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8/12/2019 A Centralidade Ontologica Do Trabalho Em Lukacs
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A centralidadeontolgica do
trabalho em LukcsSrgio Lessa*
Servio Social & Sociedade ne52 - ANO XVII - dezembro 1996
*Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. Doutorcm Cincias Sociais pela Unicamp.
25 anos falecia GeorgeLukcs. Deixou inditos umescrito sobre a democraciae o Leste europeu, redigido
no calor na invaso sovitica da Tche-co-Escolovquia, os manuscritos de suaOntologia do ser social e a autobiografia na forma de uma longa entrevista,Pensamento vivido.
A trajetria desses textos , nomnimo, curiosa. O livro sobre a democracia somente veio a ser publicadoem 1989 na Frana e em 1991 nosEstados Unidos. Em 1983, seu contedo permanecia desconhecido at
mesmo para o crculo dos colaboradores mais prximos de Lukcs, embora sua existncia fosse tida comocerta. A Itlia foi o primeiro pas aeditar tanto a autobiografia em formade entrevista, quanto a Ontologia do
ser social. No Brasil, a traduo por
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Carlos Nelson Coutinho da Ontologia comeou a ser publicada em 1979,
porm foi logo interrompida1.
A antiga Escola de Budapeste, herdeira natural do legado de Lukcs,
se esfacelou. Seus membros mais significativos, Heller e Feher frente,abandonaram o marxismo. Antes mesmo da edio italiana dos manuscritospstumos, publicaram um texto em que injustamente criticavam a inves
tigao ontolgica do ltimo Lukcs como um retorno metafsica tradicional. E Agnes Heller, em 19832, organizou uma coletnea cujo eixo a tese de que esse pretenso retorno de Lukcs metafsica tradicional
teria por objetivo justificar a sua crena no comunismo. Na Hungria, onosso filsofo, que nunca fora admirado pela ordem sovitica, hojecriticado pela sua ligao com o antigo partido comunista, e o Archiv
Lukcs de Budapeste enfrenta crescentes dificuldades.
Apesar de pouco divulgado e traduzido, ocorre com essas obras deLukcs na Europa algo semelhante ao que vivemos no Brasil: sua influnciavai para alm da quantidade de suas publicaes. Entre ns, intelectuaislukacsianos possuem uma presena no debate nacional desproporcional
difuso dos textos lukacsianos na Frana, na Itlia e na Inglaterra, algosemelhante acontece. E isso, me parece, ocorre fundamentalmente porqueos textos pstumos do filsofo hngaro so impressionantemente atuais.
Argumentamos anteriormente3 que Habermas foi o autor que elaborouo que parece ser o maior elogio possvel, nos dias atuais, ordem
1. Zur Ontologie des geselischaftlichen Sein e Prolegomen zur Ontologie des geselhchaf-tlichen Seins. Prinzipienfragen einer heute mglich. gewoerdenem Ontologie , Luchterhand Verlag,1986. H uma traduo italiana. Per una Ontologia dell'Essere Sociale (Roma, Riuniti, 1976-81)e Prolegomini ali'Ontologia dell'Essere Sociale, Questioni di principio di unontologia oggidivenuta possibile (Npoles, Guerini, 1990). A entrevista autobiogrfica foi publicada pela Riunitiem 1983, Pensiero Vissuto Autobiografia informa di dialogo, e algumas passagens, publicadas
no Brasil pela revista Ensaio. O texto sobre democracia e socialismo foi publicado pela Ed.Messidor, da Frana, em 1989, sob o ttulo Socialisme et Dmocratisation, e nos Estados Unidos,pela State University of New York Press, 1991, sob o ttulo The Process of Democratization.Em nosso pas apenas dois captulos de Per una Ontologia... foram publicados, ambos em 1979.
pela Ed. Cincias Humanas: A Falsa e a Verdadeira Ontologia de Hegel e Os PrincpiosOntolgicos Fundamentais de Marx. H ainda tradues no publicadas no portugus doscaptulos A Reproduo, O Trabalho e da terceira parte do captulo sobre a ideologia o primeiro e o ltimo acham-se em dissertaes de mestrado. Tais tradues podem ser obtidas
junto ao Centro de Documentao Lukcs, Biblioteca Central, Campus A. C. Simes, UniversidadeFederal de Alagoas (Macei/AL 57072-970).
