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1 UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARILIA ADRIANA APARECIDA DA SILVA A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR ENQUANTO PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MARÍLIA 2008

A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR …

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UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARILIA

ADRIANA APARECIDA DA SILVA

A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR

ENQUANTO PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

MARÍLIA

2008

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ADRIANA APARECIDA DA SILVA

A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR

ENQUANTO PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentado ao Programa de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Marília como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof.a. Dr.a. Soraya Regina Gasparetto Lunardi.

MARÍLIA

2008

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Autora: ADRIANA APARECIDA DA SILVA

Título: A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR ENQUANTO PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Soraya Regina Gasparetto Lunardi.

Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______ _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Orientadora __________________________________________ Prof.(a) Dr.(a) __________________________________________ Prof.(a) Dr.(a)

4

Dedico esse trabalho a Arildo Pedroso de Campos (in memoriam), pessoa especial em minha vida e na de meu filho Gabriel, que acreditava em mim e na minha capacidade, que sempre esteve ao meu lado e que nunca deixará de existir no meu coração.

5

Agradeço primeiramente a Deus que iluminou meu caminho, a todas as pessoas de que alguma maneira contribuiu para a realização desse sonho, em especial a meu filho Gabriel, que soube superar minha ausência, a minha mãe que me apoiou incondicionalmente, a minha amiga Isadora, que compartilhou todos os momentos ao longo do curso. A minha orientadora Prof.ª Dr.ª Soraya Regina Gasparetto Lunardi pela dedicação e pela paciência na transmissão de seus conhecimentos que enriqueceram o presente trabalho.

6

A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DO CONSUMIDOR ENQUANTO PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Resumo:

A presente pesquisa analisa a livre concorrência e a defesa do consumidor enquanto princípios da ordem econômica no Estado Democrático de Direito. Tem como objetivo demonstrar a inter-relação entre esses dois princípios, com base nos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil e nos princípios da ordem econômica. A livre concorrência e a defesa do consumidor nem sempre são princípios harmônicos entre si, pode acontecer situações em que existam conflitos entre a aplicação dos mesmos no caso concreto, uma vez que os interesses dos fornecedores muitas vezes não são compatíveis com os do consumidor. No entanto, necessário fazer um estudo do Estado Liberal e Social, demonstrando como se chegou ao Estado neoliberal e o surgimento da Constituição Econômica. Destaca a importância dos princípios da livre iniciativa, defesa do consumidor e livre concorrência. Diante da realidade atual da economia, importante estudar as legislações infraconstitucionais que em conjunto com os princípios constitucionais protegem a livre concorrência e defende o consumidor, sempre no intuito de preservar o interesse da coletividade. Motivo em que às vezes ocorrem os referidos conflitos, pois o objetivo maior é o coletivo e não o particular. Demonstra-se como ocorrem os conflitos entre referidas normas e as soluções, inclusive nos casos concretos. As estruturas de mercado serão estudadas em razão do desrespeito à livre concorrência e aos abusos do poder econômico. Após a análise do mercado em sua situação de normalidade foram descritos as situações patológicas do mercado: abuso de poder econômico; desvios; cartéis, truste e dumping. A proteção das relações de consumo está intimamente relacionada com a construção de uma política de defesa da concorrência, sendo a defesa do consumidor o principio básico do direito concorrencial. As limitações impostas à livre concorrência em razão da proteção do consumidor são importantes para que a regulamentação do mercado se dê sem que o consumidor sofra restrições aos seus direitos uma vez que fica vulnerável diante de oligopólios, monopólios etc. Logo a proteção imposta pelo Código de Defesa do Consumidor acaba limitando o direito à livre concorrência, para que possíveis abusos não comprometam os direitos do consumidor que precisa do serviço ou do produto. Ao final será apresentada a regulamentação do CADE e sua atuação em casos reais neste equilíbrio necessário entre princípios constitucionais que muitas vezes se mostram conflitantes, no entanto em razão do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade deverá ocorrer a interação e compatibilização dos referidos princípios.

Palavras chave: Livre concorrência - defesa do consumidor - abuso do poder econômico.

7

THE DEFENSE OF THE FREE COMPETITION AND THE CONSUMER WHILE PRINCIPLES OF THE ECONOMIC ORDER IN THE DEMOCRATIC STATE OF RIGHT.

Summary:

The present research analyzed the free competition and the defense of the consumer while principles of the economic order in the Democratic State of Right. It was objectified to demonstrate to the interrelation between these two principles, everything on the basis of the general principle of the economic order. The free competition and the defense of the consumer are principles that many times enter in conflict a time that the interests of the suppliers, many times, are not compatible with the ones of the consumers. It was analyzed in this work shunting lines of market in reason of the disrespect to the free competition, its concepts, its limits, its application and the consequences of its descumprimentos. For in such a way it was studied the constitutional legislation and the related laws infraconstitutional to the subject, as well as the extrajudicial forms of prevention, rebuke and punishment to the abuse of the economic power, for agencies as the CADE. For the analysis of; perfect oncorrência, monopoly, oligopoly, oligopsônio and monopsônio had been traced the characteristics of the main structures of market. After the analysis of the market in its situation of normality the pathological situations of the market had been described: abuse of being able economic; shunting lines; cartels, monopoly, dumping and holding. It was verified that the principles of the free competition and the defense of the consumer are in the same constitutional hierarchic position. The protection of the consumption relations closely is related with the construction of one politics of free market defense, being that the defense of the consumer is begins it basic of the concorrencial right. The limitations imposed to the free competition in reason of the protection of the consumer are important so that the regulation of the market if gives without the consumer suffers to restrictions to its rights a time that is vulnerable ahead of oligopolies, monopolies. Soon the protection imposed for the Code of Defense of the Consumer finishes limiting the right to the Free competition so that possible abuses do not compromise the rights of the consumer whom it needs the service or the product. To the end it is presented the regulation of the CADE and its performance in this constitutional necessary balance between principles that many times if show conflicting.

Words key: It exempts competition - prohibited of the consumer - abuse of the economic

power.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................11

1 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS E OS PRINCÍPIOS LIGADOS A LIVRE CONCORRÊNCIA E PROTEÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR.........................14

1.1 A TRAJETÓRIA DO ESTADO LIBERAL E O ESTADO SOCIAL..............................32

1.2 A FORMAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA..................................................43

1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA.........................47

1.3.1 A Defesa do Consumidor na Ordem Econômica............................................................53

1.3.2 O Princípio Constitucional da Livre Concorrência.........................................................59

2 PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS RELACIONADAS AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA, DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LIVRE CONCORRÊNCIA..................................................................................................65

2.1 A LEI DE PROTEÇÃO A CONCORRÊNCIA – LEI Nº. 8884/94..................................65

2.2 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ATRAVÉS DA LEI Nº. 8078/90..........................87

2.3 OS CONFLITOS ENTRE AS NORMAS.........................................................................94

3 ESTRUTURAS E DESVIOS DE MERCADOS ...........................................................101

3.1 CONCORRÊNCIA PERFEITA E IMPERFEITA..........................................................102

3.2 MONOPÓLIO E OLIGOPÓLIO.....................................................................................106

3.3 OLIGOPSÔNIO E MONOPSÔNIO...............................................................................110

3.4 CARTÉIS, TRUSTE E DUMPING.................................................................................111

4 INTERAÇÃO E COMPATIBILIZAÇÃO DOS PRINCIPIOS DA LIVRE

CONCORRÊNCIA E DA DEFESA DO CONSUMIDOR..............................................117

4.1 O ABUSO DO PODER ECONÔMICO..........................................................................117

9

4.2 INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DOS PRINCÍPIOS DA LIVRECONCORRÊNCIA E

DA DEFESA DO CONSUMIDOR.......................................................................................123

4.3 DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LIVRE CONCORRÊNCIA ATRAVÉS DO CADE

– CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA....................................136

4.3.1 Decisões Administrativas do CADE - Conselho Administrativo de Defesa

Econômica..............................................................................................................................139

CONCLUSÃO......................................................................................................................148

REFERÊNCIAS...................................................................................................................153

10

LISTA DE ABREVIATURAS

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CF – Constituição Federal de 1988

STF – Supremo Tribunal Federal

DJ – Diário da Justiça

EUA – Estados Unidos da América

SDE – Secretaria de Direito Econômico

GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio

ANP – Agência Nacional de Petróleo

PROCON - Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor

11

INTRODUÇÃO

Para estudar os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, em um

primeiro momento, é necessário fazer uma análise sobre a trajetória do Estado Social e o

Estado Liberal, o que ajuda a entender como e por quais motivos os referidos princípios

foram positivados pela Constituição Federal de 1988.

Será utilizada como metodologia: estudo doutrinário, pesquisas bibliográficas, com o

uso do método hipotético dedutivo e a interpretação analítica e sistêmica das fontes

utilizadas, bem como, análise de decisões referentes ao controle do mercado de consumo.

A pesquisa centra-se artigo 170, da Constituição Federal de 1988, em especial, nos

princípios da livre concorrência e a proteção aos direitos do consumidor. A abordagem

enfoca a difícil tarefa de harmonização entre esses princípios e as demais legislações e a

aplicação dos mesmos nos casos práticos.

No que tange a estes aspectos, serão examinados alguns dos alicerces da República

Federativa do Brasil, previstos no artigo 1º da Constituição Federal de 1988; a soberania; a

cidadania; a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e

o pluralismo econômico, como fundamentos constitucionais para a proteção do direito do

consumidor.

Constata-se o que a Constituição Federal de 1988 encontra-se mais voltada para a

corrente ideológica do Estado Social do que para o Liberalismo, embora tenha natureza

mista, objetiva-se esclarecer se os princípios da livre concorrência e sua auto regulamentação

e a defesa do consumidor com medidas de proteção, são princípios conflitantes com as

demais normas ou se há prevalência, complementariede e harmonização entre todos.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 3º, prevê como finalidade do Estado a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional,

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e

promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer

outras formas de discriminação.

12

A livre iniciativa será analisada em razão de ser um dos mais importantes princípios

da ordem econômica constitucional do Brasil, bem como, um dos aspectos a compor o

contexto no qual se insere a livre concorrência. A livre iniciativa pressupõe não apenas a

idéia de liberdade para acessar o mercado, mas também a idéia de liberdade para permanecer

no mercado em condições de competir em igualdade com os demais agentes de mercado

dedicados à mesma atividade, caracterizando-se assim a livre concorrência.

A livre concorrência é a afirmação de liberdade do mercado, podendo os agentes

econômicos atuar sem embaraço visando à produção e circulação de mercadoria. Por outro

lado este princípio sofre uma série de restrições legais inclusive na Constituição Federal de

1988, as quais serão estudadas para a verificação da existência ou não da compatibilização,

conciliação e composição dos mesmos.

A análise da legislação infraconstitucional relacionada aos princípios da livre

concorrência e da defesa do consumidor, especialmente a Lei Antitruste, demonstra como são

regulados esses conflitos. A legislação tem como objetivo preservar o cenário da liberdade

das empresas mediante o controle e a limitação das forças e práticas anticompetitivas, ainda

proteger o mercado contra seus efeitos autodestrutíveis visando à manutenção do sistema.

As intervenções do Poder Judiciário e especialmente do CADE devem, de acordo

com as normas constitucionais, fazer prevalecer às normas relativas à concorrência como

instrumento de implementação de uma política pública e protetora dos consumidores como

forma de concretização de valores sociais.

Os conflitos entre os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor suas

características, seus limites, suas conseqüências e as formas de controle adotadas pelo Estado

brasileiro dão base a este estudo. A demonstração desses conflitos e controle se dará pela

análise de decisões judiciais e do CADE onde se pode verificar como ocorre a interação e a

compatibilização desses princípios e como eles se harmonizam com os fundamentos e

objetivos da Republica Federativa do Brasil e com as demais legislações infraconstitucionais.

Diante das diferentes variedades de legislações a pesquisa apresenta um breve relato

sobre os conflitos entre as normas, visando um melhor estudo da ordem constitucional na

medida em que seus princípios e fundamentos são aqueles que devem orientar a conduta dos

13

agentes econômicos no mercado, sempre visando uma interpretação harmoniosa dos

referidos princípios com as demais normas.

Na seqüência serão analisadas as estruturas de mercado: concorrência perfeita,

monopólio, oligopólio, oligopsônio e monopsônio e os desvios de mercados, os quais são

abominados pelo sistema econômico: cartéis, truste e dumping.

Partindo do exame dessas estruturas de mercado, analisar-se-á o abuso do poder

econômico, caracterizado pelo comportamento do empresário quando visa à dominação do

mercado, prejudicar ou impedir a concorrência, tendo como intenção à obtenção de lucros

ilegítimos e que causam prejuízo aos consumidores.

