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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A CONSTITUIÇÃO E OS CONTRATOS BANCÁRIOS: UMA LEITURA COM BASE NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO YHON TOSTES Itajaí-SC 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A CONSTITUIÇÃO E OS CONTRATOS BANCÁRIOS: UMA LEITURA COM BASE NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

YHON TOSTES

Itajaí-SC 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A CONSTITUIÇÃO E OS CONTRATOS BANCÁRIOS: UMA LEITURA COM BASE NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

YHON TOSTES

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Ciência Jurídica da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em ciência jurídica.

Orientador: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa

Itajaí-SC 2012

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que com sua misericórdia sempre foi generoso e presente em minha

vida. Tributo tudo de bom e justo que fiz ou faço nesta vida às forças do bem e à

espiritualidade que recebi na infância e sedimentei no Movimento Pólen na juventude.

A meu pai, Antonio José Tostes, de saudosa memória, que sempre deixou

claro que sua maior herança seria o estudo. Não era verdade plena, pois seu grande

legado foi a ética, a independência de pensar e agir segundo os ditames da

consciência, sorrir e apreciar as coisas simples da vida. Pai, seu “bom menino”

aprendeu a lição.

A minha mãe Marilza Costa Tostes, também inesquecível em minha vida e

que já se foi, agradeço pelo amor incondicional e até exagerado. Tenho certeza de que

num plano superior alcançou a paz e está sorrindo hoje com mais esta conquista. Os

anjos devem estar correndo para não terem de ouvir novamente como seus filhos são

especiais e como eles sempre a encheram de orgulho. Mãe, obrigado.

A minha esposa Andréa, companheira de todas as horas. Na montanha

russa da vida, subimos e descemos sempre juntos, descobrindo o mundo desde jovens

e sozinhos, mas com a certeza de que se a vida não era um parque de diversões,

também não devia ser um calvário. Dedicada mãe, esposa amorosa, profissional zelosa

e estudante exemplar, sempre foi um norte para todos. Viu? Não precisava se

estressar; consegui terminar sem enfartar.

A minha filha Juliana, a “menininha do vovô”, que desde o nascimento tomou

de assalto o coração de toda a família. Herdou o melhor de todos, em especial a garra,

dedicação e um espírito indomável que convive com uma sensibilidade e generosidade

sem igual. Foi com ela que aprendi o que é um amor sem limites e como ser pai é uma

dádiva. Através dela compreendi que a minha vocação para a magistratura não é nada

em comparação ao meu amor de pai. Nada neste mundo me enche mais de alegria do

que ver a minha pequenina já traçando o seu futuro com uma força hercúlea e

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abnegação típica daqueles que sabem que o triunfo se dá pela colheita do que se

planta no caminhar.

A minha filha Isadora, a “preferida” segundo todo mundo me acusa. Injustiça,

pois amor não se quantifica, apenas se espalha infinitamente. Isadora é um exemplo de

carinho e generosidade. É o meu bebê, minha última mocinha já se tornando uma linda

jovem e sendo lançada para a vida. Foi querida, desejada e só me enche de orgulho e

alegrias. Que a vida lhe seja doce. Depois que nasceu nunca mais consegui trabalhar

em casa em razão de seu olhar cheio de amor me perguntando: “tô incomodando?”.

Mas é como lhe ensinei e ela nunca me deixa esquecer: o que importa nesta vida é o

amor que a gente sente. Trabalho, estudos, tudo pode esperar. Ela não.

As minhas “crianças”, como carinhosamente trato minha equipe de

assessoria. Minha vida de juiz é menos solitária e mais fácil graças à lealdade, à

dedicação ímpar e ao carinho deles. Cada um do seu jeito, cada qual com suas

gigantescas virtudes pessoais e profissionais, renovam-me diariamente e às vezes até

me lembram como são benéficas as incertezas e vicissitudes da juventude. Ao Luciano,

Aline, Nicole, Edson, Juliana e Cid Manoel, agradeço e torço para que a vida lhes faça

justiça e se lhes apresente com o que há de melhor.

A minha irmã Andreia Costa Tostes, que sempre foi a estudiosa da família.

Há muito já tem doutorado e desde o início desta minha aventura acadêmica

demonstrou preocupação com o irmão caçula que sempre foi desorganizado e

despreocupado. Apesar da distância e dos percalços da vida, procurou fazer-se

presente e, inegavelmente, teve papel de destaque na conclusão desta dissertação.

A minha Tia Maria Luiza, sempre companheira de minha saudosa mãe e que

merecidamente também diversas vezes foi chamada de “Tia-Mãe”. Não teve filhos mas

soube bem amar seus sobrinhos e jamais deixou de orar por mim. Nos últimos

quadrantes da vida nos dá exemplos dos verdadeiros valores que devemos cultivar,

tanto na igreja como nas maravilhosas viagens que realiza ao redor do mundo.

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Ao meu sogro Waldyr Fabeni, que partiu prematuramente deixando por

realizar tantos sonhos com aqueles que estimava. A saudade, as boas lembranças que

nos legou atestam o bom pai de família que foi, almejando e fazendo o melhor para

todos. Desejo que agora esteja lá no céu com meu pai, torcendo juntos pelo nosso

Figueirense e degustando com prazer uma taça de bom vinho.

A minha sogra Clélia Fabeni, que me cobrava com zeloso carinho quando eu

iria terminar a dissertação. Não foram poucas as vezes que dormi em seu sofá e fui

ternamente agasalhado por ela. Além de uma avó maravilhosa, sabe também ser uma

excelente sogra. Nesta nova fase da vida, tem-se revelado grande matriarca, mostrando

o seu valor histórico no seio da família Fabeni e perseguindo a realização de seus

sonhos com invejável energia.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, que se transforma e

encanta a todos no meio acadêmico. Nunca senti nem ouvi dizer que foi preconceituoso

ou revanchista com os colegas de toga, pelo contrário. Sabe ser “base aliada” no

mestrado como poucos, demonstrando uma amizade sem fim. Agradeço pela caridade,

competência, paciência e até pela coragem de ser meu orientador. De fato, o mestrado

muda um pouco a gente. Amigo, agora sou um contestador chato um pouco mais

instruído. Fico devendo uma. No dia em que teus filhos precisarem de alguém para

dizer que o pai deles é um grande professor e gente boa, não lhes negarei o meu

sincero e leal testemunho.

Ao coordenador do curso, Prof. Dr. Paulo Márcio Cruz, que recebe a todos

com um sorriso aberto e franco logo no primeiro dia de aula; que não apenas

brilhantemente ensina, mas convence a todos, pela força do exemplo, de que a Univali

é um lugar de excelência cujo alto padrão por ele impresso temos a missão de cultivar.

Até em Alicante é ouvido e respeitado. Agradeço pelas lições e desejo que seu sucesso

continue e se multiplique.

A Sra. Jaqueline Moretto Quintero, não apenas uma secretária, mas uma

guia para os perdidos no meio daquele novo mundo. Sempre séria, mas dedicada e

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atenciosa. Agradeço pelas inúmeras vezes que me atendeu bem e com enorme boa

vontade.

A profa. Dra. Lia Rosa Leal, que com extrema boa vontade aceitou me

socorrer na correção gramatical na última hora atendendo a um pedido de minha irmã.

Não a conheço pessoalmente e diz que já beira os 70 anos. Foi tão firme nos trabalhos

sem perder a ternura que sempre me pareceu uma jovem professora com espírito e

coração de leão na condução daqueles que tão tristemente maltratam a última flor do

Lácio. Obrigado pelas lições e mil perdões pelos desatinos linguísticos.

Por questão de limitação de memória e para não me estender demais, por

fim, agradeço sem identificar a todos que de uma forma ou de outra me ajudaram ou

pensaram positivamente em mim durante o mestrado. Aos amigos que fiz e àqueles

que perdi que bem demonstram como a vida é um eterno desassossego na qual não

tive medo de assumir as minhas misérias e nem fiquei estático diante das tristezas do

rompimento pois jamais preferi ficar “internado num asilo de mendicidade, feliz da

derrota inteira, misturado com a ralé dos que se julgaram gênios e não foram mais que

mendigos com sonhos, junto com a massa anônima dos que não tiveram poder para

vencer nem renúncia larga para vencer do avesso” (Fernando Pessoa, “Livro do

Desassossego”, Companhia das Letras, 2ª Edição, pág. 52). Agradeço de coração os

bons tempos vividos e desejo que sejam felizes.

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DEDICATÓRIA

Parafraseando Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, tive sim duas

lindas filhas e deixo para a posteridade um legado que só me orgulha e acalenta a

esperança de um mundo melhor, resultado de um amor maduro com minha esposa

Andréa. A elas dedico esta dissertação.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o

Orientador, de toda e qualquer responsabilidade acerca do seu conteúdo.

Itajaí/SC , 25 de setembro de 2012

Yhon Tostes Mestrando

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FOLHA DE APROVAÇÃO

(PEGAR PREENCHIDA E ASSINADA COM A Sra. JAQUELINE, Secretária

da Univali).

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AASP Associação dos Advogados de São Paulo

ABDE Associação Brasileira de Direito e Economia

ACV Apelação Cível

ADEPAR Associação Paranaense de Direito e Economia

ADI/ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

AED Análise Econômica do Direito

BACEN Banco Central do Brasil

BACENJUD Sistema eletrônico de relacionamento entre o Poder Judiciário e as

instituições financeiras, intermediado pelo Banco Central do Brasil, que

possibilita à autoridade judiciária requisitar informações e ordens de

bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados.

Bol. Boletim

CCO Conflito de Competência

CDC Código de Defesa do Consumidor

CDC Crédito Direto ao Consumidor

CF Constituição Federal

CF/88 Constituição Federal de 1988

CGJ/SC Corregedoria Geral da Justiça de Santa Catarina

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CLS Critical Legal Studies

CMN Conselho Monetário Nacional

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CPC Código de Processo Civil

Des.(a) Desembargador(a)

DF Distrito Federal

DJ Diário da Justiça

DJE Diário da Justiça Eletrônico

EUA Estados Unidos da América

FGV/SP Fundação Getúlio Vargas – São Paulo

FMI Fundo Monetário Internacional

IDERS Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul

LAE Law and Economics

Min.(a) Ministro(a)

MS Mandado de Segurança

ONU Organização das Nações Unidas

PDT Provimento

PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná

RE Recurso Extraordinário

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REsp Recurso Especial

RS Rio Grande do Sul

RSTJ Revista do Superior Tribunal de Justiça

RT Revista dos Tribunais

SC Santa Catarina

SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

SP São Paulo

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFPR Universidade Federal do Paraná

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ROL DE CATEGORIAS

Movimento Direito e Economia: Também conhecido por sua origem americana como

“Law and Economics” (LAE), vem a ser uma escola eclética, com diversas tradições e

visões, que abriga todas as teorias e métodos econômicos na análise das instituições

jurídicas.

Análise Econômica do Direito: Em razão de ter sua origem na Universidade de

Chicago, com um artigo de Richard Posner, é conhecida por sua expressão em inglês

“Economic Analysis of Law e engloba as teorias que empregam as mais variadas

ferramentas teóricas e empíricas da economia com vistas a compreender e aperfeiçoar

o desenvolvimento, a aplicação, a avaliação e as consequências das normas jurídicas e

do direito como um todo.

Direito Bancário: É um ramo do Direito Comercial, subespécie do Direito Privado, com

forte conotação pública pela relevância da atividade bancária para toda a sociedade.

Mercado: Descrição de grupo de compradores e vendedores das mais diversas

variedades de bens ou serviços num determinado período de tempo.

Contrato Bancário: Designa os negócios jurídicos que têm como uma das partes um

Banco ou empresa autorizada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil a exercer atos

de intermediação creditícia.

Eficiência: Ação que observa o melhor na relação entre os meios empregados e o fim

que se quer atingir; todavia, do ponto de vista econômico “eficiência” expressa o próprio

fim a ser atingido, a maximização da riqueza ou do bem-estar que envolve a melhor

utilização do recurso disponível ou, em sentido inverso, o menor desperdício possível.

Para os juseconomistas, o sentido da eficiência tem a ver com o da justiça em razão de

que num mundo de recursos escassos nada é mais injusto do que o desperdício

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praticado pelas políticas públicas que não observam o custo-benefício desejável para

toda a sociedade.

Homo Oeconomicus: é um agente racional maximizador da utilidade, ou seja, as

pessoas são seres econômicos que maximizam seu bem-estar de forma a coordenar

suas preferências elegendo racionalmente as que mais lhes satisfazem.

Externalidades: É uma das principais falhas de mercado e consiste em algo realizado

por um agente econômico que afeta o bem-estar de outro sem que tenha havido uma

transação econômica direta entre eles e nem captação pelo sistema de preços. Pode

ser de dois tipos: positiva e negativa. A externalidade positiva acontece quando o efeito

sobre terceiros aumenta seu bem-estar. Já a negativa é quando acontece o contrário:

esse efeito ou impacto é adverso aos terceiros, diminuindo seu bem-estar.

Ação de Revisão de Contrato: Ação de conhecimento, de rito ordinário, que visa a

analisar e modificar cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais, excessivamente onerosas ou abusivas, de acordo com os princípios

estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil.

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................... 17� ABSTRACT ................................................................................................................... 18� INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 19� 1 DELINEAMENTOS GERAIS SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ....... 25�1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ............................ 25�

1.2 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO ÂMBITO INTERNACIONAL. ................................... 35�

1.2.1 Estados Unidos da América ................................................................................. 36�

1.2.2 Europa .................................................................................................................. 40�

1.2.3 América Latina ..................................................................................................... 46�

2 FUNDAMENTOS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO .................................... 56�2.1 A ESCOLHA RACIONAL ............................................................................................... 61�

2.2 A EFICIÊNCIA ............................................................................................................. 71�

2.3 AS EXTERNALIDADES ................................................................................................. 80�

2.4 OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO. ...................................................................................... 85�

3 CONTRATO BANCÁRIO, A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A CONSTITUIÇÃO ........................................................................................................... 88�3.1 O CONTRATO BANCÁRIO E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ..................................... 88�

3.2 AS DECISÕES JUDICIAIS E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ...................................... 98�

3.3 EFICÁCIA DA CONSTITUIÇÃO E O DISCURSO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ......... 127�

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 135�

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .................................................................. 138�DOUTRINA ..................................................................................................................... 138�

DOUTRINA E ARTIGOS EM INTERNET ................................................................................. 140�

JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................... 141�

ANEXO A - SENTENÇA CITADA NA NOTA 161 E ACÓRDÃO QUE A ANULOU ... 144� ANEXO B - ACÓRDÃO CITADO NA NOTA 165 ....................................................... 163� ANEXO C - SENTENÇA CITADA NA NOTA 168 E FOTOS A QUE SE REFERE A DECISÃO ................................................................................................................ 176�

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é demonstrar a importância da análise econômica do

direito nas decisões judiciais, em especial sobre os contratos bancários e os parâmetros

presentes na Constituição brasileira. Para tanto, busca-se primeiro descrever uma parte

histórica e evolutiva do movimento direito e economia no mundo. Posteriormente,

apresentam-se os principais fundamentos objetivando facilitar a compreensão da

utilidade instrumental da análise econômica do direito, suas vantagens e perigos.

Finalmente, no terceiro capítulo, passa-se à discussão de decisões envolvendo

contratos bancários e sua relação com fatores econômicos que não devem ser

desprezados, com o alerta de que é indispensável ter a Constituição como norte, mas

sem descurar da retórica dos juízes em sua interpretação distante da realidade

econômica na busca inconsequente da justiça social.

Palavras-chave: Análise econômica do direito. Decisões judiciais. Contratos bancários.

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ABSTRACT

The objective of this dissertation is to demonstrate the importance of the economic analyses of the law in judicial decisions, particularly banking contracts, and the parameters that exist in the Brazilian Constitution. It seeks, firstly, to describe a historical and evolutionary part of the movement of law and the economy in the world. It then presents the basic principles, to facilitate the understanding of the instrumental utility of economic analyses of the law and their advantages, as well as their dangers. Finally, the third chapter discusses the decisions involving banking contracts and their relationship with economic factors that should not be neglected, with a warning that it is essential to be guided by the Constitution, without neglecting the rhetoric of the judges in their interpretation, far from the economic reality, in irresponsible pursuit of social justice.

Key words: Law and Economics, Judicial decision. Banking Contracts

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INTRODUÇÃO

Apesar de ser inusual, vamos dar início com uma confissão: os motivos

conscientes, ou nem tanto, que nos levaram a escrever uma dissertação sobre Análise

Econômica do Direito, Constituição e Contratos Bancários.

Estudando quase a vida toda em Escola Pública (Instituto Estadual de

Educação de Florianópolis), começamos a vida acadêmica na Universidade Federal de

Santa Catarina e, no ano seguinte, já trabalhávamos no fórum como estagiário,

passando depois a servidor concursado, ao final do curso de Direito como Secretário

Jurídico no Tribunal de Justiça e há dezoito anos como magistrado de 1º grau.

A vida com o estudo do Direito começou em 1986, portanto, antes da

Constituição de 1988, o que nos levou a uma formação acadêmica completamente

distinta da que atualmente se observa nas faculdades.

Falar em direitos fundamentais, colisão de princípios constitucionais,

processo à luz da Constituição naquela época era algo inimaginável, quiçá coisa de

algum filósofo do Direito dos cursos de pós-graduação por estar sempre à frente de seu

tempo.

Por força da formação profissional trabalhamos sempre com juízes de uma

era clássica, “monstros sagrados” do Judiciário Catarinense que realmente tinham

tamanha envergadura moral, jurídica e respeito social que transformavam suas falas

quase em ditados divinos.

Em meados da década de 90, atuando como juiz começamos a perceber que

algo estava mudando no campo dos direitos das obrigações e dos contratos. A

autonomia da vontade em sede de contratos bancários já começava a ser fortemente

questionada, a despeito da legalidade do que fora pactuado.

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Já se viam grandes nomes da magistratura colocando-se publicamente

“contra os bancos”, numa assustadora “parcialidade” em nome da “justiça social” e do

combate ao “capitalismo agressivo e ao neoliberalismo econômico”. Tivemos até

prestigiados Presidentes do Tribunal com esse perfil para se ter uma ideia da força

moral, política e jurídica que o assunto desencadeava no seio da magistratura

catarinense e nos demais operadores do direito.

Logo esse processo desencadeou dois grupos não declarados mas

perceptíveis no cenário judicial: os que estavam ao “lado do Tribunal” e numa posição

adversa às instituições financeiras buscavam modificar os contratos bancários em nome

da justiça social e dos princípios consumeristas; e os que estavam ao “lado dos

Tribunais Superiores”, os que inocentemente apoiavam as instituições financeiras, o

poderio econômico contrário à sociedade e sem nenhuma visão de justiça social.1

Embora nenhum juiz assuma isso publicamente, a realidade era bem essa.

Hoje em dia, após quase uma década e meia, a situação “melhorou” muito

pois as Câmaras de Direito Comercial na sua grande maioria estão procurando

sedimentar seus entendimentos pretorianos com os Tribunais Superiores, apesar da

existência de alguns desembargadores que se posicionam claramente contra essa

disciplina judiciária.

No meio disso tudo judicamos numa vara bancária desde 2005 e sempre foi

presente a necessidade de descobrir se efetivamente estávamos inocentemente a

serviço do neoliberalismo, dos “poderosos” banqueiros ou se cumpríamos nosso papel

de julgador de forma adequada com as limitações impostas pelo meio e pela história.

Veio daí a força motriz para a realização do mestrado e, em especial, do

tema desta dissertação.

1 Uma das coisas que os defensores da Análise Econômica do Direito e alguns outros desavisados costumam defender é o controle da produtividade dos juízes pelas sentenças confirmadas (e até elogiadas) pelos Tribunais. No nosso caso, passamos anos a fio tendo sentenças em matéria bancária reformadas que só eram bem mais tarde confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

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Na apresentação de acórdãos dos Tribunais de Justiça, demos preferência

aos de Santa Catarina, tanto por sua excelente qualidade, quanto, principalmente, por

termos a certeza que seus relatores podem figurar entre os melhores no cenário judicial

brasileiro, bem demonstrando como é árdua a tarefa de julgar e penosa a arte de fazer

justiça num mundo tão complexo e em evolução.

Não há como negar também que o tema direito e economia é apaixonante e

atual.

Se alguém duvida, deve ter-se assustado com a reportagem de capa da

revista VEJA de 18 de julho do corrente: “A BATALHA QUE VAI DEFINIR O SÉCULO

XXI: A nova disputa entre a mão pesada do estado e a mão invisível do mercado é um

desafio para o capitalismo, com impacto nas economias, nas empresas e no consumo”.

E bastava ler uma das entrevistas para certificar-se da importância que

adquiriu o movimento do direito e economia, pois até mesmo o economista italiano Vito

Tanzi, que foi Diretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI e Secretário do

Ministério da Economia da Itália, ao ser indagado se achava que entre o autoritarismo

chinês e a liberdade total dos mercados existia alguma coisa mais virtuosa, respondeu:

“Sim, um sistema de mercado sabiamente regulado. Não acredito em fundamentalismo

do mercado como a escola de Chigaco. Não acredito em Friedrich Hayek, o expoente

da escola austríaca. (...).” 2

E no meio desse caldeirão de paixões, normas e teorias, se por um lado

nunca nos foi distante a angústia do perigoso e assustador discurso neoliberal de

glorificação das virtudes do mercado e balizamento da justiça apenas sob o enfoque da

eficiência (trade off), com preocupação secundária ou nenhuma na questão do

fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social, por outro, também sempre nos pareceu

infantilizado, não menos perigoso e até equivocada a vontade judicial de ditar os

2 Revista Veja. Edição 2278, de 18 de julho de 2012, ano 45, n. 29, Editora Abril, p. 77.

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caminhos da sociedade, sem perceber que isso não se faz de forma simples como

vários pretendem em suas sentenças que mais parecem vozes de oráculos.

Por isso concordamos com Posner, ao tecer considerações sobre as

concepções dos Juízes, e com sua forma bastante pragmática e contundente sustenta

as dificuldades sobre as oscilações de julgamento e seus discursos diante de fatores

políticos ou sociais:

De modo equivalente, como um juiz faz sua escolha entre duas visões sociais antagônicas? Frequentemente, a escolha será feita com base em valores pessoais profundamente arraigados, e quase sempre esses valores serão refratários à argumentação. A persuasão vai estar presente em alguns casos, mas vai tratar-se de persuasão através de retórica, e não das modalidades mais moderadas de exposição motivada. (...). O juiz que deseja ‘vender’ sua visão social a colegas ou futuros juízes assim procede ao apresentá-la – em geral, ao apresentar-se a si próprio (a tática que os retóricos chamam de ‘apelo ético’) – sob uma luz atraente e vitoriosa, com a esperança de converter os leitores a seus pontos de vista.3

Por óbvio, de per si, nada é ruim de todo e nada é ideal.

Contudo, inegável que o discurso (mal)dito da AED causa apreensão sobre

os rumos da Justiça no Brasil, mormente pela falta de maior atenção aos valores éticos

e político-sociais, quando a origem da busca da eficiência se faz ao largo até mesmo

dos instrumentos teóricos que a sustentam. Não se controla, não se utiliza eficazmente

e nem se limita aquilo que não se conhece bem.

Temos plena consciência da amplitude e da complexidade do tema, e por

isso reconhecemos que nossa abordagem não esgota as infindáveis experiências nos

mais diversos países.

Não realizamos uma exposição detalhada sobre determinada escola ou

autor, nem procuramos descer a detalhes profundos das fórmulas econômicas que são

3 POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 199-200.

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tão endeusadas pelos economistas, relativamente defendidas pelo movimento do direito

e economia e desconhecidas por grande parte dos juristas brasileiros.

A ideia central foi inicialmente apresentar as linhas históricas do movimento;

na sequência os principais fundamentos que iriam subsidiar o capítulo final que busca

apresentar aquilo que expomos com repercussão clara nas decisões judiciais (com

enfoque mais forte no catarinense).

No Capítulo 1, começamos pela questão histórica para descortinar as

origens do movimento direito e economia, evidenciando a ausência de uma espinha

dorsal única de pensamentos e, avançando além da proposta de Mackaay, que foi

utilizada como viga mestra, detalhamos as principais escolas, embora reconhecendo

também que essa classificação não é rígida e comporta divergências.

Procurando desmistificar qualquer colocação de que se trata de uma teoria

ou movimento exclusivo dos Estados Unidos, apresentamos também sua presença na

Europa, mais precisamente na França, Alemanha, Itália, Portugal e Áustria.

Na América Latina, preferimos focar a Argentina e México, passando na

sequência para o Brasil, de forma isolada, pela importância que atribuímos à

demonstração do que já foi feito e suas perspectivas.

No Capítulo 2, selecionamos quatro fundamentos da Análise Econômica do

Direito que serviram para fundamentar teoricamente aquilo que na prática tentamos

demonstrar no Capítulo 3.

Em nenhum momento se pretendeu erigir os quatro fundamentos

apresentados (escolha racional, eficiência, externalidade e teoria dos custos de

transação), como únicos ou os mais relevantes, até porque, dependendo da abordagem

sob a qual se faça a Análise Econômica do Direito, isso mudaria completamente. Por

exemplo: não aprofundamos a Teoria dos Jogos porque não teria utilidade nos casos

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práticos apresentados, muito embora tenha sido mencionada na parte da escolha

racional.

Derradeiramente, no capítulo 3 buscamos trabalhar a questão de que no

Brasil, apesar da inegável importância da Constituição num país em desenvolvimento e

consolidação das instituições democráticas, o maior problema não vem a ser

precisamente a visão constitucional e nem a econômica em relação às regras que

regem os contratos e o mercado, uma vez que a ordem jurídica e o cenário judicial são

fruto de um processo histórico mutável que não é afetado diretamente por movimentos

nem por escolas filosóficas, mas, de maneira mais contundente, pela retórica dos

juízes.

Tentamos demonstrar que é indispensável ter a Constituição como norte;

todavia, é preciso atentar para os discursos dos juízes em seus julgados e a

necessidade de se conhecer com clareza os fundamentos da Análise Econômica do

Direito e os riscos da retórica pura e simples da busca da “justiça social”.

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CAPÍTULO 1

DELINEAMENTOS GERAIS SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Já no século XVIII se percebe a interação entre direito e economia com a

discussão hobbesiana de propriedade; tanto é verdade que Harrison e Theeuwes

anotam que a aplicação da economia ao direito remonta a 1897, quando Oliver Wendell

Holmes escreve para um influente jornal jurídico um artigo com o título “O homem do

futuro é o homem das estatísticas e economia”4. E, com mais precisão, Kluge salienta

que desde suas origens a ciência econômica focou seus esforços também para o

estudo das consequências do direito sobre o sistema produtivo, como se pode observar

nas obras de Hume Y Ferguson e no clássico “Princípios de Economia Política Y de

Tributacion” de David Ricardo, publicada em 1817, visando a análise das

consequências econômicas de instrumentos jurídicos, particularmente os tributários e

os relativos ao comércio internacional. 5

Certo é que a relação entre direito e economia é bastante antiga, bastando

lembrar que, já no Século XVIII, Adam Smith estudou os efeitos econômicos

decorrentes da formulação das normas jurídicas, e Jeremy Bentham já associava

legislação a utilitarismo, deixando entrever uma interdisciplinaridade dos fatos sociais

entre direito e economia.

4 HARRISON, Jeffrey L.; THEEUWES, Jules. Law & Economics. New York: W.W. Norton & Company,

2008. p. 6. 5 KLUGER, Viviana (Compil.). Análisis Económico del Derecho. Buenos Aires: Heliasta, 2006. p. 23-24.

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Ótica muito interessante é apresentada por Alvarez quanto ao surgimento, na

década de 70, de três “tendências” ou “movimentos” em oposição às teorias jurídica e

do utilitarismo que predominavam, surgindo então as tendências da (LAE) Law and

Economics (visão econômica), (CLS) Critical Legal Studies (visão política) e as teorias

conhecidas como rights-based (visão no campo da filosofia moral e política cujo foco

são os referenciais constitutivos de uma sociedade justa, capitaneada por Rawls,

Nozick e Dworkin)6.

As duas primeiras tendências (LAE e CLS) apresentam campos de

convergência no tocante a: 1) rejeição da visão de que o direito é autônomo em relação

às realidades sociais e se constitui como disciplina independente das demais ciências

sociais; 2) utilização das ideias e métodos de outras disciplinas na análise da realidade

jurídica (economia e política); 3) adoção do realismo jurídico quanto à crítica da

jurisprudência tradicional e desconstrução do pensamento legal clássico através da

compreensão das normas como fatos; 4) ambos serem tidos como continuadores da

tradição realista americana por voltar à noção realista do direito como ciência baseada

na metodologia e contribuições das ciências sociais.7

Porém, inegáveis são as distinções entre as duas tendências,

marcadamente:

1. Nos entendimentos acerca da natureza do direito e da conduta humana,

pois para a LAE os indivíduos são seres racionais cujo comportamento

visa à maximização de seus interesses em tudo que fazem na vida,

resultando que na perspectiva econômica o direito passa a ser um

conjunto de incentivos que premia as condutas eficientes e penaliza as

ineficientes. Já para os adeptos da CLS, a “conduta econômica racional

depende de uma visão ideológica determinada que permita justificar e 6 ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Análise econômica do direito: contribuições e desmistificações. Direito,

Estado e Sociedade, v. 9, n. 29, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm>.

7 Ibid. p. 50.

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explicar as desvantagens e privilégios existentes como se fossem fruto da

escolha racional privada”.8

2. Na censura ao modelo vigente de teoria e ensino do direito, pois para a

CLS o pensamento tradicional cumpre uma função ideológica que facilita a

geração e legitimação das desigualdades econômicas e sociais; enquanto

as decisões jurídicas e a mesma teoria jurídica tradicional são

indeterminadas, sem base objetiva, razão por que considera que a

neutralidade não passa de um mito. Já a AED, apesar de reconhecer

falhas no pensamento jurídico tradicional, especialmente em relação a

métodos de estudo, crê que as análises e justificações doutrinárias podem

ser aperfeiçoadas pela análise econômica para alcançar maior

objetividade e precisão na tomada de decisões, ou seja, o valor

econômico da eficiência ou da maximização da riqueza pode ser usado

pelos juízes como modelo ético para determinar uma decisão justa.9

Certo que não há coesão entre o movimento, que recebe diversas

designações e, segundo Rosa, passou a ter maior destaque devido a três fatores:

a) construção de um estatuto teórico específico (Coase, Becker, Calabresi e Posner, dentre outros);

b) proeminência do discurso neoliberal;

c) imbricamento entre as tradições do civil law e do common law.10

Visão histórica bastante interessante é apresentada por Mackaay quando

divide a trajetória da Law and Economics em duas ondas.11

8 ALVAREZ, Alejandro Bugallo. op. cit. p. 51. 9 Ibid. p. 51. 10 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & Economics.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 56. 11 MACKAAY, Ejan. History of Law and Economics. Disponível em:

<http://encyclo.findlaw.com/0200book.pdf>. Acesso em: 3 maio 2011.

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A primeira onda, de origem europeia, surgiu entre os economistas que

procuravam desenvolver uma ciência explicativa de direitos, e, apesar das distinções de

pontos de vista, acabou por chegar aos Estados Unidos via Escola institucionalista.

A ideia era que os direitos se subordinavam às condições econômicas e

sociais, havendo aceitação até mesmo por Karl Marx e outros juristas renomados da

época:

By the 1870s the movement gained foothold amongst legal scholars:Wilhelm Arnold, Otto von Gierke, Rudolph von Jhering, to mention a few in Germany, and Henry Maine ([1861] 1977), in England. Englard (1990) has drawn attention to the contribution of the Austrian scholar Victor Mataja to the economic analysis of liability for damages a century ago. Scholars in other countries were drawn to the movement as well and one may properly consider it cosmopolitan (Pearson, 1997, p. 33).12

Inegável que as décadas de 20 e 30 tenham sido berço de uma forte

confluência entre direito e economia. Contudo, a seguir houve o declínio do

pensamento econômico institucionalista, e, ainda segundo Mackaay, baseando-se em

Pearson, o declínio do movimento se deu pelo aumento da especialização entre os

cientistas sociais que levava os economistas a observar mais as questões do mercado

e pelas enormes reclamações ante a imprecisão do método econômico em que se

baseavam, principalmente pelo estágio inicial em que se encontravam.13

A “segunda onda”, ainda dito por Mackaay, pode ser melhor dividida em

vários períodos, a saber: o início; o paradigma proposto (1958-1973); o paradigma

12 MACKAAY, Ejan. op. cit. Numa tradução livre: “No ano de 1870 o movimento ganhou apoio contra os

juristas Wilhelm Arnold, Otto von Gierke, Rudolph von Jhering entre outros juristas alemães, e Henry Maine ([1861] 1977), na Inglaterra. Englard (1990) chamou a atenção para as contribuições do estudioso austríaco Victor Mataja sobre as análises econômicas de responsabilidade por danos há um século. Estudiosos de outros países também foram atraídos ao movimento e alguns podem ainda considerar esse movimento propriamente como cosmopolita (Pearson, 1997, p. 33).”.

13 Ibid.

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aceito (1973-1980); o paradigma questionado (1976-1983) e, finalmente, a reformulação do movimento (“moviment shaken”) (a partir de 1983).14

Sobre o início da segunda onda, Battesini diz que “é no estudo da

concorrência, com ênfase alocativa, produção a baixos custos com benefícios máximos

aos consumidores, considerado objetivo da política de defesa da concorrência, no

âmbito da faculdade de Direito da Universidade de Chigago” que aparece a figura de

Aaron Director, economista, professor de antitrust e estudioso da concorrência que

enfatizava a estrita ligação entre direito e economia a exercer forte influência sobre uma

geração de juristas como Robert Bork, John McGee e Richard Posner. 15

Citando Duxbury, Mackaay ressalta que o movimento de direito e economia

não deve ser considerado um descendente direto do realismo jurídico norte-americano,

apesar de dividir com esse movimento a visão de que a melhor compreensão da lei

deve também contar com as ciências sociais e estudos empíricos. Contudo, por

adotarem o método da escolha racional e o aperfeiçoamento das pesquisas empíricas,

os estudiosos de Direito e Economia distanciam os dois movimentos. 16

O paradigma proposto, no período de 1958 a 1973, tem como marco

histórico a criação do Jornal de Direito e Economia, cujo primeiro editor foi Aaron

Director, logo substituído por Ronald Coase.

Em 1960, no referido periódico que Coase publica, o grande marco da

segunda onda é o artigo “The Problem of Social Cost”, em que analisa “o problema do

custo social” e as externalidades produzidas pelas atividades econômicas, critica o

papel intervencionista do Estado e propõe uma forma de estruturar o sistema jurídico a

fim de proporcionar uma eficiência alocativa.

14 MACKAAY, Ejan. op. cit. 15 BATTESINI, Eugênio. Direito e Economia: novos horizontes no estudo da responsabilidade civil no

Brasil. São Paulo: LTr, 2011. p. 45. 16 MACKAAY, Ejan. op. cit. p. 73.

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Esse artigo se tornou um ponto crucial para a Análise Econômica do Direito

devido as implicações daquilo que se tornou conhecido como “Teorema de Coase”,

segundo o qual se os custos de transação (em apertada síntese: o tempo e o esforço

requisitados para levar a bom fim uma transação) forem nulos ou irrisórios, a alocação

inicial de direitos efetuada pelo sistema jurídico não influirá no resultado do conflito

gerado em torno das externalidades, pois as partes acabarão por resolvê-las com sua

internalização, através de um processo de autocomposição, distribuindo mais

eficientemente os recursos negociados.

O “Teorema de Coase” partia de um dos fundamentos da Economia

Neoclássica, mais precisamente de um mundo hipotético sem custos de transação e

sem que as instituições exercessem influência no desempenho econômico. Todavia,

Coase críticava a análise econômica ortodoxa ao deixar claro que na vida real os

custos de transação são positivos e, ao contrário do que apregoam os neoclássicos

tradicionais, as instituições impactam sobremaneira a forma de atuação dos agentes

econômicos (Zylbersztajn e Sztajn)17.

É de Adam Smith a consagrada expressão “mão invisível”, que seria a

ordenação natural dos agentes econômicos numa economia de mercado livre, sem

intervenção estatal, sendo suficiente para regular os preços a um patamar correto e

também a concorrência. Destarte, realizando uma releitura da “mão invisível”, em 1991

Coase foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia.

Em 1965, foi publicado na Califórnia um artigo de autoria de Alchian que

tratava dos efeitos das diferenças entre propriedade privada e pública como variáveis

econômicas que poderiam ser manipuladas, aparecendo na Universidade de Yale outro

fundamental artigo na área de direito penal, de autoria de Guido Calabresi18, intitulado

17 ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN Raquel. Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 1-2. 18 MACKAAY, Ejan. op. cit.

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“Some Thoughts on risk distribution and the Law of torts”19 centrado na distribuição das

perdas nas diferentes regras de responsabilidade civil e que, segundo Zylberstajn e

Sztajn

demonstrou a importância da análise de impactos econômicos da alocação de recursos para a regulação da responsabilidade civil, seja em âmbito legislativo ou judicial. Sua obra inseriu explicitamente a análise econômica em questões jurídicas, apontando que uma análise jurídica adequada não prescinde do tratamento econômico das questões20.

Para Posner, se houvesse que se escolher uma data para o início da Análise

Econômica do Direito deveria ser 1968, com o artigo de Becker, uma vez que ao

ressuscitar e aperfeiçoar as ideias de Bentham, “parecia não haver mais campo algum

do direito que, interpretado sob a ótica econômica, não produzisse resultados

elucidativos”.21

Mackaay salienta que um número reduzido de articulistas nesse período

eram advogados, em que pese a participação deles ser considerada ponto crítico na

evolução da primeira onda de Direito e Economia como se viu um século antes,

chegando a anotar o papel-chave de Calabresi e Manne, que eram as exceções:

The distinctive quality of Calabresi’s work was to show the power of simple economic principles to rationalise a whole body of law, and to develop a coherent basis for its reform’ (Veljanovski, 1990, p. 21). Manne contributed in a different way by organising, from 1971 on, short intensive training seminars in economics for lawyers and judges, and in law for economists (Manne, 1993, p. 10; Duxbury, 1995, p. 359).22

19 Numa tradução livre: “Alguns Pensamentos sobre a distribuição do risco e da Lei de responsabilidade

civil” 20 ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN Raquel. op. cit. p. 2. 21 POSNER, Richard A. Fronteiras da Teoria do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 6. 22 MACKAAY, Ejan. op. cit. p. 75. Numa tradução livre: “A qualidade distintiva do trabalho de Calabresi foi

para mostrar o poder dos princípios simples da economia para racionalizar o inteiro teor da lei e para desenvolver uma base coerente para sua reforma (Veljanovski, 1990, p. 21). Manne contribuiu de maneira diferente, organizando a partir de 1971 curtos seminários de treinamentos intensivos de economia para advogados e juízes, e de direito para economistas. (Manne, 1993, p. 10; Duxbury, 1995, p. 359)”.

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O paradigma aceito (1973-1980), na visão de Mackaay, se dá exatamente

com a entrada do Direito e Economia nas faculdades de Direito dos Estados Unidos,

mais precisamente através de três eventos: com a Revista de Estudos Jurídicos

fundada em 1972; com a primeira publicação da obra Análise Econômica do Direito, de

Richard Posner em 1972 (segunda edição em 1977), na Escola de Chicago e,

finalmente, com a organização no “Economics Institutes for Law Professors”23, por

Henry Manne, a partir de 1971, de curtos seminários intensivos em economia para

advogados, juízes, médicos e até professores de direito.