2. Heller, A. (org.).Lukcsreappraised. Nova Iorque, Columbia University Press, 1983.
3. Lessa, S. Habermas e o mundo da vida. Servio Social & Sociedade, n. 46, SoPaulo, Corte, dez. 1994.
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democrtico-burguesa. Sua Teoria do agir comunicativo, sob uma formaaparentemente crtica da sociabilidade contempornea, oferece o melhor
conjunto de argumentos favorveis tese de que a democracia e o mercado
burgueses so as mediaes mais adequadas para a vida civilizada. Seuelogio negociao e seu rechao in limine da luta de classes constituema exortao mais significativa busca de uma sada consensual, nos marcos
do capitalismo, para os impasses histricos que vivemos. E o fundamentoltimo de sua proposta, a pedra de toque de todo o seu sistema, a
pressuposio de que os indivduos humanos possuem, por definio, umapredisposio para se lanarem uns aos outros constituindo uma malha
de remisses significativas, que denomina mundo da vida. Essa disposio,ao fim e ao cabo, a razo comunicativa. Contudo, o que funda essarazo comunicativa? Qual a sua gnese? Estas questes so descartadas
por Habermas como improcedentes; de fato, no interior do universoneokantiano em que ele se coloca, esse questionamento pelos fundamentos
ontolgicos da razo comunicativa substitudo pela investigao das suas
condies gnosiolgicas de possibilidades. Com essa substituio,
obnubilada a questo decisiva, qual seja, como vem a ser, na histria, arazo comunicativa? O que a funda?
O texto de Lukcs foi redigido cerca de quinze anos antes da Teoriado agir comunicativo, contudo a sua contraposio mais completa eradical. A reafirmao, pelo filsofo hngaro, da tese marxiana da centralidade ontolgica do trabalho e da decorrente historicidade do sersocial a exata antinomia tese habermasiana acerca da disposio
dos indivduos para constiturem o mundo da vida. Se a Teoria do agircomunicativo hoje a mais significativa defesa da democracia burguesa,Lukcs o crtico marxista contemporneo mais significativo dos pressupostos filosficos nos quais tambm Habermas se apia.
O trabalho: categoria fundante do ser social
O nico pressuposto da ontologia lukacsiana retirado diretamentede Marx: os homens apenas podem viver se efetivarem uma contnuatransformao da natureza. Diferentemente do que ocorre na esfera biolgica,
essa transformao da natureza teologicamente posta; seu resultado finalo previamente construdo na subjetividade sob a forma de uma finalidadeque orientar todas as aes que viro a seguir. Essa transformao
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teleologicamente posta da natureza, aps Marx, Lukcs denomina de
trabalho4.
Os atos de trabalho, contudo, apenas podem vir a ser e se desenvolvertendo por mediao dois complexos sociais fundamentais. Por um lado,apenas podem ocorrer no interior de relaes sociais; por outro lado, nemas relaes sociais nem sequer a prvia ideao portadora da finalidade
poderiam vir a ser sem a linguagem. Portanto, j no seu momentoprimordial, o ser social comparece como um complexo constitudo, pelo
menos, por trs categorias primordiais: a sociedade, a linguagem e o
trabalho.
Dessas trs categorias, cabe ao trabalho, segundo Lukcs, o momentopredominante no desenvolvimento do mundo dos homens, j que nele
que se produz o novo que impulsiona a humanidade a patamares sempresuperiores de sociabilidade. Abordaremos a seguir esse aspecto5.
Citando diretamente Marx, Lukcs argumenta que trs so os momentos
decisivos da categoria trabalho: a objetivao, a exteriorizao (Entusse-
rung) e a alienao (Entfremdung). A objetivao o complexo de atosque transforma a prvia ideao, a finalidade previamente construda naconscincia, em um produto objetivo. Pela objetivao, o que era apenasuma idia se consubstancia em um novo objeto, anteriormente inexistente,
o qual possui uma histria prpria. Se em alguma medida o novo objeto
continua submetido aos desejos do seu criador (este pode quase sempre,por exemplo, destruir aquilo que construiu), no raramente gera conse
qncias muito distintas daquelas finalidades presentes na sua construo.
Como ocorre, por exemplo, quando uma ferramenta quebra no momentoem que ela seria mais necessria; ou ento, quando o objeto sobrevive civilizao que a construiu, se transformando, milnios aps, em pea de
museu6
.A objetivao, para Lukcs, a mediao que articula a teleologia,
enquanto uma idia abstrata e singular (no h duas finalidades exatamenteiguais porque a histria no se repete), com a gnese de um novo ente,objetivo, ontologicamente distinto da conscincia que o concebeu enquanto
4. Lukcs, G. Prolegomini, op. cit., pp. 175 e 191; Per una Ontologia..., op. cit., vol.II*, pp. 19, 76-8, 124-5. e vol. II**, p. 610.
5. Prolegomini...,op. cit., p. 14;Per una Ontologia...,vol. II**, p. 397.
6. Per una Ontologia...,vol. II**, pp. 404 e ss.; 564 e ss.
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finalidade, e que exibe uma histria prpria e distinta (num grau maiorou menor conforme o caso) da histria do seu criador.
