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A Cor dos Sonhos

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um romance sobre a vida e os sonhos

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A Cor dos SonhosLembra-se da última vez

que foi atrás de um sonho?

JOSEP LÓPEZ ROMERO

Pergaminho

Tradução de:Maria Lucília Filipe

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A COR DOS SONHOS

JOSEP LÓPEZ ROMERO

Traduzido de: La Ilusión – Un Recorrido Vital Hacia la Aceptación y la Superación Personal, Editorial Planeta, SA, 2009, Barcelona.

Copyright © Josep López Romero, 2009

Copyright © 2010, da tradução e da edição portuguesas by Editora Pergaminho SA, uma chancela da Bertrand Editora, Lda.

Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todoou em parte, por qualquer processo mecânico, fotográfico, electrónico,ou por meio de gravação, nem ser introduzido numa base de dados,difundido ou de qualquer forma copiado para uso público ou privado– além do uso legal como breve citação em artigos e críticas –sem prévia autorização dos titulares do copyright.

1.ª edição, Novembro de 2010ISBN 978-972-711-992-9

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Ao meu pai, com o voto de que na sua próxima vida

recupere o sonho perdido

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Agradecimentos

A Georges Escribano, pela sua generosidade e por uma frase genial que me cedeu para este livro.

A Montse Vilardell, por ser uma bruxa boa (ou uma fada travessa, conforme se queira ver).

A Maru de Montserrat, por ser um pouco mais do que minha agente.

A Montse Serret, por ser parte importante da minha rede de afectos.

A Álex Rovira, por estar aí, tão longe e tão perto.A Fady Bujana, por me aproximar de Gibran e do meu

eu ideal.A Cristina Baulies, por mais de vinte anos de amor.

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Apresentação

Esta história fala do sonho, necessário para viver e para empreender qualquer tipo de projecto. Fala, em con-creto, do sonho saudável, do que não nega o presente, mas que o enriquece e o projecta para o futuro. Aquele que, quando desaparece por qualquer motivo, nos deixa órfãos de energia vital.

É um tipo de sonho facilmente identificável, porque se trata daquele tipo de sonho que todos nós perdemos em algum momento da vida, talvez até há pouco tempo, talvez sem nos apercebermos, tal como se perdem umas chaves.

Talvez seja das poucas pessoas que nunca perderam o sonho (nem as chaves) e, nesse caso, é possível que este livro não lhe diga nada. Porém, se faz parte do grande grupo de seres humanos que alguma vez padeceu da falta de sentido da vida, aquela dolorosa ausência de um pro-jecto de vida, aquela sensação de estar no lugar errado e a fazer algo por engano, então seja bem-vindo.

Para entrar nesta história, só precisa de uma coisa: estar aberto à fantasia, abandonar os preconceitos e deixar sair a criança que foi e que continua a viver dentro de si, porque as crianças são os mestres do jogo e, como diz uma das personagens da história, «sem jogo não há sonho».

A protagonista do livro é uma mulher comum, chamada Esperança, que certo dia acorda com um vazio terrível no peito e a sensação desagradável de que já não controla a sua vida, mas podia perfeitamente ser qualquer um de nós, des-de que estejamos decididos a procurar o sonho perdido.

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A ela empresto a minha voz, a partir da próxima pági-na, porque afinal eu sou ela e ela é eu, e porque indepen-dentemente do nosso sexo ou condição, somos todos seres humanos desejosos de viver com sonhos.

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Onde Estão as Chaves?

Naquela manhã acordei esquisita. Antes de abrir os olhos notei, à altura do peito, uma espécie de vazio, a sensação de que me faltava ou de que tinha perdido algo. Lembro-me de que pensei, ainda meio confusa na irreali-dade do sonho, que talvez alguém me tivesse roubado o coração durante a noite e que no seu lugar tivesse ficado um vazio incómodo ou que eu própria o tivesse perdido em algum escritório ou deixado debaixo da mesa de algum restaurante, durante um almoço de negócios. Essa ideia sobressaltou-me. Abri os olhos, levei as mãos ao peito e verifiquei aliviada que o coração continuava ali e batia normalmente.

Quando, pouco depois, quis sair da cama senti que o vazio se solidificava e adquiria a consistência de um lastro ou de uma âncora. Era um paradoxo, mas o vazio pesava e não só. Pesava tanto que me impedia de me levantar e ir à cozinha de onde me chegavam as vozes tranquilas do meu marido e da minha filha, que falavam num murmúrio para não me acordar.

Já havia algumas semanas que me levantava com dificul-dade, sem ânimo e que começava o dia apenas com a força da inércia. A essa falta de energia juntava-se agora um novo peso, uma laje de que não conseguia desprender-me, porque não estava sobre mim, mas no meu próprio interior.

