. “Segurança pública não

depende só do policial, mas a sociedade quando fala em segurança olha para o policial,

não pensa em infrações que as pessoas fazem que causem insegurança. É preciso que a

sociedade veja que ela também contribui para segurança. Se a sociedade rejeita o policial,

muitas vezes ele leva consigo essa rejeição, por isso é preciso que a sociedade mude de

comportamento”13.

Esse contexto, violência no cotidiano e modo de agir do policial quando não está no

exercício do trabalho, demonstra uma parcela dos problemas que ocorrem em nossa

sociedade, onde os indivíduos vivem em crise, pois não sabem em quem podem confiar e

está cada vez mais difícil sair de determinadas situações, já que o grande valor é dado ao

capital. A globalização neoliberal tem como conseqüência o desemprego estrutural e a

radicalização da pobreza e da exclusão social, pois “dificilmente são encontradas políticas

sociais que não sejam apenas compensatórias, no sentindo estrito de salvaguardar as

relações de mercado e compensar mazelas frente às massas marginalizadas através de

ofertas clientelistas ou assistencialistas”. (DEMO, 1995: 23; ANDERY, 2005)

Contudo, pode-se pensar no sistema penal (exercício institucionalizado de poder

punitivo), por ser “a dimensão de controle e regulação social. Nele, não é consolidada a

proteção do indivíduo e sim a reprodução de estruturas e instituições sociais”.

(ANDRADE, 2003:22). A mesma autora afirma que esse sistema aproveita que o fato de o

senso comum enxergar as manifestações de criminalidade de uma maneira maniqueísta, 12 Idem. 13

Entrevista feita com o Ex-tenente Zeza na Associação dos PMs de Cristo, no primeiro semestre de 2005. Como trabalho para o Núcleo de Violência e Justiça da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica – SP.

onde o bem e o mal estão divididos na sociedade. Aparentemente, através dos homens bons

(pessoas que garantem a cidadania) e dos homens maus, simbolizados pelos criminosos:

observa-se um fator preocupante, pois radica tudo no sujeito e acaba imunizando as

estruturas e relações sociais da culpa, já que é a ação bondosa ou maldosa do sujeito que

determina sua conduta. Segundo Sequeira (2000), muitas vezes justifica-se o

comportamento do criminoso a partir de fatores sociais ou então a partir de explicações

moralistas, como se características intrínsecas ao sujeito fossem responsáveis pelos atos

delituosos.

Andrade (2003) diz que se tudo radica no sujeito, estão sendo imunizandas de culpa

as estruturas e relações sociais, pois a bondade ou maldade do sujeito é que determina sua

conduta. O que demonstra pouca expectativa nos indivíduos em relação ao seu modo de

viver e enfrentar os problemas ou em relação ao crescimento dos mesmos, já que são vistos

somente pelo causal e como mercadorias, com valor de uso.

Só como mercadorias, só se forem capazes de demonstrar seu próprio valor de uso, é que os consumidores podem ter acesso à vida de consumo. Na vida líquida, a distinção entre consumidores e objetos de consumo é, com muita freqüência momentânea e efêmera, e sempre condicional (BAUMAN, 2007: 18)

Ou seja, os indivíduos, além de terem que enfrentar a falta do Estado, para poderem

sobreviver na sociedade contemporânea precisam lutar para mostrar que têm valor, como

uma mercadoria, onde vale mais o objeto – o consumo – do que o próprio indivíduo. Sendo

assim, é possível pensar na relação da violência como forma de o indivíduo mostrar sua

existência, como nos diz Martuccelli (1999:158) “por não dispor de outros meios, o ator

recorre à violência para se fazer ‘ouvir’”, como, por exemplo, as rebeliões dentro dos

presídios que servem para denunciar precariedade, existência de facções, etc. Tais fatos

evidenciam a necessidade de considerar a responsabilidade do sujeito, sem, entretanto,

desconsiderar o contexto social (SEQUEIRA, 2000) para que seja possível compreender,

ou pelo menos entender, o que determinado ato quer dizer, já que às vezes vem carregado

com outras questões que não podem ser ditas, ou o próprio indivíduo não encontra outra

forma de manifestar um conflito.

Martuccelli (1999), relata que existem dois fenômenos, diversos, que interferem no

modo em que a violência na modernidade é interpretada. Um deles é a

Deslegitimação crescente das práticas violentas, que doravante não possuem mais nenhuma significação positiva no seio das sociedades modernas. E outro diz que o aumento da consciência dos perigos e dos riscos possíveis no mundo moderno pode enraizar-se e prolongar-se na estética da violência proposta pela mídia, ele se refere antes de tudo, e de maneira substancial, à vontade do projeto moderno de domínio crescente do ambiente e à consciência de seus limites. (p 172)

Na sociedade atual, tem-se também grande influência da mídia na vida das pessoas,

a propagação de informações é muito grande e os meios de comunicação têm crescido e

demonstrado mais agilidade e rapidez a cada momento. No mesmo âmbito de pensamento,

encontra-se Caldeira (1991), citado por Ferreira (2002:12), que identificou na mídia dois

discursos defendendo soluções concorrentes para o crescimento da criminalidade violenta.

“De um lado, a defesa da contenção da criminalidade por meio de uma ação mais

truculenta do sistema de segurança e justiça penal junto ‘aos bandidos’” (demonstrando

que o combate à criminalidade se coloca acima dos direitos dos cidadãos).

De outro, a defesa do controle da violência, incluindo a limitação legal da atuação policial e a punição de justiçamentos privados (por meio da ação de grupos de extermínio e justiceiros) e linchamentos. A divulgação destas posições na mídia pode acabar contribuindo para reforçar ou mudar posições existentes na população de forma geral.

Enfim, a sociedade vive a pós-modernidade, momento conflitante, pois muitas

mudanças estão acontecendo sem que seja possível percebê-las, ou aprender como agir – ou

reagir - de acordo com o que aparece como demanda. Ao mesmo tempo em que o indivíduo

deseja ser único, busca locais para permanecer em grupos, onde possa identificar-se com os

outros, seja por meio da violência ou da igualdade de pensamento. Devido à influência da

mídia, e à grande quantidade de informações recebidas diariamente, as pessoas sofrem as

mais variadas emoções e sentimentos, pois não se sentem pertencentes e seguras em relação

a quem deveria lhes oferecer segurança. Em resposta a essa necessidade da população,

estão sendo criadas cada vez mais “comunidades”, locais que são identificados como porto-

seguro. (BAUMAN, 2001)

3. Psicologia Analítica

A Psicologia Analítica foi estruturada por Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, na

primeira metade do século XX. Sua teoria tem como foco estudar o desenvolvimento da

psique na “segunda metade da vida”, como denominou a fase adulta. Seus conceitos são

complexos e como ele mesmo fez, é necessário vivenciá-los para poder compreendê-los e

melhor assimilá-los.

Jung, antes de formular sua própria teoria, foi parceiro de Freud, com quem teve

grandes discussões. Dentre os diversos conceitos discutidos, apreendidos e divergentes

entre eles, estão o inconsciente e a religião, que são importantes para esse trabalho. “Para

Jung a religião apresenta-se como um fenômeno genuíno; para Freud é um derivado do

complexo paterno e uma das sublimações possíveis do instinto sexual”. (SILVEIRA,

1997:125)

Para Freud, o inconsciente existe e nele são colocados os materiais reprimidos que

se pode dizer que nunca foram conscientes, pois assim que surgem para consciência são

recalcados. “De acordo com a concepção desta escola [de FREUD], o homem, como ser

civilizado, não pode vivenciar uma série de instintos e desejos simplesmente porque são

incompatíveis com a lei e com a moral. O homem, desde que queira adaptar-se à

sociedade, é obrigado a reprimir estes desejos”.(JUNG, 2007, grifo nosso)

Para Jung há duas esferas do inconsciente, sendo uma coletiva e a outra pessoal e

não se tratando de um local onde os conteúdos reprimidos são, somente, “colocados”, mas

de um local que promove sintomas, sinais e sonhos, por isso de criatividade – aspecto

originário do Inconsciente Coletivo, pois o mesmo tem “inúmeras maneiras de

manifestação do coletivo através de uma leitura individual, sendo essa função

indispensável ao desenvolvimento humano”. (ZENI, 2005:20) Mas, segundo Jung (2007), o

inconsciente só terá para nós uma função criadora de símbolos se estivermos dispostos a

reconhecer nele um elemento simbólico. (p 27)

O inconsciente pessoal diz respeito a aquisições derivadas da vida individual e

fatores psicológicos; são ditos de natureza pessoal porque podemos reconhecer seus efeitos

na história de uma pessoa, manifestação parcial ou origem específica. O inconsciente

coletivo é a camada mais profunda, fonte inesgotável de energia e de conteúdos à priori,

portanto criativo em relação à psique. Segundo Jung (2000), essa esfera do inconsciente é

de natureza universal, possui conteúdos e modos de comportamento, estando estes em toda

parte e em todos os indivíduos. “Constituem um substrato psíquico comum de natureza

psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo (...) o inconsciente coletivo não se

desenvolve individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas preexistentes,

arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma

definida aos conteúdos da consciência”.(p 15 - 54)

Os arquétipos aparecem em forma de símbolos arquetípicos, em determinada era e

local de determinada maneira, conforme citação acima, “representam essencialmente um

conteúdo do inconsciente coletivo, o qual se modifica através de sua conscientização e

percepção, assumindo matrizes que variam de acordo com a consciência individual na

qual se manifestam”. (JUNG, 2000: 17) “O arquétipo é uma fonte primária de energia e

padronização psíquica. Constitui a fonte essencial de símbolos psíquicos, os quais atraem

energia, estruturam-na e levam, em última instância, à criação de civilização e cultura”

(STEIN, 1998b: 81; JUNG, 1987a), pois dão a base para os comportamentos de cada etapa

da vida. A manifestação do arquétipo é vista de forma polarizada, mas de acordo com cada

comportamento, surgimento de símbolos/ imagens, é possível analisar e identificar qual é o

arquétipo que está “agindo” naquele momento, o que faz com que se torne consciente.

Isto posto, os símbolos são a conexão do consciente com o inconsciente e o

fenômeno psíquico possível de ser analisado, ou seja, dizem respeito a algo vivido ou

chamativo para o indivíduo, pois causam emoção.

O símbolo traz para consciência conteúdos do inconsciente coletivo (arquétipo) e conteúdos do inconsciente pessoal (complexo). Segundo Jacobi (1986), “quando o arquétipo aparece no aqui e agora do espaço e do tempo, podendo ser, de algum modo

percebido pelo consciente, falamos então de símbolo” (opc.cit. p 7214). Através desse fenômeno psíquico, o conhecimento do inconsciente torna-se possível por via indireta. (PENNA, 2003: 169)

Estes (símbolos) “podem ser interpretados a partir de um contexto psicológico

histórico, cultural ou generalizado15”. Através deles é possível identificar os complexos

que temos, pois segundo Penna (2003), permitem a apreensão e compreensão da realidade

psíquica. (p 170)

O complexo, conteúdo do inconsciente pessoal, é um núcleo de energia com carga

afetiva forte que tem associado elementos que dizem respeito a um aspecto da vida

individual. São imagens inconscientes e responsáveis por perturbações da consciência.

Caracterizam os pontos suscetíveis de crise do indivíduo, quando vão para consciência,

através dos símbolos, causam grande emoção e fazem com que em alguns momentos o

indivíduo fique paralisado, não conseguindo agir naturalmente em determinadas situações.

Todos temos complexos, eles são expressão de temas da vida, que são também problemas da vida. Eles constituem nossa disposição psíquica, da qual ninguém pode fugir. Desse modo, os símbolos seriam expressão de complexos, mas seriam ao mesmo tempo, estações de processamento dos complexos. Ora, os complexos em si não são evidentes. Experienciável é a emoção que lhe é própria; perceptíveis são os modos estereotipados de comportamento que ocorrem no âmbito do complexo. Nos símbolos, por assim dizer, os complexos se desdobram em fantasias. (KAST, 1997:42)

Por esse motivo, quando um complexo está ativado o comportamento do indivíduo é

diferente, o desenvolvimento da individualidade não acontece normalmente, o que para

Jung é chamado de processo de individuação. Processo, esse, em que o Self convoca o Ego

a tornar-se aquilo que é, por meio do contato entre o mundo interno e externo, através do

qual é buscado um equilíbrio entre as polaridades (consciente e inconsciente) para chegar à

totalidade. Através dele os indivíduos se transformam em seres únicos e repletos de

possibilidades. “Pode ser considerado como um processo que busca a ampliação da

consciência, por existir conscientização de conteúdos desconhecidos pela consciência”.

(ZENI, 2005) Portanto, a individuação, segundo Jung (1987a), significa um processo de

desenvolvimento psicológico que faculte a realização das qualidades individuais dadas e

14 JACOBI,J Complexo Arquétipo Símbolo na Psicologia de C. G. Jung São Paulo: Editora Cultrix, [1957], 1986 15 In http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/simbolo.htm acessado em 24/03/2008

adquiridas. Com esse processo, as características do indivíduo tornam-se cada vez mais

pessoais e menos tomadas de características familiares, por exemplo.

As pessoas desenvolvem-se sob muitos aspectos ao longo de suas vidas, e passam por múltiplas mudanças em muitos níveis. A experiência total de integridade ao longo de uma vida inteira – o surgimento do si-mesmo na estrutura psicológica e na consciência – é conceituada por Jung e denominada individuação. (STEIN, 1998: 153b)

O si-mesmo é mais conhecido como Self e diz respeito à totalidade psíquica, para

Jung. Segundo Bezerra (1995), pode ser chamado de “Deus dentro de nós” e tem como

linguagem o símbolo. De acordo com Stein (1998b), situa-se além do domínio psíquico,

definindo-o como o mais impessoal dos arquétipos. “O Self gera impulso para

individuação, dele fluem nossas aspirações e instintos que suscitam a ânsia de nos

tornarmos aquilo que somos genuinamente, é o si mesmo que exige a concretização dos

seus potenciais”. (ZENI, 2005:20-21)

A sintonia com o self acontece através da auto-regulação, movimento que ocorre

naturalmente e diz respeito à dinâmica dos contrários como, por exemplo, a relação ego-

sombra16. Esse movimento tenta equilibrar tal relação, pois regula os conteúdos da sombra

com os do ego. Por esse motivo, as pessoas que não estão em equilíbrio, e acabam tendo os

conteúdos da sombra muito evidentes, agem de forma incomum, levando em conta o modo

de agir habitual.