Contudo, sempre segundo Lukcs, ao transformar a natureza, oindivduo tambm se transforma. Primeiro, porque desenvolve novas ha
bilidades. Em segundo lugar porque, para vencer a resistncia que o serope sua transformao em objetos construdos pelos homens, decisivoque venha a conhecer os nexos causais e as determinaes mais importantesdo setor da natureza que deseja transformar. Toda objetivao resulta emnovos conhecimentos e novas habilidades sendo breve, em novas
possibilidades, e por isso, ao transformar a natureza, o indivduo tambmse transforma.
Nessa exata medida, a produo do objeto no apenas o processode objetivao, no apenas uma transformao da realidade, mas tambm a exteriorizao de um sujeito. Cada uma das transformaes doreal se dar a partir do nvel de desenvolvimento j alcanado pela
individualidade em questo desenvolvimento da individualidade que sempre historicamente determinado. Por isso, a exteriorizao da individualidade tambm uma exteriorizao de um dado patamar especficode desenvolvimento social. Portanto, ao se exteriorizar por meio da objetivao da sua prvia ideao, o indivduo adquire novos conhecimentos(tanto da realidade exterior como da sua prpria individualidade), novashabilidades vo sendo descobertas e desenvolvidas; em poucas palavras:ao transformar o real, o sujeito tambm se transforma7.
Esse complexo objetivao-exteriorizao o solo gentico do sersocial enquanto uma esfera ontolgica distinta da natureza. A distinofundamental entre a sociedade e a natureza, j dizia Vico, est em que
o mundo dos homens um construto humano, enquanto a natureza noo . Os objetos construdos pelo trabalho apenas poderiam surgir enquantoobjetivaes de finalidades ideais; eles incorporam determinaes queemergem do fato de terem um pr teleolgico na sua gnese. Um machado muito mais do que mera pedra e madeira: a pedra e a madeiraorganizadas numa determinada forma que apenas poderia surgir por umatransformao teleologicamente orientada do real. Nenhum processo natural,seja ele qual for, poderia produzir algo semelhante a um machado; este um ente que apenas pode surgir enquanto construto humano. O mesmo,
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7Per una Ontologia...,vol. 11**, pp. 401 e ss.
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mutatis mutandis, poderia ser dito de objetivaes muito mais complexas,
como uma obra de arte ou uma relao social como a estabelecida pelo
capital8.
Para o filsofo hngaro, ao incorporarem determinaes oriundas de
um pr teleolgico, esses novos objetos construdos pelos homens no se
tornam menos objetivos que a natureza. A causalidade dada pela natureza
e a causalidade posta pelos atos humanos so causalidades, so ontolo-gicamente distintas da conscincia. Entre a prvia ideao e o objeto dela
resultante se interpe a objetivao, ou seja, o complexo de mediaesque, em cada caso, possibilita a consubstanciao de um novo ente objetivopor meio da transformao teleologicamente orientada do real. Nada h,
portanto, que aproxime a Ontologia de Lukcs identidade sujeito-objeto
de Hegel, tal como acontecia emHistria e conscincia de classe9.
Contudo, por ser a causalidade posta to objetiva quanto a causalidade
dada, no significa que entre a objetividade do mundo dos homens e a
da natureza no haja um salto ontolgico. Acima de tudo, porque areproduo social, tendo por insupervel mediao atos teleologicamente
postos, possibilita a gnese e o desenvolvimento de um ser-para-si onto-logicamente impossvel natureza. O que os homens pensam a respeito
de si prprios, do momento histrico em que vivem, das tarefas que tmpela frente, as suas expectativas, esperanas e desejos acerca do futuroetc., exerce sempre um papel importante na reproduo social podendo,
como o caso dos momentos revolucionrios, ser deles o momento
predominante. A processualidade social, portanto, apresenta peculiaridades
ontolgicas frente natureza; e essas peculiaridades se manifestam porinteiro na evidente diferena entre a histria humana e o desenvolvimento
da natureza.
O fato de a causalidade posta pelos atos humanos consubstanciaruma causalidade no sentido estrito do termo, ontologicamente distinta da
conscincia, tem uma conseqncia decisiva para o desenvolvimento social,
sempre segundo Lukcs: as conseqncias dos atos humanos jamais coincidem completamente com a finalidade que esta na sua origem. Variandoconforme o caso, o grau dessa divergncia pode ser secundrio e o ato
8. Per una Ontologia...,vol. II*. pp. 180, 198-9, 230-1.
9. Para a crtica de Lukcs a Hegel, cf. Lukcs, A Falsa e a verdadeira ontologia deHegel,trad. Carlos Nelson Coutinho, So Paulo, C incias Humanas, 1979.
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coroado de xito, ou ento pode ser de tal ordem que faz dele umretumbante fracasso.
