212
A cultura da oliveira e a produção do azeite na área serrana dos antigos Coutos de Alcobaça (Séculos XVII - XX)

A cultura da oliveira e a produção do azeite na área serrana dos antigos Coutos de Alcobaça

Embed Size (px)

Citation preview

A cultura da oliveira e a produo do azeite na rea serrana dos antigos Coutos de Alcobaa (Sculos XVII - XX)

Antnio Maduro / 2001

Olea prima arborum est (Columella)

"Por toda a parte, com o tronco contorcido e s vezes rodo da crie, com a folha mida e prateada luz do entardecer, na sombra protectora dos seus ramos simblicos, a oliveira exprime, como nos tempos bblicos, a rstica paz das almas e a fecundidade sagrada da terra." (Orlando Ribeiro).

2

ndice

1. Introduo...............................................................................................................................4 2. A cultura da oliveira em Portugal..........................................................................................10 3. A expanso do olival monstico nas faldas da Serra dos Candeeiros e a edificao dos lagares............................................................................................................................16 4. As tomadias populares nos baldios. A plantao do olival familiar na charneca e encosta da Serra...................................................................................................................31 5. O plantio das oliveiras. Aspectos culturais.......................................................................... 38 6. A apanha da azeitona...........................................................................................................47 6.1. A azeitona dos pobres...................................................................................................47 6.2. A actividade dos ranchos azeitoneiros..........................................................................51 6.3. Transporte e entulhamento das azeitonas....................................................................68 7. A tecnoeconomia do lagar de varas.....................................................................................73 7.1. Os oficiais do lagar........................................................................................................73 7.2. A moenda......................................................................................................................74 7.3. O enceiramento.............................................................................................................79 7.4. O funcionamento da prensa de vara.............................................................................81 7.5. Primeira espremedura, calda e quebra.........................................................................83 7.6. O assentar e sangrar a tarefa.......................................................................................86 7.7. O uso das tibornas........................................................................................................88 7.8. Arrancar o azeite...........................................................................................................89 7.9. A iluminao dos lagares..............................................................................................91 7.10. A maquia e outros tributos..........................................................................................92 7.11. Conservao e comercializao do azeite.................................................................94 8. A aplicao do azeite e das borras nas argamassas de construo, na conservao de gneros agrcolas.................................................................................96 9. O declnio do olival...............................................................................................................99

10. Glossrio............................................................................................................................105 3

11. Fontes e Bibliografia.......................................................................................................... 132

1. Introduo A pesquisa monogrfica que realizmos incide no campo da tecnoeconomia agrcola, tendo como objecto de estudo a cultura da oliveira e as tecnologias do lagar de varas. Grosso modo, o perodo temporal desta investigao, que mobiliza referncias metodolgicas e tericas da Antropologia e da Histria, abarca um perodo cronolgico que vai do sculo XVII e percorre a primeira metade do sculo XX. A rea geogrfica deste estudo abrange o extenso corredor das faldas e encostas da Serra dos Candeeiros. Este territrio faz parte das freguesias serranas do concelho de Alcobaa, nomeadamente, S. Vicente e Prazeres de Aljubarrota, vora de Alcobaa, Turquel e Benedita. Todo este espao geogrfico estava integrado ou constitua termo dos domnios senhoriais dos abades de Alcobaa, que exerceram o seu poder temporal num perodo que vai do ocaso do sculo XII at 1833, altura em que os monges abandonam o Mosteiro. A Ordem Cisterciense recebeu esta ampla doao das mos do primeiro monarca - "a hereditas de D. Afonso Henriques ficava no territorio que jaz entre Leirena e Obidos, nas abas do Monte Taicha (...) e os limites do couto demarcaram-se assim: da foz de Salir gua do Furadouro e garganta de Olmos, d'aqui s cimas de Aljumaruta, a ndano, ao rio de Coz, e por Melva mata de Pataias, e pela Pederneira a Moer e ao mar" (Vasconcelos, 1980, p.492). Os abades cistercienses de Alcobaa eram senhores de catorze vilas e trs portos de mar, administrando um territrio que compreendia mais de 440 Km2 (Natividade, sd a, p.59; Garcia, 1975, p.11; Gonalves, 1989, p. 356). O Marqus de Fronteira e d'Alorna que visitou a Abadia no incio do sculo XIX, refere que as propriedades "entre quintas e foros, tinham oito lguas de circunferncia" (Memrias do Marqus de Fronteira..., 1928, p. 425). A necessidade de povoar e desenvolver economicamente este domnio traduziu-se numa poltica de atraco e fixao de colonos. A cada famlia era atribudo um casal que compreendia o espao em que se levantavam as "casas" e as terras de semeadura que asseguravam a autonomia econmica do agregado (Gonalves, 1989, pp. 69-70). Os colonos, consoante o clausulado das cartas de povoamento das vilas dos coutos, obtinham o domnio til da terra num prazo que variava entre os trs e os dez anos. A aquisio, mais ou menos rpida, do direito de propriedade, dependia de factores como a produtividade do solo, a facilidade ou no de o romper e amanhar. O Mosteiro, como se pode ver na carta de povoao da vila de Turquel, concedia s famlias que cortassem a madeira necessria para levantar a habitao e cmodos, emprestava as sementes, a pagar na altura da colheita e atribua alfaias agrcolas produzidas nas oficinas do Mosteiro, viabilizando assim o arranque da explorao camponesa. A reactivao do surto mineiro permitiu a divulgao do uso do ferro nos instrumentos agrcolas - "No sendo possvel que medrasse a Agricultura sem o uso dos instrumentos, que lhe so prprios; e no prevalecendo ento o costume de se mandar vir de 4

fora, o que tnhamos em casa, tractro aquelles Monges de explorar o terreno, que cultivavo; e descobertos felizmente em mais de hum lugar os indcios de Minas de ferro, por ventura j trabalhadas sob o domnio dos Romanos, tivero arte, no s para o extrahirem da terra, mas igualmente para o fabricarem, e converterem para os usos domesticos, ou da Lavoura" (S. Boaventura, 1827, p. 47 ). A prestao senhorial executada pelos monges atinge cerca de 1/4 da produo camponesa (Mattoso, 1985, p.228). Segundo nos esclarece Viterbo, a eirdiga nas terras de Alcobaa tem seis fangas de po, o que so vinte e quatro alqueires. Para alm dos rendimentos provenientes da explorao directa do solo, nas Quintas e Granjas, temos as rendas e demais direitos que o Mosteiro, como grande instituio senhorial, exerce sobre as populaes fixadas nos Coutos. A partir de finais do sculo XIII, a falta de irmos conversos para trabalhar e orientar os servios agrcolas, leva atribuio de cartas de povoamento s granjas, limitando assim a explorao directa da terra exercida pela Abadia (Gonalves, 1989, pp. 156-159; Barbosa, 1998, p.1455). Frei Manuel de Figueiredo (desconhece-se a data de nascimento e morte deste religioso, apenas se sabe que vivo em 1793) refere-nos em pormenor as provenincias destas receitas: "Consistem as rendas do Mosteiro em todas as terras de que he Donatario, nas duas partes dos Dizimos (...) no quarto de legumes e po (...) nos quintos da azeitona [quando os monges cediam um olival aos povoadores, caso patente na carta de povoamento de Turquel (1314), entre outras, recebiam metade das azeitonas do olival], alhos e cebolas, linho, fruta e vinho (...) na fogaa de hum alqueire de trigo, que paga cada lavrador que tem casa e fazenda (...) nas portagens, e nos terrados de algumas feiras de todas as Vilas (...) na galinha de casaria que paga cada morador (...) nas maquias dos lagares de azeite. Acresce a este inventrio as terras arrendadas, o rendimento das Quintas do Mosteiro, das Igrejas e de outros domnios fora dos coutos" (cod 1493, fls. 39-40). Os monges tutelam todo o sector produtivo, determinam as culturas e as suas reas de cultivo, reservam para si a explorao de todo um conjunto de meios de produo que mandam erguer nas terras dos Coutos. So as minas de ferro e de cantaria (as caboucas), as oficinas de onde saam os instrumentos e alfaias, as azenhas e moinhos de vento utilizados na moagem dos cereais, os engenhos em que se tritura a azeitona, de traco animal ou accionados pela corrente, as noras de rega, os fornos de cal, os lagares de vinho e azeite. Desta forma diligente, nas terras do D. Abade, se assegurava uma fiscalizao eficiente dos proventos dos rendeiros e proprietrios e se facilitava a cobrana das rendas... A presena secular dos monges neste territrio e a sua capacidade notvel de o ordenar e administrar, suscitou que Leite de Vasconcelos defendesse que" as povoaes dos Coutos (...) constituam verdadeiramente uma regio, - uma sub-diviso geogrfica da Estremadura Cistagana" (1980, p. 500). Borges Garcia parte certamente desta ideia, quando sustenta que, ao nvel da economia, a aco dos monges reveladora de um plano agrcola de longa durao, do qual respiga como elementos fundamentais: "1, mais larga utilizao do ferro; 2, incremento da traco animal; 3, reduo dos tempos mortos (afolhamentos); 4, incremento da cultura da oliveira e da vinha; 5, plantao de pomares, cultura de citrinos; 6,

5

critrios na escolha de culturas, de acordo com a constituio dos solos; 7, criao e desenvolvimento de granjas modelo" (1986, p. 63). Por meados do sculo XVII, ao longo do sculo XVIII e princpios do sculo XIX, os monges cistercienses mandam plantar extensos olivais na beira da Serra que, gradualmente, vo ocupar as terras de charneca. Para "lavrar" o azeite dos olivais serranos, edificam-se majestosos lagares de varas. Estes lagares, nesta rea desprovida de nascentes, implantamse, estrategicamente, junto s lagoas, barreiros e bajancos (cavidade calcria que se enche de gua e a mantm durante o estio); o caso do lagar da Quinta da Ataja nas imediaes da Lagoa Ruiva ou do Lagar da Lagoa Ereira (Casal da Lagoa). Na Quinta de Vale de Ventos, o abastecimento de gua ao lagar provm das "Obras", grandes reservatrios que aprovisionam as guas pluviais. Dado que a grande concentrao de olival dos Coutos de Alcobaa se encontra nas faldas da Serra, compreende-se que estes lagares disponham de uma maior capacidade de laborao, nomeadamente os lagares da Quinta da Ataja e o da Lagoa, ambos apetrechados com oito varas, quatro caldeiras e dois engenhos. Esta poltica de fomento agrcola ter conhecido um incentivo com o Consulado Pombalino, pela mo do primo do Marqus, Frei Manuel de Mendona - Geral do Convento de Alcobaa, Esmoler-Mor do Rei (por carta rgia de 13 de Novembro de 1762), Visitador e Reformador da sua Ordem (Natividade, p. 54). Este religioso era irmo de Pedro da Cunha e Mendona, detentor das quintas da Granja e das Pedras (Turquel) e da Quinta de S. Gio ( Nazar) . O valor dos prdios rsticos, nos quais se incluem os lagares de azeite, destacado numa curiosa nota de observao ao mapa de avaliao dos bens do Mosteiro de Alcobaa (1834) ao referir que: "Todos os Prdios Urbanos pertencentes outrora aos Frades Bernardos perdero o merecimento que lhe dava valor, quando lhe faltou o fim que hero necessrios. Sua construo h mais magistosa que util, e por isso se aparta dos intereces da Agricultura, que s se favorecem pela iconomia: os Moinhos de Agoa e Lagares de Azeite pouco podem perder do seu valor, a excepso de poucos que se acho em mao estado." (AHMF, cx. 2193). Acompanhando o avano do olival surgem focos de povoamento, num territrio outrora praticamente sem almas. O Mosteiro, para viabilizar este plano de aproveitamento agrcola precisava de fixar populaes, disponibilizar braos para as arroteias, plantao das tanchoeiras, para as culturas do trigo, do milho e da cevada, para as colheitas e outros trabalhos culturais nos olivais. O enraizamento da populao neste espao teve que contar com inmeros constrangimentos. As famlias e as comunidades em formao amanham terras magras, cravejadas de pedra, que s despedregas constantes consentem alguma produo. esta pedra excedente que tece a intrincada malha de muros que divide a propriedade ou que se acumula nos "maroios" (montes de pedra, em que a mida serve de recheio e a grossa de suporte), prtica j utilizada pelos romanos segundo Columella (Trigoso, 1815, p. 37). Porm, o condicionalismo mais inibidor do sucesso destes povoados a total ausncia de gua "nascedia". Todo este espao fsico desprovido de nascentes devido s suas caractersticas crsicas. O proco de Turquel, na resposta ao ponto 6 do 2 questionrio do Dicionrio Geogrfico (sc. XVIII), refere que esta Serra "No pode conter agoa, por ser muyto rota e de

