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Betânia Alfonsin

A Conferência HABITAT III e a Nova Agenda Urbanaplanodiretor.mprs.mp.br/evento/ap/betaniaalfonsin.pdf · Desde 1976 as Nações Unidas realizam, a cada 20 anos, uma conferência

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Betânia Alfonsin

Desde 1976 as Nações Unidas realizam, a cada 20 anos, uma conferência a fim de pactuar uma agenda urbana a ser observada pelos países membro pelo ciclo de duas décadas seguinte à realização do evento.

Em cada uma dessas conferências, um tema

chave para o Desenvolvimento Urbano vertebra os debates.

Os documentos finais de cada encontro refletem os contextos históricos e o grau de compreensão sobre o fenômeno do desenvolvimento urbano correspondente ao período em que o evento se realiza.

A taxa de urbanização planetária era de 37,9%

As Nações Unidas reconheceram as consequências e problemas decorrentes da rápida urbanização planetária, bem como que as questões de abrigo para as populações de baixa renda são um desafio global.

O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT) se estabeleceu em 1978, como resultado da Conferência Habitat I.

A taxa de urbanização planetária era de 45,1%

Em Istambul, os líderes mundiais adotaram a Agenda

Habitat como um plano de ação global para habitação adequada para todos, usando por primeira vez a expressão assentamentos humanos sustentáveis.

Nesta Conferência, os movimentos sociais celebraram o compromisso assumido pelas Nações Unidas de "progressivamente" garantir o direito humano à moradia adequada no âmbito interno de seus países.

Em 2016, a taxa de urbanização planetária já era de 54,5% e os desafios colocados para o desenvolvimento urbano eram ainda maiores.

A HABITAT III foi a Conferência mais democrática da série, que envolveu o maior número de atores (governamentais e não governamentais) em sua preparação e realização, e que contou com o maior número de eventos paralelos da história das Conferências.

O processo preparatório foi realizado através

da organização de 10 “Policy Units”, grupos de trabalho com a participação da sociedade civil, de pesquisadores com expertise em relação aos temas-chave da Conferência e compostos com fortes preocupações relacionadas à representação regional e de gênero em cada um dos grupos temáticos.

As Policy units foram formadas com os seguintes objetivos:

Identificar desafios para a Nova Agenda Urbana;

Identificar políticas prioritárias e questões críticas em cada um dos temas chave;

Fazer recomendações para fins de implementação das políticas sugeridas;

Ser conteúdo de referência para a redação da Nova Agenda Urbana.

1 – Direito à cidade e cidade para todos/as.

2 - Estruturas Urbanas Socioculturais

3 - Políticas Urbanas Nacionais

4 - Governança, capacidade e desenvolvimento institucional urbanos

5 – Finanças e sistema fiscal municipais

6 - Estratégias territoriais urbanas: Mercado imobiliário e segregação

7 –Estratégias de desenvolvimento econômico urbano

8 - Ecologia urbana e resiliência

9 -Serviços urbanos e tecnologia

10 - Políticas habitacionais

Agendas/Plataformas/Declarações da ONU são documentos de laboriosa construção diplomática.

Recebidos os documentos resultantes dos debates com a participação da sociedade civil (policy units) inicia-se a construção do documento final, a ser FIRMADO pelos países membro das Nações Unidas.

É um desafio construir um documento a ser firmado por mais de duzentos países de diferentes culturas, influenciados por distintas religiões, com realidades econômicas e políticas diversas.

A construção de consensos é uma meta que faz com que muitas concessões sejam feitas em meio ao processo.

O preço a pagar por um documento firmado por um número maior de países, é a obtenção de um documento mais genérico.

Reafirmação de documentos internacionais anteriores:

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2015)

Plataforma de ação de Beijing para a mulher (1995)

Plataforma de ação do Cairo sobre populações e desenvolvimento. (1994)

Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992)

A maior campanha para a HABITAT III foi a campanha pelo reconhecimento do direito à cidade, pelas Nações Unidas, como um direito humano.

Campanha conduzida pela sociedade civil, tendo como precedentes a Carta Mundial pelo direito à cidade, a qual foi inicialmente proposta pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (Brasil).

O Direito à Cidade é um NOVO PARADIGMA que fornece uma estrutura alternativa para repensar a urbanização e as cidades.