Uma vez que apenas o bem é reconhecido, somos incapazes de aceitar e enfrentar a violência, a agressão e o sofrimento, a não ser tentando, impotentes, legislar de modo a afastar ou execrar essas manifestações (...) Dado que não tem um lugar significativo em nosso universo, a morte e a destruição geram terror e condenação moral. (WHITMONT, 1991:110)

O que quer dizer que muitos conteúdos, que vão para sombra, não são bem vistos

pela sociedade e precisam ficar “escondidos” junto a outros com os quais não queremos

entrar em contato no momento, sendo eles mal-vistos ou não.

16 Sombra é uma das estruturas da psique, diz respeito aos conteúdos reprimidos pelo ego, ou seja, características pessoais que não são bem aceitas pelo ego/ vistas pela sociedade. Segundo Stein (1998b), é caracterizada pelos traços e qualidades que são incompatíveis com o ego consciente e a persona (identidade psicossocial do indivíduo, máscara da psique coletiva que aparenta individualidade).

Byington, um dos seguidores de Jung, nomeou de dinamismo psíquico ou ciclos

arquetípicos, os períodos da vida em que arquétipos são ativados na consciência.

Denominou de ciclos/ dinamismos porque estes arquétipos podem ser ativados em qualquer

momento da vida.

Para Byington,

os ciclos arquetípicos são uma forma de abordarmos certas características evolutivas da consciência individual e coletivas em conjunto (...) por um lado, ele expressa a implantação progressiva de um determinado padrão de funcionamento da consciência; por outro, mantém a ação criativa do inconsciente coletivo durante toda a vida através do arquétipo regente que coordena cada ciclo. (BYINGTON, 1986:41)

Ele denominou quatro ciclos: matriarcal, patriarcal, alteridade (conhecido também

como coniuntio por Jung e conjugalidade por outros) e cósmico. Serão apresentadas

considerações sobre os ciclos matriarcal e patriarcal, que para o estudo são mais

importantes.

No dinamismo matriarcal tem-se a predominância do arquétipo da grande mãe, que

tem seu símbolo derivado do arquétipo materno;

seus atributos são o ‘maternal’: simplesmente a mágica autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso favoráveis; o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal. Existem as qualidades opostas desses atributos que correspondem à mãe amorosa e à mãe terrível. (JUNG, 2000:92, grifo nosso)

Nesse dinamismo as coisas acontecem, não existe causalidade e lógica, antes ou

depois, causa e efeito. A lei é da natureza e há uma proximidade entre o consciente e o

inconsciente; não se pode dizer que existem sociedades sob a égide desse dinamismo,

porque dizer isso significa supor que existem regras e no dinamismo matriarcal cada um faz

parte do todo, as pessoas não se diferenciam. Nessa consciência não existe começo e fim,

por isso pode-se falar em eternidade. O mundo é mágico, não há distinção de tempo, vive-

se o aqui e agora. “No nível mágico ou instintivo só existe o aqui e agora. Ele tudo contém.

O passado, o presente, o futuro não estão diferenciados. Não há dentro e fora; corpo,

mente ou psique; o eu e o outro”. (WHITMONT, 1991: 62)

O mesmo autor continua:

o comportamento mágico é pré-moral ou amoral, da mesma forma como é pré-consciente segundo nossos padrões de consciência. O indivíduo é um membro do rebanho, participante e beneficiário ou vítima de um processo não-pessoal cujo padrão é grupal. As contingências da vida são uma questão a ser enfrentada em grupo. A consciência é uma consciência grupal. A vontade é do coletivo. O que chamamos de bom ou correto é, simplesmente, o que propicia terror e perigo, o que beneficia e sustenta a vida do grupo. O que hoje consideramos necessidades ou direitos individuais são coisas irrelevantes e até mesmo impensáveis nesse nível. (WHITMONT, 1991:64)

A passagem do dinamismo matriarcal para o patriarcal, segundo Whitmont (1991)

se deu através da fase mitológica, momento em que começa a surgir a diferenciação entre

eu e o outro, mente e corpo; a razão começa ser bem presente no pensamento humano; as

questões grupais deixam de ter tanta força, o individual passa a ser importante também.

O dinamismo patriarcal opera sob a predominância do arquétipo do pai. Nesse

dinamismo começam a surgir os conceitos, as formas, o deus passa a ser único e o feminino

não é tão valorizado; esse dinamismo também é denominado como fase mental por

Whitmont. Essas separações: entre eu e outro, homem e mulher, são necessárias para a

formação do ego. É nesse momento que ele começa se consolidar e passa a existir a sombra

e o indivíduo através do inconsciente coletivo e da consciência coletiva já existente. Ou

seja, começam a se formar as sociedades organizadas, a cultura e o pensamento se torna

lógico.

A relação com o Deus também se transforma, não existem mais diversas Deusas,

quem prevalece é o masculino – o pai – e passa a existir um único Deus, homem que vai

dar as regras e o estado e a sociedade como entidades separadas. Segundo Whitmont, a fase

patriarcal:

É a primeira fase de controle do ego, dominada pelo superego ou persona. São elementos básicos ao patriarcado e ao referencial andolátrico a rejeição e a desvalorização (a) da divindade feminina (conseqüentemente, dos valores femininos); (b) dos impulsos naturais; (c) das emoções e desejos espontâneos. Os primeiros vestígios de um ego consciente são desenvolvidos pelo controle e pela repressão de impulsos e necessidades subjetivas, ou seja, pela autonegação. (WHITMONT, 19991: 88)

Na atualidade, vive-se num momento de transição, ao mesmo tempo em que o

dinamismo patriarcal e seu modo de ver o mundo estão imbricados no modo de as pessoas

viverem, existe, também, grande influência do dinamismo matriarcal. Pois, as religiões,

buscam por grupos onde se pode agir menos pela razão e pensar como o todo. Em razão

desse comportamento, as pessoas querem viver de forma individualista, nos desvinculando-

se da natureza e tendo relações cada vez mais rápidas, onde os laços não ficam tão

duradouros (como apresentado com referência a Bauman nos capítulos anteriores).

No dinamismo patriarcal, “em virtude de sua ênfase sobre a imagem do pai, e de o

conteúdo do superego ser constituído por regras e normas sociais, a consciência

fundamenta-se na autoridade paterna” (STEIN, 1998a: 24), e pode ser denominada como

solar. Nesse dinamismo encontramos o símbolo do bode expiatório que é usado como

mecanismo de exclusão, pois deixa algo que não é bem visto e não suportável (por

incomodar) fora da consciência; diz respeito às coisas que se acredita serem ruins. Pode-se

usar como exemplo a relação ego – sombra. O ego é o que é mostrado (persona17), “a parte

bonita” e a sombra algo reprimido, que não pode ser colocado em público e usado como

persona.

“O modelo patriarcal propiciatório para se lidar com o instinto do inconformismo

e com a agressão pode ser ilustrado pela antiga cerimônia israelita do bode expiatório”

(WHITMONT, 1991: 124-125) onde existem dois bodes, um será destinado ao Senhor e o

outro será apresentado vivo ao Senhor e enviado para o deserto para Azazel.

Nem toda força vital pode ser sacrificada e dedicada à observância da lei. Há ânsias inaceitáveis, que não podem ser erradicadas. Devemos então nos distanciar delas e enviá-las para longe. (...) A diferença entre destruir e banir é a diferença entre a repressão e a disciplina. A repressão tenta matar o impulso, tornando-o inconsciente. A disciplina reconhece e acolhe o impulso, mas escolhe não agir em função dele. Ele pode viver embora banido para o deserto, em território adequado a ele, até que chegue o momento em que possa ganhar uma expressão conveniente nas festividades dedicadas a Dionísio, nas orgias ou em outros ritos para descarga da violência. (WHITMONT, 1991: 127-128)

17 Persona - máscara da psique coletiva que aparenta uma individualidade, apresenta um compromisso entre o indivíduo e a sociedade. Ou seja, é o rosto que usamos para o encontro com o mundo social que nos cerca, o contrário da sombra. É a pessoa que passamos a ser em resultado dos processos de aculturação, educação e adaptação aos meios físico e social, por isso existem personas diferentes em nosso dia-a-dia. (JUNG, 1987a; STEIN, 1998b))

Esse símbolo do bode expiatório é visto hoje em todas as pessoas, pois todos

precisam carregar a culpa e a alienação. Vive-se um momento onde só as nossas crenças é

que são boas e têm valor, as dos outros são ruins e não levam à libertação. Os impulsos, a

agressividade e outros sentimentos relacionados são vistos como ruins e por isso precisam

ser reprimidos ou colocados no outro, projetados, para que nossa imagem seja sempre boa.

“Torna-nos a todos andarilhos solitários perdidos num grande deserto, sentindo-nos

alheios e distantes de uma origem divina transpessoal, para sempre fadados ao ‘pecado’”.

(WHITMONT, 1991:138) E só é possível sair desse local, onde todos são bodes expiatórios

e não olham para os próprios sentimentos, quando reconhecem e aprendem a lidar com o

lado bom e o mal que temos dentro de nós.

Entretanto,

não podemos perder de vista o fato de que a disciplina do superego ainda é essencial para aquelas pessoas que ainda não alcançaram a consciência moderna, quer dizer, que não consolidaram uma plena estabilidade do ego. Para esse grupo, o conformismo (incluindo o padrão de bode expiatório) ajuda a construir a personalidade através de sua resistência, de sua frustração, de sua autodisciplina. (WHITMONT, 1991: 135)

Em razão do homem viver no dinamismo patriarcal, em que a ordem e a consciência

racional imperam, apresenta medo de mudança, pois ela ameaça seu estado atual de

consciência e a continuidade do “modus vivendi”. O ego patriarcal teme a mudança porque

se assenta na ilusão da mesmice. “Deseja a vida, mas cria exatamente a destruição e o mal

que teme e renega. (...) Tememos a violência porque fomos levados a esperar uma vida

organizada, racional, pacífica e perpétua”. (WHITMOTN, 1991: 32-33)

3.1 Psicologia Analítica e Religião

“Deus é um mistério, e tudo que dizemos sobre esse mistério é dito e acreditado pelos seres humanos. Fazemos imagens e conceitos, porém quando falo de Deus sempre quero dizer a imagem que o homem fez dele. Mas

ninguém sabe com o que se parece, pois quem o fizesse seria, ele próprio, um deus” (Jung, apud Aranha, 2004).

Jung acredita que “todas as religiões são válidas na medida em que recolhem e

conservam as imagens simbólicas oriundas das profundezas do inconsciente e elaboram

seus dogmas, promovendo assim conexões com as estruturas básicas da vida psíquica”.

(SILVEIRA, 1997:125) Entende religião pelo latim Religio (re – ligare), que quer dizer

tornar a ligar, ou seja, ligar o consciente com fatores do inconsciente; fatores estes que têm

grande carga energética e intensos dinamismos. “Aqueles que os defrontam falam de uma

emoção impossível de ser descrita, de um sentimento de mistério que faz estremecer

(mysterium tremendum)”.(SILVEIRA, 1997: 126)

Com concentração da atenção do inconsciente, as religiões provocam também um extravasamento de conteúdos e forças inconscientes na vida consciente, influenciando-a e alterando-a (...) Confere ao conteúdo inconsciente um valor considerável, através de um dogma de fé ou de uma superstição, isto é, por meio de um conceito carregado de emoção. (JUNG, 2007:23)

Para Jung é uma acurada e conscienciosa observação do que Rudolf Otto denomina

de numinoso – “ato ou efeito dinâmico não causado por um ato arbritário. Pelo contrário,

o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador (...)

constitui uma condição do sujeito e é independente de sua vontade”. (JUNG, 1987b: 9) A

religião é entendida como uma atitude do espírito humano, pois designa uma atitude da

consciência, particular, transformada pela experiência do numinoso. Essa vivência do

numinoso e a realização de opostos proporcionada pelo diálogo entre o Ego e o Self seria a

religiosidade. E o numinoso, segundo Zeni (2005:22), é uma “energia capaz de provocar

grandes mudanças através da ativação de emoções conscientes ou não”.

Ainda Jung, diz que as religiões provocam um extravasamento de conteúdos e

forças inconscientes na vida consciente, influenciando-a e alterando-a. E que as mesmas se

incumbem dessa compensação (material inconsciente em consciente) de diversas formas,

“tomando as manifestações do inconsciente como sinais, revelações, ou advertências

divinas ou demoníacas”. (JUNG, 2007:23)

O mesmo autor quando fala de religião não diz respeito a uma Igreja ou crença em

particular, fala sobre a experiência religiosa como processo psíquico e a atitude religiosa

como função psíquica natural. Interessa-se pela simbologia das religiões, pois a linguagem

das mesmas é feita de símbolos que atuam sobre a vida dos homens, cada vez mais

profundamente. Tais símbolos têm a função de promover o processo de individuação e

favorecer a ampliação da consciência através da comunicação entre o inconsciente e o

consciente, por isso têm um significado diferente para cada um dos homens (SILVEIRA,

1997; ZENI, 2005)

Gostaria de deixar claro que, com o termo “religião”, não me refiro a uma determinada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado, se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por outro lado, também na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. (Jung, 1987b: 10).

Segundo Aranha (2004), para Jung a numinosidade encontrava expressão ou

correspondência na “imagem de Deus” (Imago Dei) de indivíduos que expressassem o

conteúdo arquetípico de forma reconhecível. Sendo assim, a função religiosa passava a

estar intimamente ligada ao conceito de arquétipo, ou seja, aos elementos primordiais da

psiquê humana que “se apresentam como idéias e imagens” (Jung, 1971d: CW 8ii, par. 435

apud ARANHA, 2004).