Citado por Battesini, Cento Vejanovski diz que:

Posner demonstrou que conceitos econômicos simples podem ser utilizados para analisar todas as áreas do direito – contratos, propriedade, criminal, família, comercial, constitucional, administrativo e direito processual... Posner evidenciou que diversas doutrinas jurídicas e regras processuais podem ser objeto de explicação e racionalização econômica..., que a natureza de algumas doutrinas jurídicas pode ser explicada com a utilização do conceito de eficiência econômica.24

A força com que Posner, na qualidade e autoridade de Juiz Federal, aborda

o direito sob o ponto de vista pragmático e instrumental da economia e sua depreciação

do formalismo jurídico é muito grande, a ponto de dizer que “a análise econômica do

direito, quase por definição, nega a autonomia do direito”25, deixando bem claro o seu

“lugar” de abordagem à teoria crítica do direito:

Não acredito que o economista detenha todas as chaves da teoria jurídica. Acredito, em vez disso, que a economia seja uma dentre três chaves. As outras são o pragmatismo (despojado, entretanto, dos excessos pós-modernistas) e o liberalismo, sobretudo o da tradição clássica, da qual o principal porta-voz continua sendo John Stuart Mill. (...). As três abordagens se unem para compor uma poderosa ferramenta de compreensão de questões de teoria do direito. Meu ponto é que o gosto pelos fatos, juntamente com o respeito pelas ciências sociais, uma curiosidade eclética, um desejo de praticidade, a crença no individualismo e a abertura a novas

23 Numa tradução livre: “Institutos de Economia para Professores de Direito”. 24 BATTESINI, Eugênio. op. cit. p. 64. 25 POSNER, Richard A. Para além do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 19.

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possibilidades, características estas que estão todas relacionadas a um certo tipo de pragmatismo ou, alternativamente, a um certo tipo de economia ou liberalismo, podem fazer da teoria jurídica um instrumento eficaz de compreensão e aprimoramento do direito e das instituições sociais em geral, bem como, de demonstração das insuficiências do pensamento jurídico existente e de substituição deste por algo melhor.26

Segundo Battesini, apoiado em Vejanovski, as décadas de 1970 e 1980

foram o tempo do crescimento, da maturação e consolidação do movimento de direito e

economia na América do Norte, amparado pelo trabalho inovador de Posner que

desencadeou uma sinergia acadêmica entre os economistas e juristas gerando um

novo campo de estudo nos programas das principais faculdades de direito

americanas.27

Mas é no final da década de 70 e início da década de 80 que Mackaay situa

o paradigma questionado (1976-1983). Ele reconhece que mesmo na década de 70

houve críticas ao movimento, em especial dos institucionalistas. Contudo, somente no

final da década é que os críticos se fizeram notar com a realização de diversos

simpósios com o escopo de analisar quais contribuições serviam à teoria do direito,

gerando um grande palco para os que a apoiavam (Posner); os que a atacavam

frontalmente (filósofos do direito como Dworkin e Fried, e pensadores como Horwitz e

Kenedy), além de críticas mais amigáveis, vindas de Calabresi e de economistas

austríacos, como Rizzo.28

Mackaay resume as críticas em seis pontos principais, a grande maioria

girando em torno da visão de eficiência do movimento.29

O primeiro ponto diz que a eficiência não pode ser a base da distribuição dos

direitos de propriedade, haja vista que para qualquer distribuição poderá existir uma

26 POSNER, Richard A. op. cit. 2009. Prefácio. p. VIII-IX. 27 BATTESINI, Eugênio. op. cit. p. 67. 28 MACKAAY, Ejan. op. cit. p. 77. 29 Ibid. p. 77-80.

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alocação de recursos mais eficiente (circular), que foi chamada de tese de circularidade

e ressaltada por Schmid (1976).

O segundo ponto é que a tese da eficiência parece não ser a prova de

refutação diante da impossibilidade de prever os custos na alocação dos recursos para

um estado mais eficiente.

No terceiro ponto, amparado em Veljanovski, Mackaay situa o caráter

histórico da tese de eficiência quando sugere que para todo problema existe uma

solução eficiente e, uma vez descoberta, não há motivos para se afastar dela. Isso gera

um problema de desconsideração da dinâmica do sistema jurídico, uma vez que a lei

tende a evoluir ao longo do tempo, e uma solução considerada satisfatória no passado

pode já não o ser hoje.

O quarto ponto tem origem nos economistas austríacos e trata da

subjetividade de valores. Segundo Posner, uma solução eficiente requer que os ganhos

resultantes de uma mudança de regra sejam pesadas contra as perdas, para encontrar

o resultado ideal. O problema resulta então da medição dessas perdas e ganhos que

têm caráter subjetivo e não mensurável.

O quinto ponto ataca a posição de Posner, que apresenta o sistema da

Common Law como mais eficiente; contudo, não há como se estabelecer uma lógica

que justifique essa assertiva, uma vez que não existe confirmação de que os juízes

observem o critério da eficiência em suas decisões, especialmente nas questões de

direitos humanos.

O sexto e último ponto trata das questões distributivas, ou seja, ainda que o

núcleo das decisões da Common Law reflitam uma eficiência lógica, as legislações

modernas têm objetivo redistributivo em face das políticas que os cidadãos exigem de

seus representantes eleitos. Como esse processo funciona e quais são seus limites

devem ser parte da agenda de pesquisa de Direito e Economia.

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A reformulação do movimento (moviment shaken) começa em 1983, com ataques contundentes partindo de várias frentes; porém, o movimento que poderia

ter ficado em frangalhos continua firme com publicações de Posner e a 2ª. edição do

livro de Cooter e Ulen.

Na apresentação de sua obra à edição brasileira, Cooter e Ulen esclarecem:

quando esta junção entre direito e economia começou a ficar popular nos Estados Unidos, o seu aparecimento no currículo das melhores faculdades de direito do País foi motivo de muitas batalhas intelectuais. Essas batalhas envolviam de um lado juristas tradicionais, de base doutrinária e, de outro, os defensores do movimento. As críticas foram muitas, mas elas podem ser resumidas em dois tópicos – primeiro, que o direito não versa sobre eficiência, como o diireito e economia atesta, e segundo, que há pouco dele que se possa utilizar na prática do direito.30

Ribeiro e Galeski Jr. anotam que são famosas as disputas entre Posner e

Oliver Williamson, colocando o primeiro como o representante da Law and Economics e

o outro como um dos expoentes da Economia Institucional e criador da Teoria dos

Custos de Transação, cuja base teórica vem a ser o artigo The Nature of the Firm de

Ronald Coase.31

Assim, não obstante suas diversas correntes, algumas provindas até do

continente europeu (Aústria), o movimento se mantém firme, como se observa na

publicação de diversos periódicos.

1.2 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO ÂMBITO INTERNACIONAL

Por acreditarmos que metodologicamente se torna mais clara a separação

por continentes e, a partir daí, pelos principais países que se destacaram no Movimento

30 COOTER, Robert; ULEN Thomas. Direito e Economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. viii. 31 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria Geral dos Contratos: contratos

empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 63-64. Numa tradução livre: “A natureza da empresa”.

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Direito e Economia, damos início pela América do Norte (Estados Unidos da América)

e, na sequência, passamos para o Continente Europeu e, por fim, para a América

Latina (Argentina, Chile e México). O Brasil, como se verá a seguir, será objeto de um

subcapítulo específico.

1.2.1 Estados Unidos da América

Na América do Norte, mais precisamente nos Estados Unidos, berço da

Análise Econômica do Direito, são quatro as escolas de maior destaque: a Escola de

Chicago, a de New Haven (Yale), a Institucional e a Neoinstitucional.

A influência do movimento é tão grande nos Estados Unidos que Cooter e

Ulen alertam:

a maioria dos cursos de direito nos Estados Unidos têm agora ao menos um breve resumo da análise econômica do direito na maioria das cadeiras das áreas substantivas. Algumas faculdades têm um breve curso especial para todos os alunos do primeiro ano com uma introdução ao direito e à economia; e muitas áreas substantivas do direito, como o direito das sociedades por ações, são agora ensinadas principalmente a partir de uma perspectiva da associação entre direito e economia.32

Ainda segundo Cooter e Ulen, vários pesquisadores famosos se tornaram

magistrados, como o Ministro Stephen Breyer, da Suprema Corte dos Estados Unidos;

Richard Posner e Frank Easterbrook, ambos Juízes do Tribunal de Apelação da 7ª

Região; Guido Calabresi, Juiz do Tribunal de Apelação da Segunda Região; Robert

Bork, ex-juiz do Tribunal de Apelação da Região do Distrito Federal, dentre outros33.

Por óbvio, a divisão apresentada em quatro escolas34 visa mais à questão

histórica e de facilitação de compreensão metodológica do que um enquadramento

32 COOTER, Robert e ULEN Thomas. op. cit. p. 24-25. 33 Ibid. p. 24-25. 34 O Prof. Dr. Alvarez, da Universidade de Comillas, na Espanha, prefere falar em têndências, ao

acentuar que “O movimento não é homogêneo, ao contrário, congrega várias tendências, tais como a ligada à Escola de Chicago, também denominada conservadora, identificada com a figura de Richard Posner, e integrada, entre outros, por Landes, Schwartz, Kitch e Easterbrook; a liberal-reformista, com

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37

rígido dos autores nas referidas escolas que são bastante ecléticas, não havendo

sequer unicidade doutrinária em torno de suas denominações35.

A Escola de Chicago é também conhecida como “Tradicional” ou “Ortodoxa”

e se destaca por sua luta contra o monopólio até o ponto de ser conhecida como “a

escola antitruste” ou escola de defesa dos mercados. Sua figura de destaque é Richard

Posner.

A ideia central é que os seres humanos agem racionalmente, quer dizer,

tentam maximizar o seu bem-estar, tanto em situações de mercado como nas que não

são, respondendo aos incentivos de preços nas situações de mercado e a incentivos

legais nas situações de extramercado.

Cabanellas apresenta algumas características marcantes da Escola de

Chicago, dentre as quais se destacam duas:

Calabresi como figura representativa e integrada por uma diversidade de autores como Polinsky, Ackermann, Korhnhauser, Cooter e Coleman; e uma terceira via, denominada por Leljanovski como tendência neoinstitucionalista, que se separa das anteriores tanto na temática como na metodologia e é integrada, entre outros, por A. Allam Schmid, Warren J. Samuels, Nicholas Mercurio e Oliver E. Williamson.” (ALVAREZ, Alejandro Bugallo. op. cit. p. 53.).

35 Interessante observar que até mesmo Mackaay possui um artigo sobre as Escolas, embora ele mesmo ressalta a visão aberta que se deve possuir deste tipo de enquadramento: “A school of thought in scientific endeavour is a group of thinkers who adopt a common approach, including shared theoretical premises, on how and what o research in a particular field. The term is also used as shorthand for the ideas those thinkers defend.Originally the term school may have designated a major thinker, founder of the school, and his or her disciples. In current usage the link to a common intellectual leader is no longer essential. The members of a school of thought may, but need not, themselves claim allegiance to the school. Members of a school may consider that the adherence to a set of common precepts allows them to build on each other’s work and so to attain economies of scale in research not available if they worked in isolation.” (MACKAAY, Ejan. Schools: General. Disponível em : <http://encyclo.findlaw.com/0500book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.). Numa tradução livre: “Uma escola de pensamento sobre a investigação científica é um grupo de pensadores que adotam uma abordagem em comum, incluindo premissas teóricas compartilhadas sobre como e o que se pesquisar numa área em particular. O termo também é usado como abreviação das ideias que esses pensadores defendem. Originalmente o termo escola pode ter designado um grande pensador, fundador da escola e seus discípulos. Na linguagem atual a ligação a um líder intelectual em comum não é mais essencial. Os membros de uma escola de pensamento podem, mas não necessitam proclamar fidelidade à escola. Os membros de uma escola podem considerar que a adesão a um conjunto de preceitos comuns permite-lhes basear seus trabalhos uns nos outros e, assim, atingir economias em escala na pesquisa não disponível se eles trabalhassem de forma isolada."

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- utilização significativa dos instrumentos e análises desenvolvidas por

Coase;

- avaliação das condutas e relações econômicas com base em critérios de

valor e de eficiência. E no caso, eficiência vem a ser a exploração dos recursos

econômicos de um modo em que se maximize o valor, e por valor a satisfação humana

medida em forma do valor agregado que os consumidores estejam dispostos a pagar

pelos bens e serviços obtidos com os recursos econômicos.36

Já a Escola de New Haven (Yale) tem como figura central Guido Calabresi e

como escopo a intervenção do setor público na economia. Na sua ótica, a intervenção

do setor público na economia consegue diminuir falhas de mercados que sempre

acontecerão. Por conseguinte, indispensável reconsiderar e definir papéis úteis para

instituições como o Congresso, o sistema judicial e as agências estatais. Reside em

Yale o grande foco acadêmico que acredita na enorme potencialidade das ações

reguladoras do Estado com vistas a corrigir as falhas de mercado, muito embora

compartilhem a metodologia analítica oriunda da Escola de Chigago.

Dessa forma, o objetivo prioritário deixa de ser a eficiência, que é substituída

pela distribuição e aferição do justo.37

Sobre essa mudança de enfoque acerca dos termos eficiência e justiça nas

duas Escolas, Salama assim se pronuncia:

Num certo sentido, o que a Escola de Direito e Economia de New Haven buscou é congregar a ética consequencialista da Economia com a deontologia da discussão do justo. O resultado é, em primeiro lugar, a abertura de uma nova janela do pensar, que integra novas metodologias (inclusive levantamentos empíricos e estatísticos) ao estudo das instituições jurídico-políticas, de forma que o Direito possa responder de modo mais

36 CABANELLAS, Guillermo. El Análisis Económico del Derecho: Evolución Histórica, Metas e

Instrumentos. In: KLUGER, Viviana (Compl.). Análisis Económico del Derecho. Buenos Aires: Heliasta, 2006. p. 27.

37 ARAGÓN, Nuria de Querol. Análisis Económico del Derecho: teoria y aplicaciones. España: Enero, 2007. p. 23-24.

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eficaz às necessidades da sociedade. E, em segundo lugar, o enriquecimento da gramática do discurso jurídico tradicional, com uma nova terminologia que auxilia o formulador e o aplicador da lei na tarefa de usar o Direito como instrumento do bem-comum.38

A Escola Institucional (Institucional law and economics) se destaca ao

realçar a importância das instituições no funcionamento da economia, questionando a

racionalidade da ação individual e considerando que é apenas uma parte do processo a

busca da solução eficiente, cujo foco deve residir na dinâmica da interação entre direito

e economia, tendo como figura central John Common,39que rejeitava o maior enfoque

dado ao individualismo provindo da escola tradicional. Tem também como

representantes Veblen, Clarence Ayres, Robert Lee Hales.

Segundo Aragón, a escola institucional “rechaza la existencia de un ordem

armonioso y de libre interacción entre los mercados. Por el contrario, existe um

conflicto, que debe canalizarse a través de un sistema de control social de la actividad

económica, establecido por las instituciones.”40

Finalmente, temos a Nova Escola Institucional (New Institucional law and economics) ou, como alguns chamam, Nova Economia Institucional, que tenta

compreender melhor as instituições diante de uma abordagem que parte da concepção

que nem todas são eficientes; assim, é necessário que evoluam e possam ser

38SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). Direito e Economia: Textos Escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010.

p. 45. 39Ao discorrerem sobre a Economia Institucional e Nova Economia Institucional Marcia Ribeiro e

Eduardo Oliveira Augustinho destacam de Commons os fundamentos do pensamento institucionalista como sendo: “- a concepção de que o comportamento humano é influenciado pelas instituições;

- a percepção da interação mútua entre as instituições e os atores econômicos como um processo evolutivo;

- a necessidade de interdisciplinariedade da Economia com outras Ciências Sociais, dentre as quais, a História, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e o Direito.” (RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.). O que é Análise Econômica do Direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 123.).

40 ARAGÓN, Nuria de Querol. op. cit. p. 24. Numa tradução livre: “rejeita a existência de uma ordem harmoniosa e de livre interação entre os mercados. Por outro lado, há um conflito, que deve ser canalizado através de um sistema de controle social da atividade econômica, estabelecido pelas instituições.”

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modificadas para articular o processo de desenvolvimento econômico de forma

contínua e sustentável.

O contraponto a Posner fica evidente capitaneado por Williamson e Douglas

C. North, segundo os quais a análise da eficiência deve acontecer num contexto

institucional, enquanto Posner, contrariamente, focaliza a norma de modo mais isolado.

Para isso, a Escola opera tanto no plano microinstitucional (estruturas de

governança), como no macroinstitucional (regras do jogo, formais ou não)41.

Segundo Ribeiro e Galeski Junior, Oliver E. Williamson, Professor da

Universidade de Berkeley e Douglas C. North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia

de 1993 pertencem à referida Escola42.

1.2.2 Europa

Como não poderia deixar de ser, as distinções culturais e de tradição jurídica

do continente europeu provocam diferentes níveis de inserção do movimento de direito

e economia.43

41 Battesini bem demonstra como a referida escola está influenciando o cenário da regulação contratual

no Brasil, onde cada dia cresce a preocupação com os “custos de transação” até mesmo de forma inconsciente: “O núcleo analítico da nova economia institucional recai sobre três conceitos básicos: direito de propriedade, contratos e custos de transação. A noção de direito de propriedade vincula-se à definição e delimitação do alcance dos privilégios outorgados aos indivíduos relativamente ativos, recursos econômicos específicos admitindo-se que cada estrutura particular de direitos de propriedade exerce influência sobre a alocação e utilização de recursos econômicos, determinando formas específicas e previsíveis de comportamento. Os contratos são concebidos como instrumentos por meio dos quais os direitos de propriedade são estabelecidos, transferidos ou modificados, revelando-se fundamentais à medida que oferecem amparo às relações econômicas de troca. Os custos de transação são os custos associados com a criação, manutenção e modificação das instituições, tais como os direitos de propriedade, compreendendo os custos de operação no mercado, os custos de informação, os custos de contratação e de fazer cumprir as obrigações assumidas, admitindo-se que baixos custos de transação viabilizam a existência de mercados eficientes, necessários ao desenvolvimento econômico.” (BATTESINI, Eugênio. op. cit. p. 80.).

42 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. op. cit. p. 64. 43 Cooter e ULEN colocam na nota de apresentação à edição brasileira que mesmo em países de

tradição do common law, como a Inglaterra, o movimento direito e economia não fez sucesso. (COOTER, Robert; ULEN Thomas. op. cit. p. viii.).

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1.2.2.1 França

Montagné, da Universidade de Montpellier, sustenta que até na França os

estudos e a aplicação ainda são incipientes, tanto porque os juristas acreditam dominar

o conhecimento de economia, como pela redução da abordagem da análise econômica

do direito. Reconhece que mesmo lá existem preconceitos e falta comunicação entre o

direito e a economia, gerando ignorância tanto na legislação como no meio acadêmico

durante a formação convencional dos advogados.44

44 Impressionante como as dificuldades de interação entre os operadores do Direito e Economia se

repetem nos mais diversos países, especialmente pela dificuldade de compreender o Direito com os conceitos de eficiência e pelo pouco estudo de economia: “The intuitive perception of what is economics, acquired through the multitude of economic acts that they accomplish every day, leads most jurists to believe that they have enough knowledge of economics to fulfill their task. For others, the economic analysis of law is too narrow in its approach, and so must be excluded from legal discussions.

Such attitudes are easily explained. A first reason is the separation of the legal and economic disciplines in our academic system; jurists have little knowledge of economic analytical tools. Today, a law student does not receive the basic economic training that he had in the past. Also, the internal division within the legal discipline increases the effect of a separation between law and economics. Thus, the only jurists who use economics are those who follow a training in patrimonial law or in antitrust law.

Secondly, the jurist dislikes in modern economics what he perceives as a utilitarian approach. Convinced that economists are motivated only by the study of efficiency, he quickly turns away from their works. This belief is also reinforced by the use of mathematical or rationalistic language in economics, and tools that from the point of view of most jurists are incompatible with social studies. Not having completely mastered the tools of law and economics, legal authors therefore prefer to ignore this challenge.

Finally, due to insufficient knowledge of the field and his a priori judgment, the jurist was not in a position to appreciate the latest evolutions in economics.” (MONTAGNÉ, Lionel. Law and Economics in France. Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com/0325book.pdf>. Acesso em 1 mar. 2012.). Numa tradução livre: “A percepção intuitiva do que é a economia, adquirida pela multiplicidade de ações econômicas que eles realizam todos os dias, leva a maioria dos juristas a acreditar que eles possuem conhecimento de economia suficiente para realizar seus trabalhos. Para outros, a análise econômica do direito é muito estreita na sua abordagem, e por isso devem ser excluídas das discussões jurídicas.

Essas atitudes são facilmente explicadas. A primeira razão é a separação das disciplinas legais e econômicas no nosso sistema acadêmico; juristas têm pouco conhecimento das ferramentas de análise econômica. Hoje, um estudante de direito não recebe o treinamento básico sobre economia que se teve no passado. Além disso, a divisão interna, dentro da disciplina legal, aumenta o efeito de uma separação entre direito e economia. Assim, os únicos juristas que usam economia são aqueles que seguem uma formação em direito patrimonial ou de direito antitruste.

A segunda razão é que o jurista não gosta, na economia moderna, o que ele percebe como uma abordagem utilitarista. Convencidos de que os economistas são motivados apenas pelo estudo da eficiência, ele rapidamente se afasta dos trabalhos desses economistas. Essa crença também é

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No meio acadêmico, destacam-se ainda Claude Ménard, Thierry Kirat e

Bruno Deffains.

1.2.2.2 Alemanha

Na Alemanha, segundo Kirstein, inicialmente a relação entre Direito e

Economia ficou centrada mais na questão da concorrência e no “Ordnungspolitik”, que

numa tradução livre pode ser “Política Institucional” ou “Economia Constitucional e

Política”. Porém, a partir de 1970 houve um incremento nas universidades alemãs e

foram publicadas diversas obras envolvendo direito contratual, ambiental, trabalhista,

direito público, falências, economia constitucional e processo.45

Não se pode olvidar as contribuições de Hans-Bernd Schäfer e Claus Ott,

Viktor Vanberg e Jürgen Backhaus.

1.2.2.3 Itália

De acordo com Pardolesi46, apesar das inúmeras contribuições das décadas

de 60 e 70, Direito e Economia na Itália pode ser considerada uma história com

algumas luzes e muitas sombras, embora nos últimos anos tenha havido uma crescente

aproximação da economia com a produção legislativa47, destacando-se a produção

acadêmica da Faculdade de Direito de Roma e de Trento.

reforçada pelo uso da linguagem matemática ou racionalista na economia, e de ferramentas que no ponto de vista dos juristas são incompatíveis com os estudos sociais. Não dominando completamente os instrumentos do direito e economia, os autores legais, portanto, preferem ignorar esse desafio.

Finalmente, devido ao conhecimento insuficiente do tema e seu julgamento a priori, o jurista não estava em condições de apreciar as mais recentes evoluções da economia."

45 KIRSTEIN, Roland. Law and Economics in Germany. Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com/0330book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.

46 PARDOLESI, Roberto. Law and Economics in Italy. Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com/0345book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.

47 Essa assertiva é tão verdadeira que Zylbersztajn e Sztajn aduzem que “Trimarchi tratou de ajustar ao direito continental europeu, especificamente ao italiano, as regras desenvolvidas para o sistema de direito consuetudinário, demonstrando a possibilidade de, igualmente, no que concerne ao direito codificado, adotarem-se critérios que induzam as pessoas a buscar eficiências alocativas.” (ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Raquel. op. cit. p. 2.).

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Na Itália também se verifica a luta contra as afirmações de que a noção de

eficiência é politicamente tendenciosa e considerada suspeita por aqueles que creem

que a lei não pode negligenciar as preocupações distributivas.

Contudo, não passa despercebida a assertiva de que tanto na economia

como na lei a utilidade do conceito de eficiência deve ser analisada de acordo com o

caso concreto, e eventuais rejeições ideológicas por conta de Posner e seus seguidores

devem ser ignoradas pela variedade de programas de pesquisa nessa área, em

especial a Escola da Nova Economia Institucional (Oliver Williamson) e a Teoria dos

Jogos .

Assim, o novo discurso do movimento na Itália serve para mostrar aos

advogados que entre os elementos de um conflito judicial, há os relevantes e os que

não o são, o que também produz certo desconforto, eis que esses profissionais não

estão acostumados com esse olhar, e isso os obriga a sair da postura ortoxa em que se

encontram.

As dificuldades dos operadores do direito residem basicamente na ausência

de um treinamento formal adequado, uma vez que as faculdades de Direito incluem

apenas um curso de Economia em seus programas, o que não é suficiente para lidar

com a complexidade do tema e estabelecer bases para um estudo conjunto e

sistemático.

Além do próprio Pardolesi, significativa contribuição foi dada por Ugo Mattei,

Francesco Parisi, Giuseppe Dari-Mattiacci e Guido Alpa.

1.2.2.4 Portugal

Para Miguel Moura e Silva48, a relação entre Direito e Economia em Portugal

é bem disseminada, embora mais presente em alguns redutos, como a Faculdade de

48 SILVA, Miguel Moura e. Law and Economics in Portugal. Disponível em:

<http://encyclo.findlaw.com/0365book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.

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Direito da Universidade de Coimbra e na de Lisboa49, ocorrendo especialmente nas

áreas de maior contato como legislação tributária e finanças públicas.

Silva aponta ainda como um problema para seu maior crescimento a falta de

tradição portuguesa na realização de workshops no meio acadêmico que poderiam

gerar uma união dos trabalhos de campo de juristas e economistas, além da incipiente

presença do Direito e Economia como método de ensino na gradução e na pós-

graduação.

Acompanhando Silva, destacam-se em Portugal: Jorge Sinde Monteiro

(Coimbra); Souza Franco (Lisboa); Nuno Garoupa (formado em Lisboa e Professor da

Universidade de Illinois-EUA); Fernando Araújo (Lisboa); Vasco Rodrigues

(Universidade Católica Portuguesa, Porto) e José Manuel Aroso Linhares (Coimbra).

1.2.2.5 Áustria

Segundo Wolfgang Weigel50, a mútua dependência entre direito e economia

remonta a mais de duzentos anos, valendo citar um livro com três volumes (“The

Principles of Police, Action and Finance”), datado de 1765, de Joseph von Sonnenfels,

um dos conselheiros mais influentes do império austríaco.

Curiosamente, entre os cientistas austríacos, os advogados, especialmente

os que trabalham no campo do direito público, estão mais interessados que os

economistas, uma vez que a metodologia proporciona uma maneira radicalmente

distinta para abordar os problemas jurídicos ao contrário destes últimos, que já são

mais acostumados a extrair conclusões políticas de sua análise.

49 Ribeiro e Galeski Júnior ressaltam que em Portugal não há no currículo da graduação dos Cursos de

Direito a cadeira de Análise Econômica do Direito; todavia, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa oferece uma disciplina com esse tema, cujo titular é o Professor Soares Martinez, auxiliado pelo Professor Fernando Araújo. (RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. op. cit. p. 65.).

50 WEIGEL, Wolfgang. Law and Economics in Austria. Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com/0305book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.

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Bem diferente do quadro brasileiro, na Aústria os servidores públicos que

almejam cargos de maior relevância são obrigados a fazer, na Academia Federal de

Administração, cursos complementares de Economia e de Direito, independentemente

de seu grau universitário.

Apesar das dificuldades e diferenças acima apontadas por Weigel, Battesini

salienta bem a importância que:

com articulação em torno da contribuição de Friedrich Hayek, a escola austríaca tem no estudo da incerteza, da descoberta e da inovação o coração da agenda de pesquisa, também desempenhando papel fundamental a noção de ordem social espontânea, de processo natural de evolução das instituições calcado na ação individual de adaptação à complexa e rica realidade social.51

Ribeiro e Galeski Júnior trazem à luz também as severas críticas que foram

realizadas pela Escola Austríaca, berço da Escola Econômica Neoclássica:

Tinham como principal ponto de análise a figura do agente – e o conceito de escassez e utilidade – ao contrário dos clássicos (Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Karl Marx), que dirigiam suas atenções para as classes de bens, o que não permitia explicar, por exemplo, por que o pão e o diamante têm preços diferentes, embora possam ter sido resultado do emprego de uma mesma quantidade de força de trabalho. Tendo como ponto de partida o agente, os neoclássicos afirmavam que era impossível mensurar as necessidades e os interesses dos agentes de forma objetiva, pois os valores eram subjetivos, variando de pessoa para pessoa.52

Derradeiramente, da escola austríaca o nome de maior destaque é Friedrich

August von Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de 1974, logo seguido por Victor Mataja,

que foi o pioneiro na análise integrativa direito-economia no campo da responsabilidade

civil. Depois temos farta produção oriunda da Universidade de Viena: Joseph Alois

Schumpeter; Gerhard Hafner; Christian Huber; Monika Gimpel-Hinteregger e Susanne

Freyer, dentre tantos outros.

51 BATTESINI, Eugênio. op. cit. p. 278. 52 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. op. cit. p. 62.

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1.2.3 América Latina

Na América Latina destacaremos Argentina e México, cada um

representando uma grande potência geopolítica da região.

1.2.3.1 Argentina

Na Argentina também viceja um crescimento da Análise Econômica do

Direito nos últimos anos, embora sua aplicação prática e quantidade de obras

doutrinárias ainda sejam de pequena monta.

Segundo Cabanellas, a obra de maior atenção é “Las Bases y La

Organización Económica y Rentística”, de Juan Bautista Alberdi, que faz uma análise

econômica de algumas estruturas constitucionais; e também os comentários de Vélez

Sarsfield sobre o Código Civil, especialmente no que diz respeito aos direitos reais,

além da obra “Análisis Económico del Derecho”, de Germán Coloma, e a coletânea

“Elementos de Análisis Económico del Derecho”, organizada por Horacio Spector.53

Destaca-se também Isabel Cristina González Nieves, advogada e doutora em Direito

pela Faculdade de Direito Argentina (UBA), que publicou duas obras: “Estudios de

Derecho Y Economia” (Heliasta, 2008) e Análisis Económico del Derecho Ambiental

(Heliasta, 2008).

Ultimamente, a influência dos Estados Unidos vem repercutindo no

crescimento do tema, como bem observa Cabanellas:

Recién en las últimas décadas, y al influjo de la influencia de la educación jurídica estadounidense, há renacido el interés por el análisis económico del Derecho. Debido a la fuente del impulso recibido, los instrumentos e idearios utilizados suelen provenir de la Escuela de Chicago, lo cual a su vez conduce a cierta confusión sobre la naturaleza ideológica del análisis económico del

53 CABANELLAS, Guillermo. op. cit. p. 29.

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Derecho, que histórica y comparativamente dista de ser um monopolio de esa escuela.54

A influência externa é tão verdadeira que a Universidade Torcuato Di Tella

mantém um mestrado com concentração específica em Análise Econômica do Direito,

cujo corpo docente é oriundo também dos Estados Unidos (Universidade de Illinois,

Michigan, Harvard, etc.), Canadá (University of Toronto), Inglaterra (University of

London), entre outros.55 56

1.2.3.2 México

Roemer e Valadés são entusiastas do crescimento da Análise Econômica do

Direito que vem acontecendo no México, desde 1983. Mas nos últimos anos houve um

impulso, tanto pela “fraqueza dos adversários” como por uma gama expressiva de

profissionais que prestam serviços ao governo, produzindo estudos práticos nas mais

54 CABANELLAS, Guillermo. op. cit. p. 30. Numa tradução livre: “Recentemente, nas últimas décadas, e

sob o entusiasmo da influência da educação jurídica norte-americana, renovou-se o interesse pela análise econômica do direito. Devido à fonte de impulso recebido, os instrumentos e os ideários utilizados costumam provir da escola de Chicago, que por sua vez conduz a uma certa confusão sobre a natureza ideológica da análise econômica do Direito, que histórica e comparativamente está longe de ser um monopólio dessa escola.”

55 Cf. UNIVERSIDAD TORCUATO DI TELLA. Maestría en Derecho y Economía: cuerpo de profesores. Disponível em: <http://www.utdt.edu/ver_contenido.php?id_contenido=902&id_item_menu=1090>. Acesso em: 1 mar. 2012.

56 No site da Universidade Torcuato Di Tella se pode aferir a forte intenção de interação entre formação nacional e estrangeira, centrada especialmente no discurso da globalização: “La economía globalizada del siglo XXI requiere de abogados que estén capacitados para enfrentar los problemas profesionales que traen aparejados la globalización económica, el auge de las tecnologías de la información y que puedan interactuar con abogados nacionales y extranjeros así como con profesionales de otras áreas. Por ello, la Escuela de Derecho de la Universidad Torcuato Di Tella complementa su enseñanza jurídica interdisciplinaria con una dimensión internacional que permite que nuestros graduados se adapten rapidamente a los cambios legales constantes y a las exigencias de trabajos profesionales en el extranjero o que requieren conocimientos de derecho comparado.” (Cf. UNIVERSIDAD TORCUATO DI TELLA. Escuela de Derecho: Alianzas Internacionales. Disponível em: <http://www.utdt.edu/ver_contenido.php?id_contenido=4420&id_item_menu=9218>. Acesso em: 1 mar. 2012.). Numa tradução livre: “A economia globalizada do século XXI exige que os advogados estejam capacitados para enfrentar os problemas profissionais que surgem com a globalização econômica e com a ascensão das tecnologias da informação de modo a poderem interagir com advogados nacionais e estrangeiros assim como com profissionais de outras áreas. Portanto, a Faculdade de Direito da Universidad Torcuato Di Tella complementa sua educação jurídica interdisciplinar com uma dimensão internacional que permite que nossos acadêmicos se adaptem rapidamente às constantes mudanças legais e às demandas de trabalhos profissionais no estrangeiro ou que requeiram conhecimentos de Direito comparado."

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diversas áreas, como legislação, regulamentação e economia, educação, economia de

água, contratos, propriedade, instituições, serviços públicos, de trabalho legislação e

comércio interno.57

Isso tudo, ao contrário do que se possa pensar pela proximidade geográfica,

pela matriz formalista é a Europa Continental que exerce forte influência nos juristas do

país, e não os Estados Unidos; entretanto, a sua força e o crescimento exponencial

ocorrem por conta da penetração dos juristas dessa área no governo:

On the other hand, the participation by legal scholars in the political process is remarkable. This influence is characterized by different routes, significantly through members of courts, the executive branch, the Congress, and the high-level bureaucracy. Based on the foregoing, in Mexico a large part of the evolution of economic analysis of law has grown significantly from public sector parameters. Lawyers and economists, particularly specialists in microeconomics theory, keep in mind the usefulness of economic analyses of law in the field of public policy. An important example in this respect is the new agrarian legislation that, without ignoring the principles of justice, was clearly revised using standards of economic efficiency. 58 59

57 ROEMER, Andrès; VALADÈS, José Diego. Law and Economics in Mexico. Disponível em:

<http://encyclo.findlaw.com/0350book.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012. 58 ROEMER, Andrès; VALADÈS, José Diego. Op. Cit. Numa tradução livre: “Por outro lado, a participação

de estudioso nos processos políticos é notável. Essa influência é caracterizada por diferentes rotas, principalmente através de membros dos tribunais, do Poder Executivo, do Congresso e da burocracia de alto nível. Com base no exposto, no México, uma grande parte da evolução da análise econômica do direito tem crescido significativamente, a partir de parâmetros do setor público. Advogados e economistas, particularmente os especialistas da teoria microeconômicas, mantêm a ideia da utilidade da análise econômica do direito na área de políticas públicas. Um exemplo importante a esse respeito é a nova legislação agraria, que, não ignorando os princípios da justiça, foi claramente revisada usando padrões de eficiência econômica.”

59 Atual e curioso contraponto se pode fazer do movimento da Análise Econômica do Direito no Brasil e do México no tocante à discussão recente sobre o novo Código Florestal brasileiro, onde inegavelmente parte do meio acadêmico a forte e estruturada defesa constante do meio ambiente como um todo, valendo a pena mostrar a lucidez do embate promovido por um doutorando da UFBA, Professor da Universidade Católica de Salvador e que é Procurador da Bahia: “Não se pode contestar as contribuições das teorias econômicas à compreensão da problemática do meio ambiente. Elas servem de lastro tanto para o uso dos instrumentos econômicos como para a pesquisa de uma eficácia maior da gestão do meio ambiente. Porém, não é mais do que uma maneira, ao lado de outras, que permite enxergar a realidade social. Essa propensão de pensar economicamente está invadindo todos os domínios e, ao se impor, deve ser acompanhada de uma tomada de consciência sobre seus limites, como também sobre uma reflexão mais global dos problemas ambientais ainda que sobre a ótica da ética e da equidade. Quer dizer, de assegurar as gerações presentes e futuras o

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1.2.3.3 Brasil

No Brasil, idênticas dificuldades encontramos no tocante ao estudo

aprofundado do Movimento do Direito e Economia. Tanto pelo preconceito do jurista em

relação a uma aproximação com a Economia, que se encontra bastante distante na

Academia de Direito, como pela visão simplista e equivocada de que a análise

econômica do direito tem apenas aplicação aos sistemas jurídicos de matriz common

law (via de conseqüência de origem anglo-saxônica), e não nos de civil law, de tradição

romano-germânica como o nosso.

A discussão da Análise Econômica do Direito no Brasil não é muito distinta

dos outros países, especialmente nos de tradição de civil Law; contudo, visível que nos

últimos anos há forte crescimento de ardorosos e bem situados defensores do

movimento Direito e Economia.60

acesso aos recursos hídricos em quantidade e qualidade razoáveis, ou seja, de assegurar uma equidade intrageracional e intergeracional.” (MORAES NETO, Deraldo Dias de. A aplicação da Análise Econômica do Direito ao problema da cobrança do uso da água bruta dos rios. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/deraldo_dias_de_moraes_neto.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.).

E uma assessora do Ministério Público Gaúcho vem ser exemplo de que a inserção da AED nos postos governamentais ainda é bem distante da que acontece em terras mexicanas: “Outra forma de ver a questão é através de uma visão que concilia economia e meio ambiente, denominada por José Rubens Morato Leite de antropocentrismo alargado e por Herman Benjamin de antropocentrismo mitigado, que visa dar maior valor ao meio ambiente, inclusive por meio do direito, mas com a finalidade de proteger a própria humanidade, já que se não cuidar do meio em que inserida, a humanidade pode sucumbir. O ambiente deixa de ter um valor econômico e passa a ter um valor em si mesmo, pois somente com a sua conservação podemos falar em vida humana digna e saudável.” (PIZZUTTIL, Luiza Curcio. Análise do projeto de lei n. 1.876/99: implicâncias ambientais e sua influência na consecução do Estado Socioambiental. Disponível em: <http://direitoambiental.jimdo.com/ambiente-em-revista/publicações-científicas/>. Acesso em: 1 mar. 2012.).

60 Extremamente interessantes são as declarações do ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Nelson Jobim, que reconhece que ao entrar no Supremo em 1997 sentiu que era preciso ter uma noção das consequências políticas e econômicas que eram tomadas na área jurídica, razão pela qual sua forma de atuação acabou por estabelecer “então, duas correntes no Supremo: de um lado eu, com essa visão consequencialista, e, de outro lado, os principistas, que seguiam a linha dos princípios. Para esse grupo, o ideal era julgar com base em princípios, sem nenhuma responsabilidade com as consequências de suas decisões. Consegui adeptos para a linhagem do consequencialismo dentro do Tribunal e, quando tomei posse como presidente do Supremo, procurei

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Por uma questão de metodologia, entendemos que não se deva dar aqui a

análise crítica aprofundada do movimento Direito e Economia no Brasil, que deve ser

realizada mais adiante (terceiro capítulo) e tendo como pano de fundo o tema

específico da dissertação. Entretanto, imperioso ressaltar que apesar de não haver

ainda grande número de cadeiras específicas sobre Direito e Economia ou Análise

Econômica do Direito nas universidades e faculdades, o meio acadêmico vem sendo

fortalecido por inúmeros doutrinadores que produzem forte defesa do movimento e

geram sua inserção em cadeiras optativas ou cursos/seminários de aperfeiçoamento

estudantil e que, a médio e longo prazo, resultarão em operadores jurídicos com

idêntica linguagem e pensamento jurídico-econômico.

Na linha de publicação literária exclusivamente de autores brasileiros61,

numa rápida passagem, podemos citar: “Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos:

Direitos não nascem em árvores”, de Flávio Galdino (Lumen Juris, 2005); “Direito &

Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações”, organizado por Decio

Zylbersztajn e Rachel Sztajn (Campus, 2005); “Direito e Economia”, organizado por

Luciano Benetti Timm (Livraria do Advogado, 2005); “Direito, Economia e Mercados” de

Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (Campus, 2006); “Economia para o Direito”62,

de Vanessa Boaratti (Manole, 2006);“Crédito e Judiciário no Brasil: Uma análise de

Direito & Economia”, de Jairo Saddi (Quartier Latin, 2007); “Interpretação Contratual e

Análise Econômica do Direito: O caso da revisão dos contratos de leasing”, de Maria

Paula Bertran (Quartier Latin, 2008); “Direito e Economia”, de André Franco Montoro

Filho e Marcelo Moscogliato (Saraiva, 2008); “Direito Tributário e Análise Econômica do

expressar com veemência e força essa linha consequencialista nas decisões que tomava, atentando para a relação entre Direito e Economia.” (LIMA, Maria Lúcia L.M. Padua de (Coord.). Direito e Economia: 30 anos de Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. t. 1. (Série GVlaw). p. 163.).