Em qualquer dos casos, contudo, o resultado nunca correspondeexatamente finalidade. Isso, tanto porque h um quantum de acasoinevitavelmente presente nas objetivaes nunca se poder ter certezado exato comportamento de uma pedra ao ser transformada em machado
etc. ; como tambm devido ao fato de que, ao se inserir na realidadej existente, o novo objeto desencadeia nexos causais que jamais poderoser previstos em sua totalidade. Um terceiro fator tambm atua nessemomento de diferenciao, pelo lado da exteriorizao, Como toda objetivao , na verdade, um conjunto de atos elementares, e como cada atoelementar transforma no apenas o ambiente, mas tambm o sujeito queo realiza, a individualidade que iniciou o processo de objetivao no exatamente aquela que o termina: novas habilidades e conhecimentos foramadquiridos enquanto o processo era efetivado, e essas novas habilidadese conhecimentos so espontaneamente incorporados prvia ideao, adaptando-se s novas circunstncias. Assim, ao ser finda uma objetivao,no apenas o resultado distinto em algum grau da finalidade inicial,
como tambm a individualidade e a prpria finalidade foram sendo transformadas ao longo do processo, de acordo com os resultados parciais acada momento alcanados10.
Devido a essas trs circunstncias, sempre segundo Lukcs, jamaisteleologia e produto objetivado coincidem de modo perfeito. Jamais havera identidade sujeito-objeto de Hegel. Por isso, as conseqncias dos atoshumanos jamais so exatamente aquelas idealmente previstas; ao agir, osindivduos desencadeiam nexos causais que no podem ser totalmenteantecipados.
A cada objetivao-exteriorizao produzida uma nova situaotanto objetiva (uma realidade que agora incorpora um objeto antes inexis
tente) como subjetiva (a conscincia portadora de conhecimentos ehabilidades que no possua anteriormente), qual o indivduo se vobrigado, para no desaparecer, a responder com novas prvias ideaese novos atos de objetivao-exteriorizao efetivando assim um novopasso e direo ao futuro.
Essas sao, segundo Lukcs, as mediaes decisivas, bsicas e universais
do complexo da objetivao-exteriorizao enquanto tal. Para explicit-las,
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10. Per una Ontologia..., vol. II*, p. 113.
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o trabalho foi abstratamente analisado como uma relao direta indivduo-
natureza para a produo de um valor de uso. Contudo, j vimos que,para Lukcs, mesmo a forma mais primria e primitiva do ser social jera um complexo formado pelas categorias do trabalho, da fala e dasociabilidade. Devemos, portanto, explicitar quais seriam as mediaes quearticulam a objetivao e a exteriorizao com a sociabilidade como um
todo, de modo a conferir maior concretude s consideraes at agorafeitas acerca da categoria do trabalho.
Argumenta Lukcs que a mediao decisiva na conexo ontolgicaentre trabalho e sociabilidade o fato de o complexo processual objeti-vao-exteriorizao desencadear necessria e espontaneamente um processode generalizao dos seus resultados objetivos e subjetivos11.
Ao ser objetivado, o novo ente inserido na malha causal j existente,passando a sofrer influncia e a influenciar a totalidade do existente. Noimporta aqui se essas determinaes reflexivas entre o novo ente e oser-precisamente-assim j existente so mais ou menos intensas, nem mesmoqual seja o momento predominante. O que nos interessa que, ao se
transformar em uma particularidade partcipe de uma totalidade j existente,a histria desse ente adquire uma indelvel dimenso genrica: sua histriaabsorve determinaes da totalidade do existente e, por sua vez, retroagesobre o desenvolvimento da totalidade do real enquanto um seu enteparticular. Desse modo, todo processo de objetivao necessariamenteresulta em um processo objetivo de generalizao dos resultados alcanados,de tal modo que, a cada nova objetivao, a totalidade do ambiente noqual est inserido o indivduo tambm se altera.
Um outro momento de generalizao constitudo pelo fato de, aotransformar a totalidade, os atos singulares agem tambm sobre os outrosindivduos que esto sua volta (e, com as devidas mediaes a cadamomento histrico, sobre a humanidade no seu conjunto). A produo deuma nova situao corresponde gerao de um novo momento histrico,
fazendo com que todos os que vivem naquele ambiente estejam expostoss conseqncias, e portanto tenham que responder s novas situaesgeradas pelas objetivaes singulares dos outros indivduos. Isso, obviamente,altera no apenas a relao dos indivduos com a natureza, mas tambma relao dos indivduos entre si. Eles tm que responder s novas
11. Prolegomini.... op. cit., pp. 286-7; Per una Onlologia..., vol. II**, pp. 382-3, 388,
391-3, 420-2.
necessidades e explorar as novas possibilidades, postas nas novas situaesque surgem incessantemente.