Em seqüência será demonstrado como ocorre a interação e a compatibilização entre

os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, oportunidade em que será

esclarecido como ocorre a harmonia e o equilíbrio entre tais princípios o que possibilita

definir a política econômica e busca pela sua prática em harmoniza com as relações de

consumo e com a defesa da concorrência.

Ao final será demonstrada a atuação do órgão administrativo que tem como principal

objetivo a prevenção, repreensão e punição ao abuso de poder econômico, o CADE –

Conselho Administrativo de Defesa Econômica, bem como são as decisões do CADE na

prática.

14

1 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS E OS PRINCÍPIOS LIGADOS A LIVRE CONCORRÊNCIA E PROTEÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Estado Democrático de Direito conduz à idéia de um Estado de Direito e de Justiça,

expressa a estrutura jurídica-política de uma comunidade que, sob um Estado de Justiça,

delibera sobre o conteúdo da vida boa e do bem comum. 1 Consistindo em superar as

desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime que realize a justiça social.

O Estado neoliberal tem como objetivo atender as necessidades da população,

defendendo o coletivo, na preocupação da realização da justiça social para o cidadão, para

isso debruça-se sobre diversos instrumentos de políticas públicas, especialmente aquelas de

cunho social, que consiga nivelar as desigualdades existentes entre a população.

Eros Roberto Grau complementa que “[...] nesses preceitos, opera-se a superação da

dissociação entre a esfera política e a esfera social - aí caminham juntos, voltando-se à

realização dos mesmos fins, o Estado e a sociedade”. 2

A Constituição Federal de 1988 é um modelo econômico de bem-estar social,

marcadamente por desenhar o perfil completo das finalidades principiológicas a serem

perseguidas pelo Estado no setor econômico, à disposição nuclear da ordem econômica é a

prevista no artigo 170, porém necessário reunir os artigos 1º e 3º, os quais são vocacionados

totalmente para a ordem econômica.

Eros Roberto Grau afirma que:

A Constituição do Brasil de 1988 projeta um Estado desenvolto e forte, o quão necessário seja para que os fundamentos afirmados no seu art. 1º e os objetivos definidos no seu art. 3º venham a ser plenamente realizados, garantindo-se tenha por fim, a ordem econômica, assegurar a todos a existência digna. 3

O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 define os fundamentos da República

Federativa do Brasil, demonstrando que o Estado Democrático de Direito está diretamente

1 BARZOTTO, Luís Fernando. A Democracia na Constituição. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 2 GRAU, Eros Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: 2006, p.131. 3 Op cit.

15

vinculado à soberania nacional, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores

sociais do trabalho, à livre iniciativa e ao pluralismo econômico.

Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão previsto no artigo

3º da Constituição Federal de 1988; quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e

solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras de discriminação.

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988, menciona que a ordem econômica será

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por finalidade assegurar

a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da

soberania social; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência;

defesa do consumidor; defesa do meio ambiente, mediante trabalho diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

redução das desigualdades regionais e sociais e tratamento favorecido para as empresas de

pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no

País.

A soberania é um dos primeiros princípios expressos pela Constituição Federal de

1988, pois está reproduzido no artigo 1º como fundamento da República Federativa do Brasil

e no artigo 170, inciso I, como princípio da ordem econômica brasileira. A soberania

econômica revela o poder político supremo e independente:

[...] supremo porque “não está limitado por nenhum outro na ordem interna”, independente, porque, “na ordem internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos”. 4

As políticas econômicas a serem adotadas devem levar o Estado a firmar sua posição

de soberania interdependente perante os demais Estados, a soberania nacional decorre da

autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da

nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida

digno e independente.

4 CAETANO, Marcello apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 104.

16

André Ramos Tavares aduz que:

Se não se trata de uma soberania absoluta, o que significa que a soberania nacional contida no inc. I do art. 170 da Constituição de 1988 é, em termos econômicos, a preferência por um desenvolvimento nacional. Portanto, a leitura do “princípio da soberania” deve ocorrer em harmonia e plena sintonia com outro princípio, o do desenvolvimento econômico. O país não pode, em termos de produção capitalista, ser dependente de outro, não ter emancipação econômica equivaleria a, na prática, ignorar a necessidade do pleno desenvolvimento. 5

A soberania econômica é intangível diante da realidade atual, pois com o fenômeno

da globalização a economia moderna está cada vez mais integrada no plano internacional.

Em razão da globalização, quando se trata de questões econômicas, percebe-se que os limites

territoriais estão sendo ultrapassados, deixando visível a possibilidade de o Estado manter

uma soberania econômica absoluta é cada vez mais difícil.

A Constituição Federal de 1988 atribui ao Estado, em seu artigo 174, a função de

regulamentação da atividade econômica para impedir o chamado “abuso do poder

econômico” previsto no artigo 173 § 4° da Constituição Federal de 1988. Por outro lado o

texto constitucional prevê em seu artigo 170, IV, de forma expressa a liberdade de

concorrência. A idéia de abuso do poder econômico deverá tratar dos desvios de função do

poder, quando empresas ou grupos econômicos desenvolvem estratégias visando efeitos

anticoncorrenciais.

A cidadania está diretamente vinculada com a democracia, qualifica como cidadão

aquelas pessoas que dispõe dos direitos políticos e são que nacionais, as pessoas que

participam como eleitor da vida do Estado. Manoel Gonçalves Ferreira Filho argumenta que:

A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de pertinentes à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também

5 TAVARES, André Tavares. Direito Constitucional Econômico. 2. ed.rev. e atua. São Paulo: Editora Método, 2006, p.142.

17

deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir para o aperfeiçoamento de todos. 6

A cidadania é um status ligado ao regime político, assim é correto incluir os direitos

típicos do cidadão entre aqueles associados ao regime político, em particular entre os ligados

à democracia. 7

Hodiernamente a grande preocupação dos juristas é a proteção a ser conferida aos

cidadãos, logo necessário buscar a maneira mais segura dos direitos fundamentais nesse

quadro de relações sociais, econômicas e jurídicas, impedindo sua violação e o ponto de

partida deve ser a cidadania.

A proteção do consumidor como verdadeiro exercício da cidadania significa para

Brito José Geraldo:

[...] a qualidade de todo ser humano como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gama de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados. 8

Permeia a Constituição Federal de 1988, pois como norte em sua implementação, a

realização da “justiça social”, a própria Constituição Federal associa-se à solidariedade,

deixando certo que o conceito envolve não apenas a prevalência do social sobre o individual,

como também o compromisso de uma dependência recíproca, entre os indivíduos.

André Ramos Tavares entende que:

A justiça social, em síntese, deve ser adotada como um dos princípios de finalidade comunitarista expressos na Constituição de 1988 a interferir no contexto da ordem econômica, visando ao implemento das condições de vida de todos até um patamar de dignidade e satisfação, com o que o caráter da justiça é-lhe intrínseco. 9

6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. ed.rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 36. 7 Op cit. 8 BRITO, José Geraldo apud FARIAS, Cristiano Chaves. A proteção do consumidor na era da Globalização, Revista do Consumidor. n. 41. RT, jan/mar de 2002, p. 85. 9 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico, 2 ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 131.

18

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 menciona a “existência digna”, como

finalidade da ordem econômica e o artigo 1º menciona “dignidade da pessoa humana” como

um dos fundamentos do Estado brasileiro, em ambos os sentidos haverá implicações

econômicas, deve-se prevalecer à dignidade da pessoa humana como princípio. 10

Pérez Luño aponta o conteúdo dúplice do princípio da dignidade:

A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas e humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung dês Menschen) que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza. 11

De maneira que não se pode, equivocadamente, inferir no conteúdo da dignidade da

pessoa humana que se trata de um direito ou um princípio absoluto. A dignidade da pessoa

humana enquanto princípio, ao lado do direito à vida, é um direito inviolável, é o núcleo

essencial dos direitos humanos, juntamente com o valor social do trabalho e a livre iniciativa.

O texto constitucional deixa evidente que não é apenas fundamento da República

Federativa do Brasil, mas também o seu fim, dessa forma a ordem econômica deverá

contribuir para a sua concretização. No entendimento de Eros Roberto Grau:

No quadro da Constituição de 1988, de toda sorte, da interação entre esses dois princípios e os demais por ela contemplados – particularmente o que define com fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna – resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar. 12

10 Op cit.

11 LUÑO, Antonio E. Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 318.

12 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica.) 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 198.

19

Confirma-se que todos os princípios da ordem econômica brasileira estão na mesma

posição, com aos mesmos objetivos, deve-se haver a aplicação e realização de todos esses

princípios, bem como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil para que se

possa atingir o objetivo constitucional da realização da dignidade da pessoa humana e justiça

social, assegurando a todos a existência digna.

Anotam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira que:

Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir uma ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais. 13

A dignidade da pessoa humana é inviolável, como princípio o núcleo dos direitos

humanos. Cabe ao Estado respeitá-la e protegê-la, não somente como direito fundamental,

mas como fim da ordem econômica, pois se tem como o mais forte princípio no qual se

embasa a concepção constitucional do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988 busca a valorização do trabalho humano, em conjunto

com o princípio da livre iniciativa, o qual se prende ao princípio da liberdade, retrato de uma

economia capitalista, que funciona pelas leis do mercado, com uma intervenção moderada do

Estado, de forma subsidiária.

A valorização do trabalho humano está relacionada com o princípio da igualdade, o

mesmo vem corroborado como uma conseqüência da evolução histórica, desde a época do

trabalho escravo, passando pela revolução industrial, até os dias de hoje, em que se pleiteia

cada vez mais um relacionamento capital-trabalho voltado para as necessidades do homem

enquanto indivíduo, procurando-se não retroagir a épocas passadas, de exploração

injustificada do trabalho humano.

13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1984, p. 70.

20

O texto constitucional consagra apenas a valorização do trabalho humano produtivo,

através do qual o ser humano obtém os meios suficientes para a sua subsistência de forma

digna, ao contrário do que ocorria na época do trabalho escravo, tempo em que o trabalho

indignificava o ser humano.

O trabalho passa a receber uma proteção politicamente racional, abandonando a

proteção meramente filantrópica. Surgindo então o reconhecimento do valor social do

trabalho, expressando a prevalência dos valores do trabalho na conformação da ordem

econômica.

No entanto na prática muitas vezes o trabalho humano não é valorizado, existem

lugares em que ainda existe o trabalho escravo, como na China, que além de trabalho escravo

tem exploração do trabalho infantil e o trabalho é muito pouco remunerado.

Os valores sociais do trabalho devem ser priorizados, que na realidade é o próprio

direito ao trabalho e a criação de trabalho se dá com a livre iniciativa, em verdade pode-se

afirmar que são à base de sustentação do sistema econômico.

A livre iniciativa é a projeção da liberdade individual no plano da produção,

circulação e distribuição das riquezas, assegurando não apenas a escolha das profissões e das

atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados

mais adequados à consecução dos fins visados. 14

Fabiano Del Masso ressalta que:

[...] é impossível o desenvolvimento da atividade econômica sem a valorização do trabalho, que representado ponto de toque da produção, ainda mais quando na economia contemporânea, o que mais se valoriza é justamente a técnica de produção. 15

14 COELHO, Inocêncio Mártines. A defesa da livre concorrência na Constituição de 1988. Revista da Procuradoria Geral da Republica, São Paulo: 1995, p. 61. 15 DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elseivier, 2007, p. 44.

21

A ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais

valores da economia de mercado. 16 Porque é através do trabalho que se chega aos objetivos

da ordem econômica e social do país.

Para Adam Smith a proporção segundo o qual o produto desse trabalho se reparte por

entre um número maior ou menor de consumidores é que torna uma nação mais ou menos

rica:

Segundo seja maior ou menor a proporção existente entre o produto do trabalho – ou aquilo que no estrangeiro se adquire em troca desse produto – e o número de consumidores, encontrar-se-á a nação mais ou menos abastecida de todas as espécies de coisas necessárias ou cômodas de que necessita. 17

A produção do trabalho está intimamente ligada com o atendimento do consumidor e

com a liberdade de iniciativa, pois se o ser humano tem liberdade para trabalhar de forma

livre, conseguirá ter uma boa produção, estendendo a divisão do trabalho a todas as

profissões garantindo a livre concorrência e garantindo os anseios do consumidor.

O pluralismo econômico está garantido pela Constituição Federal de 1988 como

forma de convivência de diversos grupos sociais, que buscam viver em harmonia,

defendendo seus ideais, com objetivo de evitar que o poder de decisão fique nas mãos de

poucos, no intuito de que a maioria possa ter poder de decisão e participação.

