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A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA FRENTE AOS NOVOS AVANÇOS DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA Maria Leiliane da Silva 1 Resumo O presente trabalho propõe uma análise do ensino da biologia, com enfoque na contextualização da prática docente frente aos novos avanços da ciência e tecnologia. Mediante uma pesquisa bibliográfica e reflexões da prática docente, ele realiza uma análise sobre os objetivos da educação científica e os desafios presentes na escola, na perspectiva de traçar um panorama a respeito das relações entre Ciência e Tecnologia já existentes. Partindo da premissa de que a sociedade seja analfabeta científica e tecnologicamente e que, numa dinâmica social crescentemente vinculada aos avanços científico- tecnológicos, a democratização desses conhecimentos é considerada fundamental, as informações aqui apresentadas apontam para a necessidade de uma redefinição da ciência escolar e na forma de condução das atividades de ensino, para que os conhecimentos sobre as novas tecnologias se transformem em conteúdos pedagogicamente assimiláveis pelos alunos e propiciem a oportunidade de ampliarem a leitura da realidade, de forma que tal conscientização possa levá-los a ações que promovam transformações sociais. Palavras Chaves: Ensino de Biologia, Reflexão, Ciência e Tecnologia. Introdução À medida que iniciamos um novo século, a educação surge como preocupação fundamental em todos os países do mundo, tendo em vista o futuro da humanidade e do planeta. Deste modo, entende-se a escola como um local de desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas de comportamento que permitam ao aluno uma incorporação eficaz ao mundo contemporâneo no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade

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A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA FRENTE AOS NOVOS AVANÇOS DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Maria Leiliane da Silva1

Resumo

O presente trabalho propõe uma análise do ensino da biologia, com enfoque na contextualização da prática docente frente aos novos avanços da ciência e tecnologia. Mediante uma pesquisa bibliográfica e reflexões da prática docente, ele realiza uma análise sobre os objetivos da educação científica e os desafios presentes na escola, na perspectiva de traçar um panorama a respeito das relações entre Ciência e Tecnologia já existentes. Partindo da premissa de que a sociedade seja analfabeta científica e tecnologicamente e que, numa dinâmica social crescentemente vinculada aos avanços científico-tecnológicos, a democratização desses conhecimentos é considerada fundamental, as informações aqui apresentadas apontam para a necessidade de uma redefinição da ciência escolar e na forma de condução das atividades de ensino, para que os conhecimentos sobre as novas tecnologias se transformem em conteúdos pedagogicamente assimiláveis pelos alunos e propiciem a oportunidade de ampliarem a leitura da realidade, de forma que tal conscientização possa levá-los a ações que promovam transformações sociais.

Palavras Chaves: Ensino de Biologia, Reflexão, Ciência e Tecnologia.

Introdução

À medida que iniciamos um novo século, a educação surge como preocupação fundamental em todos os países do mundo, tendo em vista o futuro da humanidade e do planeta. Deste modo, entende-se a escola como um local de desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas de comportamento que permitam ao aluno uma incorporação eficaz ao mundo contemporâneo no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participação política (GIMENO SACRISTÁN e PÉREZ GÓMEZ, 1998).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) sugerem que o ensino deve possibilitar ao aluno o desenvolvimento de competências que lhe permitam compreender o mundo em que vive e atuar como indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos de natureza científica e tecnológica. Destacam que, numa sociedade em que se convive com a supervalorização do conhecimento científico e com a crescente intervenção da tecnologia no cotidiano, não é possível pensar a formação de um cidadão crítico à margem do saber científico.

Para abordar a ciência e a tecnologia como se apresentam hoje, os indivíduos necessitam de certo grau de conhecimento científico para que possam entender a ciência como patrimônio cultural das sociedades atuais. Dessa forma, o objetivo central da educação em ciência e tecnologia é desenvolver a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre esse tema e atuar na solução de tais questões.

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1 Aluna do Curso de Licenciatura Específica em Biologia da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

A crescente evolução e utilização de novas tecnologias vêm acarretando profundas mudanças no meio ambiente, nas relações e nos modos de vida da população, colocando os indivíduos diante de novos desafios, cuja maioria a população não está preparada para enfrentar. Como possibilidade para melhor discernir situações deste tipo e atuar sobre elas, propõe-se o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas direcionadas para uma alfabetização científica e tecnológica, atentando para a questão das concepções, valores e atitudes dos indivíduos nas suas ações em sociedade.

Há alguns anos, clonar seres humanos e mapear os genes existentes nas células eram assuntos de ficção científica, mas, durante a última década vem ocorrendo um grande avanço no conhecimento em genética, e esse assunto já está sendo abordado até mesmo em novelas de televisão. Os genomas de diversos organismos têm sido minuciosamente investigados mediante técnicas que permitem o seqüenciamento do DNA (ácido desoxirribonucléico) e outros resultados similares. Há uma crescente quantidade de pesquisas envolvendo experimentos de clonagem. Além disso, estamos rodeados de produtos alimentícios e medicamentos provenientes de organismos geneticamente modificados e de uma infinidade de outros resultados da investigação científica (BONZANINI, 2002).

Tais novidades de natureza científico-tecnológica – espantosas, diga-se de passagem – não ocorrem, porém, num cenário de aceitação pacífica, mas em meio a intensas controvérsias sobre aspectos éticos e, também, em meio a poderosos interesses econômicos e políticos. Deste modo, com o avanço da engenharia genética e as atuais pesquisas neste campo, é praticamente impossível admitir que os alunos permaneçam alheios a estas descobertas. É crescente a necessidade da escola e, conseqüentemente, do professor oportunizar a discussão destes assuntos cada vez mais presentes no cotidiano das sociedades contemporâneas.