61 Nos últimos anos só de Richard Posner foram publicadas as seguintes obras: “Problemas de filosofia do direito” (Martins Fontes, 2007); “Para além do Direito” (Martins Fontes, 2009); “A Economia da Justiça” (Martins Fontes, 2010); “Direito, Pragmatismo e Democracia” (Forense, 2010); “Fronteiras da Teoria do Direito” (Martins Fontes, 2011) e a obra clássica de Robert Cooter e Thomas Ulen: “Direito e Economia” (Bookman, 2010).

62 A obra não aborda nada específico sobre a Análise Econômica do Direito, mas merece destaque por apresentar de maneira bastante didática conceitos econômicos para facilitar a interação de direito e economia.

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Direito: Uma visão crítica”, de Paulo Caliendo (Campus, /Elsevier, 2009); “Teoria Geral

dos Contratos: Contratos empresariais e análise econômica”, de Marcia Carla Pereira

Ribeiro e Irineu Galeski Junior (Elsevier, 2009); “Direito e Economia: Textos

Escolhidos”, organizado por Bruno Meyerhof Salama (Saraiva, 2010); Análise

Econômica do Direito Contratual: Sucesso ou Fracasso, organizado por Bruno Meyerhof

Salama 63 (Saraiva, 2010); “Direito e Economia: Novos horizontes no estudo da

responsabilidade civil no Brasil”, de Eugênio Battesini (LTr75, 2011); “O que é Análise

Econômica do Direito: uma introdução”, coordenado por Márcia Carla Pereira Ribeiro e

Vinícius Klein (Fórum, 2011); “Direito e Economia: 30 anos de Brasil, Tomo 1, 2 e 3”,

coordenado por Maria Lúcia L.M. Pádua Lima (Saraiva, 2012); “Direito e Economia no

Brasil”, organizado por Luciano Benetti Timm (Atlas, 2012); “Diálogos com a Law &

Economics, de Alexandre Morais da Rosa e José Manuel Aroso Linhares (Lumen Juris,

2009)64 e “Processo Penal Eficiente & Ética da Vingança: em busca de uma

criminologia da não violência”, de Alexandre Morais da Rosa e Thiago Fabres de

Carvalho (Lumen Juris, 2011).

Fizemos questão de apresentar de forma relativamente extensa a bibliografia

brasileira para contrapor a colocação de Tokars, da PUCPR, citada por Ribeiro e

Galeski Junior de que são poucos os trabalhos e, pior ainda, a indagação e assertiva: “e

no Brasil, o que se fez? Muito pouco, o que não surpreende neste país em que o

desenvolvimento cultural não é exatamente uma prioridade; em que um pragmatismo

nem sempre virtuoso coloca em segundo plano a atividade econômica.” 65

E não é só na forma tradicional escrita que o movimento do direito e

economia vem florescendo no Brasil, uma vez que a internet tem sido utilizada com

63 O livro trata primordialmente de uma tradução de um texto do filho de Richard Posner, Eric Posner,

acrescido de um interessante posfácio de Luciano Timm sobre o direito contratual norte-americano. 64 Propositadamente, deixamos por último e em separado o livro do Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa,

magistrado catarinense, escrito com o Prof. Dr. José Manuel Aroso Linhares, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que pode ser tida em terrae brasilis como quixotescamente a única obra de específica crítica direta e frontal à Análise Econômica do Direito, muito além de meras referências às críticas de Dworkin, como feitas alhures.

65 TOKARS, Fábio apud RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. op. cit. p. 66.

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vigor, a bem da verdade, na forte defesa da análise econômica do direito, conforme se

pode aferir dos inúmeros e bem estruturados sites, blogs e até mesmo mail lists ([email protected]).

Na categoria de sites, podemos citar como o mais importante o da

“Associação Brasileira de Direito e Economia” (www.abde.com.br), que é dirigida

atualmente por Marcos Nóbrega, onde se verifica claramente que

é uma associação civil sem fins lucrativos, de caráter científico, educativo, técnico, cultural e pluridisciplinar, criada para desenvolver a pesquisa e aprimorar a interdisciplinaridade entre as ciências do Direito e da Economia, bem como as que a elas se relacionem. Dedica-se à difusão, nos meios jurídicos e acadêmicos, da análise econômica do direito.

Tem como fundadores Armando Manuel da Rocha Castelar Pinheiro, Bruno

Meyerhof Salama, Cristiano Rosa de Carvalho, Decio Zylbersytajn, Ivo Teixeira Gico

Junior, Jairo Sampaio Saddi, Luciano Benetti Timm e Wilson Ribeiro, entre outros

nomes de destaque no cenário da literatura especializada no Brasil66.

Igual função e destaque se veem também no site da “Associação Mineira de

Direito e Economia” (http://amde.org.br), que é presidida por Alexandre Bueno Cateb,

um dos fundadores da ABDE. No Sul, relevância também não se pode negar à

“Associação Paranaense de Direito e Economia”

(http://adepar.wordpress.com/category/direito/page/3/), presidida pela Profa. Dra.

Márcia Carla Pereira Ribeiro; entre vários outros nomes, tem como associados Irineu

Galeski Junior, Vinicius Klein, Pery Francisco Assis Shikida.

Na área dos blogs, com igual força aparece o “IDERS: Law and Economics”

(http://www.bloglawandeconomics.org/), que vem a ser o Instituto de Direito e Economia

do Rio Grande do Sul,

cujo fim é investigar temas jurídicos, políticos e econômicos através da metodologia interdisciplinar conhecida como Direito e Economia ou Análise

66 Para ver a lista na íntegra: <http://www.abde.com.br/portal/pt/institucional/associados>.

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Econômica do Direito. Para alcançar seus objetivos, o IDERS promove reuniões, eventos, congressos e publicações, reunindo pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Estabelece ainda parcerias com organizações nacionais e internacionais, de modo a divulgar e desenvolver o Direito e Economia no Brasil.67

Tem como Presidente Cristiano Rosa Carvalho e como membros da Diretoria

Fabiano Koff Coulon, Bruno Bastos Becker, Eugênio Battesini, Giácomo Balbinotto Neto

e Eduardo Dettmann Kappe; entre seus associados destaca-se Luciano Benetti Timm.

E, como não poderia deixar de ser, Alexandre Morais da Rosa também está

inserido na internet através com seu blog, que não se traduz apenas como uma análise

crítica contundente do movimento de Direito e Economia no Brasil, mas com forte viés

nesse sentido (http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/).

Em outra frente, inegável a força e a pujança do Movimento de Direito e

Economia no Brasil, bastando observar que em outubro do ano passado, em

Curitiba/PR, foram realizadas conjuntamente a IV Conferência Nacional de Direito e

Economia e a I Conferência Internacional de Direito e Economia da PUC/PR,

coordenadas pela Prof. Dra. Marcia Carla Pereira Ribeiro

(PUCPR/UFPR/ADEPAR/ABDE), contando com a participação até mesmo do Prof. Dr.

Ejan Mackaay (Unimontréal- Canadá), Prof. Dr. Dany Cohen (Sciences/ Paris /França) e

Professor Fernando Araújo (Universidade de Lisboa), dentre outros doutrinadores

estrangeiros, e a quase totalidade dos membros da ABDE que publicam e defendem o

movimento no Brasil. 68

Num voo rasante, podemos dizer que numa matriz mais ideológica, os

críticos brasileiros se insurgem por entender que a AED adota uma visão restrita da

complexidade humana diante da busca da racionalidade econômica, questionando que

67 Cf. <http://www.bloglawandeconomics.org/p/o-iders.html>. 68 Esse mestrando foi convidado e apresentou uma palestra sobre “Economia Aplicada aos Tribunais”,

em cuja mesa estavam o Prof. Dr. Cesar Guzman (Faculdad de Derecho de la Universidad de San Martín de Porres- Lima-Peru), Prof. Dr. Bruno Salama (FGV/SP) e como Presidente o Prof. Dr. Mauricio Vaz Lobo Bittencourt (UFPR).

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a economia de mercado deve estar a serviço do homem e de suas necessidades, sob

pena de fugir de uma ética que é indispensável para o progresso da humanidade.

Embora reconheça o Direito e Economia como campos complementares em

que sempre houve diálogo em pontos em que havia demanda recíproca, Rosa sustenta

forte crítica à AED por proporcionar uma proeminência economicista em face do

discurso jurídico, transformando o direito em instrumento econômico diante do

neoliberalismo.69

Rosa critica ainda Posner e a questão da velocidade como forma de medição

realizada pela AED para aferir a eficiência do Judiciário:

O discurso do capital aponta que o Poder Judiciário é por demais lento e burocratizado, incompatível com a rapidez imediata que a dinâmica do mercado exige, constituindo-se num elevado custo acrescido às transações. Pensa-se de regra, somente no aspecto ‘quantitativo’ e que a demora na prestação jurisdicional é um custo de transação incompatível com o ritmo das trocas de um mercado eficiente. Posner sustenta que os problemas da nova economia demandam soluções rápidas que o Judiciário não está preparado para prover devido à lentidão dos processos, seja pelo princípio do ‘devido processo legal’ – limitador do escopo dos procedimentos sumários – seja pela atuação dos juízes não especializados em questões do campo econômico, ocasionando por estas razões, uma consequência nefasta ao bom andamento do mercado.70

Já em evidente defesa da aplicação da economia ao direito, Carvalho

argumenta:

A sua superioridade encontra-se no fato de a Ciência Econômica ser, de longe, a ciência social com mais êxito até hoje. Seu caráter empírico e sua forte matematização a tornou uma ciência no mais puro sentido da palavra, pois é capaz de não apenas descrever acuradamente o seu objeto, como também prever, com razoável grau de precisão, o comportamento futuro desse mesmo objeto.

E conclui ressaltando as vantagens práticas de sua adoção:

69 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 55. 70 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 61-62.

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A avaliação de consequências através de externalidades, que deve influenciar a escolha por uma ou por outra alternativa, não é critério de índole parcial. Não serve para ‘atender a interesses de poderosos’ ou para ‘proteger os mais fracos’. Dependendo de especificidades do caso concreto, tanto uma quanto outra decisão pode ser a mais eficiente no que tange às consequencias acarretadas. Em síntese, o que importa é tornar o Direito mais eficiente, para que se possa então alcançar os seus fins de justiça. E, para tanto, a escolha racional é um potente instrumento na consecução desses valores tão importantes quanto difíceis de implementar.71

Certo é que no Brasil o diálogo entre os juristas e economistas ainda é novo

e com muitos avanços e retrocessos, uma vez que a maioria dos juristas com formação

mais clássica veem pouca relevância na economia e acabam dizendo que os

economistas nada entendem de direito e, por outro lado, os economistas acusam os

juristas de ignorância e insensibilidade aos consagrados estudos sobre eficiência

econômica e métodos analíticos.

71 CARVALHO, Cristiano. Princípios e Conseqüências: a teoria da escolha racional como critério de

ponderação: introdução ao problema. Disponível em: <http://www.viadesignlabs.com/lawandeconomics/Principios_e_Consequencias.pdf>. Acesso em: 27 set. 2009.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Acreditamos que ninguém mais duvida da ponte que há muito está sendo

criada e fortalecida entre Direito e Economia, não obstante as inúmeras dificuldades,

avanços e retrocessos como já demonstrado no capítulo anterior que discorreu sobre

essa parte histórica.

Aliás, esse diálogo transdisciplinar não é novo e privativo do direito e

economia, mas também aqui, como bem alerta Morin, a interdisciplinaridade controla

tanto as disciplinas como a ONU controla as nações, bastando observar que os

fenômenos são cada dia mais fragmentados, sem unidade, razão por que se fala tanto

em interdisciplinaridade, apesar de que “cada displina pretende primeiro fazer

reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras

confirmam-se em vez de se desmoronar.”72

E, seguindo ainda Morin, essa comunicação deve dar-se com base num

pensamento complexo, sem fórmulas programáticas:

É convidar a pensar-se na complexidade. Não é dar a receita que fecharia o real numa caixa, é fortalecer-nos na luta contra a doença do intelecto – o idealismo – que crê que o real se pode deixar fechar na ideia e que acaba por considerar o mapa como o território, e contra a doença degenerativa da racionalidade, que é a racionalização, a qual crê que o real se pode esgotar num sistema coerente de ideias.73

Essa relação não deve ser unidirecional e nem com preponderância de

qualquer um dos atores; pelo contrário, ao lado do direito se encontram também as

72 MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. 11. ed. rev. mod. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. p.

135. 73 Ibid. p. 140.

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dimensões políticas, sociais e culturais que são campos que se harmonizam com a

complexa teia de relações dos fenômenos econômicos. E, no dizer de Macedo, “se a

economia e o indivíduo racional-maximizador não são os focos exclusivos da análise –

e se o ‘homem-econômico’ é um ‘homem social’ – Economia e Direito podem conversar

de igual para igual.”74

Certo é também que uma adoção (ou adoração) inconsequente da Análise

Econômica do Direito com o enfraquecimento proposital ou não do Estado Social é

fonte legítima de preocupações, pois o realismo por ela proposto para as proclamadas

transformações oriundas do laissez faire da common law para o bem-estar e

intervencionismo do New Deal produz consequências não referidas ou subestimadas

com a implementação e reinterpretação do sistema à luz dos novos valores instaurados.

Ora, não há como negar que os direitos sociais podem facilmente ser

encaminhados para uma flexibilização em nome do melhor e mais eficiente jogo das

forças econômicas num caminho único em que a busca do ganho imediato (aqui

entendido como maximização de riqueza) desconsidera o tempo de amadurecimento do

processo histórico de consolidação da solidariedade social e da ética.

Merecem destaque os comentários de Posner no prefácio à edição brasileira

da obra “A Economia da Justiça”, ao fazer uma consideração sobre a aceitação da

abordagem econômica pela comunidade jurídica brasileira, quando diz que primeiro se

deve começar pela Academia para propiciar uma concepção do direito como um fato

político com ênfase na discricionariedade judicial e na permeabilidade do processo

judicial às influências de outras disciplinas, como a Economia, tudo para formar juízes

com essa visão.75

Depois, sem deixar de lado a forte defesa da sua aplicabilidade, mas em

evidente demonstração de como a Análise Econômica do Direito no Brasil deva assumir

74 MACEDO, Bernardo Gouthier. In: LIMA, Maria Lúcia L.M. Padua de (Coord.). op. cit. t. 1. p. 227. 75 POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. XVII.

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uma visão completamente distinta da adotada pelos países desenvolvidos (EUA, Reino

Unido, França, Alemanha e Japão), faz a merecida ressalva:

Nestes últimos, a importância dos direitos de propriedade, da liberdade contratual, da independência do judiciário, da discricionariedade judicial bem orientada e das limitações do poder do Estado é tomada como ponto pacífico. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, esses valores tendem a ser postos em questão e só se efetivam de modo incompleto. Nesses países, a proteção dos direitos de propriedade, a garantia da liberdade contratual, a prevenção da corrupção e do favoritismo a políticos e a limitação do poder regulador do Estado sobre a economia têm ou devem ter um relevo muito maior do que é necessário em sociedades plenamente desenvolvidas. (...). É inevitável, portanto, que a análise econômica do direito brasileiro venha a ter uma ênfase e uma inflexão bastante diferente das que têm em sociedades plenamente desenvolvidas. Isso é ótimo, e ajuda a confirmar os valores do movimento ‘direito e economia’ tem a oferecer ao sistema jurídico brasileiro.76

Por isso a importância inegável de se descortinar alguns conceitos que visem

a pavimentar claramente esse caminho tortuoso onde a eficiência é sem dúvida um

problema fundamental debatido pelos economistas, e a justiça é o que guia de forma

até mesmo natural e indissociável os juristas, isso tudo acontecendo dentro de um

mercado77onde ocorrem as trocas (barganhas) diante dos custos e benefícios dos

agentes envolvidos na busca da maximização de seus interesses78.

76 POSNER, Richard A. op. cit. 2010a. p. XVIII. 77 Numa linha argumentativa contudente, Giko Jr. chega a explicitar que esse mercado não

necessariamente precisa tratar de valores pecuniários, podendo se “pensar em mercado de ideias, de políticos ou mesmo de sexo. Essa distinção é importante, pois – não raro – ao se falar em mercado de alguma coisa, os ouvintes associam automaticamente a ideia de dinheiro e de desvalorização do bem barganhado. Esse preconceito não corresponde à realidade. Na juseconomia, a referência a mercado significa pura e simplesmente o contexto social no qual os agentes poderão tomar suas decisões livremente, barganhando com os demais para obter o que desejam por meio da cooperação.” (GIKO JUNIOR, Ivo T. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.). op. cit. p. 23-24.).

78 A “maximização de interesses” não pode ser enclausurada como um conceito exclusivamente da área econômica e com repercussões apenas lá presente; tanto é verdade que até Bauman deixa isso transparecer como algo que se vivencia atualmente na plenitude e é que impulsiona as pessoas no mundo moderno quando realizam negócios (no caso assunção de dívidas): “De modo curioso, surpreendente, desconcertante, comprar a crédito é a única forma de compromisso a longo prazo que os habitantes do líquido mundo moderno não apenas toleram e defendem, mas assumem com satisfação. Eles até estão começando a ver a contração de um débito como um tipo benigno de compromisso que ajuda a enfrentar e vencer suas outras variedades, estas sim malignas. Uma crença

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O imbróglio de referenciais é tão considerável que falta unificação das

denominações em torno da disciplina envolvendo “Direito e Economia”, que via de regra

tem como um referencial o movimento Law and Economics, da Universidade de

Chigago.

Embora alguns países tenham adotado a expressão “Direito e Economia”,

como a Itália e a Alemanha, em Portugal, na Espanha e no Brasil, dentre outros, se

preferiu o uso da expressão “Análise Econômica do Direito”, em clara sintonia com a

doutrina apregoada por Richard Posner (“Economics Analsys of Law”). Importante

salientar que também se observa o uso da expressão “Análise Econômica do Direito”

como o ferramental teórico e quando se quer falar no conjunto das teorias e seus

estudos, utiliza-se a expressão “Movimento Direito e Economia”.

Diante do aspecto visível das distinções de nomenclatura, percebem-se

diversas correntes do movimento de aproximação da disciplina do direito e da

economia, tratando-se de verdadeira escola eclética com diversas tradições e óticas no

tocante à aplicação dos instrumentos econômicos, escolas essas já apresentadas no

capítulo anterior.

Importante ressaltar que a Análise Econômica do Direito também não pode

ser confundida com a disciplina Direito Econômico, eis que a primeira é ferramenta

científica e a segunda se ocupa precipuamente da regulação e intervenção do Estado

nos mercados.

que as empresas de cartão de crédito endossam de todo coração, prometendo assumir e ‘restituir’ o que você deve a outras empresas de cartão de crédito...Não há muita lógica nisso tudo, mas quem – com exceção de seus bardos, contratados ou voluntários – disse que a sociedade de consumo floresce sobre a conduta lógica, ou orientada pela lógica, de seus fregueses? Por que motivo o crédito e a oportunidade de assumir uma dívida são considerados tão necessários, são oferecidos com tamanho entusiasmo, de modo tão alegre, e reconhecidamente aceitos? A resposta simples, imediata, e também, como vimos acima, mais comum é: para acelerar e aproximar a satisfação de necessidades, desejos ou impulsos.” (BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 137.).

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Não existe sequer uma concordância plena com a expressão “Análise

Econômica do Direito”, podendo ser caracterizado, em linhas gerais, como um

movimento que se destaca pela interdisciplinaridade e aplicação da teoria econômica

ao direito e suas instituições jurídicas, utilizando-se de instrumentos teóricos como a

microeconomia neoclássica e elementos da ciência social econômica como “valor”,

“utilidade” e “eficiência”.

Há dois distintos ângulos de estudos: O positivo (ou descritivo) e o normativo.

O positivo visa à descrição da realidade, ou seja, quais os efeitos das normas jurídicas

no comportamento e seus resultados; e o normativo trata da adequação ou não de

determinadas regras jurídicas a seus fins.

Na obra em que realizam uma revisão da Teoria Geral dos Contratos em

relação especificamente aos empresariais sob a ótica da Análise Econômica do Direito,

Ribeiro e Galeski Junior conceituam a Análise Econômica do Direito como sendo:

Essencialmente um movimento interdisciplinar, que traz para o sistema jurídico as influências da ciência social econômica, especialmente os elementos valor, utilidade e eficiência. Busca aplicar seu método a todas as searas do direito, apresentando um novo enfoque de forma dinâmica – desde aquelas em que é fácil vislumbrar a inter-relação, como o direito da concorrência e contratos mercantis – até naquelas em que causa maior estranheza para o jurista, como no direito penal e nas relações familiares.79

Com firmeza peculiar, Giko Jr. acrescenta:

Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do instrumental analítico e empírico da economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica para tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito.80

79 RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. op. cit. p. 69. 80 GIKO JUNIOR, Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Atlas,

2012, p. 14.

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Considerando que se trata de um movimento metodológico surgido na

Universidade de Chigago que tem como fator comum a implementação de um ponto de

vista econômico no trato das questões que eram precipuamente jurídicas, com

acentuado tom crítico Rosa esclarece:

Esta corrente metodológica adota, além dos princípios do liberalismo econômico, a ideia de que o objeto da ciência jurídica possui uma estrutura similiar ao objeto da ciência econômica e, por isso, pode ser estudado do ponto de vista da teoria econômica. Assim, busca o movimento transformar o Direito, que se encontraria em um estado pré-científico, incapaz de se adaptar a nova realidade mundial, caracterizada pela crise do Estado de Bem-Estar Social, em uma verdadeira ciência, racional e positiva, mediante a análise do Direito de acordo com os princípios, categorias e métodos específicos do pensamento econômico. A Law and Economics procura analisar estes campos desde duas miradas: a) ‘positiva’: impacto das normas jurídicas no comportamento dos agentes econômicos, aferidos em face de suas decisões e ‘bem-estar’, cujo critério é econômico de ‘maximização de riqueza’; e b) ‘normativa’: quais vantagens (ganhos) das normas jurídicas em face do ‘bem estar social’, cotejando-se as consequências. Dito de outra maneira, partindo da racionalidade individual e do ‘bem estar social’ - maximização de riqueza -, busca responder a dois questionamentos: a) quais os impactos das normas legais no comportamento dos sujeitos e instituições; e b) quais as melhores normas.81

Disso tudo resulta a importância do conhecimento claro das premissas

teóricas que circundam o movimento, como veremos a seguir.

2.1 A ESCOLHA RACIONAL

O princípio é oriundo da Revolução Marginalista (neoclássicos) e também da

Escola Austríaca, especialmente pela introdução do conceito de “marginalidade” nas

análises econômicas.

81 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 56-57.

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Quando pensamos em economia devemos pensar numa ciência social que

tem como escopo o estudo do processo de decisão (escolha) dos indivíduos e da

sociedade no emprego dos recursos produtivos e no consumo de bens e serviços

capazes de satisfazer as necessidades humanas e que são limitados (escassos) na

natureza (problema de escassez = recursos limitados x necessidades humanas

ilimitadas).

Para contornar ou minimizar essa escassez82, a economia neoclássica

propõe que os indivíduos (homo oeconomicus) ajam racionalmente.

Por óbvio, trata-se de um apoditismo, ou seja, uma premissa básica que

pode ser contestada com base em casos concretos. Contudo, ela propicia investigar

padrões comportamentais e, dessa forma, avaliar a previsibilidade das condutas, o que

torna possível a teorização acerca dos comportamentos humanos diante da escassez. 83

Já a Análise Econômica do Direito acaba relacionando-se com a referida

teoria por buscar uma tomada de decisões jurídicas racionais que alcancem benefícios 82 A questão dessa visão econômica de escassez é também alvo de críticas pois “A mainstream

economics assume a escassez como um dado fundamental da vida, faz da escassez a sua categoria identificadora como ciência cujo objecto é identificado como o estudo do comportamento do homem condicionado pela escassez. Mas é incapaz de se aperceber de que o planeta é hoje o primeiro bem escasso. O que indicia que problemas como o da poluição não cabem na lógica da análise marginalista, que compara custos e benefícios privados, mas não é sensível aos custos sociais de um crescimento baseado na maximização dos lucros, nem é capaz de comparar custos sociais e benefícios sociais.” (NUNES, Antonio José Avelãs. Uma introdução à Economia Política. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 580.).

83 Sobre o real alcance da teoria neoclássica e seu escopo, Avelãs Nunes diz que “Fala-se de síntese neo-clássica, para significar que, nesta óptica, a análise dos problemas da economia (capitalista) se baseia essencialmente no jogo da oferta e da procura, tendo como pontos de partida três pressupostos fundamentais: a Economia é a ciência da escolha; o indivíduo é identificado como o homo oeconomicus, um ser que procede sempre de acordo com os princípios do cálculo econômico, independentemente das circunstâncias históricas e da sua inserção em qualquer classe social; os preços são considerados como indicadores da escassez relativa, e, portanto, como sinais orientadores das escolhas (racionais) de cada um dos agentes econômicos.” (NUNES, Antonio José Avelãs. op. cit. p. 34.). Convém lembrar que os economistas fazem distinção entre preço e valor. Valor é atributo, enquanto preço é medida. O preço diz ao agente econômico o quanto ele deve alocar de modo a obter determinado recurso. Destaque-se que as reações possíveis ao preço de um recurso dizem respeito a quanto o indivíduo lhe dá valor e não sobre sua necessidade, ou seja, tem a ver com a disposição de pagar o preço sugerido.

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ideais para a sociedade por conta de uma análise prévia das consequências jurídicas

(custo-benefício) das decisões a serem tomadas. Não se trata de decidir contra ou a

favor de A ou B, mas sim em prol do bem estar de toda a sociedade porque utiliza o

critério de racionalidade econômica social.

Essas escolhas geram consequências legais, como o rompimento unilateral

de um contrato que prejudica o outro aderente, a ação ou omissão que pode gerar um

crime diante da escolha do agente perante a sanção legal e daí por diante.

Aqui, como já dito, o que está em cena é uma teoria sobre os meios

empregados pelas pessoas para alcançarem seus fins (comportamentos), e não sobre

os fins que elas almejam (motivação), sendo que as preferências não são relevantes. 84

A racionalidade implica tanto nosso intuito de calcular custos e benefícios de cada ação

ou inação como nossa incapacidade de vislumbrar todas as possibilidades disponíveis.

E mesmo quando o comportamento não parece ser compatível com o

interesse próprio, como, por exemplo, deixar de dar uma gorjeta ao garçom de um

restaurante ao qual se sabe que não vai voltar, ou até mesmo a contribuição para uma

instituição de caridade, é explicado pelos economistas como sendo para resultar em

aumentos de utilidade, também chamado de “renda psíquica”.

Toda essa teoria sociológica que se propõe a explicar o comportamento

social e político das pessoas pela sua ação racional recebeu o nome de “Teoria da

escolha racional”.

Vem do jus filósofo inglês Jeremy Bentham um dos maiores e mais

fascinantes postulados econômicos aplicados ao direito, que é o pressuposto acerca da

racionalidade dos agentes, ou seja, que os indivíduos economicamente maximizam seu

bem-estar de forma a coordenar suas preferências elegendo racionalmente as que mais

lhes satisfazem.

84 GIKO JUNIOR, Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). op. cit. p. 25.

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Um dos elementos mais importantes da racionalidade segundo os

economistas é que, de modo geral, os seres econômicos (homo oeconomicus) fazem

escolhas consistentes, e até eles mesmos admitem que não se trata de fácil tarefa

diante de situações de incerteza e de falta de informações necessárias; contudo,

mesmo diante dessas falhas há consenso de que o ser humano sempre se comporta

como maximizador de seu autointeresse ou favorável àquilo a que atribui melhor

utilidade (utilitarismo).85 86

Não se pode afirmar que todo indivíduo seja um exemplo vivo de homo

oeconomicus, nem que aja sempre racionalmente; pelo contrário: sabe-se que os

indivíduos nem sempre irão processar as informações de forma ótima (ou sequer terão

acesso às informações necessárias), mas o grande papel da premissa da maximização

racional é a força do modelo econômico nela inserido que resulta na capacidade

85 Para os economistas o problema da escolha será sempre resolvido através do ato de escolha usando o

critério da racionalidade em confronto com a escassez que aflige o homo oeconomicus, e como observa Avelãs Nunes, “Neste sentido, o homo oeconomicus é um agente racional maximizador da utilidade, quer a utilidade seja entendida na acepção hedonística de prazer, satisfação, felicidade ou bem-estar psicológicos, quer se associe à utilidade o sentido praxeológico de grau de realização do objectivo da actividade económica, qualquer que seja a sua natureza e qualidade, desde que se trate de uma grandeza suceptível de diversos graus de realização (fala-se, em regra, de preferência).” (NUNES, Antonio José Avelãs. op. cit. p. 548.).

86 Ninguém mais pode negar a importância da visão do homo oeconomicus; tanto é verdade que até mesmo Canotilho diz que “os direitos do homem não se baseiam apenas ‘em grandezas invariáveis jusnaturalisticamente formuladas’”, sendo certo que não se pode mais desconsiderar que “o capitalismo mercantil, com a sua acumulação de riquezas e a necessidade de segurança das convenções comerciais, postulava a existência de um estatuto individual estável, assente numa larga autonomia do ‘homo oeconomicus”, anotando na sequência que “se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipação da ‘sociedade burguesa’ são inseparáveis da consciencialização dos direitos do homem, de feição individualista, a luta das classes trabalhadoras e as teorias socialistas (sobretudo Marx, em A Questão Judaica) põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem ‘egoísta’ e a necessidade de completar (ou substituir) os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do ‘homem total’, o que só seria possível numa nova sociedade. Independentemente da adesão aos postulados marxistas, a radicação da ideia da necessidade de garantir o homem no plano económico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do património da humanidade. As declarações universais dos direitos tentam hoje uma ‘coexistência integrada’ dos direitos liberais e dos direitos sociais, económicos e culturais, embora o modo como os estados, na prática, asseguram essa imbricação, seja profundamente desigual.” (CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 385-386.).

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preditiva e não na capacidade de capturar a racionalidade de cada comportamento

individualmente tomado. 87

Para os economistas os agentes econômicos agem de três formas

diferentes, mas consideradas equivalentes na forma de atuação racional: na

consistência das escolhas; na utilidade das escolhas e, finalmente, com decisão

marginalista.

Sobre a consistência das escolhas, a ideia é que os agentes possuem um

conjunto de preferências estáveis e prédeterminadas, ou seja, que não dependem das

escolhas que, em concreto, são apresentadas. Essas preferências são completas e

transitivas.

Ter preferências completas significa que não importa as escolhas

disponíveis, pois o agente será sempre capaz de decidir, ou seja, perante duas

alternativas ele será capaz de dizer que prefere A a B; B a A ou nem A nem B. E, mais

ainda, o agente é capaz de decidir entre alternativas situadas em momentos distintos

(vou a todos os jogos do meu time preferido agora ou economizo para ir aos jogos da

Copa do Mundo no Brasil?) e entre alternativas que envolvam resultados incertos

(aplico na poupança que rende menos mas é mais segura ou em ações que rendem

mais todavia podem ter resultado negativo?).88

Já ter preferências transitivas é apontar no rumo da coerência, ou seja, se o

agente prefere a alternativa A a B e B a C, então deve preferir A a C, sob pena de se

87 Inegável que cada dia mais as decisões judiciais sofrem influências de escolhas voltadas para o

ambiente econômico em que surtirão efeitos, como bem se pode observar num acórdão do Superior Tribunal de Justiça onde se discutia o limite da taxa de juros para ser considerada abusiva em confronto com a taxa média publicada pelo Banco Central do Brasil; anota o Ministro Ari Pargendler: “O tema, com certeza, é complexo, porque o risco de cada operação influi na respectiva taxa de juros. Mas o peso desse componente, e de outros, no custo do empréstimo deve, então, caso a caso, ser justificado pela instituição financeira, o juiz saberá decidir as controvérsias a propósito, se respeitar a racionalidade econômica, representada pelo mercado" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003.).

88 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito: Uma introdução. Coimbra: Almedina, 2007. p. 13.

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concluir que o agente seria incapaz de escolher qualquer coisa e ficaria mudando

eternamente, o que não seria racional.

A segunda forma de conceituação de escolha racional é afirmar que as

consequências de cada escolha proporcionam ao agente determinada utilidade e ele

opta em função da maior utilidade que possa conseguir. Ou seja, entre escolher A ou B

ele opta por aquele que lhe oferta maior utilidade (aqui tida como satisfação); mais

precisamente, ele maximiza a sua utilidade.89

Por fim, a terceira hipótese no processo de escolha racional versa sobre a

decisão marginalista, aquela em que os agentes econômicos, ao escolherem realizar

uma unidade de determinada atividade, só se sujeitarão aos custos de seu

desenvolvimento (perda de utilidade) enquanto a unidade adicional da atividade

desenvolvida trouxer mais benefício (ganho de utilidade) do que custou para

desenvolvê-la. Mais precisamente, realizarão uma análise marginal para aferir se os

benefícios marginais (estimados ex ante) forem maiores ou iguais aos custos marginais

(estimados ex ante).90 De forma bem sintética, é o agir racional de alguém no tocante a

só continuar fazendo determinada atividade enquanto lucrar com ela.

89 Giko Jr. inclusive anota que essa utilidade - satisfação extraída pelo agente - não se restringe a

questões materiais e nem monetárias, podendo ser extraída utilidade tanto do consumo de uma pizza, quanto da visão de um quadro de Portinari ou tocar numa banda amadora. Ressalta que em economia não se pode comparar utilidades entre dois indivíduos: “Se há uma disputa por uma maçã entre o sujeito A e o sujeito B, não é possível afirmar ex ante que a maçã é mais útil para A do que para B e vice-versa. A única forma de aferir isso seria atribuir a maçã a um dos agentes e deixá-los negociar livremente (ex post). Se quem recebeu a maçã, por exemplo, A, aceitar trocá-la por outra coisa oferecida por B (e.g., uma cadeira, uma pera, dinheiro), então, é porque B valorizava mais a maçã do que A. Do contrário, ou A valorizava a maçã mais que B e por isso recusa-se a trocá-la, ou valoriza o mesmo tanto que B, ou ainda, B não é capaz de oferecer algo de interesse de A para motivá-lo a realizar a trocas espontaneamente (não consegue expressar suas preferências pelo sistema de preços, dada sua restrição orçamentária). Nesse sentido, utilidade será sempre uma medida ordinal subjetiva e não cardinal objetiva.” (GIKO JUNIOR, Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti. op. cit. p. 26.).

90 Sobre a Teorias do valor de um bem econômico, ao contrário do valor trabalho, a teoria do valor utilidade pressupõe que o valor de um se toma pela satisfação subjetiva que o bem representa ao consumidor, sendo que “o valor de cada bem é dado pela utilidade proporcionada pela última unidade disponível desse bem (utilidade marginal). Assim, quão mais escasso for um determinado produto, maior será sua utilidade marginal e, portanto, seu valor. A utilidade marginal é a satisfação adicional (na margem) obtida pelo consumo de mais uma unidade do bem. É decrescente porque a satisfação

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Salama apresenta um exemplo bem interessante que costuma ser também

recordado na teoria econômica da responsabilidade civil:

Suponha que uma empresa saiba que seus produtos às vezes causarão danos aos seus consumidores. Por exemplo, uma empresa de transporte aéreo sabe que nem sempre existe a possibilidade de que haja acidentes aéreos. Quanto a empresa investirá para tornar seus voos mais seguros? Como as empresas têm por objetivo maximizarem seus lucros e remunerarem seus acionistas, a resposta dependerá principalmente das seguintes variáveis: (a) dos custos para tornar os produtos e serviços mais seguros (por exemplo, os custos de treinamento de pessoal, manutenção de aviões, desenvolvimento de novas tecnologias, etc.), (b) da probabilidade de ocorrência de acidentes com cada uma das possíveis tecnologias e métodos de segurança que podem ser empregadas; (c) dos danos à reputação da empresa no caso de acidentes (por exemplo, por causa da diminuição da procura por passagens aéreas após um acidente); (d) dos custos relacionados à responsabilização civil por danos causados (especialmente pagamentos de indenizações a vítimas e de multas ao governo); (e) da probabilidade de que, no caso de acidentes, haja responsabilização civil ou penal da empresa ou de seus diretores (o que dependerá, dentre outras coisas, dos requisitos legais que fixarão os parâmetros para determinação da culpabilidade); e (f) dos custos para mitigar as perdas decorrentes dos acidentes, caso eles ocorram. Para estimar todas essas variáveis, a empresa necessitará de informações da sua área técnica e comercial, e de seus advogados também. De posse dessas estimativas, a empresa irá investir para tornar seus produtos e serviços mais seguros até o ponto em que tais investimentos paguem. Vale dizer: a empresa investirá em segurança até o ponto em que os custos marginais forem iguais aos benefícios marginais. No momento em que os investimentos em segurança causarem mais custos do que benefícios, a empresa deixará de investir em segurança.91

Embora de forma tímida e com limitações consideráveis, no tocante às

informações utilizáveis judicialmente, há plena possibilidade de uso ou, no mínimo, de

maior atenção desse processo de escolha frente à responsabilização civil, conforme

este autor já anotou em decisão relatada como juiz de direito na 5ª Turma de Recursos

de Joinville:

do consumidor diminui com o consumo de uma unidade a mais.” (BOARATI. Vanessa. Economia para o Direito. São Paulo: Manole, 2006. p. 21.).

91 SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). op. cit. p. 23-24.

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Particularmente, não vislumbro dificuldade e nem maior conflito na questão ressarcitória (satisfação do dano), mas sim, o “preço” que o lesante tem que pagar à vítima, ou como querem alguns, o “ressarcimento financeiro” (punição).

O grande nó górdio a ser solvido é como o valor desta indenização punitiva deve ser arbitrado pelo Juiz?

Importante ter em mente que, no caso dos autos, o tamanho da responsabilidade da empresa prestadora de serviço é apenas estimativo.

Ora, não há provas concretas de que a sua reiterada conduta na facilitação de assunção de pactos realizados com terceiros de posse de documentos falsos seja algo consciente, deliberado e objeto de análise orçamentária de custos (custo da oferta do serviço ineficiente menor que custo da melhoria do sistema mesmo diante de indenizações individuais). Ademais, é argumento simplório, inadmissível e até ilegal que o número elevado de ações em andamento seja prova disto.

Não se pode perder de vista, que a responsabilização dos lesantes de maneira excessiva pode acarretar afastamento dessas empresas na execução das atividades socialmente vitais. Tal distanciamento ocorrerá quando o ganho (lucro) que a empresa passar a perceber com a atividade for menor que a receita dela esperada, em virtude da responsabilização por lesões não evitáveis, ainda que a empresa adotasse a devida cautela (inexistência de sistema à prova de falhas).

Basta lembrar que antes da privatização da telefonia brasileira não se assistia ao problema agora em foco, ou seja, conseguir uma linha telefônica era algo caríssimo e de difícil acesso, o que de per si já evitava problemas.

Agora, temos uma prestação de serviços telefônicos extremamente barata (apenas em comparação com o passado brasileiro), com acesso facilitado a todos de maneira extremamente simples e ágil, o que de per si gera (ou ao menos facilita) o problema aqui discutido.

As decisões na órbita da quantificação do dano moral estão cada dia mais calcadas em princípios abstratos e valores individuais do julgador, muito embora não se discuta frontalmente o silogismo aplicado. 92

92 A decisão acima citada (Recurso Inominado n. 2009.501638-0) e outras decisões semelhantes

acabaram por ganhar grande notoriedade e ácidas críticas em diversos meios porque na ementa foi criticada a falta de racionalidade dos julgamentos que acolhem indenizações elevadas, principalmente em razão do discurso vazio de proteção do hipossuficiente (consumidor) frente ao vilão rico e sempre

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Seguindo em frente, como não podemos estar em dois lugares ao mesmo

tempo e realizar duas tarefas simultaneamente, precisamos decidir e escolher através

da análise dos custos e benefícios. A esse conflito chamamos de trade off.