Oscar Dias Corrêa, faz importante colocação em relação à justiça social:

[...] implica melhoria das condições de repartição dos bens, diminuição das desigualdades sociais, com a ascensão das classes menos favorecidas. Não é objetivo que se alcance sem continuado esforço, que atinja a própria ordem econômica e seus beneficiários. 18

16 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 200. 17 SMITH, Adam apud HUGON, Paul, História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p.104. 18 CORRÊA, OSCAR DIAS apud TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2006, p.130.

22

A justiça social deve ser adotada como um dos princípios de finalidade comunitarista

expressos da Constituição Federal de 1988 a interferir no contexto da ordem econômica,

visando ao implemento das condições de vida de todos até um patamar de dignidade e

satisfação, com o que o caráter social da justiça é-lhe intrínseco.19 A Constituição Federal de

1988 associou sociedade livre, justa e solidária, realmente como um Estado Democrático de

Direito deve ser.

[...] a Constituição quer, com esse objetivo fundamental, é que a Republica Federativa do Brasil construa uma ordem de homens livres, em que a justiça distributiva e retributiva seja um fator de dignificação da pessoa e em que o sentimento de responsabilidade e apoio recíproco solidifique a idéia de comunidade fundada no bem comum. Surge ai o signo do Estado Democrático do Direito, voltado à realização da justiça social, tanto quanto a fórmula liberdade, igualdade e fraternidade o fora no Estado Liberal proveniente da Revolução Francesa. 20

A justiça social deverá ser atingida pela garantia da dignidade da pessoa humana e

suprimento das necessidades humanas fundamentais, com a conseqüente eliminação da

miséria, da ignorância e desigualdades entre as diversas classes sociais.

Na Constituição Federal de 1988, um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro

é “garantir o desenvolvimento nacional”, dando ênfase à idéia de que o desenvolvimento há

de ser buscado igualmente não apenas no plano econômico e sim em outras órbitas, como a

social, a moral, a política e outras.

Convém destacar Adam Smith, o qual anotara que:

[...] é no Estado em progresso, quando a sociedade avança no sentido de aquisição de maiores riquezas, mais do que no que corresponde ao pleno desenvolvimento da sua riqueza, que a situação dos trabalhadores pobres, a maior parte da população, se apresenta mais feliz e agradável. É dura no Estado estacionário, e miserável no de declínio. O Estado em progresso é,

19 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed.rev. e atual, São Paulo: Editora Método, 2006, p.131. 20 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 46.

23

realmente, o que maior felicidade e alegria traz a todas as classes da sociedade. O Estado estacionário é insípido; o de declínio, melancólico. 21

O desenvolvimento nacional encontra-se diretamente relacionado à melhoria das

condições sociais, humanas, morais e ao aumento da qualidade de vida do cidadão brasileiro.

Isto não significa apenas a preocupação com o mero crescimento econômico, mas que esse

crescimento deve proporcionar a melhoria da qualidade de vida, tendo toda pessoa o direito

de participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político.

Muito embora na prática talvez não se tenha conseguido atingir tal objetivo, no

entanto o caminho está sendo trilhado nesse sentido, para que todos os brasileiros tenham

condições dignas de sobrevivência, que possam trabalhar, estudar e ajudar no crescimento do

país, que resultará em uma vida digna.

José Afonso da Silva transcreve que:

[...] o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes. 22

Percebe-se que o constituinte procurou edificar o Estado sobre uma base de valores

que têm um significado profundo para a sociedade, procurando sempre preservar a dignidade

da pessoa humana. Outro objetivo que está intimamente ligado à dignidade da pessoa

humana é a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais e

regionais.

A pobreza pode levar a marginalização, pois se a pessoa não tem condições de se

alimentar também não terá condições de trabalhar, ocorrendo à marginalização dessa pessoa,

o que é intolerável diante da injustiça de um país que tem tantas riquezas, distribuída de

maneira desigual, de maneira que as pessoas com menos poder aquisitivo não têm condições

21 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed.rev. e atual, São Paulo: Editora Método, 2006, p. 133. 22 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47.

24

sequer de viver dignamente e muito menos de participar do desenvolvimento econômico do

país.

Através do desenvolvimento econômico crescem as ofertas de trabalho, e isso confere

a população uma condição de vida melhor. Outra conseqüência que deve advir do

desenvolvimento econômico, nesse ponto a atuação do Estado é importante, é em relação à

distribuição de renda, que possibilitaria a diminuição das desigualdades sociais e regionais e

uma melhor condição de vida para a população e um desenvolvimento econômico mais

compatível com a justiça social.

A República Federativa do Brasil também apresenta como objetivo promover o bem

de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação, para que se chegue a uma sociedade livre, justa e solidária.

Em relação aos princípios gerais da atividade econômica previstos no artigo 170 da

Constituição Federal de 1988, Celso Ribeiro Bastos entende serem quatros os princípios

enunciados no artigo 170 da Constituição Federal, afirmando que “[...] encontramos no caput

do artigo referencia a quatro princípios: valorização do trabalho humano, livre iniciativa,

existência digna, conforme os ditames da justiça social.” 23

Tal posição não é unânime na doutrina nem mesmo quanto à consideração dos

dispositivos do artigo 170 da Constituição Federal de 1988. João Bosco Leopoldino da

Fonseca, entende que a Constituição Federal de 1988, estabelece os princípios da cidadania,

da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, os quais

se incorporam linhas de pensamento, uma ideologia a direcionar as regras. Ainda entende

como princípios a soberania nacional, da propriedade privada, da função social da

propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente. 24

No entendimento de Washington Peluso Albino de Souza as disposições do caput

configuram fundamentos e objetivos da ordem constitucional, não princípios, considerando

que o autor que:

23 BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 12. 24 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 51.

25

[a] o tratar dos ‘princípios gerais’, o legislador situou, no primeiro artigo a preocupação para com os seus ‘fundamentos’ e os princípios a serem observados. Como fundamentos da ‘ordem econômica’ nomeia a ‘valorização do trabalho humano e a livre iniciativa’. Como objetivo indica o de ‘assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social’, seguindo-lhes, então os ‘princípios’ a serem observados. 25

Para que os fundamentos sejam concretizados e para que os fins sejam alcançados,

necessário adotar alguns princípios norteadores da ação do Estado, motivo pelo quais os

princípios constantes no artigo 170 da Constituição Federal de 1988 devem orientar a atuação

do Estado e dos particulares nos processos de produção, circulação, distribuição e consumo

de riquezas do país.

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 deveria ser lido segundo Eros Roberto

Grau, da seguinte maneira:

[...] as relações econômicas - ou a atividade econômica – deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim (fim delas, relações econômicas ou atividades econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.26

Eros Roberto Grau afirma que existe duas circunstâncias, especificamente, que

demarcaram os novos traços, ambos decorrentes do fato de o Estado ser compelido a refinar

o desempenho das funções, pelas quais responde de integração e modernização e de

legitimação capitalista, o que supõe a implementação de políticas públicas. 27

Analisando o caput do artigo 170 da Constituição Federal de 1988 percebe-se ter ele

estabelecido dois princípios, quais sejam o da valorização do trabalho humano e o da livre

iniciativa, que teriam como objetivo, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social, pautando-se também pelos outros princípios que estão enumerados em nove

incisos.

25 SOUZA, Washington Peluso Albino de. A experiência brasileira de Constituição Econômica. Revista de Informação Legislativa, n. 102, abr - jul. 1989, p.29. 26 EROS, Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e crítica). 11. ed.rev. e atual. Malheiros Editores. São Paulo: 2006, p. 68. 27 Op cit, p. 75.

26

Em um primeiro momento existe apenas uma diferenciação em razão da

nomenclatura utilizada pelos princípios, os fundamentos e os objetivos da ordem econômica,

pois a natureza jurídica de todos eles é principiólogica, de maneira que a função jurídica de

todos é de princípio, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social.

Existe um confronto entre os dois principais princípios constitucionais que embasam

a concorrência no Brasil, o texto constitucional prevê em seu art. 170, IV de forma expressa a

liberdade de concorrência, mas o artigo 173, § 4º da CF, visa impedir o abuso do poder

econômico, o que significa que existe a liberdade,no entanto não é ilimitada, de maneira que

o controle de condutas deve, portanto existir para que a as restrições existam, mas fiquem

limitadas à obtenção de objetivos lícitos.

Tal limitação visa impedir os atos que gerem efeitos anticompetitivos através da

análise de razoabilidade, isso assegura a eficiência distributiva que confirme um direito

antitruste coerente, que se preocupa com o consumidor.

Resta a dúvida de que até que ponto o Estado deverá interferir na atividade

econômica, momento em que deve ser levado em conta o princípio da proporcionalidade, que

segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca o Estado não pode intervir mais do que

necessário para atingir os objetivos previstos na legislação, motivo necessário a

compatibilização dos princípios constitucionais. 28

A essência e destinação da norma da proporcionalidade devem preservar os direitos

fundamentais. O princípio, assim, coincide com a essência e destinação mesma de uma

Constituição que, tal como hoje se concebe, pretenda desempenhar o papel que lhe está

reservado na ordem jurídica de um Estado de Direito Democrático. 29

O princípio da proporcionalidade numa primeira aproximação é a exigência de

racionalidade, a imposição de que os atos estatais não sejam desprovidos de um mínimo de

sustentabilidade. 30

28 FONSECA, João Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. ver. atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p.72. 29 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 508. 30 Op cit, p. 506.

27

O conteúdo jurídico-material do princípio da proporcionalidade decorre

inelutavelmente do reconhecimento da supremacia hierárquico-normativa da Constituição. A

proporcionalidade, como princípio jurídico implícito do Estado de Direito, é uma garantia

fundamental para a concretização dos valores consagrados na Constituição. A

proporcionalidade é princípio que concretiza o postulado segundo o qual o Direito não se

esgota na lei e sim deve representar a síntese da vontade geral. 31

Pode o princípio da proporcionalidade ser utilizado para afirmar que as leis devem ser

menos restritivas às garantias fundamentais e que os riscos derivados da incidência da norma

jurídica devem ser distribuídos de modo imparcial e proporcional entre os membros da

sociedade.

No estágio atual em que se encontra o princípio, viabiliza-se aos juízes que controlem

a razoabilidade e racionalidade da produção legislativa através de um processo técnico de

adequação das leis aos princípios fundamentais do direito, pautado por maior intervenção

estatal e pela relativização das garantias individuais em prol do interesse coletivo.

Paulo Bonavides obtempera:

O controle das leis, por meio do princípio da proporcionalidade deferido à judicatura dos tribunais, precisa todavia manter aberto e desimpedido o espaço criativo outorgado pela Constituição ao legislador pra avaliar fins e meios, porquanto a determinação de meios e fins pressupões sempre uma decisão política [...].32

A norma tem que ser razoavelmente relacionada com os objetivos da legislação. As

considerações do professor Helenilson Cunha, encontram amparo nas lições de Paulo

Bonavides que, por sua vez, afirma:

Em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à

31 PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência

tributária norte-amerciana e brasileira. Jus navegandi, nov. de 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doitrina/texto.asp?=5989. Acesso 27 de jul. 2008. 32 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. ver. e ampl. São Paulo: Editora Malheiros, 1997, p. 382.

28

defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor no uso jurisprudencial. 33

O princípio da proporcionalidade está intimamente ligado com o princípio da

isonomia, estando relacionado ao aspecto material do conceito de isonomia, como critério de

justa medida de distribuição dos direitos e deveres. Não podendo duvidar que ambos os

princípios tenham a função de atualizar e efetivar a proteção dos direitos fundamentais 34

Leonardo Ribeiro Pessoa em seu artigo cita as lições de Luís Roberto Barroso o qual

aduz que é possível depreender que a razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar,

dentro da lei, que é chamada razoabilidade interna, que diz respeito à existência de uma

relação racional e proporcional entres seus motivos, meios e fins. De outra parte, havendo a

razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua

adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional. Se a lei

contravier valores expressos ou implícitos no texto constitucional, não será legítima nem

razoável à luz da Constituição, ainda que o fosse internamente. 35

O princípio da proporcionalidade é visto como método de interpretação, tal

entendimento encontra guarida as concepções contemporâneas do Direito, o qualificam como

um sistema aberto de normas, diante da complexidade das relações sociais de nosso tempo,

não há como descer à concretude da vida social para apreendê-la em sua totalidade.

Dentro desse contexto, o princípio da proporcionalidade desponta como relevante

instrumento de solução de conflitos na medida em que se apresenta como mandamento de

“otimização de princípios”, ou seja, como critério de sopesamento de princípios quando estes

conflitam em dada situação concreta. 36

Tem o mesmo posicionamento Willi Santiago Guerra Filho o qual assevera:

33 PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência

tributária norte-amerciana e brasileira. Jus navegandi, nov. de 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doitrina/texto.asp?=5989. Acesso 27 de jul. 2008. 34 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 510. 35 PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência

tributária norte-amerciana e brasileira. Jus navegandi, nov. de 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doitrina/texto.asp?=5989. Acesso 27 de jul. 2008. 36 Op cit.