Os conteúdos de ciência e tecnologia devem ser contextualizados e trabalhados de maneira interdisciplinar para responder aos atuais problemas sociais, ou seja, busca-se conectar a escola à vida das pessoas. Essa preocupação em contextualizar os assuntos é percebida no seguinte depoimento: “O professor tem que ter essa maleabilidade de poder dar o núcleo central do conteúdo e ter espaço para preencher com o que eles precisam, com o que eles estão vivendo” (CAON, 2005, p. 23). Ainda segundo esse mesmo autor (2005):

Contextualizar tais assuntos e vincular a abordagem do conhecimento científico-tecnológico e sua reconstrução às informações trazidas e utilizadas no dia-a-dia, aos fenômenos que ocorrem no cotidiano e à realidade na qual o aluno esteja inserido, é uma forma de envolvê-lo e de facilitar a construção de suas representações sobre o que aprende. (CAON, 2005, p. 24-25)

Percebe-se, então, a necessidade de explicitar tais conceitos e buscar caminhos para articular o Ensino de Ciências ao cotidiano das pessoas, cabendo principalmente à escola abordar a Ciência de forma a transmitir os conhecimentos necessários que possibilitem assumir uma posição consciente diante de assuntos sobre os quais a população precisará opinar. Além disso, é desejável que exploremos a Biologia a partir de assuntos atuais e polêmicos, que motivem os alunos a buscar leis e teorias que respondam suas dúvidas a cerca do mundo em que vivem. Desta forma, cabe principalmente à escola abordar a Ciência de forma sistêmica, transdisciplinar e contextualizada, promovendo, conseqüentemente, uma educação que possibilite aos cidadãos a apropriação de conhecimentos com base nos quais possam tomar decisões conscientes e esclarecidas (PEDRANCINI et al., 2007).

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1 Desafios enfrentados pela alfabetização científico-tecnológica

O Ensino da Biologia deve enfrentar alguns desafios: um deles seria possibilitar ao aluno a participação nos debates contemporâneos que exigem conhecimento biológico. Cotidianamente, a população, embora sujeita a toda sorte de propagandas e campanhas, e mesmo diante da variedade de informações e posicionamentos, sente-se pouco confiante para opinar sobre temas polêmicos, que podem interferir diretamente em suas condições de vida, como o uso de transgênicos, a clonagem, a reprodução assistida, entre outros assuntos (BRASIL, 2008).

Diante dessa colocação surgem, então, certas indagações: estariam os professores de hoje preparados para abordar e discutir tais temas no intuito de instrumentalizar os educandos para que possam participar de processos de tomada de decisão a respeito das recentes pesquisas na área de biologia celular e molecular? As propostas curriculares e os livros didáticos abordam satisfatoriamente o estudo de conceitos relacionados a estas temáticas? Esses assuntos despertam o interesse dos alunos?

As aulas de Biologia, e das ciências como um todo, devem estar disponíveis ao debate e à discussão sobre o papel e as influências exercidas pelo conhecimento científico na sociedade. No entanto, a despeito dos avanços no entendimento do processo de aprendizagem, as ciências naturais continuam sendo lecionadas no cenário do ensino tradicional, com base na simples transmissão de informações, por meio de aulas expositivas, tendo como recursos o livro didático, sua transcrição na lousa e eventuais experimentos didáticos.

Ainda que esforços de renovação estejam em processo, aos professores em geral continua se atribuindo a transmissão de conhecimentos e aos estudantes sua absorção. Mesmo em atividades experimentais, que buscam familiarizar os alunos com o que se costuma denominar de “Método Científico”, freqüentemente confunde-se a metodologia do ensino de ciências com a metodologia científica, deixando-se de lado toda uma variedade de vivências cotidianas, entretanto, não podemos ignorar as dificuldades enfrentadas pelo professor, como as precárias condições de trabalho, a escassez de material e de recursos, a falta de tempo para elaborar materiais didáticos e até mesmo uma formação deficiente (OFÍCIO DE PROFESSOR, 2004).

1.1 Relações entre ciências e tecnologia já existentes

A ciência e a tecnologia se fazem presentes em todos os setores da vida contemporânea e estão causando profundas transformações econômicas, sociais e culturais. Ao longo do século XX, especialmente nas últimas décadas, ampliou-se e difundiu-se uma nova compreensão sob a natureza humana, sobre o sentido do conhecimento e do aprendizado. Neste cenário, a Biologia veio ocupando uma posição de destaque sem precedentes na história da ciência.

A torrente de informações advindas das recentes descobertas científicas, principalmente nas áreas da Biologia Molecular e Genética, tem se expandido progressivamente do meio acadêmico ao público em geral por meio de revistas especializadas e dos meios de comunicação de massa. Diariamente grande quantidade de informações veiculadas pelos meios de comunicação se referem a fatores cujo completo entendimento depende do domínio do conhecimento científico. Nestes últimos anos, em especial, os conhecimentos biológicos

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têm, por essa via, estado presente em nossa vida com uma freqüência incomum, dado o avanço da ciência em alguns de seus domínios. Temas polêmicos relacionados à pesquisa genômica, clonagem de órgãos e organismos, emprego de células-tronco e, especialmente, a produção e utilização de organismos transgênicos passam a ser discutidos dentro e fora da escola.