6

profundssimos algares". A inexistncia de guas de nascente tornou invivel a prtica do regadio, pelo que a agricultura se confina s culturas de sequeiro, com um rendimento muito baixo. A geografia da cultura da oliveira coincidente com a das terras sem nascentes, em que as veias de gua, como nos referiu o senhor Jos Neto, conhecedor das artes de vedor, nunca rompem o solo. A colonizao da rea serrana confrontou o homem com a necessidade de constituir reservas de gua indispensveis sobrevivncia do dia a dia. A construo de cisternas e poos constitui uma realidade que vem da formao destes povoados e subsiste durante o sculo XX, j com uma dimenso privada. A abertura de poos estava condicionada pela qualidade das terras. S em solos argilosos, que tinham a capacidade de reter as guas, que aqueles eram edificados. Estes poos, sem nascente, teciam as suas paredes de pedra "insonsa" (sem argamassa). Por este motivo so conhecidos por "poos rotos", facilitando a textura das suas paredes a recepo das guas que penetram o solo nas suas imediaes. As cisternas diferenciam-se dos poos pelo sistema de cobertura e isolamento do seu reservatrio. Aproveitando uma concavidade natural dos afloramentos calcrios e o lajeado superfcie, improvisa-se uma cisterna, conhecida por "eira do poo". Tambm as eiras de cereais, com um declive apropriado, recolhem gua que conduzida para o interior daqueles reservatrios. Para alm destes depsitos, as populaes serranas socorrem-se das lagoas (Ruiva, Ereira, Frei Joo, do Ferro, das Talas, entre outras), dos barreiros, dos bajancos, do rio Alcoa, das fontes de mergulho ou chafurdo localizadas na rea frtil circunvizinha. A provenincia dos colonos que se instalaram nas faldas desta Serra pode ser indagada pela lingustica. disto exemplo as populaes serranas disporem no seu vocabulrio de termos desconhecidos ou no utilizados pelas outras comunidades. A designao do alecrim por "anecril" (provincianismo transmontano) apenas um caso entre muitos. A adaptao dos homens ao meio fsico repercute-se na vida material, nas relaes sociais que a sustentam, no terreno do imaginrio e do simblico. Tambm ao nvel da tecnologia agrria detectamos registos de inveno e originalidade. Para acarretar o mato que ia curtir no ptio ou se aglomerava em montes nos caminhos (as estrumeiras) para fertilizar as terras, recorria-se ao "carrouo". Este veculo, nico em Portugal continental, pois apenas na Madeira encontramos um sistema similar de traco por arrastamento, consistia num gnero de tren rudimentar com cerca de trs metros de comprimento por dois de largura, com capacidade de acarretar 60 paveias de mato. Tambm era usual fazer-se rolar feixes de mato pela encosta abraados por uma corda presa pelo "belho", gancho de madeira de oliveira ou marmeleiro. Ao nvel das alfaias sobressai, pelo seu primitivismo, o emprego do mao (vora de Alcobaa, Turquel, Benedita), com o batente de madeira de azinho, de figueira ou de pinho e o cabo de castanho ou carvalho, nos terrenos de barro selo, para desfazer os torres que a grade tinha deixado. O cabo apresenta cerca de 1 metro de comprimento e o batente aproximadamente 30 cm. Esta alfaia manuseada indiscriminadamente por homens, mulheres

7

e mesmo por crianas, sendo, neste caso, de menores dimenses. Ainda hoje, nomeadamente nos Casais da Charneca (vora de Alcobaa) e em Turquel, entre os meses de Maro e Maio se pode ver esta alfaia em servio. Este instrumento ter precedido o uso da grade, com a disseminao desta ltima, o mao viu, provavelmente, reduzida a sua rea de utilizao. Para alm de complementar o trabalho da grade, a sua funo era crucial nos milheirais de sequeiro, na quebra dos torres junto ao colo do milho, quando este atingia cerca de meio palmo de altura, para facilitar o seu crescimento. Tambm era utilizado nas batateiras, no chcharo, nas favas, no feijo etc., quando se realiza a sacha. A cultura da oliveira desempenha um papel central na economia das comunidades que se instalaram no sop da Serra dos Candeeiros. Os trabalhos culturais da oliveira envolvem todo o agregado familiar. Aos homens cabe o trabalho de desmatar e lavrar o coberto do olival, plantar, varejar e podar, enquanto as mulheres e as crianas encarregam-se de catar a azeitona no cho e apanh-la nas ramas baixas. Em anos de safra, esta cultura mobiliza migraes de ranchos azeitoneiros que vm engrossar a fora braal desta regio. Elegendo esta cultura entre as demais, D. Antnio de Macedo, sem dvida imbudo de um iderio fisiocrata, argumenta que: "Um bom anno de azeite produz isto tudo, augmenta os bacelos, acrescenta os lagares, multiplica as charruas, alarga as sementeiras, desenvolve a indstria, emprega a mo de obra, d salrio aos trabalhadores" (1855, p. 76). A economia das populaes da sub-serra depende, em grande medida, da benevolncia desta rvore. graas ao azeite que os casais vem aumentadas as suas rendas, este mesmo leo que compe a dieta alimentar, que traz a luz casa, que se oferece para pagar favores e promessas de almotolias de azeite e cuja chama alumia o altar do Santssimo. Sem as naturais restries dos lares camponeses, no refeitrio do Mosteiro servia--se o azeite em grandes bilhas de barro, assim o presenciou o Marqus de Fronteira e Alorna, que em digresso passou por esta casa nos incios do sculo XIX (Memrias do Marqus de Fronteira..., 1928, p. 424). Entre a gente dos campos, s os mais providos de cabedais, que amanhavam pipas de azeite, se permitiam extravagncias. Por volta de 1930, constitua motivo de riso e espanto ver um lavrador mesa cortar a quentura dos nabos, acabados de sair da panela, regando-os copiosamente com azeite. A importncia desta rvore para a sobrevivncia quotidiana explica, nesta regio, a vaga de tomadias populares nos baldios da subserra e encosta. Ao longo do sculo XIX e durante a primeira metade do sculo XX, o olival alastra incontroladamente. Por todo o lado, levantam-se murados de pedra solta que afirmam o direito de posse de cada parcela. Este mpeto, ironicamente, conhece um desfecho dramtico - o abandono do olival e a sua substituio por culturas florestais. esta histria, que de forma sumria introduzimos, que o presente trabalho vai tentar analisar. O problema central desta pesquisa consiste em compreender os ciclos que marcaram o nascimento, desenvolvimento e morte do olival serrano. Para tentarmos levar a bom porto esta tarefa, optmos por cruzar diferentes registos de anlise. Num prisma de longa durao, averigumos a persistncia dos mtodos e tcnicas da cultura da oliveira produo do azeite;

8

numa outra esfera de anlise, em que bate o corao do Estado, das instituies e polticas, colhemos as mudanas na estrutura da propriedade, os novos registos de explorao da terra, as grandes ideias e decises em poltica agrcola... Por ltimo, abramos as memrias vibrteis das histrias de vida, em que sentimos o acontecer do dia a dia, nos frescos das migraes sazonais, na colheita da azeitona, na festa, nas preocupaes e conflitos, nas crenas e na espiritualidade de um passado que lentamente se apaga das vivncias colectivas. Consideramos, agora, pertinente equacionar o corpo de objectivos gerais que norteiam a investigao: Caracterizar o papel atribudo cultura da oliveira e aos processos Caracterizar a economia dominial cisterciense. Analisar, no mbito das cartas de povoamento, a difuso da oliveira na regio. Analisar a relevncia das grandes plantaes de olival nas faldas da Serra dos Analisar a expanso do olival na regio luz das polticas de economia Referenciar as diversas fases dos trabalhos culturais dispensados oliveira. Explicar a difuso da oliveira nos terrenos baldios da charneca serrana ao Caracterizar a importncia da cultura da oliveira nas economias comunitrias. Analisar a estrutura da propriedade e sua mobilizao cultural. Analisar as transformaes de ordem estrutural e conjuntural que propiciaram o Caracterizar a longa durao das tecnologias tradicionais do lagar de varas. Analisar as relaes scio-econmicas e tecnolgicas destas unidades protoProceder ao levantamento do vocabulrio local e regional referente cultura da tecnolgicos da produo do azeite nos lagares de varas.

Candeeiros de meados do sculo XVII a incios do sculo XIX. agrcola dominantes neste perodo.

longo do sculo XIX e durante a primeira metade do sculo XX.

declnio do olival.

industriais. oliveira e tecnologia do lagar de varas.

9

2. A cultura da oliveira em Portugal

A cultura da oliveira constitui uma ddiva das civilizaes mediterrnicas. A oliveira bravia, denominada, entre ns, de zambujeiro, crescia, espontaneamente, na Europa do Sul e no Norte de frica, onde j aproveitavam o seu leo. A oliveira proveniente da sia, existindo referncias sua cultura num vasto quadro geogrfico, que engloba as regies do Prximo e do Mdio Oriente. Columella, o autor do "De Re Rustica", contemporneo de Tibrio e Augusto, refere que esta rvore nasce, de forma espontnea, em algumas ilhas do mar Egeu e na sia Menor (Alarco, 1979, p. 45). Aceita-se que a oliveira seja conhecida e apreciada desde o VI milnio. As fontes documentais (arqueolgicas, iconogrficas, escritas...) testemunham a expanso desta cultura e a utilizao do azeite na dieta alimentar, em ocasies rituais, em empregos profilcticos e teraputicos, na perfumaria, na iluminao... (Natividade, sd b, pp. 45-46; Pina, 1969, p. 8; Ribeiro, 1979, pp. 18-19; Martinez, 1998, p. 19 ). A oliveira era, entre as rvores, a mais cultivada na Palestina e provavelmente na Sria. O Egipto, que no conhecia esta rvore, importava o azeite destas regies (Pina, 1969, pp. 3, 5; Pereira, 1997, p. 13). S a partir da XIX dinastia a cultura da oliveira se difundiu em solo egpcio, como o comprova a descoberta de caroos de azeitona no interior dos tmulos. Alis, uma inscrio coeva de Ramss II declara que, na cidade de Heliopolis, se produzia azeite para a iluminao do palcio sagrado. Tambm a representao de ramos de oliveira na arte tumular um sinal esclarecedor da novidade e importncia que esta rvore passa a ter. Mas, seguramente, j data do Antigo Imprio (comea na III dinastia e termina na VIII abarcando, cronologicamente, um perodo que vai do sculo XXVIII ao sculo XXIV a.C.), a cultura sistemtica desta rvore, assim como o conhecimento das tcnicas de extraco do seu leo (Diakov; Kovalev, 1976, p. 185; Martinez, 1998, p. 19). A exportao de azeitona e azeite tinha um peso significativo na economia das cidades etruscas. As azeitonas eram conservadas em nforas repletas de salmoura (Flandrin; Montanari, 1998, p.164). O reconhecimento do valor deste leo pelas sociedades que praticam esta cultura, explica que lhe sejam atribudas propriedades mgicas e que o azeite passe a ser utilizado nas cerimnias sagradas, nos rituais de investidura: "Os reis de Israel eram ungidos, e o azeite conferia-lhes ento autoridade, poder e glria da parte de Deus". (Chevalier, 1994, p. 104).Tambm os rituais funerrios egpcios exigiam, entre os preparativos, que o corpo fosse ungido, assim como que o cadver recebesse, em torno do pescoo, uma grinalda de folhas de oliveira. O sincretismo Cristo transmite toda esta herana de um culto vegetalista e do manuseamento do seu leo sagrado, em que as palavras Cristo e Messias significam o ungido (Shafer-Schuchardt, 1998, pp. 22;24). Cristo ora no Jardim das Oliveiras, e, simbolicamente, da madeira desta rvore da paz que se fez a Cruz do Sacrifcio. A oliveira sacraliza o espao, da sob o halo protector das suas braas se abrigarem Santas. este o