29

[...] se verifica que os princípios podem se contradizer, sem que isso faça qualquer um deles perder a sua validade jurídica e ser derrogado. É exatamente numa situação em que há conflito entre princípios, ou entre eles e regras, que o princípio da proporcionalidade (em sentido estrito ou próprio) mostra sua grande significação, pois pode ser usado como critério para solucionar da melhor forma tal conflito, otimizando a medida em que se acata prioritariamente um e desatende o mínimo possível o outro princípio.37

O princípio da proporcionalidade abarca três elementos necessários, a conformidade

ou adequação dos meios empregados, a necessidade ou exigibilidade da medida adotada e a

proporcionalidade em sentido estrito. 38

Assim todos os elementos devem ser concordantes entre eles e os valores encampados

pelo ordenamento jurídico. O princípio da proporcionalidade visa atingir a mais oportuna

relação entre meios e fins para melhor garantir os direitos do cidadão em situações

concretamente relacionadas.

A interpretação constitucional também passa pelo princípio da razoabilidade. Nesse

sentido, a interpretação não pode levar o estudioso do texto a uma posição absurda, destoante

da realidade.

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao sendo comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. 39

Muito embora os princípios da proporcionalidade e razoabilidade possam ser

assimilados, a distinção entre ambos é importante para evitar a diminuição dos princípios.

Para corroborar isto, é importante trazer a contribuição de Germana de Oliveira Moraes que

também discorda que tais princípios tenham conteúdo idêntico, in verbis:

37 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Celso Bastos Editor, 1999, p. 73. 38 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 514. 39 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204/205.

30

Inexiste sobreposição entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. De toda sorte, embora com matriz histórica diversa e conteúdos distintos, guardam vários pontos de identidade. Por isso, há quem os trate indistintamente como noções fungíveis; há, por outro lado, quem considere o princípio da razoabilidade como uma das vertentes do princípio da proporcionalidade (Eros Roberto Grau); e ainda, por vezes, o princípio da proporcionalidade é visto como uma das expressões do princípio da razoabilidade (Celso Antônio Bandeira de Mello). [...] A idéia de proporcionalidade, em sua tríplice manifestação, coincide com a noção de racionalidade, isto é, com a primeira acepção do princípio da razoabilidade. No entanto, não se confunde com a noção de razoabilidade em sentido estrito. O teste de racionalidade envolve a adoção dos critérios de proporcionalidade – adequação e exigibilidade, enquanto o teste de razoabilidade, relacionado à questão da proporcionalidade em sentido estrito, configura um método de obtenção do equilíbrio entre os interessados em conflito. 40

A diferença reside na classificação e nos elementos constitutivos desses princípios, já

que a razoabilidade é mais ampla que a proporcionalidade. Sustentar entre os termos, no

Brasil, é dar à proporcionalidade um raio de aplicação que suas possibilidades [...].41

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já decidiu, liminarmente, pela

inconstitucionalidade de uma lei Estadual que, para garantir direitos dos consumidores na

compra de botijões de gás, exigia o emprego de uma medida extremante onerosa para os

vendedores, conforme se apreende da leitura de sua ementa:

Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou recebidos para substituição a vista do consumidor, com pagamento imediato de eventual diferença a menor: argüição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e meteorologia), 24 e pars, par. 2, 238, além da violação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direito: plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão da cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis a econômica do setor, no caso de vir a declarar-se a constitucionalidade: liminar deferida. (S.T. F, ADIN-medida cautelar, DJ de 1-10-1993, relator: Sepúlveda Pertence) 42

40 PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência

tributária norte-americana e brasileira. Jus navegandi, nov. de 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doitrina/texto.asp?=5989. Acesso 27 de jul. 2008. 41 QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati. Os princípios da razoabilidade e Proporcionalidade das Normas e sua

Repercussão no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 200, p. 45. 42 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 515.

31

O princípio da proporcionalidade pauta a própria prestação jurisdicional do Estado, através da escolha de melhor decisão que possa solucionar efetivamente os conflitos sociais:

Código de Defesa do Consumidor. Defeito de Fabricação. Indenização. Pedido. Possibilidade de o juiz deferir, em vez de entrega de um carro novo, a indenização pela diminuição do valor do bem. Observa-se o princípio de que o processo deve ser conduzido e decidido de modo a assegurar a efetiva prestação jurisdicional que, no caso, consistia em encontra a junta composição dos danos. Recurso não conhecido. (S.T.J., Recurso Especial, DJ de 12-5-1997, relator: Ruy Rosado Aguiar).

A razoabilidade exige que as medidas estatais sejam racionalmente aceitáveis e não

arbitrárias, o princípio da proporcionalidade determina que as mesmas, além de preencherem

tal requisito, constituam instrumentos de maximização dos comandos constitucionais,

mediante a menor limitação possível aos bens juridicamente protegidos. 43

A desarmonia semântica entre dois ou mais princípios não produz antinomia jurídica,

isto é, não se conclui que um princípio revoga o outro; eventual conflito solucionar-se-á na

dimensão de peso ou importância, e não na dimensão da validade, como se dá com as regras

jurídicas. 44

Pode-se afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro está utilizando o princípio da

proporcionalidade e da razoabilidade para fundamentar decisões, no intuito de solucionar

conflitos, inclusive o CADE, que é um órgão administrativo.

O princípio da proporcionalidade se move no sentido de compatibilizar as

considerações das realidades que não estão amparadas pela legislação, ou estão

desatualizadas, aplicando a harmonização e interação na decisão de maneira proporcional ao

caso concreto.

A regra constitucional deve ser temperada sob os parâmetros do princípio da

proporcionalidade, que traduz a justa medida dos institutos jurídicos, ou, por outra maneira, o

43 PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência

tributária norte-americana e brasileira. Jus navegandi, nov. de 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doitrina/texto.asp?=5989. Acesso 27 de jul. 2008. 44 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004, p 79.

32

princípio de proibição do excesso e pelo princípio da razoabilidade que visa equilíbrio,

moderação e harmonia.

1.1 A TRAJETÓRIA DO ESTADO LIBERAL E ESTADO SOCIAL

No Brasil, o Estado Liberal surgiu de uma progressiva erosão do poder monárquico e

de uma ruptura revolucionária e a seguir o Estado Social, que foi uma grande corrente de

pensamento que se insurge contra o liberalismo econômico em razão da necessidade de

estabelecer a igualdade entre os indivíduos e a intervenção mínima do Estado na vida

econômica.

O Estado Liberal e o Estado Social, são frutos de movimentos que resolveram e

abalaram os fundamentos da sociedade, buscava sem dúvida, ajustar o corpo social a novas

categorias de exercício do poder concebidas com o propósito de sustentar, desde as bases, um

novo sistema econômico adotado por meios revolucionários. 45

Desde fins do século XVII começaram a surgir na Europa ocidental correntes de

pensamento, a princípio tênues, voltados não apenas a enaltecer o ideal de liberdade e,

consequentemente, a contestar o poder absoluto dos monarcas, mas empenhadas igualmente

em discutir a idéia de liberdade, procurando dar-lhe contornos e condições de

operacionalidade, ou seja, ensaiando formas e meios pelos quais fosse possível organizar

uma sociedade, apta a pautar o seu funcionamento segundo os ditames e exigências da

liberdade. 46

O Estado democrático liberal consolidou-se nos séculos XVIII e XIX, fundamentado,

basicamente, na idéia de que todos, incluindo os governantes, deveriam sujeitar-se aos

ditames genéricos albergados nas leis. Isto permitiu assegurar as liberdades individuais,

especialmente as liberdades econômicas, estas, uma vez positivadas, constituíam limites à

atuação dos governantes. 47

Luis S. Cabral de Moncada assevera que:

45BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.32. 46NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 124. 47 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 47.

33

A caracterização do modelo jurídico liberal assenta em dois postulados essenciais; a separação absoluta entre o direito público e o direito privado, cada um deles com a sua esfera de aplicação perfeitamente diferenciada e o predomínio da autonomia da vontade privada na esfera econômica. 48

A ordem econômica era estritamente privada eis que não era permitido que o direito

público interferisse na atividade econômica, existia um separação absoluta entre os direitos

públicos e privados.

Norberto Bobbio afirma que o liberalismo é a doutrina do “Estado mínimo”, para o

liberal o Estado é sempre um mal, mas é necessário, devendo, portanto, ser conservado

embora dentro dos limites os mais restritos possíveis. 49

André Ramos Tavares argumenta que:

[...] o liberalismo como doutrina filosófica e política, originou-se com as restrições ao poder feudal e monárquico, ocorridas já desde o século XV, consolidando-se, contudo, apenas na segunda metade do século XVIII, época das chamadas revoluções liberais, baseados na idéia de liberdade. 50

A participação do Estado na vida econômica era totalmente abominável pelos liberais,

segundo Adam Smith era três as funções do Estado:

Proteger o país contra invasores estrangeiros, proteger os cidadãos contra “injustiças” cometidas por outros cidadãos e o “dever” de erigir e manter as instituições e obras públicas que, embora altamente vantajosas para toda grande sociedade, são de natureza tal que os lucros jamais compensariam as despesas se estas estivessem a cargo de um individuo ou de pequeno número de indivíduos. 51

A atividade econômica se fundamenta unicamente num conjunto de relações

interindividuais, cuja expressão é o mercado. Este se configura como um sistema de

confronto e harmonização de interesses individuais baseado em regras própria, impermeáveis

à vontade do Estado [...] do ponto de vista do pensamento liberal o mercado é uma barreira

ao Estado, uma zona livre da sua intervenção e, portanto, um critério visível da liberdade

individual. 52

48 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra, 1988, p.16. 49 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.89. 50 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 47. 51 Smith Adam apud HUNT, E. K & SHERMAN, Hjorward J. História do Pensamento Econômico. 16 ed. Petrópolis: Editoras Vozes. 1998, p. 66. 52 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra, 1988, p.17/18.

34

Até então somente o particular poderia auferir lucro, era proibido o Estado ter a idéia

de lucro, cabia ao Estado garantir a todos o desenvolvimento da liberdade individual, sem

interferir na atividade econômica.

O indivíduo contribuía para a prosperidade geral, sendo que a livre concorrência

alicerçada numa ordem jurídica contratual fazia com que o particular canalizasse as energias

individuais para a produção e invenção, concretizando assim cumulativamente a

prosperidade geral.

No Estado Liberal o indivíduo com o ideal de liberdade busca que o Estado

possibilite a materialização das conquistas implementadas no âmbito dele, o qual assumiu a

feição de não interventor.

O liberalismo econômico está assentado no interesse individual, o qual coincide com

o interesse geral, deve-se na prática, deixar plena liberdade de ação entre os interesses

privados. 53

Adam Smith afirma que a liberdade se impõe em seu sistema como conseqüência da

benfazeja harmonia espontânea entre o interesse do indivíduo e o da sociedade e como

corolário do fato de ser o indivíduo o único apto para discernir e buscar a satisfação de seu

próprio interesse. 54

Para os liberais o Estado tinha o dever de garantir nas relações sociais, através de

compatibilização dos interesses privados com os interesses coletivos, no entanto o Estado

não mais tinha a obrigação de buscar atingir os objetivos para o indivíduo e sim para o

coletivo.

Paulo Bonavides comenta que:

No século XVIII colocou, por conseguinte, todas as premissas e divisas subseqüentes da rotação que a idéia revolucionária, para cumprir-se, teve que cursar. Primeiro, promulgou as Constituições do chamado Estado de Direito e, ao mesmo passo, com a Revolução da burguesia, decretou os códigos da sociedade civil. Outro não foi, portanto, o Estado da separação de poderes e das Declarações de Direitos, que entrou para a história sob a denominação de Estado Liberal. 55

Norberto Bobbio relata que Locke, um dos pais do liberalismo moderno, parte do

estado de natureza descrito como um estado de perfeita liberdade e igualdade, governado só

53 SMITH, Adam apud HUGON, Paul, História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p.106. 54 Op cit. p. 108. 55 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.31.

35

uma lei da natureza que [...] ensina a todos os homens, desde que desejem consultá-la, que,

sendo todos iguais e independentes, ninguém deve provocar danos aos demais no que se

refere à vida, à saúde, à liberdade ou às posses. 56

O indivíduo para a ter sua liberdade, como autonomia da conduta individual, passam

a ser sujeito de direito, com total liberdade e com a garantia da dignidade pessoal e dos

direitos naturais.

