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139 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 1 1 Monografia elaborada em 07/2004 para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaráu – UVA, sob a orientação do Prof. Emilio de Medeiros Viana. GISLENE FROTA LIMA Advogada Analista Previdenciária Sumário: 1. Intróito. 2. A Coisa Julgada: Con- ceito e Fundamento. 3. Da necessidade de se relativizar a coisa julgada material. 4. A Coisa Julgada Inconstitucional. 4.1 Os instru- mentos processuais de controle propostos. 4.2 Diferença entre Relativização da coisa julgada e Coisa julgada inconstitucional. 5. Do Parágrafo Único do art. 741 do Código de Processo Civil. 5.1 O motivo da MP n.° 2.180- 35. 5.2 A MP n.° 2.180-35 e a ADIn n.° 2.418- 3. 5.3 Exegese do parágrafo único do art. 741 do CPC. 5.4 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade da coisa julgada: “ex tunc” ou “ex nunc”?. 5.5 Da impropriedade da inserção deste dispositivo na matéria que trata dos embargos à execução. 6. Da necessida- de de se conferir um novo tratamento à ação rescisória. 7. Considerações Finais. 8. Bibliografia Consultada Resumo: Cresce o entendimento de que uma decisão judicial transitada em julgado pode ser revista mesmo quando decorrido o prazo da ação rescisória, o que é possível, por exemplo, quando a sentença e/ou acórdão estejam contaminados pelo vício da inconstitucionalidade. Vários são os instrumentos propostos objetivando o

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A COISA JULGADA INCONSTITUCIONALNO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL1

1 Monografia elaborada em 07/2004 para obtenção do título de Bacharel em Direito pelaUniversidade Estadual Vale do Acaráu – UVA, sob a orientação do Prof. Emilio de MedeirosViana.

GISLENE FROTA LIMAAdvogada

Analista Previdenciária

Sumário: 1. Intróito. 2. A Coisa Julgada: Con-ceito e Fundamento. 3. Da necessidade dese relativizar a coisa julgada material. 4. ACoisa Julgada Inconstitucional. 4.1 Os instru-mentos processuais de controle propostos.4.2 Diferença entre Relativização da coisajulgada e Coisa julgada inconstitucional. 5.Do Parágrafo Único do art. 741 do Código deProcesso Civil. 5.1 O motivo da MP n.° 2.180-35. 5.2 A MP n.° 2.180-35 e a ADIn n.° 2.418-3. 5.3 Exegese do parágrafo único do art. 741do CPC. 5.4 Efeitos da declaração deinconstitucionalidade da coisa julgada: “extunc” ou “ex nunc”?. 5.5 Da impropriedade dainserção deste dispositivo na matéria que tratados embargos à execução. 6. Da necessida-de de se conferir um novo tratamento à açãorescisória. 7. Considerações Finais. 8.Bibliografia Consultada

Resumo: Cresce o entendimento de que umadecisão judicial transitada em julgado pode ser revistamesmo quando decorrido o prazo da ação rescisória, o queé possível, por exemplo, quando a sentença e/ou acórdãoestejam contaminados pelo vício da inconstitucionalidade.Vários são os instrumentos propostos objetivando o

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afastamento da coisa soberanamente julgada. E muitos sãoos inconvenientes que exsurgem deste uso indiscriminadode meios.

1. Intróito:A coisa julgada é um instituto jurídico

antiqüíssimo, mas que reluta em não deixar quieto oestudioso do Direito. Muito já se escreveu acerca do mesmoe, certamente, muito ainda há por se escrever. Seu fascínioadvém da sua complexidade; e sua importância, daparticularidade de consolidar a tutela jurisdicional ofertada,constituindo, assim, o momento mais esperado peloslitigantes.

Além da reformulação por que passou, nasúltimas décadas, para se adaptar às demandas coletivas, oque se fez sentir notadamente nos seus limites subjetivos eobjetivos, a coisa julgada volta a chamar a atenção dacomunidade jurídica, nacional e internacional. Coloca-se hojena berlinda a sua intangibilidade, ostentada como absolutaao longo da história.

A existência de sentenças e/ou acórdãosinconstitucionais ou teratológicos levou doutrinadores derenome como, por exemplo, CÂNDIDO RANGELDINAMARCO, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e JOSÉAUGUSTO DELGADO, a pugnarem pela possibilidade derevê-los mesmo quando escoado o prazo bienal da açãorescisória.

A coisa julgada inconstitucional, uma dasexcepcionais hipóteses em que a coisa julgada merece serrelativizada, já não é uma mera elucubração doutrinária. OCódigo de Processo Civil e a Consolidação das LeisTrabalhistas acolheram esta teoria, respectivamente, emseus arts. 741, parágrafo único, e 884, § 5°, através de uma

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Medida Provisória (n.° 2.180-35) que se tornou permanentegraças ao art. 2° da Emenda Constitucional n.° 32/2001.

Trata-se agora de uma questão de direitopositivo, merecendo, assim, um obrigatório e criteriosoestudo por parte dos operadores do Direito. Acrescente-seque a Medida Provisória aludida foi objeto de guerreamentopor parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogadosdo Brasil através da Ação Direta de Inconstitucionalidadede n.° 2.418-3, proposta em 22.02.2001, a respeito da qualnão há ainda nenhum pronunciamento meritório do ColendoSupremo Tribunal Federal!

No presente trabalho analisaremos, pois, aindaque perfunctoriamente, dentre outras coisas, a teoria da coisajulgada inconstitucional, o seu acolhimento pelo Código deProcesso Civil, os meios processuais propostos para seobter a revisão da decisão com trânsito em julgado queinfrinja o texto constitucional e a necessidade de se conferirum novo disciplinamento à ação rescisória.

2. A Coisa Julgada: Conceito e Fundamento:Coisa julgada é a imutabilidade da decisão

judicial (sentença e/ou acórdão) que põe termo a umprocesso, tenha este apreciado ou não o mérito da causa, oque ocorre após o exaurimento das vias recursais, o sim-ples escoamento do prazo para guerreamento da decisão(conformismo do sucumbente) ou, ainda, com a merapublicação da decisão, nos casos de instância única.

O instituto pode ser analisado sob o ânguloformal e o material. Fala-se em coisa julgada formal quandoa decisão não comporta mais discussão no âmbito domesmo processo. É, pois, um fenômeno intra-processual,não projetando efeitos na vida das pessoas (exceto no queconcerne ao ônus sucumbencial) por não ter apreciado omérito da lide, o que possibilita, em regra, a propositura de

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uma nova ação em que as partes, a causa de pedir e o pedidosão os mesmos (art. 268 do CPC). Mas caso a decisão tenhadeclarado os direitos e obrigações das partes, atingindoassim o fim colimado por estas quando resolveram levar àcognição do órgão julgador as suas pretensões resistidas,então temos a coisa julgada material, a qual impede que acausa volte a ser apreciada no mesmo e em outro processo,não podendo o que ficou decidido ser alterado por ninguém,nem mesmo pelo juiz ou pelo legislador, salvo os casos quepossibilitam o uso da ação rescisória. E a coisa julgadamaterial tem como pressuposto lógico a coisa julgada formal.

Para o presente estudo, interessa-nossobremaneira a coisa julgada material. O Código Buzaid,em seu art. 467, assim a conceitua: “Denomina-se coisajulgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível asentença, não mais sujeita a recurso ordinário ouextraordinário.” Tal conceituação deve ser complementadapelo disposto no art. 468: “A sentença, que julgar total ouparcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e dasquestões decididas.” O termo sentença deve ser aquientendido em seu sentido lato, abrangendo também oacórdão.

A coisa julgada material não é efeito da sentençae nem se confunde com a sua eficácia. Esta é a aptidão queum ato jurídico tem para produzir seus efeitos. A sentençapode ser eficaz (execução provisória da sentença) e não terse tornado imutável, daí a necessidade de o intérpreteentender a coisa julgada não como uma condição de eficáciada sentença (interpretação literal), e sim como um reforço àsua eficácia, já que torna imutáveis a sentença (como atoprocessual) e os seus efeitos.

Assim, consubstanciada a coisa julgada material,é defeso às partes a renovação da demanda, devendo ojuiz extinguir o processo sem apreciação do mérito (art. 267,

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V, do CPC). Elas podem, todavia, obter o desfazimento dojulgado através da ação rescisória, a ser proposta no prazodecadencial de dois anos, a contar do trânsito em julgadoda decisão que se deseja rescindir, mas apenas nashipóteses taxativamente previstas no art. 485 do CPC.Transcorrido este prazo, tem-se o que se chama de coisasoberanamente julgada.

O instituto em comento passou por muitastransformações ao longo da história e várias foram as teoriasformuladas com o escopo de lhe oferecer um fundamentojurídico. O Prof. Moacyr Amaral dos Santos1 , comodemonstrativo, elenca as seguintes: a) teoria da presunçãoda verdade (Ulpiano, Pothier e outros); b) teoria da ficçãoda verdade ou da verdade artificial (Savigny); c) teoria daforça legal, substancial, da sentença (Pagenstecher); d) teoriada eficácia da declaração (Hellwig, Binder, Stein e outros);e) teoria da extinção da obrigação jurisdicional (Ugo Rocco)f) teoria da vontade do Estado (Chiovenda e doutrinadoresalemães); g) teoria de Carnelutti e h) teoria de Liebman.