10

caso da origem do culto a Santa Susana, protectora dos gados, cuja imagem, reza a lenda, foi descoberta junto a uma oliveira no Landal (Garcia, 1970, p. 23) A introduo desta cultura na Pennsula Ibrica deve-se, provavelmente, a Cartagineses ou mesmo a Fencios, contudo, a sua difuso d-se nos dois sculos que precedem o nascimento de Cristo (Alarco, 1979, p. 46; Martinez, 1998, p. 19 ). A propagao da oliveira na Pennsula ter atingido inicialmente a Btica (actual Andaluzia espanhola), no entanto, Estrabo j menciona a existncia de olivais na regio do Ribatejo. A Lusitnia deveria desconhecer esta rvore, pois a gordura empregue era a manteiga e no o azeite (Ribeiro, 1987, p. 69; Ribeiro, 1991 a, p. 1009). Contudo, Leite de Vasconcelos, concordando com a correco de K. Muller a um trecho da Geografia de Estrabo, defende que a oliveira j se cultivava na Lusitnia (1980, p.71). Partindo do pressuposto que a oliveira j era conhecida mais a norte, o seu cultivo devia ser irrelevante nas prticas culturais e econmicas desses povos. De outro modo, esta cultura no escaparia ao olhar atento dos gegrafos romanos, como Edrici, que descreve a natureza prdiga dos campos de Coimbra, sem se referir a esta rvore uma nica vez (Ribeiro, 1991 a, p.1009). Na antiga Grcia j se registam sanes para quem atentasse contra a vida desta rvore (Chevalier, 1994, p.486). A proteco a esta rvore surge consignada no Direito Romano que o Direito Portugus soube bem assimilar: "A oliveira considerada como prdio autnomo, abrangendo o terreno que a sua rama cobre, e , como tal, objecto de propriedade individual; pode ser implantada em terreno alheio e sujeita a enfiteuse ou foro" (Pereira, 1997, p.13). Tambm o cdigo visigtico previa pesadas sanes a quem cortasse uma oliveira sem permisso do dono, nomeadamente, cinco soldos a quem arrancasse uma oliveira alheia contra trs soldos de qualquer outra rvore (Langhans, 1949, p. 12; Miguel, 1981, p. 263; Ribeiro, 1991 a, p. 1009). Este cuidado em proteger o olival e assegurar a sua expanso, constitui uma constante do corpo legislativo que atravessa a histria do Estado portugus para culminar j em pleno sculo XX. Esta documentao, emanada por diversas instncias, visa reprimir aqueles que lesam ou destroem estas rvores. A ttulo de exemplo, registem-se as medidas preconizadas pelo Regimento da Cidade de vora, de 1392, que determina pena de priso, coimas e indemnizao ao lesado, para aquele que cortar lenha de oliveira em estado verde ou seco (Langhans, 1949, p. 23). A esta rvore era atribudo muito valor. Iria Gonalves esclarece que, na terra coutada de Alcobaa, durante a primeira metade do sculo XV, uma oliveira, em boas condies, era avaliada entre 500 a 700 reais. Da que o Mosteiro, semelhana de outros domnios senhoriais, mandasse marcar as oliveiras com um p de boi ou um machado, legitimando assim a sua posse e usufruto (1989, p.89). Na avaliao feita pelos louvados, no ano de 1834, do Olival do Santssimo Sacramento, foi fixado o valor de cento e vinte ris por cada p de oliveira. Foi, alis, com base nesta atribuio que se estabeleceu o valor integral desta propriedade. (AHMF, cx. 2192. Autos de Avaliao dos Bens...).

11

O respeito pela vida desta rvore e a relao que ele nutre com o sagrado est bem vivo nos sentimentos populares a que o Cancioneiro ... d voz. Na freguesia de Turquel, recolheu J. Leite de Vasconcelos (1983, p. 224) estas expressivas quadras: No cortei la oliveira Que ela tem azeite dentro, Que alumia toda noite O Santssimo Sacramento No cortes a oliveira No lhe metas o machado, Porque o seu fruto alumia A Jesus Sacramentado. A difuso desta cultura mediterrnica fruto da ocupao secular das civilizaes romana e rabe. Esta dupla herana visvel no patrimnio lingustico: oliveira assume como raiz o latim (oliva), j o fruto, a azeitona, tem provenincia rabe (azzeitun), assim como o seu leo, o azeite (azzail) (Langhans, 1949, p. 14; Pina, 1969, p. 3; Alarco, 1979, p. 46). Podemos presumir que a plantao de tanchoeiras ou a enxertia de zambujeiros tenha sofrido um incremento com a dominao rabe. "A oliveira tornou-se mais comum com a vinda dos mouros. A nomenclatura proveniente do latim para as rvores - oliveira, olival, olivedo - de origem rabe no produto - azeitona, azeite - leva a pensar em maior aproveitamento desta espcie vegetal no perodo muulmano" (Azevedo, 1929, p. 397). No alvor da monarquia portuguesa a mancha olivcola est confinada s regies do Algarve, Alentejo e Estremadura. Coimbra torna-se um dos principais centros produtores de azeite no pas, no ocaso do sculo XIV e ao longo do sculo XV, rivalizando com vora (Langhans, 1949, p. 22; Ribeiro, 1991 a, p. 1009). No sculo XV esta cultura j significativa em Lamego, que abastece o Porto em azeite, o que contrasta com a carncia deste produto na regio da Beira Alta (Langhans, 1949, p. 27). Na centria de quinhentos, a cultura da oliveira j conquistou grande parte do territrio, envolvendo os povoados do Algarve s Beiras (Langhans, 1949, p. 84). No se pode aceitar, com rigor, a delimitao geogrfica do olival proposta por Artur Salvado. Declara este autor que "At ao sculo XVII, uma linha que se estendesse do norte de Coimbra a passar pelo sul da Guarda, dividiria o pas em duas zonas, a setentrional em que a cultura da oliveira no se processaria e a meridional tradicionalmente olivcola e de ambiente propcio a grande expanso cultural" (Salvado, 1960, p. 22). De facto, a oliveira j tinha penetrado mais para norte, embora a sua cultura extensiva tenha a um peso menor. Orlando Ribeiro sustenta que a propagao da oliveira verificada na regio minhota, ao longo do sculo XVII, se deveu revoluo cultural introduzida pelo milho grosso que, ao reduzir a rea de pastagens, limitou o nmero de cabeas de gado bovino e obrigou as populaes a procurar no azeite uma fonte alternativa para o fornecimento de gordura (Ribeiro, 1991 a, p. 1009; Ribeiro, 1991 b, p. 198).

12

No sculo XIX, a oliveira j estava disseminada por todo o Pas (Ribeiro, 1991 a, p. 1010). Rebello da Silva, numa obra publicada no terceiro quartel do sculo XIX, refere que o olival abarca "uma extenso de 42. 000 hectares (...) com uma produo mdia de 148.556 hectolitros e o valor em moeda de 2.228.000$00 ris. As provncias do Alentejo, da Extremadura, e de Traz os Montes so as que cultivam em propores maiores" (1868, pp. 9394). A cultura da oliveira sofreu um incremento vertiginoso aps a segunda metade do sculo XIX, tornando-se cada vez mais significativa na economia agrcola nacional. No perodo que precede a primeira grande guerra, Portugal j possui "cerca de 330.000 hectares de olival, produzindo em mdia 580.000 hectolitros de azeite..." (Pereira, 1919, p.17). Como refere Penha Garcia, na sua obra "O Problema do Azeite", a cultura da oliveira vai em crescendo: "Ao passo que em 1902, dos 5.068 milhares de hectares de terras cultivadas em Portugal, 6.49% se destinavam cultura da oliveira, em 1933 qusi 9% lhe estariam consagrados". A regio centro detm cerca de 60% da mancha olivcola, verificando-se um renovo do coberto e sobcoberto de olival, assim como de novas plantaes nos distritos de Portalegre, vora, Santarm e Castelo Branco (1937, p. 63). Que a expanso do olival no abrandou testemunham as fontes mobilizadas por J. V. Natividade, no seu artigo "O Azeite de Portugal", publicado no ano de 1939. A oliveira ocupava, ento, uma rea de 518.000 hectares, com um nmero de rvores estimado em quarenta e cinco milhes. Era na provncia da Estremadura (180.000 hectares), nas Beiras (142.000 hectares) e no Alentejo (123.500 hectares) que a cultura extensiva do olival tinha mais significado ( sd b, pp. 36, 38). "A rea do olival aumentou 110% entre 1874 e 1957, atingindo no quinqunio de 1956/60 o mximo de 947 milhares de hectolitros, declinando, volvidos 25 anos, para menos de metade daquela produo" (Martins et al., 1998, pp.13-14). Frei Manuel de Figueiredo (cod 1490), em finais do sculo XVIII, na resposta s 193 interrogaes da Academia de Cincias de Lisboa, refere que nos Coutos de Alcobaa "os olivaes que h pouco mais de um seculo principiaro os povos a plantar produzem hoje mais de mil alqueires de azeite", o que revela a enorme capacidade olivcola dos Coutos de Alcobaa. O olival estava alis, a disseminar-se por todo o macio calcrio, na freguesia de Ftima (Serra de Aire), j em 1857-58, laboravam oito lagares de azeite, com vinte e seis varas, que rendiam mais de quatro mil alqueires (Cortes, Bernardes, Paisana, 2000, p. 135). D. Antnio Costa Macedo, na sua "Estatstica do Distrito Administrativo de Leiria" (1855), menciona que a produo total do distrito se cifrou em 941 pipas e 12 almudes, ou seja, 149.740 litros de azeite. Os concelhos que abrangem as terras da beira-serra lideram a produo. Alcobaa encabea esta lista com uma produo de 299 pipas e 12 almudes, sendo seguida de Porto de Ms com um quantitativo de 110 pipas e 15 almudes. Para o perodo que vai de 1848 a 1852, ou seja, um quinqunio, Alcobaa mantm-se frente com uma produo de 1355 pipas, seguida de Alvaizere com 1319 pipas e 3 almudes, de Porto de Ms com 1195 pipas e 17 almudes e, abaixo da fasquia das 1000 pipas, surge Leiria com 706 pipas, 6 almudes e 1 alqueire (Macedo, 1855, pp. 74-75). No ano de 1857 a produo do concelho situa-se nos 7457 almudes, s ultrapassada pelo concelho de Porto de Ms com 8033 almudes