O Estado Liberal é justificado como o resultado de um acordo entre indivíduos livres

que convencionam estabelecer os vínculos inicialmente estritamente necessários a uma

convivência pacífica e duradoura, caracterizando-se pela margem de liberdade política,

econômica, ideológica, religiosa, dentre outras.

O professor Goettingen afirma que:

A possibilidade de dissociar a democracia do liberalismo se cinge, em última análise, à distinção dos valores fundamentais sobre os quais se baseiam. O valor essencial que inspira o liberalismo não se pode voltar para a comunidade, mas para a liberdade criadora do individuo dotado de razão. Partindo desse ponto de vista, havia o liberalismo desenvolvido um sistema metafísico completo, fundado na fé de que uma solução racional total podia resultar do livre concurso das opiniões individuais em todos os domínios da vida [...] 57

O liberalismo defendia a liberdade econômica com a defesa da propriedade individual

como única garantia da liberdade econômica, entendida por sua vez como pressuposto

necessário da real explicação de todas as outras liberdades. 58

André Ramos Tavares relata que:

Havia a concepção de que o Estado cumpriria cuidar da ordem pública, proporcionando um aparato policial, defendendo as instituições (prestando Justiça) e protegendo-se contra agressões internacionais. O mercado, por seu turno, deveria desenvolver-se livremente, isto é, sem a interferência do Estado, salvo para prestar a necessária segurança e para atuar naqueles setores nos quais não haveria interesse para a iniciativa privada. 59

56 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000, p.12. 57 GOETTINGEN apud BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.52. 58 BOBBIO, Norberto, Liberalismo e Democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.80. 59 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 48.

36

Ao Estado caberia somente proporcionar proteção ao particular, o qual era totalmente

livre para desenvolver suas atividades econômicas, sem qualquer interferência ou

participação, o qual somente garantia ao particular o desenvolvimento de suas atividades.

Por sua vez Celso Ribeiro Bastos conceitua:

[...] liberalismo vem a ser um conjunto de idéias, ou concepções, comum a visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. 60

A principal manifestação econômica da doutrina liberal é o postulado da livre-

iniciativa, que consagra o direito, atribuído a qualquer pessoa, de exercer atividade

econômica livre de qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida do Estado. 61

Segundo Celso Ribeiro Bastos a livre iniciativa é uma expressão fundamental da

concepção liberal do homem, que coloca como centro a individualidade de cada um. Para o

liberal, a livre-iniciativa é necessária para a sua própria expressão e dignidade enquanto

homem, porque cabe-lhe imprimir um destino à sua vida, uma escolha, a expressão de sua

capacidade, e isso tudo só é conseguido através da liberdade que se reserva a cada um para

poder exercer a atividade econômica.62

O princípio de organização da economia liberal constitui um regime econômico no

qual a oferta e a procura se ajustam espontaneamente, através do mecanismo dos preços, esse

quase automático, funciona em um regime de livre concorrência.

Os princípios fundamentais do liberalismo incluem a transparência, os direitos

individuais e civis, especialmente o direito à vida, à liberdade, à propriedade, um governo

baseado no livre consentimento dos governados e estabelecido com base em eleições livres;

igualdade da lei e de direitos para todos os cidadãos

Luis S. Cabral de Moncada afirma que:

A tarefa do Estado não consiste, portanto em prescrever fins para cada cidadão, mas atuar de modo a que cada cidadão possa alcançar livremente os seus próprios fins individuais; o Estado deve garantir para cada indivíduo uma esfera de liberdade de maneira que, dentro dela, cada um possa, segundo as suas capacidades e talento, prosseguir os fins que lhe aprouveram.

60BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro. São Paulo: IBDC, 2000, p.110. 61 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 48. 62 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 452.

37

Esta concepção do Estado foi considerada pela doutrina negativa porque a sua característica é a de não ter fins próprios e a sua tarefa essencial não é a de fazer algo para a felicidade dos seus súditos, mas simplesmente impedir que um cidadão não possa alcançar a sua própria felicidade e bem-estar, segundo a sua maneira de ver; não se trata os obstáculos que se colocam a que cada um alcance o seu bem-estar individual através de suas próprias capacidade e meios. 63

A concepção de Estado Liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma

situação insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista,

passou-se a admitir a necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na

economia, ainda que extremamente restrita ou em setores específicos e predeterminados. A

demanda por um Estado interventor, desta feita, decorre da existência de falhas na concepção

– utópica – liberal da economia. 64

De maneira que o mercado apresentará certas inoperalidades, que poderão influir

diretamente na sua eficiência, quando ausentes alguns pressupostos:

[...] a falta de mobilidade de fatores que gera as crises de super ou sub produção; - o deficiente acesso a todas as informações relevantes pelos agentes econômicos que falseia ou as suas decisões; - a concentração empresarial derivada do fenômeno das economias de escala que elimina o jogo concorrencial por inquinar a estrutura mercantil; - os efeitos externos da atividade econômica produzindo custos e benefícios sociais – as externalidades – que se quedam incompensados e, assim, deixam de sinalizar adequadamente a escassez; - a impossibilidade de captar as necessidades da comunidade por bens de caráter coletivo, isto é, aqueles que atendem concomitantemente às necessidades de um número razoável grande de pessoas. 65

A superação da liberdade qual a conceituava outrora o liberalismo, sem a

consideração dos fatores econômicos, reconhecidos, hoje, como indispensáveis à prática da

verdadeira liberdade humana. 66

Não há indícios de liberalismo no horizonte político do Estado brasileiro, nem na

formação da maioria de seus colaboradores, especialmente na área econômica. 67 O

63 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra, 1988, p.22. 64 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 50. 65 NUSDEO, Fábio. Fundamentos para uma codificação do direito econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. , 1995, p. 23. 66 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.62. 67 SCANTIMBURGO, João de. História do Liberalismo. São Paulo: Editora LTr, 1996, p. 29.

38

liberalismo passou a ser criticado e combatido, sofrendo restrições, a partir de então o Estado

começou a intervir na atividade econômica, começando a assunção da responsabilidade

social pelo Estado, pois o Estado Liberal não mais estava conseguindo sobreviver e

proporcionar uma vida digna, os indivíduos mesmo com total liberdade não conseguiam sua

organização em sociedade e progresso na vida econômica de forma a contentar a sociedade,

seja de forma igualitária.

A atividade econômica deixou de ser mais um setor indiferenciado da atividade

privada em geral para passar a ser objeto específico da atividade conformadora dos Poderes

Públicos e do mesmo passo a ciência econômica deixa de ter por objeto o simples estudo do

comportamento econômico do indivíduo e passa a abranger também o Estado.

O Estado surge como um agente de realizações que se reportam principalmente ao

domínio da economia, na qualidade de responsável principal pela condução e operatividade

das forças econômicas, enquanto verdadeira alavanca da sociedade atual. 68

Com base nessas idéias começou a ser questionada a separação absoluta entre o

direito público e privado, o Estado passou a intervir no domínio da economia de forma a

atender finalidades de interesse geral e não somente a vontade privada.

O modelo liberal apesar de trazer os benefícios do progresso econômico acentuado,

não tardou em fracassar criando as condições para sua própria superação, já que foi a causa

de uma grande injustiça social, na medida em que apenas se assegurou uma situação de

privilégio para os que já eram economicamente fortes, sob o pretexto da proteção à liberdade. 69

A mão invisível de Adam Smith, que regularia o mercado sem a necessidade de

interferência estatal, foi substituída pela mão visível do Estado, mediante sua participação

direta sobre o domínio econômico. 70

O Direito intervém no sentido de conformar e condicionar o exercício da vontade

privada em ordem a interesse que assume em nome dos princípios da solidariedade social e

outros. Os limites ao relevo da autonomia da vontade privada como critério e fonte de direito

deixaram de ter caráter excepcional, passaram a constituir um verdadeiro sistema jurídico

alicerçado em regras próprias. 71

68 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra, 1988, p.23. 69 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 9. ed. São Paulo: Saraiva. 1982, p. 242-243. 70 GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida, A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p.11. 71 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra, 1988, p.25.

39

Até então o clássicos ingleses construíram uma ciência econômica sem levar em conta

o problema social e suas conseqüências, porém Stuart Mill deixa-se dominar por essa

preocupação e incorpora a econômica política clássica interesse pela “justiça social”. 72

Após a Segunda Guerra Mundial as Constituições marcam o advento do

constitucionalismo social, que não focaliza apenas o indivíduo em abstrato, mas, também,

como parte integrante da sociedade.

Os direitos sociais consagram-se, assim, mediante declarações expressas. 73 Surgindo

uma nova fase com alicerce na Constituição de Weimar, inaugurando o paradigma

constitucional do Estado Social de Direito.

Com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, foi

abandonada a concepção da liberal democracia, para que se instituíssem a social democracia. 74

Essas tendências constitucionais se caracterizam pelo fato de não apenas se estruturar

a ordem política e civil, como fazia as Constituições anteriores, mas, também a ordem

econômico-social. 75 Nessa fase o ideal de igualdade era a material e não a formal como

sustentava o Liberalismo.

Com a Constituição Mexicana e a Constituição alemã de Weimar, as leis magnas

passaram a ter objetivos para a comunidade às quais se dirigem ou então preverem que tais

metas venham a ser periodicamente estabelecidas, através de planos tendentes a materializar

aspirações tais como o bem-estar, o desenvolvimento, a justiça social, a existência digna ,

atendimento às necessidades básicas.76

A Constituição Mexicana foi elaborada depois de uma grande guerra, a revolução

Mexicana, motivo que se pode afirmar que se tornou um grande fruto do movimento

revolucionário.

A Constituição Mexicana e de Weimar, foram pioneiras em estrutura da ordem

econômico-social, pode-se exemplificar os dizeres do artigo 151 da referida constituição: “a

vida econômica deve ser organizada em conformidade com os princípios da justiça e com 72 MILL, Stuart apud HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 139.

73 SILVA, Américo Luis Martins da. A Ordem Constitucional e Econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003. p. 6.

74Op cit. p.9.

75 SOARES, Orlando. Comentários à Constituição da Republica Federativa do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 26. 76 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. ver. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 203.

40

vista a garantir a todos uma existência digna do homem”, ainda seu artigo 152 estabelecia

que: “as relações econômicas são regidas pelo princípio da liberdade dos contratos”.

No entanto ser uma boa constituição não foi o suficiente para o progresso econômico

na Alemanha, sendo que a Constituição de Weimar acabou por não conseguir atingir seus

objetivos:

A sociedade humana tem como natureza artificialidade e, por isso, qualquer estabilidade conquistada é por demais frágil; qualquer mudança, brusca ou sutil, pode derrubar os melhores sistemas econômicos e sociais. Em tais circunstâncias não se pode dizer, com segurança, o que é, de maneira geral, definitivamente bom ou ruim. Só podemos dizer que um determinado sistema parece ter sido bom em determinado momento histórico de uma determinada Nação, porém isto não é conveniência de um sistema ou de outro. 77

A Constituição Mexicana e a de Weimar foram inspirações para a Constituição

brasileira, no aspecto do moderno constitucionalismo democrático, ocorrendo uma

materialização do direito.

O Brasil, desde 1934, conta em seus textos constitucionais com o título ‘da ordem

econômica e social’. 78 A Constituição de 1934 foi profundamente analisada as questões

econômicas, motivo que na promulgação desse texto constitucional se estabeleceu o

verdadeiro marco inicial da ordem econômica constitucional brasileira. 79

O legislador constituinte da Constituição de 1934 deu à liberdade econômica o status

de princípio constitucional, em seu artigo 115 dispunha que: “a ordem econômica deve ser

organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo

que possibilite a existência digna”. 80

A Constituição de 1934 deu forma jurídica aos anseios sociais, colocando a nova

ideologia acatada pelo constitucionalismo social, inclusive no preâmbulo a Constituição fazia

77 SILVA, Américo Luis Martins da. A Ordem Constitucional e Econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003. p.21.

78 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. ver. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 203.

79 SILVA, Américo Luis Martins da. A Ordem Constitucional e Econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003. p.13.

80 Op cit, p.25.

41

constar o sinal de mudança, declarando que tinha a intenção de organizar um regime

democrático, que assegurasse à nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social

econômico, deixando clara a nova ideologia. 81

De maneira que a Constituição de 1934 assegurou os direitos sociais pela primeira

vez no Brasil, com o intuito de existência digna, ainda nos moldes das Constituição do

México e de Weimar.

Positivado como princípio e regra de um Estado de Direito reconstruído sobre os

valores da dignidade da pessoa humana, o Estado Social, despontou para conciliar de forma

duradoura e estável a Sociedade com o Estado.