Mas h, tambm, uma outra esfera de generalizao, a da subjetividade:ao adquirir novas habilidades e novos conhecimentos, o indivduo espontaneamente os generaliza de modo a que sejam teis, no apenas nasingularidade da situao em que surgiram, mas tambm na maior parte
dos momentos futuros, por mais diferenciados que sejam. Desse modo,conhecimentos especficos e particulares so generalizados at geraremconhecimentos essencialmente universais, como a filosofia, a arte, a cincia,a religio etc. No limite da mxima generalizao desse processo, oconhecimento do singular se eleva a componente, a elemento, de umadada concepo de mundo historicamente determinada.
J que esses novos conhecimentos so incorporados s objetivaesfuturas, atuando assim sobre a totalidade do existente e, desse modo, sobrea vida dos outros indivduos e, novamente, com as devidas mediaes
, sobre o desenvolvimento da prpria humanidade, esses conhecimentos,que no incio so necessariamente individuais, se generalizam humanidadeno seu todo. Com o avano do processo de sociabilizao, as mediaesde transmisso dos conhecimentos vo dando origem a complexos sociaisespecficos como a educao, a tradio, os costumes etc.
Portanto, todo processo de objetivao-exteriorizao necessariamentenico e genrico. nico, pela simples razo de a histria jamais se repetir.E genrico porque ele incorpora, tanto no plano objetivo quanto nosubjetivo, determinaes genricas que correspondem ao desenvolvimentoefetivamente alcanando pela humanidade a cada momento histrico. Emsuma, ele concomitantemente um processo que possui uma insuperveldimenso individual (mesmo o trabalho mais alienado no interior de umalinha de produo no perde por completo esse seu carter singular) e sempre determinado socialmente. Por isso, trabalho e sociabilidade so
categorias que s existem conjuntamente, enquanto determinaes reflexivas.
Isso posto, podemos compreender por que o trabalho o momentopredominante do complexo formado pela sociabilidade, pela linguagem epelo prprio trabalho. ele o solo gentico do novo que incessantementeproduzido na reproduo social; novo este que o fundamento ontolgicoultimo da tendncia histrica de desenvolvimento do gnero humano apatamares sempre superiores de sociabilidade12.
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12. Per una Ontologia..., vol. II**, p. 382.
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A reproduo social
O impulso generalizao inerente ao trabalho possui uma conseqncia decisiva, segundo Lukcs. D origem a um complexo social quesintetiza os atos dos indivduos singulares em tendncias do desenvolvimentohistrico-genrico. Ao se inserirem na totalidade j existente, as objetivaes
so sintetizadas em tendncias genricas que conferem unidade e sentidoao desenvolvimento do gnero humano. Ao pechinchar numa feira ecomprar determinada mercadoria, esse ato individual incorporado dinmica global de reproduo do capital e esta no poderia vir a ser,nem existir enquanto tal, seno pela mediao de atos singulares comoesse. Contudo, entre a finalidade de cada ato de transformao da sociedademercantil na sociedade burguesa madura, entre o em-si de cada ato e atendncia histrico-global, por exemplo, h uma evidente distncia qualitativa. Acima de tudo, argumenta Lukcs, porque, se o ato individual teleologicamente orientado, a tendncia genrica possui um desenvolvimentopuramente causal, que no exibe qualquer presena de uma teleologiaglobal. Tanto assim que a sntese dos atos singulares em tendnciashistrico-genricas ocorre mesmo que os indivduos envolvidos nela notenham conscincia. A lei da oferta e da procura, por exemplo, atuava nomercado antes mesmo de os homens dela terem conscincia. Claro que,com o desenvolvimento da sociabilidade, no momento em que os indivduosadquirem, em escala social, a conscincia de como seus atos so sintetizadosem determinadas tendncias histricas, eles podem, atravs da modificaode seu comportamento, interferir nesse desenvolvimento, impossibilitando-o,estimulando-o ou alterando-o em um sentido ou em outro. Ainda assim,aqui tambm interferir aquele complexo de determinaes, referido acima,pelo qual jamais uma objetivao coincidir completamente com a finalidadeque est na sua origem. Por mais conscientemente que os homens faam
a histria, teleologia e produto objetivado jamais coincidiro, sero sempreontologicamente distintos. No h, novamente, no Lukcs da maturidade,qualquer proximidade com a identidade, la Hegel, entre sujeito e objeto
no h fim da histria para o nosso filsofo.
O processo de generalizao dos atos individuais em tendnciashistrico-genricas faz com que a sociabilidade se afaste cada vez maisda sua situao primitiva. Aps Marx, Lukcs denomina esse movimentode afastamento das barreiras naturais. A cada momento da histria, demodo desigual e contraditrio, a humanidade consubstancia uma situaohistrica mediada socialmente, de forma crescente; assim cada nova obje
tivao-exteriorizao encontrar um ambiente social mais desenvolvidopara sua efetivao, podendo ento gerar demandas cada vez mais socialmente elaboradas e, tambm, operar respostas cada vez mais socialmentecomplexas. O quanto o ato da alimentao, ou o complexo da sexualidade,se afastaram dos seus momentos iniciais, primitivos, uma indicao
precisa do complexo de questes s quais nos referimos.