13

(Governo Civil, Agricultura, 1854-1860, cx.9 ). Na dcada seguinte, nomeadamente no ano de 1865, Alcobaa assume a primeira posio com 374 pipas (de 25 almudes) e 18 almudes (Governo Civil, Agricultura, 1860 1865, cx.10). J no termo do sculo, mais precisamente em 1899, as terras de Alcobaa produziram 1744 hectolitros contra 1500 de Porto de Ms. Em 1906 volta Porto de Ms a sobrepor-se na produo deste leo com 8000 hectolitros, enquanto Alcobaa apenas regista 4002 (Governo Civil, Agricultura, 18761912, cx.12). Esta alternncia de lugares com o concelho de Porto de Ms que notamos nos registo de produo, poder achar explicao num desencontro entre safra e contra-safra. A importncia do olival no concelho de Porto de Ms, que como veremos, ir ao longo da primeira metade do sculo XX suplantar Alcobaa, facilmente verificvel, para alm dos ndices produtivos, pelos elementos que nos so fornecidos pelo registo industrial de 1880. Assinala este documento a existncia de 55 fabricantes de azeite e 68 mestres lagareiros, nmeros bem expressivos da vitalidade deste sector industrial (Governo Civil, Industria, 18621894, cx.2). So tambm estes dois concelhos, aos quais se junta Pedrogo Grande, os escolhidos para representar o distrito na Exposio Universal de Paris de 1867, ao nvel da oleicultura (Governo Civil, Agricultura, 1866 1875, cx.11). Pelos quantitativos de produo fcil de concluir que este gnero ocupa um lugar de referncia nas exportaes do concelho de Alcobaa. , alis, esta ilao que nos permitem extrair os notveis deste burgo. Em resposta ao questionrio do Director das Obras Pblicas do distrito sobre a vida econmica e acessibilidades deste concelho, dada a inteno do governo central em lanar uma nova estrada (actual n 8), os negociantes e proprietrios da vila respondem que se exporta vinho, azeite, guas-ardentes, fructas, madeiras e papel, pelo porto de S. Martinho e pelas duas estradas de Candieiros e Aljubarrota, a entrar na actual estrada Real de Lisboa ao Porto sendo a quantidade de cereais para mais de mil moios (Livro de Acordos ..., n 9, sesso de 18/6/1850). A relevncia do azeite nas exportaes mantm-se ainda na dcada de 20 do nosso sculo, arrecadando a Camra por cada casco de azeite 5 escudos de tributo (Semana Alcobacense, n 1531, 1/2/1920). Infelizmente a documentao relativa ao concelho de Alcobaa para o sculo XIX no identifica o quantitativo de produo por freguesias, como o fazem outros concelhos, entre os quais o de Porto de Ms, no ano de 1884, em que pelos ndices produtivos se comprova que a mancha de olival s tem expresso significativa na zona serrana. Enquanto as freguesias localizadas na sub-serra e serra registam valores entre duzentos e quatrocentos decalitros ano, na freguesia do Juncal, mais afastada da beirada serrana, estes ficam-se pelos cinquenta decalitros (Governo Civil, Agricultura, 18761912, cx. 12). Para as freguesias do concelho de Alcobaa s encontramos elementos descriminados no ano de 1918, que evidenciam o peso do olival na rea serrana. Numa produo total de 212.490 hectolitros, as cinco freguesias serranas ( S. Vicente e Prazeres de Aljubarrota, vora, Turquel e Benedita) so responsveis por 166.344 hectolitros, cabendo s outras dez freguesias apenas 46.146 hectolitros, ou seja aproximadamente um quinto do valor global (Governo Civil, Agricultura, 19171943, cx.13). J no segundo quartel do sculo XX, para o undcimo de 1931-1941, contabilizada a produo dos concelhos de Leiria, Batalha, Alcobaa e Porto de Ms, este ltimo concelho

14

produziu 70.912 hectolitros, seguindo-se Alcobaa com 63.030 hectolitros (Guerra, 1944, pp. 48-49). Continua ainda a notar-se uma vantagem significativa dos concelhos que confinam com a Serra dos Candeeiros. No undcimo de 1937-1947, relativo ao Distrito, Porto de Ms mantm o 3 lugar com 577.437 litros, aparecendo Alcobaa na 5 posio com 500.708 litros. Ao nvel da produo por hectare, Porto de Ms desce na tabela para 4 lugar com 21.9 litros por hectare e Alcobaa passa para 6 lugar com uma produtividade de 12.5 litros por hectare (Sousa, 1952, p. 208). Certamente, o acentuado envelhecimento do olival da beira-serra, a quase inexistncia de mobilizao cultural e o declnio da pastorcia, so responsveis por esta quebra de produtividade e pelo abandono da posio cimeira que Alcobaa deteve ao longo do sculo XIX. A cultura da oliveira continua, no entanto at dcada de 50, a desempenhar um papel de relevo na economia agrcola concelhia. No apuramento realizado no ano de 1954 pelo INE, estima-se que o concelho de Alcobaa possua 508.224 oliveiras (Silva, Alarco, Cardoso, 1961, p. 475). Segundo clculos efectuados, no incio do sculo, por J. C. Pereira, a mdia de rvores em campos de olival de 65 por hectare, com uma produo de azeite de 145 litros, ou seja 2.23 litros por rvore, valores bastante superiores aos propostos por Adriano Sousa, que se situam entre os 0.80 a 0.85 litros (Pereira, 1915, pp. 249, 254; Sousa, 1952, pp. 212-213).

15

3. A expanso do olival monstico nas faldas da Serra dos Candeeiros e a edificao dos lagares

O arroteamento dos baldios da beira-serra e a plantao de extensos olivais por parte dos cistercienses de Alcobaa a partir da segunda metade do sculo XVII, insere-se numa nova atitude presente no corpus legislativo nacional que conduz, inexoravelmente, desamortizao dos baldios. As primeiras medidas datam do tempo de D. Joo V, em que o monarca intervm para refrear a usurpao de baldios por parte de membros das Cmaras e outros influentes, que lesavam as teras concelhias. A incapacidade de sustentar esta posio e de as terras serem recuperadas leva o Rei, face aos "embaraos" criados, a facultar aos "proprietrios ilegtimos desses bens a legalizao da sua situao atravs da realizao de contratos de aforamento e pagamento do respectivo foro". Para que o errio rgio no saia prejudicado com aforamentos de benefcio, no tempo de D. Jos, a Mesa do Desembargo do Pao, passa a ter a funo de administrar e fiscalizar este processo, por intermdio de provedores e corregedores, retirando esta prerrogativa aos concelhos (Neto, 1984, pp.91-92). Como se v, os monarcas acabam por sancionar as ocupaes praticadas pelos influentes locais, embora no prescindam do seu poder regulador. Uma coisa , no entanto, bem clara: os baldios comeam a deixar de ser encarados como parcelas inalienveis do solo e a defesa dos incultos a ser contestada. Em matria de poltica econmica agrria, nota-se, ainda que de forma pouco consistente, uma nova atitude tendente modernizao das exploraes, o que logicamente condenava as tradies comunitrias. Esta tendncia, que se acentua com o consulado pombalino, expressa, claramente, uma concepo privada da propriedade em detrimento dos antigos direitos comunais de usufruto de pastos e lenhas. Compreende-se que os monges sejam os principais beneficirios da apropriao de bens pblicos, dado estas terras se acharem includas no territrio dos Coutos ou serem deles confinantes. o caso da plantao do olival das Atajas (Santssimo Sacramento), dado a Ataja de Cima j se achar de fora da marca dos coutos. Tambm a proximidade com o poder central ter contribudo para esta "usurpao". Os campos e as tapadas de olival devem, em grande parte, o incentivo de Frei Manuel de Mendona, parente do Marqus. deste extenso corredor de olival que nos fala Frei Fortunato de S. Boaventura, elogiando o labor dos monges e o seu esprito arrojado, ao transformarem, num curto espao de tempo, uma zona inculta em terra produtiva: "Quantos, ao seguirem a estrada que vai de Coimbra para Lisboa [refere-se estrada real, de D. Maria I ou da mala-posta], por entre os grandes olivais, que pertencem ao dito Mosteiro, se lastimo de que o Rei mais piedoso, que discreto posesse em mos de Frades to productivos, e excelentes porcens de terreno, sem advertirem que esses mesmos olivais no existio h duzentos annos..." (S. Boaventura, 1827, p. 2). Tambm o proco de Turquel nos d conta da

16

grande mancha de olivais que cobre todo o sop da Serra dos Candeeiros, entre Porto de Ms e a Benedita, numa extenso aproximada de 25 a 30 quilmetros (Guerra, 1944, p. 47). Na resposta ao ponto 2, do 2 interrogatrio, do Dicionrio Geogrfico, este sacerdote, refere que "O continente, ou faldas desta Serra, para a parte do poente, a que os naturaes chamam Charneca, que tem o mesmo cumprimento da Serra, e por onde passa a Estrada Real, que corre para Leiria e Coimbra, se acha quasi toda povoada de vastssimos olivaes, e produz muyta cepa, e matos rasteiros, e pastos para os animaes..." (Dic. Geogr., vol. 37). Por seu turno, o cura de Prazeres de Aljubarrota, no ponto 8 (2 parte do questionrio, referente agricultura) declara que "se admira huma dilatada plancie de mais de tres legoas de comprimento, e hum quarto de largo, a qual toda se cultiva, e he plantada de fermosssimos olivaes..." (Dic. Geogr., vol.3, m. 2, fl. 378). Que os monges acarinhavam a cultura da oliveira pode constatar-se no clausulado das cartas de povoamento e nos forais. A carta de povoamento de Turquel manda os povoadores "conservar o mesmo olivedo, e plantar o que houver de plantar com qualquer enxertia, e semear e cultivar bem e fielmente, e cercar o mesmo olivedo com valado ou muro que no possa ser danificado e destrudo pelos gados, e se assim o no fizerem, aquele que for achado culpado e negligente perca a parte que a tiver" (Natividade, sd c, p. 38). Este excerto mostra a preocupao de proteger o olival novo dos dentes do gado e da a necessidade de levantar cercados para preservar as tanchoeiras. No entanto, a importncia dos Coutos de Alcobaa, como o principal centro produtor de azeite no distrito de Leiria, constitui uma realidade que s se inicia com as grandes plantaes de oliveiras, nas faldas da Serra dos Candeeiros, durante a segunda metade do sculo XVII e, sobretudo, ao longo do sculo XVIII. Como a documentao histrica esclarece, as faldas da Serra eram ocupadas por uma grande mata, na qual se faziam regularmente montarias de caa ao javali (sc. XV) (Gonalves, 1989, pp. 269-270). Na opinio de J. V. Natividade, a limitada rea de terrenos de vrzea e regadio levou necessidade imperiosa de arrotear os solos de encosta e as zonas charnequeiras de caractersticas menos produtivas. Esta escassez de solos de primeira qualidade explicaria a renovada insistncia, contida nas cartas de povoamento, quanto instalao de vinhas, olivais e pomares nas zonas de encosta, em detrimento da cultura de cereais, destinada a terrenos de maior fertilidade. De facto, o olival, lenta mas inexoravelmente, ocupa a charneca e faz recuar, por meio de queimadas e arroteias, a primitiva mata de carvalhos (Dic. Geogr., vol. 1, fl.115). Assiste-se a uma degradao progressiva do coberto vegetal. As manchas de carvalhos, castanheiros, azinheiras, sobreiros e medronheiros, foram sendo substitudas pelo carrasco, que, por sua vez, comea a ceder lugar ao alecrim e outras plantas. A memria comunitria regista a fuga das populaes, por altura das invases francesas, que encontraram guarida entre o coberto de medronheiros que trepava a serra nas proximidades de Rio Maior. Este avano do olival indissocivel de uma poltica de atraco e fixao de colonos. O Mosteiro, para dar cumprimento ao seu plano de fomento agrcola, necessitava de braos para as arroteias, para a plantao das tanchoeiras, para os amanhos e trabalhos culturais das oliveiras.