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Com um esforço sobre-humano, incentivado pela possibilidade de ver ainda a Lúcia, antes que Carlos a levasse para a escola, como todas as manhãs, consegui puxar pelo meu corpo e recompor-me, a seguir enfiar os braços no roupão e arrastar os pés pelo corredor até che-gar à cozinha.

– Olá mamã. Bom dia.Ali estava Lúcia, com os seus oito anos, surpreenden-

temente maduros, a devorar uma chávena de leite com cereais de chocolate, cheia até à borda, como fazia sempre que eu não estava perto para a repreender pelo excesso de cacau. Sentei-me à mesa e rezei, em silêncio, para que uma alma caridosa deixasse cair do céu uma chávena de café, sem outro aditivo além de um milhão de átomos de cafeí-na em pé de guerra.

– Olá querida! – lançou-me Carlos, enquanto me punha na frente a ansiada dose de vitalizante matinal e depositava um beijo de fugida no meu cabelo despentea-do. – Sentes-te bem?

– Hmmm… Não sei. Acho que ainda não estou…– Pois devias tentar o mais depressa possível. Lembro-

-te que hoje é sexta-feira. O Marcos e a Ana vêm cá jantar esta noite e tínhamos combinado que irias comprar comi-da feita, naquela charcutaria que tens perto da livraria. E um bom vinho, que já sabes que eles são apreciadores.

Fiz uma cara de enfado, enquanto levantava a chávena de café e a levava à boca com dificuldade: até um esforço mínimo como aquele me era penoso.

– São teus amigos, Esperança – repreendeu-me Carlos, ao perceber o meu aborrecimento –, e há muito tempo que não os vês. Aliás, há muito tempo que não vês nin-

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guém que não tenha que ver com a livraria. Estás obcecada com o negócio. Devias fazer um esforço para te desligares, não achas? Além disso, já sabes que não posso encarregar--me das compras. Às cinco vou buscar a Lúcia e levo-a à música e depois à natação. Hoje é sexta-feira…

Era a segunda vez, num minuto, que mo recordava. A verdade é que tanto me fazia que fosse sexta-feira ou outro dia qualquer da semana. Num passado remoto de que mal conseguia lembrar-me, as sextas-feiras costuma-vam ser de festa antecipada e prelúdio de aventuras exci-tantes. Agora, só desejava que chegasse a hora de fechar a livraria, fosse que dia fosse, para voltar para casa, aban-donar-me no sofá e entregar-me ao sono que dizem que tudo cura.

Ao pensar nisso voltei a sentir intensamente o vazio no peito, mesmo à altura do esterno. Não me doía, mas a sua presença era incómoda e até inquietante. Quis partilhá-la com Carlos.

– Sabes o que me aconteceu há um momento, quando acordei?

– Terás de explicar-me logo, querida. Vamos chegar tar-de à escola. Anda Lúcia, acaba o leite e vamo-nos embora…

– Logo?! – protestei, usando a escassa energia que o café amargo acabara de me insuflar. – Quando é logo? Nunca temos um logo…

– Estás a ver como ando sempre a correr, Esperança. Eu também tenho muito trabalho e muitos problemas. Não tenho culpa se…

– Mas, só te peço que me ouças um minuto!Carlos voltou-se para mim, enquanto limpava a cara

de Lúcia com um guardanapo e lhe punha a mochila às

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costas, tudo isso num único e hábil movimento. O seu olhar provocou-me uma pontada de tristeza e mais do que pensei, senti que a vida com ele se transformara num calendário de actividades programadas que se tinham de ir cumprindo e que não admitia improvisos. É certo que gostava de mim à sua maneira, mas, ultimamente, eu tinha a sensação de que em vez de partilharmos uma relação nos limitávamos a geri-la.

– Está bem – concordou, após um momento de dúvida. – Então o que é que te aconteceu?

– Levantei-me com uma sensação muito estranha aqui. – Apontei o peito com a palma da mão. – Vais achar estra-nho, mas é como se me faltasse algo importante e não soubesse o que é. É uma sensação angustiante.

– Não terás voltado a perder as chaves?– Carlos, estou a falar a sério…– Bom, rapariga, era só uma ideia. Como as perdes tão

frequentemente…Naquele momento, Lúcia aproximou-se, deu-me um

beijo e deu a mão ao pai para que ele a levasse. Carlos resistiu teatralmente.

– Bom, vá, vai-te embora. Falamos depois – concordei, embora soubesse, perfeitamente, que não o faríamos, que não haveria nenhum logo, que o dia e a vida iriam corroê--lo até se transformar num nunca.