Jung (1987b) afirma que a experiência do arquétipo da divindade apresenta-se como

um impacto violento ao ego a ponto dele correr risco de se desintegrar. E que, como meio

de defesa a esse encontro violento com essa existência forte, o homem criou rituais como as

cerimônias religiosas, onde as energias existentes no psiquismo dirigem-se e articulam-se

em busca à totalidade. “Grande número de práticas rituais são executadas unicamente com

a finalidade de provocar deliberadamente o efeito do numinoso, mediante certos artifícios

mágicos como p. ex. a invocação, a encantação, o sacrifício, a meditação, a prática de

ioga, mortificações voluntárias de diversos tipos, etc.” (JUNG, 1987b: 9) Pois estas se

originaram como necessidade de proteção e funcionam como anteparo entre o divino e o

humano, “isto é, entre o arquétipo da imagem de Deus, presente no inconsciente coletivo, e

ego”. (p 133)

Para Jung, o arquétipo de Deus tem grande relação com o self, instância que abriga

a imagem divina na psique, que seria um princípio organizador da personalidade capaz de

dar significado ao símbolo. Segundo Zeni (2005), “assim como Deus, o arquétipo do Self

só pode ser conhecido pela sua expressão no mundo concreto, uma vez que está além dos

limites da consciência racional e da sua capacidade de apreensão”. (p 25) O que mostra

que a vivência desse arquétipo (Self) é ao mesmo tempo vital e perturbadora para o homem,

pois é carregada de intensa e profunda experiência, assim como a vivência do arquétipo da

divindade (citado acima).

Quando acima foi mencionado o self como estrutura totalizadora deste processo, quis-se evidenciar que para tanto é necessário o engajamento do ego que irá responder às solicitações do processo de individuação, o qual Jung conceitua como sendo “o processo pelo qual os seres individuais se formam e se diferenciam; em particular, é o desenvolvimento de um indivíduo psicológico como um ser distinto da psicologia geral e coletiva”. (Jung, 1971b: CW 6, par. 825). Esta “individuação”, ou seja, este “ato auto-realizador” se torna um ato de significação religiosa, uma vez que confere significado ao esforço individual. De outro modo, poder-se-ia dizer que o “ato de viver” se dá por meio de uma dinâmica dialética onde conflitos e resoluções interagem constantemente dando significado a existência humana. No âmbito das interações entre indivíduo e psique coletiva, entende Jung que a existência de uma atitude religiosa viva e válida é o único meio capaz de promover esta conciliação. (Aranha, 2004)

Ao tratar a questão do arquétipo, Jung relata a importância dos sonhos em sua obra

Psicologia e Religião. Pererius, citado por Jung, diz que os sonhos têm quatro causas: “1)

doença física; 2) afeto ou emoção violenta, produzidos pelo amor, pela esperança, pelo

medo ou pelo ódio; 3) o poder e a astúcia do demônio, isto é, de um deus pagão ou do

diabo cristão; 4) sonhos enviados por Deus” (JUNG, 1987b: 21)

Por ser o impulso religioso arquetípico, ele pode mudar de imagem, como, por

exemplo, quando acontece o empoderamento do ego, e através dele, a ruptura do mesmo

com o self, quando o ego passa a poder tudo. A responsabilidade não vem mais de fora,

tudo está nas mãos do indivíduo e com isso outras questões são tratadas como divinas.

Como por exemplo, observa-se hoje o “endeusamento” em relação ao dinheiro e à ciência.

“Essa fé cega, antes atribuída ao ‘Assim disse o Senhor’, encontra-se hoje transferida para

o ‘a ciência ensina’, com toda a sua antiga inviolabilidade mantida intacta”

(WHITMONT, 1991:114)

Junto com essa mudança em relação à idéia de Deus, onde o Deus religioso muda

para um deus laico como o dinheiro ou o poder, verifica-se a mudança em relação à forma

de lidar com a fé e com os outros indivíduos. É possível ver e viver a individualização da

sociedade junto com a necessidade de pertencimento a um grupo, ou seja, um período de

transição com grandes dificuldades onde se age, muitas vezes, pelo dinamismo matriarcal,

onde tudo acontece de forma mágica ao mesmo tempo em que os indivíduos vivem e são

regidos pelo dinamismo patriarcal.

Em conjunto com essas modificações e dificuldades encontradas nas relações

sociais, a visão sobre a religião e a relação entre o homem e Deus sofreu mudanças;

principalmente quando citadas algumas Igrejas, como as neopentecostais (um dos grupos

de Igreja dentre as Igrejas Evangélicas), que tratam essa questão de uma forma que

aproxime Deus das pessoas e faça com que ele seja obrigado a dar o que é pedido através

de um pagamento. Ou seja, hoje existe um novo perfil do sagrado, onde a fé é o grande

instrumento e o Reino de Deus que,

não distribui necessariamente justiça, mas benesses, principalmente materiais e individuais (...) Eclesiologicamente há formas de neopentecostalismo que combinam os temas congregacionalista e episcopal de governo, num modelo de administração eclesiástica centralizado nas figuras do “bispo”, “missionário” ou “apóstolo”. Tais personagens se configuram como líderes carismáticos, que governam de uma maneira personalista, centralizadora e autoritária seus movimentos, às vezes designando a si mesmos como “apóstolos” ou “missionários”, e as seus empreendimentos como “Igreja”, “Comunidade” ou “Ministério” (CAMPOS, 1997:12-19)

Segundo Zeni (2005), a vivência religiosa permeia o processo de individuação uma

vez que remete o sujeito às experiências que facilitam a ampliação da consciência através

do contato entre os aspectos individuais e coletivos oriundos da psique. (p 23) Essa

vivência pode ser comparada à experiência do inconsciente coletivo, pois coloca o homem

em contato com a sua própria essência e é entendida através de seu simbolismo,

possibilitando “uma maior apreensão do arquétipo que lhe dá sua energia”. (p 24)

O processo de individuação é permeado pela vivência religiosa, uma vez que as

religiões têm o objetivo de proporcionar o desenvolvimento psíquico através da relação

consciente – inconsciente, ou seja, o diálogo entre Ego e Self (que é indispensável para o

desenrolar deste processo), possibilitando então, o desenvolvimento psíquico, fortalecendo

o psiquismo e aumentando a confiança que cada um sente em si mesmo. (ZENI, 2005)

Por fim, as religiões são vistas como manifestações arquetípicas pela Psicologia

Analítica, já que falam da correlação entre seus símbolos e o significado atribuído

individualmente pelas pessoas, além de propiciar a comunicação Ego-Self num espaço

protegido pela presença do Outro no interior do homem. E o numinoso só pode ser

vivenciado quando há ressonância dessa vivência no mundo interno, demonstrando, então,

que o encontro com o sagrado não pode ser satisfatório quando focado apenas no mundo

externo.(ZENI, 2005: 26-27)

4. Análise: Como se dá o Processo de Individuação Dentro do Presídio?

Levando em conta tudo o que foi verificado sobre o Sistema Prisional e o presídio

em questão, as Igrejas Evangélicas e as questões da sociedade atual, será apresentada, neste

capítulo, a simbologia das referidas instituições (presídio e Igreja), através da Psicologia

Analítica e com base nas entrevistas realizadas com um presidiário, buscando identificar

como o mesmo se vê hoje.

4.1 Relações entre Presídio e Religião

Segundo Andery (2005), muitas pessoas ao entrarem no presídio se tornam

religiosas e usam a religião como válvula de escape, maneira de pertencer a um grupo, ou

diminuir a angústia por estarem privadas de sua liberdade. O fato de ser a religião um meio

de o indivíduo diminuir sua ansiedade tem relação com o culto, por ser este um local onde o

mesmo se sentirá igual aos outros, poderá receber apoio, pensar nas perdas que teve ao

entrar no presídio e se sentir próximo de Deus durante a oração. O indivíduo busca na

religião, normalmente, aquilo que falta, desde um acalanto para sua dor até a realização de

desejos. Isso pode ser ilustrado com a fala de D.18 quando conta da sua aproximação com a

religião “(...)Ai comecei a entender as palavras de Deus, de Jesus através do evangelho e

todas as vezes que eu ali freqüentava me sentia fortalecido, fortalecido e feliz. Então aquilo

que eu tinha: o stress, a vontade de chorar, as más intenções que tinham na minha mente

elas saíram, saiam sozinhas. Saíram da minha mente através da oração que eu fazia após”.

O modo de funcionamento das Igrejas Evangélicas tem relação com o dinamismo

patriarcal, descrito por Whitmont (1991), no momento em que elas colocam regras, limites,

organização e estabelecem valores sociais. Ou seja, ajudam o indivíduo a organizar todas as

mudanças e dificuldades pelas quais tem passado, apesar de utilizar a magia, característica

do sistema matriarcal - que tem influência do arquétipo materno, o mundo é mágico, não há

distinção entre eu – outro e as contingências da vida são enfrentadas em grupo - por se

18 Está sendo usado nome fictício para preservar a identidade do presidiário.

tratar de religião. Em suma, essas Igrejas são “um grande pai”, procuradas como forma de o

indivíduo se reorganizar, achar “alguém” que dê limites, regras, a quem ele deva obediência

e a partir disso aliviar sua angústia e buscar uma nova forma de viver, agindo como um

superior que estabelece normas, ajudando os indivíduos a conseguirem seguir a vida sem

que se sintam tão perdidos.

Ao mesmo tempo em que a maioria das religiões trabalha com o grupo, deixando o

indivíduo se sentir pertencente ao mesmo, elas cuidam das questões individuais e trabalham

de uma maneira onde a culpa é transferida, pois o demônio é o responsável pelo nervosismo

e agressividade das pessoas. Assim, tiram do indivíduo a culpa pelos sentimentos vistos

como maus. “Já que os membros obedientes do grupo devem ser amados, os sentimentos

agressivos são transferidos para inimigos, hereges e demônios imaginários, que podem ser

combatidos e destruídos em nome da bondade e do amor”. (WHITMONT, 1991:112)

Outra característica, interessante e importante, da relação com a religião é que

dentro do presídio o nome (placa) da Igreja não é o que chama o interno à escolhê-la, mas

sim o fato de existir Deus, alguém maior que imponha regras e que, de certa forma, venha a

confortá-lo na angústia e adversidade. “Aquela que falar a palavra de Deus para mim é

Igreja. E minha segurança”. Por essa fala de D. é possível perceber a importância da

existência de Deus, alguém maior que dê conforto, deixando em segundo plano a Igreja

instituição. Identifica-se a importância dada à “Palavra de Deus”, também, na Associação

PMs de Cristo, pois esta segue a religião evangélica, não uma Igreja específica e faz um

trabalho de ronda, para valorizar a vida do policial, atendendo-o no próprio lugar de

trabalho, no hospital e no Presídio Militar “Romão Gomes”. Em relação à Psicologia

Analítica é possível identificar nessa fala de D. e no funcionamento da Associação PMs de

Cristo, a presença do arquétipo de Deus, que como símbolo aparece sendo organizador da

personalidade e está ligado aos elementos primordiais da psique humana, através de sua

função religiosa. (ARANHA, 2004; ZENI, 2005)

Outro aspecto do dinamismo patriarcal aparente no tema estudado é o bode

expiatório, mecanismo usado para afastar o mal, sendo este a violência ou outro aspecto

que não é bem visto pela sociedade. Como colocado por WHITMONT (1991), “há ânsias

inaceitáveis, que não podem ser erradicadas. Devemos então nos distanciar delas e enviá-

las para longe. (...) Ele [impulso agressivo] pode viver embora banido para o deserto, em

território adequado a ele, até que chegue o momento em que possa ganhar uma expressão

conveniente. (p 127-128, grifo nosso) Por esse motivo, o presidiário pode ser visto como o

bode expiatório enviado ao deserto e o presídio como um local que o recebe, pois para estar

lá é necessário ter cometido algum crime, ato mal visto pela sociedade e merecedor de

punição. Em suma, é um local que obriga o indivíduo que carrega o mal a permanecer

isolado da sociedade por um tempo, para voltar de uma maneira diferente, se voltar. Essa

especificidade pode ser vista no PMRG e na fala de D., pois este presídio tem um alto

número de ressocialização e D. diz que é um local de transformação, “o homem que é

tirado da liberdade e colocado no isolamento se transforma”.

O Romão Gomes, em especial, tem a peculiaridade de ser o local que recebe o bode

expiatório, pois é um presídio de ex-militares; recebe pessoas que deveriam dar segurança

para população, que tinham até o direito de matar e decidir pela vida dos outros, seguindo a

lei da corporação. Não interessa o motivo do crime, legítima defesa ou não, o desejo do

inconsciente coletivo é de vingança, que tem por trás um desejo de justiça, levando em

conta que sempre haverá alguém sofrendo quando é tratado o tema violência. Numa fala de

D. é possível identificar essa influência do coletivo, quando diz que quem cometeu crime

tem que ficar preso. “Então tem muitos amigos na rua, mas quando você vem preso eles

torcem pra você ficar preso. Não sei porquê motivo, eles falam ‘ah ele fez isso então não

prestava, esse cara é... não falei pra você fulano que esse cara não prestava, olha lá ele ta

preso, ai ó, aconteceu alguma coisa com ele, matou fulano, ele roubou, ele fez isso e tal’”.

Segundo Andery (2005), a polícia é uma organização mantida pelo Estado,

encarregada de proteger as pessoas, responsável por aplicar a lei, garantir a ordem pública,

prevenir e descobrir crimes, oferecer proteção e pode coagir indivíduos que ultrapassem os

limites da lei. É responsável por impedir que ocorram crimes e pela segurança da

população. (p 14) Os policiais também sofrem influência do mal-estar presente nos dias de

hoje, não estando livres da violência que muitas vezes está presente em seus atos fora do

período de trabalho sem que percebam, além de não terem o respaldo/proteção necessários

durante a jornada profissional, ficando cada vez mais vulneráveis. Então, pelo fato de esses

indivíduos (que estão no presídio) serem ex-policiais militares, pode ser mais difícil a

aceitação, tanto dessa nova condição como a perda do poder que detinham anteriormente.

“Ah, foi um choque. Tomei um choque sabe porquê? Porque aqui no presídio todos são

iguais. Desde o coronel que vem preso, e vem coronel também, aqui é do coronel até pro

soldado. Ai a mordomia que eu era tratado, com certos respeitos né?! Tem mordomia, que

você é respeitado quando você dá respeito, então sempre dei respeito, então sempre tive

grande moral onde eu morei”.

Pode-se relacionar essa falta de proteção, também, ao fato de a sociedade atual estar

cada vez mais individualizada e as relações cada vez mais frias, sem tanta importância,

conforme citado anteriormente, quando foi conceituada a sociedade líquida. Segundo

Bauman (2007) isto caracteriza a sociedade moderna, onde seus membros mudam seus

hábitos (formas de agir) num tempo mais curto do que o necessário para consolidação das

relações e por isso a vida líquida não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por

muito tempo.