As pessoas são convocadas a refletir e a opinar sobre os benefícios, riscos e implicações éticas, morais e sociais provenientes das biotecnologias geradas dessas pesquisas (PEDRANCINI et al., 2007). Tomemos como exemplo um debate que os meios de comunicação têm difundido, de interesse científico, mas com repercussões sociais, ambientais, políticas e econômicas, que é a produção ou não de alimentos transgênicos. Entre outros espaços, como os debates televisivos, a escola é um local privilegiado para desenvolver os elementos de conhecimento e promover o debate. Certamente, há de se começar por esclarecer os alunos, se ainda não tiverem sido esclarecidos, sobre o que é ser “transgênico”, o que envolve um conhecimento dos processos responsáveis pela reprodução de todos os seres vivos, seja o nosso DNA ou o da “soja transgênica” (OFÍCIO DE PROFESSOR, 2004).

Sendo assim, um novo contexto para o ensino de biologia, que prevê a incorporação de temáticas atuais, que motivem o aluno a aprender determinados conceitos, precisa levar em consideração também o uso de estratégias e recursos para instigar, motivar, surpreender os estudantes, levando-os a participar dessas discussões. Para isso, faz-se necessário que o professor disponha de diversos instrumentos para que as aulas sejam mais interessantes e menos monótonas, promovendo discussões nas quais ouça o ponto de vista de cada aluno e não somente exponha o seu como uma verdade absoluta, fazendo com que possam relacionar isso ao seu dia a dia, aos benefícios e prejuízos que podem trazer, bem como analisar criticamente e opinar sobre questões polêmicas de uma maneira coerente.

Nem sempre o ensino promovido no ambiente escolar tem permitido que o estudante se aproprie dos conhecimentos científicos de modo a compreendê-los, questioná-los e utilizá-los como instrumento do pensamento que extrapolam situações de ensino e aprendizagem eminentemente escolares. Grande parte do saber científico transmitido na escola é rapidamente esquecida, prevalecendo idéias alternativas ou de senso comum bastante estáveis e resistentes, identificadas, até mesmo, entre estudantes universitários (MORTIMER, 1996).

De acordo com Amorim (1995), vivemos em uma época em que os conhecimentos crescem de uma maneira exponencial, tornando-se praticamente impossível para uma pessoa apropriar-se de toda a informação disponível. Em se tratando do ensino de ciências, os próprios docentes revelam sentir dificuldades em compreender, acompanhar e mediar à aprendizagem de conteúdos relacionados às últimas novidades científicas e biotecnológicas. Um exemplo das implicações do ensino promovido dessa forma é a incompreensão ou compreensão equivocada dos atuais avanços biotecnológicos, tais como a transgenia, o mapeamento e seqüenciamento de genomas, clonagem de organismos, células-tronco, entre outros. Segundo Leite, a população em geral encontra-se despreparada para participar em debates sobre avanços biotecnológicos. Sobre essa questão o autor salienta que:

(...) é mínima a condição do público brasileiro participar, de maneira informada e democrática, de um debate como o dos alimentos transgênicos, ou das implicações da pesquisa genômica (...) esse estado de coisas cria uma obrigação para todos os autores do processo, fornecer informação compreensível, qualificada e contextualizada sobre as biotecnologias, da engenharia genética à transgenia, da genômica à eugenia (LEITE, 2000, p. 45).

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O rótulo Alfabetização Científica e Tecnológica abarca um espectro bastante amplo de significados traduzidos através de expressões como popularização da ciência, divulgação científica, entendimento público da ciência e democratização da ciência. Os objetivos balizadores são diversos e difusos e vão desde a busca de uma autêntica participação da sociedade em problemáticas vinculadas à ciência e tecnologia, até aqueles que colocam a Alfabetização Científica Tecnológica (ACT) na perspectiva de referendar e buscar o apoio da sociedade para a atual dinâmica do desenvolvimento científico-tecnológico.

Diante disso, surge a necessidade de uma atualização dos conteúdos das disciplinas científicas adequando-as aos currículos e programas atualizados para educar as gerações do século XXI, que estão constantemente recebendo informações sobre temas biológicos vinculados nos meios de comunicação. Em entrevista ao Jornal da Ciência (JC), editado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o editor da revista Nature, David Dickson, ao ser questionado sobre a popularização da ciência para o público, declarou que, na sociedade moderna, é irracional esperar que o público geral tenha uma total compreensão da ciência moderna em toda a sua complexidade, ou mesmo que seja capaz de usar esta informação diretamente na condução de sua vida diária. No entanto, segundo ele,

É essencial que o público entenda de maneira apropriada a natureza do número crescente de decisões políticas na área da ciência – ou que envolvem a ciência – que são tomadas em seu nome. (...) Essas decisões não podem ser tomadas por cientistas ou comissões técnicas em encontros com portas fechadas. Cientistas e especialistas técnicos têm um papel crucial no momento de fornecer informações relevantes. Mas, em uma democracia, as decisões devem ser o resultado de um debate aberto e bem informado, e é neste contexto que a popularização da ciência é tão importante (DICKSON, 2001, p. 12).

1.2 Ensino de biologia e conhecimento científico

O contexto curricular em que se expressam as idéias e reformas de correntes inovadoras do ensino de Ciências pode ser analisado tendo sempre em vista o fato de estarem associados à concepção, função e utilidade da ciência na sociedade de uma dada época. Sendo assim, aqueles que se dedicam ao ensino de ciências buscam relacioná-lo às necessidades dos grupos sociais a cada momento histórico. Não é possível tratar de todo o conhecimento biológico ou de todo o conhecimento tecnológico a ele associado. Mais importante é tratar esses conhecimentos de forma contextualizada, revelando como e por que foram produzidos e em que época apresentam a história da Biologia como um movimento não linear e freqüentemente contraditório.