Em função de algumas destas teorias é que, porexemplo, imperava no direito medieval a máxima: “a coisajulgada faz do branco preto; origina e cria as coisas; trans-forma o quadrado em redondo; altera os laços de sangue etransforma o falso em verdadeiro”, mais conhecida em suaforma simplificada: “a coisa julgada faz do branco, preto, edo quadrado, redondo.” A sentença era tida como verdade.Chegou-se também a conceber a sentença como algo imuneà injustiça: se o sucumbente não recorria, era porque elemesmo reconhecia a justiça da decisão; e se todos osrecursos eram utilizados, então a justiça era mesmo a quetinha sido consignada na sentença. Estas idéias, todavia,encontram-se ultrapassadas.

Conquanto existam muitas controvérsias entre osjuristas no que se refere ao fundamento jurídico da coisa

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julgada, entendemos que a teoria que parece maisconsentânea com a nossa época é a do italiano Enrico TulioLiebman, segundo a qual a coisa julgada não é um dos efeitosda sentença, e sim uma qualidade especial a reforçar a suaeficácia (através da imutabilidade da sentença, como atoprocessual, e de seus efeitos), e sua autoridade decorre dofato de provir do Estado, cujos atos gozam da presunção delegalidade. E esta foi a teoria esposada pelo nosso Códigode Processo Civil, conforme vimos antes.

A coisa julgada é própria da função jurisdicional;é o que lhe diferencia das funções legislativa e administrativa.Com a adoção da teoria da separação dos poderes, asconstituições atribuíram ao Poder Judiciário a funçãoprecípua de julgar os litígios, aplicando o direito objetivo aocaso concreto de forma definitiva e coercitiva. Apenas, pois,os atos judiciais gozam dos atributos da definitividade e dacoercitividade. As leis, ainda que promulgadas paravigorarem por prazo indeterminado, podem ser revogadasa qualquer momento. O mesmo ocorre, em regra, com osatos administrativos, os quais ainda podem ser anulados exofficio (Súmulas n.° 346 e 473 do STF); daí a impropriedadeda expressão coisa julgada administrativa (pelo menos nosordenamentos em que inexiste o ContenciosoAdministrativo).

A coisa julgada também possui um fundamentode natureza política, a respeito do qual não há discrepânciadoutrinária, não faltando quem asseverasse que “a coisajulgada é, em resumo, uma exigência política e nãopropriamente jurídica; não é de razão natural, mas sim deexigência prática.”2 Tal fundamento foi descrito com maes-tria pelo Prof. Moacyr Amaral Santos, na seguinte passagem:

“A verdadeira finalidade doprocesso, como instrumento

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destinado à composição da lide, éfazer justiça, pela atuação da vontadeda lei ao caso concreto. Para obviar apossibilidade de injustiças, assentenças são impugnáveis por via derecursos, que permitem o reexame dolitígio e a reforma da decisão. Aprocura da justiça, entretanto, nãopode ser indefinida, mas deve ter umlimite, por exigência de ordem pública,qual seja a estabilidade dos direitos,que inexistiria se não houvesse umtermo além do qual a sentença setornou imutável.”3

Jorge Lafayette chega a relatar que “a existên-cia de uma ordem jurídica em que seja desconhecida acoisa julgada é perfeitamente possível, como, aliás, acon-tecia no antigo direito norueguês (apud Couture), nãoobstante constitua um dos fundamentos básicos e funda-mentais, no direito processual contemporâneo”4 , por ser asegurança jurídica inerente ao Estado de Direito.

Portanto, a coisa julgada material visa impedirque os litígios se eternizem, o que seria nefasto não só àspartes, mas à toda a sociedade, e ainda colocaria em xequea própria autoridade (poder) do órgão julgador.

3. Da necessidade de se relativizar a coisa julgadamaterial:

Seja qual for o fundamento utilizado ao longo dostempos para justificar a sua existência e necessidade, o certoé que a coisa julgada material sempre foi vista como algo

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absoluto, intocável, um verdadeiro dogma.Esta intangibilidade começou a ser questionada

quando eméritos juristas (aqui incluídos os que integram oJudiciário na realização de seu mister) se depararam comcasos absurdos, teratológicos, protegidos pelo manto dacoisa soberanamente julgada.

Dentre os casos que tiveram o condão deprovocar a necessidade de se reestudar a coisa julgada,importa elencarmos os seguintes:

· Decisão judicial transitada em julgado, prolatadaquando inexistia o exame de DNA ou quando o seuuso ainda era bastante restrito, que tenha declaradoou negado a paternidade de alguém e, posteriormente,descobre-se, com a realização do exame, que noprimeiro caso a paternidade inexistia e no segundo,ela existia. Estas pessoas deveriam permanecerligadas por um vínculo artificial em nome da segurançajurídica?

Em maio de 1998, instado a se manifestar, oSuperior Tribunal de Justiça verberou:

“Ação de negativa de paternidade.Exame pelo DNA posterior aoprocesso de investigação depaternidade. Coisa julgada.

1. Seria terrificante para o exercícioda jurisdição que fosse abandonadaa regra absoluta da coisa julgada queconfere ao processo judicial força paragarantir a convivência social, dirimindoos conflitos existentes. Se, fora doscasos nos quais a própria lei retira aforça da coisa julgada, pudesse omagistrado abrir as comportas dos

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feitos já julgados para rever asdecisões não haveria como vencer ocaos social que se instalaria. A regrado art. 468 do Código de ProcessoCivil é libertadora. Ela assegura queo exercício da jurisdição completa-secom o último julgado, que se tornainatingível, insuscetível demodificação. E a sabedoria doCódigo é revelada pelas amplaspossibilidades recursais e, atémesmo, pela abertura da viarescisória naqueles casos precisosque estão elencados no art. 485.

2. Assim, a existência de umexame pelo DNA posterior ao feito jájulgado, com decisão transitada emjulgado, reconhecendo a paternidade,não tem o condão de reabrir a questãocom uma declaratória para negar apaternidade, sendo certo que o julgadoestá coberto pela certeza jurídicaconferida pela coisa julgada.

3. Recurso Especial conhecido eprovido. Por unanimidade, conhecerdo Recurso Especial e dar-lheprovimento.”5

Em junho de 2001, o Superior Tribunal de Justiçajá havia temperado seu posicionamento, consoante o arestoa seguir ementado:

“Processo civil. Investigação depaternidade. Repetição de ação

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anteriormente ajuizada, que teve seupedido julgado improcedente por faltade provas. Coisa julgada. Mitigação.Doutrina. Precedentes. Direito defamília. Evolução. Recurso acolhido.

(...)III. A coisa julgada, em se tratando

de ações de estado, como no caso deinvestigação de paternidade, deve serinterpretada modus in rebus. Naspalavras de respeitável e avançadadoutrina, quando estudiosos hoje seaprofundam no reestudo do instituto, nabusca sobretudo da realização doprocesso justo, ‘a coisa julgada existecomo criação necessária à segurançaprática das relações jurídicas e asdificuldades que se opõem à suamodificação se explicam pelamesmíssima razão. Não se podeolvidar, todavia, que numa sociedade dehomens livres, a Justiça tem que estaracima da segurança, porque semJustiça não há liberdade’.

IV. Este Tribunal tem buscado, emsua jurisprudência, firmar posições queatendam aos fins sociais do processoe às exigências do bem comum.”6

E a jurisprudência dominante é no sentido de serpossível a revisão do julgado em casos deste jaez. Existe,inclusive, um Projeto de Lei (n.° 116/2001) no Senado Federalque visa alterar a Lei n.° 8.560/92 que regula a investigaçãode paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dáoutras providências. A mudança consiste em afastar a

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incidência da coisa julgada material sobre as sentenças e/ou acórdãos prolatados sem a realização do exame de DNA.

O valor que hoje se atribui à paternidade biológi-ca explica esta tendência. É o que se depreende do seguin-te excerto tirado da justificativa do Projeto aludido:

“A sociedade deste novo século nãoaceita mais a dúvida sobre apaternidade, que, no século passado,por ser motivo de vergonha, alcançavana jurisprudência sua principalproteção. Primeiro, foi proibidoquestionar e, depois, foi proibido reveros julgados sobre a paternidade,sempre baseados em frágil provatestemunhal.ATUALMENTE, TODA AQUELA FILOSOFIA ESTÁ

SUPERADA PELA ENTIDADE FAMILIAR, INSTITU-TO RECONHECIDO NA CONSTITUIÇÃO E EM

LEIS QUE A PROTEGEM (LEIS N.ºS 8.971, DE

1994, E 9.278, DE 1996). INVESTIGANTES

E INVESTIGADOS, HOJE, INOBSTANTE O ESTADO

CIVIL, QUEREM CONHECER SEUS VERDADEIROS

VÍNCULOS PARENTAIS E, POR ISSO, JÁ NÃO FAZ

SENTIDO MANTER A FILIAÇÃO COMO COISA

JULGADA OU PROIBIR A REVISÃO DE SUA

PROVA.”7

A Fazenda Pública do Estado de São Paulo,vencida em ação de desapropriação indireta, celebrouacordo com os vencedores; após o pagamento de algumasparcelas, descobriu-se que o terreno sempre pertenceu aoEstado. Quid iuris? O Superior Tribunal de Justiça entendeupossível a propositura de uma ação declaratória de nulidadecumulada com repetição de indébito, quando do julgamento

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do REsp n.° 240.712/SP. Em sua razão de decidir, o MinistroRel. José Delgado consignou:

“Não posso conceber o reconheci-mento de força absoluta da coisajulgada quando ela atenta contra amoralidade, legalidade, contra os prin-cípios maiores da ConstituiçãoFederal e contra a realidade impostapela natureza. Não posso aceitar, emsã consciência, que, em nome dasegurança jurídica, a sentença viole aConstituição Federal, seja veículo deinjustiça, desmorone ilegalmentepatrimônios, obrigue o Estado a pa-gar indenizações indevidas, finalmen-te, que desconheça que o branco ébranco, e que a vida não pode serconsiderada morte, nem vice-versa.”8

O Estado do Ceará vem enfrentando uma sériaquestão fundiária. Trata-se de uma área de preservação per-manente destinada à construção do Parque do Cocó. O Es-tado não efetivou as desapropriações. Os supostos propri-etários moveram, então, várias ações de desapropriaçãoindireta, algumas já com o trânsito em julgado. O Judiciário,pressionado por fortes interesses econômicos, vemcondenando o Estado a pagar indenizações milionárias.9

Indaga-se: a coisa julgada deve permanecer incólumemesmo ante esta flagrante violação ao art. 5°, XXIV (justaindenização), da CF/88? O malferimento ocorre porque estedispositivo é bifronte, ou seja, visa impedir que o Estadopague uma indenização aquém do valor real do imóvel, bemcomo que o mesmo seja obrigado a pagar além do valor

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devido. Esta última proibição decorre da indisponibilidadedo patrimônio público contida no princípio da moralidadeadministrativa.