Analisando pelas concepções da psicologia analítica, é possível identificar a

influência dos dinamismos psíquicos. Estamos sob influência do domínio patriarcal, por

esse motivo nossa consciência também o é e pode ser identificada como: consciência

solar19, pois esta “fundamenta-se na autoridade paterna”. (STEIN, 1998a: 24) Mas,

atualmente vive-se um momento de mudança, onde as certezas e convicções estão sendo

enfraquecidas e o pensamento do dinamismo matriarcal também começou ter influência

sobre a vida das pessoas, demonstrando o início de uma era caracterizada pelo dinamismo

pós-patriarcal, ainda não conhecido. (WHITMONT, 1991)

19 Dimensão denominada assim por Stein (1998a), que diferencia a consciência do dinamismo patriarcal da consciência existente no dinamismo matriarcal, denominando-as de consciência solar e consciência lunar, respectivamente. E para ele “a consciência é percebida como um porta-voz interno dos valores sociais” (p 18).

4.2 Análise do relato de um interno

“Relato não é retorno ao passado, é reconciliação” (Paulo Endo20)

D. está no presídio há 2 anos e 2 meses, segundo ele, e foi apresentado como

freqüentador dos cultos da Associação PMs de Cristo. Houve diferença na relação

estabelecida nas duas entrevistas feitas: na primeira houve a apresentação e poucas

perguntas, sendo um contato rápido e mais pontual, na segunda já houve maior

profundidade e tempo para o processo de entrevista.

Foi possível identificar muitos símbolos em sua fala, seu movimento em relação a

religião e algumas mudanças em seu relacionamento com a família e consigo mesmo,

levando em conta a concepção de homem de Jung. Para ele, o homem é um “ser que

expressa uma individualidade ímpar e coletiva, cuja síntese envolve elementos comuns a

toda humanidade e cada ato individual é visto como modificador de todo o conjunto de

relações sociais”. (MORAES, 2006)

A aproximação de D. com a religião e sua transformação em um homem religioso,

aconteceu a partir da entrada do mesmo no presídio; quando passou a valorizar sua relação

com a família e buscar um lugar onde conseguisse diminuir sua angústia “Então essa

aproximação foi numa hora que eu me senti desesperado e sem me pegar a alguém. Esse

alguém eu achei que deveria ser alguém que eu sempre acreditei, que era Deus”.

Desde então, freqüenta os cultos das Igrejas Evangélicas e diz que se relaciona com

Deus, quando se sente sozinho ou mal, lendo a Bíblia, buscando entender as passagens da

mesma e conhecer o Testamento. Relata também a convivência com o demônio, que sente

da mesma forma como sente Deus e Jesus. “Esse demônio rodeia o homem também, 24

horas por dia para que ele cometa o mal, cometa o mal, para que ele tenha pensamentos

iníquos sob seus semelhantes, seja ruim. (...) Se você passa do limite você não se conduz, ai 20 Frase dita durante uma apresentação em mesa redonda , cujo nome era “Contexto de Vulnerabilidade”, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 03/10/2008 no 16o Encontro de Serviços-Escola de Psicologia do Estado de São Paulo.

você é conduzido, conduzido pelo quem? Pelo demônio e pelo vício, ai você não sabe o que

faz”. Pode-se dizer que o demônio, Demonismo como Jung denomina, é, provavelmente,

característica de um complexo.

Demonismo (demoniomania) caracteriza um estado peculiar da mente em que certos conteúdos psíquicos, os chamados complexos, assumem em lugar do eu, ao menos temporariamente, o controle de toda a personalidade, de modo a suspender a vontade livre do eu. Nestes estados a consciência do eu às vezes está presente, outras vezes ausente. O demonismo é um fenômeno psíquico primitivo e, por isso manifesta-se muitas vezes sob condições primitivas. Encontramos uma boa descrição do demonismo no Novo Testamento (Lucas 4,33; Marcos 1,23; 5,2, etc.). Nem sempre o fenômeno do demonismo é espontâneo; pode ser provocado deliberadamente como transe, por exemplo: no xamanismo, espiritismo, etc. (JUNG, 1998: 22621)

Além de relacionar essa relação entre Deus - demônio à relação ego – sombra, onde

o demônio é uma imagem adequada para simbolizar a instância psíquica depositária dos

aspectos relegados pela consciência, é possível constatar que, uma vez apartados do ego,

tais aspectos são percebidos como uma força autônoma e maligna. “Uma vez que Deus é

justo, nosso sofrimento, nossas dificuldades e transtornos devem ser punições por erros

cometidos. Por sua vez, o sucesso e ascensão social devem ser vistos como sinais de graça,

de recompensa pela bondade” (WHITIMONT, 1991: 114)

“Onde há fanatismo, intolerância, preconceito há unilateralidade, com a

conseqüente projeção da parte excluída sobre os ‘outros’”. (MORAES, 2006: 19) No caso

estudado, observa-se que Deus aparece como alguém que dá força, acalento, um pai,

alguém que tem que ser obedecido; é algo sobrenatural que tem poder e o demônio como a

figura projetada, a parte ruim. Por esses dados é possível dizer que os religiosos, como D.,

projetam algo deles no divino, atuando como se não fossem deles as forças usadas. Assim,

a força maior vem de fora e não do íntimo. “Na hora da necessidade temos que orar a

Deus e pedir que ele nos dê a mão, estenda sua mão para nós pegarmos e quando você ta

pego na mão de Deus nada lhe acontecerá, porque Ele te sustentará. Que Ele é a mistura,

a mistura que segura qualquer situação em qualquer momento então é isso que me fez eu

pegar a Bíblia, a religião e orar a Jesus e conhecer o Testamento”.

21 In parágrafo 1473. Escrito em Julho de 1945 para o Schweizer Lexikon, Encylios Verlag, I. (Zurique, 1949) – Verbete não foi assinado.

Em seu discurso D. fala muito que recorre à Deus em seus momentos de tristeza,

onde busca força ou ensinamento, como, também, através do Testamento, fala sobre a

estória de Jó, para exemplificar que o homem nunca deve deixar de acreditar. “Jó era rico

tudo ai o diabo falou ele tá cheio de riqueza por isso que ele te ama, tira tudo dele pra ver

se ele ama. Então tá aí, tá ai na escritura sagrada, ai Deus tirou tudo, mas não toque nele,

não deixe que Jó morra, vê se ele vai me negar. E Jó nunca negou pra Deus, sofreu tudo o

que sofreu, isso tá nas parábolas do evangelho. Então tem que ser persistente, ser

persistente, ter calma, serenidade e acreditar, ter credibilidade e saber também que o

tempo passa”. Usa a simbologia da história de Jó para demonstrar a necessidade de ter fé e

acreditar em Deus, nessa força maior que dá energia e, através da história que conta, mostra

sua força que está projetada em Deus, no externo. É possível observar, então, que está

acontecendo a vivência religiosa, que “permeia o processo de individuação uma vez que

nos remete à experiências que facilitam a ampliação da consciência através do contato

entre os aspectos individuais e coletivos, oriundos da psique”. (ZENI, 2005:23)

Em relação aos familiares D. conta que seu relacionamento melhorou, sente mais

proximidade e diz que o valor à família só é dado quando se está distante dela, sendo

possível perceber sua importância. “Quando você se sente aqui, ai você não vê a hora da

sua família apontar no portão, você vê, vê aquele amor. Aquele amor de família que dá

amor ao homem quando ele se encontra numa situação dessa de isolamento”.

Provavelmente diz isso para demonstrar o valor que dá ao externo, a “fonte de amor” para,

então, poder buscar esse sentimento em si mesmo.

Para falar melhor sobre essa situação usa um exemplo, e através do mesmo é

possível perceber que este é usado como metáfora para falar dele mesmo, de suas questões.

Através desses símbolos é possível identificar a presença do complexo paterno22 negativo,

pois não foi vivenciado positivamente por ele. Seu pai, apesar de impor regras, não

executou muito esse papel. Em sua fala, a mãe aparece fazendo um pouco das duas funções.

Além das constatações relatadas, é possível identificar traços coletivos (anteriores aos que

22 Conforme demonstrado, complexo é o núcleo do arquétipo, nesse caso, o arquétipo do pai.

estão sendo colocados hoje), onde o homem é o provedor da família e não executa muitas

atividades em casa. “Faça de conta, eu vejo meu pai todo dia, então todo dia estou vendo

meu pai. Minha mulher vê o marido todo dia, então você por ter aquela regalia de estar

todo dia com a família, você abusa. Então você não cumpre os horários, bebe, é.. dá

respostas más para mulher, talvez ela nem mereça, com os filhos também você dá

respostas agressivas que talvez não mereciam. Então você se acha um vilão dentro da

família, ai quando você é separado da família ai é que você sente o que é uma família,

porquê gente estranha não vem, não vem ninguém vê você aqui na prisão, nem vem bebe

com você (...) Então só quem dá valor na gente é quem nos ama de verdade, é única pessoa

que ama, ama mesmo da família é a mãe do interno, a esposa do interno se ela te amar

mesmo ela não te abandona, seus filhos e seu pai, sua família, só a família”.

Sobre seus pais diz que quando foi recolhido já os tinha perdido. Seu pai faleceu

antes da prisão e sua mãe quando já estava preso, mas esta estava com Alzheimeir, em grau

avançado, e por esse motivo não tomou conhecimento da situação. Relata que, quando

criança, sua mãe era presente nas questões escolares, preocupava-se bastante com ele, e

tinham (mãe e filho) uma relação afetuosa. Já com seu pai a relação era mais distante, não

fala muito sobre a figura paterna e demonstra um certo distanciamento.

“O homem se ele não tiver um controle rígido sobre si ele se extrapola. Se

extrapola, ele fala olha to bebendo uma cerveja vou pra seis, de seis vai pra doze, ta

correndo a oitenta quer correr a cento e sessenta. Então ele tem que ter sempre uma lei em

cima dele, se não ele se perde entendeu?! Assim mesmo é um filho da gente, se você não

souber educá-lo, ele não vai te respeitar, então vai ser, vai virar um animalzinho ai. Então

você tem que saber conversar, educar. E o homem tem que estar sempre sob domínio (fala

forte e alto essa palavra) de alguém. Alguém superior a ele e tem que ter superior, até o

presidente de república tem que ter superior”.

A partir do exposto é possível dizer que o arquétipo do pai está presente nessas

relações, em alguns momentos de forma positiva e em outros de forma negativa, e que

Deus, e agora o presídio, é que ditam regras, colocam limites e mostram o que é bom e o

que é mau. Nesse caso, o presídio tem função paterna e Deus passa a existir de forma única,

imagem construída por D., correspondente ao modelo oferecido pela religião em que

acredita. Ou seja, “entendemos que a experiência religiosa – através do seu simbolismo –

possibilita uma maior apreensão do arquétipo que lhe dá energia. Sendo assim, o fator

psíquico ao qual é dado um valor supremo atua psiquicamente como uma divindade à qual

devemos obediência; a esse fator avassalador dá-se o nome de Deus” (ZENI, 2005: 24)

Outro aspecto em sua fala que evidencia a presença do arquétipo do pai é a escolha

da profissão. D. escolheu ser policial porque serviu ao Exército quando tinha 18 anos.

Conta que sente saudade dessa época, quando a corporação ainda era denominada Força

Pública, como em sua cidade natal não havia possibilidade de seguir carreira, veio para São

Paulo prestar a prova. Foi aprovado e estudou até se tornar Tenente. Em sua fala demonstra

uma vontade de ter poder, lembrando que, quando detinha o cargo e a função de policial,

sentia-se respeitado pelos outros. Exemplifica e cita que seus vizinhos de bairro chamavam-

no de Tenente, mesmo depois de aposentado, quando seu prestígio era mantido.

Cada ato humano, nessa concepção [Junguiana], é a um só tempo individual, cultural e até mesmo cósmico. Um ato violento, por exemplo, expressa um possível desequilíbrio psíquico de quem o praticou, mas também denuncia uma certa forma de organização social favorecedora do ato; e ainda demonstra pela universalidade de sua ocorrência, que se trata da manifestação de um princípio universal (de destruição) do qual um determinado indivíduo foi porta-voz naquele momento. (MORAES, 2006: 17, grifo nosso)

Ao relatar o motivo que o levou à prisão, D. se refere ao ato de violência cometido

por ele como um ato de legítima defesa, onde precisou tomar tal atitude para não morrer, e

atribui o fato de estar no local da ocorrência como obra do destino. Ou seja, projeta no

externo a causa do seu ato e, por causa desse “destino”, conclui que foi obrigado a suportar

muitas mudanças em sua vida, mudanças essas não muito fáceis, pois passou da liberdade

plena para uma vida de reclusão, o que, segundo ele: “o homem, quando ele sai da sua

liberdade natural que ele vive, na companhia dos demais, então ele não sente nenhuma

pressão”.

Essa pressão é colocada de forma ambígua por D., pois, ao mesmo tempo em que

coloca as questões tais como: afastamento da família, falta de liberdade, perda de prestígio,

também diz que a prisão é local de transformação (“o homem que é tirado da liberdade e

colocado no isolamento se transforma”) e de aprendizado, pois no momento em que você é

colocado no presídio precisa aprender a se adaptar ao regime para não se prejudicar ainda

mais. Diz que é preciso tomar cuidado com as amizades feitas dentro do presídio, para não

se deixar levar, de forma a não receber a influência do demônio, pois: “ninguém daqui

persegue ninguém, estão aqui só para orientar, te servir e te instruir para o amanhã, pra

uma vida melhor. É, reformar a pessoa, reformar a pessoa para quando ele sair está em

outra vida, numa vida melhor que, para ele não errar mais. Então isso, aqui que é o

presídio Romão Gomes é pra ajudar, é pra ajudar os militares né?!”, mostrando um lado

positivo do trabalho do presídio em questão, que, também, é relatado pelo Coronel, chefe

da instituição, que ressalta a ressocialização, abordada como ato de reformar a pessoa.

Apesar deste lado positivo visto por D. existe em sua fala e no funcionamento do presídio

uma pressão, imposição de regras e comportamentos e não aceitação de desobediência e

insubordinação. D. busca enxergar essa pressão, também, como positiva, a fim de poder

lidar melhor com essas transformações em sua vida, mas, principalmente, porque acredita

ser necessário existir alguém que determine regras – uma figura paterna. Além disso, é

possível identificar que a religião nesse caso é a ponte que faz o indivíduo aceitar as regras

dadas pelo presídio, pois deixa a impressão de que ser submisso é bom. Sendo assim, ouso

dizer que dentro do presídio D. tem lidado melhor com seu complexo paterno, a figura do

pai tem se mostrado positiva e necessária para que ele se re-organize.