Enquanto os dois se afastavam pelo corredor, deixando--me novamente a sós com o meu vazio, ouvi Lúcia a can-tarolar: «Onde estão as chaves? Trá-lá-lá, onde estão as chaves? Trá-lá-lá, tlim-tlim!»

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As Livreiras Tristes

Tive de procurar as chaves à pressa, quando ia a sair. Não estavam na mala do dia anterior, mas abandonadas de qualquer maneira num sítio que não era habitual: a banca-da da cozinha. Não me lembrava de as ter ali deixado…

Enquanto fazia a mudança de uma mala para outra, já à porta, pensei aproveitar a operação para passar revista aos meus objectos quotidianos e verificar se não faltava nenhum. Naquela altura, ainda suspeitava de que a perda de algum deles – o telemóvel, as chaves da livraria, o comando da porta do estacionamento, o PDA – pudesse ser a causa daquela espécie de buraco negro que se tinha instalado no meu peito e que se assemelhava muito à sen-sação de ter perdido algo. Porém, sentia-me pesada e sem forças, por isso decidi deixar o inventário para mais tarde e limitei-me a despejar o conteúdo de uma mala para outra.

Apanhei o metro, como todas as manhãs, à mesma hora e aproveitei o trajecto para ler uma dúzia de currícu-los que me tinham enviado para preencher o lugar de empregado da livraria. Não era, evidentemente, a leitura que mais me apetecia, mas tinha mesmo de o fazer. Nos últimos tempos, especialmente desde que tinha ampliado o espaço da livraria com o aluguer de um local maior, a actividade da empresa tinha-se multiplicado e eu já mal

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tinha contacto com os livros. Nem sequer podia ler no metro e muito menos no escritório ou em casa, onde che-gava derreada, depois de doze ou catorze horas de activi-dade incessante. O meu trabalho já não se parecia com o de algum tempo antes, quando tinha a minha pequena livraria de bairro. Nessa altura, o meu trabalho consistia em escolher os livros que queria vender e em aconselhar os clientes sobre os títulos que se adequavam melhor aos seus gostos e necessidades. Era um trabalho que me dava prazer, visto que para aconselhar bem os meus clientes, sobretudo os habituais, tinha de ler muitos livros e isso, longe de ser um sacrifício, constituía, para mim, um ver-dadeiro prazer.

Porém, desde que a empresa tinha crescido que o meu trabalho se assemelhava mais à gestão de um grande arma-zém, a organização de um espaço onde era preciso arran-jar lugar (como se fosse possível) para a avalanche de novos títulos que todas as semanas nos inundava, como um tsunami descontrolado. Sentia-me desgostosa com aquela situação, mas aceitava-a como um preço que con-siderava necessário pagar, como um sacrifício inevitável para que tudo corresse bem, para conseguir que a livraria funcionasse, porque era o que achava importante naquele momento. Ao fim e ao cabo, pensava: quem não renuncia a coisas importantes na sua vida? Porque é que hei-de ser diferente? E assim, a pouco e pouco, sem me aperceber, ia-me consumindo.

Frequentemente, como aconteceu também naquela manhã, quando saí da boca do metro que me deixava mes-mo em frente da livraria, vinham-me à ideia as palavras que alguém, não me lembro quem, tinha dito uns anos

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antes: «O teu negócio tem de crescer, Esperança. É a única maneira de sobreviver. Ou cresces ou morres arrastada pelos gigantes.» E era isso que tinha feito: crescer, pelo menos, aparentemente. Porém, não conseguia sentir-me bem naquela nova circunstância que me privava de um dos meus prazeres favoritos, a leitura, e que tornava certo o famoso provérbio: «Em casa de ferreiro, espeto de pau.»

Passei aquela manhã fechada no meu pequeno escritó-rio da sobreloja, a entrevistar candidatos para preencher a vaga de empregado de balcão. Entre uma entrevista e outra, Marcos, a minha mão direita na livraria, entrava e recorda-va-me que tínhamos uma conversa pendente, desde o dia anterior, e que era importante não a adiar mais. Estava inquieto, o que nele era estranho. O seu semblante revela-va a preocupação de alguém que tem uma má notícia a dar e não consegue encontrar forma de o fazer.

Ao fim da manhã, após uma dúzia de entrevistas, con-seguimos, por fim, falar. Marcos entrou no meu gabinete como se fosse para um funeral. Sentou-se do outro lado da secretária e olhou para mim. Quando vi a expressão do seu rosto percebi que ele iria saltar os preliminares:

– Isto não dá, Esperança. Vamos de mal a pior. À noi-te fiquei até tarde a rever os números de vendas do último mês e tivemos uma quebra tremenda. – Estendeu na minha frente uma folha de Excel a transbordar de números. – Já íamos mal, mas agora rebentámos a escala… por baixo.