17

O numeramento mandado realizar pelo monarca D. Joo III, em 1527, elucidativo quanto timidez da penetrao demogrfica nesta rea serrana. A acreditarmos neste numeramento, podemos deduzir pela quase inexistncia de povoados na beirada da Serra entre a Vila de Aljubarrota e Turquel. Apenas encontramos referida a aldeia de Ataja de Cima, localidade pertencente freguesia de S. Vicente de Aljubarrota, com dez vizinhos e a aldeia de Candieiros e Casais do Termo de Turquel com 21 vizinhos. A aldeia da Ataja de Cima j era exterior linha de demarcao dos Coutos que terminava a norte, na comunidade vizinha da Ataja de Baixo. Apoiando-se na toponmia da doao dos coutos e num estudo cartogrfico do seu traado, Pedro Barbosa sugere que esta localidade tem origem pr-cisterciense. Sendo esta hiptese credvel, estranha-se que este ncleo populacional no tenha evoludo, como o confirma o numeramento joanino (1998, p.1454). As vilas dos Coutos, cujos termos confrontam com a Serra, nomeadamente Aljubarrota possua 163 vizinhos, vora de Alcobaa 146 e Turquel 36 vizinhos e 6 vivas (Freire, 1908, pp. 248-250). Dois sculos volvidos, o Dicionrio Geogrfico do Padre Lus Cardoso (sc. XVIII), d-nos conta que Prazeres de Aljubarrota possua 65 vizinhos e 938 pessoas e S. Vicente com 73 vizinhos atinge as 653 pessoas. Entre os povoados confinantes com a Serra, regista o lugar dos Coves com 17 vizinhos, o lugar da Pedreira com 25, o lugar da Lagoa do Co com 6, o lugar de Ataja de Cima com 45, o lugar de Ataja de Baixo com 25, entre outros. Enquanto a Vila de Turquel alcana os 222 vizinhos, o lugar do Candieiro mantm o mesmo nmero, mas surgem novos povoados, na faixa mais agreste, nomeadamente, os casais da Moita do Poo (, alis significativo o nome deste povoado, pois invoca a abertura de um poo "roto") com 11 vizinhos e 33 pessoas, o casal do Carvalho com 2, Vendas da Rega e Lagoa tambm com 2... Num levantamento demogrfico efectuado em 1792, a populao residente naquela antiga Vila e seu termo assinala uma ligeira subida. Na Moita do Poo, 15 fogos e 47 habitantes, no lugar do Candieiro, 29 fogos e 98 habitantes, no casal dos Carvalhos, 6 fogos e 14 habitantes... (Ribeiro, 1908, p. 41). A Vila de vora de Alcobaa chega aos 218 vizinhos. No censo de 1864, a povoao de Aljubarrota e seu termo regista um aumento modesto, atingindo os 575 fogos com uma correspondncia de 2707 habitantes. O levantamento demogrfico de 1878, regista 615 fogos e 2832 habitantes. Com o censo de 1890 o nmero de fogos passa para os 714 (Prazeres - 441; S. Vicente - 283) e a populao alcana os 2980 habitantes (Prazeres - 1739; S. Vicente - 1241). S em 1900 que, somada, a populao destas duas freguesias transpe a fasquia dos 3000 habitantes (Prazeres - 2045; S. Vicente - 1394). A mesma tendncia de lento crescimento demogrfico se pode ver no levantamento de 1920, em que Prazeres de Aljubarrota com 543 fogos possui 2162 indivduos e S. Vicente com 357 alcana os 1531 residentes. A populao da freguesia de Turquel regista uma maior vitalidade. No censo de 1890, apenas possui 1790 moradores, mas em 1920 j atinge os 2877 indivduos. Que os povoados serranos desta freguesia tambm acompanharam este progresso visvel no lugar de Moita do Poo que em 1940 j tinha 229 habitantes. Tambm a freguesia de vora comunga do mesmo padro de crescimento, com 607 fogos e 2576 almas em 1890, em 1920 regista 805 fogos e 3600 moradores (Natividade, sd d, p. 32; Ferreira, 1931, pp. 7-8; Ribeiro, 1941, p. 48).

18

O antigo proco dos Casais (S. Vicente de Aljubarrota) afirmava repetidamente, contam-nos, que esta povoao tinha sido semeada a tiros de canho. Nos Casais de Santa Teresa o povoamento disperso, bolsas de casario isoladas umas das outras constroem a fisionomia desta terra. O contrrio se passa em povoados como o Carvalhal de Aljubarrota, em que as "assentadas de casas" dos vizinhos se comprimem num emaranhado labirntico. O conhecimento destas comunidades diz-nos que no se pode encontrar um padro que diferencie os ncleos de povoamento mais antigos dos mais recentes. Alis, a recomposio global do espao rural alterou, profundamente, a teia espacial do povoamento. Contudo, consideramos que a proliferao de casais na beira da Serra, por volta do sculo XVIII, privilegiou um povoamento com tendncia disperso. A cultura extensiva do olival , na nossa perspectiva, o grande potenciador da colonizao deste espao geogrfico. A abertura em 1788 da "velha estrada da mala-posta [constituiu uma] provvel linha de fora determinante do habitat, a julgar pelo que se observa em Molianos [Prazeres de Aljubarrota]. Mas registam-se, igualmente, casos de aldeamentos em ncleos (Casais de Santa Teresa, Atajas) que devem ter representado outrora (e, hoje ainda muito mais do que seria de desejar) sociedades fechadas sobre os seus problemas." (Silva, Alarco, Cardoso, 1961, pp. 687-688). As mudas da mala posta trouxeram uma nota de modernidade a este espao. Na localidade dos Moleanos, junto ao local dos marcos brancos, foi mandada edificar uma estalagem para servir os viajantes da mala posta. Tambm nas imediaes das Redondas, povoado da freguesia de Turquel, foi construda uma estalagem, que reza a crnica ter sido frequentada por bandoleiros (Ribeiro, 1908, pp. 91-92), imvel a que se refere o romancista Camilo Castelo Branco na sua novela histrica O Regicida (Voz de Alcobaa, 31/7/2000). Acobertados nas matas de carvalhos e nas grutas calcrias, caso da Cova da Ladra, grupos de salteadores (provavelmente gente destas comunidades), tornavam a viagem e a pernoita nas estalagens, albergarias e pousadas um risco srio. Para castigar com mo pesada estes fora da lei, entre o Vale Grande e o Vale Cafalado (S. Vicente de Aljubarrota), junto Pia do Homem (pio de pastor) temos o Penedo Forcado, designao que se deve a nesse local antigamente se levantar a forca. Tambm no stio das Cabeas Ralas, anteriormente denominado Outeiro da Forca, se erguia esse smbolo da justia. O enraizamento da populao teve que contar com inmeros constrangimentos. Em primeiro lugar, a falta absoluta de gua. As caractersticas crsicas do Macio Calcrio Estremenho, em que a Serra dos Candeeiros se inclui, fazem com que a precipitao, rapidamente, se escoe pelas "arregoas", "sumidouros" e algares. O solo pobre e descarnado, exceptuando os "valicotos" (pequenos vales) e as "covadas" ( pequenas plancies) em que se acumula a "terra rossa" graas aos deslizamentos erosivos, no consegue reter a gua necessria s culturas agrcolas. Os afloramentos calcrios, assim como a inmera massa de pedra solta, dificultam no s as cavas, como os trabalhos de lavra com a charrua e o arado radial. A ausncia de guas de nascente tornou impraticvel o regadio, pelo que a agricultura se limita s culturas de sequeiro, com uma fraca rentabilidade.

19

S o poder e a organizao do Mosteiro podia permitir instalar populaes numa rea to inspita. A plantao dos olivais no sop da Serra, significa a ltima grande obra de poltica agrcola levada a cabo pelos cistercienses de Alcobaa, tornando produtiva uma extensa rea de charneca. Que o olival passa a ter um peso decisivo nos rendimentos do Mosteiro, mostram-no as palavras do cronista Frei Manuel de Figueiredo: "As rendas que o Mosteiro tem nas terras de que he Donatario conforme as Escripturas dos ultimos arrendamentos, e recibos das fazendas proprias formo por hum oramento bem calculado 30.000.000 nos anos de Safra de Azeite; e 28.700.000 - quando falta este gnero, e os campos, que fazem parte daquele total no produzem (...) [esclarece-nos ainda este autor do valor das rendas do Santssimo Sacramento]. O Santssimo Sacramento tem rendas separadas das que o Mosteiro recebe, para o seu maior culto, e despeza das seis tochas, que sempre ardem diante do Sacrrio, e Capella Mor. Rende o que est applicado aos mesmos fins, 1.400.000, sendo anno de safra de azeite; e 1.000.000 quando falta este genero" (cod 1493, fls. 35, 37). A partir da centria de seiscentos, inicia-se a plantao dos grandes olivais da beirada oeste da Serra dos Candeeiros. A expanso do olival beneficiou de um impulso vigoroso com o Consulado Pombalino. Frei Manuel de Mendona abraou a nova poltica de fomento agrcola senhorial, incrementando o povoamento do olival no sop serrano. Verifica-se, de facto, um casamento de convenincia entre as polticas de economia agrcola veiculadas, ao longo de sculos, por esta Ordem e os objectivos de recuperao da agricultura nacional ambicionados por Pombal. Com a extino das ordens religiosas, procedeu-se ao cadastro dos bens do Mosteiro. Este inventrio das propriedades, realizado em 1834, permite localizar os olivais dos Coutos, assim como os lagares de azeite que "lavravam" a sua safra. Seria, sem dvida, interessante, tentar estabelecer com rigor a rea e confrontaes destas grandes propriedades. No entanto, o desaparecimento da maioria dos marcos que delimitavam o olival monstico torna esta hiptese numa misso quase impossvel. Para conseguir elaborar, com alguma fiabilidade, uma carta do olival serrano, seria necessrio proceder a par de um trabalho aprofundado nos cartrios notariais, uma pesquisa no terreno, coligindo testemunhos, reencontrando eventuais marcos, de modo a traar balizas e a definir as superfcies ocupadas pelo olival. Como refere Frei Manuel de Figueiredo "No logar das Atahijas estavam muitas terras incultas, no total dominio do Mosteiro e este as doou ao Administrador das rendas destinadas ao Santssimo Sacramento e o Administrador mandou a plantar olival e fazer um lagar que a se conserva". E elucida noutro lugar: "... Nos limites desta freguesia (Aljubarrota - S. Vicente) bordas e encostados da Serra dos Albardos, principiaram no meio do sculo passado (escreve em 1780) as plantaes de extensissimos olivais que hoje teem, com muitos lagares e uma grande quinta aplicada ao culto do S.S. (Laus perennis) do Mosteiro de Alcobaa"... (Natividade sd d, p. 89). Na freguesia de S. Vicente de Aljubarrota, no lugar da Ataja de Cima, foi plantado um dos grandes olivais do Mosteiro, administrado pelo Santssimo Sacramento. A ocupao destas