No que diz respeito ao chamado processo de individuação de Jung, é possível dizer

que este acontece de uma forma diferenciada dentro do presídio. No caso de D. são

identificadas mudanças em seu comportamento e muitas atitudes projetadas em Deus. A

relação com a religião foi muito importante para ele desde que adentrou no presídio e foi a

partir da mesma que pôde se tranqüilizar e compreender algumas coisas, mesmo que para

isso não tenha distinguido que, além da figura de Deus, existe uma força interna que o

sustenta e ajuda em tudo isso, e que o demônio muitas vezes pode estar dentro dele, ser seu

lado sombrio. “Em qualquer segundo, então você se torna assim, desprotegido. Quando

você está desprotegido, você se sente bem humilde, bem humilhado, então... você

entristece, você pensa em coisas que se você não estiver com Deus você faz. Pensa até em

suicídio, entra em desespero, ai você precisa tomar remédios. Remédios que pra fazer sua

mente não estressar, remédio pra te auto-controlar”.

Além de ser o presídio um local onde algumas mudanças internas e externas

precisam acontecer no sujeito, o fato de o mesmo se tornar, ou ser, religioso também tem

forte influencia nesse processo. No caso do indivíduo religioso o contato com os conteúdos

inconscientes aparece na relação com o sagrado, que só pode ocorrer satisfatoriamente

quando não estiver focado somente no externo (mundo concreto). Segundo Zeni (2005), as

religiões são vistas como formas de manifestações arquetípicas pela Psicologia Analítica,

pois através de seus símbolos falam da própria psique, já que os significados dos mesmos

podem ser diferentes de acordo com cada indivíduo; tendo a função de promover o

processo de individuação através da manutenção da comunicação entre os mundos interno e

externo em cada pessoa.

A atitude religiosa tem em si a relação entre interno-externo / ego-sombra, o

demônio é responsável pelos aspectos negativos, como a sombra, e Deus pelos aspectos

positivos. Por esse motivo, constata-se que as religiões proporcionam o desenvolvimento

psíquico, ampliação da consciência como o processo de individuação, aumentando então, a

confiança que cada um tem em si mesmo. (ZENI, 2005) As mudanças são possíveis de

serem identificadas através dos símbolos na fala de D. e por ele mesmo, quando diz que

está se transformando num novo homem. “E graças a Deus até hoje eu tô aqui esperando a

minha vitória para ser transformado em outro homem, ser companheiro da minha mulher,

ser bom amigo dos meus filhos, logo também eles vão se casar e terão um netinho pra

alegrar o vovô”.

“Quando você está desprotegido, você se sente bem humilde, bem humilhado,

então... você entristece, você pensa em coisas que se você não estiver com Deus você faz.

(...) Então tem que saber de, de ser, se adaptar ao regime. Se adaptar ao regime para não,

para não se auto-prejudicar por, através de pessoas que o trazem a palavra.” Através

dessa fala de D. é possível identificar as peculiaridades do processo de individuação dentro

do presídio. São muitos os momentos difíceis em que é preciso adaptar-se e reconhecer

comportamentos para conseguir conviver com a privação da liberdade, e mudanças que

surgem com a mesma, além de identificar em si mesmo os sentimentos presentes. A

religião ajuda, nesse momento, por ser um espaço que recebe o indivíduo, o faz pertencer a

um grupo, compreender que outras pessoas estão passando por momentos parecidos, ao

mesmo tempo que leva o indivíduo a “pensar”. Amplia sua consciência, pois segundo Zeni

(2005), religião indica uma atitude do espírito humano, uma consideração minuciosa e uma

observação cuidadosa de determinados fatores dinâmicos poderosos (deuses, demônios,

espíritos), ou ainda, a vivência de uma experiência primordial que permite ao homem entrar

em contato com o numinoso, que tem como conseqüência a modificação da consciência. (p

23)

A próxima etapa do processo de individuação seria o recolhimento da projeção que

o indivíduo fez no externo para poder se apropriar da mesma e compreender suas

mudanças, recolher suas questões. Nesse caso, D. “colocou” em Deus algumas questões,

vontades e ações que eram próprias dele. Para o processo de individuação acontecer, é

necessário que ele olhe para si e perceba que pode fazer aquilo que estava atribuído a Deus,

pois através da projeção conseguiu conquistar muitas coisas. Assim sendo, pode-se dizer

que o processo de individuação está acontecendo, o indivíduo está se tornando singular,

pois terá ampliado sua consciência e o ego terá um maior número de possibilidades no

mundo arquetípico e externo (cultural).

5. Considerações Finais

“Às vezes, ouve-se um tiro. Alguém rompeu o contrato. O que ocorreu? O crime nunca denuncia algo que acontece no tecido social e no indivíduo. O delito tem essa dupla face: é revelador da constituição do psiquismo e da instituição social”. (Teixeira, 199623)

Através desse trabalho foi possível observar a hipótese comprovada no estudo feito

pela autora em 2005, em relação ao apego à religião, sendo, também, possível uma reflexão

sobre a ocorrência do processo de individuação em indivíduos religiosos, pois se sabe que

quando a pessoa se encontra em um consultório para fazer acompanhamento psicoterápico,

tal processo acontece de uma forma diferente do contexto apresentado.

Foi possível identificar que o sistema prisional elimina ou diminui as diferenças na

medida em que todos usam a mesma roupa, crachá e, na maioria dos presídios, perdem sua

identidade – seu nome, pois passam a ser um número. Nesse contexto, a religião busca o

indivíduo, faz com este olhe para si, mesmo que seja através da projeção no divino. Ou

seja, as duas instituições apesar de agirem de forma diferente sobre o indivíduo, de certo

modo se completam, pois ao excluir o presídio apresenta uma forma de incluir e a religião

se apresenta como uma saída, uma maneira de o indivíduo se redimir de sua culpa,

encontrar respaldo para suas angústias e um grupo para pertencer, no qual acaba tendo um

lugar e uma identidade, deixando de ser o interno para ser um filho de Deus.

Nesse aspecto, o Romão Gomes se diferencia, de certa forma, dos outros presídios.

Pois, mesmo que os internos usem roupas iguais e tenham crachá, em alguns casos ainda

existe uma identificação com o cargo que exerciam na corporação e por esse motivo são

chamados por esse nome, como por exemplo “soldado”. O que muitas vezes pode causar

conflitos nos indivíduos por estarem num local onde não existe diferença hierárquica entre

23 In Sequeira, Vânia C. Penas Alternativas à Prisão: Um estudo sobre os efeitos subjetivos da Prestação de Serviço à Comunidade. São Paulo: 2000, 162p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

eles. Já em relação a religião, não é perceptível diferença em comparação aos outros

presídios, pois as Igrejas estão presentes em todos e têm bastante adeptos em seus cultos.

Talvez o trabalho nesse local seja diferenciado pelo fato de serem ex-militares e aparecer

essa diferença no tratamento entre alguns internos os internos e o presídio ser diferente, em

minha concepção, melhor que os demais pelo fato de ter um número grande de

ressocialização e todos trabalharem.

Essa ambigüidade exclusão-inclusão não acontece somente com estas duas citadas

instituições, mas está presente na sociedade atual, que é individualizada, onde o sujeito é

referência maior, causando a construção e desmoronamento de ancoragens identidárias por

causa do mundo moderno, das tecnologias e das velocidades com que as coisas acontecem,

segundo Benilton Bezzera.24 Essa idéia pode ser relacionada ao conceito de sociedade

líquido-moderna de Bauman, pois diz respeito à velocidade das mudanças e ao fato de as

relações estarem cada vez mais frouxas, e de as pessoas usarem a religião da forma que

melhor lhes convêm, ou seja, participam de diversas crenças e levam um pouco de cada

uma para suas vidas ou mudam freqüentemente de credo.

As mudanças ocorridas no campo religioso, com certeza, têm relação com essas

modificações apontadas na sociedade. Mexe-se com muitas questões coletivas,

inconscientes e conscientes, e ao mesmo tempo em que dão amparo a algumas pessoas,

causam desamparo em outras – como em todos os campos da vida. Existem muitos

arquétipos e imagens presentes nesse campo vasto e bastante complexo, por esse motivo

muitas pessoas aceitam as regras impostas, dando-as como certas e não questionam ou

buscam por mais clareza sobre o assunto. Acreditando naquela verdade aprendida e levando

isso para sua vida, muitas vezes sem saber o motivo e sem buscar compreender a relação

com suas atitudes no dia-a-dia.

Levando em conta o desamparo presente na sociedade e no sistema prisional,

entende-se que as projeções e as angústias ficam maiores, pois a pessoa precisa encontrar

24 Frase dita durante uma apresentação em conferência de encerramento do 16o Encontro de Serviços-Escola de Psicologia do Estado de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 03/10/2008.

um meio de se individualizar, viver com todas as mudanças ocorridas, sem muito respaldo,

ao mesmo tempo em que precisa respeitar as normas, conviver com os limites e mostrar

para sua família, amigos, etc, que está tudo bem para que estes não fiquem muito

preocupados e continuem visitando-a, levando um pouco de alegria e força de vontade para

que termine o cumprimento da pena e possa retornar a liberdade. Sendo assim, verifica-se

que acaba sendo mais difícil de o indivíduo recolher sua projeção e entender que alguns

sentimentos estão maiores pelo local em que está e pela situação que se encontra, pois

dificilmente pode conversar sobre as questões emocionais no presídio e com sua família

prefere não falar muito para não preocupá-la. Portanto, a religião aparece como único meio

e o culto como o local onde as emoções podem ser “colocadas para fora”.

Durante a execução do presente trabalho a autora encontrou contribuições para

questões contemporâneas, mas não só, pois ampliou o conhecimento em relação a

Psicologia Analítica, em especial sobre o processo de individuação. Como por exemplo: a

questão da projeção no divino ficou mais clara no decorrer do trabalho e mostrou muitas

peculiaridades existentes nesse momento, despertando curiosidade de saber mais e buscar

um conhecimento do trabalho psicológico junto ao religioso nessas instituições.

Enfim, com certeza é um tema que merece mais estudo e profundidade. É um

assunto bastante instigante que não se esgotou e provoca muitas questões nas pessoas que

dele se aproximam. Diz respeito a muitas situações coletivas e individuais que

normalmente não gostamos de ver, então deixamos como sombra. Além de tratar questões,

sobre o modo de funcionamento dessas instituições, tanto a polícia em relação ao respaldo

dado aos componentes da corporação em seu trabalho, quanto às modificações necessárias

no sistema prisional, mesmo que, conforme demonstrado, seja um presídio diferenciado,

como o Romão Gomes, que, ainda, oferece um respaldo maior ao indivíduo.

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ANEXOS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, R.G. ,

declaro, por meio deste, que concordei em ser entrevistado(a) na pesquisa de campo do

projeto “O Processo de Individuação em Presidiários Religiosos” (título provisório),

desenvolvido por Maria Carolina Rissoni Andery da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, orientada pelo prof. Dr. Sergio Ozella. Afirmo que aceitei participar da pesquisa

sem receber qualquer benefício financeiro, com a finalidade de colaborar para o sucesso da

mesma.

Fui informado(a) dos objetivos da pesquisa, que são acadêmicos e em linhas gerais:

entender e verificar se acontece o processo de individuação em presidiários religiosos que

cumprem pena privativa de liberdade. E, também, que o uso da informação está submetido

às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional

de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.

Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista gravada, e estou

ciente de que poderei contatar o pesquisador responsável ou seu orientador, ou ainda o

Comitê de Ética da PUC-SP, caso me sinta prejudicado ou tenha dúvida. Estou ciente,

também, de que posso desistir da participação no estudo a qualquer momento, sem prejuízo.

Recebi uma cópia assinada desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da

pesquisadora principal.

São Paulo, de 2008.

__________________________ De acordo:

Assinatura do Participante __________________________ __________________________

Assinatura da Pesquisadora Nome: ____________________ OAB no ____________

Primeira entrevista com D.

- apresentação

C: Antes de ser recolhido você já freqüentava alguma Igreja ou passou a freqüentar depois?

D: Eu freqüentava alternativamente Igreja, a Igreja Católica, mas desde menino conhecia as

palavras escritas na Bíblia através dos meus estudos, que li muitos livros, então quis saber

também da vida de Cristo Salvador. Como nasceu, como cresceu, como veio ao mundo, os

milagres que Ele fez, que quem vai de encontro com Cristo tem a salvação da vida eterna,

mas nunca me apeguei a religião, ser freqüentador assíduo da Igreja Católica. Ia sempre na

Igreja Católica freqüentando casamento, crisma de crianças então nunca dei as costas a esse

Deus venerável, a Jesus. Nunca também zombei de crente algum, pessoas que

freqüentavam outra religião e nem discuti também religião com ninguém. Então se para

essa pergunta, esse quesito ta bom, então pode fazer outra pergunta.

C: Como você se vê, se sente, com essas mudanças que aconteceram em sua vida?

D: Então, após eu ser recolhido, ai cai, minha consciência me apontou para que eu deveria

procurar um recurso para eu tirar de dentro de mim as mágoas do meu coração quando eu

adentrei aqui na prisão, uma delas a principal era a saudade. (se emocionou um pouco,

apesar de não olhar para mim) Saudade de não conviver com meus familiares e co meus

filhos porque um homem que é tirado da liberdade e colocado no isolamento então ele se

transforma. Pode se transformar para pior, de momentos de levá-lo a loucura, de levá-lo ao

suicídio ou tomar...

C: Como foi para você ser recolhido?

D: Me achei jogado no fundo do poço. Mas, o Grande senhor faz milagre de tudo quanto é

tipo de jeito, é só ter fé... Ele lhe dará na hora certa, nem antes, nem depois.

O senhor me falou “... Eu o conduzirei aos caminhos, não deixarei que espinhos entrem...

apesar de interno, livre como um pássaro” (se emocionou muito enquanto falava isso e

contou que ainda não foi condenado)

C: E a relação com sua família, como era? Mudou depois que você foi recolhido?

D: Contou que quando foi preso sua mulher ficou com vergonha e lhe disse “doente até

fiquei quando você adentrou, nunca mostrou suas qualidades lá fora” e disse para mim “foi

uma nova conquista para mim”.

Estou passando pela situação que deveria passar na vida, é uma reciclagem. Estou sentindo

vitorioso e muito alegre com os pastores que aqui vem.