A sexualidade e a alimentao tambm podero nos ajudar a esclarecerum outro aspecto do afastamento das barreiras naturais. Se, por um lado,o desenvolvimento do ser social afasta as barreiras naturais, diminuindoa sua influncia sobre o desdobramento da histria humana, no menosverdadeiro que, por mais que avance esse processo, as barreiras naturais
jamais sero extintas. Ao fim e ao cabo, porque sem a reproduo biolgicado ser humano, sem atender s necessidades dessa reproduo noimportando o quanto sejam sociabilizadas as mediaes que intervm nasatisfao dessas necessidades , no h reproduo social possvel, noh humanidade possvel. Portanto, sempre segundo Lukcs, por mais queo desenvolvimento humano seja crescentemente determinado pelos atos
humanos, jamais a natureza desaparecer, jamais as barreiras naturais seroabolidas13.
A sntese dos atos singulares em tendncias genricas possui aindauma outra faceta. medida que o desenvolvimento social tem porineliminvel mediao os atos singulares dos indivduos historicamentedeterminados, argumenta Lukcs que todo desenvolvimento social requere possibilita o desenvolvimento da individualidade. Evidentemente, essa uma esfera em que se manifesta uma intensa contraditoriedade. Contudo,
por mais desigual, ainda assim correto afirmar que, em ltima anlise,quanto mais complexa for a sociabilidade, quanto mais mediados socialmenteforem os atos que os indivduos devem realizar cotidianamente. tanto mais
complexas so as individualidades. esse impulso que eleva os indivduoshumanos primitivos, que quase no passam de meros singulares da espcie,a personalidades crescentemente complexas. E isso ocorre, fundamentalmente, porque os indivduos, ao agirem no dia-a-dia, absorvem subjetivamente, na elaborao das respostas que serviro de finalidades aos seusatos, os avanos objetivos e subjetivos alcanados pelo desenvolvimentodo gnero humano.
17
13. Per una Ontologia... vol. II*, pp. 45-6, 51-2, 148, 158, 170, 251. Prolegomini..., op.eit., pp, 183-5, 279-82.
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Desse modo, ao mesmo tempo em que se afirma a tendncia aodesenvolvimento de formaes sociais crescentemente complexas, consubs
tancia-se tambm a tendncia ao desenvolvimento das individualidades emautnticas personalidades. A sociabilidade apenas pode desenvolvei-se seavanarem tambm os atos individuais que esto na base de sua reproduo.Claro que, entre esses dois plos da reproduo social (a sociabilizao
e a individuao), se interpem as mais variadas desigualdades e contradies, e essas desigualdades e contradies influenciam tambm a repro
duo social.
Argumenta Lukcs que a complexificao das relaes sociais terminapor dar origem a complexos sociais voltados a atender s necessidadesespecficas oriundas dessa evoluo. O desenvolvimento das foras produtivastermina, como a revoluo neoltica, por tornar economicamente vivel aexplorao do homem pelo homem. A velha sociedade primitiva substituda
pela sociedade de classes, e as contradies entre os indivduos adquiremagora uma nova qualidade. A antiga forma de regulamentao social, combase nos costumes, na tradio, na obedincia aos mais velhos etc., j
no mais suficiente para atender s novas demandas. Surgem o Estado,o direito, a famlia patriarcal monogmica (com o seu inevitvel correlato,a prostituio) etc. Para o desenvolvimento do direito, e tambm da cincia, decisivo que as lnguas sejam capazes de controlar ao mximo possvela ambigidade insupervel do nome (ele sempre expressa o universal etc.)por meio do desenvolvimento da definio e do conceito. Os complexossociais da educao, da alimentao, da sexualidade etc. devem agoraincorporar tambm, no seu desenvolvimento, determinaes qualitativamente
novas que surgem da diferenciao social dos indivduos em classes: aforma de se alimentar, de fazer a corte etc. se transformam tambm em
sinal destatus.
O processo de sociabilizao, portanto, conduz a formas crescentementecomplexas de sociabilidade e de individualidade, j que a reproduomaterial da vida social cada vez mais mediada socialmente. O carterde complexo de complexos do ser social se explicita cada vez maisclaramente medida que novas demandas do origem a novos complexossociais, os quais mantm uma complexa relao de determinao reflexivacom a totalidade da formao social qual pertencem. Correspondendo atodo esse processo, refletindo e favorecendo o seu desenvolvimento, d-seo desenvolvimento da linguagem. No interior do complexo de complexosque a totalidade social, mais uma vez, ao trabalho que cabe o momento
predominante, pois nele que temos o solo gentico do novo que impulsionaa humanidade a patamares crescentes de sociabilidade14.