PROCESSO DE ESCOLHA – ANÁLISE DE CUSTO BENEFÍCIO (TRADE OFF)

OPÇÕES DISPONÍVEIS BENEFÍCIO CUSTO

COMPRAR UM CARRO SATISFAÇÃO ELEVADA REDUÇÃO DA ECONOMIA PESSOAL

GUARDAR DINHEIRO AUMENTO DA ECONOMIA

PESSOAL

SATISFAÇÃO MENOR

Essa escolha gera a resolução do problema mas acarreta outros, eis que

abrimos mão de algo, que vem a ser exatamente o citado custo de oportunidade, isto é,

aquilo que o indivíduo sacrifica por não escolher a mais favorável das alternativas que

está a sua disposição.

Mas essa simplificação93 da atuação dos indivíduos é muito criticada

especialmente porque não há a devida diferenciação entre a racionalidade individual da

coletiva, isso sem contar a defasagem das informações disponíveis diante das

mal intencionado que seriam as grandes empresas, relembrando Robin Hood: “RECURSO INOMINADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA (BRASIL TELECOM S/A). CONTRATAÇÃO REALIZADA POR TERCEIRO MEDIANTE FRAUDE. RELAÇÃO NEGOCIAL INEXISTENTE. INDEVIDA INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE INADIMPLENTES (SPC). DANO MORAL CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL (R$5.000,00).É causa geradora de lesão moral a inscrição em cadastros de inadimplentes de toda pessoa física ou jurídica que teve seu nome indevidamente usado em contrato com empresa prestadora de serviço, independentemente desta ter sido vítima de fraude ou não quando da pactuação. Não se pode mais admitir a figura do Juiz "'Robin Hood" que, a pretexto de distribuir justiça aos hipossuficientes, arbitra indenizações milionárias que só alimentam a indústria do dano moral sem consciência do ambiente econômico que essas decisões estão inseridas e a necessidade de observância do custo-benefício. Em contrapartida, a reiterada prática de lesão aos consumidores demonstra a necessidade de elevar o custo do serviço mal administrado e ofertado através da repercussão indenizatória que este gera na Justiça.” (SANTA CATARINA. Recurso Inominado n. 2009.501638-0, de Joinville, Rel. Juiz Yhon Tostes, j. 28.03.2011.).

93 Simplificação essa que para alguns não é defeito, mas sim qualidade a ponto de sustentar que a adição de pressupostos para conferir maior realismo aos modelos deve ser vista com muita reserva pois “a utilidade de um bom mapa reside em simplificar suficientemente a realidade para permitir a fácil compreensão dos seus traços essenciais e não em reproduzi-la ponto por ponto. É o que procuram fazer os modelos económicos.” (RODRIGUES, Vasco. op. cit. p. 25.).

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dinâmicas sociais e alternância no sentido dos interesses individuais, como Rosa

esclarece:

o encurtamento subjetivo do sujeito cobra, todavia, um preço, como se verá. O encurtamento subjetivo do sujeito (racional) é o mecanismo simplificador que autoriza as conclusões econômicas, a saber, a sua simplicidade é o meio de se obter generalizações.94

Isso tudo sem contar que o comportamento coletivo implica interação

estratégica de indivíduos racionais em que acabará ocorrendo aquilo que se chama de

“teoria dos jogos” em que cada um agirá com base nos cálculos dos efeitos das ações

possíveis dos outros; porém, ao tentar evitar o pior resultado possível para si, não

conseguem coletivamente obter o melhor (i.e. dilema dos prisioneiros).

Outro problema da teoria é aquilo que ficou conhecido como free rider, ou

seja, “carona”, que é o agente econômico perceber que ficará em melhor situação e

obterá o benefício esperado se todos, menos ele, agirem com vistas ao bem comum,

independentemente de sua participação e de divisão do ônus. Assim,

a não ser que exista algum mecanismo (como a taxação compulsória) para fazer com que os indivíduos contribuam para a provisão de um bem coletivo, os indivíduos racionais deixarão a contribuição para os outros. O free rider obtém os benefícios de um bem coletivo sem incorrer nos custos da sua provisão. Se existirem free riders em excesso, o bem coletivo não poderá ser absolutamente alcançado. Olson (1965) desenvolveu esse argumento para indicar que só porque todos os membros de um grupo partilham de um interesse comum não se segue necessariamente que eles se organizarão na busca desse interesse. Uma ação coletiva por parte de grandes grupos depende da existência de incentivos seletivos para os ativistas, e às vezes de um elemento compulsório. Grupos com poucos membros (como no caso de um oligopólio) normalmente se encontram em melhor posição para organizar e chegar a um acordo sobre uma linha de ação ótima.95

94 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 66. 95 OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do pensamento social do Século XX.

Consultoria de Ernest Gellner, Robert Nisbet e Alain Touraine. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 253-354.

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Apesar de todas as críticas, inegável que a maximização racional é

instrumental e pode ser útil, mesmo porque o comportamento racional é na maioria das

vezes previsível, enquanto o irracional é aleatório e, apesar das imperfeições, torna

mais inteligível e previsível uma realidade complexa significando “que a força dos

modelos econômicos está na sua capacidade preditiva, não na sua capacidade de

capturar a racionalidade de cada comportamento individualmente tomado.” 96 97

2.2 A EFICIÊNCIA

Num país em desenvolvimento como o Brasil, a expressão “eficiência” é

quase um mantra divino proclamado em toda à sociedade como um objetivo constante

na atuação do homem público a ponto de ter sido erigido como princípio da

Administração Pública pela Emenda 19, que o incluiu no artigo 37, “caput” da Carta

Magna.98

Curiosamente, passa desapercebido pela doutrina tradicional que esse

conceito, que é uma norma em aberto, ou seja, não encerra um conteúdo jurídico

preestabelecido e que necessita de uma delimitação dogmática, deveria

obrigatoriamente passar também pelo crivo da Análise Econômica do Direito, que

96 SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). op. cit. p. 26. 97 Sobre a Teoria da Escolha Racional e AED comportamenta Giko Jr. diz que “a investigação das

circunstâncias em que o indivíduo diverge do comportamento racional é uma das áreas mais interessantes da fronteira do conhecimento econômico, uma mistura de economia, psicologia e neurologia chamada de neuroeconomia. Quando incluímos o direito nessa grande salada de saberes, temos a Análise Econômica do Direito Comportamental, cuja bibliografia vem incorporando os insights providos por essas descobertas e vem crescendo dia a dia. Certamente esta é uma das área que mais promete contribuir para o desenvolvimento do direito, principalmente em contextos nos quais o elemento volitivo é relevante, desde contratos até defesa do consumidor.” (GIKO JUNIOR, Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). op. cit. p. 27.).

98 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (BARBOSA SOBRINHO, Osório Silva. A Constituição Federal vista pelo STF. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 427.).

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elegeu a eficiência como um dos seus fundamentos, razão pela qual há vasta

preocupação com seus amplos aspectos.99

Essa ausência de paradigmas claros é tão grande que há constante

confusão entre o que seja efetividade100 e eficiência (e até com seu sinômimo eficácia),

havendo verdadeiro imbróglio e utilizações indevidas ou exageradas inclusive pelo

Supremo Tribunal Federal.

Num caso em que se analisou a ordem expedida pelo Conselho Nacional de

Justiça para que os juízes fossem obrigados a se cadastrar no sistema de “penhora on

line”, conhecido como “BacenJud”, a relatora ora se apoiou na ideia de efetividade das

decisões, ora no princípio da eficiência, lembrando que competia ao citado órgão zelar

pela eficiência (CF art. 103-B, § 4º inc. I e II, da Constituição da República e repetido no

art. 4º, inc. I e II, do Regimento Interno do citado órgão).101

99 Mendes, apesar de elogiar, chega ao ponto de dizer que a inclusão do princípio da eficiência incorreu

em uma obviedade caracterizando-o como “a busca pela obtenção de resultados melhores, visando ao atendimento não apenas da necessidade de controle dos processos pelos quais atua a Administração mas também da elaboração de mecanismos de controle dos resultados obtidos.” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 866-867.).

100 Segundo Dicionário Aurélio, o substantivo feminino “efetividade” vem a ser: “1.Qualidade de efetivo. 2.Atividade real; resultado verdadeiro: a efetividade de um serviço, de um tratamento. 3.Realidade, existência.”. E o adjetivo “efetivo”: “1.Que se manifesta por um efeito real; positivo: negócio efetivo; promessa efetiva.2.Permanente,estável, fixo:funcionário efetivo.3.Que merece confiança; seguro, firme: caráter efetivo; prova efetiva. ~ V. abertura —a e temperatura —a.”.

101 O citado julgamento foi assim ementado: “CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATRIBUIÇÕES. ART. 103-B DA CF. EXPEDIÇÃO DE ATOS REGULAMENTARES. DETERMINAÇÃO AOS MAGISTRADOS DE PRÉVIO CADASTRAMENTO NO SISTEMA “BACENJUD”. COMANDO ABSTRATO. CONSTITUCIONALIDADE. PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE CONVICÇÃO E DA PERSUASÃO RACIONAL. SEGURANÇA DENEGADA.

I - O art. 103-B da Constituição da República, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, dispõe que o Conselho Nacional de Justiça é órgão com atribuições exclusivamente administrativas e correicionais, ainda que, estruturalmente, integre o Poder Judiciário.

II - No exercício de suas atribuições administrativas, encontra-se o poder de “expedir atos regulamentares”. Esses, por sua vez, são atos de comando abstrato que dirigem aos seus destinatários comandos e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão.

III - O Conselho Nacional de Justiça pode, no lídimo exercício de suas funções, regulamentar condutas e impor a toda magistratura nacional o cumprimento de obrigações de essência puramente administrativa.

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O canto da sereia em favor da utilização do BACENJUD é tão evidente que a

retórica de que o sistema é “eficiente” e conduz a “agilidade e efetividade” é

extremamente falacioso em todos os contextos.

Primeiro, a irresignação da maioria dos juízes se dá porque nada,

absolutamente nada explica que o sistema possa obrigar um juiz a inserir dados com

senha pessoal, uma vez que isso poderia ser feito facilmente pelo Escrivão/Chefe de

Cartório (Justiça Estadual) ou Diretor de Secretaria (Justiça Federal) após despacho no

processo judicial. O sistema é lento, burocratizado e toma um tempo enorme com

preenchimento de dados que deveria ser utilizado com atividades judiciais que não

podem ser terceirizadas, ao contrário da penhora on line.

E o vezo de fundamentar decisões em “eficiência”e “efetividade” sem a

menor demonstração de dados científicos nem regras delimitadas para chegar a essas

conclusões conduz, mesmo no caso acima citado, a visões míopes e distorcidas sobre

a realidade forense, como se pode constatar nos quadros abaixo, que bem

IV - A determinação aos magistrados de inscrição em cadastros ou sítios eletrônicos, com finalidades

estatística, fiscalizatória ou, então, de viabilizar a materialização de ato processual insere-se perfeitamente nessa competência regulamentar.

V - Inexistência de violação à convicção dos magistrados, que remanescem absolutamente livres para determinar ou não a penhora de bens, decidir se essa penhora recairá sobre este ou aquele bem e, até mesmo, deliberar se a penhora de numerário se dará ou não por meio da ferramenta denominada “BACEN JUD”.

VI - A necessidade de prévio cadastramento é medida puramente administrativa que tem, justamente, o intuito de permitir ao Poder Judiciário as necessárias agilidade e efetividade na prática de ato processual, evitando, com isso, possível frustração dos objetivos pretendidos, dado que o tempo, no processo executivo, corre em desfavor do credor.

VII - A “penhora on line” é instituto jurídico, enquanto “BACEN JUD” é mera ferramenta tendente a operacionalizá-la ou materializá-la, através da determinação de constrição incidente sobre dinheiro existente em conta-corrente bancária ou aplicação financeira em nome do devedor, tendente à satisfação da obrigação.

VIII - Ato administrativo que não exorbita, mas, ao contrário, insere-se nas funções que constitucionalmente foram atribuídas ao CNJ.

IX - Segurança denegada.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 27.621 / DF, Rela. Min. Cármen Lúcia, Impete. Roberto Wanderley Nogueira. Impdo. Conselho Nacional de Justiça, j. 07/12/2011, pub. DJE 11/05/2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1983588>. Acesso em: 1 jun. 2012.).

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demonstram, com dados reais colhidos numa vara bancária e seus relatórios extraídos

do próprio sistema BACENJUD, a completa “ineficiência”102 da penhora on line.

Convém salientar que esta vara judicial é especializada em matéria bancária,

e que a parte credora, em todos os casos apontados, são instituições financeiras, ou

seja, a concessão de crédito se dá de forma mais cautelosa do que em negócios entre

particulares ou, mais ainda, na busca de crédito em ações de outras naturezas

tipicamente civis (v.g. responsabilidade civil, cobrança de aluguéis, etc.).

O primeiro quadro demonstra os bloqueios efetuados na 1ª Vara Bancária de

Joinville/SC, no período de fevereiro a maio de 2012, e sua inexpressiva utilidade diante

do elevado número de desbloqueios realizados.103

Importante destacar que os bloqueios dizem respeito tanto a valores ínfimos

que foram atingidos pela medida (o que se pode ter uma ideia melhor no 2º quadro),

como especialmente por terem atingido valores impenhoráveis (na maioria dos casos

salários e uma parte menor de conta-poupança).

Parâmetros informados

Tipo de

relatório

Quantidade de bloqueios,

desbloqueios e transferências

efetivados

Unidade

jurídica Vara/juízo

Visão Temporal Período Fevereiro/2012 a maio/2012

Tipo de justiça Estadual Tribunal TRIB DE JUSTIÇA SANTA

CATARINA

Vara/juízo 6934 – Joinville – 1a Vara de Direito Bancário

102 Ineficiência aqui no sentido de resultado obtido, que no caso vem a ser a penhora de valores que

serviriam para pagar boa parte do crédito excutido ou a sua totalidade. 103 Importante salientar que foram colhidos dados de janeiro a maio para tentar captar eventuais

operações que pudessem ainda estar em trâmite, uma vez que efetivamente as ordens de bloqueio foram feitas apenas nos meses de fevereiro e março de 2012 (meses que aparecem em destaque nos relatórios).

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Dados do relatório

Quantidade de registros efetivados no mês/ano Quantidade de bloqueios

pendentes de providência

acumulada até o mês/ano Bloqueios Desbloqueios Transferências

fevereiro/

2012 1 0 0 11

março/

2012 185 115 53 28

Total 186 115 53 -

No segundo quadro se pode observar a quantia expressiva de processos que

não tiveram nenhum valor apreendido (58.4%), e, principalmente, de valores irrisórios

(até cem reais: 20.64%) ou sem expressão diante dos valores excutidos nas ações (até

mil reais: 11.2%).

Parâmetros informados

Tipo de

relatório Efetividade dos bloqueios

Unidade

jurídica Vara/juízo

Período Fevereiro/2012 a maio/2012 Tipo de justiça Estadual

Tribunal TRIB DE JUSTIÇA SANTA

CATARINA Vara/juízo

6934 – Joinville – 1a Vara de

Direito Bancário

Dados do relatório

Quantidade

de réus/

Executados

Sem valor

bloqueado

Quantidade de réus/executados com valor parcial

bloqueado Quantidade de

réus/

Executados

com valor

integral

bloqueado

menor ou

igual a

100,00

reais

entre

100,01 e

1.000,00

reais

entre

1.000,01 e

10.000,00

reais

Maior ou

igual a

10.000,01

reais

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Fevereiro/2

012

16

45.71%

12

34.28%

2

5.71%

4

11.42%

0

0.0%

1

2.85%

Março/

2012

182

59.86%

58

19.07%

36

11.84%

24

7.89%

0

0.0%

4

1.31%

Total 198

58.4%

70

20.64%

38

11.2%

28

8.25%

0

0.0%

5

1.47%

Este exemplo prático serve para chamar a atenção e comprovar a facilidade

de distorção e amplitude do conceito de eficiência e sobre a real importância de

estabelecer limites teóricos claros.

E nem se diga que essas distorções ideológicas são provindas apenas do

Poder Judiciário, uma vez que também é farta na doutrina a utilização da “eficiência”

como sinônimo heróico e motivador até mesmo de cega observância aos precedentes

pretorianos dos Tribunais Superiores como forma de boa racionalização do sistema

judicial e sua legitimação constitucional.104

Em termos leigos, “eficiência” tem a ver com a ação que observa melhor a

relação entre os meios empregados e o fim que se quer atingir; porém, do ponto de

vista econômico, “eficiência” expressa o próprio fim a ser atingido, a maximização da

riqueza ou do bem-estar que envolve a melhor utilização do recurso disponível ou, em

sentido inverso, o menor desperdício possível.

Vem dessa ideia dos juseconomistas que o sentido da eficiência tem relação

com o da justiça porque num mundo de recursos escassos nada é mais injusto do que

104 Outra leitura não se pode extrair do entendimento de Marinoni quando sustenta que “o Poder

Judiciário apresenta um déficit de democracia. Isso quer dizer que não se pode admitir um sistema judicial com volume de trabalho desproporcional e destituído de racionalidade, na medida em que a falta de otimização do sistema gera ineficiência, exatamente o que se deve evitar para se ter um processo marcado pelo valor da democracia. (...). Nessa perspectiva, o respeito aos precedentes constitui elemento garantidor da eficiência e da legitimidade democrática do Poder Judiciário.” (MARINONI. Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 189-190.).

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o desperdício realizado através de política públicas que não observam o custo-benefício

desejável para toda a sociedade.105

Coelho discorre claramente sobre a substituição do conceito de justiça pelo

conceito neoclássico de eficiência:

Para conseguir disseminar a Análise Econômica do Direito em meio jurídico, Posner teve que abordar explicitamente o assunto inevitável sobre qual o motivo e quais as vantagens de se avançar nesse tipo de análise. Posner defendeu, então, que a principal, senão única, função do jurista deveria ser a de garantir que a alocação de direitos entre as partes se desse de maneira eficiente e, partindo daí, concluindo que apenas o estudo interdisciplinar de Economia e Direito capacitaria os juristas para o exercício dessa atividade.

Daí o surgimento da básica, mas importante, questão sobre qual seria o sentido de eficiência. A definição desse conceito passa a ocupar o centro das discussões de juristas e economistas dedicados ao estudo da Análise Econômica do Direito, sendo que as conclusões alcançadas por ambos apontam, em sua maioria, para uma conceituação neoclássica de eficiência econômica.106

Sem descuidar de um viés crítico, Friedman não deixa de reconhecer que há

uma supreendente correspondência entre justiça e eficiência, e o que se costuma

chamar de princípios de justiça podem ser regras de ouro para produzir um resultado

eficiente, mesmo que de alguma forma internalizadas. Agora, se isso realmente é

justiça, cada deve definir por si mesmo, ou seja, exprimindo seus valores através de

suas ações uma vez que

105Quando se posiciona sobre eficiência e justiça, Giko Jr diz que “a AED pode contribuir para (a) a

identificação do que é injusto – toda regra que gera desperdício (é ineficiente) é injusta – e (b) é impossível qualquer exercício de ponderação se quem o estiver realizando não souber o que está efetivamente em cada lado da balança, isto é, sem a compreensão das consequências reais dessa ou daquela regra. A juseconomia nos auxilia a descobrir o que realmente obteremos com uma dada política pública (prognose) e o que estamos abrindo mão para alcançar aquele resultado (custo de oportunidade).” (GIKO JUNIOR, Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). op. cit. p. 28.).

106 COELHO, Cristiane de Oliveira. O Caráter Científico da Análise Econômica do Direito: Uma explicação de sua influência como doutrina jurídica. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4629>. Acesso em: 27 set. 2009.

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As long as the statue of justice remains firmly attached to her pedestal instead of stepping down and taking charge, people's actions are the only tools available for moving the world. That leaves us with the problem of finding a "someone else" who both knows my interest better than I do and can be trusted to pursue it.107

O conceito de eficiência da microeconomia neoclássica deriva do modelo de

Pareto, relacionado ao economista italiano Vilfredo Pareto, para quem a eficiência é um

ponto de equilíbrio em que os recursos são alocados de modo que ninguém melhorará

sem que alguém piore. O “Ótimo de Pareto” ou “Pareto-eficiente” é a situação em que

tanto a oferta como a necessidade de determinado bem são atendidos plenamente.

Rodrigues salienta que o “Ótimo de Pareto” ou “Pareto-eficiente” não

necessariamente induz a uma situação justa, boa ou correta, apresentando o exemplo

de duas pessoas famintas que devam dividir entre si dois quilos de arroz e apenas uma

fica com toda comida, resultando, teoricamente, num “Ótimo de Pareto”. Nesse caso, a

grande maioria das pessoas diria que isso não é uma solução justa. Agora, para

chamar a atenção para a relatividade de valores dessas situações e como é subjetiva a

utilidade que cada pessoa retira das situações em comento, ele contrapõe o próprio

exemplo colocando que é óbvia a solução acima, ou seja, que cada um fique com um

quilo; porém, convida a imaginar se uma delas tem em casa quinze filhos para alimentar

e a outra vive sozinha.108

Nos dois casos fica evidente que o “Ótimo de Pareto” conduz à eficiência na

dimensão das utilidades dos indivíduos, sem maiores considerações às distribuições

relativas dessas utilidades.

107 FRIEDMAN, David D. Law’s order: what economics has to do with law and why it matters. New

Jersey: Princeton University Press, 2000. p. 23. Numa tradução livre: “Desde que a estátua da justiça permaneça firmemente fixada ao seu pedestal em vez de descer e assumir o controle, as ações das pessoas são as únicas ferramentas disponíveis para mover o mundo. Isso nos deixa com o problema de achar uma ‘outra pessoa’ que saiba de ambos os meus interesses melhor que eu mesmo, e que possa ser confiável para realiza-lo.”

108 RODRIGUES, Vasco. op. cit. p. 27.

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Diante das desvantagens do “Ótimo de Pareto”, Posner advoga de modo

mais evidente a concepção de eficiência de “Kaldor-Hicks”, conhecida também como

“Princípio da Compensação”, segundo o qual uma mudança de estado que favoreça

alguns em prejuízo de outros pode ser aceita, desde que os benefícios excedam os

prejuízos e os beneficiados possam potencialmente compensar os prejudicados, ainda

que efetivamente não venham a fazê-lo.

Inegável que Posner interpreta o critério de “Kaldor-Hicks” de acordo com

os padrões de maximização de riqueza e não de maximização de utilidade (critério do

“Ótimo de Pareto”),

pois, numa situação mais eficiente, alguns estarão em posição melhor sem necessariamente piorar a situação individual de alguém. No limite, os ganhos potenciais (destinados a compensação) farão com que toda a sociedade possa atingir um ponto de equilíbrio ótimo. A possibilidade de haver transferências compensatórias significa, por outro lado, que há mais flexibilidade em ser eficiente no segundo conceito do que no primeiro – um ótimo de Kaldor-Hicks é também de Pareto, mas a recíproca não é verdadeira.109

Para Posner a relação entre riqueza e utilidade tem vínculos claros, uma vez

que segundo ele “a felicidade é um dos principais bens a que a maximização da riqueza

conduz”110. Todavia, defendendo-se de uma das várias críticas de Dworkin, em especial

daquela de que a maximização de riqueza parece incapaz de gerar mais atividades que

conduzam ao bem-estar alheio que outras estruturas econômicas e políticas mais

concessivas, diz claramente:

Mas eu não afirmo que a maximização da riqueza viria a maximizar as transferências (ou a proteção aos direitos, ou a felicidade), mas apenas que nos traria alguma dessas coisas. Dworkin acredita que obteríamos essas três coisas em maior quantidade se nos voltássemos diretamente para elas. Como não existe, entretanto, moeda com a qual se possa comparar felicidade, cooperação e respeito aos direitos, é difícil saber como jogar com

109 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2005. p. 121. 110 POSNER, Richard A. op. cit. 2010a. p. 130.

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esses três fatores na elaboração de um sistema social. E a maximização da riqueza faz, automaticamente, as concessões mútuas entre eles. Se existe uma abordagem melhor, esta não é evidente e Dworkin não a descreve.111

Em linhas gerais, um dos maiores argumentos dos defensores da Análise

Econômica do Direito em relação às inúmeras críticas sofridas é que a aplicação da

eficiência (através dos critérios de Pareto ou Kaldor-Hicks) deve ter sempre como norte

a ética112 e a verificação empírica do bem-estar dos envolvidos e, como diz Salama, o

ponto central

não é saber se a eficiência pode ser igualada à justiça; ela não pode. A questão é pensar como a busca da justiça pode se beneficiar do exame de prós e contras, dos custos e benefícios. A contribuição de Posner, quando bem compreendida e posta em perspectiva, é um capítulo importante deste debate.113

2.3 AS EXTERNALIDADES

O modelo neoclássico acerca das atividades econômicas diante da escassez

de recursos pressupõe que o agente econômico atue racionalmente buscando

maximizar seus benefícios e, via de consequência, a maior eficiência social no

aproveitamento desses recursos disponíveis se dá em um mercado em perfeita

competição pelo equilíbrio, de tal forma que ninguém pode melhorar sua situação sem

prejudicar a de outrem.

111 Ibid. p. 135. 112 Ética essa de natureza consequencialista, com base no realismo jurídico, na verificação e na

pragmática jurídica (Ribeiro, Márcia Carla Pereira, fls. 90). Contudo, “o pragmatismo de Posner é uma espécie de ‘praticalismo’; uma ‘arte’ de aplicar e formular o direito sem fundações filosóficas. A missão do juiz pragmático é a de decidir de maneira razoável. Isso quer dizer que o juiz deve sopesar as prováveis consequências das diversas interpretações que o texto permite, ma a elas não deve se fiar cegamente. O juiz deve igualmente defender os valores democráticos, a Constituição, a linguagem jurídica como um meio de comunicação efetiva e a separação de poderes. A eficiência é então uma consideração; uma, dentre diversas outras.” (SALAMA. Bruno Meyerhof. op. cit. p. 318-319.).

113 SALAMA. Bruno Meyerhof (Org.). op. cit. p. 321.

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Essa alocação eficiente de recursos é utópica, pois sua existência implicaria

ausência de elementos que representassem imperfeições do sistema, tais como

concorrência imperfeita, assimetria de informação, poder econômico desigual entre os

agentes, bens públicos (beneficiários pagantes e não pagantes) e, por fim, as

externalidades.

Portanto, as externalidades vêm a ser uma das principais falhas de mercado

e consiste em algo realizado por um agente econômico que afeta o bem-estar de outro

sem prévia transação econômica direta entre eles e nem captação pelo sistema de

preços.

Pode ser de dois tipos: positiva e negativa.

A externalidade positiva acontece quando o efeito sobre terceiros aumenta

seu bem-estar. Já a negativa é quando acontece o contrário, ou seja, esse efeito ou

impacto causado é adverso aos terceiros, diminuindo seu bem-estar.

A importância das externalidades tem muito a ver também com a questão da

racionalidade humana e suas limitações, uma vez que um dos fatores que podem

interferir num agente econômico ao realizar uma atividade são interferências externas

que podem muito bem sobrepujar aspectos relacionados à pura racionalidade humana,

tais como, prazer, ideias e assimetrias informacionais.

Rosa chega a chamar as externalidades de “ruídos do mercado” que devem

ser eliminados pelo Estado através de restrições, regulamentações ou sanções visando

a resultados eficientes, tendo o Poder Judiciário o papel de garantidor dos direitos

patrimoniais e das regras de troca no ambiente econômico com o menor custo.

Destarte, as decisões em nível macro e micro passam por esse critério de eficiência

econômica, aproximando-se dos dogmas neoliberais e afastando-se das políticas de

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implementação de políticas sociais fundadas em Direitos Fundamentais e no welfare

state.114

Nas questões ambientais, em geral de poluição, residem os exemplos mais

frequentes de externalidade e internalização no tocante ao mercado.

Toda empresa, ao produzir algo, acaba gerando uma externalidade que vem

a ser a poluição, fator (externalidade negativa) pelo qual os demais agentes

econômicos não são responsáveis mas arcam com o seu preço, como vizinhos da

fábrica que ficam com a saúde abalada.

Agora, num mundo ideal, se uma empresa produzisse algo que não

impusesse custos a terceiros (externalidades negativas) salvo a receita suficiente para

cobrir seus custos privados de produção, estaríamos diante de uma melhoria de Pareto,

ou seja, a empresa teria obtido seus ganhos e os consumidores e fornecedores não se

sentiriam prejudicados. Nesse modo, as decisões da empresa no ambiente econômico

baseadas nos seus custos e benefícios privados (internalizações) não geraram

externalidades e podem ser tidas como eficientes.

Mas não é o que acontece. Em geral, as atividades de uma empresa geram

externalidades negativas em razão de não arcarem com os custos correspondentes a

poluição produzida e que não são resolvidas pelo sistema de preços do mercado uma

vez que a poluição não é capaz de alterar a questão da demanda e da oferta do

produto em condições normais.

A solução tradicional dos economistas é impor ao causador da poluição que

internalize seus custos arcando com a externalidade negativa por ele provocada, de

modo a atingir um nível de poluição ótimo, podendo também ser feita através de

impostos praticados pelo Estado visando a buscar uma solução não alcançada pelo

livre mercado.

114 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 71-72.

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Seguindo a ideia de Coase, de que uma externalidade é sempre o resultado

da conjugação do comportamento de duas partes, ou seja, no caso acima, embora seja

verdade que não se teria poluição se a fábrica não existisse em determinado local,

também é verdade que se não houvesse habitantes naquela redondeza não haveria a

externalidade (poluição).

Rodrigues, acompanhando Coase, salienta então que ela pode ser evitada

alterando o comportamento de qualquer uma delas, não necessariamente de quem

causa normalmente a externalidade, muito embora seja essa a solução mais comum.115

Por exemplo: uma empresa que dá lucro de 500 mil euros e causa poluição

cujos danos são estimados em 200 mil euros. Se esses danos pudessem ser evitados

com gastos de 100 mil euros, seria uma solução eficiente, pois o benefício para pôr fim

à externalidade é menor do que os danos.

Na situação acima, os economistas tradicionais anteriores a Coase

sustentavam que o Estado deveria intervir com um imposto de 200 mil euros para forçar

a empresa a adotar a referida solução, uma vez que sem a intervenção estatal não

haveria incentivo algum para a empresa agir pondo fim àquela externalidade (custo

maior do que benefício).

Todavia, se a externalidade negativa (poluição) pudesse ser solucionada ao

custo de 50 mil euros com a mudança dos vizinhos da fábrica, a solução tradicional da

intervenção estatal via imposto seria inadequada. Em síntese, a intervenção do Estado

só pode ser considerada eficiente se a eliminação da externalidade se der ao menor

custo. 116

115 RODRIGUES, Vasco. op. cit. p. 45. 116 Cooter e Ulen expressam clara preocupação com o lado social: “A chave para atingir o ótimo social

onde há externalidades é induzir os maximizadores de lucro privados a restringir sua produção ao ponto socialmente ótimo, e não ao ponto privadamente ótimo. Isto é feito por políticas públicas que levem a empresa a operar ao longo da curva do custo marginal social, e não ao longo da curva do custo marginal privado. Quando se atinge isso, diz-se que a externalidade foi internalizada, no sentido

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Seguindo nesse exemplo, temos também a análise do comportamento da

empresa se uma lei lhe impusesse 200 mil euros pela inércia diante da poluição

causada. Nesse caso, a empresa teria a sua disposição duas soluções: uma gastando

100 mil euros para eliminar a poluição ou 50 mil euros com a transferência dos vizinhos.

Nesta última hipótese, se os vizinhos tivessem a informação de que a empresa estaria

poupando os 100 mil euros com a eliminação da poluição, provavelmente exigiriam

mais de 50 mil euros para se mudar do lugar. Assim, a solução negociada ficaria na

margem de 50 mil euros (o mínimo para transferir os moradores) a 100 mil euros (o

máximo que a empresa estaria disposta a pagar).

Isso tudo leva à conclusão de que, independentemente do enquadramento

jurídico no caso do exemplo da poluição, se tanto a empresa poluidora como seus

sofridos vizinhos pudessem negociar pelos direitos de poluir ou de não serem poluídos,

tais direitos naturalmente se encaminhariam para quem lhes desse maior valor, ou seja,

haveria uma alocação eficiente dos recursos na ótica paretiana, com todos ganhando

independentemente da intervenção estatal.

Por tudo isso é que o Teorema de Coase leva à conclusão de que não

importa a distribuição inicial dos direitos de propriedade, pois o mercado irá alocar os

recursos para aqueles que os valoram mais, ou seja, da maneira mais eficiente.

Seguindo Coase, Rodrigues ainda diz que “as externalidades não são, em si

mesmas, impedimento à eficiência do mercado. Pelo contrário, o mercado (dos direitos)

é um mecanismo que permite a resolução dos problemas decorrentes das

externalidades.” 117

Todavia, tudo isso reside em exemplos onde não existem custos de

transação, não havendo solução definitiva para os problemas decorrentes das

de que a empresa privada agora a leva em consideração.” (COOTER, Robert; ULEN Thomas. op. cit. p. 62.).

117 RODRIGUES, Vasco. op. cit. p. 48.

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externalidades, uma vez que a análise da eficiência passa pela avaliação dos custos de

transação existentes.

2.4 OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

Os custos de transação constituem um dos principais elementos motivadores

da Teoria Neoinstitucionalista que as instituições econômicas apresentam com o papel

de reduzir custos, em claro contraponto à Teoria Neoclássica, que se utiliza de

hipóteses simplificadoras gerando aquilo que Cooter e Ulen acabam também

comparando com os modelos da física que assumem a inexistência de atrito: úteis para

entender vários conceitos, porém não servem para a devida compreensão de situações

em que a existência do atrito é a principal explicação para o fenômeno que está sendo

analisado; no caso, o fenômeno econômico.118

Assim, a principal crítica à teoria neoclássica é que não existe perfeição do

mercado nem equilíbrio entre oferta e demanda (ruídos), razão pela qual se deve

observar fora dos modelos a realidade de custos que influenciam os agentes

econômicos, modificando as condições do negócio e, via de consequência, o preço.

Curiosamente, não há um conceito único de custos de transação, mas várias

acepções acerca do termo.

Saddi e Pinheiro apresentam Kennet Arrow como um dos primeiros a defini-

lo como “os custos de fazer o sistema econômico funcionar”, seguido de Yoram Barzel

que o conceitou como “os custos associados à transferência, captura e proteção de

direito”. Numa definição mais ampla,

os custos de transação incluem os custos dos recursos utilizados para a criação, manutenção, uso, troca e assim por diante de instituições e organizações (...); quando considerados em relação aos direitos de

118 COOTER, Robert; ULEN Thomas. op. cit. p. 61.

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propriedade e contratuais existentes, os custos de transação consistem nos custos de definir e medir recursos ou títulos de propriedade (claims), mais os custos de utilizar e impor (enforce) os direitos especificados. Aplicados à transferência de direitos de propriedade existente e o estabelecimento ou transferência de direitos contratuais entre indivíduos (ou entidades legais), os custos de transação incluem os custos de informação, negociação e imposição (enforcement).119

Já Cooter e Ulen, por entender que os custos de transação são os custos

das trocas ou comércio, consideram como sendo três os seus elementos: os custos de

busca; os custos de negociação e os custos de execução.120

Os custos de busca são aqueles para a realização do negócio, ou seja, as

regras de distribuição de preço, qualidade e análise dos interessados na venda e

compra objeto da transação, gerando variáveis como custos mais altos na compra ou

venda de produtos especiais e mais baixos quando são comuns no mercado.

Os custos de negociação incidem sobre o comportamento dos agentes

econômicos e suas reais intenções e limites na relação compra e venda, sendo um bom

exemplo os contratos. Em geral quando as informações estão disponíveis para todos os

agentes e sabem os valores de intimidação e cooperação, isso baixa os custos e, ao

revés, quando essas informações são privadas, ou seja, apenas uma das partes

conhece total ou parcialmente esses valores, os custos de transação são elevados. 121

Os custos de execução têm a ver com o tempo para se fazer cumprir o

negócio e a indenização de eventual prejuízo por descumprimento das obrigações

anteriormente avençadas. Por conseguinte, os custos de execução baixam quando as

violações do negócio são facilmente monitoraráveis e é barato aplicar as sanções pelo 119 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. op. cit. p. 62. 120 COOTER, Robert; ULEN Thomas. op. cit. p. 105. 121 Cooter e Ulen citam como exemplo de custos de negociação baixo a compra e venda de uma

melancia porque não há muito que se tenha de conhecer a respeito da fruta e, ao contrário, como custos de negociação elevados a compra e venda de um imóvel, pela complexidade de questões financeiras envolvidas, qualidade do produto e preço. O vendedor conhece os vícios ocultos de seu produto e o comprador sua capacidade de financiamento. Para chegar a um acordo terão de tornar pública parte dessas informações, e para chegar ao equilíbrio dessas forças conflitantes o custo se torna elevado até a concretização do negócio. (COOTER, Robert; ULEN Thomas. op. cit. p. 105-106.).

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descumprimento. Já nos casos em que o monitoramento é complexo e o sistema de

recuperação dos prejuízos é ineficiente ou dispendioso, os custos de execução sobem.

Reside no conhecimento desses fatores a importância para o sistema

judicial, eis que as leis e o judiciário podem facilitar a redução dos custos de transação

ajudando a equilibrar os negócios com limites claros e identificando as

responsabilidades de cada parte na elaboração de contratos simples e de fácil

execução.

Rosa vê nessa posição uma forma ideológica de controle dos critérios das

decisões judiciais visando a domesticar o campo judicial aos anseios do mercado que

não pode ser “atrapalhado” na busca do desenvolvimento econômico afastando o

judiciário do cenário jurídico e o encaminhando para o estratégico, tornando a estrutura

da jurisdição em mais uma agência do mercado.122

Embora defenda o cumprimento dos contratos e a eficiência do Judiciário

(também em termos de custos e tempo), Rosa destaca os perigos que se observam até

mesmo na reforma do Judiciário, onde os direitos sociais são relevados e a atenção se

dá exclusivamente à garantia da propriedade privada com o enfraquecimento da

importância dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Justiça Social.123

122 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 72-73. 123 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 75-76.

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CAPÍTULO 3

CONTRATO BANCÁRIO, A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A CONSTITUIÇÃO

3.1 O CONTRATO BANCÁRIO E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Qual a importância do contrato bancário à luz da Análise Econômica do

Direito? Será apenas uma curiosidade acadêmica advinda dos Estados Unidos sem

maiores repercussões? Teria alguma aplicabilidade ou perigo no cenário judicial e, mais

ainda, no social do Brasil? Vem sendo devidamente compreendida com suas vantagens

e desvantagens?

Parece vir daí a responsabilidade de uma análise sobre os contratos

bancários, sua importância e o que a Análise Econômica do Direito vem causando no

cenário judicial e, via de consequência, com repercussão no ambiente econômico e

social do Brasil.

Impossível fazer toda a apresentação da teoria de contratos sob a

perspectiva da Análise Econômica do Direito, sendo o objetivo um recorte de uma parte

específica (contrato bancário), e a interferência da Análise Econômica do Direito.

Convém recordar que, antes da década de 60, os pressupostos da Teoria

Econômica baseavam-se em modelos abstratos em que as interações econômicas

eram feitas por agentes com cognição ilimitada e com todas as informações de que

precisavam, podendo a Justiça intervir sem custos para fazer cumprir os termos

avençados. Era um mundo sem custos e por isso de pouca relevância a forma como as

transações eram feitas, ou seja, de somenos importância os contratos.

Aos poucos, com a ascensão da importância dos custos de transação na

economia, começou-se a perceber que se um agente econômico não possui igualdade

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de informações (“informação assimétrica”) isso gera problemas no desempenho

econômico como um todo e o contrato passou a ser objeto de maior atenção, uma vez

que dele se poderia ter resultados indesejáveis, tanto do ponto de vista social como

econômico.