Direito de todos os habitantes presentes e futuros, de ocupar, usar e produzir cidades justas, inclusivas e sustentáveis, definidas como um bem comum essencial à qualidade de vida.

Tem como perspectiva o cumprimento eficaz de todos os

direitos humanos acordados internacionalmente.

Entendimento da cidade como um lugar que empenha-se a garantir uma vida decente e plena para todos os seus habitantes.

Nosso ideal comum

“Partilhamos o ideal de uma cidade para todos/as, referindo-nos à igualdade no uso e desfrute de cidades e assentamentos humanos que busquem a inclusão e que garantam para as presentes e futuras gerações, sem quaisquer discriminações, a possibilidade de criar cidades justas, seguras, saudáveis, acessíveis, adequadas, resilientes e sustentáveis e de viver nelas a prosperidade e a qualidade de vida para todos/as. “

Nosso ideal comum:

“Ressaltamos os esforços de governos nacionais e locais para consagrar esse ideal, conhecido como direito à cidade, em suas leis, declarações e cartas.”

Além da referência ao direito à cidade no

parágrafo 11, os componentes do direito à cidade, tais como construídos historicamente, estão presentes na visão de cidade proposta pela Nova Agenda Urbana, bem como nos princípios adotados.

Cidades que atendem suas funções sociais.

Cidades que atendem a função social da terra.

Cidades que progressivamente atendem o direito à moradia adequada como um componente do direito a um adequado padrão de vida.

Cidades com significativa participação popular e engajamento cidadão.

Cidades com espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis, verdes e amigáveis, sem discriminação.

Cidades que promovem a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas.

Cidades com desenvolvimento urbano e territorial equilibrado, sustentável e integrado em todos os níveis.

Cidades com planejamento urbano que considere as necessidades específicas das populações.

Cidades com sistemas de mobilidade urbana sustentáveis.

Cidades que reconhecem a importância da cultura e da diversidade cultural para a promoção do desenvolvimento.

Cidades que colocam em prática sistemas de prevenção de riscos de desastres, reduzem a vulnerabilidade das populações aos perigos naturais, aumentam a resiliência e fomentam a adaptação aos câmbios climáticos e a mitigação de seus efeitos.

Cidades que protegem, conservam, restauram e promovem seus ecossistemas, a água, os habitats naturais e a biodiversidade.

Cidades que minimizam impactos ambientais e adotam padrões sustentáveis de produção e consumo.

Não deixar ninguém para trás...

Combater a pobreza.

Combater epidemias.

Garantir igualdade de direitos e oportunidades.

Eliminar todas as formas de discriminação.

Promoção de economias urbanas

sustentáveis e inclusivas através do planejamento da ocupação do território, do combate à retenção especulativa do solo, da garantia da segurança da posse.

Garantir a sustentabilidade ambiental, promovendo o uso de energias não contaminantes e o uso sustentável da terra e de outros recursos naturais no desenvolvimento urbano, de forma a proteger ecossistemas e a diversidade biológica, promovendo a adoção de estilos de vida mais saudáveis e em harmonia com a natureza.

A Nova Agenda Urbana é um documento de Soft Law, ou seja, traduz um compromisso político dos países que firmaram a Declaração de Quito.

Traz um detalhamento dos princípios adotados e vários compromissos dos países na implementação da Nova Agenda Urbana, além de um sistema de monitoramento e controle dos compromissos firmados.

O Brasil foi um dos países mais atuantes no processo preparatório da Conferência, tendo forte influência na redação do documento final.

Após o impeachment, o governo brasileiro se

descomprometeu e a Conferência HABITAT III teve fraca representação brasileira.

A ordem jurídico-urbanística brasileira, considerada avançada na América Latina, está sendo fragilizada por uma Medida Provisória convertida em lei ontem pelo Senado Federal e enviada para sanção presidencial (MP 759/2016).

O primeiro país das Américas a positivar o direito à cidade, vive hoje um forte retrocesso jurídico.

A Nova Agenda Urbana consagra o Princípio

da proibição do retrocessso e apela aos países membro que não adotem leis que impliquem em retrocessos econômicos ou sociais em desacordo com os documentos internacionais.

A Nova Agenda Urbana será um importante documento de Direito Internacional Público para os países em desenvolvimento na América Latina.

Para o Brasil, em particular no momento presente, certamente será argumento de defesa da ordem jurídico urbanística construída democraticamente no país e que tem por centro, o direito à cidade.