A história do socialismo constitui um protesto, continuamente renovado, contra o

regime de propriedade privada e empresa privada, tendo como principal causa à má

produtividade e da injusta repartição das riquezas. Motivo que propõe a limitação e supressão

a propriedade privada. 82

O Estado passou a assumir responsabilidades sociais crescentes, como a previdência,

a habitação e a assistência social, incluindo saúde, saneamento e educação, ampliando seu

leque de atuação como prestador de serviços essências.

Aprimorou o papel do Estado como empreendedor substituto, o que ocorre nos

setores considerados estratégicos para o desenvolvimento, como no energético, minerário e

siderúrgico, ou mesmo, mais recentemente, em países desenvolvidos, nos setores de

informática e tecnológico. 83

O Estado socialista seria aquele preocupado basicamente com o bem comum, com a

coletividade, praticamente ignorando a individualidade impedindo o individualismo liberal.

As prestações sociais serviriam de justificação para essa modalidade extrema de intervenção.

A livre concorrência parecerá para a ideologia socialista viciosa, uma vez que não

estava em condições de assegurar a melhor produção dos bens nem a sua distribuição

eqüitativa em muito menos, a harmonia de interesses individual e geral.

Enquanto consideraram os liberais a liberdade como quadro indispensável ao

funcionamento do mecanismo da vida econômica, os socialistas entendem necessários

combatê-la, propondo substituí-la por uma organização racional dos elementos econômicos.

O socialismo mostrou-se em muitos aspectos incompatível como respeito às

instituições democráticas. No entanto a Constituição de 1988 buscou compatibilizar a

81 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 70. 82 HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 160. 83 TAVARES, André Tavares. Direito Constitucional Econômico. 2. ed.rev. e atual, São Paulo: Editora Método, 2006, p.59.

42

coexistência entre a ideologia liberal com o principio da justiça social, em nítido acolhimento

de uma democracia social, explicitado pela ligação do valor social do trabalho à liberdade de

iniciativa econômica. 84

Com a proclamação da Constituição Federal de 1988 constituiu outro momento

crucial na história do país, pois procurou democratizar o liberalismo brasileiro através de

diversos dispositivos, amplia a representação política; restabelece a independência e

harmonia dos poderes; torna a liberdade de iniciativa e o trabalho, fundamentos da ordem

econômica nacional; estende e define os direitos sociais e assegura a descentralização e a

autonomia dos Estados e Municípios. A Constituinte de 1988 consagrou, teses políticas e

sociais que historicamente foram levantadas pelos liberais. 85

A Constituição liberal-democrática pressupõe a clara elaboração ideológica sobre o

trânsito do liberalismo clássico para a democracia liberal. O Estado Democrático de Direito

consagra na Lei Magna as conquistas do processo de democratização do Estado Liberal

clássico ocorrida durante o século XIX e as primeiras décadas do século XX. Incorporaram-

se, nesse período, aos direitos fundamentais do homem e do cidadão. Proclamados no século

XVIII, direitos sociais e econômicos, nascidos das novas relações entre pessoas e grupos

sociais, que ocorreram no seio da sociedade industrial. . 86

As liberdades formais do Estado Liberal clássico – liberdade, segurança, propriedade,

igualdade, foram acrescentadas as liberdades reais do Estado Democrático de Direito

contemporâneo, entre outras, o direito a educação, saúde, habitação, transporte, previdência,

consideradas como responsabilidade primordial do poder público.

Tanto o Estado Liberal quanto o Estado Social deixaram a desejar, pois em ambos

houve a predominância de injustiças, o que levou ao Estado Democrático de Direito que tem

caráter misto, defender idéias do liberalismo como do socialismo. No entanto através da

Constituição Federal que declara as liberdades e os direitos e fixa os limites do poder do

Estado.

84 NETO, Manoel Jorge e Silva. Direito ConstitucionalEconômico. São Paulo: LTr, 2001, p. 96. 85 GUIMARÃES, Ulysses. O Liberalismo e a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991, p. 21. 86 Op cit, p. 31.

43

1.2 A FORMAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

O conjunto das instituições e das normas destinadas a reger a atividade econômica se

solidifica num contexto significante caracterizando-se a Constituição Econômica, sendo as

normas de conteúdo econômico os pressupostos de solidez da constituição política.

Os fundadores da democracia norte-americana repetiam sempre que a liberdade

econômica era a condição da liberdade dos cidadãos, que não haveria democracia plena se

não garantisse a liberdade econômica. 87

Luiz Regis Prado, afirma que:

O conceito de ordem econômica, de natureza ambígua, como objeto de tutela jurídica, costuma ser expresso de forma estrita e ampla. Na primeira, entende-se por ordem econômica a regulação jurídica da intervenção o Estado na economia; na segunda, mais abarcante, a ordem econômica é conceituada como a “regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. 88

A constituição econômica é o conjunto dos princípios fundamentais informadores da

atividade e da organização econômica, constituída simultaneamente por normas formalmente

constitucionais, isto é, normas inscritas no texto constitucional, são pilares da organização

básica da ordem econômica, sem assento no texto constitucional. 89

Conceitua Vital Moreira a Constituição econômica como:

Conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constitui, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um

87LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p.51. 88PRADO, Luiz Regis, Direito Penal Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p 27. 89MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra.: Editora Coimbra, 1988, p.79/80.

44

determinado sistema e forma econômicos, que garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta. 90

A constituição econômica deve ser compreendida como a parte da Constituição que

interpreta o sistema econômico, que define como deverá ser a ordem econômica brasileira.

Para Orlando Soares:

O conceito de ordem econômica está entrelaçado ao de ordem social, dai a dificuldade em abordar um deles, sem focalizar o outro, até porque as instituições de ambas as ordens, abrangem sempre aspectos econômicos e sociais. Por isso esclarece ele que a noção de ordem econômica e social corresponde a um conjunto de princípios teóricos e normas jurídico-administrativas, de natureza complexa, que abrangem aspectos diversos e disciplinam e sistematiza as instituições, no campo da produção industrial, circulação de riqueza, comercialização. Transporte uso de propriedade, higiene e profissões, assim como costumes que regulam a vida dos indivíduos em suas relações com particulares e com os órgãos governamentais. Igualmente, a noção de ordem econômica e social está intimamente ligada à evolução histórica dos diversos sistemas econômicos, sobretudo após o advento da propriedade privada e da escravidão, até a fase atual. 91

Nos dias atuais a ordem econômica encontra-se entrelaçada com a ordem social, até

mesmo porque a própria Constituição Federal de 1988, aglutinou no mesmo capítulo a ordem

econômica e a social, através de seus princípios fundamentais da organização econômica

previstos nos artigos 170 e seguintes.

A Ordem Econômica e Financeira é indissociável dos princípios fundamentais da

República Federativa e do Estado Democrático de Direito, como anteriormente comentado.

A propriedade e atividade econômica são reservadas à iniciativa privada como meios de

assegurar o bem-estar social cabendo ao Estado um papel incentivador e regulador, com

vistas ao perfeito funcionamento do mercado e dos mecanismos de concorrência. 92

90LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p.93. 91 SOARES, Orlando, Comentários à Constituição da Republica Federativa do Brasil, 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 587. 92 SOUTO, Marcos Juruema Villela. Desestatização: Privatização, Concessões e Terceirizações. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 1997, p. 587.

45

A ordem jurídica transformadora da vida social passou a substituir o direito privado

pelo direito público de intervenção privilegiada, de mediação nos conflitos sociais e de

conformação da vida econômica e social. 93

Motivo em que o Estado encontra limites em sua intervenção na atividade econômica,

e na prática existe a necessidade de harmonização entre os conflitos sociais e econômicos,

necessitando existir uma interpretação sistêmica das normas legais, para uma correta

aplicação do Direito.

O Estado brasileiro conquanto reconheça e assegure a propriedade privada e a livre

empresa, condiciona o uso dessa propriedade e o exercício das atividades econômicas

voltadas ao bem-estar social, porém existem limites para o uso e gozo dos bens e riquezas

particulares e, quando o interesse público exige, intervém na propriedade privada e na ordem

econômica através de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a

conduta anti-social da iniciativa particular. 94

A idéia de regulamentação do poder econômico no mercado tem origem em uma

premissa socioeconômica fundamental, de maneira que todo o agrupamento social, quer seja

organizado ou não como forma de Estado, que deseje ter como fundamento básico da

organização econômica a economia de mercado deve contar com a constituição econômica,

que é um conjunto de regras mínimas que garantam ao menos o funcionamento desse

mercado, que garantam um nível mínimo de controle das relações econômicas. 95

A doutrina distingue entre a constituição econômica programática ou diretiva e a

estatutária. Luis S. Cabral de Moncada aduz que a constituição econômica programática ou

diretiva encerra o conjunto das normas que visam reagir sobre a ordem econômica de modo a

provocar aí certos efeitos, modificando-a e alternando-a em certo sentido preestabelecido,

visando estabelecer uma determinada ordem econômica alterando do mesmo passo a

estrutura econômica existente, através da ação política dos órgãos do Estado. 96

José Afonso da Silva define as normas programáticas como:

93 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra. 1988, p.80. 94 SILVA, Américo Luis Martins da. A ordem constitucional econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 585. 95 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial – As estruturas. 2. ed. Malheiros Editores. São Paulo: 2002, p. 19. 96 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra. 1988, p.82.

46

Aquelas normas constitucionais, através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitaram-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. 97

No entendimento de Eros Roberto Grau, constituições programáticas são concebidas

as que não se bastam em conceber-se como mero “instrumento do governo”, mas, além disso,

enunciam diretrizes, programas e fins a serem pelo Estado e pela sociedade realizados. 98

A constituição estatutária é composta pelo conjunto de normas que caracteriza certa e

determinada forma econômica, que justamente a identifiquem enquanto tal, Luis S. Cabral de

Moncada exemplifica o caso das normas que definem o conteúdo e limites dos direitos de

propriedade e de livre iniciativa privada, absolutamente imprescindíveis para a caracterização

da ordem jurídica da economia dos países ocidentais. Sem as normas da constituição

econômica estatutária, a qual mostra o estatuto, a matriz das relações de produção dominante,

nunca a caracterização de uma dada ordem jurídica da economia seria possível, lançando

mão dos elementos para tanto decisivos. 99

A constituição estatutária é a que basta em definir um estatuto do poder, concebendo-

se como mero “instrumento de governo”, enunciadoras de competências e reguladoras de

processos. 100 A constituição programática define o quadro das diretrizes das políticas

públicas, coerentes com determinados objetivos também por ela enunciados. 101

A constituição econômica é fundamentada na idéia de justiça, que normatiza a vida

econômica e confere forma ao sistema econômico, há de se entender o conjunto de normas

constitucionais que, exclusivamente ou não, regulam fatos que repercutem no modo de ser

econômico da sociedade.

Os artigos 1º e 3 º da Constituição Federal de 1988, estão relacionado com a

constituição econômica, no entanto estão umbilicalmente relacionado com os preceitos do

97 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1968, p. 132. 98 EROS, Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11 ed.rev. atual. Malheiros Editores. 2006, p. 78. 99 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra. 1988, p.82. 100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra Editora, 1987, p. 22. 101 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 2. ed. Almeidina. Coimbra, 1980, p. 117.

47

artigo 170 e seguintes da referida constituição, o qual declara que a ordem econômica tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Sendo que

referido artigo será objeto em outro tópico do trabalho.

1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

A livre iniciativa é tratada como fundamento da República Federativa do Brasil, pois

a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso IV, dispõe que: “A República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: IV – os

valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”.

O tratamento privilegiado aponta para a posição de destaque que deve ocupar a livre

iniciativa, um dos fins de nossa estrutura política, é dizer, um dos fundamentos do próprio

Estado Democrático de Direito, de maneira que com a livre iniciativa assegurou-se a

liberdade da escolha da profissão e das condições de trabalho.

O artigo 170 ‘caput’ da Constituição Federal de 1988 dispõe que: “A ordem

econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:” Em seu parágrafo único dispõe que: “é assegurado a todos o livre exercício de

qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo

nos casos previstos em lei”.

A livre iniciativa não só consubstancia alicerce e fundamento da ordem econômica,

como também deita raízes nos direitos fundamentais, aos quais se faz ínsita uma especial

proteção, se no caput do artigo 5º se encarregou de garantir o direito a liberdade, no viés

econômico ela ganha contornos mais preciso justamente na livre iniciativa.

48

Sendo livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão (art. 5º, inciso XIII),

esta liberdade compreende também a liberdade de se lançar na atividade econômica de

acordo com o artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal de 1988. 102

O princípio da livre iniciativa é considerado como fundamento da ordem econômica e

atribui à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços,

constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao Estado apenas

uma função supletiva, pois a Constituição Federal de 1988 determina que a ele caiba apenas a

exploração direta da atividade econômica quando necessária à segurança nacional ou

relevante interesse econômico.