20

terras convocou uma acesa disputa jurdica entre o Mosteiro e a Colegiada de Porto de Ms sobre o direito de propriedade. Ganham, pois, visibilidade os interesses das instituies terratenentes em apropriarem-se das reas baldias da beira-serra. A plantao do olival do Santssimo ou dos frades inicia-se na segunda metade do sculo XVII e prolonga-se no sculo XVIII. Este olival, que se localizava entre o Vale da Aselha e o Vale Pio (a sinalizao dos "pies", pias naturais nas concavidades calcrias, pelos pastores est, certamente, na origem dessa designao), calcula-se que possusse entre dezassete mil a dezoito mil ps de rvore, sendo atribudo o valor de 120 ris a cada oliveira. Os autos descrevem esta propriedade rstica e seus imveis, assinalando as suas confrontaes: "Hum grande olival no mesmo Sitio da Alagoa (Lagoa Ruiva) da Ataija de Sima termo de Aljubarrota com hum forno de cozer cal, hum Curral da Serra, que parte do Norte com Thomas de Miranda das Chuas termo da Villa da Maiorga, e do Sul com Joaquim dos Reis da Pedreira dos Molianos, Nascente com a Serra, e Poente com a estrada que vai para a Ataja de Baixo, avaliado em dois contos e cem mil reis." (AHMF, cx. 2192 Autos de Avaliao dos Bens...; AHMF, cx. 2193 Autos de Descrio dos Bens...). O Administrador dos bens do Santssimo Sacramento, entre 1772-1776, declara que recebeu "quinze pipas e trs almudes de azeite" do seu antecessor e mais algum azeite que rendeu novecentos e cinquenta e seis mil e oitocentos reis ( A.N.T.T. Most. de Alc., 2 inc., Livro de Rec. Desp., n. 17 fl. 2). O olival da Ataja era o maior contribuinte, embora o S.S. tambm possusse terras de olival na Quinta do Cidral (Vestiaria-Alcobaa) e na Castanheira. Em anos de safra a receita em azeite do S.S. atingia os quatrocentos mil ris. A Administrao que gere os bens do S.S. nos anos de 1778 a 1780 descrimina a provenincia do azeite recebido: "Receita de azeite do olival do Cidral 23 cantaros, do lagar da Castanheira 38 cantaros e do olival da Ataja 812 cntaros, que rende um conto, seiscentos e sessenta e dois mil e quatrocentos e cinquenta reis.". A administrao sequente (1780-1783), declara que recebeu "das Atajas de azeite, borras e bagao um conto, setecentos e trinta e um mil, seiscentos e sessenta e quatro reis.". Tambm o corpo administrativo de 1783-1786 anota que recebeu do "Lagar da Ataja de dois anos 52 Pipas e de algumas borras, trs contos, e setenta mil, duzentos e cinquenta e cinco reis." (A N.T.T. Most. de Alc., 2 inc., Livro de Rec. e Desp., n. 17, fls. 24;33;39). Deste olival apenas sobreviveram, como testemunhos, alguns dos marcos delimitadores e as muralhas de pedra com que se confrontava na Serra. Para laborar as safras deste olival, os monges mandaram edificar um majestoso lagar nas imediaes da Lagoa Ruiva, no lugar da Ataja de Cima. Esta unidade proto-industrial construda, provavelmente, entre os anos quarenta e sessenta do sculo XVIII, manteve-se em funcionamento durante as duas primeiras dcadas do sculo XX. O Lagar dos frades, como , ainda hoje, conhecido, est dentro de uma quinta murada, tambm denominada de Cerca. A altura deste muro contrasta, pelas suas dimenses, com os restantes muros divisrios das propriedades de construo popular. A cerca possui uma altura que varia entre os 2.60 m e os 2.80 m e um portal que atinge os 3.60 m, enquanto os muros vulgares se situam entre os 0.75 e 1 m. A pedra da Cerca ligada por uma argamassa de

21

barro e cal, enquanto os muros camponeses recebem a pedra sem sal. de salientar que nas imediaes desta propriedade os monges construram um forno de cal. Esta argamassa levava borras de azeite que contribuam para permitir um ligamento e revestimento mais eficaz da estrutura. Esta propriedade vem descrita nos autos como: "Huma quinta chamada da Ataja, que consta de Casas altas, Armazem, Corrais, e Palheiros, Lagar de Azeite com oito varas e quatro caldeiras, com huma Cerca morda de terra de semiar, tudo pegdo no stio da Alagoa da Ataja de Sima termo de Aljubarrota, que parte de Norte com o Coronel Raimundo Verssimo de Sousa, e do Sul com a dita Alagoa, do Nascente com Alexandre Francisco do mesmo lugar da Ataja, e do Poente com a estrada". Este imvel foi avaliado em um conto e duzentos mil ris (AHMF cx. 2193). Vieira Natividade (sd a, p. 70) descreve-nos este edifcio com o olhar de quem o viu em laborao: "Dentro de uma cerca, na vizinhana da Lagoa Ruiva, erguia-se a vasta edificao com ampla alpendrada, e em cujas paredes se abriam graciosamente, os nichos do pombal. Oito varas gigantescas, quatro de cada lado, peso contra peso [de formato tronco-cnico] ocupavam o primeiro compartimento (21.80 m X 11.10 m). Seguia-se-lhe a casa dos moinhos (35.5 m X 9.5 m) [dois moinhos tocados a sangue - uma junta de bois cada um - com trs galgas cada com um dimetro que varia entre os setenta e os noventa centmetros e um rasto entre os vinte e os trinta centmetros] com as tulhas para a azeitona [as tulhas eram de cantaria, utilizava-se um moio de sal para conservar nelas a azeitona], numerosas mas de pequenas dimenses, em parte embebidas nas grossas paredes. Os estbulos ocupavam outro compartimento separado. Junto ao lagar, e voltada a nascente, levantava-se a residncia do frade lagareiro, na fachada da qual ainda hoje se vem as armas do Mosteiro, de curioso desenho. No rs-do-cho deste corpo guardava-se o azeite em grandes pias de pedra". Irrompendo das grossas paredes de alvenaria do lagar, os pares de "virgens" (com um vo entre si de aproximadamente 65 cm), poderosos esteios de pedra com cerca de 2.15 m de altura, permitem, por meio de furaes simtricas (14 cm de dimetro) fazer passar a "agulha", veio que atravessa a trave e fazia trabalhar o "coice da vara". Uma dupla parede, que se eleva a mais de um metro de altura, liga os vrios conjuntos de "prumos", actuando como contraforte da parede mestra. O piso, semelhana dos demais lagares, era de terra batida. Estas dependncias exigiam obras regulares de conservao. Na rubrica de despesas, a administrao do Santssimo Sacramento (1772-1776) menciona o seguinte: "Despendi no concerto das cazas da Atahija, lagares, e em cal, jornaes de pedreiros, e carpinteiros, e madeira, tudo por vrios preos, trinta e outo mil sento e secenta ris". Volta a haver notcias de reparaes no ano de 1777. Referem-se: "Despesas nas Atajas com Pedreiros e Serventes em vrios concertos, portaes novos para o armazem, carreto de cal..." (A.N.T.T. Most. de Alc., 2 inc., Livro de Rec. e Desp., fls7;20). No perodo de 1786-1789, o administrador dos bens do Santssimo, manda construir um lagar de azeite na Quinta do Cidral (Vestiaria-Alcobaa); a descrio pormenorizada dos gastos em mo de obra e aquisio de materiais, recipientes e alfaias permite uma

22

extrapolao destes custos para as demais unidades. Passamos a referenciar: "Despesa em duas bestas para o Lagar de Azeite da Quinta do Cidral 119$200 r~ (...). Despesa em duas caldeiras para o lagar de Azeite da Quinta do Cidral 182$830 r~ (...). Despesa em polvora, cabouqueiros, alveneis, canteiros, serventes, e rapazes que trabalharo no lagar de Azeite da Quinta do Cidral 373$210 r~ (...). Despesa em tarefas, talhas e ceiras para o dito lagar 39$800 r~ (...). Despesa em madeira, serradores, e carpinteiros 75$650 r~ (...). Despesa em fusos, conduo das varas, em sabo 26$571 r~ (...). Despesa em dous jogos de pedra para os engenhos, pregos, canastras, loua... 68$141 r~." ( A. N. T.T. Most. de Alc., 2 inc., Livro de Rec. e Desp., n. 17, fls 53-54). A Quinta da Ataja foi arrendada a 22 de Dezembro de 1833 a Antnio Dias por um ano, sendo a renda fixada em vinte e trs mil ris. Esta propriedade foi posteriormente dividida, conhecendo as dependncias principais, os cmodos e a terra lavradia vrios donos. Provavelmente no incio da segunda dcada do sculo XX, o proprietrio do lagar, Joaquim Marques Silvrio, procedeu sua demolio. O vigamento de cerne do telhado foi adquirido por Jos Francisco Verssimo, da Ataja de Baixo (que foi um dos nossos informantes principais no trabalho de campo, relatando-nos que, de parte desta madeira, construiu uma cama e uma mesa que tivemos oportunidade de ver). "A casa do monge pertencia a Joaquim Palmeira, da Ataja de Baixo, e a Jos Faustino e mulher, da Quinta do Mogo; os herdeiros destes ltimos venderam-na depois a Manuel dos Santos Faz-Tudo" (da Lagoa do Co). Por seu turno, este ltimo faz, em 17 de Abril de 1920, a escritura de venda da casa do monge a Francisco Vigrio (da Ataja de Cima) por 110 escudos que acabou por comprar a zona do antigo lagar (DGEMN, p.3). Deste imvel apenas resta a casa do monge lagareiro em acentuado estado de runa e parte da cerca, cujo portal foi, parcialmente, derrubado h pouco tempo. A fachada posterior ainda mantm as "virgens" (esteios que guarnecem e amparam o "coice da vara"). Algumas galgas e um peso de vara abandonados no terreno, so os ltimos testemunhos silenciosos do funcionamento desta unidade senhorial. A Lagoa Ruiva, que fornecia a gua para os trabalhos do lagar (escalda da massa, lavagens, etc.), foi entulhada e hoje aloja o campo de futebol local. com um sentimento de profunda indignao que os ancios destas localidades comentam a destruio desta lagoa. "Agora faz de conta que est tudo rico. Nunca deviam ter deixado tapar a Lagoa Ruiva, que era para saberem como as pessoas tinham vivido antes". Na beirada oeste da Serra, a Lagoa Ruiva, a Lagoa do Ferro, de Frei Joo e Ereira constituam os raros pontos de gua que resistiam fora do estio. Nesta zona desprovida de nascentes, os lagares eram, como j vimos, construdos nas imediaes das lagoas e barreiros. A Confraria do Santssimo Sacramento possua ainda vrias courelas de olival nesta freguesia, nomeadamente no lugar da Lameira, na Cova, termo dos Chos, no Vale de Varas, no lugar do Casal do Rei, nos Chousos da Laje, termo dos Casais de Santa Teresa, no Raposo, termo do Mogo, na Cova da Leitoa e no Carmelo, termo da Ataja de Cima, entre

23

outros (A.D.L., Direco de Finanas de Leiria, concelho de Alcobaa, freguesia de Aljubarrota, doc. 6). Na freguesia de Prazeres de Aljubarrota, na localidade de Chiqueda, o Mosteiro possua um lagar de azeite, em que o engenho era accionado pela corrente de gua do rio Alcoa. Este moinho era, certamente, um dos poucos que era tocado a gua, porque os demais lagares que moem as safras dos olivais serranos localizam-se na faixa seca e agreste que ladeia a Serra. Esta propriedade consta de "Hum lagar de Azeite com seis varas e trs caldeiras, tendo contguo secenta oliveiras situado em Chaqueda de Sima termo da Villa de Aljubarrota, que tudo parte do Norte e Nascente com o Rio e do Sul e Poente com o publico avaliado em seiscentos mil reis com os seus pertences." (AHMF, cx. 2193, fl33; A.D.L., Lv 1, Arremataes). Este imvel foi arrendado em 10 de Novembro de 1833 a Domingos Francisco pelo prazo de um ano, sendo a renda fixada em dezanove mil ris. No lugar dos Coves (Prazeres de Aljubarrota), o inventrio de bens do Mosteiro regista dois olivais em estado de abandono: "Hum olival reduzido a matto e Pinhal no stio do Covo limite dos Chos termo de Aljubarrota, que parte do Norte com Joo Pereira e do Sul com herdeiros de Antnio Maralino de Lisboa, do Nascente com Joo Ferreira da Comeira (de Cima), e Poente com Daniel Henriques dos Chos avaliado em nove mil e seis centos reis (...). Outro olival no mesmo stio e no mesmo estado por falta de (por falta de Coltura), que parte do Norte com Joo Ferreira da Comeira de Sima, Nascente com herdeiros de Antonio Maralino de Lisboa, do Sul com a Estrada pblica, e do Poente com Daniel Henriques dos Chos, avaliado em sete mil e dozentos reis." (AHMF, cx. 2193, fls32-33; AHMF, cx. 2192, fls496-497). J. V. Natividade, na sua obra "A Regio de Alcobaa", esclarece que o Mosteiro no era o nico detentor de terras de olival na beirada da Serra. Refere o autor que do Arquivo da Casa Pinas, de vora (da Biblioteca de M. Vieira Natividade), mais propriamente no "Inventrio dos bens de D. Maria, citam-se trs olivais sitos Atahija, e um deles : Um olival e matto no stio da Atahija de Baixo e uma cerrada de matto junto a elle que chega desde as paredes at Serra, comprado a Manuel da Costa, ferreiro em Aljubarrota e Dr. Francisco Brochado, tudo por 400$000. No anno de 1735 se meteram 480 tanchoeiras e no de 1739 se meteram 1437. No anno de 1747 rendeu este olival 277 alqueires e meio de azeite que se vendeu ao preo de 575 o alqueire." (s. d d, pp. 89-90). O Mosteiro possua ainda na Vila de Aljubarrota um "Armazem com pias para azeite" (AHMF, cx. 2192, fl496). Com a venda dos bens das ordens religiosas, a propriedade mudou de mos. "Os demais grandes olivais, ou seja, a maior parte da rea do meplat, foi propriedade dos burgueses de Alcobaa e de outras localidades, como se v dos nomes porque, ainda agora, so conhecidos: Leiria, Ingleses, Couto ou S (Couto era comerciante de tecidos em Alcobaa e S o seu genro), Mira (proprietrio de Mira de Aire, antes pertenceu ao capito Silva Mendes [combateu no destacamento militar na Flandres durante a 1 Guerra Mundial] ), Brilhante, Maria Almeida, Jos Militar ( lagar do Barreiro nos Moleanos) , Baro, etc." (Quitrio, 1993, p.3). Os lagares, como j mencionmos, localizavam-se, estrategicamente, junto s lagoas. A maioria destas reservas de gua secaram, foram atulhadas ou construram imveis no seu