C: Você segue alguma Igreja aqui dentro ou só o PMs de Cristo?

D: Aquela que falar a palavra de Deus para mim é Igreja. E minha segurança.

C: E hoje, como é para você estar recolhido?

D: Essa casa aqui é segunda casa que encontrei, todos me recebem de braços abertos, de

todas as partes... não chamo de cadeia, internato para o bem. Quando o interno saia... (o

Coronel entrou na sala, falou e a atrapalhou o término do raciocínio. J. estava bem

emocionado e dizendo que se sente bem no presídio, é bem tratado e que é o local para

ressocialização).

Observação: Essa entrevista ficou um pouco prejudicada porque o gravador apresentou

problema, além da entrada do Coronel que chefia a instituição, porém D. estava bem

emocionado e, apesar de, no começo não olhar para mim, deixando dúvida quanto a sua

vontade de fazer esse contato, falou bastante durante a formulação das respostas,

mostrando-se aberto a uma nova conversa.

Segunda entrevista com D.

C: Na outra entrevista, você disse que nunca se apegou a religião, freqüentava Igreja

Católica, mas sempre leu sobre o assunto. Como foi se aproximar da Igreja, a PMs de

Cristo é evangélica né?! Como foi essa aproximação?

D: Perfeitamente! Então essa aproximação foi numa hora que eu me senti desesperado e

sem me pegar a alguém. Esse alguém eu achei que deveria ser alguém que eu sempre

acreditei, que era Deus. E a Igreja Católica não estava presente ao meu lado, porque a

Igreja Católica não vai onde eu vou aqui nesse presídio, na grade. Que eu estava na grade

preso, ai quem se apresentou foram as outras Igrejas Evangélicas como: PMs de Cristo,

Cristã do Brasil e religião espírita que eu também assisti cultos, para mim saber também,

ter conhecimentos de sobre espiritismo também. Ai freqüentei todas as religiões que ali

davam culto, que é na sub-sessão que é chamado, que é o local que você ainda ta no

primeiro estágio.

Ai comecei a entender as palavras de Deus, de Jesus através do evangelho e todas as vezes

que eu ali freqüentava me sentia fortalecido, fortalecido e feliz. Então aquilo que eu tinha: o

stress, a vontade de chorar, as más intenções que tinham na minha mente elas saíram, saiam

sozinhas. Saíram da minha mente através da oração que eu fazia após. Então tudo que me

dava de mal eu orava a Deus. Abria, via salmos e.... ia vê a Bíblia, as passagens que Jesus

passou, o Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Romano e tal. Fui vendo, fui

lendo e fui vendo que aquilo era verdade que eu precisava para colocar dentro do meu

coração para ser um homem feliz e conseguir romper todos os obstáculos que estavam em

minha volta e minha frente. Porque eu acreditei que se existe um Deus e que Jesus fora

atentado também, existe também esse demônio. Esse demônio rodeia o homem também, 24

horas por dia para que ele cometa o mal, cometa o mal, para que ele tenha pensamentos

iníquos sob seu semelhantes, seja ruim. Então para ter proteção desse demônio, desse mal

que também você não o vê. Eu também não vejo Deus, nem Jesus. Mas eu sinto ele, sinto a

presença dele quando oro, sinto a presença dele quando peço ele atende, sinto a presença

dele em tudo. E sinto também o demônio querendo fazer maldades do meu lado, que é

talvez um próprio companheiro que tem a maldade sobre seu semelhante que é seu amigo.

Tem o poder da inveja, que o demônio é invejoso, então ele não quer que você se

sobressaia, quer que sempre você fique aos pés dele. Peça pra ele as coisas e não para o

Deus verdadeiro que tem força e que tem valor e que te sustenta na hora da necessidade. Na

hora da necessidade temos que orar a Deus e pedir que ele nos dê a mão, estenda sua mão

para nós pegarmos e quando você ta pego na mão de Deus nada lhe acontecerá, porque Ele

te sustentará. Que Ele é a mistura, a mistura que segura qualquer situação em qualquer

momento então é isso que me fez eu pegar a Bíblia, a religião e orar a Jesus e conhecer o

Testamento, que fora escrito através de milhões de anos desde quando Moisés receberá as

Tapas da Lei no Monte Sagrado, entendeu? Isso ai, é o que me fez cada vez mais, a... me

fortalecer em Cristo.

C: E ai você também disse que uma fala sua era assim “o homem que é tirado da liberdade

e colocado no isolamento se transforma”. Eu queria que você falasse um pouco mais sobre

isso.

D: Ah sim... o homem, quando ele sai da sua liberdade natural que ele vive, na companhia

dos demais, então ele não sente nenhuma pressão. Porque citando um exemplo: se eu tenho

um inimigo, eu achando que ele é inconveniente a mim o que eu devo fazer? Me afastar

dele, ai eu consigo me afastar dele e bem longe porque eu tenho espaço. Mas quando eu

não tenho espaço eu estou perto do meu inimigo, ai que é o problema. Ai o problema se

torna gravíssimo, que aquele homem que te odeia então você não sabe quais são as

intenções, então ele poderá lhe prejudicar, até atacar no momento que você precisa dormir.

Então você não vai ficar dentro de uma cela acordado durante 24 horas porque você não vai

resistir então você tem que ter aliados. Ter aliados e não arrumar inimizades tem que

arrumar amizade. Você sabe que ele tem condenação alta e você tem pequena, então isso

porque querer levar você para o mal. Então ele lhe convida a fazer coisas que, que a lei

penal não permite fazer. Como por exemplo: fumar ou não obedecer os horários ou te

convidar, até, ninguém sabe se tem ou não tem, ou te convidar para que aqui eu nunca vi ou

te convidar para fumar droga ou remédio, tomar remédio que é proibido. Então... para você

se prejudicar e ficar com ele ai a vida toda, então não é assim, então por isso que a gente

tem que estar sempre alerta e se pegar sempre em Deus e se você perceber que aquele

fingimento, que é o demônio que finge, então você se afasta. Se afasta e como deve se

afastar, então se deve ficar no seu canto sem dialogar, sem dialogar muito, pegar sua Bíblia

e ler.

Pegar sua Bíblia e ler e ver aqueles que, que tem um relacionamento mais ou menos

equiparado ao da gente. É que fala a mesma língua, que tem um comportamento, um

comportamento de calor humano que um ajuda o outro. Que tem vezes que aqui você se

acha completamente sozinho, então você tem que saber viver naquele momento para saber

viver naquele momento é somente pedindo a Deus mesmo e ficar no seu canto, quietinho,

entendeu?

C: Como foi essa transformação para você? E como você saiu e ficou nesse isolamento?

D: Para mim foi, foi muito difícil essa passagem ai. Porque como vivia lá fora, viva muito

bem, vivia bem. Tinha minha família, vivia com meus amigos. Então eu também, uma

pessoa como eu aposentada, só tava desfrutando da minha aposentadoria e da minha

liberdade. Então o que fazia era estar em casa, lá com a minha família e sair e voltar a hora

que eu queria. É... sem ter compromisso, é, ir para Igreja em alguns dias de final de semana,

é, conversar com minha mulher em casa, conversar com os filhos, das conselhos a eles né?!

E dormir sossegado sem pensar que as contas eram pagas certas, sempre ta tudo dentro do

regime, o que se pode comprar, o que se pode gastar.

Então levava uma vida maravilhosa, uma vida tranqüila, até que o destino me levou para

um lugar ai que eu não devi ter ido lá, que não era para ter ido lá e encontrei-me com uma

situação que deparou a mim, que se deparou diante mim que eu tive que tomar uma atitude,

que uma atitude para não morrer de legítima defesa. E fez com que eu viesse parar aqui na

cadeia. E falei, não é possível eu ta solto e em poucos minutos eu ta preso. Isso acontece

com qualquer tipo de pessoa, não somente ir para cadeia como encontrar a morte, como

todos encontram pela rua. Às vezes você ta indo para o trabalho, um carro bate no outro

vem em cima de você na calçada e te mata, vai atravessar uma rua e é atropelada. Vai para

um tal lugar, há um tiroteio a bala pega em você e leva você, a fatalidade ao morrer. Então,

são coisas que você tem que ser guiado por Deus, por isso que nós devemos orar ao sair de

casa, ao voltar, de noite para deitar, nunca esquecer daquele que nos protege, entendeu?

Que é esse Deus que eu acredito, que ele existe mesmo. E que mandou o seu filho para

morrer na cruz, que é o cordeiro de Deus. Primeiro sacrificavam animais, então Jesus veio e

foi colocado em sacrifício pelo seu pai, ai a morte de Cristo na cruz para tirar todos os

nossos pecados. Então, nós temos que crer em Cristo, Jesus, crer no pai e ter também um

Espírito Santo de Deus que são o ministério da santíssima trindade que é, que é o

Catolicismo, que a Igreja Evangélica acredita, entendeu?!. Agora tem religiões, demais

religiões ai que, que fatiam essas, essas três peças que é o pai, o filho e o espírito santos.

Testemunho de Jeová, por exemplo, Cristo Rei também não tem Espírito Santo, então Jesus

é Jeová, Deus é Jeová, então não acompanha quase a Bíblia, não é 100%, então é distorcido

entendeu?!

C: Você era PM e veio pra cá e virou... e foi recolhido. Como foi, como se sentiu aqui

dentro?

D: Não, o regulamento, então o regulamento do Militar em si, na vida do Policial na ativa,

já tem regulamento. No meu tempo, agora os regulamentos aqui são mais, não são tão

severos quanto eu entrei na policia, que eu entrei na ex – força púbica. Então tinha: prisão;

prisão isolada; prisão fazendo serviços, que nem você ia trabalhar e depois voltava; prisão

sem fazer serviço; prisão fazendo serviço; detenção que você ficava no quartel só, não

ficava na grade, mas ficava lá preso dentro do quartel sem poder ir pra casa; e repreensão

verbal e escrita. Agora não, agora não tem mais prisão como o homem entrava na grade e

fechava. Como eu sou da época antiga, então, eu não fui punido com prisão, com prisão

fechada, eu nunca fui. Mas sentia com os meus colegas que iam para prisão, se sentiam

tristes, humilhados porque ficava isolado da família. Uma prisão sem vir pra cá era 30 dias

que o comandante podia dar num quartel, qualquer quartel. Ai o comandante podia dar até

30 dias de prisão para um homem, se fosse mais que isso ai ele teria que vir pra cá. Da

prisão já era removido para prisão do Romão Gomes, que seria um crime mais grave como

se fosse: uma deserção, ou uma agressão ao superior ou um descumprimento de ordem que

tava no regulamento que era punido com, com mais rigidez.

Ai eu vi, via aquilo tudo. Então guardei dentro do meu coração também, que eu fui detido,

mas fiquei detido no quartel. Mas a detenção, não é tão pesada como a prisão. Ai quando

você se acha preso, longe da família, no isolamento, com pessoas desconhecidas, sem

conhecer o sistema prisional, então você se torna um perdido ali no meio. Mesma coisa que

você, é uma formiga caída num monte de pé de elefante que pode esmagar. Entendeu? Em

qualquer segundo, então você se torna assim, desprotegido. Quando você está desprotegido,

você se sente bem humilde, bem humilhado, então...você entristece, você pensa em coisas

que se você não estiver com Deus você faz. Pensa até em suicídio, entra em desespero, ai

você precisa tomar remédios. Remédios que pra fazer sua mente não estressar, remédio pra

te auto-controlar. E muitas vezes esses remédios não fazem bem nenhum porque ele vai

viciando você, então cada vez tem que tomar dose maior. Você vai sofrendo pressão e vai

tomando dose maior, quando você vê está envolvido por esse remédio. Ai você não

consegue dormir sem ele, então é uma situação que o homem tem que saber se auto-

administrar quando ele se vê isolado numa prisão. Então ele tem que ser seu próprio

médico, seu próprio professor, saber das amizades que ele arruma, saber o que fala. Então

tem que saber de, de ser, se adaptar ao regime. Se adaptar ao regime para não, para não se

autoprejudicar por através de pessoas que o trazem a palavra. A palavra que chega a você,

chega completamente distorcida então talvez a conversa é uma, mas ao chegar a você ela

está totalmente distorcida e se você levá-la a frente vai se distorcer mais ainda, então vai

chegar lá no fundo quem falou foi fulano, foi ciclano, ai vai dar, vai da o maior rebu, ai

você vai ser chamado e ouvido e pelo que você falou pode ser até punido.

C: Você disse pra mim, da outra vez, que está vivendo uma reciclagem. Como seria essa

reciclagem? O que seria ela?

D: Ah, não.. a reciclagem que eu digo são os estágios né, são os estágios que o interno

passa por aqui. Então quando você chega aqui você tem um crachá vermelho, que quer

dizer, nós temos um semáforo: temos vermelho, amarelo e verde. O vermelho tudo é

proibido, então você tem muitos artigos a cumpriri, ta escrito na LEP é Lei das Instituições

Penais, então ta lá. Então você não pode quebrar nenhum desses artigos, se você quebrar

algum desses artigos você é punido. Ai você fica sendo observado, você passa pelo

psicólogo. Então é observado suas atitudes juntamente com os outros internos, se você é

causador de, causador de brigas, causador de fofocas, se é causador de não cumprir as

ordens, é causador de criar caso com amigo dentro do, dentro do, aqui é chamado “X” né!?

Que é xadrez, aqui dentro da sala que você tá preso, não vou falar grade, aqui dentro do

“X”, então você tem que ser, o menos encrenca que você arranjar melhor, então você está

sendo analisado. Ai vai ter uma seleção e eles vão ter também se você é trabalhador, se é

cumpridor dos deveres que é cuidar, se faz a faxina bem feitinha e tal. E.. você é colocado

também pra trabalhar, ai você vem trabalhar pra fora, porque o interno do vermelho só

trabalha na cozinha ou pode trabalhar em obra, mas com escolta. Ai eles trazem você com,

você ta mais antigo ali, ai eles te dão uma chance pra você passar pro amarelo.