A livre iniciativa erigida à condição de fundamento da ordem econômica e

simultaneamente constitucional fundamental a livre iniciativa talvez constitua uma das mais

importantes normas de nosso ordenamento constitucional. 103

Livre iniciativa nas palavras de Miguel Reale:

[...] não é senão a projeção da liberdade individual no pleno da produção, circulação e distribuição de riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados. Liberdade de fins e de meios informa o princípio da livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos citados arts. 1º e 170. 104

A livre iniciativa pode ser entendida como a projeção da liberdade individual no

plano da produção, circulação e distribuição de riquezas significando a livre escolha e o livre

acesso às atividades econômicas, de maneira livre e sem intervenção direta do Estado.

Tércio Sampaio Ferraz Junior, aduz:

102 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado do art. 170 da

Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 163. 103 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 374. 104 REALE, Miguel apud PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o

significado do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 161.

49

Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma ‘estabilidade’ supostamente certa e eficiente. Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não significa, porém, uma ordem do ‘laissez faire’, posto que a livre iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho humano. 105

A liberdade de iniciativa, entendida como liberdade de criação empresarial ou de livre

acesso ao mercado, somente é protegida enquanto favorece o desenvolvimento nacional e a

justiça social, tratando-se, portanto, de uma “liberdade maior ou liberdade condicional”. 106

A consagração da livre iniciativa significa que é através da atividade socialmente útil

a que se dedicam livremente os indivíduos, segundo suas inclinações, que se procurará a

realização da justiça social e, portanto, do bem-estar social. 107 A garantia da liberdade de

iniciativa é a melhor forma de organização do mercado, porém precisa ser desenvolvida de

acordo com os interesses da coletividade.

A livre iniciativa deve ser exercida sob determinados princípios inerentes à

exploração economica, sempre no intuito de atender aos interesses de sua clientela, deve-se o

empresário pautar-se pela honestidade e lealdade para o desenvolvimento de sua atividade

econômica.

Eros Roberto Grau considera a livre iniciativa como resistência ao poder e como

reivindicação por melhores condições de vida, descrevendo a liberdade como sensibilidade e

acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. 108

A concretização do direito de livre iniciativa econômica ou livre empresa compreende

a preservação do seu conteúdo múltiplo enquanto liberdade de acesso ao mercado e de

105 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Congelamento de preços – tabelamentos oficiais (parecer), in Revista de Direito Público, n 91, 1989, p. 77. 106 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Ed. Saraiva. 1990, p. 6/7. 107 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 1977, p.3.

108 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica, 2 ed. São Paulo: Editora Revistas do Tribunal, 1991, p. 222.

50

exercício ou cessação da atividade empresarial, nenhum destes aspectos poderá ser eliminado

em favor do outro, a manutenção deles é condição necessária de afirmação do direito da livre

empresa. 109

A liberdade para criar e explorar uma atividade econômica, seja, como qualquer

princípio, a livre iniciativa não pode ser considerada absoluta, mas relativizada em função de

seu valor social, uma vez que há restrições que a própria ordem econômica, refletida em lei,

impõe sobre ela. Evidentemente tal relativização não pode ser desproporcional, de forma a

frustrar o conteúdo essencial do direito à livre iniciativa:

A exigência final consiste na necessidade de as leis restritivas respeitarem o “conteúdo essencial” dos direitos fundamentais. Trata-se de um puro conceito de valor que visa impor um limite negativo à actuação do legislador, e a que certa doutrina tem ligado à noção de dignidade da pessoa humana. 110

A livre iniciativa não deve ser tida como uma liberdade anárquica, porém social e

passível de ser limitada, o que é justamente feito pelo Estado quando a Constituição Federal

de 1988 determina que o Estado deva intervir para assegurar a existência digna, conforme os

ditames da justiça social seja através da aplicação de legislação constitucional ou

infraconstitucional.

A permanência do agente econômico no mercado demandará o cumprimento de

regras de controle de mercado, o que induz a uma necessária contraposição de valores

expressos individualmente em cada um dos princípios constitucionais. O Estado pode

exercer sua função reguladora e controladora da atividade econômica, porém não pode

interferir na livre iniciativa:

Assim, o Estado, seja quando intervém operacionalmente, seja quando, por força de sua programação econômica, exerce o controle legislativo e administrativo sobre o processo produtivo, deve sempre respeitar o direito à livre iniciativa como fonte fundamental da atividade econômica, em

109 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1988, p.142/143. 110 Op cit.

51

conseqüência, não pode eliminá-la, substituí-la, fora das estritas e inquestionadas hipóteses previstas em lei. 111

A densidade normativa que lhe é característica, afirmando ser possível inferir dois

direitos básicos de seu enunciado “[...] a faculdade de criar e explorar uma atividade

econômica a título privado e a não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de

lei” 112

O postulado da livre iniciativa tem uma conotação normativa, significando a liberdade

garantida a qualquer pessoa, e uma outra que assume o viés negativo, impondo a não

intervenção do Estado, que só pode se configurar mediante a atividade legislativa que,

acrescente-se, há de respeitar os demais postulados constitucionais e não poderá anular ou

inutilizar o conteúdo mínimo da livre-iniciativa. 113

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 em seu parágrafo único dispõe que: “é

assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de

autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

A liberdade privada dedica-se a uma determinada atividade econômica, o que

significa tão somente liberdade de desenvolvimento dessa atividade no quadro estabelecido

pelo Poder Público, dentro dos limites normativamente impostos a essa liberdade, necessário

que seja reconhecida às restrições impostas pelas leis, no entanto as mesmas terão que serem

plausíveis e compatíveis com o interesse público e da coletividade.

O importante é notar que a regra é a liberdade, que qualquer restrição terá que

decorrer da própria Constituição ou de leis editadas com fundamento nela. Assim a liberdade

de iniciativa preocupada com a realização da justiça social, não pode significar mais do que

“[...] liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público e,

111 CARVALHOSA, Modesto. A Ordem Econômica na Constituição de 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 120. 112 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 4. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 375. 113 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006. p 240.

52

portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações

postas pelo mesmo” 114.

A livre iniciativa é um substrato da realidade econômica da empresa, a qual se

projetado em diversos ângulos da normatividade jurídica e constitui um dos suportes

fundamentais do processo de desenvolvimento:

[...] liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo. “É legítima enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com o objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”. 115

Fabio Ulhoa Coelho defende que a atitude do empresário em buscar lucros, esses que

serão gerados por sua empresa, no intuito de atender as necessidades suas e de sua família,

bem como buscar sua satisfação pessoal, não seria caso de livre iniciativa ilegítima, “[...] pois

costuma ser extremamente gratificante ao empresário admirar a evolução do empreendimento

que esboçou, organizou e dirigiu, bem como ver nos resultados a realização de seu projeto”.

Somente pode-se considerar ilegítima ou inconstitucional se não refletir a mesma igualação

valorativa dos demais princípios constitucionais. 116

Pode ocorrer à concentração do poder econômico como ofensa a livre iniciativa,

necessitando também da intervenção do Estado, para que a livre iniciativa não possa

sucumbir. Ao contrário do que se poderia imaginar, a intervenção do Estado no domínio

econômico, muito antes de limitar a iniciativa e a liberdade do particular, tem por fim,

mesmo preservá-la. 117

114 OTTAVIANO, Vittorio. La Costituzione Econômica. Pádua: Cedam, 1967, p. 202. 115 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 711. 116 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1. 11. ed.rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 188. 117 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado do art. 170 da

Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 162.

53

O desenvolvimento do poder econômico, fundado na concentração de empresas, é

também fator de limitação à própria iniciativa privada, na medida em que a concentração

capitalista impede ou estorva a expansão das pequenas iniciativas econômicas. 118

A livre iniciativa como direito à livre criação de empresa. Deve ser contextualizada

em sua função social e poderá, conforme a hipótese, ser tutelada pelas normas antitruste, por

meio do controle de exercício abusivo da livre iniciativa alheia, isto é, do detentor de poder

econômico que, por meio de prática abusiva, busca impedir o livre exercício da iniciativa

econômica por terceiro. 119

Pode-se afirmar que o legislador constituinte procura assegurar a liberdade de acesso

do mercado e a permanência no mesmo, a livre iniciativa será regulada e controlada pelo

Estado, dentro é claro dos limites já estabelecido pela legislação, o Estado irá também

proteger a livre iniciativa através de sua intervenção mínima quando necessário.

1.3.1 A Defesa do Consumidor na Ordem Econômica

A partir da Segunda Guerra Mundial, o projeto de produção capitalista passou a

crescer numa enorme velocidade, e, com o advento da tecnologia de ponta, dos sistemas de

automação, da robótica, da telefonia por satélite, das transações telefônicas, da computação,

da microcomputação, etc., a velocidade tomou um grau jamais imaginado até meados do

século XX. 120

A repercussão do capitalismo sem barreiras gerou problemas extremamente sérios,

mercê dos grandes segmentos da sociedade que foram injustiçados. No Brasil, a situação

também se mostrava preocupante, ao lado do fenômeno da ascensão das massas, verificou-se

118 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p.664. 119 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 110. 120 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto apud LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A tutela no Código de Defesa

do Consumidor diante das garantias do devido processo legal. 1. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 145/146.

54

com grande intensidade o êxodo rural. É um fenômeno que subsiste. Criaram-se assim

megalópoles com baixa qualidade de vida. 121

Estaria assim em um momento histórico onde se apresentava de um lado um

consumidor frágil, desprotegido, em face de todas as conseqüências da revolução industrial.

Por outro lado, existia a posição do Estado que precisava tutelar de forma satisfatória a

situação de desigualdade que se punha, uma vez que o tratamento individual existente até

então se mostrava inadequado. 122

Diante desta nova realidade, surge a necessidade de proteção ao consumidor: “O

direito do consumidor tem origem nas sociedades capitalistas centrais (EUA, Inglaterra,

Alemanha e França), sendo que as primeiras legislações protetivas dos direitos dos

consumidores surgiram nos EUA, o Federal Trade Commission Act (1914) e o Consumer

Product Safety Act, e se consolidaram após o pronunciamento de John Kennedy no Congresso

norte-americano, em 1962123. Já na Europa, a Loi Royer (França, 1973), a AGB Gesetz

(dispositivo legal de 1976 protegendo os consumidores alemães das cláusulas abusivas), a Lei

portuguesa n. 29, de 1981, e a Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios

(Espanha, 1984) foram pioneiras.” 124

No Brasil, da mesma forma foi percebida a necessidade de proteção à figura do

consumidor. A questão tomou proporções ainda maiores quando se tornou notória a

fragilidade dos consumidores, que era hipossuficiente economicamente frente ao poderio

econômico empresarial e em razão do crescimento da produção em massa e da padronização

dos contratos.

A defesa do consumidor está prevista no artigo 170 da Constituição Federal de 1988,

como princípio da ordem econômica, ainda trata-se da realização de um direito fundamental

121 Conforme dados do IBGE em 1980, 67,5% de nossa população viviam nas cidades e 32,5% nos campos (em 1940, 70% viviam no campo). A projeção do mesmo IBGE, para o fim desta década, é a de que 80% estarão a viver nas cidades. No Estado de São Paulo, já em 1980, 80% da população habitava as cidades. (Folha de S.

Paulo, de 30 de novembro de 1991, p. 2). 122 MORAES, Voltaire de Lima apud LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A tutela no Código de Defesa do

Consumidor diante das garantias do devido processo legal. 1. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 145/146. 123 Em 15 de março de 1962, em mensagem especial ao Congresso sobre a problemática do consumidor, o presidente dos EUA identificou os pontos mais importantes em torno da questão: 1) os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para o uso, promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer a escolha satisfatória; 2) que a voz do consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que determina o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado; 3) tenha o consumidor o direito de ser informado sobre as condições e serviços; 4) e ainda o direito a preços justos. Seguindo o exemplo do presidente norte-americano, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em sua 29ª Sessão, em 1973, em Genebra, reconheceu basicamente aqueles princípios como direitos fundamentais do consumidor. (Cf. Miriam de Almeida Souza, A política legislativa do consumidor no direito comparado, p. 59-60). 124 BOLSON, Simone Hegele. O direito do consumidor à luz da globalização e do mercosul. p. 3.

55

positivo de proteção do Estado para o consumidor de acordo com o artigo 5º, inciso XXXII da

Constituição Federal de 1988.

O consumidor era identificado constitucionalmente como agente a ser necessariamente

protegido de forma especial, pois a Constituição Federal de 1988 definia apenas a proteção do

consumidor, não definia quais eram esses direitos e deveres.