Neste século presencia-se um intenso processo de criação científica, inigualável a tempos anteriores. A associação entre ciência e tecnologia se amplia, tornando-se mais presente no cotidiano e modificando cada vez mais o mundo e o próprio ser humano. Questões relativas à valorização da vida em sua diversidade, à ética nas relações entre seres humanos, entre eles e seu meio e o planeta, ao desenvolvimento tecnológico e sua relação com a qualidade de vida, marcam fortemente nosso tempo, pondo em discussão os valores envolvidos na produção e aplicação do conhecimento científico e tecnológico (BRASIL, 2004). A Ciência, como a poesia, não apenas interpreta as coisas e a natureza, mas também as reinventa. Essa reinvenção se expressa em importantes linguagens, que se incorporam a muitos setores da

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nossa vida, especialmente por meio das tecnologias. A nomenclatura e os conceitos científicos se tornaram tão freqüentes no convívio doméstico, na vida profissional e nos meios de comunicação, que já podem ser considerados integrados à linguagem cotidiana. O conhecimento científico se desenvolve pelo questionamento permanente dos processos e sistemas naturais ou tecnológicos. Ao mesmo tempo, é essencial para a inovação.

A vida se tornou mais complexa, nas atividades coletivas e individuais, e passou a exigir maior discernimento científico-tecnológico. As empresas e as instituições fazem uso do conhecimento científico-tecnológico dos profissionais que empregam ou da pesquisa que realizam, para fabricar bens, como medicamentos, roupas, televisores e computadores, até para gerar e distribuir energia ou purificar a água. Também para cada cidadão, em sua vida profissional, comunitária ou pessoal, a capacidade de avaliar, enfrentar problemas, fazer projetos ou prever eventos depende de conhecimentos científicos e tecnológicos.

A chamada alfabetização científico-tecnológica é só o ponto de partida de uma formação que deve se completar ao longo da educação básica, para garantir a cada pessoa a condição de se comunicar, oralmente e por escrito, por meio da linguagem científica. Isso significa fazer uso apropriado de termos e símbolos científicos, elaborar argumentos, proposições, em temas de interesse científico e tecnológico, de caráter pessoal, profissional ou social. Saber utilizar essas linguagens não se resume ao conhecimento de um vocabulário científico. Termos científicos e tecnológicos, como quaisquer outros, ganham sentido ao integrar um texto que, por sua vez, é compreendido em um contexto. A alfabetização tecnológica no contexto de CTS inclui a compreensão de todos os aspectos da prática tecnológica (ACEVEDO, 1996). Segundo Fleming (1989):

Uma pessoa letrada tecnologicamente tem o poder e a liberdade de usar esse poder para examinar e questionar os problemas de importância em sócio-tecnologia. Algumas dessas questões poderiam ser: as idéias de progresso por meio da tecnologia, as tecnologias apropriadas, os benefícios e custos do desenvolvimento tecnológico, os modelos econômicos envolvendo tecnologia, as decisões pessoais envolvendo o consumo de produtos tecnológicos e como as decisões tomadas pelos gerenciadores da tecnologia conformam suas aplicações (FLEMING, 1989, p. 22).

A presença crescente das linguagens científicas no mundo contemporâneo dá ao aprendizado da Biologia um significado cada vez maior. Exames médicos, bulas de remédios e cosméticos, descrição de equipamentos e manuais de instrução, rótulos de materiais de limpeza, de higiene e de produtos alimentícios, são só alguns exemplos de textos usuais em que predominam termos técnicos (OFÍCIO DE PROFESSOR, 2004). Alfabetizar, portanto, os cidadãos em ciência e tecnologia é hoje uma necessidade do mundo contemporâneo (SANTOS e SCHNETZLER, 1997).

Não se trata, entretanto, de mostrar as maravilhas da ciência como a mídia já o faz, mas de disponibilizar as representações que permitam ao cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas (FOUREZ, 1995). Mais do que fornecer informações, é fundamental que o ensino de Biologia se volte ao desenvolvimento de competências que permitam ao aluno lidar com as informações, compreendê-las, elaborá-las, refutá-las, quando for o caso, enfim, compreender o mundo e nele agir com autonomia, fazendo uso dos conhecimentos adquiridos da Ciência e da Tecnologia (BRASIL, 2004).

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2 Necessidade de um currículo centrado nas relações CTS

O agravamento dos problemas ambientais pós-guerra, a tomada de consciência de muitos intelectuais com relação às questões éticas, a qualidade de vida da sociedade industrializada, a necessidade da participação popular nas decisões públicas, estas cada vez mais sob o controle de uma elite que detém o conhecimento científico e, sobretudo, o medo e a frustração decorrentes dos excessos tecnológicos propiciaram as condições para o surgimento de propostas de ensino CTS - Ciência/Tecnologia/Sociedade (WAKS, 1990). Os trabalhos curriculares em CTS surgiram, assim, como decorrência da necessidade de formar o cidadão em ciência e tecnologia, o que não vinha sendo alcançado adequadamente pelo ensino convencional de ciências.

Bybee (1987) propõe a aquisição de conhecimento, a utilização de habilidades e o desenvolvimento de valores como objetivos gerais da educação de CTS. O objetivo central da educação de CTS no ensino é desenvolver a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões (AIKENHEAD, 1994a; IGLESIA, 1995; HOLMAN, 1988; RUBBA e WIESENMAYER, 1988; SOLOMON, 1993b; YAGER, 1990; ZOLLER, 1982).