Então no amarelo você fica entre o vermelho e o verde, ta amarelo. Ta ali, pode mudar;

então pode dá vermelho de novo como você ir pro verde. Então você vai progredindo ai no

amarelo até uns tempo, ai... que esse crachá ai, que é o amarelo te dá a chance de você

receber mais visitas também. Sendo que o vermelho era só três visita, esse amarelinho se

você pegar, recebe cinco visitas fora de lá, você já sai de lá da cadeia, da grade. Ai não tem

mais a grade que fecha e tal, ai você vai pro alojamento, então o alojamento você não vê

mais a grade bater, você já tem mais espaço pra respirar, é um alojamento conjunto. Ai

você tem seus amigos pra dialogar, se pode trocar livros, conversar, tem televisão, tem

banheiro já coletivo. Ai você se solta, se solta mais, mas tem que se soltar sem esquecer que

você pode voltar lá pro vermelho, pode retroagir se você se alterar. Então tem que ter muito

cuidado, então esse cuidado vem da sua calma, da sua maneira de agir, de arrumar seu

grupo de amizades. Amizades com aquelas pessoas que, ta cheio de gente falsa. Chama

fazer a mão, querendo fazer a mão, faz uma coisa e culpa o outro. Até prova você pode

deixar, que nem os armários são todos abertos os armários, se eu quiser prejudicar um

amigo, é só eu colocar apenas um pacote de bolacha lá que não pode ter bolacha aqui no

alojamento, não pode ter. Só pode ter no dia da visita pra você comer, ai você consome e na

segunda-feira é outro dia, lá, ai já ta proibido. Ai se ele coloca lá, se for ter uma visita e

pegar você com aquilo lá então você vai ser punido. Conforme o que for pego lá, você pode

até retroagir do amarelo pra você voltar lá pra grade outra vez. Já tem acontecido muito,

você esquecer de cumprir os regulamentos a risca e cometer falhas. Cometer falhas e voltar

outra vez. Então não é bom, então... aqui, deixa você atento 24 horas por dia. Porquê tem a

revista às 6 horas da manhã, tem a corneta, ela toca tudo, mas é as corneta aqui. Ai você se

levanta, faz a barba, escova os dente e desce para o café às 6:50, a corneta toca novamente

ai é feita outra revista pra ver se você está barbeado, se está em condições.

Ai você toma o café, ai você vem pro desfile, toca o reunir também, o reunir quer dizer ta

pronto pra entrar em forma. Ai entra o desfile, ai o desfile recebe o comandante, é feita a

continência ao comandante ou a mais alta autoridade que estiver no quartel, sub-

comandante, ai é feita a revista a tropa ai você vai trabalhar. Você vai trabalhar, isso quem

ta no segundo e no terceiro estágio, que do segundo passa pro terceiro, ai você passa por

outra entrevista entre os comandos. Entra numa sala, é feita perguntas pra você ai você

responde, se eles acharem que você está apto através das perguntas que você respondeu, ai

você passa pro crachá verde. Depois disso o crachá verde fica na pessoa até que ele seja

julgado, porque ninguém tem crachá, tem um outro crachá ainda que é o azul. Mas só

depois que ele for julgado e sentenciado, ai ele ganha um azul que ele recebe o semi-

aberto. Aquele que já cumpriu metade da pena fechado, ai ele vai e passa pro semi-aberto e

ai ele pega o azul. Então quer dizes que ele pode através de petição ao juiz e autorização do

comandante daqui, ele pode estudar ou até trabalhar pra fora, através de autorização do juiz.

Mas só que essa autorização, também, ele não pode quebrar. Ele não pode quebrar também

nenhuma, nenhum dos artigos dela que é manter o horário da ida e da vinda, a hora que ele

saiu e a hora que ele chegar porque eles tem um horário para ele ta em trânsito. Seu transito

faz de conta é duas horas, então você não pode chegar aqui duas e vinte sem que tenha

acontecido nada lá, se não quebrou ônibus, tal. Então ele tem que se manter, então ele não

pode ser pego também, quando ele vir em locais impróprios, como: bares ai ele entra lá pra

comprar, pode comprar talvez um cigarro se ele fuma, mas não pode permanecer lá.

Permanecer lá dentro, porque se o serviço de vigília, que faz esse serviço ai pra olhar esses

internos que receberam essa carta de, de poder estudar e trabalhar então ele pode quebrar.

Se ele receber uma comunicação que estava em locam incompatível que estava no jogo,

que estava no, no, no dance ou tava no bar ai ele pode quebrar, ele quebrando isso ele é

recolhido, ele é recolhido do semi-aberto ai ele não pode mais sair. Então ele tem que puxar

no semi-aberto que tem a saidinha só, as saídas que são temporárias que são 5, 5 por ano.

Então ele tem que tomar todas as precauções, então se pensa que você ta num regime que tá

muito aberto, mas, não tá, tem que tá sempre alerta. Então o interno tem que ser

monitorado, então ele que faz ele mesmo, se ele quiser que vá tudo bem então ele cumpra

tudo. Ninguém daqui persegue ninguém, estão aqui só para orientar, te servir e te instruir

para o amanhã, pra uma vida melhor. É, reformar a pessoa, reformar a pessoa para quando

ele sair está em outra vida, numa vida melhor que, para ele não errar mais. Então isso, aqui

que é o presídio Romão Gomes é pra ajudar, é pra ajudar os militares né?! Às vezes ele tá

em dependência também, tem elementos que estão em dependência química, então eles são

tirados né, tirados da rua e vão internados, são internados. Mas quando na internação ele

não quer obedecer e continua fazendo então ele também é sujeito a ser recolhido pra cá, ser

preso né, com droga e tal.

Então o Presídio Militar Romão Gomes o objetivo é reeducar, reeducar o policial para

sociedade né?! Inclusive aqui tem serviço também, para aqueles que não podem sair, eles

dão serviço aqui também. Para que a pessoa possa ganhar um dinheirinho, pra ajudar a

mulher que está em casa tomando conta dos filhos, né?! E várias firmas dão emprego ai

também, inclusive dá cesta básica, paga o salário, um salarinho ai a pessoa vai levando a

vida até chegar o dia de ela ganhar sua liberdade e começar uma nova vida.

C: Como é a relação com a sua família? Você trabalha também, recebe um dinheiro, a sua

mulher vem visitar. Como foi tudo isso? Como era antes a relação com a sua família?

D: A relação com a minha família era uma relação normal, mas, não afetiva, não tão

afetiva. Faça de conta, eu vejo meu pai todo dia, então todo dia estou vendo meu pai.

Minha mulher vê o marido todo dia, então você por ter aquela regalia de estar todo dia com

a família, você abusa. Então você não cumpre os horários, bebe, é.. dá respostas más para

mulher, talvez ela nem mereça, com os filhos também você dá respostas agressivas que

talvez não mereciam. Então você se acha um vilão dentro da família, ai quando você é

separado da família ai é que você sente o que é uma família, porquê gente estranha não

vem, não vem ninguém vê você aqui na prisão, nem vem bebe com você porque aquele

tempo que vocês andavam lá pelos bares, pagava pá um. Então tem muitos amigos na rua,

mas quando você vem preso eles torcem pra você ficar preso. Não sei porquê motivo, ele

falam “ah ele fez isso então não prestava, esse cara é... não falei pra você fulano que esse

cara não prestava, olha lá ele ta preso, ai ó, aconteceu alguma coisa com ele, matou fulano,

ele roubou, ele fez isso e tal. Então só quem dá valor na gente é quem nos ama de verdade,

é única pessoa que ama, ama mesmo da família é a mãe do interno, a esposa do interno se

ela te amar mesmo ela não te abandona, seus filhos e seu pai, sua família, só a família. É, a

família é aquilo pai e mãe, filhos e irmãos. Até irmão, até irmão eu dizendo pra você que

irmãos não tem a mesma afetividade no outro não, como tem uma esposa ou um filho. Os

irmãos cresceram junto com a gente, mas tem uns que não ligam muito. Não ligam muito

para a vida do outro não, vivem separados cada um que, que, que se salve por onde puder.

Porque eu tenho irmãos que não vieram me visitar, até hoje não vieram me visitar, não sei

porque motivo. Um falou “ah não gosto de ver cadeia que eu fico triste”, “ah não gosto de

ir lá, tatal.. porque faz revista, por isso, por isso”. Porque quando você ama uma pessoa

você enfrenta qualquer situação para estar junto dela, para dar um conforto de palavras né?!

Palavras confortáveis, escreve carta. Agora tem gente aqui, que não no meu caso que estou

bastante assessorado pela minha mulher que nunca falta, meus filhos que me amam, minhas

irmãs.

C: E com os seus pais como era a relação, eles vêm aqui também?

D: Meus pais, eu perdi a minha mãe eu tava preso aqui, quando eu fiquei três meses minha

mãe faleceu. Minha mãe tava na clínica de repouso, minha mãe sofria de Mal de

Alzheimer, então ela não, não chego a pega, saber que eu tava preso porque a mente dela já

não funcionava. Então eu ia visita ela lá, mamãe tatal, mas ela não sabia mais nem que eu

era filho dela porque esse Mal de Alzheimer, Alzheimer deixa a pessoa sem noção

nenhuma né?! Ai meu pai também tinha falecido já há dois anos atrás, meu pai com 85 anos

e minha mãe com 83 anos. Ai tem meus irmãos que moram nos EUA e outro irmão meu

que mora na Inglaterra. Agora os que estavam aqui, que estão aqui ainda, me visitam ai

toda semana, então não tem visita to contente. Nunca eu transpareci nenhuma tristeza para

minha família para que eles não levassem isso pra casa, ai entristece a mim e eles. Então

sempre me mantive como se ta contente, estar alegre, nunca demonstrar, nunca reclamar de

nada. Porque “oh o meu marido ta”, se você falar pra sua mulher mil coisas pra ela, ela já

toma uma facada já, uma facada quer dizes um golpe. Um golpe de teu marido ir pra cadeia

e ela ficar lá sozinha tomando conta da casa, já é difícil. Agora se ela chega aqui pra visita e

fica contando as coisas que aqui acontece, ela vai sai chorando e vai perder as forças para

trabalhar, na outra semana inteira vai ficar de cama e com remédio e sedativo para depois

voltar aqui, então você sepulta sua esposa se você transferi problema de cadeia pá, pá sua

família. Então tem que ser um homem forte e perseverante e como você consegue ser forte

e perseverante? Juntamente com aquele um que lhe quer bem que é Deus, que é Jesus. Ai

você ora, freqüenta os cultos e via suportando tudo o que vier pela frente com a maior

calma.

C: Então é por isso que o senhor diz que a relação com a família melhora quando está aqui

dentro? Por esse valor que dá à família?

D: É lógico, se dá valor a família, você muda completamente. Lá fora você não dá valor pra

família porque você tá em liberdade, fala “ah o que eles vão fazer comigo, nada”, vô chega

e vô andar até com outras mulheres. O homem pode praticar até adultério ou ir pra essas

casas de dancing ou falar pra mulher que tava em tal lugar ou nem dar satisfação. Falar pros

filhos também que vai ficar dois dias fora de casa, fala que vai viajar com os amigo, com

pescaria. Então tem tudo isso!

Agora quando você se sente aqui, ai você não vê a hora da sua família apontar no portão,

você vê, vê aquele amor. Aquele amor de família que dá amor ao homem quando ele se

encontra numa situação dessa de isolamento. Ele é isolado da família, ah a maior força é

sua esposa e seus filhos, você vendo eles você tem força, agora você não vê, se a sua

família num vim te visitar, meu filho você ta embarcado, ai você sente que a depressão bate

e a semana demora muito pra passar. A semana demora demais pra passar se você não vê

ninguém. Agora se você vê traz noticia, fala que o amigo mandou lembrança, que a sua tia

falou isso, o que aconteceu durante a semana “ah nós almoçamos isso, fomos, veio amigo

meu em casa, a minha vizinha veio visita eu, fizemos bordado, fizemos isso”, ai você se

alegra, entendeu?! Faz de conta que você ta acompanhando a família, só que você tá

isolado ali, até na outra semana, então vai até passar esse tempo que foi determinado pela

sentença da justiça né?! Depende o que cada um fez né, o artigo ou a pena que cabe né?!

C: Por quê você escolheu ser policial?

D: Escolhi ser policial porque, quando eu, na minha cidade eu servi né?! Você é reservista

então você serve e eu adorei muito, adorei servir o exército e que... e amizade que você

adquire entre os camaradas e a dificuldades que você passa lá também, a correria, mas tudo

em harmonia sabe?! Então você sente saudade. Então falei, já que fui militar do exercito e

eu gostei, então vou entrar pra ser militar na policia militar. Ai entrei na ex-força pública,

não era tão evoluída que nem hoje, não tinha armamento que nem hoje, era com mais

dificuldade. Mas eu entrei também, naquela época no interior, no interior era tudo serviço

pesado, tinha de servente de pedreiro, tinha de carpi na roça, nos cafezais e tinha também

de trabalhar na cidade, no comércio, mas era muito disputado. O estudo naquele tempo, o

jovem estudava no máximo até o quarto ano primário, depois abandonava o estudo porque

já ia procurar profissão, porque as profissões que já eram oferecidas eram profissões

como... profissões simples, você ia ser pedreiro, você ia ser eletricista, você ia ser

açougueiro, você ia servir a cidade. Então a cidade tem o comércio, tem tantas lojas de

tantas coisas, tais lojas abraçam feminina, tais lojas abraçam masculina; então numa cidade

pequena você vai e tem a rede bancaria é unisex, então você escolhe lá, mas a disputa é

muito grande pra arranjar emprego. Eu, como minha mãe se esforçou muito, me pôs na

escola, ela era costureira. Meu pai não ligava muito se eu ia bem na escola ou não, ele não

era assíduo nos meu boletins, agora minha mãe era. Então ela me esforçava, eu com a

minha inteligência, então ela colocou eu, eu terminei o primário, não repeti nenhuma. Fiz

admissão, tinha admissão pro quinto ano. Tinha admissão para passar pra primeira série,

não sei se você sabe disso.

C: Não!

D: É então você não sabe né?! Você terminava o ginásio, para você passar pra primeira

série que era mais quatro série, que você tinha que fazer de colégio, não de ginásio você

terminava um grupo escolar, 4 anos. Ai ginásio era mais quatro, ai o colégio era mais três,

ai era 4 e 4 = 8 e mais 3, onze anos,que você ficava estudando. Então minha mãe pegava

no meu pé na escola e eu ia bem. Ai de menor, com 13 anos eu consegui colocação no

comércio, fui do sindicato, sindicalizado pelo comércio. Entrei no SESC, o SESC naquele

tempo tinha na minha cidade também, então entrei no SESC, quem tinha carteirinha do

SESC era assistido. Era assistido, odontológico, médico, odontológico, tinha isso no SESC

né?! É o Serviço Social do Comércio, ai tem as suas vantagens lá, tinha até clube, então eu

fui, cresci assim com uma mentalidade de um jovem para o progresso. Ai eu vim porque eu

queria conhecer a cidade grande, ai eu vim fiz inscrição lá em São José do Rio Preto que lá

tinha a força pública lá também tinha inscrição e tinha escola lá. Mas lá eu fui reprovado, ai

como eu tinha parente aqui em São Paulo, uma tia irmã da minha mãe ai ela foi me visitar e

eu falei com ela se podia ficar na casa dela e, e prestar os exames aqui na polícia militar.