A alienao
Na enorme maioria das vezes, a sntese dos atos singulares emtendncia histrico-genricas impulsiona a humanidade para patamaressuperiores de sociabilidade. Contudo, isso nem sempre ocorre. Em dadassituaes histricas, mediaes e complexos sociais, mesmo que anterior
mente tenham impulsionado o desenvolvimento scio-genrico, podempassar a exercer um papel inverso, freando ou dificultando o desenvolvimentohumano15.
Dois rpidos exemplos. A religio nas sociedades primitivas foi aprimeira forma de elevao dos conhecimentos fragmentrios e das primitivasnecessidades afetivas, emocionais e sociais, em uma concepo de mundo,ainda que mstica. Foi a forma pela qual as sociedades primitivas conseguiram
generalizar em universalidade os conhecimentos empricos obtidos navivncia cotidiana. Essa primeira generalizao foi decisiva, milnios aps,para a gnese e o desenvolvimento, da filosofia (e, mais tarde, da cincia),
enquanto elevao das experincias e conhecimentos cotidianos em umaviso de mundo no mais mstica. Nessa medida e sentido, nos primeirosmomentos da histria humana, a religio foi uma mediao importante
para sistematizar as experincias singulares cotidianas em um conhecimentouniversal.
Com o tempo, contudo, a religio terminou por se transformar emum empecilho ao desenvolvimento humano. No apenas porque, nas
sociedades de classe, na maior parte das vezes, se converteu em justificativa
do status quo; mas fundamentalmente porque, ao projetar numa transcendncia os poderes efetivos da humanidade acima de tudo, ao fazer da
histria humana uma ddiva divina , impede que os homens tomemconscincia de serem eles os verdadeiros e nicos demiurgos do seudestino. Ao velar esse fato, a forma religiosa de conhecimento impede
18 19
14. Per una Ontologia..., vol. II* pp. 57, 101-2; vol. II**, pp. 396-9. Prolegomini..., op.cit., pp. 14, 42-3, 46 e ss., 198 e ss., 261-3.
15. Per una Ontologia..., vol. II*, pp. 92 e ss., 107-8; vol. II**, pp 397-8 559, 562569, 575.
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que a humanidade assuma conscientemente o fato de que ela a nica
responsvel pela sua histria, que no h nenhuma fora extra-humanaque a impea de moldar o seu destino do modo como achar mais justoe adequado. Com o desenvolvimento da arte, da cincia e da filosofia, ahumanidade passa a contar com novas e melhores mediaes para generalizar
o conhecimento do singular em concepo de mundo e, ento, a religio
se converte em um obstculo explicitao do para-si do gnero humano.Um outro exemplo de como uma mediao social, de impulsionadora
do desenvolvimento genrico, pode se converter em um obstculo aoavano da sociabilidade, o capital. inquestionvel o seu papel revo
lucionrio ao romper os estreitos limites da sociedade feudal, ao possibilitarque as individualidades descobrissem e desenvolvessem a sua efetiva
autonomia frente totalidade social, ao revolucionar as foras produtivasnum ritmo e numa intensidade sempre surpreendentes etc. Contudo, com
o passar dos anos, com o encerramento do ciclo revolucionrio burgus,
o capital passa, de modo cada vez mais intenso, a frear o desenvolvimentohumano-genrico. Chega-se a um ponto em que a intensificao da repro
duo ampliada de desumanidades forma que assume o prprio desenvolvimento das foras produtivas por ele desencadeado. O desenvolvimentodas foras produtivas deixa de significar potencializao das capacidades
humano-genricas, para implicar aumento da misria e das tragdias humanas.
Nos dias em que vivemos, um exemplo desse fato a introduo daautomao e da informtica na produo. hoje inimaginvel o quanto
isso poderia significar no sentido de diminuir a jornada de trabalhoefetivamente necessria para a reproduo da sociedade, aumentando assim
o tempo livre dos indivduos. A esfera da necessidade poderia consumirum tempo de trabalho da humanidade infinitamente menor ao que absorve
hoje, e a esfera da liberdade poderia ser ampliada de modo significativo.
O que isso significaria no sentido da emancipao humana por si evidente.
No entanto, enquanto mediao para potencializar a extrao da
mais-valia, a automao e a informtica nada mais significam senodesemprego, misria e agravamento das desigualdades sociais. E, nesse
quadro histrico, quanto mais elas potencializarem a produtividade do
trabalho, mais misria produziro. O capital, portanto, de impulsionadorrevolucionrio da humanidade entre os sculos XIII e XVIII, se converteu
em um obstculo cada vez mais formidvel, conforme avana o tempo,
plena explicitao categorial do gnero humano.
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A religio e o capital, para permanecermos com os nossos exemplos,demonstram bem o que Lukcs denomina por alienao: obstculos socialmente postos ao desenvolvimento humano-genrico.