O problema social advindo das relações contratuais é tão grave que em

Santa Catarina, há quase dez anos, foram criadas as “varas bancárias”, especializadas

em “matéria bancária”, visando a “desafogar” as varas cíveis diante do gigantesco

volume de novas ações que aportam diariamente em cada unidade. 124

Para se ter uma ideia da diferença, tomemos como exemplo a comarca de

Joinville, maior município do Estado de Santa Catarina e “locomotiva financeira” do

Estado em razão de ser a maior e mais industrializada cidade, com uma economia forte,

porém, bom exemplo de como a utilização indevida de crédito concedido

indiscriminadamente pelas instituições financeiras, vista através do alto índice de

inadimplência, vem assoberbando o Judiciário:

124 Como tudo nesta vida pode ser visto por ângulos diversos, para várias pessoas a criação das varas

bancárias foi uma “vergonha”, pois o Judiciário assumiu o seu papel de “agência de cobrança” das instituições financeiras em desfavor dos consumidores. Curiosamente, a vara especializada em direito do consumidor – a única do Estado era em Joinville (1ª Cível) – foi dissolvida, passando a ter competência comum em razão de que se mostrou pouco eficiente uma especialização daquela natureza, gerando mais problemas do que soluções.

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A discrepância entre as varas cíveis com competência comum e as varas

cíveis especializadas em matéria bancária que foram criadas para atender a demanda

exagerada demonstram como a Justiça tem papel fundamental e indiscutível frente aos

contratos e não se pode deixar de perceber as consequências de sua atividade para

todos indistintamente: agentes econômicos e sociedade em geral.

É nesse palco de evolução da visão econômica e judicial que se desenrola a

importância de se vislumbrar os fundamentos da Análise Econômica sobre a

necessidade de os contratos serem cumpridos, o que nem sempre se observa sob os

mais variados discursos judiciais.

Hodiernamente, um dos maiores problemas que assolam o Judiciário são as

ações envolvendo relações de consumo de crédito, nas mais variadas espécies (cartão

de crédito, financiamento pessoal, financiamento de bens móveis e imóveis, numa

1ª VaraCível

2ª VaraCível

3ª VaraCível

4ª VaraCível

5ª VaraCível

6ª VaraCível

7ª VaraCível

MédiasCíveis

1ª VaraBancária

2ª VaraBancária

MédiaBancárias

Em andamento 5.064 5.511 5.323 4.594 5.650 5.462 5.394 5.285 6.864 7.648 7.256Entrados (Novos) 483 425 507 714 780 377 95 483 1.235 1.077 1.156

5.064

5.5115.323

4.594

5.6505.462 5.394 5.285

6.864

7.648

7.256

483 425 507714 780

37795

483

1.2351.077 1.156

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

Qua

ntid

ade

de P

roce

ssos

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gama enorme de modalidades – Leasing, CDC, Alienação Fiduciária em Garantia, etc.),

resultando daí uma atenção cada dia maior sobre a “eficiência” do Judiciário e o

combate à “morosidade”.

Embora poucos percebam, no caso das relações envolvendo contratos, a tão

decantada “morosidade” da Justiça tem tudo a ver com o “enforcement”, expressão

utilizada pelos economistas para significar “pressão”, “força” para seu cumprimento.

Ora, se um contrato não é cumprido e a Justiça não dispõe de meios para

que a transação seja rapidamente efetivada, os motivos dessa demora geram inúmeras

consequências, desde o simples descrédito no sistema judicial até no ambiente

econômico onde ela produziria seus efeitos.

Um dos maiores “fundamentos” das ações revisionais de contrato ou de

afastamento de suas cláusulas em sede de embargos à execução vem a ser a

“abusividade contratual”.

Como veremos no capítulo 3.2., não são raros os exemplos de decisões

judiciais que ignoram por completo as consequências de suas decisões e impõem aos

agentes econômicos mais favorecidos financeiramente (especialmente bancos e

multinacionais) perdas consideráveis ao não fazer cumprir aquilo regularmente

pactuado pelas partes e até previsto em diplomas legais, tudo sob o manto protetivo do

discurso da “justiça social” em favor dos menos favorecidos financeiramente

(hipossuficiente=pobre=consumidor=coitado que deve ser tutelado a todo custo) que

foram vítimas de “abusividades”.

Via de regra, a expressão “abusividade contratual” surge do poder de

barganha desigual entre as duas partes, embora, curiosamente, os Tribunais jamais

ingressem numa análise jurídica ou econômica sobre os conceitos de “poder de

mercado” ou “monopólio”.

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Os economistas sustentam que a Justiça não deve revisar esse tipo de

situação (força desigual da barganha), uma vez que quando os pactos aparentam ter

preços substancialmente elevados é difícil saber se isso ocorre pelo poder de mercado

ou pela flutuação dos custos de insumo. A análise se um credor agiu daquela forma por

seu poder de mercado, demanda uma avaliação da estrutura de mercado o que é

bastante complexa, pois usualmente isso só se dá em litígios de natureza antitruste.125

Um bom exemplo em matéria de contratos bancários são os chamados “juros

escorchantes”126 que, segundo os Bancos, têm origem no elevado índice de

inadimplência e na dificuldade de recuperação rápida de crédito no Brasil e, ao revés,

de acordo com alguns setores da Justiça brasileira só existem por causa da

“abusividade” (ganância perpetrada contra os consumidores) praticada pelos Bancos.

Surgem desses exemplos um dos motivos pelo qual a Análise Econômica do

Direito pode ajudar a Justiça na solução das lides contratuais, uma vez que ela conta

com suporte teórico que pode demonstrar alguns desvios na utilização da doutrina da

“abusividade contratual”, diante de modelos que demonstrem que deva ser ignorado o

poder de barganha ou deva ser levado em consideração apenas em condições

restritas.

O que interessa não é a solução em si, mas a correta fundamentação e

isenta de paixões, caso contrário a única repercussão é ser “contabilizada' nos 'custos

de produção' e servirá apenas para uma pequena parcela beneficiada, bem como para

aplacar a 'sede de justiça Social' de alguns aplicadores do Direito.”127

125 POSNER, Eric. Análise econômica do direito contratual: sucesso ou fracasso. São Paulo: Saraiva,

2010. p. 33. 126 Expressão que ganhou notoriedade quando foi utilizada pelo Presidente da República Fernando

Henrique Cardoso ao comentar as elevadas taxas de juros do mercado financeiro brasileiro, sem contudo resolver o problema, em que pese o reconhecido sucesso do Plano Real em termos de estabilização econômica e redução das taxas inflacionárias.

127 ROSA, Alexandre Morais da. Disponível em: <http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/01/fmj-texto-da-palestra.html>. Acesso em: 12 out. 2011.

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Num país em desenvolvimento e num mundo globalizado surgem de tal

cenário os inúmeros adeptos e entusiastas da Análise Econômica do Direito, em

especial no campo do cumprimento das obrigações.

Estranhamente, parece ser até singela eventual conceituação teórica do que

seja um contrato bancário, embora na prática forense se demonstre tarefa árdua e

bastante complexa. 128

Uma das dificuldades apontadas por Salomão Neto é a gama de atividades

em que as instituições financeiras estão presentes, gerando a correta indagação: todo e

qualquer contrato em que elas participem efetivamente pode ser conceituado como

contrato bancário ou somente aqueles diretamente ligados ao desenvolvimento de

atividade privativa das instituições financeiras?129

Também não é demais salientar que

o Direito Bancário é um ramo do Direito Comercial, braço do Direito Privado, e está impregnado de acentuada conotação pública devido à importante repercussão no interesse coletivo que é exercida pela atividade bancária, atualmente sob controle estatal.130

Com sua clássica autoridade, Gomes conceitua

com a expressão contratos bancários designam-se os negócios jurídicos que têm como uma das partes uma empresa autorizada a exercer atividades próprias dos bancos. Se estipulados sem a participação de um banco, eles entram nos seus esquemas típicos, salvo um ou outro que, pela substância econômica, somente se configuram como operação bancária específica.131

128 Em Santa Catarina a dúvida se torna mais visível por ter o único Poder Judiciário que criou varas

especializadas em matéria bancária, gerando diversas discussões acerca da competência dessas unidades com as varas cíveis sobre a distinção dos contratos bancários e matéria bancária. Como exemplo vale citar: SANTA CATARINA. CCO n. 2011.099183-9, de Brusque, rela. Desa. Soraya Nunes Lins. e SANTA CATARINA. CCO n. 2012.019876-6, da Capital, rel. Des. Ricardo Fontes.

129 SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005. p. 167. 130 SILVA, Geraldo José Guimarães da; GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Direito bancário e

temas afins. Campinas: CS Edições, 2003. p. 549. 131 GOMES, Orlando. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 360

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Embora não encontre definição legislativa, a regulamentação legal desse tipo

de contrato deve seguir pelo menos três utilidades básicas132:

1. proteger a parte hipossuficiente (em especial o Código de Defesa do

Consumidor);

2. propiciar regras gerais (capítulos das obrigações e contratos do Código

Civil) no tocante a contratação (forma); prova de sua existência;

consequências de eventual inadimplemento, efeitos dos vícios de

vontade e ou capacidade; e delimitação das condições para que os

contratantes obtenham o benefício almejado;

3. abreviar a negociação entre as partes, permitindo, a exemplo dos

contratos-padrão que por sua natureza gerem a certeza de seu conteúdo

independentemente de negociação, reduzindo, destarte, mesmo que

parcialmente, eventuais custos de transação.

A força liberalizante da Análise Econômica do Direito é visível em Salomão,

especialmente quando se observa sua defesa no tocante a deixar os contratos

bancários sem regulamentação (basta apenas observar “critérios objetivos e técnicos”)

a não ser as advindas do mercado; tanto é verdade que chega a sustentar ser

prescindível uma regulamentação “profunda ou abrangente”, pois

tentar tal regulamentação estimularia apenas a estéril e mal informada tendência a impor restrições à atividade bancária, tendência que se tem justificado menos pelos benefícios que possa trazer aos usuários dos serviços bancários, e mais pela pretensa projeção política que pode propiciar aos que por ela pugnam.133

Qual a importância então do contrato e da Análise Econômica do Direito para

a sociedade, em especial a brasileira? Em termos de “justiça social” há algum

interesse? 132 SALOMÃO NETO, Eduardo. op. cit. p. 170. 133 SALOMÃO NETO, Eduardo. op. cit. p. 170-171.

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Ora, uma das óticas que se pode ter do contrato é como um meio jurídico

facilitador de produção e circulação de riquezas, e a Justiça tem como missão maior o

seu cumprimento e a garantia dos direitos de propriedade visando a fomentar o

crescimento econômico e social. 134

Por conseguinte, havendo uma atenção maior aos fundamentos da Análise

Econômica, em tese, teremos uma redução dos custos de transação, políticas públicas

estáveis e aumento de investimentos que geram benefícios a todos indistintamente.

Numa economia de mercado a correta proteção legal conferida aos contratos

é fundamental porquanto quando se garante a credibilidade do cumprimento das

avenças diminuem-se os riscos dos agentes econômicos e aumentam os investimentos

cuja rentabilidade depende do cumprimento dos contratos, levando-se em consideração

também sua função de gerenciar aqueles riscos (externalidades).

Daí resulta a importância do Estado-Juiz como facilitador das trocas

econômicas e rápido adimplemento dos pactos, com vistas a manter um equilíbrio do

mercado.

Sob outro prisma com grande viés crítico, Rosa diz que a Análise Econômica

do Direito acaba reduzindo o Estado a uma forma subserviente e subsidiária do

mercado, atuando não como agente dirigente, mas caminhando a reboque dos

interesses econômicos, em especial para diminuir as externalidades ao ser convocado

134 E a atenção ao contrato na ótica da Análise Econômica do Direito como instrumento para criação de

riqueza não é pequena, uma vez que “O sistema econômico é um conjunto de relações entre pessoas físicas e jurídicas e seu desempenho depende, em sua esssência, do modo como essas relações ocorrem. Reside aqui a importância dos contratos para análise econômica. Contratos estabelecem o padrão de comportamento, expresso na forma de um conjunto de deveres, que as partes definem por interesse mútuo. É, portanto, por meio de contratos que as pessoas buscam coordenar suas ações, realizando ganhos coletivos. Como as transações apresentam custos diversos, um contrato que atenue esses custos resulta em melhora de desempenho econômico das firmas e mercados, com implicações diretas ao desenvolvimento econômico e social.” (ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN Raquel. op. cit. p. 132.).

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a não interferir nas liberdades do mercado na busca dos direitos sociais ou

fundamentais.135

Na seara judicial para resolver os conflitos contratuais, a preocupação de

Rosa com a mudança do discurso do campo jurídico para o econômico é grande diante

da insurgência que o critério de maximização de riqueza de per si não garanta a função

democrática do direito:

As regras do jogo democrático, aquelas que irão fundamentar a legitimidade do provimento judicial, não podem ter como único critério a ‘maximização de riqueza’, como aponta a AED, sob pena de submeter o campo do direito a uma racionalidade que desconhece os ‘Direitos Fundamentais’. O critério economicista precisa sofrer uma prévia e necessária ‘oxigenação constitucional’ – validade garantista – em que além da Constituição da República, os ‘Direitos Fundamentais’ sejam elevados à condição de critério material, para que tudo não fique num bonito ‘golpe de cena’, como bem acentua Miranda Coutinho, diante da necessária assunção ideológica por parte do julgador.136

E, convenhamos, Rosa não está errado, pois há realmente um deslocamento

funcional do Judiciário para as lides comezinhas, de somenos importância para o

mercado, uma vez que o processo é visto apenas como algo que perturba e atrapalha a

celeridade tão desejada, sem a menor consideração por qualquer critério ético ou de

justiça; o substituto ideal é a arbitragem, que aparece como um divino instituto jurídico,

econômico e financeiro de enorme contribuição para a economia contratual com a

redução dos custos de transação, uma vez que lá:

As regras são claras, transparentes, justas e não há pletora de recursos dos processos judiciais. Esses fatores são qualificados como redutores dos custos de transação e repercutem diretamente no contrato. Mas há também as projeções externas, como importância para a economia por ter efeito direcionador para o mercado.137

135 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 102. 136 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 118. 137 LEMES, Selma Ferreira. A arbitragem como forma de solução de conflitos contratuais e a sua

dimensão econômica. In: LIMA, Maria Lúcia L.M. Padua de (Coord.). Direito e Economia: 30 anos de Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. t. 3. (Série GVlaw). p. 412.

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Diante desses setores da Análise Econômica do Direito, fica difícil não

reconhecer também o acerto crítico de Rosa quando diz que a lógica neoliberal

produzida pela AED impõe uma velocidade inaceitável nas decisões, que devem ser

imediatas (“relâmpago”), ignorando o processo como “garantia de construção de

verdades no tempo” e transformando-o num transtorno a ser suplantado em nome da

eficiência e dos custos.138

Essa tensão entre a visão social e a econômica não é nova e não tem data

para terminar, pelo contrário. Araújo adverte que ela já vem do conflito entre o pendor

moral e o pendor social da inspiração fundacional do sistema jurídico que se apresenta

claramente nos dissensos estabelecidos entre as bases filosóficas e econômicas da

moderna teoria do contrato (polarização entre a visão deontológica e a

consequencialista), gerando a luta pela primazia do seu valor de referência, mais

precisamente a autonomia ou eficiência das relações contratuais.139

Contudo, a bem da verdade, é preciso reconhecer que há uma forte corrente

entre os defensores da Análise Econômica do Direito que reconhecem os excessos de

entusiasmo e alertam para os cuidados de não se pensar que soluções jurídicas podem

ou devem ser dominadas por considerações econômicas, apesar dos avanços das

“considerações económicas no diálogo civilizacional das nossas sociedades”.140 141

E mesmo Posner já abandonou a maximização da riqueza como fundação

ética do direito, demonstrando diversas falhas naquilo que até então sustentava,

passando a defender a “atribuição de um papel apenas limitado à maximização da

riqueza” através da filosofia do direito pragmática:

138 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 62-63. 139 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato. Coimbra: Almedina, 2007. p. 21. 140 Ibid. p. 28. 141 Amparado em Posner, Araújo faz forte crítica que pode ser aplicada ao cenário acadêmico e judicial

brasileiro: “Muito simplesmente, algum fervor consequencialista já tem levado a excessos de sofisticação na modelação das decisões, com a introdução de demasiadas variáveis e a resultante irrelevância de propostas teóricas que excedem amplamente as capacidades e as necessidades práticas daqueles que estejam concretamente envolvidos na composição contratual de interesses, ou daqueles que sejam chamados a dirimir litígios.” (Ibid. p. 28-29.).

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pragmaticamente interpretada, a maximização da riqueza é mais instrumental do que basilar não constitui objeção a seu uso como guia do direito e de políticas públicas. Pode ser o princípio certo para o fim em questão, ainda que só seja certo em virtude de fins que não são exclusivamente econômicos. Pelo menos pode ser o princípio geral, deixando ao proponente dos desvios da maximização da riqueza o ônus da demonstração de sua conveniência.142

A despeito de seu pragmatismo, Posner finalmente aceitou que, não

obstante os fundamentos da defesa das liberdades individuais com base nos critérios

de eficiência, sempre existirão exemplos de que deverão ser realizados com bases que

não sejam a da eficiência.143

É nesse cenário de equilíbrio que tal diálogo deve ser contruído para

melhorar as relações contratuais dentro e fora do palco judicial, atendendo não

somente aos interesses do mercado, mas principalmente com foco claro e inderrogável

no bem-estar social.

3.2 AS DECISÕES JUDICIAIS E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

O interesse aqui não será discutir as formas de interpretação e criação do

direito, porquanto já partimos da singela óptica de que o direito é aplicado, via de regra,

pela combinação daquilo que o legislador quis (mens lege), desenvolvida através da

aplicação da doutrina e da jurisprudência conduzidas pelas ideologias do julgador.

Vamos tentar sobrepor-nos às técnicas argumentativas que camuflam as

valorações éticas e político-sociais que dão forma às decisões que surgem fortemente

das ideologias do julgador, que se acham num altar sagrado ditando o direito com a

retórica da igualdade e da justiça.

142 POSNER, Richard A. op. cit. 2007. p. 44 e 520. 143 SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). op. cit. p. 41-42.

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O foco vai recair nos conflitos de interesses (econômicos e/ou sociais) que a

lei pretende regular em sede de contratos bancários.

Com o olhar da análise econômica do direito, pretendemos demonstrar o

vazio teórico das decisões judiciais que buscam adesão de diferentes auditórios através

de uma bem engendrada dialética de justificativas sociais, morais e até econômicas,

mas sem atentar para a verdadeira repercussão no ambiente econômico como um todo

(justiça social é sinônimo apenas de favorecimento das classes pobres em ações

singulares, nada mais).

Não temos sequer a pretensão de referendar como norte as teorias de

Posner acerca do comportamento dos juízes em suas decisões, divididas em nove

teorias (de atitude, estratégica, organizacional, econômica, psicológica, legalista,

pragmática, sociológica e fenomenológica), porém, inegável que sua visão pragmática

do juiz não é incorreta:

My analysis and the studies on which it builds find that judges are not moral or intellectual giants (alas), prophets, oracles, mouthpieces, or calculating machines. They are all-too-human workers,responding as other workers do to the conditions of the labor market in which they work.144

Visto como uma categoria jurídica com profundas repercussões no ambiente

econômico, o contrato vem sendo crescentemente alvo de mudanças por força do

comportamento dos juízes que creem no papel da justiça social singular sem se

preocupar com a segurança jurídica, deixando grassar as transações econômicas com

externalidades negativas.

144 POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge, Inglaterra: Harvard University Press, 2010b. p.

7.Numa tradução livre: “Minha análise e os estudos em que se baseia, constatam que os juízes não são gigantes morais ou intelectuais (infelizmente), profetas, oráculos, porta-vozes, ou calculadoras. Eles são trabalhadores muito humanos, respondendo da mesma forma que outros trabalhadores às condições do mercado de trabalho em que operam.”

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100

Ora, se não responde pela parte substancial do problema, é certo que o

Judiciário até hoje não quer assumir sua parcela de responsabilidade pelos

sobressaltos que provoca no sistema financeiro brasileiro.

Parte da justiça brasileira ainda tem dificuldade de compreender e aceitar

que ao tornar inseguro o ambiente econômico paulatinamente afetado por

descumprimentos contratuais sob a veste sagrada do discurso da “justiça social” e

“abusividade contratual”, “combate ao neoliberalismo” e daí pra fora, só contribui com

os riscos dos agentes econômicos diante da inadimplência que não para de crescer,

fortalecida pela indústria das revisionais de contratos.

O vezo de querer nas ações individuais apresentar as visões unilaterais de

“justiça social” e risivelmente corrigir o sistema financeiro como agente regulador de

abusos econômicos não encontra amparo legal e nem teórico.

Não é função do Estado-Juiz modificar o sistema financeiro conduzindo-o

para uma posição que entenda correta segundo a visão única do julgador.

Esse mundo mítico apontado e forçado por alguns setores da justiça

brasileira não tem amparo na Constituição e nem é feito em nenhum lugar do mundo.

Um dos exemplos mais célebres foi a discussão da limitação constitucional dos juros na

seara jurisprudencial.

Para facilitar a compreensão, realizamos um recorte utilizando as decisões

do Tribunal de Justiça de Santa Catarina com escopo de demonstrar como a resistência

da Justiça brasileira dá margem às críticas provindas da Análise Econômica do Direito.

A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre o Sistema Financeiro

Nacional, estabeleceu em seu art. 192, § 3º:

As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste

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limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.145

A partir daí emergiu uma discussão no cenário judicial brasileiro se as taxas

de juros no país estavam ou não limitadas a 12% ao ano, instaurando-se uma escalada

de ações revisionais de contratos bancários.

Logo após a promulgação da Carta Magna, no dia 7 de outubro de 1988, o

Banco Central emitiu a Circular 1.365, notificando os bancos que o limite de 12% ao

ano não precisaria ser respeitado, tudo com base no parecer SR-70 da Procuradoria-

Geral da República lavrado pelo Consultor-Geral, Dr. Saulo Ramos e homologado pelo

Presidente José Sarney.

Na sequência, em 12 de outubro de 1988, o parecer sofreu uma arguição de

inconstitucionalidade, devidamente registrada e autuada como ADI n. 04, aforada pelo

Partido Democrático Trabalhista (PDT) no Supremo Tribunal Federal.146

Em 07 de março de 1991, ocorreu o julgamento da referida ADI em que a

maioria dos ministros considerou o artigo 193, § 3º, da Constituição Federal uma norma

de eficácia limitada, que demandava lei regulamentadora.

O julgamento da ADI n.4, cujo relator era o Ministro Sydney Sanches,

ocorreu em 1991, porém, o acórdão de 255 páginas só foi publicado em 25 de junho de

1993. Participaram com voto vencedor: Moreira Alves, Aldir Passarinho, Sydney

Sanches (relator), Octavio Gallotti, Célio Borja, Celso de Mello e vencidos: Marco

Aurélio, Carlos Velloso, Paulo Brossard e o Presidente Néri da Silveira. O Min.

Sepúlveda Pertence estava impedido.147

145 BARBOSA SOBRINHO, Osório Silva. A Constituição Federal vista pelo STF. 3. ed. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2001. p. 1305. 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4, rel. Min. Sidney

Sanches, julgado em 07/03/1991, disponível em Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266153>. Acesso em: 1 jul. 2012.

147 Ibid.

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Dez anos depois, mais precisamente em 09.10.2003, o STF publicou a

Súmula nº 648: “A Norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda

Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua

aplicabilidade condicionada à edição de Lei Complementar”.148

Em 11 de junho de 2008, o Supremo Tribunal Federal repete o enunciado da

Súmula 648, agora através da Súmula Vinculante n. 7: “A norma do § 3º do art. 192 da

Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de

juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei

Complementar.”149

Na ocasião da votação sobre a Súmula Vinculante n. 7, o Ministro Marco

Aurélio se insurgiu contra a “transformação”, argumentando que iria tratar sobre um

artigo que não existia mais no “cenário jurídico”:

Ou seja, o artigo 192 da Constituição Federal no que impunha a taxa de 12% quanto aos juros reais foi alvo de uma emenda constitucional, a Emenda nº 40, que suprimiu essa disposição. Indaga-se: qual seria o objetivo de transformar-se esse verbete em vinculante, se apenas temos - se é que temos - casos residuais?.150

Apesar do entendimento do Ministro Marco Aurélio, a matéria nunca foi

pacífica e nem com orientação consolidada pelo norte aplicado pelos Tribunais

Superiores, muito pelo contrário.

Num recurso de apelação do ano 2000, julgado em 11 de setembro de 2003,

o Des. Eládio Torret Rocha ementou da seguinte forma o acórdão acerca de uma

revisional de contrato bancário:

148 Id. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 648. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=648.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 1 jul. 2012.

149 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante n. 7. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJe_172_2008.pdf>. Acesso em: 01 de julho de 2012.

150 Ibid.

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AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INADMISSIBILIDADE NA ESPÉCIE. MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO A 2%. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA DE MERCADO. AFASTAMENTO. ART. 192, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS JUROS. AUTO-APLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 40, DE 29 DE MAIO DE 2003. VIGÊNCIA A PARTIR DA PUBLICAÇÃO. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. APELO ADESIVO. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NO RECURSO PRINCIPAL. CONHECIMENTO, PORÉM, COMO APELO AUTÔNOMO, JÁ QUE INTERPOSTO NO PRAZO DO ARTIGO 508 DO CPC, COM PROVIMENTO.

I - Em face do atual estágio das relações sociais e negociais, tão dinâmicas e complexas, típicas da sociedade moderna e de consumo de nossos tempos (sociedade de massa), o princípio da força obrigatória dos contratos não pode ser mais encarado como um dogma absoluto.

II - A capitalização de juros só é permitida nos casos em que a lei expressamente permitir, não sendo aplicável, portanto, nos contratos de abertura de crédito em conta corrente.

III - A multa moratória, mesmo nos contratos celebrados junto às instituições financeiras, não pode ser superior a 2% do valor da prestação, segundo a nova redação dada pela Lei n.º 9.298/96 ao artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor.

IV - A cobrança da comissão de permanência à taxa de mercado, ainda que expressamente contratada pelas partes, revela-se absolutamente potestativa, devendo, portanto, ser excluída do contrato.

V - Como assente na jurisprudência em face da mais consentânea interpretação teleológica à regra procedimental defluente do artigo 500, caput, in fine, do CPC, o recurso adesivo não pode ser interposto contra sentença na parte não apelada. Todavia, se o recurso foi manejado no prazo do artigo 508 do CPC, merece ser conhecido como se apelo autônomo fosse, independentemente de sua equivocada nomenclatura.

VI - Está pacificado nesta Corte, no âmbito do Grupo de Câmaras de Direito Comercial, o entendimento a respeito da auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da Constituição da República, o qual limita a cobrança de juros ao percentual de 12% (doze por cento) ao ano quando se tratar de contratos celebrados sob a sua égide.

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Chama a atenção o item VI, onde se percebe claramente que o “Grupo de

Câmaras de Direito Comercial”, ou seja, todas as câmaras isoladas que apreciavam

aquela matéria na mais alta corte de justiça de Santa Catarina, em 2003 ainda

ordenavam a limitação de juros em 12% ao ano diante da norma constitucional.

Nem se diga que houve algum equívoco no tocante ao que já havia sido

decidido pelo STF ou pelo Congresso Nacional, uma vez que S. Exa. apresentou com

clareza o contexto histórico da norma em comento, deixando entrever que

anteriormente à emenda constitucional era solenemente ignorada a decisão do STF

(Adi 04), e que a Emenda 40 só trouxe como consequência a não limitação dos juros

dos contratos celebrados após sua publicação:

O apelo visa, outrossim, discutir a limitação da taxa de juros argumentando com a auto-aplicabilidade do art. 192, §3° da Constituição Federal.

Da análise do decisório hostilizado, vislumbro que, apesar de haver na inicial pedido formulado pelo autor no sentido de limitar a incidência dos juros ao patamar legal, a sentença não o fez, omitindo-se quanto à matéria.

De fato, dos documentos acostados aos autos, especialmente da planilha juntada as fls. 27, cuido de concluir que há pactuação exorbitante do referido encargo, o qual fixou-se em 4,7% ao mês.

Assim, passo a lançar meu entendimento concernente à limitação constitucional de juros.

Em relação à enorme controvérsia acerca da auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF, após muito refletir, e, sobretudo, a partir da aprofundada leitura dos votos vencidos dos eminentes Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Néri da Silveira e Paulo Brossard, proferidos na ADIN 004-7, e, bem assim, sensível às últimas tendências jurisprudenciais e doutrinárias sobre a matéria, inclusive no seio desta Corte, entendo de fazer coro àqueles que, hodiernamente, vêem como auto-aplicável o regramento constitucional sob comento.

Neste Tribunal, onde a tese da auto-aplicabilicade do dispositivo já é amplamente majoritária, anoto, dentre muitos outros, os seguintes precedentes jurisprudenciais que seguem o mesmo norte: ACV n. 00.008141-8, rel. Des. Nelson Schaefer Martins; ACV n. 98.015993-8, rel. Des. Sérgio Baasch Luz; ACV n. 00.018624-4, rel. Des. Trindade dos Santos;

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ACV n. 97.010949-0, rel. Des. Pedro Manoel Abreu; ACV n. 96.004875-8, de minha lavra.

Vai daí que, no caso presente, cuido de concluir ser ilegal a cobrança de juros acima do limite constitucional (CF, art. 192, § 3º).

Há que se atentar, por importante, quanto a esta particularidade, para o fato de que, embora revogado o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição da República, o qual limitava o percentual de juros ao patamar de 12% ao ano, tal alteração apenas será aplicada aos contratos firmados após a data da publicação do texto da Emenda Constitucional n. 40, de 29 de maio de 2003. Cuidando-se, todavia, no caso, de contratos celebrados sob a égide do dispositivo limitador, permanecerá hígida a proibição anterior, embasada em dispositivo constitucional considerado como auto-aplicável.

Forçoso concluir, pois, que a cobrança dos juros não deve exceder o limite de 12% (doze por cento) ao ano.

Diante do exposto, entendo de desprover o recurso principal e conhecer do recurso adesivo como autônomo fixando o limite para a taxa de juros em 12% (doze por cento) ao ano.151

Em 09 de outubro de 2002, observa-se no julgamento relatado também pelo

Des. Eládio, onde se discutiu em sede de embargos infringentes152 a questão da

limitação constitucional dos juros, que houve manifestação no voto vencido da lavra do

Des. Cláudio Barreto Dutra sobre a indispensabilidade de lei reguladora que

observasse o “contexto global do Sistema Financeiro”, segundo o que determinara o

STF, o que obviamente não se daria numa ação singular de revisão de contrato:

151 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 2000.021047-1, de Coronel Freitas, Relator

Desembargador Eládio Torret Rocha. Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 11.09.2003. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp?q=2000.021047-1&cat=acordao_&radio_campo=ementa&prolatorStr=&classeStr=&relatorStr=&datainicial=&datafinal=&origemStr=&nuProcessoStr=&categoria=acordao#resultado_ancora>. Acesso em: 1 jul. 2012.

152 O acórdão foi assim ementado: “EMBARGOS INFRINGENTES. ARTIGO 192, §3°, DA CF/88. LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS JUROS. AUTO-APLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

É amplamente majoritário o posicionamento jurisprudencial nesta Corte, favorável à auto-aplicabilidade do artigo 192, §3°, da Constituição Federal, que limita a cobrança de juros ao percentual de 12% ao ano.” (SANTA CATARINA. Embargos Infringentes n. 2002.019516-8, de Chapecó, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. 27 de novembro de 2002. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp?q=2000.021047-1&cat=acordao_&radio_campo=ementa&prolatorStr=&classeStr=&relatorStr=&datainicial=&datafinal=&origemStr=&nuProcessoStr=&categoria=acordao#resultado_ancora>. Acesso: 1 jul. 2012.).

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Continuo divergindo da douta maioria, por entender que o comando da norma constitucional depende de regulamentação, num contexto global do Sistema Financeiro, tese, aliás, vigente no Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da Constituição:

TAXA DE JUROS REAIS - LIMITE FIXADO EM 12% A.A. (CF, ART. 192, § 3º) - NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA LIMITADA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO IMEDIATA - NECESSIDADE DA EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL - APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR À CF/88 - RECURSO DE AGRAVO PROVIDO.

- A regra inscrita no art. 192, § 3º, da Carta Política - norma constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado.

Ausente a lei complementar reclamada pela Constituição, não se revela possível a aplicação imediata da taxa de juros reais de 12% a.a. prevista no art. 192, § 3º, do texto constitucional." (RE-244935/RS, rel. Min. Celso de Mello). (...).

Passados quatro anos da Emenda Constitucional 40, em março de 2007,

ainda havia forte corrente adotando a limitação constitucional dos juros, valendo citar

excerto da ementa:

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO – REVISÃO DE CONTRATO DE CARTÕES DE CRÉDITO – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA REVISIONAL – CLÁUSULAS GERAIS NÃO SUBSCRITAS – LIMITAÇÃO DOS ENCARGOS NÃO PACTUADOS – ART. 52 DO CDC – IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO DO BANCO E PROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO

(...).

Recurso adesivo do autor da demanda provido para limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, inclusive após a vigência da Emenda Constitucional n. 40/03.153

153 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 2005.041033-0, de Lages, Relator

Desembargador Edson Ubaldo, Segunda Câmara de Direito Comercial, julgado em 22 de março de 2007. Disponível em:

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No corpo do julgamento que foi unânime, se observa que de todas as formas

se buscava uma fórmula para se aplicar a limitação dos juros apesar de não se

desconhecer seus reflexos econômicos:

Esta espécie de juros – remuneratórios – é traduzida como remuneração de capital, e tem características específicas de uma obrigação de dar in pecunia, não podendo se desligar das orientações de ordem pública nacional, visando a proteger a economia e o setor produtivo brasileiro, banindo seus excessos.

A reiterada imposição de teto máximo de 12% ao ano prevista no artigo 192, §3º, da CF/88 – pois sua existência no país é histórica (vide Decreto n. 22.626/33) -, refere-se a todos aqueles contratos que tenham sido firmados até 29.05.2003, quando suas disposições foram revogadas pela Emenda Constitucional n. 40.

Mesmo que o contrato em tela tenha sido elaborado em data posterior à vigência da citada Emenda, nosso entendimento, no caso, persiste quanto à aplicação da limitação dos juros em 12% ao ano e taxas fixadas em patamar superior são consideradas abusivas.

Assim, mantém-se os juros remuneratórios em 12% ao ano e dá-se provimento ao pedido recursal para substituir a incidência da taxa SELIC a partir de 29.05.2003 pela continuidade da taxa anual de 12% ao ano.

Impressionante é o apego a toda e qualquer orientação que consagrasse o

total desrespeito à orientação do Supremo Tribunal Federal que limitava os juros, não

sendo esse um problema isolado da jurisprudência catarinense, mas de vários

Tribunais, como se observa num acórdão de Santa Catarina em que se aplaudia como

“de inestimável valia é transcrever-se, aqui, o que disse o insigne Juiz Costa de

Oliveira, quando do julgamento, pelo 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São

Paulo, da apelação cível n. 413.456-5, julgada em 22.11.89.”154:

<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAAAAAPmPWAAB&categoria=acordao>. Acesso em: 01 de julho de 2012.

154 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2000.023058-8, de Abelardo Luz. Relator Desembargador Des. Trindade dos Santos. Quarta Câmara Civil. Julgado em 13 de setembro de 2001. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora>. Acesso em: 1 jul. 2012.

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Costuma-se lançar outro argumento, este ad terrorem e extrajurídico - que impressiona a muitos juízes, sem razão.

A interpretação da regra constitucional do art. 192, § 3º, da CF/88, tal como está, introduziria o caos no sistema financeiro do País, desorganizaria toda a economia nacional e criaria enorme problema social. Muito se poderia dizer a respeito desta tese equivocada. Duas seriam sobretudo importantes para uma discussão ampla do assunto: 1. a regra constitucional, enquanto vigente, tem de ser cumprida; a economia há de afeiçoar-se a ela, e não "e converso"; 2. o Judiciário há de aplicar a regra jurídica, corretamente interpretada; não responde pelos azares do Executivo nem pelos temores de uma sociedade viciada na ciranda financeira.

Podemos, porém, passar à frente, e negar a consistência dessa falsa tese. A correta aplicação da regra constitucional vai é produzir resultados de reequilibração econômico-financeira do País. Ajudará a combater a inflação e a agiotagem oficial.

É aqui que o lado perverso se impõe. Não há a menor dúvida que os

Tribunais inferiores afrontavam conscientemente a decisão do Supremo Tribunal

Federal e realizavam uma leitura de macro e microeconomia de forma singela e sem

amparo teórico algum, pelo contrário.

Observa-se um debate unilateral, centrado no direito sem a menor

preocupação com as consequências econômicas e repercussões no sistema de

crédito.155

O juiz vai decidindo tudo na base do seu sentimento pessoal do que

considera justo, sua percepção da realidade social e econômica do país e nada mais.

A sentença parece que vai produzir seus efeitos num mundo hermeticamente

fechado e, apesar de ser proferida contra uma decisão da mais alta corte de justiça,

155 E estamos só falando da questão da limitação dos juros. A situação fica ainda pior se olharmos para

os inúmeros discursos acerca da capitalização dos juros onde ninguém do Judiciário parece querer explicar ou entender que ao capital inicialmente emprestado soma-se o preço mensal do empréstimo feito enquanto não quitado. Se isso não é correto e justo, por que valeria para a poupança e não para outras aplicações financeiras? Ou seja, não há visão do todo, mas apenas o maniqueísmo de ver o consumidor como coitado e os bancos como cruéis.

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parece não despertar maiores preocupações com a disciplina judiciária e nem com a

segurança jurídica.

Não há proposição nem indicação de um modelo melhor a sustentar a tese

que afeta a todo sistema econômico; não há inquietação ou receio que a decisão vá

objetivamente causar uma redução de crédito e elevação do risco para as instituições

financeiras e, via de consequência, proporcionar um viés antidevedor que atingirá a

todos, sejam partes em processos judiciais ou não e, especialmente, sejam devedores

ou não.

Não há demonstração de noção nem sequer atenção para o fato de que o

mercado busca de uma forma ou de outra o equilíbrio, ou seja, se um agente

econômico, no caso um consumidor, toma empréstimos a juros elevados, há uma

expectativa de que também esteja menos propenso a pagar ou mesmo nem possa

pagar aquilo que regularmente assumiu. Assim, na questão dos juros bancários, mesmo

que as instituições financeiras queiram aumentar sua margem de lucro com a alta taxa

de juros, elas sabem que tendem a realizar uma seleção adversa. Resulta daí sua

necessidade de achar uma taxa de juros ótima.

Sob o canto da sereia evocando a “justiça”; a proclamação dos direitos dos

hipossuficientes; dos devedores; do combate à ganância dos poderosos, tudo isso, de

forma solene e grandiloquente, não traduzem nada de concreto em termos de um

aperfeiçoamento do sistema financeiro; pelo contrário, o “justo” é proferido como de um

lugar sagrado onde se desconsidera principalmente o Legislativo como o devido lugar

de debate político com seu legítimo amparo constitucional para mudanças dessa ordem

estrutural.

Ao se dar relevância ao papel do Poder Legislativo, em contraponto às

decisões judiciais, não se está jamais desconsiderando a missão do Poder Judiciário de

desenvolver e complementar o ordenamento positivo: muito pelo contrário, num mundo

globalizado, em constante ebulição social, é absolutamente impossível o legislador

acompanhar a velocidade das mudanças dos padrões éticos, religiosos, culturais e

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econômicos, dentre outros, que obrigam o julgador a apresentar soluções inovadoras

para enriquecer e complementar a norma.

O que se questiona aqui é a forma como isso vem ocorrendo, ou seja, com

um afastamento perigoso da disciplina judiciária e, em especial, sem o devido cuidado

com todo o ambiente institucional e seus demais agentes.

O Judiciário se põe perigosamente numa posição maniqueísta e casuística

no tocante a “defesa” ou “extermínio” de litigantes utilizando uma roupagem doutrinária

e jurisprudencial que muitas vezes camufla a ideologia do ativismo judicial.

Inegável que a elevada taxa de juros deve ser vista como falha de mercado

que merece ser observada sob critérios da justiça; porém, o que não se deve é buscar

corrigir isso descuidadamente pela via judicial, criando, no mais das vezes, insegurança

jurídica e fomentando lides frívolas que só premiarão oportunistas e prejudicarão os

cumpridores dos contratos.