Decisão fulcrada em lei que teve suainconstitucionalidade declarada pelo STF, em sede de con-trole concentrado, supervenientemente ao seu trânsito emjulgado. O prazo de 02 anos (ação rescisória) tem o condãode sanar o vício da inconstitucionalidade?

Ação civil pública julgada improcedente por en-tender que o resíduo emitido por fábrica é inócuo ao meioambiente (vejam que não se trata de improcedência por faltade provas, hipótese em que, nas ações coletivas, não seforma a coisa julgada). Empós o trânsito em julgado e vencidaa oportunidade da rescisória, descobre-se que as períciasforam fraudulentas; ou, então, a ciência mais tarde demons-tra a toxicidade do resíduo. A fábrica tem o direito de per-manecer poluindo o meio ambiente? (este exemplo foi ape-nas cogitado por Hugo Nigro Mazzilli)10 . Utilizando-se amesma linha de raciocínio, pode-se também invocar o casodos alimentos transgênicos.

Do conflito travado entre a segurança jurídica eoutros valores albergados pelo nosso ordenamento jurídico(podendo estes serem representados pelo valor justiça),chega-se facilmente à ilação de que aquela não é um valorabsoluto. É mesmo de total impropriedade falar-se em algoabsoluto no Direito. Também não se está a dizer quesegurança jurídica e justiça sejam ontologicamenteantagônicos, porquanto sem um mínimo de segurança jurí-dica não é possível haver justiça.

Portanto, defende-se apenas que em determi-nadas circunstâncias a segurança jurídica tem que cederespaço a outros valores. Em outras palavras, “não é legíti-mo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternizaçãode incertezas.”11

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Assim, se a coisa julgada constitui uma das ga-rantias do direito fundamental à segurança jurídica e se estanão é algo absoluto, logo, aquela também não é.

Não se busca com isso eliminar a coisa julgadaou tornar regra o seu afastamento. O Prof. Cândido RangelDinamarco, com sua sabedoria de sempre, elucida isto:

“A linha proposta não vai ao pontoinsensato de minar imprudentemen-te a auctoritas rei judicatae ou trans-gredir sistematicamente o que a seurespeito assegura a Constituição Fe-deral e dispõe a lei. Propõe-se ape-nas um trato extraordinário destina-do a situações extraordinárias com oobjetivo de afastar absurdos, injusti-ças flagrantes, fraudes e infrações àConstituição – com a consciência deque providências destinadas a esseobjetivo devem ser tão excepcionaisquanto é a ocorrência desses gravesinconvenientes. Não me move o in-tuito de propor uma insensata inver-são, para que a garantia da coisajulgada passasse a operar em casosraros e a sua infringência se tornas-se regra geral.”12

Sua posição apoia-se, portanto, “no equilíbrio (...)entre duas exigências opostas mas conciliáveis – ou seja,entre a exigência de certeza ou segurança, que a autoridadeda coisa julgada prestigia, e a de justiça e legitimidade dasdecisões, que aconselha não radicalizar essa autoridade”13

– cuja síntese é “o processo deve ser realizado e produzirresultados estáveis tão logo quanto possível, sem que com

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isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados queele produzirá.”14

Mas, certamente, esta não foi a primeira vez queos operadores do Direito se depararam com sentençasinjustas, aberrantes. Afinal, desde que a coisa julgada existeé possível se constatar este fenômeno. Então, por que sóagora veio a lume esta idéia de se relativizar a coisa julgadamaterial?

A Ciência do Direito Processual, em seu terceiromomento metodológico, repudia a idéia de que o processoseja um mero instrumento técnico (assertiva que não vai aoponto de querer que o processualista descure o rigorcientífico de sua matéria). Já não basta chegar a uma soluçãodo caso, há que se exigir que tal decisão tenha sido fruto deum procedimento justo e que ela própria esteja permeadado sentimento de justiça. Não mais se admite que o juiz sejaapenas “a boca inanimada da lei”. Que o resultado doprocesso seja entregue à sorte da iniciativa (ou da falta deiniciativa) das partes (imparcialidade não se confunde comneutralidade). Enfim, o processo deve funcionar como formade acesso a uma ordem jurídica justa (art. 5°, XXXV, da CF/88). É claro que, em contrapartida, existe um PoderJudiciário estruturado de forma arcaica e deficiente, adificultar a consecução de tal desiderato.

Os institutos processuais foram concebidos pararesguardar interesses meramente individuais e, na maioria,disponíveis, não se prestando, assim, a tutelar com eficáciaos direitos individuais indisponíveis, os sociais e os coletivoscada vez mais crescentes (Isto talvez explique o exíguo prazoda ação rescisória estabelecido para todas as hipótesesde rescindibilidade).15

O constitucionalismo consolidou-se (aConstituição já não é mais vista como uma carta deintenções, não faltando quem defenda até a normatividade

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do seu preâmbulo), a ponto de o controle deconstitucionalidade ser hoje objeto de estudo profundo demuitos doutrinadores, precisamente por ser o meio de segarantir a supremacia da Constituição. E oconstitucionalismo moderno tem sido marcado pela elevaçãode um maior rol de direitos e garantias à categoria de normasconstitucionais, o que reforça a importância de se garantir apreeminência constitucional.

Por constituírem uma lapidar síntese, importatranscrevermos as seguintes palavras do Mestre CândidoRangel Dinamarco:

“A publicização do direito processualé, pois, forte tendência metodológicada atualidade, alimentada peloconstitucionalismo que se implantou afundo entre os processualistascontemporâneos; tanto quanto estemétodo, que em si constitui tambémuma tendência universal, ela retoma àfirme tendência central no sentido deentender e tratar o processo comoinstrumento a serviço dos valores quesão objeto das atenções da ordemjurídico-substancial.”16

Corolário de tudo isto é o trabalho de revisitaçãodos institutos processuais clássicos, a ser realizado por todosque lidam com o Direito, com o objetivo de adaptá-los aonosso tempo.

É, pois, neste contexto publicístico, de umverdadeiro Estado Democrático de Direito, que a idéia dese flexibilizar a coisa julgada material encontra um ambientepropício ao seu florescimento.

Vale consignar que isto é um fenômeno que ocorretambém em outros países, mas cuja análise torna-se inviável

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neste trabalho devido à sua reconhecida limitação,merecendo destacar apenas que a cultura jurídica anglo-americana, segundo o Prof. Dinamarco, aceita com maisfacilidade a relativização da coisa julgada do que os paísesde origem romano-germânica.

Mas, nascida da análise de casos concretos(método indutivo), a grande dificuldade que se tem é a dese conferir uma sistematização à teoria da relativização dacoisa julgada, isto é, em se saber, objetivamente, quais ashipóteses que autorizam o abrandamento dos rigores dacoisa julgada.

E foi deste esforço que surgiu a teoria da coisajulgada inconstitucional como um dos desdobramentos dateoria da relativização da coisa julgada material.

4. A Coisa Julgada Inconstitucional:Conquanto ao longo da história se tenha

reconhecido a existência de normas superiores e inferiores,foi graças a Hans Kelsen que a Ciência do Direito ganhou omais completo estudo acerca do escalonamento hierárquicodas normas jurídicas (Teoria Pura do Direito).

Com espeque em seus ensinamentos, podemosdizer, singelamente, que o ordenamento jurídico pode serrepresentado por uma pirâmide, em cuja base encontram-se as normas específicas (aqui incluída a sentença judicial),as quais são as mais numerosas; na parte intermédia,acham-se as normas dotadas de maior generalidade eabstração; e no ápice, localiza-se a Lei HipotéticaFundamental, a quem compete conferir unidade efundamento a todo o sistema. Se a olharmos de baixo paracima, veremos que as normas vão diminuindo de quantidadee adquirindo cada vez mais um caráter abstrato e geral.Invertendo-se a direção, inverte-se o resultado. Enfim, asnormas inferiores retiram seu fundamento de validade das

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normas superiores.A Lei Hipotética Fundamental não é a

Constituição. Ela não se encontra explícita, é apenaspressuposta para dar funcionamento ao sistema, e pode sertraduzida por: Cumpra-se a Constituição!