Nesse contexto, a tecnologia pode ser compreendida como o conhecimento que nos permite controlar e modificar o mundo. Atualmente a tecnologia está associada diretamente ao conhecimento científico, de forma que hoje tecnologia e ciência são termos indissociáveis. Isso tem levado a uma confusão comum que é reduzir a tecnologia à dimensão de ciência aplicada. (SANTOS e MORTIMER, 2002). Para resumir essas idéias, lançamos mão de trecho do artigo de Gardner ao afirmar que:

(...) Tecnologia é muito mais do que ciência aplicada; ela é uma expressão da cultura, as maneiras pelas quais os homens entendem o mundo e o seu espaço e as maneiras pelas quais ela transforma esse mundo. Ao se conceber tecnologia como aplicação da ciência, negligencia-se a consideração das forças sociais (GARDNER, 1993, p. 292).

A trilogia Ciência/Tecnologia/Sociedade vem sendo considerada, por muitos autores, como um enfoque necessário na educação científica. Para Bybee (1987), por exemplo, o desenvolvimento da capacidade de raciocínio deve ocorrer dentro de um contexto. Na educação científica, esse contexto é apropriadamente providenciado pela inclusão de temas sobre a relação entre Ciência/Tecnologia/Sociedade. Já para Hart e Robottom (1990), o aparecimento desse novo paradigma dentro do ensino de Ciência se dá em conseqüência de um repensar sobre a educação científica, fruto de mudanças na sociedade e na Ciência/Tecnologia, além do contraste entre a ciência escolar e a realidade de uma sociedade orientada científica e tecnologicamente.

No que se refere especificamente às discussões de um currículo centrado nas relações CTS, o trabalho de Bybee (1991) esclarece e ressalta que, para a diferenciação da prática pedagógica com a inclusão de temáticas que vinculam o conhecimento científico e tecnológico ao contexto social, professores norte-americanos de ensino médio e superior consideram de importância fundamental a existência de materiais didáticos elaborados segundo as orientações CTS. Já, ao tomar o trabalho de Bragaw (1992), ampliamos o espectro de

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determinantes para esta prática curricular inovadora. Este autor descreve entraves ligados à implementação do contexto curricular pautado nas relações CTS, além de materiais didáticos, tais como a estrutura da escola, a visão dos pais e alunos e outros participantes da comunidade com relação a um modelo tradicional de currículo escolar.

O movimento CTS dentro do currículo de Biologia preocupa-se em estimular a tomada de atitudes pelo aluno, levando-o a participar da Sociedade contemporânea no sentido de busca de alternativas para a aplicação da Ciência e da Tecnologia. É necessário, primordialmente, que se redimensionem os conceitos de Ciência e Tecnologia, a fim de que não insistamos na manutenção de uma perspectiva da neutralidade desses elementos. Se, com o ensino de Biologia, gostaríamos de possibilitar ao nosso aluno uma transformação da realidade, é fundamental que não restrinjamos as abordagens das interações dos elementos Ciência e Tecnologia, entre si e com a Sociedade (AMORIM, 1998).

3 Tecnologia e o processo de reforma do ensino de ciências no Brasil

A Tecnologia só começou a fazer uso significativo da Ciência em fins do século XIX, quando a indústria química se apoiou em descobertas científicas, primeiro, para alterar substâncias naturais, como nas indústrias de corantes, fertilização e farmacêutica, e depois para sintetizar substâncias existentes (AMORIM, 1995). Figueiredo (1989) afirma que é a partir da revolução industrial que Ciência e Tecnologia começaram a se integrar mais profundamente, a ponto de, em muitas situações contemporâneas, a distinção entre ambas atividades não é, de modo algum, óbvia quer quanto àqueles que as praticam, quer quanto à natureza da pesquisa desenvolvida.

Com a consolidação do capitalismo, a relação entre Ciência e Tecnologia foi se invertendo e estreitando, a ponto de todas as inovações tecnológicas das últimas décadas se realizarem com grande fundamentação científica. Amorim (1995) afirma que no Brasil, como em outras nações em desenvolvimento, existe mais um outro sentido para essa necessidade a se desencadear um processo de reforma no ensino de ciências nas décadas de 60/70. Iniciávamos nessa época a corrida para a modernidade, para o desenvolvimento e era embutido um papel primordial à educação. Conforme afirma Gouveia:

Para atingir o nível de desenvolvimento das grandes potências ocidentais, a educação foi considerada como 'alavanca do progresso'. Não bastava olhar a educação como um todo, era preciso dar especial atenção ao aprendizado de Ciências. O Conhecimento Científico do mundo ocidental foi colocado em cheque e ao mesmo tempo, foi tido como mola mestra do desenvolvimento, pois era capaz de achar os caminhos corretos para lá chegar e também de sanar os possíveis enganos cometidos. (GOUVEIA, 1992, p. 72).

Metodologicamente, percebeu-se, nestas décadas, o destaque para uma valorização do papel do laboratório no ensino e para uma reorganização dos conteúdos do ensino em função dos conceitos básicos e unificadores das áreas de conhecimento científico. Uma série de projetos, então, foram desenvolvidos, a fim de que tais objetivos pudessem ser atingidos. Tais projetos fracassaram no que diz respeito aos resultados esperados, pois não houve alteração significativa da qualidade do ensino de Ciências, que não perdeu as suas raízes tradicionais, apesar dos investimentos no aperfeiçoamento de recursos humanos e a introdução do método

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experimental. Diante de tal situação, medidas foram elaboradas e executadas, visando a melhoria da educação científica (AMORIM, 1995).