É essa a miopia que se percebe sob o discurso da justiça onde as

instituições financeiras não são vistas como instrumento indispensável para a circulação

da moeda e o funcionamento do mercado econômico.

É salutar a evolução da justiça com relativização dos antigos dogmas

romanos da autonomia da vontade frente à realidade social; contudo, é triste ver a falta

de clareza e objetividade das decisões que não observam que o contrato deixou “de ser

apenas instrumento de exercício de direitos para ser também instrumento de política

econômica”156.

Há certo exagero nas contínuas e confusas intervenções no ambiente

econômico praticada pelo judicializado estado de bem-estar social, com a criação de

mecanismos de equacionamento dos diversos interesses sociais (consumidor, saúde,

156 LÔBO, Paulo Luiz Neto. O contrato no estado social: crise e transformações. Maceió: Edufal, 1983.

p. 43.

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educação, etc), sem o necessário ritual de passagem pelo Executivo e Legislativo e

ignorando todo o processo de reestruturação histórico e dialético do Estado.

Não podemos deixar de gizar que o Judiciário parece ignorar que a tarefa de

regulação do sistema financeiro nacional, por força do que dispõe a Lei n. 4595/64, é do

Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil, e, a toda evidência,

compete aos citados órgãos zelar pelo bom andamento da atividade creditícia.

Ao revés, todas as realizações dos órgãos do executivo no sentido de

melhorar o sistema não surtem efeitos e sequer são consideradas no repertório

jurisprudencial.

Um bom exemplo vem a ser a divulgação de tabelas com as taxas de juros

praticadas por todas as instituições financeiras, que nada mais é do que uma solução

inteligente do Banco Central do Brasil que visa a aumentar a oferta de crédito e a

reduzir o custo das operações pela via da competição, sem alterar nem tumultuar a

lógica do mercado.

Com a divulgação das taxas praticadas, minimizou-se o problema da

informação assimétrica, colocando o consumidor em seu papel maior de agente indutor

da concorrência entre as instituições financeiras.

Ao informar em seu site na internet (http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES)

com riqueza de detalhes a taxa de juros de todas as instituições bancárias, os órgãos

de regulação e melhoria do sistema demonstraram a devida atenção ao mercado e a

intenção política de facilitar a queda de juros, o que foi devidamente acompanhada pela

visão do Superior Tribunal de Justiça, que passou a adotar como parâmetro ideal de

juros a média de mercado de acordo com a referida tabela.157

157 Se é ideal ou não essa posição do Superior Tribunal de Justiça é outra coisa. Mas já é um bom

começo de racionalidade e respeito mínimo ao mercado: Súmula 296: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado."

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E nem se diga que o Superior Tribunal de Justiça não é sensível à

necessidade de correção dos desvios, porquanto em sede de recurso repetitivo - REsp

1061530/RS, assentou que "é admitida a revisão das taxas de juros em situações

excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de

colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) esteja

cabalmente demonstrada".158 O que parece não agradar é a resistência da Corte

Superior em mudar tudo a todo momento só porque do outro lado há um Banco!

E, mais ainda, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a demonstração da

abusividade não é realizada pelo simples cotejo dos juros contratados com a taxa

média de mercado divulgada pelo Banco Central, pois, mesmo no caso de a taxa média

ser superior, é preciso ter a noção de que "Como média, não se pode exigir que todos

os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média

deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa

razoável para a variação dos juros." (STJ, REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,

j. em 22/10/2008). Indubitavelmente se demonstra uma noção de economia e da total

impossibilidade de tabelamento dos juros pela via judicial.

Para quem acha que foi uma tarefa simples do Superior Tribunal de Justiça

convencer os Tribunais inferiores a abandonar a tese da limitação dos 12%, basta ver

que foi necessário até editar uma súmula dizendo uma obviedade: “A estipulação de

juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.159

Entretanto, na maioria dos Tribunais de Justiça nada muda a reinante e

constante teimosia de ver o “ovo da serpente” em tudo que não seja um espancamento

público e notório das instituições financeiras e a inabalável vontade de regulação dos

158 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,

julgado em 22/10/2008, Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=4382284&sReg=200801199924&sData=20090310&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 1 jul. 2012.

159 Id. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 382, de 27 de maio de 2009. DJU de 08 jun. 2009.

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juros a patamares inaceitáveis do ponto de vista econômico e até já proclamado pelo

Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça:

No arcabouço jurídico pátrio, por expressa imposição constitucional, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, considerada esta em seu sentido formal. 'Mutatis mutandis', ninguém está obrigado a pagar juros remuneratórios excedentes às taxas máximas previstas em lei. E não existe, no ordenamento pátrio, lei que autorize a prática de juros remuneratórios superiores à taxa anual de 12%. Ao contrário, a lei de usura pune a cobrança de juros excedentes a esse limite, sendo ela aplicável às instituições financeiras. De outro lado, a chamada Taxa Média de Mercado, cantada em prosa e verso pelos Tribunais Superiores, não encontra previsão legal no sistema jurídico pátrio, a não ser que se confunda Portarias e Resoluções do Banco Central do Brasil como lei, o que, convenhamos, seria de um total primarismo jurídico.160

Não há dúvida que a Corte de Justiça Estadual desconsidera por completo a

estrutura de custos das operações de crédito, confundindo na prática juros com lucro

das instituições financeiras.

Nas ações revisionais, é fruto de imbróglio também a falta de visão da

externalidade advinda do tomador do empréstimo objeto da revisão, ou seja, sua renda,

tipo de emprego (servidor público, por sua estabilidade, oferece maior garantia),

histórico bancário, etc.

A atividade financeira é um negócio que visa a lucro, e as externalidades

devem fazer parte do processo; assim, o “preço do crédito” (produto) varia de acordo

com o perfil do tomador (consumidor).

Porém, esse discurso ideologizado é desmascarado quando em questões

semelhantes ocorre a mudança dos agentes econômicos envolvidos.

160 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2004.009996-7, de Lages, rel. Des.

Trindade dos Santos, 2ª Câmara de Direito Comercial. Julgado em 06 de outubro de 2005. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora>. Acesso em: 1 jul. 2012.

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Se numa ação de cobrança do “Banco A” em face do consumidor “B” os

Tribunais são rigorosos e engrossam as hostes contra o capitalismo e o neoliberalismo;

se lutam fervorosamente contra insensibilidade social e protegem de maneira inabalável

os pobres consumidores, basta que o autor da cobrança, em vez de se chamar “Banco

A”, passe a ser “Empresa A” em face do consumidor “B”, que a situção muda

radicalmente.

Essa situação pode ser exemplificada com um caso jurisprudencial

catarinense sobre a anulação de uma sentença de 1º grau que julgou extinto um

processo de execução promovido por um supermercado contra um cliente que não

honrou o pagamento de um cheque no valor de R$47,86 (isso mesmo, quarenta e sete

reais e oitenta e seis centavos!), que não alcançava sequer as custas judiciais iniciais

pagas pela parte credora (R$53,00).

A sentença, de nossa autoria, proferida nos autos da execução registrada e

autuada sob o n. 039.04.005788-5161, não abordava a questão da análise econômica do

direito, mas tão somente indicava os princípios da “bagatela” como um dos suportes

teóricos a afastar o interesse de agir e propiciar o decreto de extinção.162

De suma importância ressaltar que na comarca de Lages, onde a decisão foi

proferida, existiam diversas outras ações de baixíssimo valor promovidas pela mesma

empresa contra seus clientes e, na quase totalidade dos casos, não havia acordo

extrajudicial em razão do estado de precariedade financeira das pessoas, razão pela

qual os processos terminavam arquivados administrativamente com base no art. 791,

III, do CPC (ausência de bens para penhora), como efetivamente ocorreu neste

também.

161 LAGES/SC. 4ª Vara Cível. Execução n. 039.04.005788-5. Exeqüente: N. & Cia. Ltda. Executado:

S.R.C. Ver Anexo A. 162 Importante ressaltar que embora não se vislumbre na sentença nenhuma menção a AED, eis que na

época desconhecia o movimento, de forma até mesmo inconsciente o diálogo com seus princípios já estavam presentes na decisão.

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Antes de publicar a sentença conversamos com os colegas que judicavam

em varas cíveis para explicar a inovadora posição judicial e sua fundamentação.

Dos três juízes, um foi absolutamente contra e disse que não havia base

legal; outro disse que iria esperar para ver o que o Tribunal iria decidir, mas estava

incomodado com a situação porque o procurador do supermercado não fazia acordo e

numa audiência ainda insistira na penhora de uma máquina de costura de uma pobre

costureira; o terceiro colega disse que iria adotar como razão de decidir, o que foi feito.

Dentre diversos argumentos e fundamentações doutrinárias, foi citado

expressamente um aresto do Supremo Tribunal Federal (RE 240.852-1-SP, rel. Min.

Moreira Alves), para indicar precedente e considerar pertinente a extinção de ação de

pequeno valor (no caso executivo fiscal), sem que isto se constituísse em ofensa ao

princípio constitucional de acesso à Justiça.

Após a extinção, sobreveio acórdão da lavra do Desembargador Paulo

Roberto Camargo Costa, assim ementado163:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – CHEQUE – EXTINÇÃO DO FEITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR – VALOR EXECUTADO TIDO COMO ÍNFIMO – SENTENÇA CASSADA – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 5º, XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTÓRIO – RECURSO PROVIDO

‘Não compete ao Judiciário proibir a parte de ingressar com a demanda sob o argumento de que o valor perseguido é irrisório. O amplo e irrestrito acesso à justiça é assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, independentemente do valor econômico almejado.’ (Apelação Cível n. 2004.015253-1, de Lages, Relatora Desª. Salete Silva Sommariva, j. em 20.10.2005).

Em outro acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na mesma

situação e diante de sentença semelhante (reporta-se na grande parte a sentença de

163 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 2004.034153-7, de Lages, Relator

Desembargador Paulo Roberto Camargo Costa. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial. Data da Decisão: 02/08/2007.

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nossa autoria com os fundamentos acima colacionados), porém proferida por Juízo

diverso (2ª Vara Cível de Lages) houve até a indicação na ementa de que

Revela-se afrontosa ao art. 5º, XXXV, da Constituição da República, que exalça o princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional, a decisão que, pela insignificância do quantum excutido, na hipótese R$ 30,00 (trinta reais), extingue o feito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por alegada - e inexistente - falta de interesse de agir.164

O desembargador relator chega a dizer no corpo do aresto que

Demais disso, não vejo pertinência no precedente jurisprudencial colacionado pela decisão recorrida, porque dizente com executivo fiscal, onde o que está em jogo é o dinheiro público, situação algo diversa da presente em que as despesas processuais concernem a particular que decidiu bancá-las por razões que não vêm a pelo sindicar.

Chega-se aqui a uma curiosa situação que tanto os defensores da Análise

Econômica do Direito reclamam: além do silogismo racional (causa-efeito) quais

ferramentas teóricas foram utilizadas para chegar a uma conclusão que tem tudo de

econômica (trade-off = custo-benefício)?

E, mais ainda: o que leva um julgador a entender que quando está em jogo o

erário o interesse de agir deve ser analisado de ofício, e quando está o interesse

particular, não pode?

Onde está dito e comprovado que o trade-off do Estado-Juiz numa ação

promovida por indivíduo está garantida e numa ação aforada por ente público não?

Embora não tenha também mencionado em nenhum momento a Análise

Econômica do Direito, há clara indicação de alguns referentes econômicos no acórdão

abaixo colacionado que foi citado e que havia julgado extinta uma execução fiscal

diante de seu valor irrisório:

164 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2004.020377-2, de Lages, Relator

Desembargador João Henrique Blasi. Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Comercial. Data da Decisão: 18/12/2008.

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TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - VALOR IRRISÓRIO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - POSSIBILIDADE

A teor da Súmula n. 22 deste Pretório, restou pacificado o entendimento de que "a desproporção entre a despesa pública realizada para a propositura e tramitação da execução fiscal, quando o crédito tributário for inferior a um salário mínimo, acarreta a sua extinção por ausência de interesse de agir, sem prejuízo do protesto da certidão de dívida ativa (Prov. CGJ/SC n. 67/99) e da renovação do pleito se a reunião com outros débitos contemporâneos ou posteriores justificar a demanda".

É de se extinguir a ação executiva, outrossim, nos casos em que o valor inscrito em dívida ativa não ultrapasse substancialmente o valor de um salário mínimo, dada a desproporção entre o crédito tributário cobrado e os gastos despendidos pela fazenda pública para a satisfação do débito, mormente quando inúmeras diligências para localizar o devedor ou bens passíveis de penhora restaram infrutíferas.165

Os referentes econômicos (economicidade, utilidade, eficiência) apareciam

de maneira cristalina no corpo do aresto, valendo a pena transcrever em parte, eis que

presente até mesmo uma menção a Bentham, demonstrando um forte e bem exposto

referencial teórico economicista na decisão de 2º grau em outro caso:

Em decisão administrativa, o Tribunal Pleno aprovou o envio de projeto de lei à Augusta Assembléia Legislativa, regulando o procedimento para as execuções inferiores a um salário mínimo. Na ocasião, o eminente Desembargador Volnei Carlin proferiu judicioso voto vista, no qual enfocou a questão sob o prisma dos princípios constitucionais. Pela pertinência e importância dos argumentos expendidos, transcreve-se tópicos do alentado pronunciamento:

O processo de execução fiscal de dívida ativa de valor inferior ao respectivo custo processual tem se tornado oneroso ao Poder Público, além de mobilizar, a cada pleito executório, toda a máquina administrativa, bem como o Poder Judiciário.

Dentro do esforço desenvolvido no sentido de conciliar o acesso à justiça sem, contudo, comprometer o erário público, foi apresentado Projeto de Lei que dispõe acerca da Dívida Ativa da Fazenda Pública Estadual e Municipal,

165 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2009.004943-2, de Brusque. Relator

Desembargador Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 21/07/2009. Ver Anexo B.

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de valor inferior a um salário mínimo, autoriza a realização de convênios com o Poder Judiciário para a aceleração, descentralização e desburocratização da cobrança judicial de crédito tributário de maior valor e dá outras providências.

Com base na lição de John Raws, o tema em debate enseja uma reflexão amadurecida, à qual nos parece impossível renunciar, uma vez que a tarefa da teoria moral consiste em fornecer a explicitação desses posicionamentos (In: Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 378).

[...]

Depreende-se, ainda, que ao contexto se aplica o princípio da utilidade, de Jeremy Bentham. Em sede de execução fiscal, referido preceito recomenda que todo processo executivo deve ser útil ao credor, não lhe sendo permitido o uso desse procedimento como forma de punição e/ou sofrimento ao devedor.

Assim, pelo primado da utilidade, o magistrado possui o poder jurisdicional de investigar a serventia, a vantagem, a utilidade do ajuizamento de uma execução fiscal na hipótese de existência de norma impeditiva de inscrição na dívida ativa de débito considerado inexpressivo, ou de valor inferior ao custo de sua cobrança.

[...]

Do exposto alhures, depreende-se que repugna a consciência jurídica do Direito Público e agride os mais comezinhos postulados constitucionais, além de deslegitimar a função do juiz e menosprezar o superior interesse público, exigir do complexo aparelho burocrático do Estado a cobrança de dívidas de particulares, consideradas insignificantes pela lei, doutrina e jurisprudência.

O lógico e o razoável seria observar, em caráter geral, o mínimo de bom senso, elemento ínsito e inevitável nas funções jurídicas dos atos estatais, norteados pelos padrões da razoabilidade, economicidade e utilidade. Nesses casos, os juízes têm o dever jurisdicional e competência originária para aplicar, interpretar e transformar o Direito, não significando, com tal postura, que sejam acoimados de legisladores.

O que faz de um juiz um bom julgador é a conexão de sua atividade decisória, nos casos concretos, exercida com força moral e independente das pressões externas e políticas, com a necessária interpretação literal, prioridade revelada sem perplexidade e indecisão, mas como fenômeno relacionado ao próprio Direito, resultante de consciência, cultura e correspondendo às expectativas sócio-políticas.

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Dessa forma, a importância pretendida nos executivos fiscais de valor inferior a um salário mínimo deve ser qualificada como insignificante, melhor dizendo, de valor antieconômico, se comparada ao poder financeiro do Ente Fiscal e às despesas decorrentes da movimentação da máquina judiciária. (grifou-se).

Apenas para fomentar a reflexão e demonstrar a dificuldade do controle e

previsão de externalidades na busca da eficiência e maximização de recursos numa ação

judicial, nos autos n. 039.04.005788-5, antes mencionado, o processo foi distribuído em

27/05/2004. Realizaram-se cerca de 130 movimentações cartorárias, sendo 20 do

recebimento da inicial até o retorno dos autos do TJSC com a anulação da sentença de

extinção e as 110 restantes para a “resolução” da lide que efetivamente não aconteceu

uma vez que, em 01 de outubro de 2009, foi determinado o arquivamento administrativo

da execução por falta de bens passíveis de penhora.166

E apesar da resistência da Corte de Justiça Catarinense, a questão do

custo-benefício já vem encontrando guarida no repertório pretoriano do Superior Tribunal

de Justiça, como bem se pode observar:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - VALOR TIDO COMO IRRISÓRIO - PRINCÍPIO DA UTILIDADE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA - PROVIMENTO NEGADO.

Não se pode perder de vista que o exercício da jurisdição deve sempre levar em conta a utilidade do provimento judicial em relação ao custo social de sua preparação.

A doutrina dominante tem entendido que a utilidade prática do provimento é requisito para configurar o interesse processual. Dessa forma, o autor detentor de título executivo não pode pleitear a cobrança do crédito quando o provimento não lhe seja útil.

O crédito motivador que a Caixa Econômica Federal apresenta para provocar a atividade jurisdicional encontra-se muito aquém do valor razoável a

166 Todos os dados citados são públicos e podem ser obtidos na homepage do TJSC: “www.tj.sc.gov.br”,

no link “consulta de processo”

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justificar o custo social de sua preparação, bem como afasta a utilidade do provimento judicial.

Não necessita de reparos o acórdão recorrido, porquanto acerta quando respeita o princípio da utilidade da atividade jurisdicional, diante de ação de execução fulcrada em valor insignificante, ao passo que este Sodalício acata a extinção do processo em face do valor ínfimo da execução.

Precedentes da egrégia Primeira Turma.

Recurso especial ao qual se nega provimento.167

É essa a importância da evolução das decisões com um rumo também em

princípios da análise econômica do direito.

Numa visão até psicanalítica, o Judiciário tem uma função castradora e não

pode deixar seduzir-se pela hipocrisia do politicamente correto da imprensa e pela

adulação de setores da advocacia que estão ganhando montanhas de dinheiro

apoiando a irresponsabilidade financeira de consumidores e montando verdadeiras

indústrias revisionais.

Inúmeros cidadãos vivem fora de sua realidade, achando que a vida é uma

novela de televisão, onde ninguém trabalha mas vive superbem, todo mundo se

relaciona sexualmente com parceiros lindos e maravilhosos e o fim de tudo é uma festa

só!

Triste é ver a quantidade de ações completamente descabidas de

fundamento teórico e até mesmo ético, demonstrando uma completa irresponsabilidade

social sob o pálio da justiça gratuita.

167 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 601.356/PE, Rel. Min. Franciulli Netto. 2ª

Turma do STJ, julgado em 18/03/2004, publicação/fonte DJ 30/06/2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=601356&b=ACOR>. Acesso em: 1 jul. 2012.

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Um bom exemplo foi a extinção prematura de uma ação revisional 168 em que

um cidadão que recebe líquido por mês a quantia de R$ 650,62, consegue

inexplicavelmente ter um gasto mensal de R$ 3.629,15 e, para piorar, financia um

veículo assumindo 48 parcelas mensais de R$1.135,87. Detalhe: a dívida passa de 60

mil reais e o imóvel, que é sua moradia, não vale mais que 25 mil reais.

É comum no repertório jurisprudencial brasileiro decisões que parecem não

vislumbrar nada demais nessa irresponsabilidade na questão de educação financeira,

razão por que, na 1ª Vara Bancária de Joinville já são prolatadas sentenças visando

alertar sobre esses perigos e externalidades com base na Análise Econômica do

Direito:

Infelizmente, no Brasil cada dia mais se vê a necessidade de se ficar atento à questão do acesso à justiça e à avalanche das ações revisionais contínua e crescente subsidiada pela isenção de custas judiciais.

Flávio Galdino, em sua obra "Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos - Direitos não nascem em árvores", já reclama para a "A correta compreensão dos custos dos direitos: gratuito não existe":

"A retórica em torno da gratuidade dos direitos em geral é deveras prejudicial, simplesmente por ignorar ou desconsiderar - o que resulta no mesmo - os elevadíssimos custos subjacentes às prestações públicas necessárias à efetivação dos direitos fundamentais.”

Com efeito, o discurso público em torno de tais direitos tidos por gratuitos obstaculiza a perfeita compreensão das escolhas públicas a eles subjacentes, pois, tendo em vista a escassez de recursos estatais, a opção pela proteção de um direito aparentemente 'gratuito' significa de modo direto e imediato o desprezo por outros (em princípio, não 'gratuitos'). Esta opção - fundada na desconsideração dos custos - será, só por isso, inevitavelmente trágica. Tal fato, aliado, em clima de insinceridade normativa, à multiplicação dos direitos, rectius: de promessas de direitos fundamentais irrealizáveis e

168 JOINVILLE/SC. 1ª Vara de Direito Bancária. Ação Ordinária n. 038.12.008688-0, Autor Joselei Pereira.

Réu: Banco Fiat S/A. Disponível em: <http://esaj.tjsc.jus.br/cpo/pg/search.do;jsessionid=835FB5887A393A6FC74659D0B70D5664.cpo2?paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=38&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=038120086880>. Acesso em: 23 jul. 2012. Ver Anexo C.

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das respectivas prestações públicas (igualmente irrealizáveis), conduz invariavelmente (i) à desvalorização dos direitos mesmos (já se disse que se tudo é direito, nada mais é direito), (ii) à malfadada irresponsabilidade dos indivíduos e (iii) à injustiça social. (...) Fruir sem pagar, sem sequer ter consciência do custo, estimula a irresponsabilidade no exercício dos direitos e o egoísmo. Em última análise, e considerando que essa situação, globalmente considerada, aumenta o custo dos serviços, é possível afirmar que toda a sociedade paga para um indivíduo 'gratuitamente' fruir de um 'direito'. (Ob. Cit., Lumen Juris Editora, RJ, 2005, págs. 325/326).

Em que pese dito em outra situação fática, o próprio STJ vem afirmando

claramente o princípio que

Ajuizar ações é algo que envolve risco (para as partes) e custo (para a Sociedade, que mantém o Poder Judiciário). O processo não há de ser transformado em instrumento de claudicação e de tergiversação. A escolha pela via judiciária exige de quem postula a necessária responsabilidade na dedução de seus pedidos. (STJ, REsp. nº 946.499 - SP (2007/0094219-8), rel. Min. Humberto Martins).

Os estudiosos da Análise Econômica do Direito já vêm alertando sobre os

excessos e os perigos da gratuidade da Justiça, razão por que, recomendo também a

leitura integral do excelente artigo intitulado "Acesso à justiça: uma abordagem sobre a

assistência judiciária gratuita" de autoria da Profa. Dra. Marcia Carla Pereira Ribeiro e

do Prof. Dr. Irineu Galeski Junior, renomados juristas paranaenses.

Por respeito à brevidade, ouso destacar:

Evidentemente que além da possibilidade de serem revistos os princípios gerais da gratuidade, também a percepção do elemento ético do exercício da advocacia deve ser reforçado, orientando-se os advogados a uma conduta profissional responsável, associada à defesa de interesses que mereçam a tutela judicial, na correta medida da extensão da pretensão, cônscios de que a noção de gratuidade é meramente aparente, uma vez que existem custos na administração da justiça e externalidades que atingirão terceiros como consequência da utilização abusiva do acesso à justiça. (...). Logo, num ambiente institucional em que as instituições formais (leis e julgados) facilitam o acesso ao benefício e as instituições informais não reforçam comportamentos ponderados nesta questão, a eficiência do instituto pode ser contestada sob vários aspectos: (i) excesso de demandas que corroboram para o estrangulamento do Poder Judiciário com a perspectiva de retardamento geral

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dos julgamentos em tramitação; (ii) transferência de oneração para a parte pagante, responsável pela contradita à invocação do benefício e por custas incidentais no processo; (iii) impossibilidade de recomposição ao status quo antepara o demandado mesmo quando a ação é julgada improcedente ou o pedido excessivo em face da suspensão da incidência dos ônus de sucumbência aplicáveis ao beneficiado pela gratuidade; (iv) a baixa qualidade geral das demandas propostas sob o manto da gratuidade; (v) o incentivo a pleitos desqualificados respaldados na ausência de qualquer consequência no caso de improcedência. (...). A forma como está disciplinada a justiça gratuita no Brasil, além de conflitar com norma expressa da Constituição que prevê a comprovação da situação de insuficiência financeira, cria condições para o exercício irregular do benefício. A condição informacional do requerente do benefício faz com que seja muito menos custoso e mais lógico que a comprovação se dê por sua iniciativa, não havendo eficiência no sistema atual que remete ao demandado o ônus de tal comprovação. O custo da máquina judiciária não permite tal elasticidade no deferimento da gratuidade sem comprovação, sob pena de produzir externalidades que atingirão seja a eficiência do sistema, seja a prestação de outros serviços indispensáveis, em razão da transferência de fundos para cobertura do déficit do serviço dos cartoriais."169

A promoção, o respeito e a garantia dos direitos numa sociedade carente de

recursos de toda ordem como a brasileira impõe que o acesso à justiça seja realizado

com muita responsabilidade, seriedade, visão geral e, igualmente, o Estado arcando

com os custos disto. É preciso acabar com o “complexo de Robin Hood" e sua

consequente sede de "Justiça Social" que alguns setores da Justiça acabam

defendendo com o escudo equivocado do acesso constitucional à Justiça de forma

ilimitada, inconsequente e gerando ônus indevidos para a sociedade.

No passado, bastava a simples alegação para o Judiciário conceder a

assistência judiciária, não havendo a menor preocupação com a questão patrimonial ou

o tipo da ação:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - ALEGAÇÃO DE TER O BENEFICIÁRIO CONDIÇÕES DE ARCAR COM AS DESPESAS PROCESSUAIS - ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA - APELO

169 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. Acesso à justiça: uma abordagem sobre a

assistência judiciária gratuita. Disponível em: http://www.anima-opet.com.br/anima_5.html, volume V. Acesso em: 5 de fevereiro de 2012.

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DESPROVIDO. A assistência judiciária é concedida mediante a simples afirmação de pobreza, até prova em contrário (STJ: RSTJ 7/414, Bol. AASP 1.847/153), que se concretiza mediante declaração do interessado, no sentido de que não tem meios suficientes para arcar com o custo do processo, sem prejuízo para o sustento próprio e o de sua família (TJSP, RT 708/88). É certo que a presunção de precariedade financeira para arcar com o ônus pecuniário é juris tantum, porém para desconstituí-la são necessários fortes indícios em sentido contrário, assim, não se pode indeferir o pedido de assistência judiciária sem a ‘exposição específica dos motivos pelos quais o juízo conclui pela suficiência econômica’ ou sob a mera alegação de que o requerente ‘exteriorizava sinais de patrimônio’. Tem-se entendido que ‘a condição de pobreza enquanto requisito da condição de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita (...) não sofre com a circunstância eventual de a parte ter bens, móveis ou imóveis, se esses nada lhe rendem, ou o que rendem não evitam o prejuízo do próprio sustento’. Assim, fica claro que a Constituição não exige a miserabilidade para o deferimento da assistência judiciária ou da justiça gratuita. Por isso, têm os Tribunais decidido que não se pode excluí-la pelo fato de o beneficiário ser funcionário público ou ter automóvel simples e com vários anos de uso.170

Qualquer divergência ou a mínima ausência de prova inconteste de

possibilidade financeira para arcar com as custas era resolvida sempre em favor do

hipossuficiente sob argumento de proteção ao acesso à justiça:

JUSTIÇA GRATUITA. Inicial indeferida. Insurgência. Prova documental da necessidade. Complementação desnecessária. Relação de consumo. Benefício deferido. Sentença desconstituída. Eventual dúvida quanto à necessidade da dispensa das custas e despesas processuais se resolve em prol do consumidor, em garantia do direito fundamental de acesso à jurisdição e prevenção ou reparação de danos.” 171

Felizmente, essa situação vem mudando, havendo maior atenção aos

exageros, consoante se pode observar em dados estatísticos da 1ª Vara Bancária de

Joinville.

170 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1999.021982-8, de Santa Cecília, rel. Des.

Anselmo Cerello, 2ª Câmara de Direito Civil. Julgado em 22 de outubro de 2001. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/busca.do>. Acesso em: 1 jul. 2012.

171 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2011.073838-5, de Joinville, rel. Des. José Inácio Schaefer, 4ª Câmara de Direito Comercial, j. 28 de novembro de 2011. O caso também era uma revisional de contrato de financiamento de veículo.

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De 2005 a 2012 ingressaram 28.674 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta e

quatro) novas ações. Dessas, 5.566 (cinco mil, quinhentos e sessenta e seis) eram

ações de revisão de contrato.

Quando da análise da petição inicial, em sede de juízo de admissibilidade,

foram proferidas 1.933 (mil novecentos e trinta e três) sentenças determinando o

cancelamento da distribuição (art. 257 do CPC), contra as quais foram interpostas

apenas 126 (cento e vinte e seis) apelações, sendo que 21 (vinte e um) recursos foram

providos para conceder a gratuidade, ou seja, pouco mais de 1% (um por cento) do que

fora indeferido em primeiro grau de jurisdição.

Embora sempre mantenha muita cautela e uma crítica forte aos princípios da

Análise Econômica do Direito, Rosa sustenta que ela pode vir a tornar-se importante

instrumento na compreensão dos efeitos e investigação das origens e motivos das

5.566

1.933

21

126

Entradas por distribuição e redistribuiçãoSentenças determinando o cancelamento da distribuição (art 257 do CPC)Recursos interpostosRecursos providos

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normas jurídicas, apesar de reclamar do “pensamento eficientista” no combate às lides

frívolas que geram consequências e retardos sob o ponto de vista econômico.172

Em que pese a referida posição, o quadro acima bem demonstra que uma

atenção mais detalhada do campo judicial, das lides frívolas e de uma visão do custo-

benefício não são exageros neoliberais e nem prejudicam a sociedade; pelo contrário:

geram uma desejada agilidade do sistema judicial que a todos deve interessar.

Os números são frios e a estatística não mostra outro detalhe curioso: a

totalidade das ações revisionais foram aforadas para tentar manter a posse de veículos

cujo preço está bem acima da capacidade financeira do consumidor. Isso bem

demonstra que não se trata de proteger ou desfavorecer o consumidor, trata-se de ter

uma visão do que efetivamente é justiça.

Agora, a questão ideológica e de princípios, tanto a favor como contra o

consumidor, não pode ser generalizada: uma ação de revisão de contrato com pedido

de tutela antecipada para manter o bem móvel gravado com alienação fiduciária em

garantia não pode ser tratada de forma igual a uma ação de revisão de contrato com

pedido de tutela antecipada para manter o bem imóvel gravado com alienação fiduciária

em garantia.

De um lado, temos um bem de consumo que interessa apenas à satisfação,

ao hedonismo e aos anseios consumistas do tomador de empréstimo que vem a ser a

aquisição de um veículo.

De outro, temos uma moradia, o lar de um cidadão que efetivamente realizou

algum empréstimo colocando aquilo como garantia; porém, por óbvio que o direito

fundamental de moradia e da dignidade da pessoa humana devem despertar na

consciência do julgador outra visão de justiça do caso.

172 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 73-74.

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Cabe aqui recordar recordar um alegre comentário realizado pelo

Desembargador Catarinense Eder Graf:

é absolutamente impossível confundir as duas situações jurídicas totalmente diversas, porquanto, como diz a moda ilhéu, na palavra de um de seus mais típicos representantes, o jornalista Miguel Livramento, ‘uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa completamente diferente!!!’173

Para tentar resguardar os lídimos interesses do tomador de empréstimo não

defendemos que se saia a torto e a direito dizendo que a lei é inconstitucional por

prever um rito sumário, com liminar e leilão extrajudicial do bem dado em garantia ou

por ofensa ao contraditório; pelo contrário: o papel da Justiça pode estar bem

consolidado numa conciliação, servindo como intermediador eficiente de uma solução

que atenda aos dois lados de forma equilibrada e igualitária.

Não é fazer os grandes “eventos” de conciliação (estádios de futebol,

ginásios, etc.) tão decantados pelo Conselho Nacional de Justiça e por alguns Tribunais

com milhares de processos escolhidos aleatoriamente e entregues para um estudante

de direito fazer a “conciliação” longe da intervenção e da atenção do Juiz.

É o juiz assumir a sua missão constitucional de pacificador social, pondo fim

ao conflito não com uma sentença, mas através de uma solução bem negociada que

não afete o mercado nem o sistema financeiro e propicie uma sensação de felicidade à

parte consumidora e satisfação creditícia ao concedente do empréstimo.

3.3 EFICÁCIA DA CONSTITUIÇÃO E O DISCURSO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Qual o significado de ter a Constituição como norte para os contratos? Será

que no ambiente institucional e judicial brasileiro a Constituição é utilizada como 173 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Embargos de declaração na apelação cível n. 97.011308-0,

de Itajaí, Relator: Des. Eder Graf, j. 30/06/1998, pub. DJSC nº: 9990.

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parâmetro para bloquear uma exagerada visão economicista dos contratos ou é apenas

fonte retórica para que o julgador molde a justiça segundo sua própria ideologia?

Sobre o contrato, já partimos do pressuposto que é um agente circulador de

riqueza e, por isso mesmo, do indiscutível interesse de todos que ele promova o

desenvolvimento social.

Vemos o contrato também com seus princípios sociais, tais como sua função

social, a necessidade de boa-fé objetiva e equilíbrio contratual (proporcionalidade dos

direitos e obrigações); porém, apesar de a Constituição de 1988 não mencionar

expressamente a “função social do contrato”, acabou por via transversa deixando isso

claro no art. 170, ao condicionar o exercício da atividade econômica à observância do

princípio da função social da propriedade.

O princípio da função social foi consagrado expressamente no Código Civil

de 2002, mais precisamente no art. 421 (“a liberdade de contratar será exercida em

razão e nos limites da função social do contrato”), gerando, por isso, um amparo legal

com clareza solar no tocante à possibilidade de sua regulação até sobrepondo o

princípio da autonomia de vontade.

Em que pese não mencionar precisamente a Análise Econômica do Direito,

Lôbo deixa entrever que o movimento ganhou muita força no Brasil com a globalização

econômica e sua concepção liberal do contrato, em detrimento do Estado social

previsto na Constituição:

Esse cenário enganador de ressurgimento das crenças nas virtudes econômicas do sistema de mercado livre levou alguns (Atiyah, 200:27) a propugnar pelo retorno dos princípios clássicos do contrato, com interesse crescente (especialmente nos países anglo-americanos) na relação entre eles e os princípios econômicos (eficiência, custo e benefício), com alguma repercussão no Brasil, abdicando-se dos valores e princípios jurídicos fundamentais.174

174 LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 47-48.

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Curiosamente, a vertente defensora da Análise Econômica do Direito tem

pensamento bem diferente, como já expressou Saddi:

Tal é a proteção ao devedor nos tribunais que, para torná-la emblemática, o ministro João Otávio de Noronha cunhou jocosamente a expressão ‘direito fundamental à inadimplência’. Seria cômico, se não fosse trágico e, se em função dessa tutela desmesurada ao devedor, o contrato incompleto não encarecesse o custo do dinheiro!175

Já que nada é o que parece, vamos tentar achar um porto mais seguro que

pode e deve ser a Constituição.

Sobre a Constituição, convém lembrar que a partir do iluminismo ela ganhou

uma conotação positiva por sua relação com as ideologias do progresso da

humanidade ao buscar restringir as arbitrariedades do poder político e social e ser

instrumento de fomento da construção de uma sociedade mais justa e em constante

evolução de acordo com o processo histórico de cada povo.

Preocupado com o resgate e a valorização da Constituição numa visão

garantista como sendo um documento constituinte da sociedade, Rosa assevera que

ela:

deixa de ser meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador indicativo do modelo de sociedade que se pretende e de cujas linhas as práticas jurídicas não podem se afastar. Como primeira emanação normativa do Estado, aponta os seus limites e obrigações, sem se perder de vista que é no processo de atribuição de sentido (concretização hermenêutica) que se realiza.176

Ao tratar sobre a modernidade e o discurso da verdade, Rosa denuncia a

hermenêutica jurídica por conduzir a uma falsa obtenção da verdade do texto, com

justificativas e rituais sacralizados e sem possibilidade de contestação, pois advinda de

175 SADDI, Jairo. apud WAISBERG, Ivo; FONTES, Marcos Rolim Fernandes (Coord.). Contratos

Bancários. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.29. 176 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. op. cit. p. 20.

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emissores legitimados para proferir verdades absolutas auferidas de sua leitura do

significado da lei.

Destarte, o jurista ocupa um lugar de manipulação para a ordem da lei, e o

resultado disso são os discursos jurídicos com pretensão de plenitude, que vendem a ideia de respostas corretas e seguras, prometendo a ilusão da segurança jurídica, ‘afinal, busca-se a segurança no substituto do pai, no Juiz infalível, o qual vai determinar, de modo seguro, o que é justo e o que é injusto’.177

É preciso denunciar e parar de aceitar a falsa percepção de que o julgador

parte de um grau zero de concepção pois como bem anota Streck:

o procedimento implica um puro espaço lógico, uma troca de argumentos. Só que cada um já sempre vem de um lugar de compreensão, que é a pré-compreensão. Na formulação do juízo de validade (fundamentação-justificação) já está presente a dimensão estruturante, transcendental, que se assenta no mundo prático (que é a ‘situação concreta’ de que falam os juristas). E isso é instransponível.178

Por isso, a nosso ver, o grande nó górdio não se vem situando na visão

constitucional e nem na econômica em relação às regras que regem os contratos e o

mercado, uma vez que a ordem jurídica e o cenário judicial são fruto de um processo

histórico constante e mutável que não vai ser afetado fundamentalmente por teorias

importadas, nem mesmo a da Escola de Chigago ou qualquer outra.

Ora, basta ver que na década de 90 o “Direito Alternativo” virou uma febre no

Brasil, em especial na Justiça Gaúcha, liderado por Amilton Bueno de Carvalho, que

chegava a dividir o magistrado em duas classes: “conservador e não-conservador” (este

por execer sua “função social”), pois o sistema teria sido montado com dupla

expectativa: afastar o juiz do povo e submter o juiz à classe dominante através de lei,

doutrina ou jurisprudência, sem pretensão criativa, transformando a atividade judicial 177 Ibid. p. 28. 178 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas Da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 79.

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numa luta messiânica “comprometida com a busca de vida com dignidade para todos,

ambicionando emancipação popular com abertura de espaços democráticos, tornando-

se instrumento de defesa/libertação contra a dominação imposta”.179

Quase ninguém mais se lembra do grande movimento “liberal” (ou

“libertador”) que, de certo modo, deixou profundas cicatrizes haja vista que durante

muito tempo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ficou conhecido como fonte de

inspiração de ações revisionais bancárias embasadas em teses superadas pelo

Superior Tribunal de Justiça em nome de uma “justiça social” e “liberdade judicial” que

só cria insegurança jurídica, prejuízo para as partes envolvidas e descrédito para todo o

sistema judicial.

Chamamos a atenção para o deslocamento da base do discurso: antes era

quase a teologia da libertação da Justiça brasileira contra o positivismo; agora é a luta

da Constituição e sua função social contra os neoliberais e seu fundamentalismo

econômico antissocial.

É esse ponto nodal já decantado pela sabedoria popular: “a estrada do

inferno é pavimentada de boas intenções!”