Não obstante, por ser a Lei HipotéticaFundamental uma mera criação com o escopo de ser umaespécie de “primeiro motor”, podemos dizer que aConstituição é a Lei Magna, a Lei Fundamental, a SupremaLei.

E foi com o desiderato de garantir a supremaciada Constituição que foram criados os sistemas de controlede constitucionalidade (difuso, concentrado e misto), atravésdos quais averigua-se a conformidade, tanto no aspectoformal (incluindo o orgânico) quanto no material, de umanorma com a Constituição. E a conseqüência que o vício dainconstitucionalidade acarreta à norma é o seu banimentodo ordenamento jurídico.

Embora por este sistema a sentença judicialtambém deva obediência à Constituição Federal, o certo éque o controle de constitucionalidade sempre teve comoobjeto (ou pelo menos como alvo principal) os atosemanados do Poder Legislativo e do Poder Executivo,ficando os atos do Poder Judiciário quase que imunes a talcontrole. As palavras do Prof. Humberto Theodoro Júniorexpressam melhor este fato, para o qual oferece ainda umaexplicação:

“Com efeito, institucionalizou-se o mitoda impermeabilidade das decisõesjudiciais, isto é, de sua imunidade aataques, ainda que agasalhasseminconstitucionalidade, especialmenteapós operada a coisa julgada e

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ultrapassado, nos variadosordenamentos, o prazo para a suaimpugnação. A coisa julgada, nestecenário, transformou-se na expressãomáxima a consagrar os valores decerteza e segurança perseguidos noideal Estado de Direito. Consagra-se,assim, o princípio da intangibilidadeda coisa julgada, visto, durante váriosanos, como dotado de caráterabsoluto.Tal é o resultado da idéia, data vêniaequivocada e largamente difundida,de que o Poder Judiciário se limita aexecutar a lei, sendo, destarte, defen-sor máximo dos direitos e garantiasassegurados na própria Constitui-ção.”17

Não obstante, é inegável que o Poder Judiciáriopode proferir decisões que contrariam direta ouindiretamente a Constituição, tendo em vista principalmenteque hoje o método literal é considerado o mais pobre detodos, bem assim o incremento (necessário) dos poderesdo juiz a que se assiste nas últimas décadas. Negar istoimporta em admitir que o Judiciário esteja acima da Cons-tituição, representando um verdadeiro poder constituinteparalelo, ou, no mínimo, que ele é superior aos demaispoderes, indo de encontro assim ao contido no art. 2° daCF/88.

O nosso ordenamento jurídico reconhece apossibilidade da existência de sentenças inconstitucionaisquando instituiu o Recurso Extraordinário (art. 102, III, da CF/88). Ocorre que este controle é exercido apenas no curso

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do processo, sem falar que, por vários motivos (até mesmopelas excessivas exigências colocadas pelo STF comorequisitos à admissibilidade recursal), este remédio não éutilizado.

Assim, o que fazer ante uma decisão judicial,protegida pelo manto da coisa julgada material, que viola aConstituição, seja porque aplicou lei que foi posteriormentedeclarada inconstitucional, seja porque negou aplicação auma norma constitucional por considerá-la inconstitucional,seja ainda porque malferiu normas diretamente colocadasna Constituição?

Ora, a coisa julgada material, mesmo com o seupoder de sanação geral e com a sua eficácia preclusiva emrelação ao deduzido e ao dedutível (art. 474 do CPC), nãotem o condão deeliminar a inconstitucionalidade contida na sentença, por sereste o vício mais grave de que um ato jurídico pode padecer.Aceitar o contrário é ferir outra vez a Constituição, porquanto,a pretexto de evitar a eternização de litígios, estar-se-iaeternizando inconstitucionalides. Daí a razão de se falar emcoisa julgada inconstitucional. Mas esta explicação é melhorformulada pelo Prof. Cândido Dinamarco quando este dizque é:

“(...) é inconstitucional a leitura clássi-ca da garantia da coisa julgada, ouseja, sua leitura com a crença de queela fosse algo absoluto e, como erahábito dizer, capaz de fazer do preto,branco e do quadrado, redondo. Airrecorribilidade de uma sentença nãoapaga a inconstitucionalidade daque-les resultados substanciais política ousocialmente ilegítimos, que a Consti-

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tuição repudia. Daí a propriedade e alegitimidade sistemática da locução,aparentemente paradoxal, coisajulgada inconstitucional.”18

Com base nesta premissa, o desafio dosdoutrinadores é precisamente o de estender o controle deconstitucionalidade às sentenças com trânsito em julgado,construindo para isto um mecanismo adequado.

Se entendermos a expressão “lei”, contida naquinta hipótese de rescindibilidade elencada no art. 485 doCódigo Buzaid (violação à literal disposição de lei), em seusentido lato, para abranger também a Constituição, percebe-se que é perfeitamente possível o manejo da ação rescisóriapara elidir o vício da inconstitucionalidade.

Para acolherem a ação rescisória proposta, osTribunais têm, inclusive, afastado, por reiteradas vezes, aincidência da Súmula de n.° 343 do STF, quando se tratarde matéria constitucional, com base no entendimento deque o reconhecimento da inconstitucionalidade não se igualaà mera mudança de interpretação de um preceito legal. A leiou é válida ou é inválida.

Apesar de ser possível expungir do ordenamentoa decisão judicial que viola a Constituição, conforme foidemonstrado acima, por meio da ação rescisória, a qualaté ganhou um reforço para o seu manuseio com oentendimento do afastamento da Súmula 343 do STF, osdoutrinadores que estudam o assunto em apreço, em suamaioria, lançam vorazes críticas a este expediente, motivopelo qual propõem a utilização de outros mecanismosprocessuais na consecução de tal desiderato.

4.1 - Os instrumentos processuais de controlepropostos:

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A principal crítica que se opõem à açãorescisória, como mecanismo apto a elidir ainconstitucionalidade da decisão judicial, concerne à sualimitação temporal. De certo, “o direito de propor açãorescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsitoem julgado da decisão” (art. 495 do Código Buzaid).Transcorrido este prazo, tem-se a coisa soberanamentejulgada.

A objeção parte do raciocínio de que ainconstitucionalidade é o vício mais grave que um ato jurídicopode conter, o qual tem o condão de fulminá-lo com anulidade absoluta. Rechaça-se aqui, pois, a correntedoutrinária extremada e minoritária que entende que ainconstitucionalidade acarreta não a invalidade congênita doato, mas sim a sua inexistência, porquanto a sentençainconstitucional reúne os elementos necessários à suaformação, previstos no art. 458 do CPC. Destarte, ainconstitucionalidade apenas retira a sua validade.Corroborando esta assertiva, eis a acertada lição do Prof.Humberto Theodoro Júnior:

“Uma decisão judicial que viole aConstituição, ao contrário do quesustentam alguns, não é inexistente.Não há na hipótese deinconstitucionalidade mera aparênciade ato. (...) Mas, contrapondo-se a (sic)exigência absoluta da ordemconstitucional, falta-lhe condição paravaler, isto é, falta-lhe aptidão ouidoneidade para gerar os efeitos paraos quais foi praticado.Assim, embora existente, a exemplodo que se dá com a lei

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inconstitucional, o ato judicial é nulo,estando sujeito em regra geral, aosprincípios aplicáveis a qualquer (sic)outros atos jurídicosinconstitucionais.”19

Assim, não seria possível a convalidação de umato eivado de inconstitucionalidade, o que ocorreria caso adeclaração deste vício ficasse sujeita ao prazo decadencialde dois anos.

Este entendimento encontra apoio, por meio daanalogia, no fato de o controle de constitucionalidade dosatos legislativos não se encontrar condicionado a prazonenhum.

Seguindo esta linha, “a eleição da via darescisória, ainda que inadequada, para a argüição da coisajulgada inconstitucional”, não significaria “a sua submissãoindistinta ao mesmo regime da coisa julgada ilegal, de modoa que, ultrapassado o prazo de dois anos para o manejodaquela ação, impossível o seu desfazimento. Do contrárioseria equiparar a inconstitucionalidade à ilegalidade, o queé não só inconveniente como avilta o sistema e valores daConstituição.” São as palavras de Humberto TheodoroJúnior20 , o qual chega ao ponto de conceber a idéia de quea sentença inconstitucional não transita em julgado, ou seja,não haveria a formação da coisa julgada a incidir sobre adecisão judicial inquinada. É, pois, o que assevera: “Emverdade, a coisa julgada inconstitucional, à vista de suanulidade, reveste-se de uma aparência de coisa julgada, peloque, a rigor, nem sequer seria necessário o uso da rescisória.Esta tem sido admitida pelo princípio da instrumentalidadee economicidade.”21

Por entenderem que a inconstitucionalidadeenseja a sua alegação em qualquer instância e a qualquer

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momento, bem como o seu conhecimento de ofício pelo juiz,é que estes autorizados doutrinadores, em sua maioria,advogam a subsistência no direito brasileiro da querelanullitatis, não só no caso de inexistência ou invalidade dacitação inicial, mas também na hipótese deinconstitucionalidade da coisa julgada, haja vista tratar-sede um vício insanável.

José Cretella Neto, citado por Carlos Valder doNascimento, formula um conceito da querela nullitatis quevale a pena transcrevê-lo:

“Expressão latina que significanulidade do litígio. Indica a ação criadae utilizada na Idade Média, paraimpugnar a sentença,independentemente de recurso,apontada como a origem das açõesautônomas de impugnação.”22

Em bom português significa, pois, açãodeclaratória de nulidade da sentença (e/ou acórdão), decompetência do próprio órgão julgador do processo que deuorigem à decisão judicial inquinada de nulidade, e não doTribunal a que este se encontra vinculado, como ocorre naação rescisória.