As décadas de 80/90 podem ser configuradas como um período de transição no ensino de Ciências, a partir da constatação a nível internacional de uma crise mundial neste campo, com o reconhecimento do fracasso e/ou inadequação das propostas de renovação preconizadas nas duas décadas anteriores e a emergência de novos modelos curriculares metodológicos, redundando na convivência de tendências antigas e modernas. Por um lado, há a persistência do chamado ensino tradicional, assim como do modelo da (re)descoberta. Por outro lado, pelo fato de as inovações praticadas nas outras décadas terem seus pressupostos mais duramente criticados, foram incorporadas novas diretrizes para o ensino, tais como: preocupações com as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade, a ênfase na educação ambiental, na ecologia humana e na ética na ciência, a valorização dos aspectos cognitivos, da cultura e do cotidiano do aluno (AMARAL, 1995; FRANCALANZA, 1993).

Comparando com a situação mundial, são bastante iniciais a construção e a implantação de propostas, no sistema educacional brasileiro, dentro do contexto curricular do ensino de Ciências, centrado nas relações CTS. É notório atualmente, que haja, então, uma urgência para discussão sobre o efeito em nossas vidas da interação entre ciência e tecnologia (GASKELL, 1982). No campo educacional, vem sendo discutido qual o papel que cabe à educação desempenhar frente à modernização produtiva e os desafios econômicos e políticos interpostos pela nova ordem internacional, diante das inovações tecnológicas na estrutura produtiva.

Hoje, espera-se que tanto a ciência como a tecnologia sejam produzidas em benefício da nação e incluídas como prioridades em planos nacionais e desenvolvimento (DAL PIAN, 1992). De acordo com Pedrancini et al. (2007), a apropriação de conceitos como DNA, cromossomo e gene são fundamentais para a compreensão de questões, muitas vezes, polêmicas presentes no dia-a-dia das pessoas. Falar sobre elas, emitir opiniões, exige o conhecimento dos conceitos que as envolvem. quando o conteúdo escolar não consegue ultrapassar a sala de aula nos deparamos com sujeitos “escolarizados”, cujo conhecimento não lhe permite analisar fenômenos científicos, além do imediato.

Esta proposta de condução do aprendizado tem sido aperfeiçoada no sentido de levar-se em conta que a construção do conhecimento científico envolve valores humanos, relaciona-se com a Tecnologia e, mais em geral, com toda a vida em Sociedade, de se enfatizar a organicidade conceitual das teorias científicas, de se explicitar a função essencial do diálogo e da interação social na produção coletiva. Tais redirecionamentos tem sido relevantes para a educação científica e, certamente, suas idéias influenciam o presente esforço de revisão de conteúdos e métodos educacionais.

Franco (1991) afirma que tal problemática deva ser discutida em dois níveis complementares: num primeiro momento, a nível teórico para que seja possível introduzir a análise de que matrizes epistemológicas devem informar os conceitos de ciência, tecnologia, modernidade, conhecimento e ignorância, no bojo das ciências sociais; num segundo momento, a nível empírico, para que se possa detectar que representações sociais são elaboradas, reelaboradas e veiculadas nos diferentes cenários sociais, em especial no cenário educacional, junto a profissionais e alunos comprometidos com a erradicação do analfabetismo científico no Brasil.

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Devemos considerar a relação entre Ciência e Tecnologia numa perspectiva de interdependência. Da Ciência, a tecnologia deriva os conhecimentos básicos das leis naturais relevantes; os instrumentos; as técnicas; o método científico de investigação com o estabelecimento de fatos por experimentações controladas, além da crença na utilidade da pesquisa. Da Tecnologia, a ciência recebe nova instrumentação; problemas para solucionar e prática no avanço da explicação científica; a Tecnologia pode ser encarada como o elemento da prática que dará ao conhecimento teórico da Ciência, o caráter da veracidade (FRANCO, 1991).

4 Dificuldades encontradas na aprendizagem de conceitos e processos biológicos

Os principais motivos que dificultam a aprendizagem significativa de conceitos e processos biológicos residem no ensino fragmentado e conservador, a reboco da ciência do século XIX, restringindo o aluno a cumprir tarefas repetitivas, sem sentido ou significado, valorizando somente a reprodução do conhecimento e conseqüentemente formando apenas repetidores. Caon (2005) reforça dizendo: “Ensina-se, nas escolas, muita coisa que a gente nunca vai usar, depois, na vida inteira. Fui obrigado a aprender muita coisa que não era necessário, que eu poderia ter aprendido depois, quando e se a ocasião de sua necessidade o exigisse.”

Selecionar os assuntos em Ciências e em Biologia de forma contextualizada, levando em consideração o aluno, a comunidade onde está inserido, e sua maturidade é de real importância na reconstrução de seus conhecimentos. Sobre essa questão Behrens (2005), observa:

O século XX manteve a tendência do século XIX, fortemente influenciado pelo método cartesiano, que separa mente e matéria e propõe a divisão do conhecimento em campos especializados, em busca da maior eficácia. Este pensamento levou a comunidade científica a uma mentalidade reducionista, contaminando o homem com uma visão fragmentada não somente da verdade, mas de si mesmo, dos seus valores e dos seus sentimentos. (BEHRENS, 2005, p. 17-18)

Supostas causas desses acontecimentos são inúmeras: a sobrecarga de conteúdos, o exíguo tempo destinado a cada um deles, a seleção descontextualizada, o desconhecimento de como ocorre o aprendizado, a falta de valorização dos conhecimentos prévios e dos questionamentos, a inexistência de aulas de experimentação, o desuso da pesquisa em sala de aula. Tudo isso acarreta um ensino estático, desinteressado, desvinculado do cotidiano, dificultando que o aluno seja o sujeito em seu próprio aprendizado (CAON, 2005).