Tanto são extremamente perigosas e socialmente danosas as teses

“libertadoras” da justiça em nome de algo divino chamado “justiça social” (conceito

amplo e perfeitamente manipulável)180, quanto é a visão “eficiente” e “maximizadora de

179 CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1992. p.

63 e 89. 180 Aliás, a influência do Tribunal Gaúcho em Santa Catarina se fez sentir também durante muitos anos

na resistência em acolher as decisões do STJ e do STF, como se observou na questão da não aplicabilidade da limitação constitucional dos juros decidida pelo Supremo e que era solenemente ignorada no Tribunal Catarinense, quase sempre com o argumento de que “Na realidade social em que se insere a lide, pois, é do interesse maior da economia do país a limitação dos juros em patamar que permita o desenvolvimento das classes produtoras, visando a 'assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social' (CF, art. 170)" (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2000.006594-3, de Araranguá, rel. Des. Pedro Manoel Abreu.)” (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2003.025521-4, de Blumenau, rel. Des. Fernando Carioni, j. 26/02/2004.).

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riqueza” do Judiciário, cuja conceituação também pode estar a desserviço da proteção

dos direitos sociais consagrados na Constituição.

Convém salientar que nem a doutrina tradicional e nem a Análise Econômica

do Direito estão em confronto no tocante a que as regras do jogo devam ser estáveis,

previsíveis e atentas a um bem-estar social (que para uns é a maximização da riqueza

e para outros esse conceito é bem mais aberto e sujeito a discussões variadas).

Inegável que a função social da propriedade (em suas mais diversas

concepções) prevista na Constituição é fonte de imposição de comportamento positivo,

determinando o dever de ser exercida em benefício de outrem e não apenas de não ser

exercida em prejuízo de alguém.181

Assim, a visão econômica de eficiência e custos de transação pode e deve

ser cuidadosamente observada num viés de maior amplitude apresentada pela própria

Constituição.

E, embora a Constituição brasileira tenha característica dirigente e dinâmica,

deve a ordem econômica lá insculpida “instrumentar a busca da realização, em sua

plenitude, do interesse social. Os homens, é certo, não fazem a História como querem,

mas sim sob circunstâncias com as quais se defrontam.”182

É esse norte que os agentes (econômicos, políticos, judiciais, etc.) devem

ter: a constituição! Porém, essa busca, esse caminho, não deve ser obsessivo e nem

ignorar a realidade, que é multifacetada, pois do contrário reprisaremos a célebre

estória do Capitão Háteras, de Júlio Verne, que acabou insano. Tal como sua nau, é

preciso ir “Avante”, mas com prudência e consciência clara do que se pretende realizar.

181 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. rev. atual. São Paulo:

Editora Malheiros, 2012, p. 246. 182 Ibid. p. 347.

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No atual estágio do Estado Democrático de Direito brasileiro não mais se

pode desconsiderar o intercâmbio relacional entre a política e o direito, sendo a

Constituição a força motriz e condutora inafastável da evolução do sistema, que deve

sempre sobrepor-se a interesses econômicos divorciados do estado de bem-estar

social.

Ao deparar com conflitos de natureza econômico-social, especialmente nas

classes menos favorecidas, deve a Constituição servir de guia e salvaguarda máxima

na busca do equilíbrio entre as tensões naturais das classes e, especialmente, dos

grupos econômicos.

Há forte equívoco de alguns defensores da Análise Econômica do Direito que

saem armados com um discurso ácido contra o Judiciário acusando-o de fomentar uma

jurisprudência de valores e antepondo-se aos demais poderes sob o argumento de

suposto e inaceitável ativismo judicial.

Sem dúvida a Constituição é a fonte e a força maior na busca da

implementação de políticas públicas e realização dos direitos fundamentais. Os

entrechoques são algo natural nesse processo de maturação democrática do país pós

88, e as tensões do Executivo e Legislativo com o Judiciário implicam

um novo olhar sobre o papel do direito – leia-se Constituição – no interior do Estado Democrático de Direito, que gera, para além dos tradicionais vínculos negativos (garantia contra a violação dos direitos), obrigações positivas (direitos prestacionais). E isso não pode ser ignorado, porque é exatamente o cerne do novo constitucionalismo.183

Contudo, é preciso também o máximo cuidado com a política constitucional

usada como escudo de decisões que pretendem realizar a “justiça social” a seu modo

singular e a bel prazer do julgador, causando insegurança jurídica com profundos

reflexos que são solenemente ignorados por causa de uma cegueira preconceituosa

183 STRECK, Lenio Luiz. op. cit. p. 135.

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com outros ramos do conhecimento, em especial a economia. A todos é oportuno e

conveniente esse diálogo aberto

para que bons frutos não sejam perdidos com debates e discussões inócuas decorrentes de desentendimentos e desinformação ou que o fascínio natural com o novo não nos leve a abusos que mais prejudicam do que auxiliam na compreensão melhor do mundo e na construção de um mundo melhor.184

É inegável a relevância da representação funcional do judiciário diante do

deficit da democracia brasileira; todavia, diante da complexidade do que se

convencionou chamar de “politização do judiciário” é de suma importância se ater aos

“super-heróis togados” que pretendem salvar o mundo da crueldade do neoliberalismo

econômico, sendo válida a crítica de Abreu sob o pano de fundo do “governo de juízes”:

A censura que se faz é junto a alguns setores da magistratura que, invocando justificável desilusão do sistema político, avocam para si a condição de ‘substitutos funcionais’ de partidos, eleitores, políticos e parlamentos. (...). O ‘governo de juízes’, carente de verificação histórica, também é incompatível com a manutenção de uma complexidade social sempre elevada.185

A busca da justiça e a atenção constitucional para aplicar o direito não

afastam os valores almejados pela ciência econômica, devendo haver uma sábia e

profícua relação entre os dois campos:

Cabe, todavia, não exagerar o papel da economia em relação ao direito. A análise econômica é importante, e a introdução da noção de eficiência no direito é condição sine qua non do progresso econômico e da boa aplicação da Justiça. O que não se pode fazer é submeter o Direito à Economia. Queremos uma justiça eficiente, no tempo e na qualidade, mas não uma justiça que esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificando os direitos individuais ou, em certos casos, afetando até o respeito dos contratos e a sua fiel execução. Entendemos que Economia e Direito se complementam, pois ‘o direito sem mercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade’, enquanto ‘o mercado sem o direito é o caos’ (Alain Minc).186

184 GIKO JUNIOR. Ivo. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). op. cit. p. 31. 185 ABREU, Pedro Manoel. op. cit. p. 283. 186 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. op. cit. p. XXII.

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CONCLUSÃO

A paixão, o sentimento são características de todo ser humano, apesar de a

modernidade ter gerado o culto à razão, e a pós-modernidade, à velocidade.

Nada mais apaixonante e inconstante do que as pontes que se erguem ou

se desmoronam entre duas fontes de conhecimento; no nosso caso, o direito e a

economia.

Com esta dissertação não buscamos um ser mítico, inatingível, do tipo

juseconomista hermafrodita que só irá gestar e parir símbolos perfeitos e bem

equilibrados para evolução da sociedade através do Judiciário ou da academia.

Não almejamos uma retórica maniqueísta sobrepondo os valores e

fundamentos da economia ao direito ou vice-versa; pelo contrário: tentamos com todas

as forças fugir de campos confortáveis de apoio ou rejeição, tanto da AED como do

direito.

Com base em tudo que foi exposto, cremos que no Brasil o movimento do

Direito e Economia, mais precisamente a Análise Econômica do Direito, pode

representar um promissor caminho de renovação, objetividade e aperfeiçoamento do

meio jurídico.

Bem sabemos que todo caminho é cercado de perigos e trilhas pantanosas

que podem apresentar mais sofrimento do que alegrias; porém, com a “bússola” certa

do conhecimento claro dos fundamentos da AED, não há dúvidas de que se pode

extrair importantes lições que melhorarão o cenário judicial e ajudarão a fugir de

armadilhas muito bem camufladas pelas correntes neoliberais.

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Já tarda o tempo de acabar com retóricas vazias na luta pelo

aperfeiçoamento das instituições democráticas no país e a visão do judiciário como

oráculo do saber e da ética.

Cremos na real utilidade do estudo sério e aprofundado da Análise

Econômica do Direito para impulsionar o fortalecimento e o crescimento das instituições

jurídico-políticas com uma visão renovada e distinta de políticas públicas que busquem

conciliar eficiência com justiça social.

Num mundo com recursos cada vez mais escassos, um Estado que é mal-

administrado, que não se preocupa com desperdícios de todas as ordens, é, além de

ineficiente, injusto. Vem daí a importância de conhecer e aceitar todo instrumental

teórico da AED para conseguir interesses socialmente relevantes, tanto na formulação

de leis como em sua aplicação, atendendo aos objetivos apresentados na Carta Magna.

Num país em franco desenvolvimento social, não se concebe mais que os

operadores do direito (juízes, promotores e advogados) desconheçam que boa parte

dos conflitos ou têm natureza econômica ou gerarão repercussões num ambiente

econômico fora da realidade das ações judiciais.

Não deveriam mais ser novidade nem causar estranheza as colocações de

Wald:

quando se fala, por exemplo, na equação econômico-financeira do contrato, recorre-se a uma noção matemática; quando se fala em equilíbrio, recorre-se a uma noção econômica ou até decorrente da física. Assim, acredito que a equação econômico-financeira e o equilíbrio entre os princípios que devem ser respeitados constituem os aspectos mais importantes da criação jurídica no momento em que o jurista sai da sua torre de marfim para tornar-se um dos parceiros na construção do desenvolvimento.187

Tentamos demonstrar que o Judiciário está atento ao seu indispensável

papel de guardião da Constituição, e nem poderia ser diferente; contudo, falha ao tentar

187 LIMA, Maria Lúcia L. M. Padua (Coord.). op. cit. t. 1. p. 45.

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implementar sua visão de justiça sem compreender o funcionamento do mercado nem

preocupar-se com toda a complexa gama de teorias que estão a sua volta.

Convém salientar que não será ignorando a economia que iremos construir

um estado de bem-estar social ou uma sociedade mais justa e distante da temida

globalização ou do neoliberalismo.

Não será entoando mantras sobre “justiça social” sem a construção de

soluções criativas, sérias, fundamentadas e que interajam com outras teorias que

chegaremos a algum lugar útil para o desenvolvimento do Estado como um todo, que

passa pelo progresso econômico. A fragilidade da tentativa de limitar os juros a 12%

a.a. bem demonstrou isso.

Somente respeitando a autonomia das disciplinas de direito e economia, com

visão de suas inúmeras distinções, porém, com ampla possibilidade de construir um

diálogo em que cada uma entre com sua experiência e estrutura teórica,

conseguiremos fazer evoluir as instituições e efetivamente cumprir a tão almejada

solidariedade e justiça social que a Constituição apregoa.

Tal missão não será simples e nem plena de certezas, mas está posta.

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

DOUTRINA

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ANEXO A

SENTENÇA CITADA NA NOTA 161 E ACÓRDÃO QUE A ANULOU

EXECUÇÃO N. 039.04.005788-5

EXEQÜENTE: NARCISO & CIA. LTDA.

EXECUTADO: SOLANGE RODRIGUES DA CRUZ

COMARCA DE LAGES – 4ª VARA CÍVEL

Vistos, etc...

Versam os autos sobre execução aforada por NARCISO & CIA. LTDA. contra

SOLANGE RODRIGUES DA CRUZ e aparelhada com um cheque no valor de R$47,86

(quarenta e sete reais e oitenta e seis centavos).

É a síntese do necessário. DECIDO:

Em que pese o cabedal jurídico do ilustre subscritor, a peça proemial não

possui as condições necessárias para ultrapassar os umbrais de admissibilidade.

De minimus non curat praetor !

“O Pretor não cuida de ninharias!”. Vem do direito romano tal brocardo

deixando claro que já nos primórdios de toda a regulamentação jurídica social havia a

preocupação com o que seria essencialmente válido e admissível para ser conhecido

pelo Estado.

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Tal princípio teve aplicabilidade e maior utilização em sede penal, tendo

inclusive ressurgido com força na Europa no período da primeira Guerra Mundial, onde

devido a situação desesperadora da população ocorreram furtos de pequenas quantias,

ou seja crimes de bagatela (bagatelledelikteiz).

Voltando para a atualidade e órbita do direito civil, Humberto Theodoro

Júnior, apresenta a ensinança de que “para que se considere ilícito o ato que o

ofendido tem como desonroso é necessário que, segundo um juízo de razoabilidade,

autorize a presunção de prejuízo grave, de modo que ´pequenos melindres` ,

insuficientes para ofender os bens jurídicos, não devem ser motivo de processo judicial.

De minimus non curat praetor, já ressaltavam as fontes romanas” (in Dano Moral, São

Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, pág. 9).

Inicio minha decisão com tais digressões diante do aforamento desta

execução com um valor tão ínfimo a ser excutido, qual seja, a bagatela de menos de

cinqüenta reais.

O valor é tão, mas tão irrisório, que apesar do Poder Judiciário de Santa

Catarina ter uma das mais baixas custas judiciais – senão a mais baixa – de todo o

Brasil, as custas iniciais desta execução atingiram a cifra de R$53,00 (cinqüenta e três

reais). Ou seja, ultrapassaram o valor do próprio crédito a ser excutido.

Não é possível se agasalhar este tipo de pretensão que depõe e prejudica

todo o restante da sociedade que necessita e se socorre do Estado-Juiz, que não é

dotado de poderes divinos e tem limitações físicas e estruturais humanas, além de

atingíveis e esgotáveis.

Ao meu sentir, aforar lides de valores tão apequenados é assoberbar o

Judiciário e contribuir para torná-lo ineficaz diante de uma pletora de pretensões sérias

e de alto interesse social que aqui se verificam diariamente.

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Ademais, não se pode jamais perder de vista que o aforamento de ações

executivas desta natureza encontra óbice legal na total falta de interesse de agir.

Discorreu sobre o tema como poucos o eminente Professor e

Desembargador Paulista Cândido Rangel Dinamarco, da qual tomo a liberdade de

adotar como parte fundamental de minha convicção e destacar o seguinte:

“O peso que o exercício da jurisdição representa leva o Estado, não-obstante

a utilidade que ela representa no contexto das instituições nacionais, a condicioná-lo a

certos requisitos. Mesmo sem haver qualquer impedimento ao exercício da função

jurisdicional em tese (impossibilidade jurídica), ele não se põe invariavelmente à

disposição das pessoas, para lhes dar, em qualquer situação concreta, o provimento

que elas entenderem lhe pedir.

(...).

Como se verá, é do próprio Estado, através da criação legislativa e

interpretação judicial, o juízo valorativo acerca do benefício que cada provimento será

capaz de proporcionar e, portanto, o juízo da concessão ou negação do serviço

jurisdicional.” (in Execução Civil, 4ª Edição, Malheiros Editores, 1994, págs.397/399 ).

Mais adiante, ao discorrer especificamente sobre o interesse de agir,

Dinamarco arremata:

“A ausência do interesse de agir é sempre o resultado do juízo valorativo

desfavorável feito discricionariamente na lei sempre que, a seu juízo insondável pelo

juiz (apenas interpretado racionalmente), a atividade preparatória do provimento custe

mais, em dinheiro, trabalho ou sacrifícios, do que valem as vantagens que dele é lícito

esperar.

(...).

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Nos casos em que a utilidade do exercício da jurisdição se reputa

insuficiente, sendo o custo social do processo mais significativo que as perspectivas de

benefício a obter mediante o provimento, admite-se até que possa o demandante,

alguma vez, ter interesse pessoal no provimento. Não se duvida, v.g., que ao sedizente

credor, sem título executivo, seja útil e muito proveitoso realizar a execução forçada e

obter ao final o provimento satisfativo.

Esse interesse que animaria dito credor a promover a execução não se

confunde, todavia, com o interesse de agir tal qual exposto no presente parágrafo,

porque então não há coincidência entre ele e o interesse do Estado em realizar o

processo e emitir o provimento. As razões de ordem pública antes expostas, apoiadas

em considerações acerca do custo social do processo, mostram que o interesse de agir,

como condição da ação, traduz-se, em última análise, na coincidência entre o interesse

do Estado e o do demandante. É indispensável que, ao mesmo tempo em que se

antevê para este um benefício a ser obtido mediante o provimento jurisdicional (tutela

jurisdicional), também para o Estado seja este em tese capaz de trazer vantagens

(pacificação social, atuação da ordem jurídica, etc.).

Esse contexto de idéias explica o emprego do adjetivo legítimo, a qualificar o

interesse processual. Sem a coincidência de interesses, geradora da suficiência da

utilidade do provimento a critério do Estado, inexiste a legitimidade do interesse do

particular em face do sistema jurídico.” (op. cit., págs. 401/402).

Derradeiramente, ao comentar sobre o interesse de agir, Cândido Rangel

Dinamarco preleciona que “Em resumo, para que exista a condição da ação a que se

costuma chamar interesse de agir, é preciso que o processo aponte para um resultado

capaz de ser útil ao demandante, removendo o óbice posto ao exercício do seu suposto

direito, e útil também segundo o critério do Estado, estando presentes os requisitos da

necessidade e da adequação.” (op. cit., pág. 404).

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Para por uma pá de cal, no tocante ao melhor esclarecimento de que a falta

de interesse de agir conduz à carência de ação, trago ainda a luz os sempre pertinentes

ensinamentos de Ovídio A. Baptista da Silva, verbis :

“Pode haver, ainda, uma terceira hipótese de carência de ação. Quando falte

ao autor ‘legítimo interesse’ para estar em juízo. Trata-se, aqui, do que a doutrina

chama de ‘interesse processual’, que não coincide com o interesse que tem, no plano

de direito material, o respectivo titular do direito. O legítimo interesse de agir a que se

refere o art. 3º do Código de Processo Civil define-se como a necessidade que deve ter

o titular do direito de servir-se do processo para obter a satisfação de seu interesse

material, ou para, através dele, realizar o seu direito. Se o provimento judicial

pretendido por aquele que pede a proteção jurisdicional não for idôneo para a

realização do direito cuja proteção se requer, seria realmente inútil prosseguir-se no

processo, até a obtenção de uma sentença que desde logo se sabe incapaz de

proteger o respectivo interesse da parte. Daí dizer J. FREDERICO MARQUES

(Instituições de direito processual civil, II, pág. 33) que ‘para que haja interesse de agir

é necessário que o autor formule uma pretensão adequada à satisfação do interesse

contido no direito subjetivo material. O interesse processual, portanto, se traduz em

pedido idôneo a provocar a atuação jurisdicional”.

Se não houver adequação entre a situação concreta de direito material,

indicada pelo autor e o provimento que o mesmo solicita para protegê-la, o processo

resultaria inútil e o interessado estaria a fazer uso indevido do Poder Judiciário, sem

qualquer utilidade prática.

Não se confunde, pois, esta categoria de interesse com o real interesse

substancial ou material (J.M. ARRUDA ALVIM, Curso de direito processual civil, I, pág.

228). O autor poderá ter interesse em ver restaurado seu direito cuja violação vem

afirmada no processo, sem que, no entanto, tenha legítimo interesse na obtenção

daquele tipo de tutela por ele reclamada, justamente porque entre a violação do direito

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e o meio escolhido para protegê-lo haja um descompasso capaz de tornar o processo

inidôneo para a finalidade pretendida pelo interessado.

‘A existência do conflito de interesses – diz LIEBMAN – fora do processo é

situação de fato que faz nascer no autor interesse de pedir ao juiz uma providência

capaz de resolvê-lo. Se não existe o conflito ou se o pedido do autor não é adequado

para resolvê-lo, o juiz deve recusar o exame do pedido como inútil, anti-econômico e

dispersivo’ (‘O despacho saneador e o julgamento de mérito’, in Estudos sobre o

processo civil brasileiro, 1976, pág. 125)” (LETRAS ITÁLICAS NO ORIGINAL) (in Curso

de Processo Civil, Vol. 1, Processo de Conhecimento, 4a. Edição, 1998, RT, págs.

104/105).

Sinceramente, com o máximo de respeito pelos que pensam em sentido

contrário, mas não consigo vislumbrar nenhum interesse em provocar a tutela

jurisdicional em execução de tão ínfima quantia.

Aceitar esta pretensão executiva é dar azo a utilização do Estado-Juiz de

maneira inadequada, dispersiva e totalmente antieconômica.

Araken de Assis ainda diz que “ensina Costa e Silva que, para a relação

processual se constituir e ter desenvolvimento válido e eficaz, mister se ostenta o

preenchimento de certos pressupostos. Com efeito, existem elementos de existência,

requisitos de validade e fatores de eficácia que influenciam a regularidade do processo.

Organizou-se semelhante matéria sob o rótulo tradicional de pressupostos processuais,

fazendo-se oportuna ressalva à heterogeneidade dos assuntos. Em algumas hipóteses

graves, os defeitos já se apresentam bradantes e invencíveis na inicial. (...). Do

indeferimento da petição inicial trata o art. 295, e parágrafo único, do CPC. Tal norma

se aplica ao processo executivo, nos termos do art. 598, adaptando-se suas situações à

demanda executória:

(...).

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c) o interesse na propositura da demanda executória (art. 295, III) pode não

se verificar, como no clássico exemplo do credor avaro que se utiliza do procedimento

in executivis para realizar crédito insignificante.” (Manual do Processo de Execução,

Araken de Assis, 2ª Edição, RT, 1995, pág. 297) (grifei).

Embora vencido, peço vênia para acompanhar e aplaudir a orientação

pretoriana contida no brilhante voto da lavra do culto e ilustrado Des. Newton Trisotto,

quando observou com clareza solar a falta de interesse de agir em se manter um

processo de execução onde as custas se sobrepõem ao valor do débito, verbis:

“Na realização da penhora de bens que guarnecem a residência do devedor

deve a Lei 8.009/90 ser interpretada sem ‘perder de vista seu fim social’ (REsp n.º

109.531, Min. Humberto Gomes de Barros), e, ainda, deve observar-se que ‘a

insignificância dos bens pode ser óbice à penhora, nos termos do § 2º [do art. 659 do

Código de Processo Civil], porque inócua, no caso, a atividade judicial executória que

jamais levaria ao escopo do processo de execução’ (Celso Neves).

1. Conforme o § 2º do art. 659 do Código de Processo Civil, ‘não se levará a

efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados

será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução’.

O conceito de ‘custas da execução’ é amplo; compreende todos os atos

judiciais e extrajudiciais: despesas com as diligências do Oficial de Justiça, remoção

dos bens, alienação judicial, publicação dos editais. Devem ser adicionadas, ainda, as

despesas do Estado, acaso não sejam arrematados os bens e tenha que adjudicá-los.

Em resumo, não se procederá à penhora na hipótese de ser o valor dos bens inferior ao

montante das custas e também quando sua execução não trouxer um resultado útil ao

credor.

A respeito do tema, da doutrina e da jurisprudência colaciono as lições e os

julgados que seguem:

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‘A insignificância dos bens pode ser óbice à penhora, nos termos do § 2º,

porque inócua, no caso, a atividade judicial executória que jamais levaria ao escopo do

processo de execução’ (Celso Neves, Comentários ao código de processo civil,

Forense, 1977, 2ª ed., v. VIII, p. 66).

‘Subordina-se a penhora, em todos os casos, a dois limites: a) deve atingir

apenas os bens que bastem à satisfação do crédito exeqüendo, como seus acessórios

(arts. 659 e 658); e b) não deve ser realizada quando evidente que o produto da

execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas

da execução (art. 659, § 2º). Não pode, portanto, a penhora ser nem excessiva, nem

inútil’ (Humberto Theodoro Júnior, Processo de execução, Editora Universitária de

Direito, 1976, 3ª ed., p. 258).

‘Não se pode admitir a arrematação por preço vil, que não baste para a

satisfação de parte razoável do crédito (artigo 692, segunda parte, do Código de

Processo Civil). De resto, quando o produto da execução dos bens encontrados será

totalmente absorvido pelo pagamento das custas, inclusive publicação de editais, não

se levará a efeito a penhora (artigo 659, § 2º, do Código de Processo Civil). Provimento

denegado’ (TARS, AI n.º 26.400, Des. Cacildo de Andrade Xavier).

‘Quando restar evidente que o produto da venda dos bens penhorados será

insuficiente para fazer frente a parcela razoável da dívida e for totalmente consumido

pelo pagamento das custas da execução, não se levará a efeito a penhora’ (TJRS, AI

n.º 70001032804, Des. Claudir Fidelis Faccenda).

‘Infere-se do § 2º do art. 659 do CPC, a proibição da penhora inútil. O

produto da venda dos bens relacionados pelo oficial de justiça é insuficiente para cobrir

o valor da dívida principal, acrescidos de juros, custas e honorários contratualmente

previstos. Mesmo considerando que o rendimento obtido com a alienação de tais bens

não sejam totalmente absorvidos pelo pagamento das custas, o que remanescer é

considerado irrisório frente ao valor da execução. Ademais, a finalidade da penhora no

processo de execução é selecionar bens do devedor para satisfação integral ou, ao

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menos, substancial do crédito reclamado pelo exeqüente’ (TJDF, AI n.º

1999.0020041837, Des. Jeronymo de Souza).

2. No caso sub examine, pretende o credor que sejam penhorados ‘um

aparelho de fax, marca Toshiba; uma máquina de lavar louças, marca Enxuta; uma

máquina de lavar roupas; um forno de microondas, marca LG [...] um forno de

microondas, marca Brastemp; uma forno elétrico, marca Fischer; um suggar; uma

máquina de lavar roupas, marca Brastemp; um televisor 29’’, marca Philips’ (fls. 68/69).

Entendo que apenas o aparelho de fax, a máquina de lavar louças e o suggar são

penhoráveis. O valor deles é inexpressivo, se considerado o valor da execução; por

certo inferior ao das despesas com os atos relacionados à penhora, alienação judicial e

futura remoção. Sem contar as despesas que teria o Estado na hipótese de vir a

adjudicar o bem, relacionadas com a sua remoção e a alienação depois de integrado ao

patrimônio público. A toda evidência, o produto de uma eventual arrematação ou

adjudicação será totalmente absorvido pelas despesas com a realização dos atos

referidos, não propiciando nenhum resultado útil ao credor. O argumento de que a

penhora servirá para desestimular a inadimplência não me parece suficiente para

admiti-la nessas condições.

O processo tem um elevado custo, que é suportado pela sociedade, através

de seus impostos. E o expressivo movimento forense não recomenda que se perca

tempo, atrasando a prestação jurisdicional, com atos de execução absolutamente

inúteis à satisfação do crédito.” (TJSC, A.I. n. 2002.001609-8, de Lages, rel. design.

Des. Luiz Cézar Medeiros, 6ªC.Civil, j. 30.09.02) (Grifei).

Se as custas judiciais iniciais já foram superiores ao débito atualizado, o que

se dirá das demais! Resta assim, ab initio, uma infringência de clareza solar do art. 659,

§ 2º, do CPC, que inviabiliza também o prosseguimento da execução.

Nem se tente alegar que esta decisão afronta o livre acesso constitucional de

todos à Justiça, uma vez que a mais alta Corte de Justiça do Brasil, guardiã suprema da

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Constituição, já obliterou o aforamento de pretensão semelhante até mesmo da União,

acolhendo decreto de extinção de execução de valor ínfimo, verbis:

“EXECUÇÃO FISCAL - Extinção do processo por falta de interesse de agir

devido ao baixo valor da ação, confirmada por decisão judicial - Admissibilidade -

Inexistência de ofensa ao art. 5.º, XXXV, da CF.

Ementa da Redação: Não existe ofensa ao art. 5.º, XXXV, da CF, no fato de

a execução fiscal ter sido julgada extinta por falta de interesse de agir, devido ao baixo

valor da ação, sendo incabível, portanto, a alegação de que a decisão judicial que a

confirmou impediu o livre acesso ao Poder Judiciário.” (STF, RE 240.852-1-SP, rel. Min.

Moreira Alves, 1.ª T., j. 17.08.1999, pub. DJU 24.09.1999 e na RT 772/167).

Do corpo do venerando acórdão se extrai:

“A União Federal (Fazenda Nacional) ingressou com os presentes embargos

infringentes em relação à sentença proferida na execução fiscal que move a Alice

Aparecida Caçador ME, alegando violação a dispositivos constitucionais e leis federais

e existência do interesse de agir, ante a indisponibilidade do recebimento de seu crédito

(art. 97 do CTN).

A embargada não possui advogado constituído nos autos. Desnecessário o

cumprimento do art. 34, § 3.º, da Lei 6.830/80.

Porque no prazo legal, recebo os embargos infringentes de f.

Estes devem ser rejeitados. Comungo do mesmo entendimento

jurisprudencial do ilustre Magistrado que proferiu a sentença de f.

A ausência do interesse de agir neste caso é patente. O valor pretendido não

basta para pagar as diligências de oficiais de justiça normalmente realizadas nas

execuções fiscais, publicação de editais na Imprensa Oficial e o custo de todo o aparato

estatal necessário (mão-de-obra e materiais) para processamento de uma ação judicial.

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'Há interesse de agir sempre que a pretensão ajuizada, por ter fundamento

razoável, se apresente viável no plano objetivo. Interesse de agir significa existência de

pretensão objetivamente razoável' (Frederico Marques, Manual de direito processual

civil, 2. ed., v. I, p. 58).

Não pode prevalecer o argumento de ofensa à CF (art. 5.º, XXXV). A lesão

ou ameaça a direito não estão configuradas na decisão atacada. A executada não

impugnou os argumentos e valores lançados na inicial e nos documentos que a

acompanharam, através da interposição de embargos (não há citação nem penhora nos

autos). Conseqüentemente, não houve decisão definitiva a respeito da validade do título

executivo.

O Poder Executivo Federal e suas autarquias têm autorizado a abstenção de

propositura de ações, o arquivamento e a extinção de execuções fiscais, cujos valores

não ultrapassem R$ 1.000,00 (Medidas Provisórias 1.542, de 18.12.1996, e 1.561, de

19.12.1996).

O Dec.-lei 1.793, de 23.06.1980, que disciplinou a matéria, em seu art. 1.º,

dispõe:

'Art. 1.º Fica o Poder Executivo autorizado a determinar o não ajuizamento,

pela União, suas autarquias e empresas públicas, de ações cujo valor originário,

monetariamente atualizado, seja igual ou inferior ao de 20 (vinte) Obrigações do

Tesouro Nacional - OTN'.

Referido valor, de acordo com o art. 113, § 2.º, da Lei estadual 6.374/89,

corresponde a 20 Ufesp, equivalente, nesta data, a R$ 158,60, quantia bem superior ao

débito cobrado nos autos.

Portanto, não houve violação aos dispositivos constitucionais invocados, nem

às leis federais.

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Pelo exposto, rejeito os embargos infringentes interpostos pela Fazenda

Nacional, para o fim de manter a decisão recorrida (sentença de f.).

P.R.I.C. e arquive-se" (f.).

Houve embargos de declaração que foram rejeitados.

Interposto recurso extraordinário em que se alega ofensa ao art. 5.º, XXXV,

da Constituição, foi ele admitido pelo seguinte despacho:

"Recebo o recurso extraordinário de f. em seus regulares efeitos, ante sua

tempestividade certificada nos autos.

A Constituição Federal admitiu, em seu art. 102, III, o cabimento do recurso

em causas de alçada em execuções fiscais.

Deixo claro, mais uma vez, que o processamento desta execução fiscal se

tornou antieconômico. Caracterizado está o desvio de finalidade da máquina judiciária,

que está sobrecarregada com inúmeras execuções fiscais de valores inexpressivos.

Tais ajuizamentos prejudicam o bom andamento das execuções de valores

maiores, eis que todas seguem praticamente o mesmo rito (Lei 6.830/80).

Como o (a) executado (a) não possui advogado constituído nos autos,

determino a remessa dos mesmos ao E. STF, nos termos do art. 102, III, da CF" (f.).

A f., a Procuradoria-Geral da República se manifesta pelo não conhecimento

do recurso.

É o relatório.

VOTO – O Exmo. Sr. Min. Moreira Alves (relator): 1. Inexiste ofensa ao art.

5.º, XXXV, da Constituição, porquanto, por ter sido julgada extinta a execução fiscal por

falta do interesse de agir, não se pode pretender, sob o fundamento de não ser cabível

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no caso essa extinção, que a decisão judicial que a confirmou haja impedido o livre

acesso ao Poder Judiciário.” .

Ora, se até a União tem que respeitar os limites da razoabilidade e não pode

aforar ações de pequena monta por total ofensa ao interesse de agir diante dos lídimos

interesses da coletividade, ainda com mais razão é de se ver extinta execuções

promovidas por pessoas jurídicas que apenas e tão somente têm suas atividades

reguladas pelo lucro.

Não há obrigatoriedade de venda a crédito. Não há obrigatoriedade legal de

aceitação de cheques. Há inúmeras outras formas seguras de se realizar vendas de

pequeno valor.

Se os empresários não conseguem, através de suas ilustradas

representações e organizações públicas, se organizar de maneira suficiente e

adequada no sentido de aprovação de leis federais que lhes garantam uma maior

segurança quando da aceitação de títulos de crédito (v.g. responsabilização solidária

dos Bancos por sua emissão generalizada e descuidada), não pode o Estado-Juiz ser

assoberbado com ninharias ou ser apontado como o culpado pelo não recebimento

deste tipo de pretensão.

De minimus non curat praetor !

Desta forma, a extinção do feito é medida que se impõe por questões de

direito e justiça.

Ex positis, com subsunção no art. 267, VI, do CPC c/c art. 659, § 2º, do CPC,

JULGO EXTINTA esta execução (autos n. 039.04.005788-5) aforada por NARCISO &

CIA. LTDA. contra SOLANGE RODRIGUES DA CRUZ, por falta de interesse de agir.

Custas ex lege, ou seja, pelo exeqüente.

Publique-se.

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Registre-se.

Intimem-se.

Transitado em julgado, proceda-se a devolução das custas relativas ao

Grupo 2 (Oficial de Justiça e Central de Mandados), que não foram utilizadas e, ipso

facto, pertencem à parte que as recolheu. Caso requerido, entreguem-se o título de

crédito e demais documentos que instruíram a exordial a seu douto subscritor, mediante

a permanência de fotocópia nos autos. Feito isto, ARQUIVEM-SE.

Lages, 23 de junho de 2004.

Yhon Tostes

JUIZ DE DIREITO

ACÓRDÃO QUE ANULOU A SENTENÇA

Apelação cível n. 2004.034153-7, de Lages

Relator: Paulo Roberto Camargo Costa

Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial

Data Decisão: 02/08/2007 - 2008_07_02_1

Apelação cível n. 2004.034153-7, de Lages.

Relator: Juiz Paulo Roberto Camargo Costa.

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APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – CHEQUE – EXTINÇÃO DO FEITO POR

FALTA DE INTERESSE DE AGIR – VALOR EXECUTADO TIDO COMO ÍNFIMO –

SENTENÇA CASSADA – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 5º, XXXV, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTÓRIO –

RECURSO PROVIDO

“Não compete ao Judiciário proibir a parte de ingressar com a demanda sob

o argumento de que o valor perseguido é irrisório. O amplo e irrestrito acesso à justiça é

assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil,

independentemente do valor econômico almejado.” (Apelação Cível n. 2004.015253-1,

de Lages, Relatora Desª. Salete Silva Sommariva, j. em 20.10.2005).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.034153-

7, Comarca de Lages (4ª Vara Cível), em que é apelante Narciso e Cia Ltda., sendo

apelada Solange Rodrigues da Cruz:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime,

conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

Custas na forma da lei.

I -RELATÓRIO:

Perante o juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Lages, Narciso e Cia Ltda.

Ajuizou ação de execução contra Solange Rodrigues da Cruz, objetivando o

recebimento da importância de R$ 47,19 (quarenta e sete reais e dezenove centavos),

representada por cheque nº 913990, do Banco do Estado de São Paulo S/A –

BANESPA, o qual foi devolvido por insuficiência de fundos.

Liminarmente sobreveio sentença, em que o MM. Juiz de Direito decretou a

extinção do processo, sem julgamento do mérito, com fulcro nos arts. 267, VI, e 659, §

2º, ambos do CPC, por falta de interesse de agir.

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Irresignado, o Autor apelou aduzindo que o argumento utilizado pelo

magistrado de 1º grau, de que o valor pretendido é ínfimo, ofendeu direitos

constitucionais básicos de que todos são iguais perante a lei e que “a Lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF/88, art. 5º, caput e

XXXV). Asseverou, ainda, que o cheque é título executivo extrajudicial, nos termo do

art. 585, I, do CPC; que inexiste qualquer estipulação legal quanto ao valor mínimo

necessário à propositura de uma ação judicial. Pleiteou pela cassação da sentença e o

prosseguimento do feito executório.

É o relatório.

II -VOTO:

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O inconformismo do Apelante, em suma, está no fato de que o magistrado a

quo decretou a extinção do processo de execução, sob o argumento de que “aforar

lides de valores tão pequenos é assoberbar o Judiciário e contribuir para torná-lo

ineficaz diante de uma pletora de pretensões sérias e de alto interesse social que aqui

se verificam diariamente”, “Ora, se até a União tem que respeitar os limites da

razoabilidade e não pode aforar ações de pequena monta por total ofensa ao interesse

de agir diante dos lídimos interesses da coletividade, ainda com mais razão é de se ver

extinta execuções promovidas por pessoas jurídicas que apenas e tão somente têm

suas atividades reguladas pelo lucro” (fls. 12 e 19).

Em que pese o fundamento atribuído pelo magistrado de 1º grau para

decretar a extinção do processo, não há como mantê-lo, tendo em vista que não pode o

Poder Judiciário proibir a parte de ingressar com a ação judicial em função do seu valor.

Bem como afirma o Apelante, a maioria das vendas realizadas em sua

empresa são de pequena monta, que não ultrapassam a quantia de R$ 100,00 (cem

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reais), por isso o lucro aferido provém de valores ínfimos e não poderia o Poder

Judiciário, em razão da quantia executado, eximir-se da prestação da tutela pretendida.

Oportuno lembrar que o amplo e irrestrito acesso à justiça é assegurado pelo

art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, independentemente do valor econômico

pretendido, desde que haja plausibilidade da ameaça de direito, sendo portanto cabível

ao Poder Judiciário analisar o pedido requerido pela parte.

Dessa forma, não há como negar a existência de interesse de agir,

porquanto é evidente que houve ofensa ao direito subjetivo do Autor ao não ter obtido o

pagamento de seu crédito por meio da emissão do cheque.

Para HUMBERO THEODORO JÚNIOR, “localiza-se o interesse processual

não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como

remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional

não é jamais outorgada sem uma necessidade, (...). Essa necessidade se encontra

naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não

fizermos, vermo-nos da contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o

direito de que nos afirmamos titulares)” (in Curso de Direito Processual Civil. vol. 1, 44ª

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 66).

Ora, se o cheque executado detém característica de título executivo

extrajudicial, conforme dispõe o art. 585, I, do CPC, independentemente do seu valor,

possui o Autor direito de acesso ao Poder Judiciário para obter a tutela do Estado que

se imponha à Devedora o cumprimento da obrigação.

Sobre o tema, já decidiu esta Corte:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE - EXTINÇÃO DO

FEITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR - VALOR PRETENDIDO

CONSIDERADO ÍNFIMO - INTERESSE EXISTENTE - DECISÃO ANULADA.

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Não compete ao Judiciário proibir a parte de ingressar com a demanda sob o

argumento de que o valor perseguido é irrisório. O amplo e irrestrito acesso à justiça é

assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil,

independentemente do valor econômico almejado.” (Apelação Cível n. 2004.015253-1,

de Lages, Relatora Desª. Salete Silva Sommariva, j. em 20.10.2005).

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE CHEQUE - VALOR DO

TÍTULO CONSIDERADO IRRISÓRIO PELO MAGISTRADO A QUO - EXTINÇÃO DO

PROCESSO COM FUNDAMENTO NA FALTA DE INTERESSE DE AGIR -

IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA CASSADA - RECURSO PROVIDO.

Em que pesem as divergências acerca do assunto em foco, não é lícito ao

Magistrado a quo extinguir o processo de execução por falta de interesse de agir com

fundamento, tão-somente, na modicidade da soma reivindicada.” (Apelação Cível n.

2004.016903-5, de Lages, Relator Des. Ricardo Fontes, j. em 02.09.2004).

Portanto, reconheço a existência de interesse de agir do Apelante em ajuizar

ação de execução de cheque sem fundos, posto que “a lei não excluirá da apreciação

do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF/88, art. 5º, XXXV).

Frente ao exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para cassar a

sentença e determinar o prosseguimento do feito executório.