Conceber as alienaes como produtos da histria humana, portanto,como resultantes da reproduo social, decisivo para se compreender aOntologia de Lukcs. Acima de tudo, porque temos aqui uma evidncia
da ruptura do filsofo hngaro, aps Marx, com todas as teorizaes quetendem a conceber a misria humana como resultante de um destinoimposto aos homens por Deus ou, ento, numa traduo para o universolaico dessa concepo mstica, como resultante de uma natureza humanamisteriosamente dada aos indivduos de uma vez para sempre. De Lockea Rousseau e, hoje em dia, de Habermas aos pensadores liberais comoClaus Offe e Bobbio, e mesmo para marxistas analticos como Elsterou Roemer , a afirmao de uma natureza humana como motor e limitedo desenvolvimento social uma constante. No perodo revolucionrio daburguesia, a natureza humana era concebida como motor da histria, demodo a possibilitar a revoluo burguesa. A revoluo era justificada pelo
desacordo entre o Ancien Rgime e a natureza humana. Aps a RevoluoFrancesa, a natureza humana deixa de ser o motor da histria e seconverte em limite pretensamente realstico que se contrape s tentativasutpicas de superao do capital em direo a uma humanidade eman
cipada. Essa artimanha ideolgica, se podemos dizer assim, apenas possvel fazendo coincidir a natureza humana com a essncia do indivduoburgus. O seu egosmo, mesquinhez, esprito de competio etc. sogeneralizados at se converterem em essncia humana, em insupervellimite ao desenvolvimento da sociabilidade.
Ao conceber a essncia humana como histrica, como historicamentedeterminada pela reproduo social e, portanto, ao conceber as misrias
humanas, as desumanidades produzidas pelos prprios homens como sendode responsabilidade nica da humanidade , Lukcs resgata a tese marxianade que os homens fazem a sua prpria histria, ainda que em circunstnciasque no escolheram. A conseqncia decisiva desse resgate a recusa detoda teorizao que tenda a negar a possibilidade da emancipao humanado jugo do capital a partir de uma pretensa natureza humana, de umapretensa essncia humana, dada de uma vez para sempre, e que limite o
desenvolvimento da sociabilidade aos padres individualistas e mesquinhostipicamente burgueses. E, com isso, a Ontologia de Lukcs revela o queela tem de mais significativo: para o debate contemporneo: , nos dias
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8/12/2019 A Centralidade Ontologica Do Trabalho Em Lukacs
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de hoje, a fundamentao mais elaborada e melhor acabada, no planofilosfico, da possibilidade ontolgica da subverso revolucionria da ordem
burguesa.
Concluso
Este resumo esquemtico da Ontologia de Lukcs no passa de umagrosseira aproximao de alguns dos seus momentos decisivos. Nem poderiaser de outro modo: no h como condensar fielmente mais de mil paginasde uma reflexo extremamente complexa em um artigo. Contudo, comtodas as fragilidades e senes inerentes a tentativas desse tipo, esperamosque ele seja suficiente para indicar a atualidade dos ltimos manuscritos
de Lukcs.Vivemos em meio ao perodo contra-revolucionrio talvez mais pro
fundo desde a Revoluo Francesa. No apenas as revolues deixaramde fazer parte da cotidianidade contempornea (h dcadas no acontecem
revolues significativas), no apenas a materialidade e a subjetividade daclasse operria encontra-se em profunda transformao, para utilizar aexpresso de Ricardo Antunes16, no apenas as classes sociais se diversificaram e se tornaram internamente muito mais heterogneas (o que tpico de momentos contra-revolucionrios quando se esvanecem as distines entre as classes), como ainda todas as tentativas revolucionriasforam derrotadas pelo capital. A revoluo se converteu, para o sensocomum dos nossos dias, em uma brbara utopia: utopia no sentido de umsonho impossvel, e brbara porque destruidora da civilizao. Ao mesmotempo, para esse mesmo senso comum, a barbrie da vida cotidiana sobo capital percebida como a forma mais civilizada possvel de vida social,e a desumanidade de se conceber os indivduos como essencialmente
egostas, mesquinhos e medocres, e de se aceitar como natural aexplorao do homem pelo homem, elevada pedra de toque da l iberdade.
contra esse conjunto de concepes to difundidas em nossos diasque se levanta a Ontologia de Lukcs: ela uma defesa terica dos ideaisemancipatrios de Marx. Ela a demonstrao filosfica de que os homensno so essencialmente burgueses pela simples razo de que no huma essncia humana a-histrica que no possa ser subvertida pelos atos
16. Antunes, R.Adeus ao trabalho?So Paulo, Cortez, 1995.
humanos. Por essa e por outras razes que nem pudemos aludir nesteartigo que os escritos pstumos de Lukcs se revestem de espantosaatualidade.
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