É a partir da identificação dos valores que se compreendem melhor as necessidades da sociedade e os aspectos éticos que devem ser considerados no uso mais responsável da tecnologia. O ensino científico-tecnológico, aplicando meios e métodos convenientes voltados a valorizar os conhecimentos prévios, o questionamento, a experimentação, a pesquisa em sala de aula, e não o simples repasse mecânico dos conteúdos nas aulas expositivas teóricas, ajudará o aluno a adquirir a capacidade de pensar e refletir sobre sua fala e a fala dos outros, sobre sua ação e a ação dos outros. Tal valorização aumenta o nível de comprometimento do professor e dos alunos, facilitando um efetivo fazer e um real aprender.

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O processo ensino-aprendizagem, ao considerar os conhecimentos prévios trazidos pelos alunos, dá condições ao professor de elaborar estratégias no desenvolvimento do seu planejamento que efetivem o verdadeiro aprender. Quando os alunos se manifestam, aprendem a ouvir e respeitar os diferentes pontos de vista, aproximam-se com maior rigor de uma aprendizagem sistemática e científica de um determinado assunto que será desenvolvido. A cada novo assunto atribuir valores ao que os alunos trazem de seus contextos, na forma de seus conhecimentos prévios, permite ao professor desenvolver com mais concretude os conteúdos teóricos que terão de reconstruir.

Mudar o enfoque para o conhecimento tecnológico abre a possibilidade de questionar o real valor do conhecimento científico para o progresso da humanidade, haja vista que na contemporaneidade as relações entre ciência e tecnologia ganharam uma enorme proximidade, chegando-se à quase impossibilidade de separá-las na prática. Ao se atrelar a educação ao trabalho científico, traz-se novas necessidades de várias reflexões, que passariam pelo dimensionamento da Biologia no que diz respeito a seu papel nos sistemas de produção, nas formas de organização do trabalho, via biotecnologias, e em outras práticas cotidianas, que incluam, por exemplo, aspectos do campo da ética e da estética, destacáveis quando se dimensiona o trabalho como uma atividade humana de transformação, de mudança da natureza, a partir das diversas práticas sociais (AMORIM, 1998).

O papel do professor é possibilitar que, ao acessar a informação, o aluno tenha condições de decodificá-la, interpretá-la e, a partir daí, emitir um julgamento. Porém, o que observamos na prática escolar é um ensino de Ciências e de Biologia distanciado do aluno, repleto de informações que não facilitam a formação de uma rede de conhecimentos com sentido e de fácil aplicabilidade no seu cotidiano. Se a realidade dos alunos, seus conhecimentos e vivências prévias forem considerados como ponto de partida, o ensino da Biologia fará sentido para o aluno e a compreensão dos processos e fenômenos biológicos será possível e efetiva.

Tal contextualização na abordagem dos conteúdos de Ciências e de Tecnologia implica também no uso de novas tecnologias, estratégias essas, metodologicamente aceitas como ferramentas disponíveis no favorecimento de uma aprendizagem contextualizada. A questão é saber quando e como explorá-la em sala de aula. Nesta visão inovadora, um professor declara: “Quando algum assunto está na mídia, sempre que possível uso esses assuntos dentro do contexto trabalhado. [...]. Quando entro na Internet e vejo um site relacionado ao assunto, coloco no quadro para os alunos anotarem. [...] solicito que eles procurem, que explorem, que tragam questionamentos, não dar simplesmente um título para evitar a cópia da Internet.”

A educação tecnológica vai muito além do fornecimento de conhecimentos limitados de explicação técnica do funcionamento de determinados artefatos tecnológicos. Não se trata de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno representações que o instrumentalize a absorver as novas tecnologias. Tais conhecimentos são importantes, mas uma educação que se limite ao uso de novas tecnologias e à compreensão de seu funcionamento é alienante, pois contribui para manter o processo de dominação do homem pelos ideais do lucro a qualquer preço, não contribuindo para a busca de um desenvolvimento sustentável.

Segundo Trivelato (1995), os professores ainda transmitem aos seus alunos idéias errôneas sobre a ciência, sobre os cientistas e sobre a elaboração do conhecimento científico. Uma educação científica democrática, voltada para a cidadania, visa preparar os educandos para

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assimilar informações de qualidade, aprimorando o juízo crítico e solidificando uma verdadeira sociedade atuante. Bastos (1992) aponta algumas sugestões que podem ocasionar mudanças nesse cenário educacional, dentre estas o autor propõe a mediação da história da Ciência, porque possibilita que os alunos tenham acesso aos motivos, necessidades, hipóteses e evidências que direcionam as pesquisas e descobertas científicas e biotecnológicas. Na perspectiva de formar um cidadão que possa compreender como a tecnologia tem influenciado o comportamento humano e desenvolver atitudes em prol de um desenvolvimento tecnológico sustentável, é essencial que haja uma discussão dos valores envolvidos nas decisões (LAYTON, 1988).