24

solo. Como elucida J. Quitrio, "dois grandes lagares propriedade de burgueses de Alcobaa marcavam a norte (lagar do Diamantino) e a sul (lagar de Ferro - porque se situava nas imediaes da Lagoa do Ferro) as terras da Ataja" (Quitrio, 1993, p. 3). Conta-nos a Sra. Maria Nogueira que o seu pai, h muito falecido, trabalhava num lagar encostado lagoa Grande dos Casais de Sta. Teresa. Referiu-nos o Sr. Jos Verssimo, que ainda assistiu ao lagar da Ataja em funcionamento, que havia cinco lagares a trabalhar nesta localidade: o do Ti Z da Horta, o da Quinta dos Frades, o do Mosca (que era o lagar do Ferro e j trabalhava com prensas hidrulicas), o do Vigrio e o do padrinho do Francisco. Na antiga Vila de vora de Alcobaa, o Mosteiro possua um lagar de azeite no lugar das Antas, confrontando a poente com a ribeira do mesmo nome, afluente do Rio Baa. Embora a documentao no o registe, as galgas do lagar deviam ser accionadas pela correnteza. Este imvel, avaliado em quatrocentos mil ris, foi arrendado, em nove de Fevereiro de 1834, a Joaquim de Sousa Leo pelo prazo de um ano. A verba, sem dvida, inferior ao seu valor real, justifica-se dado o mau estado das instalaes. O lagar possua seis varas e trs caldeiras (AHMF, cx. 2193, fl. 30). Deste imvel, apenas restam os lanos de paredes em runas, os seis pares de "virgens" alinhados, o que prova que as varas estavam todas seguidas. Estes esteios de pedra introduzem-se profundamente na parede de alvenaria e so reforados por uma dupla malha de parede que se eleva a mais de um metro. Cada conjunto mantm entre si um vo de cerca de 55 cm e dista do prximo cerca de 1.70 m. Estes monlitos apresentam uma altura de 1.65 m, mostrando duas perfuraes (trs num nico conjunto), nas quais se introduzia a "agulha" (o dimetro dos orifcios de 14 cm, exactamente o mesmo das "virgens" do lagar da Ataja de Cima) que fornecia a mobilidade ao aparelho. Sobrevive um nico "alguerbe" de pedra (com 1.65 m de largura, por 2.50 m de comprimento). O edifcio do lagar no dista mais de 20 passos do ribeiro das Antas, corrente que permitia accionar as "galgas " no "engenho". Este mesmo ribeiro movia as galgas do lagar da laje. Em Portugal desde o terceiro quartel do sculo XV, se aproveita a energia hidralica na moagem da azeitona, da os cistercienses no olvidarem esta fora motriz gratuita nos seus domnios (Barros, 1950, pp. 234-235). Jos Diogo Ribeiro, nas suas "Memrias de Turquel" (1930, pp. 41-43), fez um inventrio das propriedades rsticas da confraria do Santssimo Sacramento: "Os seus bens imobilirios eram oliveiras em grupos ou dispersas sitas no Algar do Co, no Arneiro, na azinhaga da Quinta das Pedras, no Batalho, nas Cabeas Rasas (hoje Cabeas Ralas), no Cabeo do Amor (Mzinha), no Carvalhal ( porta de Valrio Pereira), na Choisa do Cardim (Carvalhal), no Covo (Cabeas Ralas), no Curral da Cruz, nas margens da Estrada Real, no Jgo da Bola (Carvalhal), na Lage, na Lagoa Ereira, na Lagoa das Talas, na Massa (junto ao poo da Crca), na Moita do Poo, nas Morenas, na Mzinha, no Pedregulho, no Poo e na vinha de ces. Refere-nos ainda este autor que em 1790 esta confraria passou a gerir os bens das confrarias da Conceio e do Rosrio, o que lhe concedia em anos de safra mais de trinta almudes de azeite, cerca de um moio de trigo e quase trinta mil reis. Em 1882 e por maquinaes da Junta de Parquia, vida de lhe usufruir os rditos, a Confraria do S.S. foi

25

extinta, passando ento a Junta a desfrutar todos os seus bens - e bastantes eram -, at que, em virtude da Lei da Separao, o Estado dles se apoderou (1908, p. 104; 1930, pp. 42-43). A propriedade de maior valor do Mosteiro nas terras da Vila de Turquel era, indubitavelmente, a Quinta de Vale de Ventos. Esta propriedade rstica foi avaliada, no ano de 1834, em dezasseis contos de ris. Nesta granja planta-se o mais extenso olival do Mosteiro. Este olival ocupa trs quilmetros de charneca, no qual se dispunham, em filas ordenadas, sessenta mil ps de oliveiras. No inventrio realizado em 1834 este prdio vem descrito como: "Huma Quinta chamada de Val de Ventos situada nas fraudas da Serra termo de Turquel que consta de casas (altas) huma capela [de invocao a N Sra da Serra], Lagar de desfazer azeitona com quatro varas, e duas caldeiras. Armazem de Azeite com vinte e trs pias, ou tanques, terra de Semiar, Olival, vinha e pomar de caroo, que parte de todos os lados com a charneca do concelho". Para alm do lagar velho, junto aos soberbos tanques de Vale-deVentos, ergue-se outro lagar anexo s casas da Quinta. O Dr. Guerra, que o viu em funcionamento, descreve-nos este imvel. O lagar possua quatro varas paralelas com cerca de 10 m de comprido cada. O engenho tocado por um boi (o outro descansava) fazia rodar quatro galgas. A gua destinada a abastecer as duas grandes caldeiras de cobre provinha de um tanque anexo que recolhia a gua dos telhados (este depsito de pedra tinha 4 m de profundidade por 4 m de largura e 10 de comprimento). Por baixo do tanque encontravam-se umas pias para dar de beber ao gado. Era com mato, sobretudo carrasco, que se dava quentura s guas. Para armazenar a azeitona da Quinta e dos proprietrios que l a mandavam moer, existiam duas grandes tulhas, para alm de outras de pequenas dimenses. No rs-do-cho do celeiro conservava-se o azeite em pias de pedra. A Quinta de Vale-de-Ventos foi arrendada a nove de Fevereiro de 1834, por um perodo de dois anos, a Francisco da Silva, pela soma de trezentos e oitenta mil ris (AHMF, cx. 2193. Mapa Dem. Dos Bens Pert. ao Suprim. Most. de Sta. Maria de Alc.; AHMF, cx. 2193. Autos de Aval. Dos Bens, fls. 30-31; AHMF, cx. 2192, fl. 498). A plantao do olival assim como a construo dos imveis devem ter tido incio por meados do sculo XVIII. Frei Manuel dos Santos, na sua obra "Alcobaa Ilustrada" (1710, p. 497), refere apenas a existncia de soutos. Um episdio da demanda mantida no incio da dcada de cinquenta do sculo XVIII, entre o povo e o Mosteiro, acerca do pagamento das obras da Igreja paroquial da Vila de Turquel, mostra que j existia olival novo nestas terras, pois a populao irada decepa tanchoeiras (Ribeiro, 1908, p.55). Nesta Quinta colhiam os frades cerca de setenta pipas de azeite. Ainda nas dcadas de 1920-1930, dos cerca de 300 hectares da tapada, mais de metade eram terras de olival. Refere-nos o Dr. Guerra que o seu pai, em anos de boa safra, chegou a obter 180 carradas de azeitona e que cada carrada rendia aproximadamente sete almudes de azeite. Para alm dos olivais, era famoso o seu colmeal, mandado construir por Frei Nuno Leito, o qual produzia o mel mais claro de Portugal. A este respeito, Frei Manuel de Figueiredo (cod. 1490, fl56, nota 146-147), refere que: "Ha alguns cortios de abelhas pelos fundos da Serra de Albardos que produzem o melhor mel deste reino". Este colmeal, que J. V. Natividade

26

presenciou na dcada de 20, possua nessa altura 83 colmeias 70 cortios e 13 colmeias mveis (s.d.d, p. 121). O colmeal, com cerca de 20 m de largura por 20 de comprimento, dispunha-se na encosta, alojando-se os cortios nos vrios patamares. Era cercado por um muro de pedra insonsa que rondava os 2 m. O Dr. Guerra, hoje com oitenta e nove anos, relata-nos as suas memrias de infncia quando cuidava do colmeal: Chegmos a ter 400 colmeias. As colmeias mveis eram cerca de uma dzia. Antes do ms de Junho o mel produzido era de cor branca, era mel de alecrim. A partir deste ms adquiria uma tonalidade amarela. Por ano as colmeias davam cerca de 12 a 13 almudes de mel. No Inverno o mel gelava dentro das vasilhas e para o consumirmos ou vendermos tnhamos que o cortar com uma faca. A abundncia de enxames fazia com que alguns fugissem, embora chegssemos a utilizar barricas de cimento para pr as abelhas, da que em redor da Quinta os colmeais proliferassem. A necessidade de cera para os servios religiosos fazia com que este gnero figurasse nos contratos de aforamento. Num aforamento de uma azenha e de um lagar de azeite (Rio Santo- Aljubarrota), o enfiteuta tinha que pagar pelo S. Miguel nove arrteis de cera e pelo Natal dezoito canadas de azeite (Mosteiro de Alcobaa, cx. 5, doc. 3). Sabemos que a produo de cera e mel era bastante significativa nas dcadas de 50 e 60 da centria de oitocentos, ocupando o concelho de Alcobaa o 2 lugar na produo distrital. A tradio apcola serrana manteve-se pelo menos at aos anos 40 do sculo XX. A prpria designao de Candeeiros para esta Serra, deriva, segundo a opinio do etngrafo Jos Diogo Ribeiro, da profisso de cerieiro ou candieiro, ou seja, o arteso que produzia candeias, velas de cera ou sebo utilizadas na iluminao (1902, p. 52 ). Para regar os pomares de laranjas e limas, os monges construram uma cisterna "coberta de abbada" (a "Pia da Serra"), servida por uma eira de poo. Este conjunto localizase a meia encosta, j fora da cerca da granja. Junto cisterna encontram-se pias para o gado beber (cod. 1484; Natividade, sd a, p.71). A produo de citrinos, paradoxalmente, ocupou um lugar de relevo no espao fsico da sub-serra. Para alm da granja de Vale de Ventos, j mencionada, erguiam-se vastos laranjais na granja do Jardim (Chiqueda), expresso que na regio significa pomar de macieiras ou laranjal. O sculo XIX beneficiou da herana cultural agrcola cisterciense, da o concelho de Alcobaa exercer um verdadeiro monoplio destas culturas no distrito. De um total calculado em milheiros de 806.198 (laranjas) e 50.282 limes), Alcobaa responsvel, no ano de 1865, por 800.000 (laranjas) e 50.000 (limes) (Governo Civil, Agricultura, 18601865, cx. 10). Como nos informa J. V. Natividade, parte significativa desta produo destinava-se exportao com rumo para o Brasil e Inglaterra. (s.d.c, p. 45). Nesta tapada possuam os monges trs fornos de cal: o forno das Obras (nome pelo qual eram conhecidas as pias de aprovisionamento das guas pluviais), o do Vale do Forno Velho, por baixo da Pia da Serra e o forno das malhadas (terras de cultura de trigo e milho), o de maior dimenso, nas traseiras da Quinta.