Desde até que eu arrumasse um emprego ou uma pensão, então foi isso que aconteceu, ai

ela deixou, ai eu prestei os exames e nesse ínterim eu prestava exames de manhã e arrumei

emprego a tarde pra ajudar nas despesas né?! Então eu trabalhava até mais tarde, ai eu

passei na polícia, incorporei e fiquei. Ai meu tempo foi, ai.. foi de policial, fui estudando fiz

concurso pra Cabo, Sargento né?! Até que, cheguei até Tenente né?! Ai eu fui ajudando

minha família que é era do interior, trouxe todo mundo para São Paulo, então fui mantendo

minha estrutura, fiz uma estrutura pra mim né?! Ajudei a minha família e a mim também,

até que através do meu trabalho comprei minha casa, como todo mundo faz. Todo mundo,

aquele que quer evoluir tem que se esforçar, então fui esforçado e tive tudo isso. Minha

esposa, minha casa pra morar, meu carrinho, meus filhos estudaram também. Tive dois

filhos, graças a Deus é o Guilherme e o Rodrigo que vêm me ver. Um é Policial militar

também, o outro gosta mais de mexer com mecânica então vai fazer engenharia mecânica,

então eu levei minha vida. Então eu, pela idade que eu tenho, então eu fiz aquilo que eu

pude pela minha família, então eu acho que eu já ensinei tudo. Então, se eu chegar a faltar,

eles vão sentir falta desse pai que fez tudo, desse pai bom né?! Que eles tiveram, eu nunca

deixei faltar as coisas em casa, nada de comida, tudo sempre a primeira coisa que eu fiz foi

olhar pra casa, ver as despesas da casa né, deixar todo mundo sossegado.

E graças a Deus até hoje eu tô aqui esperando a minha vitória para ser transformado em

outro homem, ser companheiro da minha mulher, ser bom amigo dos meus filhos, logo

também eles vão se casar e terão um netinho pra alegrar o vovô. É mais ou menos assim.

C: E como foi, você era policial, chegou a ser Tenente, tinha um cargo alto...

D: É não é tão alto, é médio né?!

C: É então, mas é um cargo que é bem visto, tem um certo poder. Como foi essa

transformação de ter tudo isso como policial e, de repente, se encontrar no presídio? Assim,

como você se sentiu?

D: Ah, foi um choque. Tomei um choque sabe porquê? Porque aqui no presídio todos são

iguais. Desde o coronel que vem preso, e vem coronel também, aqui é do coronel até pro

soldado. Ai a mordomia que eu era tratado, com certos respeitos né?! Tem mordomia, que

você é respeitado quando você dá respeito, então sempre dei respeito, então sempre tive

grande moral onde eu morei, no lugar que eu morei. No bairro onde eu morei todo mundo

precisava de mim, ia tirar conclusões comigo, ia perguntar coisas inclusive de lei de direito,

eu ajudava uns carentes naquilo que eles precisavam. O meu carro tava sempre a disposição

aqueles que necessitavam. Então fui uma pessoa que quando souberam que fui preso, lá no

meu bairro, muito foram, levaram à minha mulher a força que ela precisava né?! Falava

“não sei marido vai, mas vai sair, não é possível que tenha acontecido isso com o Tenente.

Tenente não é pessoa dessa não, porque ele não faz nada, nada errado”. E quando eu fui

preso a situação veio distorcida ainda, distorcida pra minha casa, não sei quem inventou.

Falaram “não o Tenente matou o caseiro dele e enterrou”. Falei que coisa absurda quando

minha mulher soube disso, mas depois foi tudo desmentido, falei “não meu caseiro ta vivo”

até a juíza falou, eu falei “não meu caseiro ta lá, mora em tal lugar, o sítio é esse, o telefone

é esse, pode ligar lá ele vai atender e tal”. O que aconteceu não, o cara que eu dei carona

que me assaltou, me assaltou e eu pá não morre, reagi e ele morreu. Como eu tava dentro da

cidade e ouviram os tiro, então acionaram a polícia. E a polícia me pegou e eu tava

embriagado, não soube explicar, fui pra delegacia. Ai o delegado falou “vou fazer flagrante

pra prender ele no Romão Gomes e depois o juiz resolve com a juíza, resolve lá o caso dele,

então não vou resolver porque ele não ta falando coisa com coisa”. Então, o prejudicado foi

eu porque eu não devia ta lá naquela hora, que era copa do mundo. Mas não devia ta onde

eu tava, que era no pesqueiro no Engenho de pinga, então eu passei do limite. Se você passa

do limite você não se conduz, ai você é conduzido, conduzido pelo quem? Pelo demônio e

pelo vício, ai você não sabe o que faz. Quantas pessoas matam os outros pelas ruas?

Diariamente, a todo momento, todo segundo. Por isso que a lei seca foi imposta, pra parar

com essas mortandades, essas banalidades porque o homem se ele não tiver um controle

rígido sobre si ele se extrapola. Se extrapola, ele fala olha to bebendo uma cerveja vou pra

seis, de seis vai pra doze, ta correndo a oitenta quer correr a cento e sessenta. Então ele tem

que ter sempre uma lei em cima dele, se não ele se perde entendeu?! Assim mesmo é um

filho da gente, se você não souber educá-lo, ele não vai te respeitar, então vai ser, vai virar

um animalzinho ai. Então você tem que saber conversar, educar. E o homem tem que estar

sempre sob domínio (fala forte e alto essa palavra) de alguém. Alguém superior a ele e tem

que ter superior, até o presidente de república tem que ter superior porque ele é o presidente

da república não.... tem gente vendo ele, tem os seus ministros entendeu?! Então tem que

ter sempre alguém sobre, comandando alguém, se não ele pensa que é o dono do mundo ai

não dá certo, ai vai fazer coisa que vai prejudicar alguém. Então é essa a entrevista que eu

dei pra você, mas tem mais coisa, se quiser falar de outra coisas mais né?!

C: Pode falar o que o senhor quiser.

D: Não sei estou falando daqui, então o importante é pensar positivo, nunca você deve

entrar em coisas negativas. Saiu ai na praça também um livro chamado O Segredo, não sei

se você o leu?!

C: Eu já li algumas coisas, mas o livro mesmo não.

D: Eu quero que você leia ele todinho, eu posso até emprestar pra você, se for voltar aqui

me devolve, eu tenho. Então o segredo fala que o homem tem que ser objetivo nas suas

coisas, tem que ter muita força de vontade e tem que acreditar, tem que acreditar

entendeu?! Se colocar uma coisa na mente fazer que aquilo que você colocou seja

realizado, seja realizado. E você não pode desistir, você tem que ser persistente. Então você

persistindo você consegue, então você pode estar no nada, mas se você persistir alguém

ensina você o fio da meada para você pegar, ir e realizar o seu desejo. É como diz a fé

move até as montanhas, entendeu? Então você vai e consegue.

Então esse livro o segredo ele cita apenas, poucas coisas sobre Deus e religião, ele fala mais

na vocação do homem mesmo, entendeu? Do homem em si. É a mesma coisa que teoria

evolutiva, então sabe que Darwin e Deus, Darwin matou o Deus, então se acreditar na

teoria de Darwin então você não pode ir pela religião. Você esquece Adão e Eva tatatá que

não tem nada a ver. Então você tem que saber que existe um ser que domina esse mundo e

eu acredito na teoria da evolução né, também. Mas, com um ser superior dominando tudo

isso que é o senhor Deus desde universo. Então eu termino aqui dizendo a você, que você

também tenha boa sorte nos seus estudos e que continue entrevistando pessoas porque cada

cabeça uma sentença.

C: Posso fazer uma última pergunta para você?

D: Não a última não, a penúltima porque a última é só quando você não fizer nunca mais

perguntas para mim.

C: Tá bom. É, depois de ler tudo isso que você falou sobre O segredo, de tudo isso que

você falou, de todas essas mudanças que aconteceram na sua vida, como você se vê? Como

o D. se vê hoje?

D: Você sabe que eu me vejo, um homem que eu tenho orgulho de mim mesmo. Sabe

porquê? De tudo o que o homem tem conhecimento, eu conheço uma migalhinha, uma

migalhinha do mundo, de todos os conhecimentos. Então, através sabe do que? Da leitura,

então o livro, a maior riqueza que o homem pode ter em sua mão é o saber. O saber não

ocupa lugar, o saber está na sua mente. Então se voce acompanhar as notícias do mundo e

conhecer o mundo desde o começo como ele foi, como ele foi criado, do jeito que as coisas

se evoluíram, então através dos livros, você tem que se sentir orgulhoso e contente. Porque

se um amigo estiver discutindo de um assunto, apenas ao ouvi-lo você já vai saber do que

ele está conversando então já está inteirado daquele assunto e pode abordar, abordar o tema.

Agora quem não lê nada, não sabe nada, não pode compartilhar através de reuniões ou de

roda de companheiros, de amigos, do que eles estão conversando só se ele ficar ouvindo

porque talvez não entenda.

Então por isso que o homem tem que ter chance de, de estudar e o governo tem que colocar

normas nas escolas para que nossos jovens sejam instruídos para o amanhã. Para que um

país que quer crescer, tem que gastar na educação, o primeiro lugar. Principalmente agora

em época política quais os slogans que eles usam para conquistar votos é: casa, habitação,

comida e remédio. Então você tem que ser, bem cuidado pela medicina para você não ficar

doente tem que ter lugar para se tratar. Se bem alimentado para ser forte, para que vírus não

te peguem. Ser, ter religião para poder respeitar, respeitar os demais e ter residência para

que você possa acolher sua família. Então, são as coisas básicas da vida né?! De um homem

que vive, que vive em conjunto com sociedade.

C: Como você se descreveria agora, não sendo mais policial porque está aqui dentro? E

agora que é religioso, que se apegou a religião?

D: Então eu não sou mais policial por estar aqui dentro, não porque eu cheguei até, eu

aposentei. Eu trabalhei o tempo todo, não era mais. Mas é uma grande diferença, você pode

ser até aposentado, estar aposentado e estar na rua, mas o seu prestígio não cai, dentro de

você, dentro do seu dogma, você é ele mesmo que foi antes. A não ser a moral de cada

pessoa, então eu construí a minha moral, a minha fortaleza ao meu redor. Qual é a fortaleza

ao seu redor? União de família e união dos amigos que te conhecem, mas não pras horas,

pras horas difíceis da vida. Nas horas difícil mesmo, então você é abandonado (com grande

entonação na palavra), que nem aqui, que eu estou aqui, então você tem um bom dia,

manda um olá, mas ninguém vem te oferecer dinheiro para você sair da cadeia, pra te pagar

advogado, ninguém vem aqui porque é longe. Ninguém vem saber se sua família precisa de

coisas tal, então esses amigos, não é aquele amigo que gosta, que é, que é com a sua família

que gosta de você, que sofre por você. Então, aconteceu, ta acontecido, aquilo ta esquecido.

Então eu tenho ao meu redor mais quinze, então era a mesma coisa. Eu tava num grupo lá

de 20, faltava um você não vai falta, agora tira tudo de você pra você vê, então, você vê Jó.

Vê pelo Testamento, então lê o livro de Jó, Jó era rico tudo ai o diabo falou ele tá cheio de

riqueza por isso que ele te ama, tira tudo dele pra ver se ele ama. Então tá aí, tá ai na

escritura sagrada, ai Deus tirou tudo, mas não toque nele, não deixe que Jó morra, vê se ele

vai me negar. E Jó nunca negou pra Deus, sofreu tudo o que sofreu, isso tá nas parábolas do

evangelho. Então tem que ser persistente, ser persistente, ter calma, serenidade e acreditar,

ter credibilidade e saber também que o tempo passa. Eu nasci nu, fui menino, me criei,

cresci, dei frutos, agora sou árvore madura e eu sei que um dia essa árvore também vai ficar

velhinha, seu caule vai apodrecer e ela vai cair, é o dia que está escrito “do pó tu nasceste,

do pó tu virá, tu será pó também”.

Então não tem ninguém que é bom, nem que é rico, nem que é sobrepotente a todos né, que

é orgulhoso, mas um dia ele vai, vai quebrar, vai cair porque não existe reino que não caia.

Então todos os grandes reis da terra todos caíram, então você vê que nunca uma coisa

permanece eterna. Uma coisa que eu li que apenas os diamantes são eternos, mas isso eu li

num livro e isso tá se falando em outra matéria, tá se falando em coisas de objeto né, não de

carne, e...e ele falava sobre isso, sobre a humanidade também viu?! Que a humanidade

cresce, se transforma tal né e se modifica e tudo acaba do mesmo jeito,tudo acaba no pó.

Então por isso que o homem tem que não ser arrogante ao seu próximo, ter sempre a

humildade porque a humildade traz a perseverança, traz a conquista e traz o amor no

próximo junto de você. Então aprendi a ser assim considerar todo mundo, não zombar das

pessoas, não ser prepotente, você não sabe o dia de amanhã. Então agora o que eu sou aqui

do quer era antes? Era o Tenente e tal, agora sou o interno, interno que qualquer

funcionário daqui que nem policia é, não é nada manda em mim, então eu tenho que me

sujeitar aos regulamentos daqui entendeu? Então tem que saber que hoje é um dia e amanhã

é outro dia.

Então eu desejo a você também que você estude bastante para que você amanhã possa

passar lições de vida, de boas maneiras àqueles que necessitam. Seja uma professora para

educar né?! Pra que a humanidade se construa de uma forma com um alicerce sobre a

rocha. Um alicerce firme né, para amanhã.

Observação: Termina conversando sobre conselhos que daria se eu fosse uma policial

novata e dizendo que era o que fazia com os colegas de profissão.

D: O mundo do jeito que ta hoje não tem muita gente pensando no dia de amanhã não, só

pensa no hoje e esse hoje é que é o perigo; que leva todo mundo ai a estar no vermelho no

perigo.