III -DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, à unanimidade, conhecer

do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença determinar o prosseguimento

do feito.

Presidiu o julgamento, com voto, o Exmo. Sr. Desembargador Alcides Aguiar

e dele participou a Exma. Sra. Desembargadora Rejane Andersen.

Florianópolis, 02 de agosto de 2007.

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Paulo Roberto Camargo Costa

RELATOR

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ANEXO B

ACÓRDÃO CITADO NA NOTA 165

Apelação Cível n. 2009.004943-2, de Brusque

Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – VALOR IRRISÓRIO – EXTINÇÃO DO PROCESSO – POSSIBILIDADE

A teor da Súmula n. 22 deste Pretório, restou pacificado o entendimento de que "a desproporção entre a despesa pública realizada para a propositura e tramitação da execução fiscal, quando o crédito tributário for inferior a um salário mínimo, acarreta a sua extinção por ausência de interesse de agir, sem prejuízo do protesto da certidão de dívida ativa (Prov. CGJ/SC n. 67/99) e da renovação do pleito se a reunião com outros débitos contemporâneos ou posteriores justificar a demanda".

É de se extinguir a ação executiva, outrossim, nos casos em que o valor inscrito em dívida ativa não ultrapasse substancialmente o valor de um salário mínimo, dada a desproporção entre o crédito tributário cobrado e os gastos despendidos pela fazenda pública para a satisfação do débito, mormente quando inúmeras diligências para localizar o devedor ou bens passíveis de penhora restaram infrutíferas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.004943-

2, da Comarca de Brusque (1ª Vara), em que é apelante o Estado de Santa Catarina e

apelado Jorge Patricio Araya Ramirez ME:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime,

negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

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O Estado de Santa Catarina ajuizou ação de execução fiscal em face de

Jorge Patricio Araya Ramirez ME, com o intuito de cobrar ICMS decorrente do

transporte de mercadorias sem cobertura de documentação fiscal.

O Meritíssimo Juiz, ao julgar o feito, entendendo pela insignificância do valor

executado, consignou na parte dispositiva da sentença:

"Diante da falta de interesse no prosseguimento da ação, extingo a presente execução fiscal sem resolução do mérito, com fulcro no art. 2º, II, da Lei Estadual 14.266/2007.

Sem custas" (fl. 78).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o Estado de Santa Catarina

interpôs recurso de apelação aduzindo: (a) que o julgador no momento de proferir a

sentença, não levou em consideração "a dilapidação dos cofres públicos, não

respeitando o direito patrimonial do Estado" (fl. 87); (b) não ter dado causa à

paralisação do feito, eis que sempre diligenciou em busca de bens do devedor, sem,

contudo, obter êxito.

Por fim, pugnou pela reforma da decisão com o consequente retorno dos

autos para o prosseguimento da execução.

Sem contrarrazões, pois o executado não fora citado durante o curso da

demanda, os autos ascenderam para julgamento.

VOTO

1 Sustenta o apelante a impossibilidade de extinguir-se o processo pelo fato

de o crédito tributário exigido ser de valor insignificante, pois não se estaria levando

em conta a "dilapidação dos cofres públicos".

1.1 Importante segmento da jurisprudência desta Corte de Justiça adotava o

entendimento de que não se podia cogitar da ausência de interesse de agir da Fazenda

Pública pelo fato de ser inexpressivo o valor do crédito executado judicialmente. Com

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fundamento nesta premissa restringia-se quase que totalmente a possibilidade de o

magistrado de primeiro grau, ex officio, fulminar de plano execuções fiscais cujo crédito

tributário fosse considerado de pequena monta.

Sobre a questão, vários são os precedentes deste Tribunal que seguiam a

mesma linha de raciocínio: AC n. 2006.007537-3, Des. Luiz Cézar Medeiros; AC n.

2003.006370-6, Des. Newton Janke; AC n. 2005.004254-6, Des. Vanderlei Romer; AC

n. 2006.007387-4, Des. Jaime Ramos; AC n. 2006.007388-1, Des. Orli Rodrigues; AC

n. 2005.004343-8, Des. Volnei Carlin.

1.2 Não obstante o posicionamento que vinha sendo adotado, nota-se

evidente mudança no entendimento sufragado pelos julgados mais recentes.

Deste Tribunal de Justiça destaca-se o seguinte julgado:

"PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - EXTINÇÃO - POSSIBILIDADE - CRÉDITO DE VALOR ANTIECONÔMICO - AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR QUE NÃO IMPLICA, TODAVIA, REMISSÃO OU EXCLUSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

"É antieconômica a execução fiscal quando o custo de cobrança é manifestamente superior ao valor do crédito que o Fisco Municipal exige do contribuinte sem qualquer proveito. Tal situação, na prática, configura a falta de interesse de agir.

"Contudo, a extinção do processo não implica remissão, muito menos exclusão da exigibilidade do crédito tributário, hipóteses contidas nos artigos 156 e 175 do CTN.

"Destarte, na hipótese de a importância total dos débitos do devedor atingir montante razoável, dentro do prazo prescricional, nova execução poderá ser proposta, uma vez que o pleito foi extinto sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC" (AC n. 2006.033724-2, Des. Volnei Carlin).

Na mesma alheta, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

"EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. VALOR ÍNFIMO. MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO IMPUGNADA.

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"1. A jurisprudência desta Corte de Justiça já assentou o entendimento de que tem o Juiz o poder de verificar a presença do princípio da utilidade que informa a ação executiva.

"2. A tutela jurisdicional executiva não deve ser prestada, quando a reduzida quantia perseguida pelo credor denota sua inutilidade, ainda mais quando se tem em vista a despesa pública que envolve a cobrança judicial da dívida ativa.

"3. Recurso especial improvido" [grifou-se] (REsp n. 429788/PR, Min. Castro Meira).

"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. EXECUÇÃO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ART. 267, IV, DO CPC. VALOR IRRISÓRIO.

"[...]

"Para satisfação do princípio da efetividade do processo, impende dotá-lo do binômio custo-benefício, a fim de que se evitem ações, onde o custo e demais despesas processuais excederão, em muito, o benefício postulado. Precedentes.

"Recurso desprovido" [grifou-se](REsp n. 477097/PR, Min. José Arnaldo da Fonseca).

"RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - VALOR TIDO COMO IRRISÓRIO - PRINCÍPIO DA UTILIDADE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA - PROVIMENTO NEGADO.

"Não se pode perder de vista que o exercício da jurisdição deve sempre levar em conta a utilidade do provimento judicial em relação ao custo social de sua preparação.

"A doutrina dominante tem entendido que a utilidade prática do provimento é requisito para configurar o interesse processual. Dessa forma, o autor detentor de título executivo não pode pleitear a cobrança do crédito quando o provimento não lhe seja útil.

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"O crédito motivador que a Caixa Econômica Federal apresenta para provocar a atividade jurisdicional encontra-se muito aquém do valor razoável a justificar o custo social de sua preparação, bem como afasta a utilidade do provimento judicial.

"Não necessita de reparos o acórdão recorrido, porquanto acerta quando respeita o princípio da utilidade da atividade jurisdicional, diante de ação de execução fulcrada em valor insignificante, ao passo que este Sodalício acata a extinção do processo em face do valor ínfimo da execução. Precedentes da egrégia Primeira Turma.

"Recurso especial ao qual se nega provimento" [grifou-se] (REsp n. 601356/PE, Min. Franciulli Netto).

Por fim, vale transcrever o entendimento da Suprema Corte sobre a matéria

em comento:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL - INSIGNIFICÂNCIA DA DÍVIDA ATIVA EM COBRANÇA – AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR – EXTINÇÃO DO PROCESSO – AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO – CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE – RECURSO IMPROVIDO

"O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as decisões, que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (CF, art. 5º, 'caput') e da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes (AI-AgR n. 451096/DF, Min. Celso de Mello).

"1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Execução Fiscal. Débito exeqüendo. Valor insignificante. Interesse de agir. Ausência. Extinção do processo. Ofensa ao artigo 5º, caput e inciso XXXV, da Constituição. Inexistência. Agravo regimental não provido. Precedentes. Não ofende o princípio da igualdade nem o postulado do livre acesso ao Poder Judiciário, decisão que, em execução fiscal, extingue o processo por falta de interesse de agir, quando se trate de débito de valor insignificante" [grifou-se] (AI-AgR n. 464957/DF, Min. Cezar Peluso).

Insta registar, também, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a

repercussão geral sobre a extinção de ações executivas fiscais de baixo valor e a

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dispensa do ajuizamento destas por ausência de interesse de agir (RE-RG n.

591033/SP).

Embora a ementa disponha apenas acerca da dispensa do ajuizamento de

ações de pequena monta, o tema de fundo é similar ao presente feito, pois em ambos

os casos há limitação dos valores que a Fazenda Pública pode cobrar judicialmente dos

contribuintes devedores, especialmente no que se refere à arrecadação do sujeito ativo.

Excerto do voto da Ministra Ellen Gracie explicita a relevância do tema:

"Verifico que a possibilidade de adoção dos critérios normativos estaduais para dispensa do ajuizamento de execuções fiscais pelos municípios, questão versada no presente apelo extremo, possui relevância do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, nos termos do § 1º do art. 543-A do Código de Processo Civil. É que o assunto interfere na arrecadação municipal, sendo necessária a manifestação desta Suprema Corte para a definitiva pacificação da matéria" (grifou-se).

Contudo, enquanto o Pretório Excelso não se pronunciar definitivamente

acerca do suscitado tema constitucional, de manifesta relevância econômica e jurídica,

há que se manter firme o posicionamento segundo o qual o processo deve reger-se

pelos princípios da utilidade, economicidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Sobre a possibilidade de extinção do processo pela ausência do interesse

processual verbera a doutrina:

"No processo de conhecimento, as hipóteses da extinção estão arroladas no art. 267, itens I a XI, enquanto que no processo de execução são elas previstas no art. 794. Ocorre, entretanto, que os casos enumerados nesta última disposição não são taxativos. Se o fosse, a norma do art. 598 seria inútil e sem aplicação. O Código menciona no art. 794 os casos normais de extinção, quais sejam pagamento, remição e renúncia. Outros há, entretanto, aí não aludidos, e que são mencionados no art. 267: indeferimento da petição inicial, ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e outros. Nestes casos, com base no art. 598, o processo pode ser extinto" (NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, V. 7, p. 296-297.)

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"Como se sabe e já foi dito, é antes de tudo público o interesse no exercício da jurisdição. Exercê-la passa a ser inconveniente, todavia, quando a utilidade do provimento a ser emitido já de antemão se sabe ou razoavelmente se prevê como menos significativa do que os males que a sua preparação ocasionará" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 401).

Como visto, a inutilidade da execução em face do inexpressivo valor

econômico do crédito excutido configura a ausência de interesse processual,

circunstância que autoriza a extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art.

267, incs. I e VI, c/c art. 598).

2 Compulsando os autos, verifica-se que a presente demanda estende-se

por mais de dez anos, sendo que até a presente data não foram localizados bens do

devedor passíveis de penhora, nem ao menos o próprio devedor.

Nesse sentido, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, assegura a todos

a razoável duração do processo, bem como os meios que garantam a celeridade na

sua tramitação.

Ademais, pode-se afirmar que o Poder Público já expendeu valor superior

àquele cobrado na Certidão de Dívida Ativa, eis que as despesas decorrentes da

movimentação da máquina judiciária, bem como da Administração Pública são

elevadas.

No que se refere aos gastos com os processos judiciais, a Carta Magna, em

seu art. 70, expressamente dispõe sobre a economicidade na administração, bem como

dos demais entes de direito público.

Por fim, o princípio expresso no art. 37 da Lex Master, também deve reger a

atividade administrativa no sentido de prestar seus serviços com a máxima eficiência

possível.

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Com essas considerações, evidencia-se a obrigatoriedade de observância

aos princípios constitucionais citados, sob pena de comprometer o patrimônio público

ao se ajuizar uma execução fiscal de baixo valor.

De outro norte, observa-se que a importância atual do crédito tributário

executado, não ultrapassa substancialmente o valor de um salário mínimo.

Consoante Súmula 22 deste Tribunal de Justiça, "a desproporção entre a

despesa pública realizada para a propositura e tramitação da execução fiscal, quando o

crédito tributário for inferior a um salário mínimo, acarreta a sua extinção por ausência

de interesse de agir, sem prejuízo do protesto da certidão de dívida ativa (Prov. CGJ/SC

n. 67/99) e da renovação do pleito se a reunião com outros débitos contemporâneos ou

posteriores justificar a demanda".

Em que pese o referido crédito exceder ligeiramente a quantia de um salário

mínimo, claro se configura a ausência do interesse de agir do Estado de Santa

Catarina, tendo em vista a desproporção entre a despesa pública e o crédito

consignado na Certidão de Dívida Ativa.

Como bem frisou o Desembargador Volnei Carlin no julgado antes

colacionado, "a importância almejada pelo Fisco Municipal pode ser qualificada como

insignificante ou de valor irrisório, se comparada ao seu poder financeiro e às despesas

decorrentes da movimentação da máquina judiciária. O prosseguimento da ação

acarretará, com os gastos da máquina judiciária, dispêndio ao Estado muito maior do

que o valor perseguido. Em outras palavras, a continuidade do processo é que causará

manifesto prejuízo ao erário, porquanto o valor pretendido pelo Fisco Municipal é tido

como antieconômico".

Essa procedente afirmação tem respaldo em excerto doutrinário citado pelo

culto julgador:

"Milhares de processos de execuções de valor antieconômico, assim consideradas aquelas cujo custo de cobrança é mais elevado que o valor do

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crédito executado, têm sido julgados extintos pelo Judiciário paulista, sem apreciação do mérito, por falta de interesse de agir. Os fundamentos das sentenças extintivas decorrem dos princípios da razoabilidade, da economicidade, da finalidade e do próprio interesse público.

"A propositura e o prosseguimento de uma ação de execução fiscal de valor antieconômico afrontam o próprio interesse público em vez de cumpri-lo, visto que o custo da cobrança do crédito é maior que o valor cobrado" (BOTTESINI, Maury Ângelo et al. Lei de Execução Fiscal comentada e anotada. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 65/66.)

Em decisão administrativa, o Tribunal Pleno aprovou o envio de projeto de lei

à Augusta Assembléia Legislativa, regulando o procedimento para as execuções

inferiores a um salário mínimo. Na ocasião, o eminente Desembargador Volnei Carlin

proferiu judicioso voto vista, no qual enfocou a questão sob o prisma dos princípios

constitucionais. Pela pertinência e importância dos argumentos expendidos, transcreve-

se tópicos do alentado pronunciamento:

"O processo de execução fiscal de dívida ativa de valor inferior ao respectivo custo processual tem se tornado oneroso ao Poder Público, além de mobilizar, a cada pleito executório, toda a máquina administrativa, bem como o Poder Judiciário.

"Dentro do esforço desenvolvido no sentido de conciliar o acesso à justiça sem, contudo, comprometer o erário público, foi apresentado Projeto de Lei que dispõe acerca da Dívida Ativa da Fazenda Pública Estadual e Municipal, de valor inferior a um salário mínimo, autoriza a realização de convênios com o Poder Judiciário para a aceleração, descentralização e desburocratização da cobrança judicial de crédito tributário de maior valor e dá outras providências.

"Com base na lição de John Raws, o tema em debate enseja uma reflexão amadurecida, à qual nos parece impossível renunciar, uma vez que a tarefa da teoria moral consiste em fornecer a explicitação desses posicionamentos (In: Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 378).

"[...]

"Por outro lado, a Carta Magna estabelece, no artigo 5º, inciso LXXVIII, que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

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"Os documentos carreados neste Processo Administrativo (fls. 04/18, 30/74) denotam que, em boa parte das execuções fiscais, o custo para movimentar a máquina judiciária objetivando receber tais valores por meio de execução fiscal é superior ao próprio crédito que o Ente Público possui, o que tem gerado prejuízo de considerável monta, sem falar no tempo dispensado para julgamento desses processos.

"É fundamental, pois, que o Estado e Municípios, desenvolvam meios de cobrança que não apenas a via judicial, garantindo, dessa forma, o ingresso de recursos oriundos de tributos, sem, no entanto, comprometer o erário com o ajuizamento de execuções de valor irrisório ou antieconômicos. Na seara processual, ditas ações revelam nitidamente a ausência de interesse de agir consubstanciado no valor ínfimo que representam se comparados aos gastos para sua exigibilidade.

"O Projeto de Lei carreado a fls. 106 se coaduna com os princípios constitucionais da eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e economicidade. Ainda, não importa em renúncia de receita, por força do artigo 14, § 3º, inciso II, da Lei Complementar n. 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), afastando o argumento de ocorrência de improbidade administrativa.

"O artigo 70 da Constituição da República expressamente recomenda a economicidade na administração e fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da União, bem como dos demais entes de direito público.

"Outrossim, o primado da eficiência, explícito no artigo 37 da Carta Magna, estabelece que a atividade administrativa deve ser exercida com presteza e perfeição, ou seja, impõe o dever de boa administração. No contexto em análise, é nítida a obrigatoriedade de sua observância, sob pena de comprometer o patrimônio público ao se ajuizar uma execução fiscal de valor inexpressivo.

"Conforme lição de Volnei Carlin,

" 'A origem de eficiência vem do latim efficientia, que significa ação, força, virtude de produzir. Revela, neste continuum, como critério administrativo, a capacidade real de produzir o máximo com o mínimo de recursos, de energia e de tempo. Atrasos injustificados, forte teoria francesa, causam indenização. [Destarte], deve sempre prevalecer a relação 'custo-benefício'.' (In: Manual de direito administrativo: doutrina e jurisprudência. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 73.)

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"Já os princípios da proporcionalidade e razoabilidade encontram-se implícitos na Constituição da República. A razoabilidade constitui o fundamento da justiça social, ensejando o

" 'Exame da desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido. Supõe equilíbrio, moderação e harmonia, buscando a adequação das normas jurídicas à realidade concreta, à luz de valores que inspiram os interesses e os direitos conflitantes [...] traduz a relação lógica entre o fato (o motivo) e a atuação concreta da Administração irrazoável (excessiva, disparatada, desarrazoada)'. (CARLIN, Volnei. Op. cit. p. 77/78.)

"Por seu turno, a proporcionalidade exige o equilíbrio entre os meios e os fins que se pretende alcançar na Administração Pública. Dessa forma, a decisão do administrador deve ser proporcional, entre os meios que emprega e o objetivo que a lei almeja alcançar. Por conseguinte, e consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade" (In: Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 81.).

"Depreende-se, ainda, que ao contexto se aplica o princípio da utilidade, de Jeremy Bentham. Em sede de execução fiscal, referido preceito recomenda que todo processo executivo deve ser útil ao credor, não lhe sendo permitido o uso desse procedimento como forma de punição e/ou sofrimento ao devedor.

"Assim, pelo primado da utilidade, o magistrado possui o poder jurisdicional de investigar a serventia, a vantagem, a utilidade do ajuizamento de uma execução fiscal na hipótese de existência de norma impeditiva de inscrição na dívida ativa de débito considerado inexpressivo, ou de valor inferior ao custo de sua cobrança.

"[...]

"Do exposto alhures, depreende-se que repugna a consciência jurídica do Direito Público e agride os mais comezinhos postulados constitucionais, além de deslegitimar a função do juiz e menosprezar o superior interesse público, exigir do complexo aparelho burocrático do Estado a cobrança de dívidas de particulares, consideradas insignificantes pela lei, doutrina e jurisprudência.

"O lógico e o razoável seria observar, em caráter geral, o mínimo de bom senso, elemento ínsito e inevitável nas funções jurídicas dos atos estatais, norteados pelos padrões da razoabilidade, economicidade e utilidade. Nesses casos, os juízes têm o dever jurisdicional e competência originária

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para aplicar, interpretar e transformar o Direito, não significando, com tal postura, que sejam acoimados de legisladores.

"O que faz de um juiz um bom julgador é a conexão de sua atividade decisória, nos casos concretos, exercida com força moral e independente das pressões externas e políticas, com a necessária interpretação literal, prioridade revelada sem perplexidade e indecisão, mas como fenômeno relacionado ao próprio Direito, resultante de consciência, cultura e correspondendo às expectativas sócio-políticas.

"Dessa forma, a importância pretendida nos executivos fiscais de valor inferior a um salário mínimo deve ser qualificada como insignificante, melhor dizendo, de valor antieconômico, se comparada ao poder financeiro do Ente Fiscal e às despesas decorrentes da movimentação da máquina judiciária. (grifou-se).

O referido projeto culminou no advento da Lei Estadual n. 14.266, de 21 de

dezembro de 2007 que "dispõe sobre o cumprimento do princípio constitucional da

economicidade, a suspensão dos processos de execução fiscal de valor inferior a um

salário mínimo, a celebração de convênios com o Estado e os municípios e adota

outras providências".

3 Nestes termos, à vista do noticiado panorama jurisprudencial – com a

edição da aventada Súmula n. 22 –, do advento da Lei Estadual n. 14.266/2007, bem

como em conformidade com os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e

economicidade, é de extrema importância que se adote o entendimento de que pode o

juiz extinguir de plano as execuções fiscais de valores irrisórios, quando a despesa

pública para a cobrança judicial da dívida ativa é manifestamente superior ao crédito

exeqüendo.

Adverte-se, contudo, repetindo o pronunciamento jurisdicional emanado da

colenda Primeira Câmara de Direito Público, ainda em consonância com o citado

enunciado deste Pretório, que a extinção do processo não significa "remissão, muito

menos exclusão da exigibilidade do crédito tributário, hipóteses contidas nos artigos

156 e 175 do CTN. Destarte, na hipótese de a importância total dos débitos do devedor

atingir montante razoável, dentro do prazo prescricional, nova execução poderá ser

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proposta, uma vez que o pleito foi extinto sem resolução de mérito, nos termos do artigo

267, inciso VI, do CPC" (AC n. 2006.033724-2, Des. Volnei Carlin),

4 Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao

recurso.

O julgamento, realizado no dia 9 de junho de 2009, foi presidido pelo

Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele

participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros e

Desembargador Rui Fortes.

Florianópolis, 10 de junho de 2009.

Luiz Cézar Medeiros

RELATOR

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ANEXO C

SENTENÇA CITADA NA NOTA 168 E FOTOS A QUE SE REFERE A DECISÃO

Autos nº 038.12.008688-0

Ação: Ação Ordinária/Ordinário

Autor: Joselei Pereira

Réu: Banco Fiat S/A

Vistos, etc.

Joselei Pereira aforou a presente ação ordinária em face de Banco Fiat S/A

sem efetuar o preparo, postulando os benefícios da justiça gratuita.

Em 24/02/2012, foi determinado a parte autora que comprovasse

induvidosamente as alegadas condições fáticas e legais para fazer jus aos benefícios

pleiteados, no prazo de 10(dez) dias, sob pena de extinção (fl. 90).

Tendo o representante legal do autor sido advertido a fim de que adotasse

referida providência (fl. 91), carreou aos autos cópia de extratos bancários, fotografias

de sua residência e declaração de próprio punho (fls. 92/96).

É o breve relatório. DECIDO:

É certo que a parte autora, apesar de intimada para que comprovasse ser

merecedora da benesse da Justiça Gratuita, inclusive com a advertência de que o feito

seria extinto, deixou de adotar tal providência, passados já mais de trinta dias.

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Verificando, pois, o decurso de lapso temporal superior a trinta dias sem que

o respectivo preparo fosse efetuado, cabível o cancelamento da distribuição, nos

termos do art. 257, do CPC.

Comentando referida norma, ensina Pontes de Miranda:

"Se foi feita a distribuição do feito e o interessado não levou, devidamente

preparados, a petição e outros elementos necessários para o ingresso no juízo e no

cartório e que se distribuiu, há o prazo de trinta dias para preparar no cartório o feito.

Findos os trinta dias, a distribuição será cancelada" (in Comentários ao Código de

Processo Civil, Humberto Theodoro Jr., vol. III, Forense, 1995, pág. 397).

Na mesma senda:

"'O prazo para o preparo inicial conta-se da data em que o feito deu entrada

em Juízo, e, decorridos trinta dias dessa data, sem o pagamento, indefere-se a inicial,

cancelando-se a distribuição' (Ac. unân. da TACív. do TJMS, na Apel. nº 499/84, Rel.

Des. Rui Garcia Dias; RT 604/202) (in Código de Processo Civil Anotado, Forense,

1996, pág. 111).

Da Egrégia Corte de Justiça Catarinense:

"PROCESSUAL – EXTINÇÃO DO PROCESSO POR FALTA DE

COMPLEMENTAÇÃO DA TAXA JUDICIÁRIA – HIPÓTESE QUE NÃO OBRIGA A

INTIMAÇÃO DIRETA DA PARTE PARA SUPRIMENTO DA FALTA – HONORÁRIOS

FIXADOS DE ACORDO COM O PARÁGRAFO 4º DO ART. 20 DO CPC – RECURSO

PROVIDO PARCIALMENTE – PRECEDENTES DA CORTE.

A não complementação do pagamento da taxa judiciária, em virtude de

alteração, por decisão judicial, do valor da causa, implica em extinção do processo por

indeferimento da petição inicial. Sem o pagamento da taxa, a petição não pode sequer

ser distribuída. Da mesma forma, quando se trate de complementação, se a parte não

cumpre a determinação judicial, a inicial deve ser indeferida (arts. 283 e 284, do CPC).

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Sendo julgado extinto o processo sem exame do mérito, os honorários

devem ser fixados com base no parágrafo 4º do artigo 20 do CPC e não calculados

sobre o valor do pedido" (apud Ap. Civ. n.º 44216, de Biguaçu, Rel. Des. Amaral e

Silva, in DJ, n.º 8.899, de 03-01-94, pág. 13).

Indispensável anotar que a fundamentação do pedido de Justiça Gratuita não

convence, muito pelo contrário.

Infelizmente, no Brasil cada dia mais se vê a necessidade de ficar atento à

questão do acesso à justiça e a avalanche das ações revisionais contínua e crescente

subsidiada pela isenção de custas judiciais.

Flávio Galdino, em sua obra "Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos -

Direitos não nascem em árvores", já reclama para a "A correta compreensão dos custos

dos direitos: gratuito não existe":

"A retórica em torno da gratuidade dos direitos em geral é deveras

prejudicial, simplesmente por ignorar ou desconsiderar - o que resulta no mesmo - os

elevadíssimos custos subjacentes às prestações públicas necessárias à efetivação dos

direitos fundamentais.

Com efeito, o discurso público em torno de tais direitos tidos por gratuitos

obstaculiza a perfeita compreensão das escolhas públicas a eles subjacentes, pois,

tendo em vista a escassez de recursos estatais, a opção pela proteção de um direito

aparentemente 'gratuito' significa de modo direto e imediato o desprezo por outros (em

princípio, não 'gratuitos'). Esta opção - fundada na desconsideração dos custos - será,

só por isso, inevitavelmente trágica. Tal fato, aliado, em clima de insinceridade

normativa, à multiplicação dos direitos, rectius: de promessas de direitos fundamentais

irrealizáveis e das respectivas prestações públicas (igualmente irrealizáveis), conduz

invariavelmente (i) à desvalorização dos direitos mesmos (já se disse que se tudo é

direito, nada mais é direito), (ii) à malfadada irresponsabilidade dos indivíduos e (iii) à

injustiça social. (...) Fruir sem pagar, sem sequer ter consciência do custo, estimula a

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irresponsabilidade no exercício dos direitos e o egoísmo. Em última análise, e

considerando que essa situação, globalmente considerada, aumenta o custo dos

serviços, é possível afirmar que toda a sociedade paga para um indivíduo

'gratuitamente' fruir de um 'direito'". (Ob. Cit., Lumen Juris Editora, RJ, 2005, págs.

325/326).

Em que pese dito em outra situação fática, o próprio STJ vem afirmando

claramente o princípio que "Ajuizar ações é algo que envolve risco (para as partes) e

custo (para a Sociedade, que mantém o Poder Judiciário). O processo não há de ser

transformado em instrumento de claudicação e de tergiversação. A escolha pela via

judiciária exige de quem postula a necessária responsabilidade na dedução de seus

pedidos." (STJ, REsp. nº 946.499 - SP (2007/0094219-8), rel. Min. Humberto Martins).

Os estudiosos da Análise Econômica do Direito há muito vem alertando

sobre os excessos e os perigos da gratuidade da Justiça, razão por que recomendo

também a leitura integral do excelente artigo intitulado "Acesso à justiça: uma

abordagem sobre a assistência judiciária gratuita" de autoria da Profa. Dra. Marcia

Carla Pereira Ribeiro e do Prof. Dr. Irineu Galeski Junior, renomados juristas

paranaense.

Por amor à brevidade, ouso destacar:

"Evidentemente que além da possibilidade de serem revistos os princípios

gerais da gratuidade, também a percepção do elemento ético do exercício da advocacia

deve ser reforçado, orientando-se os advogados a uma conduta profissional

responsável, associada à defesa de interesses que mereçam a tutela judicial, na correta

medida da extensão da pretensão, cônscios de que a noção de gratuidade é

meramente aparente, uma vez que existem custos na administração da justiça e

externalidades que atingirão terceiros como conseqüência da utilização abusiva do

acesso à justiça. (...). Logo, num ambiente institucional em que as instituições formais

(leis e julgados) facilitam o acesso ao benefício e as instituições informais não reforçam

comportamentos ponderados nesta questão, a eficiência do instituto pode ser

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contestada sob vários aspectos:(i)excesso de demandas que corroboram para o

estrangulamento do Poder Judiciário com a perspectiva de retardamento geral dos

julgamentos em tramitação; (ii)transferência de oneração para a parte pagante,

responsável pela contradita à invocação do benefício e por custas incidentais no

processo; (iii) impossibilidade de recomposição ao status quo antepara o demandado

mesmo quando a ação é julgada improcedente ou o pedido excessivo em face da

suspensão da incidência dos ônus de sucumbência aplicáveis ao beneficiado pela

gratuidade; (iv) a baixa qualidade geral das demandas propostas sob o manto da

gratuidade; (v) o incentivo a pleitos desqualificados respaldados na ausência de

qualquer conseqüência no caso de improcedência. (...). A forma como está disciplinada

a justiça gratuita no Brasil, além de conflitar com norma expressa da Constituição que

prevê a comprovação da situação de insuficiência financeira, cria condições para o

exercício irregular do benefício. A condição informacional do requerente do benefício

faz com que seja muito menos custoso e mais lógico que a comprovação se dê por sua

iniciativa, não havendo eficiência no sistema atual que remete ao demandado o ônus de

tal comprovação. O custo da máquina judiciária não permite tal elasticidade no

deferimento da gratuidade sem comprovação, sob pena de produzir externalidades que

atingirão seja a eficiência do sistema, seja a prestação de outros serviços

indispensáveis, em razão da transferência de fundos para cobertura do déficit do

serviço dos cartoriais." (pub.http://www.anima-opet.com.br/anima_5.html, apud volume

V).

Sei que elogio em boca própria é vitupério, porém, em se tratando de defesa

institucional, impossível não salientar que o Judiciário Catarinense se destaca

nacionalmente pela celeridade na prestação jurisdicional, inovação técnica e

aperfeiçoamento constante de seus quadros de pessoal.

Este patamar de excelência tem um custo financeiro que - parafraseando a

obra de Galdino - não cai das árvores, não se podendo fazer "caridade à custa do

chapéu alheio", que no caso seria penalizar toda a sociedade.

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A promoção, respeito e garantia de todos os direitos numa sociedade carente

de recursos de toda ordem como a brasileira impõe que o acesso à justiça seja

realizado com muita responsabilidade, seriedade, visão geral e igualmente arcando

com todos os custos disto.

É preciso acabar com o complexo de "Robin Hood" e sua consequente sede

de "Justiça Social" que alguns setores da Justiça acabam defendendo com o escudo

equivocado do acesso constitucional à Justiça de forma ilimitada, inconsequente e

gerando ônus indevidos para a sociedade como um todo.

Ora, aqui não se está diante de uma lide que almeja a proteção da família,

infância e juventude; não se está diante de um conflito estatal em que seja

indispensável a proteção à vida ou a liberdade, mas apenas e tão somente uma revisão

de um contrato bancário assumido sã e conscientemente perante uma instituição

financeira observando que a ninguém é dado sobrepor suas próprias condições

financeiras para depois alegar hipossuficiência.

O autor mora no Bairro Guanabara, conceituado bairro de classe média (para

quem não conhece, fica próximo a "Arena Joinville"), e paga de água R$24,02 (fls. 44).

Diz que paga de luz R$116,20 (fls. 42), comprou uma máquina de lavar roupa nas Lojas

Salfer e paga R$247,69 (provavemente valor da parcela, fls. 42 - entretanto, na nota

fiscal de fls. 56 aparece uma máquina de lavar, um micro computador, uma impressora

multifuncional no valor total de R$2.266,99); comprou um celular nas lojas Salfer e paga

R$35,56 (provavemente valor da parcela, fls. 42); tem TV via satélite "Via Embratel"

pagando R$19,20 (isso sempre é uma despesa mensal); fez um empréstimo no Banco

Bradesco no importe de R$289,50 (também deve ser despesa mensal); paga

manutenção de aparelho dentário que deve ser mensal no importe de R$89,00 (fls. 42);

tem despesa no "Cartão com Mercado Bistek" no importe de R$300,00.

Tudo contabilizado dá um TOTAL DE DESPESAS: R$3.629,15 (TRÊS MIL, SEISCENTOS E VINTE E NOVE REAIS E QUINZE CENTAVOS)!!!

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O autor diz que vive apenas do seu salário, que segundo o documento de fls.

50, que é o holerite de janeiro de 2012, percebe líquido R$650,62 (de um total de

R$1.836,49).

Numa conta simples, isso dá um saldo negativo de R$2.978,53!!!

Como então se explica alguém nesta situação financeira assumir 48 (QUARENTA E OITO) parcelas mensais de R$1.135,87 (MIL, CENTO E TRINTA E CINCO REAIS E OITENTA E SETE CENTAVOS)???

Inverídica até mesmo a alegação de fls. 96 de que ("não tenho poupança e

nem investimento no mercado de capitais"), uma vez que o extrato bancário de fls. 94

demonstra várias baixas automáticas da poupança (R$650,62; R$427,90; R$1.130,00;

R$486,96; R$666,95; R$81,33; R$350,63 e R$213,49).

A explicação talvez seja a "armadilha da concessionária" incentivando o

"desavisado" consumidor, pois segundo consta na inicial:

"O autor caiu na armadilha da concessionária e do banco réu que trabalham

juntos senão vejamos (sic):

Ver um carro novo em concessionária mexe com as emoções do consumidor. O cenário da loja é um convite tentador à compra irrefletida – é quase uma coação psíquica. O brilho, o cheiro, o design, o painel cintilante e o luxo interior dos veículos novos em exposição dão água na boca.

E o vendedor bem treinado completa e serviço, disparando o golpe certeiro para ouvir o sim do consumidor: apresenta o "pequeno" valor das prestações e a facilidade do financiamento. Resultado: o consumidor não resiste a tantas tentações e enfia as mãos na algema do financiamento que só termina após a Olimpíada de 2016.

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Só que o glamour da concessionária se desfaz quando o Consumidor, chega em casa e tropeça, ao abrir a porta, com a fatura dos cartões de crédito, a conta do telefone, da internet, do plano de saúde, da escola dos filhos, do condomínio, da empregada, de empréstimo, pensão alimentícia, alimentação para os filhos etc..."

Nessa hora o consumidor cai na real e vê que o sonho do veículo novo financiado deve ser adiado." (SIC, fls. 7/8).

Mas essa situação de sedução malévola contra os "coitados" dos

consumidores para amparar pretensões judiciais de revisão de contrato já está tão

desgastada que o ilustre subscritor da peça inicial parece que não quis nem se dar ao

trabalho de efetuar a citação de onde extraiu a estória que pode ser vista em : "RIOS,

José, Você pode cancelar a compra de um carro. Disponível em:

<http://blogs.estadao.com.br/advogado-de-defesa/voce-pode-cancelar-a-compra-do-

carro/>, Acesso em 13/07/2012".

As fotos dos autos de fls. 95, intituladas "fotos da residência do autor

provando que se trata de pessoa humilde e hipossuficiente", não me convencem, pelo

contrário.

Efetivamente a foto demonstra uma casa de madeira, porém, chega a chocar

como numa casa daquele valor, tão "humilde" (sic), possa estar estacionado um carro

de classe média avaliado pela tabela fipe em mais de vinte e oito mil reais.

Segundo a documentação de fls. 52, a casa foi adquirida por vinte e três mil

reais.

Não é possível alguém acreditar ou defender que toda a sociedade tem que

arcar com os custos de uma ação judicial de inúmeros cidadãos brasileiros que não

possuem a indispensável educação financeira, gastam muito acima de sua capacidade

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de endividamento e depois querem tentar um milagre de manter bens que não são

pagos e que jamais serão por absoluta falta de orçamento.

O Brasil está crescendo. As classes menos favorecidas finalmente estão

conseguindo usufruir de bens de consumo. Contudo, para tudo nesta vida é preciso

responsabilidade. Não dá mais para fingir que não existe muita gente que não paga as

dívidas no comércio, não paga os empréstimos nos Bancos e continua "tocando a vida"

feliz por achar que o Judiciário Brasileiro tem que dar um jeito e que o restante da

sociedade que arque com os custos dessa conduta.

Não estou dizendo que é esse o caso dos autos, mas efetivamente não creio

ser possível alguém fazer um empréstimo de mais de sessenta mil reais e depois vir ao

Judiciário pedir justiça gratuita para manter o veículo e não ser inscrito em cadastros de

inadimplentes.

Convém ressaltar que nos termos do art. 284 do CPC, não cumprida a

decisão que determinou a emenda da inicial, não há falar-se em intimação pessoal da

parte autora, porquanto, na espécie, não se está diante da figura do abandono de

causa, mas sim de indeferimento da inicial por ausência do pagamento das custas

processuais.

Neste rumo, colaciona-se a novel decisão do nosso Tribunal de Justiça:

"APELAÇAO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO.

INTIMAÇÃO PARA COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. NÃO ATENDIMENTO.

INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO FEITO. PEDIDO DE JUSTIÇA

GRATUITA. PRECLUSÃO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL PARA

FINS DE CONFIGURAÇÃO DO ABANDONO DA CAUSA. NÃO CONHECIMENTO.

RAZÕES DISSOCIADAS DA SENTENÇA. RECURSO NAO CONHECIDO." (AC

2011.101678-5, Rel. Lédio Rosa de Andrade, j. 07/03/2012).

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Destaca-se ainda que diante do decisum que determinou a comprovação da

hipossuficiência financeira, a parte autora poderia "cumprir a decisão judicial

emendando a inicial ou ingressar com agravo. No entanto, permaneceu a parte inerte,

conformando-se com a decisão. Assim perdeu a oportunidade processual de insurgir-se

contra o ato judicial." (TJSC. AC 2011.101678-5, Rel. Lédio Rosa de Andrade, j.

07/03/2012).

Desta forma, a extinção do feito é medida que se impõe.

Ex positis, com subsunção no art. 295, VI, do CPC INDEFIRO A INICIAL

desta Ação Ordinária (autos n. 038.12.008688-0) aforada por Joselei Pereira contra

Banco Fiat S/A, por falta de preparo inicial, determinando o cancelamento da

distribuição, o que faço com fulcro no art. 257 do CPC.

Custas ex lege, ou seja, pela autor, observado o art. 34 da Lei

Complementar n.º 156/97, eis que indefiro o pedido de Justiça Gratuita e/ou Assistência

Judiciária Gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em havendo solicitação de devolução de documentos, cumpra o Sr. Escrivão

o item 2.6.1, do Manual de Procedimento Cível (Quando a parte ou advogado solicitar o

desentranhamento de documento em processo findo, o cartório deverá entregá-los

mediante recibo, permanecendo fotocópia nos autos. Havendo custas pendentes do

interessado, a entrega será feita somente após o pagamento.Em se tratando de título

de crédito, será certificado no título o número do processo do qual foi desentranhado.).

Cumpra-se.

Joinville (SC), 13 de julho de 2012.

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Yhon Tostes

Juiz de Direito

FOTOS DA RESIDÊNCIA DO AUTOR, PROVANDO QUE SE TRATA DE PESSOA HUMILDE E HIPOSSUFICIENTE