É a partir da identificação dos valores que se compreendem melhor as necessidades da sociedade e os aspectos éticos que devem ser considerados no uso mais responsável da tecnologia. Nesse sentido, a escola deverá assegurar: ao aluno, uma boa formação, tornando-o capaz de realizar a transposição dos conteúdos formais na interpretação do cotidiano e na valorização dos conhecimentos não formais gerados na comunidade; ao professor: os meios necessários para proporcionar ao aluno uma formação contínua, de qualidade, que lhe garanta atualização permanente para enfrentar os avanços da sociedade.

A maneira como temas como clonagem, organismos transgênicos e Projeto Genoma Humano serão tratados em aula, ou seja, a didática utilizada pelo professor poderá provocar o interesse ou a recusa por parte dos alunos, e os processos de tomada de decisão e até mesmo a compreensão de tais temas dependem de uma base sólida de conhecimentos que podem ser oferecidos pela escola.

Uma vez que esses temas são de grande importância para a formação do educando, sua abordagem precisa ter em vista o favorecimento de uma aprendizagem significativa, daí a importância de uma prática educativa diferenciada que coloque o aluno em contato com experiências fecundas para ele. É preciso que o educador promova uma educação científica que divulgue os avanços da ciência, pois, além de necessidade, é um dever social. É imprescindível que se transmita para os alunos uma ciência mais atual, histórica, social, crítica e humana.

É preciso mudar convicções culturalmente difundidas em toda a sociedade, não só entre os partícipes do sistema educacional, de que os alunos são os pacientes, de que os agentes são os professores e de que a escola estabelece simplesmente o local, quando muito o cenário do processo de ensino. Nesse sentido, entendemos que a educação tecnológica vai muito além do fornecimento de conhecimentos limitados de explicação técnica do funcionamento de determinados artefatos tecnológicos. É claro que se demanda um preparo maior dos professores, para que a modernidade de seu conhecimento não tenha como contrapartida a superficialidade ou o empobrecimento do desenvolvimento cognitivo.

Um desenvolvimento mais eficaz, científico e pedagógico, exige também mudanças na própria escola, de forma a promover novas atitudes nos alunos e na comunidade. Não se trata de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno representações que o instrumentalize a absorver as novas tecnologias. Tais conhecimentos são importantes, mas uma educação que se limite ao uso de novas tecnologias e à compreensão de seu funcionamento é alienante, pois contribui para manter o processo de dominação do homem pelos ideais do lucro a qualquer preço, não contribuindo para a busca de um desenvolvimento sustentável.

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5 Considerações Finais

A Tecnologia tem representado um elemento marcante dentro da sociedade contemporânea, tanto nas relações de trabalho quanto na vida cotidiana. Entretanto, ainda na atualidade, o ensino de Biologia centra-se na transmissão do conhecimento biológico produzido nas Universidades, eleito como verdade a respeito da interpretação da realidade. O que tem resultado dessa concepção? Uma certa neutralidade tanto do conhecimento científico como do conhecimento tecnológico, que são vistos como busca de melhorias para a humanidade, intervenção positiva no campo social, construção de um saber a respeito da Natureza, independente de aspectos econômicos, políticos, ideológicos.

Apesar da inexistência de uma apresentação clara e conscientização de toda a população a respeito dessas múltiplas relações entre ciência e sociedade, é evidente para todos que estamos vivendo numa fase atual de nossa sociedade denominada Idade da Ciência. Dessa forma, uma formação que esteja voltada para ampliar as condições para o exercício da cidadania, possibilitando, assim, enfrentar os problemas/situações que nos desafiam, ou nos são impostos cotidianamente, seja na área de Ciências Naturais, nas relações pessoais, familiares, profissionais e demais atividades é de fundamental importância.

A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos é essencial para que os alunos possam conhecer e avaliar o significado das aplicações que têm sido feitas dos conhecimentos genéticos no diagnóstico e tratamento de doenças, na identificação de paternidade ou de indivíduos, em investigações criminais, ou após acidentes. Além disso, tais conhecimentos permitem que os alunos sejam introduzidos no debate das implicações éticas, morais, políticas e econômicas das manipulações genéticas, analisando-as e avaliando os riscos e benefícios para a humanidade e o planeta.

Um aspecto relevante na abordagem destes fundamentos no que se refere a relação professor-aluno é a criação de um novo ensinar, a instalação de uma nova forma de comunicação educacional, a construção da nova identidade do professor que, de transmissor de informações prontas e de verdades inquestionáveis, torna-se um mediador. No contexto educacional, entende-se a mediação como intervenção do professor para desencadear o processo de construção do conhecimento (aprendizagem) de forma intencional, sistemática e planejada, potencializando ao máximo as capacidades do aluno.

O papel do professor é possibilitar que, ao acessar a informação, o aluno tenha condições de decodificá-la, interpretá-la e, a partir daí, emitir um julgamento. Se a realidade dos alunos, seus conhecimentos e vivências prévias forem considerados como ponto de partida, o ensino da Biologia fará sentido para o aluno e a compreensão dos processos e fenômenos biológicos será possível e efetiva. Assim, ao provocar a reflexão sobre o que está ensinando e aprendendo, propicia-se a oportunidade de argumentar, discutir e questionar os diferentes pontos de vista sobre um mesmo fato ou questão reelaborando-a em outra ocasião. A necessidade da aprendizagem científico-tecnológica deve ser vista pelo professor e sentida pelo aluno como algo que lhe seja útil. Essa vontade torna agradável ler, investigar, pesquisar, experimentar, discutir até se chegar a uma compreensão e a um consenso do que se está ensinando e aprendendo.

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