Em razão, sobretudo, do disposto no art. 741, I,do CPC, a doutrina e a jurisprudência defendiam asobrevivência da querela nullitatis em nosso ordenamentoem uma única hipótese, qual seja, quando a citação tiversido nula ou inexistente, mostrando-se o réu revel. É, pois, oque se infere do julgado do Superior Tribunal de Justiçaabaixo colacionado:

“PROCESSUAL CIVIL – NULIDADE

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DA CITAÇÃO (INEXISTÊNCIA) –QUERELA NULLITATIS.I – A tese da querela nullitatis persisteno direito positivo brasileiro, o queimplica em dizer que a nulidade dasentença pode ser declarada em açãodeclaratória de nulidade, eis, que, sema citação, o processo, vale falar, arelação jurídica processual não seconstitui nem validamente sedesenvolve. Nem, por outro lado, asentença transita em julgado,podendo, a qualquer tempo, serdeclarada nula, em ação com esseobjetivo, ou em embargos à execução,se for o caso.II – Recurso não conhecido.”23

Do exposto, resulta que por dois modos sepoderá obter a declaração de nulidade do processo em quefalta a citação inicial, ou quando esta for nula, desde quetenha corrido à revelia: a) ou por embargos de devedor, afim de desconstituir a eficácia do título executivo (Código deProcesso Civil, art. 741, I); b) ou por ação declaratória,nomeadamente se a sentença é desprovida de execuçãoforçada (Código de Processo Civil, art. 4°).”

Não obstante o entendimento, acima explanado,de que dois são os remédios a serem utilizados (açãodeclaratória de nulidade/querela nullitatis e embargos àexecução), vozes autorizadas na doutrina pugnavam pelaampliação destes mecanismos processuais, de que éexemplo a lição de Liebman, extraída deste mesmo aresto:

“Qual seria, em verdade, o processo

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adequado para a declaração de talnulidade? Não há outra resposta queesta: todo e qualquer processo éadequado para constatar e declararque um julgado meramente aparenteé na realidade inexistente e de nenhumefeito. A nulidade pode ser alegadaem defesa contra quem pretende tirarda sentença um efeito qualquer; assimcomo pode ser pleiteada em processoprincipal, meramente declaratória.”24

Este mesmo amplo leque de possibilidades vem,por analogia e pelo que dispõe o novel parágrafo único doart. 741 do CPC, sendo defendido pela doutrina e aceitopelos juizes e tribunais como apto a afastar a mácula dainconstitucionalide da coisa julgada. Eis o relato do Prof.Cândido Dinamarco:

“A escolha dos caminhos adequadosà infringência da coisa julgada emcada caso concreto é um problemabem menor e de solução não muitodifícil, a partir de quando se aceite atese da relativização dessa autorida-de. (...) Tomo a liberdade de tornar àlição de Pontes de Miranda e do le-que de possibilidades que sugere,como: a) a propositura de nova de-manda igual à primeira,desconsiderada a coisa julgada; b) aresistência à execução, por meio deembargos a ela ou mediante alega-ções incidentes ao próprio processo

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executivo; e c) a alegação incidentertantum em algum outro processo, in-clusive em peças defensivas.(...)A casuística levantada demonstraque os tribunais não têm sido parti-cularmente exigentes quanto à esco-lha do remédio técnico-processual ouda via processual ou procedimentaladequada ao afastamento da coisajulgada nos casos em exame.”25

Despida de uma preocupação com o rigorcientífico e com as conseqüências daí advindas, a doutrinamajoritária entende cabível, portanto, a utilização dosseguintes instrumentos processuais de controle: açãorescisória, embargos à execução, exceção de pré-executividade, ação declaratória de nulidade, a simplesrenovação da ação (desconsiderando a coisa julgada) ...Não faltando quem autorize o uso do Remédio Heróico,como o faz Leonardo de Faria Beraldo:

“É pacífico e sumulado najurisprudência que não é cabívelmandado de segurança contrasentença passada em julgado.Entretanto, pensamos que, pelo fatode o mandado de segurança ter umrito bastante célere, ele tambémpoderia ser um caminho à proteçãode uma grave ameaça, desde que apessoa comprove, de plano, seudireito líquido e certo.”26

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Com isso, outorga-se a todo e qualquer juiz umpoder geral de controle da constitucionalidade da coisajulgada.

4.2 – Diferença entre Relativização da coisa julgada eCoisa julgada inconstitucional:

Conforme já foi consignado, o nó górdio daquestão consiste em saber de forma objetiva quais ashipóteses que devem ensejar o afastamento da coisasoberanamente julgada.

Não obstante existam muitas divergências arespeito, entendemos que Relativização da coisa julgada éalgo mais amplo que Coisa julgada inconstitucional. Aprimeira é gênero, de que a segunda é espécie. Uma dashipóteses em que a coisa julgada poderá ser relativizada é,pois, quando a decisão julgada contiver a mácula dainconstitucionalidade.

Entendemos, ainda, que a coisa julgadainconstitucional é constada através do cotejo entre a sentença(e/ou acórdão) e a Constituição. Ou seja, é uma questão deinterpretação e aplicação do Direito. Sempre foi assimquando se fala em controle de constitucionalidade dasnormas, não havendo motivo para ser diferente quando essecontrole tiver como objeto sentenças judiciais.

Destarte, nos casos em que, graças ao avançoda ciência ou por qualquer outro motivo, ocorre uma impor-tante descoberta de cunho fático, superveniente ao trânsitoem julgado, não há como atribuir à sentença a pecha dainconstitucionalidade, posto que quando da sua prolataçãoo Direito foi aplicado corretamente. Apenas o juiz nãodispunha dos meios probatórios necessários àmaterialização da justiça. Isto não quer dizer, todavia, que acoisa julgada não deva ser flexibilizada, afinal a descobertada verdade real tornou a sentença injusta ou teratológica.

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Apenas o fundamento a ser utilizado deverá ser outro quenão o da constitucionalidade, podendo ser, por exemplo, oda proporcionalidade.

Desta forma, não podemos dizer, por exemplo,que a sentença proferida quando não havia o exame de DNAou quando o seu uso era bastante restrito sejainconstitucional só porque a realização a posteriori destetenha demonstrado a sua inexatidão. Nem que a sentençaque condenou a Fazenda Pública de São Paulo na ação dedesapropriação indireta seja inconstitucional em razão dadescoberta superveniente de o terreno sempre ter pertencidoao erário público paulistano.

A sentença viola a Constituição quando, porexemplo, aplica lei que teve sua inconstitucionalidadedeclarada pelo STF ou quando vai de encontro direto àsnormas de envergadura constitucional. Acreditamos,portanto, que tenha sido esta a concepção de coisa julgadainconstitucional a adotada pelo CPC em seu art. 741,parágrafo único. Passemos, então, à sua análise, ainda quede forma superficial.

5. Do parágrafo único do art. 741 do Código deProcesso Civil:

A Medida Provisória n.° 2.180-35, de 24.08.2001,através de seu art. 10°, acrescentou ao art. 741 do CPCparágrafo único que tem a seguinte dicção:

“Para efeito do disposto no inc. IIdeste artigo, considera-se tambéminexigível o título judicial fundado emlei ou ato normativo declaradosinconstitucionais pelo Supremo Tribu-nal Federal ou em aplicação ouinterpretação tidas por incompatíveis

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com a Constituição Federal.”

A Medida Provisória referida, que constitui aúltima edição da MP de n.° 1.798, de 13.01.1999, encontra-se em vigor por força do art. 2° da EC n.° 32/2001, a qual,ao dar um novo disciplinamento às MP‘s, acabou por criar afigura paradoxal das medidas provisórias permanentes,retirando, assim, com uma “mão” o que havia dado com aoutra, já que veio a lume com o escopo de limitar as reediçõesabusivas desta medida excepcional promovidas pelo Chefedo Executivo.

Mas antes da MP de n.° 2.180-35, a MP de n.°1.984-17, de 04.05.2000, foi a primeira a inserir estedispositivo, o qual tinha uma redação um pouco diferente daatual. Ei-la:

“Para efeito do disposto no inciso IIdeste artigo, é também inexigível otítulo judicial fundado em lei, atonormativo ou em sua interpretação ouaplicação declarada inconstitucionalpelo Supremo Tribunal Federal.”

Esta redação só veio a ser alterada pela MP den.° 1.984-20, de 28.07.2000, a qual estabeleceu o texto quese mantém até hoje graças às várias reedições da MP den.° 1.798.

A Consolidação das Leis do Trabalho tambémcontém esta regra em seu art. 884, § 5°27 , inserida pela MPn. 2.180-35.

Este parágrafo mudou o conceito deinexigibilidade construído ao longo da história pela doutrina,pois até então a inexigibilidade do título estava ligada a umaquestão temporal.

5.1 – O motivo da MP n.° 2.180-35:

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A Fazenda Pública é a litigante que tem contra sio maior número de decisões que têm provocado anecessidade de se reestudar a coisa julgada. Por isso éque a maioria dos doutrinadores que se debruçaram sobreo tema reconhece que a Medida Provisória em apreço foieditada tendo em vista principalmente os interessesfazendários.