– Mas não entendo – respondi aborrecida. – Estamos a fazer o mesmo que fazem as outras livrarias grandes, não estamos? Temos as novidades e ao mesmo tempo uma boa reserva de obras variadas, aplicamos os maiores descontos possíveis, organizamos lançamentos de livros, estamos

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abertos à hora do almoço e aos sábados, e até alguns domingos, editamos uma revista electrónica, vendemos por Internet… Que mais teremos de fazer?

Ficámos os dois a ruminar. Marcos, que se mostrava sempre assertivo e contundente, não sabia o que dizer quanto à gestão da livraria. Com uma mão coçava a cabe-ça por cima do cabelo curto e com outra agitava uma esfe-rográfica no ar, aparentemente sem ritmo, como um maestro desorientado.

– O que achas que aconteceu, Marcos? – perguntei, em parte porque não sabia e, em parte, para quebrar aque-le silêncio incómodo.

– Não sei, essa é a verdade. Vejo que o pessoal faz o seu trabalho correctamente e os livros são o que são, como em quase toda a parte. Até há pouco tempo achava que não tínhamos espaço suficiente para as novidades, mas ampliámo-lo e continuamos na mesma. Chegámos ao limite. Se roubarmos mais centímetros aos corredores, os clientes vão ter de abrir caminho à catanada.

Ao fim de alguns anos a trabalharmos juntos, conhecia suficientemente Marcos para saber que tinha tentado tudo o que era possível para melhorar as coisas, mas que tinha atingido o seu limite de impotência e de fúria.

Ao contrário dele, eu sentia-me triste. Na verdade, há semanas que me sentia assim, mas naquele dia todas as minhas sensações se manifestavam com mais intensidade. Sob aquele manto de incerteza que nos cobria, reparava como a tristeza circulava num vaivém fatigado, pelas veias e artérias do meu corpo, daquele corpo debilitado por aquela bigorna fantasmagórica, que o habitava desde o princípio da manhã e que me comunicava, mediante aque-

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le vazio de chumbo, que me faltava alguma coisa, que tinha perdido algo importante.

Por um momento tive a sensação de que não ia ser capaz de permanecer sentada com as costas direitas. Senti como se estivessem prestes a desvanecer-se as poucas for-ças que me mantinham viva, como se a gravidade se dis-pusesse a exercer a sua lei implacável e fosse arrastar-nos para o centro da Terra, a mim e àquele vazio terrivelmen-te pesado…

– Estou a achar-te esquisita, Esperança – disse então Marcos, que deve ter notado a súbita palidez da minha cara.

– Sim, bom… é que passei mal a noite – menti.– Pois, pela tua cara diria que passaste mal um ano.– Agora é que disseste bem…Sorrimos os dois sem convicção e ficámos, de novo,

em silêncio. Não tardei a interrompê-lo, para tentar encontrar em Marcos alguma pista que me ajudasse a entender o que estava a acontecer.

– Ouve, Marcos, alguma vez tiveste a sensação de teres perdido alguma coisa e não saberes o que é?

– Ah, não, Esperança, outra vez as chaves, não! Não volto a mudar as fechaduras da livraria, porque não esta-mos para gastos…

– Não, não é isso. Perdi alguma coisa, mas desta vez não foram as chaves. Também não sei o que foi. A única coisa que sei é que sinto um vazio tremendo, aqui no pei-to. É um vazio físico, tangível, como se me tivessem arran-cado o coração.

Sem olhar para ele, adivinhei a expressão inquieta de Marcos, que disse:

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– Olha Esperança, estou a começar a preocupar-me a sério… Não pensaste em pedir ajuda profissional? Acho que trabalhar tanto e com tanta pressão está a afectar-te. Vejo-te abatida, como se tivesses perdido a vontade de continuar a lutar.

– Vá, não exageres. – Forcei um sorriso. – Olha, acho que me faz bem apanhar um pouco de ar. Vou dar uma volta e fazer uma compra. Quando voltar falamos, certo?

Levantei-me, sem esperar a resposta, peguei no casaco com a dificuldade de quem domina a custo as suas articu-lações e dirigi-me à saída caminhando pesadamente por entre as mesas das novidades.

Ao passar ao lado do balcão principal olhei, com intenção de me despedir das empregadas que estavam ali a atender e, como se fosse uma revelação, descobri de ime-diato algo de surpreendente, algo que com certeza estava à frente dos meus olhos há muitos dias, mas que até ao momento eu não tinha conseguido ver: aquelas livreiras estavam tristes tal como eu.

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