27

Na primeira dcada do sculo XX, a Quinta de Vale-de-Ventos estava na posse de D. Jos de Saldanha Oliveira e Sousa. Actualmente esta propriedade encontra-se bastante alterada: o olival foi substitudo, na sua maioria, por eucaliptos e os lagares de azeite j no existem, embora sobrevivam os colossais tanques de aprovisionamento das guas pluviais, tendo perdido, contudo, a cobertura de telha de canudo e o pavimento de lajes se encontre agora acimentado. A capela, no centro da Quinta, tambm se acha bastante degradada; resta a majestosa cerca que envolve a propriedade. Do lado em que a cerca corre a encosta, encontramos uma "pochana"/"casina"/"soujinho", de pastores que so abrigos circulares de pedra "insonsa", com cobertura de laje a todo o comprimento ou estrutura de falsa cpula. As lajes da coberta eram impermeabilizadas com molhos de "anecril" (alecrim). Junto Lagoa Ereira (Casal da Lagoa, Turquel) possua o Mosteiro, um lagar de grandeza equivalente ao da Ataja. "Hum lagar de Azeite onde chamam a Alagoa, que tem oito varas (algumas das quais j se encontravam arruinadas) e quatro caldeiras (...) o qual est situado no meio de hum baldio (da Charneca) do Concelho, avaliado em dozentos e cincoenta mil ris." (AHMF, cx. 2193, fl31; AHMF, cx. 2192, fl. 498). Este imvel foi arrendado por um ano, a Francisco de Leiria, em 21 de Novembro de 1833, pela renda de cinco mil trezentos e trinta e trs ris e arrematado por duzentos e setenta mil ris, em 26 de Abril de 1836, por Joaquim Pereira da Conceio de Turquel (AHMF, cx. 2193. Mappa Dem. dos bens pertenc. ao supr. Conv. de Sta. Maria de Alc.; A .D.L. Lv.1 arreamataes). O lagar, situado a um quilmetro da Vila, no dista mais de trs quilmetros da Serra, da se poder presumir que "lavrasse" parte da safra destes olivais (Guerra, 1944, p.33). Deste lagar, nos incios da dcada de noventa, ainda se podia observar o lance da parede que ostentava o braso da Abadia. Um armazm situado neste local destruiu, praticamente, todos os vestgios. A monte, no terreno, encontram-se pedaos do "moinho velho". Este lagar, como testemunha uma pedra lavrada, na posse do actual proprietrio deste espao, data de 1743 (ano em que foi reconstrudo). J com profundas alteraes, nomeadamente, com a introduo de prensas hidrulicas, laborou at dcada de 60 do sculo XX. At aos anos 40 mantiveram-se em funcionamento duas das oito varas iniciais. As varas, segundo nos referem, tinham aproximadamente 10 m de comprimento. Junto a este lagar possuam os monges dois moinhos de vento (Ribeiro, 1908, p. 154). Localizada a cerca de um quilmetro de Turquel, direco norte, localiza-se a Quinta da Granja, propriedade adquirida pela Abadia nos finais do sculo XVIII (Ribeiro, 1908, pp. 8081). Segundo o inventrio, esta Quinta possua um olival, um lagar de azeite e armazm, entre outros imveis. Esta propriedade rstica, avaliada em trezentos e setenta mil ris, foi arrendada por um ano, a contar de vinte e seis de Novembro de 1833 a Caetano Carvalho, sob a entrega de sessenta alqueires de milho, de trigo e de cevada, tendo sido arrematado a 267 de Abril de 1836 tambm por Joaquim Pereira da Conceio de Turquel (AHMF, cx. 2193, Mappa Dem. dos Bens Pert. ao Supr. Most. de Sta. M. de Alc.; A .D. L., Lv. 1, Arremataes). Este lagar foi desmantelado h pouco tempo, sendo o imvel restaurado utilizado como armazm. No terreno circunvizinho, com intuito ornamental, vemos alguns dos pesos e galgas do lagar. Encostado ao lagar ainda se podem observar os lances de runas da Capela de N Sra do Desterro.

28

Possuam tambm os monges um lagar no stio da Laje (actual Azenha de Baixo), povoao situada a 2800m de Turquel, no sentido NNW (Ribeiro, 1908, p. 89). A sua distncia em relao Serra, torna pouco provvel que este lagar moesse azeitona proveniente destes olivais. O engenho deste lagar aproveitava a corrente do ribeiro das Antas como fora motriz. O lagar da Laje tinha quatro varas e duas caldeiras. Foi avaliado em duzentos mil ris, tendo sido arrendado em 17 de Novembro de 1833, pela quantia de seis mil e quatrocentos ris a Joaquim Leo (AHMF, cx. 2193...). Este lagar foi remodelado em 1910 (data da construo do lagar da Vila de Turquel, imvel no centro do lugar que dispunha de dois varas). No edifcio em runas ainda se pode ver um engenho de traco animal com trs galgas e raspadeira que deve ter sido instalado na altura do restauro. Detinha ainda o Mosteiro, entre outras propriedades, "Huma Chouza tapada a que chamo a Quinta das Pedras que consta de Olival e Mattos..., [e um imvel na Vila que albergava um] armazem de azeite, com quatro pias e trs potes..." (AHMF, cx. 2192, fls. 498499). Frei Manuel de Figueiredo (cod. 1493), ao pronunciar-se sobre os encargos que o Mosteiro tem que suportar com os variados imveis que detm, d-nos uma lista das localidades dos Coutos que, no sculo XVIII, dispunham de lagares de azeite: "Antas - 1; Castanheira - 2; Chaqueda - 1; Fervena - 1; Lagoa - 1; Santa Catarina - 2; Turquel - na Quinta - 1; Val de Ventos - 1; Vimeiro - 1. Pedem os Povos acrescentamento no Lagar das Antas, e querem novos na Rota-nova, e Salir de Matto". Neste inventrio no so assinalados os lagares de Ataja e do Cidral, dado pertencerem confraria do S.S. No registo de contribuio industrial do ano de 1881 encontramos dezasseis lagares de azeite nas freguesias serranas (Governo Civil, Industria, 1862-1894, cx. 2). Na freguesia de Turquel e Aljubarrota J. V. Natividade assinala respectivamente, no ano de 1922, onze e catorze lagares de azeite. Dos cinquenta lagares de azeite em laborao nos anos vinte, no concelho de Alcobaa, as freguesias que confinam com a Serra, nomeadamente, Aljubarrota (S. Vicente e Prazeres), vora de Alcobaa, Turquel e Benedita albergam 39, ou seja 78% destas instalaes. Exceptuando duas unidades (Casal do Rei e Quinta da Cabecinha), que se mecanizaram, todas as outras mantm os mesmos processos tecnolgicos herdados da Antiguidade. No lagar de Casal do Rei, propriedade da famlia Natividade, a moenda era realizada por dois moinhos Veraci, accionados por dois motores de exploso, sendo a outra unidade servida por um moinho movido por gs pobre. (s. d d, p. 94). Como esclarece Amouretti, Quase todos os processos de prensagem inventados na Antiguidade ainda coexistiam no incio do sculo XIX: toro, esmagamento em almofariz, prensas de vara com contrapesos simples, prensas de vara e parafuso ou prensas de parafuso. Enquanto as prensas de alavanca ou alavanca com contrapeso, desapareceram da produo de azeite, as outras permaneceram (1998, p. 28). Contudo, nesta regio, no temos conhecimento de outro sistema para alm das prensas de vara e parafuso, processo arcaico que se perpetuou at ao terceiro quartel do sculo XX.

29

Que a modernizao industrial dos lagares ter sido lenta verifica-se, facilmente, na estatstica mobilizada por Adriano de Sousa (1952, p. 224), no seu relatrio final do Curso de Engenheiro Agrnomo sobre o concelho de Leiria: "Os Lagares existentes so em nmero de 111 (...). Compreendem um equipamento de 167 prensas das quais 61 so de vara (36.6%), 74 de parafuso (44.3%) e 32 hidrulicas de seiras (19.2%). H uns dez anos atrs existiam 112 lagares com 63 prensas de vara, 75 de parafuso e 20 hidrulicas. Nota-se portanto alguma melhoria no que respeita a material moderno. No entanto, a extraco do azeite est ainda subordinada existncia de 80.9% de prensas antiquadas e de fraco poder extractivo contra 19.1% de prensas modernas". Na estatstica agrcola do ano de 1953, esto registados no concelho de Alcobaa 64 lagares, sendo 25 de prensa ou parafuso, ou seja 39% trabalham com tecnologia pr-industrial. Refere ainda este levantamento, a existncia de 51 prensas de vara (Estatstica Agrcola, 1953, p.201). Alcobaa mantm um facies olivcola, o que nos comprova o "Inqurito s Exploraes Agrcolas do Continente", de 1953, em que se declara que este concelho possui 2694 olivais e 3597 oliveiras dispersas, no entanto apenas menciona 49 lagares de azeite (1953, pp.114-115; 435). O concelho de Alcobaa, no ano de 1958, possua quarenta e nove lagares em laborao. A maioria destes j funcionava com sistema hidrulico, embora ainda tenha visitado um lagar com prensas de vara em laborao nos finais da dcada de setenta.

30

4. As tomadias populares nos baldios. A plantao do olival familiar na charneca e encosta da Serra. A partir da dcada de 60 de oitocentos acelera-se a alienao das reas baldias, sendo extinto o direito de compscuo com o Cdigo Civil de 1867. Como assinala M. Villaverde Cabral (1981, p. 229), "Do Cdigo Seabra, de 1867, h pois a reter a desapario jurdica da propriedade pr-capitalista e a sua transformao de jure em propriedade plena, capitalista". O destino das "terras do povo" diverso. Muitas terras so incorporadas nos bens do concelho, que, por seu turno, as vendem ou aforam. Outras que confinam com a nova propriedade burguesa resultante do desmantelamento das ordens masculinas religiosas, so conquistadas por estes influentes locais. Mas ao povo tambm cabe um quinho desta partilha, sobretudo se ela incide sobre terras de fraca apetncia agrcola (Castro, 1981, pp. 277-282; Marques, 1981, a, p. 331; Vaquinhas, Neto, 1993, pp. 325-328). A destruio dos direitos comunitrios recebe um consenso alargado da classe poltica e intelectual oitocentista, no obstante se verifiquem divergncias quanto ao regime de explorao e de concesso destas propriedades. Alexandre Herculano peremptrio quando pede a abolio desta instituio: "Os pastos comuns so a cidadela da inrcia e o teatro reservado pela ignorncia s maravilhas da Providncia", defende este autor, em 1849, nas "Breves Reflexes Sobre Alguns Pontos de Economia Agrcola". (1984, p. 198). Para Herculano, os baldios so responsveis pela manuteno de uma explorao arcaica do solo. O campons acomodado, ancorado na tradio rejeita a modernidade. Assim se evita a estabulao, se perdem os adubos animais, no se praticam os afolhamentos, as culturas forrageiras... A defesa da concesso em courelas dos incultos s famlias rurais como maneira de suprir as deficincias crnicas em cereais, fomentar a auto subsistncia e reduzir o dfice da balana comercial, propagandeado por inmeros paladinos. Thomaz Portugal, animado pelo pensamento fisiocrata, prope no ocaso do sculo XVIII, que se distribuam pelo povo as terras comunais da Serra de Aire (Memrias Econmicas da Academia de Scincias, 1790, pp. 413433). Um homem cuja vida atravessou o sculo XIX e falamos de Antnio Oliveira Marreca, economista e pensador l