De certo, já em 11.06.1997, o Governo editou aMedida Provisória de n.° 1.577, a qual, dentre outrasmodificações, aumentava o prazo da ação rescisória para04 anos em favor da Fazenda Pública, bem comoestabelecia uma nova hipótese de rescindibilidade dadecisão judicial com trânsito em julgado. Eis o dispositivoaludido:

“Art. 4o O direito de propor açãorescisória por parte da União, dosEstados, do Distrito Federal, dosMunicípios, bem como dasautarquias e das fundaçõesinstituídas pelo Poder Públicoextingue-se em quatro anos,contados do trânsito em julgado dadecisão.Parágrafo único. Além das hipótesesreferidas no art. 485 do Código deProcesso Civil, será cabível açãorescisória quando a indenização fixa-da em ação de desapropriação for fla-grantemente superior ao preço demercado do bem desapropriado.”

Esta redação foi alterada pela MP de n.° 1.577-5, de 30.10.1997, a qual foi mais benéfica que a MP origi-

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nária, ao estatuir:

“Art. 4o O direito de propor açãorescisória por parte da União, dosEstados, do Distrito Federal, dosMunicípios, bem como dasautarquias e das fundaçõesinstituídas pelo Poder Públicoextingue-se em cinco anos, contadosdo trânsito em julgado da decisão.Parágrafo único. Além das hipótesesreferidas no art. 485 do Código deProcesso Civil, será cabível açãorescisória quando a indenização fixa-da em ação de desapropriação, emação ordinária de indenização porapossamento administrativo ou desa-propriação indireta, e também emação que vise a indenização por res-trições decorrentes de atos do PoderPúblico, em especial aqueles destina-dos à proteção ambiental, for flagran-temente superior ao preço demercado do bem objeto da ação judi-cial.”

Nova alteração, inserida diretamente no CPC,sobreveio ao texto com a edição da MP n.° 1.658-12, de05.05.1998, através da qual incluiu-se, louvavelmente, oMinistério Público:

“Art. 4o Os arts. 188 e 485 da Lei no

5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Có-digo de Processo Civil), passam a

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vigorar com as seguintes alterações:Art. 188. O Ministério Público, a União,os Estados, o Distrito Federal, osMunicípios, bem como suasautarquias e fundações, gozarão doprazo:I - em dobro para recorrer e ajuizaração rescisória; eII - em quádruplo para contestar.Art. 485.(...)X - a indenização fixada em ação dedesapropriação direta ou indireta forflagrantemente superior ou manifesta-mente inferior ao preço de mercadoobjeto da ação judicial.”

Esta norma existiu até o advento da MP de n.°1.774-22, de 11.02.1999, que não mais a previu.

Mas em 16.04.1998 o Colendo Supremo Tribu-nal Federal já tinha suspendido, cautelarmente, os efeitosdeste dispositivo através da ADIn de n.° 1.753, proposta peloConselho Federal da OAB, cujo julgamento final só restouprejudicado por causa de um problema no aditamento daexordial (reedições da MP), o que configura perda de objeto.Em caráter excepcional, o Plenário do STF havia deferido opedido de medida cautelar por entender inexistentes ospressupostos de relevância e urgência, obtemperando:

“Medida provisória: excepcionalidadeda censura jurisdicional da ausênciados pressupostos de relevância e ur-gência à sua edição: raia, no entanto,pela irrisão a afirmação de urgência

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para as alterações questionadas àdisciplina legal da ação rescisória,quando, segundo a doutrina e a juris-prudência, sua aplicação à rescisãode sentenças já transitadas emjulgado, quanto a uma delas – a cria-ção de novo caso de rescindibilidade– é pacificamente inadmissível equanto à outra – ampliação do prazode decadência – é pelo menos duvi-dosa.”28

Como se observa, já faz algum tempo que oEstado vem buscando meios de afastar a coisa julgada dasdecisões inconstitucionais ou teratológicas proferidas contraele.

O Prof. Dinamarco, ao abordar o assunto, embo-ra não o fizesse especificamente em relação ao parágrafoúnico do art. 741 do CPC, assim externou seu receio:

“Vejo (...) com muita preocupação arelativa disposição a favorecer o Es-tado com a flexibilização da coisajulgada, sem flexibilizá-la em prol deoutros sujeitos ou em face de valo-res ainda mais nobres que os relaci-onados com os interesses estataispuramente patrimoniais.

...................OS PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS BRASI-LEIROS COLHIDOS NA PESQUISA FEITA APON-TAM EXCLUSIVAMENTE CASOS EM QUE SE

QUESTIONAVAM INDENIZAÇÕES A SEREM PAGAS

PELO ESTADO, NOTANDO-SE ATÉ UMA

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PREOCUPAÇÃO UNILATERAL PELA INTEGRIDA-DE DOS COFRES PÚBLICOS, MAS O TEMA

PROPOSTO É MUITO MAIS AMPLO, PORQUE AFRAGILIZAÇÃO DA COISA JULGADA COMO

REAÇÃO A INJUSTIÇAS, ABSURDOS, FRAUDES

OU TRANSGRESSÃO A VALORES QUE NÃO

COMPORTAM TRANSGRESSÃO, É SUSCETÍVEL DE

OCORRER EM QUALQUER ÁREA DAS RELAÇÕES

HUMANAS QUE SÃO TRAZIDAS À APRECIAÇÃO DO

PODER JUDICIÁRIO.”29

Assim, conquanto seja possível asseverar queesta norma veio a lume para tutelar de forma imediata osinteresses da Fazenda Pública, não se pode negar que estamedida pode ser bem utilizada por ambas as partes (Estadoe particular), não fossem as impropriedades que serãoanalisadas nos subitens 5.3 e 5.5.

5.2 - A MP n.° 2.180-35 e a ADIn n.° 2.418-3:O Conselho Federal da OAB ajuizou ação direta

de inconstitucionalidade (ADIn n.° 2.418-3), com pedido deliminar, contra a MP n.° 2.102-27, de 26.01.2001, cujasreedições foram objeto de regular aditamento da inicial, como desiderato de expungir do ordenamento os seus arts. 4° e10°. Este último foi o que introduziu parágrafo único ao art.741 do Código Buzaid, alvo de nossa atenção.

A ADIn foi ajuizada em 22.02.2001, e até hoje nãohá qualquer manifestação meritória do Supremo (mais detrês anos para apreciar uma liminar!), consoante odemonstrativo em anexo, o qual informa ainda que aProcuradoria Geral da República emitiu parecer favorável àdeclaração de inconstitucionalidade no que concerne ao art.10 da Medida Provisória vergastada.

O Conselho Federal da OAB entende que o

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dispositivo é inconstitucional por encontrar-se despido deurgência (art. 62 da CF/88) e por malferir a coisa julgada(art. 5°, XXXVI, da CF/88).

De certo, a doutrina já apregoava que não háurgência em matéria de natureza processual, entendimentoque veio a ser acolhido pela EC n.° 32/2001 que, ao daruma nova roupagem a esta espécie normativa, vedou a suaedição sobre processo penal e processo civil.

Em relação ao fundamento da violação ao art.5°, XXXVI, da Carta Magna (“a lei não prejudicará o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), oConselho Federal da OAB assim se manifestou:

“A criação do novel caso de‘inexigibilidade’ de título executivojudicial perpetrada pelo artigo 10 daMedida Provisória 2.102-27, na parteque acrescentou parágrafo único aoart. 741 da Lei federal n.° 5.869,configura dissimulada hipótese derescindibilidade da sentençatransitada em julgado. De fato, privaro decisum do principal efeito que lheé próprio – ensejar execução forçada– consubstancia ataque à autoridadedo decidido em juízo após sucessivosatos e julgamentos. O preceito, a todaevidência, investe contra a segurançade que se revestem as decisõesjudiciais finais, colidindo com asdeterminações do artigo 5°, incisoXXXVI, da Constituição Federal.”30

Entendemos, data maxima venia, que não há por

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que invocar este dispositivo normativo, porquanto o art. 5°,XXXVI, da CF/88 consubstancia tão-somente o princípio dairretroatividade da lei. O constituinte poderia ter dito apenasque a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, expressãoque engloba o direito adquirido e a coisa julgada. Mas seassim não fez foi porque quis apenas realçar estes doisinstitutos. Curvamo-nos, pois, ao escólio do Prof. José Afonsoda Silva:

“A proteção constitucional da coisajulgada não impede, contudo, que alei preordene regras para a suarescisão mediante atividadejurisdicional. Dizendo que a lei nãoprejudicará a coisa julgada, quer-setutelar esta contra atuação direta dolegislador, contra ataque direto da lei.A lei não pode desfazer (rescindir ouanular ou tornar ineficaz) a coisajulgada. Mas pode prever licitamente,como o fez no art. 485 do Código deProcesso Civil, sua rescindibilidadepor meio de ação rescisória.”31

Destarte, não há malferimento ao art. 5°, XXXVI,da CF/8832 , o que não esgota todas as possibilidades deviolação à Magna Carta.

5.3 – Exegese do parágrafo único do art. 741 do CPC:O Chefe do Poder Executivo foi, no mínimo,

imprudente ao tratar de um assunto de tamanha envergaduranum único dispositivo, o que tem dado margem a diversasinterpretações.

Decompondo o parágrafo único do art. 741 do

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CPC em duas hipóteses, temos:1. Título judicial fundado em lei ou ato normativodeclarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal;

A declaração de inconstitucionalidade a que serefere a norma é a que é feita pelo STF em sede de controleabstrato (ADIn). A doutrina vem entendendo que estedispositivo só engloba a declaração de inconstitucionalidadefeita incidentalmente se o Senado Federal fizer uso do art.52, X, da CF/88.

Tem-se entendido, outrossim, que este preceitocompreende o processo inverso, ou seja, o caso em que ojuiz afastou a aplicação de uma lei ou ato normativo porconsiderá-los inconstitucionais e o STF, posteriormente,julgou procedente a Ação Declaratória deConstitucionalidade (ADC).

Entendemos que nestes casos ocorre umaofensa indireta à Constituição. Mas vale registrar que existequem entenda que, quando o juiz deixa de aplicar uma normapor vislumbrar na mesma o vício da inconstitucionalidade, aofensa é direta à Constituição. E há os que dizem que aagressão é feita à lei afastada e não à Constituição. São osentendimentos esposados, por exemplo, por BrunoBoquimpani Silva33 e por Humberto Theodoro Júnior/JulianaCordeiro de Faria34 , respectivamente.

Conquanto se entendesse que a declaraçãoabstrata de inconstitucionalidade feita pelo STF tivesseefeitos ex tunc e erga omnes, a coisa julgada sempreconstituiu um óbice à produção plena destes efeitos. Ou seja,tal declaração não tinha o poder de alterar em nada a decisãocom trânsito em julgado. Com o dispositivo em comento,amplia-se, portanto, os efeitos da declaração deinconstitucionalidade feita pelo Colendo Supremo TribunalFederal.

Importa ainda, por uma questão de amor à

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argumentação, consignar que críticas são feitas quanto àimposição de a declaração de inconstitucionalidade ser feitaapenas pelo STF. Invoca-se para isto a hipótese em que estadeclaração não se efetiva tão-somente em razão da inérciados legitimados à propositura da ADIn ou em virtude daperda de objeto da ação com a revogação da norma. Assim,não seria legítimo manter a coisa julgada inconstitucional sóporque a Corte Suprema não teve oportunidade de apreciara constitucionalidade da norma, devendo o juiz realizar emconcreto este controle.

Mas de acordo com o que foi visto há pouco, oart. 741, parágrafo único, do CPC não comporta estainterpretação extensiva.2. Título judicial fundado em aplicação ou interpretaçãotidas por incompatíveis com a Constituição Federal;

Trata-se do caso em que a ofensa é feitadiretamente à Constituição. Não mais se condicionou ainexigibilidade do título à interpretação feita pelo Supremo,como o fazia a primeira redação deste dispositivo, que,como vimos, era a seguinte:

“Para efeito do disposto no inciso IIdeste artigo, é também inexigível otítulo judicial fundado em lei, atonormativo ou em sua interpretação ouaplicação declarada inconstitucionalpelo Supremo Tribunal Federal.”

Esta hipótese poderá ser muito mal utilizada.

5.4 – Efeitos da declaração de inconstitucionalidadeda coisa julgada: ex tunc ou ex nuc?

Assim como ocorre no controle abstrato deconstitucionalidade, Leonardo de Faria Beraldo entende que,

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em regra, a declaração de inconstitucionalidade da coisajulgada produz efeitos ex tunc, podendo o juiz fazer uso, poranalogia, do art. 27 da Lei n.° 9.868/1999, que regula oprocesso e julgamento da ADIn e da ADCon perante o STF.Mas registre-se que o Supremo entende que o juiz singularnão pode fazer uso do referido artigo por analogia.

Até o advento desta Lei, entendia-se que adeclaração de inconstitucionalidade sempre produzia efeitosex tunc, ou seja, a norma era tida como nula desde o seunascedouro, e erga omnes, isto é, atingia a todos,indistintamente.

A Lei n.° 9.868/99 modificou este entendimentoatravés do seu art. 27, cujos elaboradores buscaraminspiração na legislação de outros países (verbi gratia, aAlemanha), ao conferir ao STF o poder grandioso de,mediante maioria qualificada, restringir os efeitos dadeclaração de inconstitucionalidade, podendo aindaestabelecer que estes serão apenas ex nunc (a partir dotrânsito em julgado) ou pro futuro. Tal fenômeno vem sendochamado pela doutrina, paradoxalmente, deconstitucionalização da inconstitucionalidade e deinconstitucionalidade interrompida.

Não obstante, enquanto vigorar tal dispositivomitigador, é de se propugnar pela sua utilizaçãoexcepcionalíssima, seja no controle abstrato das normas, sejaquando do afastamento da coisa julgada inconstitucional.Como diz o seu maior defensor, Gilmar Ferreira Mendes,ele só deve ser aplicado “se, a juízo do próprio Tribunal, sepuder afirmar que a declaração de nulidade acabaria pordistanciar-se ainda mais da vontade constitucional.”35

5.5 – Da impropriedade de sua inserção na matéria quetrata dos embargos à execução:

A introdução do dispositivo em comento no

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Capítulo II, Título III, do Livro II do Código de Processo Civil, oqual trata dos embargos à execução fundada em sentença(a sua inserção no que concerne aos títulos extrajudiciaisseria mesmo despicienda, porquanto a matéria de defesajá era ampla), acabou por robustecer o entendimento, aquijá explicitado, de que a inconstitucionalidade da sentençapode ser argüida através de qualquer meio (embargos àexecução, exceção de pré-executividade, ação declaratóriade nulidade, simples renovação da demanda, mandado desegurança, etc.). Senão vejamos:

O parágrafo único do art. 741 do CPC tem umalcance limitado, porquanto só atinge as sentenças queensejam execução (sentença condenatória), deixandoincólumes as sentenças declaratória, constitutiva,mandamental e executiva lato senso, sem que haja uma razãoplausível para este discrímen (a única razão pode serencontrada na ânsia do Estado de afastar a coisa julgadadas sentenças, proferidas em seu desfavor, que já seencontravam na fase agressiva da execução, o que serevelaria para ele uma medida de caráter urgente).

Ora, isto acarreta, inevitavelmente, a busca demeios para atacar as sentenças de natureza não-condenatória.

E foi exatamente isto o que ocorreu no caso emque o réu se mostrou revel em razão da inexistência ou danulidade da citação. O único instrumento previsto no CPCera os embargos à execução (art. 741), o que não impediua doutrina e o Judiciário de defenderem a sobrevivência daquerela nullitatis no direito positivo brasileiro, bem como ouso de outros remédios processuais.

Apesar de ser necessário o afastamento da coisajulgada inconstitucional, há um sério inconveniente advindodo uso dos meios processuais que vêm sendo propostos,sobretudo, dos embargos à execução, para o qual poucos

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têm atentado. Trata-se da possibilidade de um juiz inferioranular a decisão de um juiz superior. Isto pode ocorrerprincipalmente quando há interposição de recurso, caso emque o acórdão substitui a sentença, ainda que a ratifiqueinteiramente (art. 512 do CPC). Assim, poderia ocorrer, porexemplo, de um juiz singular anular uma decisão do SuperiorTribunal de Justiça. Isto explica porque a ação rescisória éda competência originária dos tribunais.

Entendemos que não se pode igualar o caso dainexistência ou nulidade da citação ao caso dainconstitucionalidade da coisa julgada, pois, na primeirahipótese, a coisa julgada, por expressa determinação do art.472 do CPC, não se forma, salvo raras exceções. De certo,só quem teve a possibilidade de participar efetivamente doprocesso, contribuindo para o convencimento do juiz, é que,em regra, se sujeita à coisa julgada. Já na segunda hipótese,a coisa julgada se forma, ela apenas é viciada.

Leonardo de Faria Beraldo formula algumasindagações que apontam outros inconvenientes do uso dosembargos à execução para ilidir a sentença inconstitucional.Vale a pena, pois, transcrevê-las:

“Quais seriam os efeitos decorrentesde um julgamento desfavorável aodetentor do título executivo, ou seja,que resultado passará a vigorar nolugar daquele desconstituído em facede sua inconstitucionalidade? Poderiao órgão responsável pela suadesconstituição julgar o mérito casofosse possível? Ou este julgamentocompetiria apenas ao juiz de direitoque prolatara a sentença primeva? Emais, será que o perdedor

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teria então de propor uma novaação?”36

Na ação rescisória, o Tribunal desconstitui asentença e/ou acórdão, e ainda está autorizado, pelo art.494 do CPC, a proferir um novo julgamento, se o caso oexigir.

Mas, como se vê, este complexo assunto estáprecisando de um disciplinamento mais adequado.

6. Da necessidade de se conferir um novodisciplinamento à ação rescisória:

Sempre que o ordenamento jurídico não ofereceos meios aptos à solução de determinada problemática, tem-se como corolário natural a utilização da criatividade pelosoperadores do Direito com o escopo de resolvê-la, até quesobrevenha a alteração legislativa desejada.

A ação rescisória, com o seu atual regramento,revelou-se incapaz de dirimir eficazmente a questão aquianalisada. Assim, apesar dos inconvenientes já apontados,resulta digna de elogios a idéia de se buscar na querelanullitatis subsídio para se admitir o uso de vários remédiosprocessuais no afastamento da coisa julgada.

O CPC de 1973, quando do seu advento, sentiua necessidade de se modificar a ação rescisória, o que sedepreende, por exemplo, da ampliação procedida do rol dashipóteses de rescindibilidade previsto no CPC de 1939.

Embora seja algo esposado por uma doutrinaminoritária, entendemos que, enquanto não se constrói algomelhor, as hipóteses de cabimento da ação rescisória é quemerecem ser revistas, bem como o prazo para a suapropositura. E achamos inviável a idéia de se atribuir ao STFcompetência privativa para afastar a coisa julgadainconstitucional, como o quer, por exemplo, Leonardo de

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Faria Beraldo.O emérito Professor Alexandre Freitas Câmara,

no que tange ao caso da coisa julgada inconstitucional,propõe algumas alterações no CPC que vale a pena copiaras suas palavras:

“A meu sentir, deve-se acrescentarum novo inciso ao art. 485 do Códigode Processo Civil. Através deste novodispositivo estabelecer-se-ia que asentença de mérito transitada emjulgado poderia ser rescindida quandoofendesse norma constitucional.

Não bastaria, porém, acrescentareste novo inciso ao art. 485 do CPC,mesmo porque a rigor tal dispositivo,sozinho, em nada inovaria, uma vezque – conforme já se viu – a rescisãoda sentença inconstitucional já épossível com base no disposto noinciso V daquele artigo. A criação donovo inciso só se justificaria se estefosse a ‘pedra fundamental’ de umnovo regime, que para se completardependeria de outras regras.

Assim é que, criado o novo incisoa que me referi, seria precisoacrescentar-se, em seguida, um novoparágrafo ao mesmo art. 485 do CPC.Tal parágrafo estabeleceria que ‘asentença de mérito transitada emjulgado que ofende a Constituição sódeixa de produzir efeitos apósrescindida na forma prevista neste

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Capítulo, permitida a concessão, pelorelator, de medida liminar quesuspenda temporariamente seusefeitos se houver o risco de que suaimediata eficácia gere dano grave, dedifícil ou impossível reparação, sendorelevante a fundamentação da de-manda rescisória’. Deste modo, a‘ação rescisória’ passaria a ser oúnico meio adequado para adesconstituição da sentençatransitada em julgado que ofende aConstituição da República.

Com este modelo que ora sepropõe, estar-se-ia alcançando, a meuver, um ponto de equilíbrio entre osdois valores que entram em conflitodiante da sentença inconstitucionaltransitada em julgado, a segurança ea justiça. Afinal, a se adotar estemodelo, a coisa julgada prevaleceriaaté o julgamento da ‘ação rescisória’,permitida a suspensão liminar daeficácia da sentença nos casos emque estivessem presentes opericulum in mora e o fumus boniiuris.

Para completar o sistema, porém,seria necessário acrescentar-se umparágrafo ao art. 495 do CPC, o qualestabeleceria que ‘sendo a ‘açãorescisória’ fundada em violação denorma constitucional o direito àrescisão pode ser exercido a qualquer

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tempo, não ficando sujeito ao prazodecadencial previsto neste artigo’.Conseqüência inexorável da adoçãodo modelo aqui proposto seria arevogação do parágrafo único do art.741 do Código de Processo Civil, quese tornaria incompatível com as novasregras adotadas.”37

Importa acrescentar que a revisão criminal, irmãsiamesa da ação rescisória, pode ser movida a qualquertempo pela defesa, dada a relevância do bem liberdade paraa nossa sociedade. Embora possa ser manejada quandose tratar de uma questão de aplicação do Direito, conformedispõe o art. 621 do CPP ( I - quando a sentençacondenatória for contrária ao texto expresso da lei penal...),o legislador se preocupou mais em prevê questões de cunhofático a possibilitar o uso da revisão criminal (o princípio daverdade real sempre preponderou mais no DireitoProcessual Penal do que no Direito Processual Civil),consoante o inciso II do art. 621 do CPP (II - quando asentença condenatória se fundar em depoimentos, examesou documentos comprovadamente falsos;) e,principalmente, o inciso III do mesmo artigo (III - quando,após a sentença, se descobrirem novas provas deinocência do condenado ou de circunstância que determineou autorize diminuição especial da pena). Esta última eampla hipótese - fato novo - pode, pois, ser utilizada parafuncionar como “inspiração” para uma proposta de legeferenda, a qual poderá solucionar, por exemplo, o caso dosjulgados emitidos sem a realização do exame de DNA, alémde outros casos relevantes e excepcionais que justifiquem aindeterminação do prazo para a ação rescisória.

Não vale, por fim, argüir que a ação rescisória é

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imprópria ao desiderato aqui proposto com fulcro na supostadiferença entre rescindibilidade e nulidade (acrescente aindaa anulabilidade). A confecção do art. 485 do CPC não sedeu orientada por esta diferenciação. Exemplos disto sãoos casos de ausência da intervenção do Ministério Públicoquando a lei a considere obrigatória (art. 84 do CPC) e o daincompetência absoluta do juiz (art. 113, § 2°, do CPC) que,apesar de serem causas de nulidade do processo, ensejama propositura da ação rescisória. Não há uma liame objetivoentre as hipóteses do art. 485 do Código Buzaid, maisparecendo que se trata de uma questão de políticalegislativa. A sentença e/ou acórdão podem, portanto, serrescindidos quando contêm o vício da nulidade, daanulabilidade ou qualquer outro vício, desde que os mesmosse mostrem graves a ponto de merecerem ser expungidosatravés da ação rescisória.

7. Considerações Finais:Num Estado Democrático de Direito, a coisa

julgada material não pode funcionar como uma redoma paraas sentenças e/ou acórdãos eivados deinconstitucionalidade ou de teratologia, porquanto asegurança jurídica, não sendo um valor absoluto, deveconviver harmoniosamente com outros valores, ficando emsegundo plano quando estes se revelarem mais importan-tes. Daí a legitimidade de se relativizá-la em casosexcepcionais.

A coisa julgada inconstitucional, nascida doesforço de se conferir uma sistematização à teoria darelativização da coisa julgada, ocorre quando o Direito éaplicado de forma acintosa à Constituição. Difere, pois, dahipótese em que a descoberta superveniente da verdadereal torna injusta a decisão judicial com trânsito em julgado.

Deve-se, todavia, repelir a aplicação do princípio

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da fungibilidade no afastamento da coisa julgada, ou seja,não se pode querer atingir tal desiderato utilizando todo equalquer meio processual. Isto ensejaria, dentre outrosinconvenientes, a possibilidade de um juiz inferior anular adecisão de um Tribunal. Daí a necessidade, enquanto nãose vislumbra algo melhor, de se conferir um novodisciplinamento à ação rescisória, até porque os casos queclamaram pela relativização da coisa julgada assemelham-se às hipóteses já previstas no art. 485 do CPC.

De tudo o que foi exposto, o que deve ficar é queeste assunto urge o envidamento de esforços no sentido delhe conferir um disciplinamento responsável e harmônico,bem diferente do que fez recentemente o Chefe do PoderExecutivo ao inserir parágrafo único ao art. 741 do CPC.

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Notas:

1 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil.p.45/522 NEVES, Celso apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A CoisaJulgada Inconstitucional. p. 1333 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito ProcessualCivil. p.454 Apud PINTO, José Augusto Rodrigues. A Autoridade da Coisa Julgadadiante da Medida Provisória 2.180.5 STJ - REsp. n.° 107.248/GO - 3ª Turma. Rel. Menezes Direito. Julga-mento: 07.05.1998. DJU, de 29.6.19986 STJ - Resp. n.° 226.436/PR - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.Julgamento: 28.06.2001.8 http://www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/22062001/13935.pdf8 STJ – REsp. n.° 240.712/SP – 1ª Turma. Rel. José Delgado. DJU: 24/04/20009 Informação extraída principalmente de um trecho da entrevista conce-dida ao IBAP pela Procuradora do Estado do Ceará, Maria Lúcia deCastro Teixeira. Disponível em: <http://www.ibap.org/boletimeletronico/be02/boletim02.htm> Acesso em: 17 jun. 2004.

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11 NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa JulgadaInconstitucional. p. 161/16412 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

13 Ibidem14 Ibidem15 Ibidem

15 Antes do CPC de 1973, o prazo era prescricional de 05 anos, mas porforça tão-somente do que dispunha o art. 178, § 10°, VIII, do CC/1916,porquanto o CPC de 1939 era silente sobre o mesmo. Não obstante, oscasos de rescindibilidade eram bastante limitados e pouco utilizada eraa ação rescisória, dada a relevância atribuída à segurança jurídica, bemcomo a preponderância de direitos disponíveis.16 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade doProcesso. p.73/7417 Apud OLIVEIRA, Daniel Gomes de. Coisa Julgada Inconstitucional.18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa JulgadaMaterial.19 Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa JulgadaInconstitucional. p. 16521 Ibidem. p. 107/108

21 Ibidem. p. 108/10922 Ibidem. p. 2424 STJ – REsp. n.° 12.586/SP. Rel. Waldemar Zveiter. Julgamento: 08/10/1991

25 Ibidem.26 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

27 Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa JulgadaInconstitucional. p.16927 Art. 884, § 5°: “Considera-se inexigível o título judicial fundado em leiou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo TribunalFederal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com aConstituição Federal.”

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28 STF – ADIn n.° 1.573-2/DF. Min. Rel. Sepúlveda Pertence. DJ: 12/06/199830 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

30 STF – ADIn n.° 2418-3. Petição inicial.31 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.439.32 A título de atualização do texto, importa registrar que o STJ, nojulgamento do REsp n.° 692.788/SC, entendeu que o parágrafo único doart. 741 do CPC é constitucional, mas que o mesmo só se aplica àsdecisões cujo trânsito em julgado tenha ocorrido após a entrada emvigor da MP que o introduziu no ordenamento jurídico.33 SILVA, Bruno Boquimpani. O Princípio da Segurança Jurídica e aCoisa Julgada Inconstitucional.35 Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa JulgadaInconstitucional. p.115.

36 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: umaanálise das Leis n.° 9.868/99 e 9.882/99.36 Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa JulgadaInconstitucional. p. 174

37 CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa Julgada Materi-al.