Diante da inexistência de instrumentos normativos eficazes de proteção de consumidor

para fazer valer seus direitos mais básicos, determinou-se a edição de norma ordinária

regulamentado não só a relação de consumo, mas os mecanismos de proteção e efetividade

dos direitos do consumidor.

Momento em que foi elaborado o Código de Defesa do Consumidor, o qual entrou em

vigor em 11/09/90, estabelecendo normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem

pública e interesse social.

O direito do consumidor não é apenas um princípio da ordem econômica e sim um

direito fundamental. José Joaquim Canotilho e Vital Moreira ressaltam que: “Tudo somado

tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a

segurar a proteção prevista”. 125

Para João Batista de Almeida:

[...] a vulnerabilidade do consumidor é a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre que se assenta toda a linha filosófica do movimento. È induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; apresentam ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico. 126

A tutela jurídica dos consumidores, motivada pelo princípio maior da vulnerabilidade,

constitui-se em conjunto de normas de ordem pública. É de normas jurídicas que consagram

direitos, cujo conteúdo é irrenunciável, tanto pelos consumidores, quanto pelo Estado, o qual

tem o dever constitucional de garantir a efetivação desses direitos. 127

Essa situação de vulnerabilidade se agrava ainda mais diante de um fornecedor que se

encontra em posição dominante no setor econômico que explora. A liberdade do consumidor

fica comprometida, ela às vezes não tem outra escolha senão contratar com aquele

fornecedor, em razão de sua fragilidade e impotência.

125CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da Republica Portuguesa anotada, 2. ed. Coimbra: Coimbra ed. 1984, p. 475. 126 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 200, p. 23. 127AZEVEDO, Fernando Costa. Defesa do Consumidor e Regulação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

56

O consumidor tem sua vulnerabilidade econômica ressaltada quando há a eliminação

da concorrência, o abuso da posição dominante, a formação de cartel. 128 A lei de defesa do

consumidor tem ao lado da vulnerabilidade mais quatro princípios. O princípio da

transparência, no qual o consumidor tem o direito de ser informado sobre bens e serviços,

condições, e essa informação deve ser clara e precisa.

O princípio da confiança que significa que o consumidor deve estar garantido a

respeito da adequação de produtos e serviços.

O princípio da boa-fé que é entendida como imperativo objetivo da conduta,

exigência de respeito, lealdade.

E finalmente o princípio da isonomia, tendo o direito entendido que por ser o

consumidor mais vulnerável poderá ser mais protegido que o fornecedor, sendo tratado de

forma desigual em razão do fornecedor. 129

O legislador procura proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra

o melhor formado; os contratantes devem sempre curvar-se diante do que os juristas

modernos chamam de ordem pública econômica. 130

Miguel Reale aduz que:

[...] se considerarmos, por exemplo, os vários grupos organizados para a produção e circulação das riquezas, necessário é reconhecer que o Estado não se confunde, nem pode se confundir, com nenhum deles, em particular, porquanto cabe ao governo decidir segundo o bem comum o qual, nessa hipótese, se identifica com o interesse geral dos consumidores”. E conclui o referido pensamento, enfatizando que “autoridade do Estado deve manifestar-se no sentido da generalidade daqueles interesses, representando a totalidade do povo”. 131

128 GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida, A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p. 106. 129 Op cit. p.. 42/43. 130 CAS, GERARD apud FILOMENO, José Geraldo Brito, Manual de direitos do consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p 59. 131 Op cit. p 22.

57

João Bosco Leopoldino da Fonseca afirma que um dos elos da economia de mercado

é o consumidor e por isso impõe ao Estado sua proteção. A proteção do consumidor segundo

o autor tem duas facetas, a primeira é proteger o consumidor dentro de uma perspectiva

microeconômica e microjurídica, sendo que ao Estado interessa como uma das formas de

preservar e garantir a livre concorrência, proteger o consumidor através da adoção de

políticas econômicas adequadas. 132

Thierry Bourgoignie, afirma que:

[...] a proteção do consumidor pode ser examinada sob dois prismas. Sob um ângulo mais próximo do econômico, a ênfase é dada ao papel que os consumidores devem exercer para fazer o mercado funcionar. Há de se dar à devida atenção aos consumidores, assim como é feito em relação aos produtores, distribuidores e fornecedores, de modo que aqueles possam “confiar mais” no mercado. Esta faceta do problema pressupõe a existência de reais opções ofertadas aos consumidores e também a desistência de informações claras quanto a elas. Medidas eficazes no regramento da concorrência e sua instrumentalização para o fim de serem criadas e aprimoradas reais opções de consumo, aliadas ao aperfeiçoamento de mecanismos de real informação, tem efeito beneficio para a efetivação do principio constitucional econômico da defesa do consumidor. 133

A defesa do consumidor como princípio da ordem econômica impõe o

desenvolvimento de uma política nacional de relações de consumo, cujo objetivo é o

atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, da saúde e

segurança, proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem

como a transferência e harmonia das relações de consumo.

Hodiernamente se faz exigências de fortalecimento do indivíduo consumidor frente às

realidades e vicissitudes do mercado e da vida, dando maior concreção ao princípio da

dignidade da pessoa humana e a solidariedade que lhe é devida também na esfera econômica. 134

132 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p, 129. 133 BOURGOIGNIE, Thierry. A política de proteção do consumidor: desafios à frente. Revista de Direito do Consumidor, n. 41, p. 31. 134 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado do art. 170 da

Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 232.

58

Para se efetivar a proteção do consumidor há que se ter em mente seis classes de

interesses:

a) a saúde do consumidor, em face de produtos e serviços que possam causar-lhe

males de qualquer natureza;

b) segurança do consumidor, também em face de produtos e serviços que possam

oferecer riscos à incolumidade pessoal, como defeitos em máquinas, veículos etc...;

c) qualidade de produtos e serviços;

d) a quantidade de produtos no que diz respeito a volume e peso;

d) a publicidade enganosa ou abusiva;

e) as práticas comerciais, consideradas quaisquer manobras, principalmente por via

contratual ou então de mercado, que lesam o consumidor, potencialmente presente riscos a

seu patrimônio. 135

Na relação de consumo as condições desiguais de poder entre o fornecedor e o

destinatário final podem ser desequilibradas, o que demanda a criação no interior do Direito

do Consumidor de uma série de regras que regulam as condições obrigacionais desta relação,

por exemplo, a regulação dos anúncios publicitários que devem refletir as reais utilidades do

produto entre outros.

Apenas com a organização dos direitos do consumidor é que se pode equilibrar o

poder nas relações de consumo, pois na relação direta entre fornecedor e o consumidor quase

sempre aquele tem maiores condições de realizá-la considerando somente as suas

necessidades, o direito do consumidor ao reconhecer a hipossuficiência do destinatário final

visa a equilibrar a relação jurídica. 136

O consumidor é dirigido, manipulado e controlado pelas empresas e por uma

sociedade cada vez mais consumista e presa aos valores materiais. O que é facialmente feito

com propriedade através da publicidade, a qual transforma o supérfluo em necessidade.

135 FILOMENO, José Geraldo Brito, Manual de Direitos do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 114/115. 136 DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 52.

59

Hoje o consumo passa a ser visto como objetivo maior dos indivíduos,

paradoxalmente a toda a idéia de proteção o consumidor é vitima de sua própria incapacidade

critica ou suscetibilidade emocional, sendo dócil objeto de exploração de uma publicidade

obsessora e obsidional, pois compra um objeto ou paga por um serviço. Não porque a sua

marca ateste qualidade, mas simplesmente porque ela evoca todo um reino de fantasias ou

devaneio de atração irresistível. 137

A política de proteção do consumidor há de levar em conta a harmonização dos

interesses dos participantes e a compatibilização da proteção do consumidor com a

necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios

nos quais se funda a ordem econômica.

1.3.2. O Princípio Constitucional da Livre Concorrência

Contempla o texto constitucional em seu no artigo 170, inciso IV, a livre

concorrência, como princípio da ordem econômica. A livre concorrência é como à abertura

jurídica concedida aos particulares competirem entre si, em segmento licito, objetivando o

êxito econômico pelas leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a

justiça social. 138

A livre concorrência visa buscar chances iguais para a disputa do mercado entre os

particulares que desejarem exercer e permanecer numa atividade econômica, inclusive no

direito de entrar na atividade econômica pode ser vista como livre iniciativa e o direito de

permanecer no mercado seria a livre concorrência.

No dizer de Calixto Salomão Filho o termo ‘livre concorrência’ invoca a idéia

ortoliberal do sistema concorrencial, preocupada, como visto, com a igualdade de condições

137 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 480. 138 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p 259.

60

mínimas de concorrência, ou mais, precisamente, com a liberdade de acesso e permanência no

mercado. 139

Livre concorrência é disputar, em condições de igualdade, cada espaço com objetivos

lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais, consiste, no setor econômico, na disputa

entre todas as empresas para conseguir maior e melhor espaço no mercado. 140

A livre concorrência tem como centro de suas atenções o consumidor, considerado

como parte vulnerável da relação de consumo a merecer a proteção jurídica promovida

também pela tutela da livre concorrência e igualmente aceitável que a tutela da concorrência

presta-se pela garantia de um eficiente e legitimo sistema econômico de mercado.

Através da livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das

empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos

seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao

consumidor.

Isabel Vaz comenta que a livre concorrência, tradicionalmente, pressupõe:

[...] uma ação desenvolvida por grande número de competidores, atuando livremente no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente e duradouro, nos preços de bens e serviços. 141

As regras da concorrência não se limitam a defender o mercado como ordem normal

das trocas econômicas. Organizam o mercado e desenvolvem no pressuposto de que seu

funcionamento livre decorra: uma ordem econômica mais justa e eficiente. A defesa da

concorrência é levada a cabo porque se acredita ser ela a melhor garantia para a realização

dos objetivos da política econômica. 142

139 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As estruturas. São Paulo: Malheiros. 1998, p. 32. 140 BARBEIRI FILHO, Carlos. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo: Resenha Tributária, 1984, p. 119. 141 VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.27. 142 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1988.p.313.

61

O mercado capitalista é uma realidade social que cabe ao Estado regulamentar, de

modo que a perenidade daquele depende da atuação estatal. O direito concorrencial não

poderia ser interpretado apenas como um mecanismo de eliminação de efeitos

autodestrutíveis do mercado liberal, mas como verdadeira técnica de que se vale o Estado na

implementação de políticas públicas. 143

No entendimento de Gesner Oliveira e João Grandino Rodas, políticas públicas

podem ser entendidas da seguinte maneira:

[...] o conjunto de medidas utilizadas pelos governos para intensificar, valorizar o desafio dos mercados inibindo tanto ações privadas como governamentais. Exemplificativamente, a aplicação dos objetivos da política de concorrência podem compreender a privatização das empresas pertencentes ao Estado, a redução de subsídios específicos para empresa, a diminuição das exigências para licenciamento de novos investimentos ou a adoção de medidas de liberalização do comércio. [...] [...] o direito da concorrência é apenas um dos muitos instrumentos da política de concorrência, a qual, ademais, possui um arsenal de medidas outras, exemplificativamente, restrições à entrada, regulação do comércio, restrição à saída, barreiras ao comércio e aos investimentos exteriores e advocacia da concorrência. Deve-se ter em mente, ainda, que são os objetivos e prioridades da política concorrencial que influenciam o desenvolvimento e a interpretação das leis de concorrência [...] [...] Impõe-se considerar também o bem-estar geral, que, pode acarretar a diminuição da importância dada ao aspecto do bem-estar do consumidor, enquanto componente da política da concorrência. O desenvolvimento de tal política deve levar em conta não somente as pressões domésticas, pois, em mercados globalizados, as políticas são elaboradas em resposta, também, a pressões externas. Por isso, a regulação das concentrações, frequentemente, inclui preocupações relativas à concentrações tanto domésticas, como internacionais.[...] .144

Corroborando as idéias acima expostas, conceitua-se o direito concorrencial como

conjunto de regras jurídicas destinadas a apurar, reprimir e prevenir as várias modalidades de

abuso de poder econômico, com o intuito de impedir a monopolização de mercados e

favorecer a livre iniciativa, em favor da coletividade. 145

143 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25-29. 144 OLIVEIRA, Gesner; RODAS João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 25-26. 145 Op cit, p. 29.

62

A coexistência de três identidades é necessária para que se verifique a concorrência, o

tempo, o objeto e o mercado. De maneira que para a existência da concorrência necessária

que esteja ocorrendo o fato na mesma época, com o objeto de espécie idêntica, seja produto

ou serviço e que esteja diante da identidade de mercado e não mais se é colocada à identidade

de território em razão de já ser possível à concorrência entre territórios distantes. 146

Para a caracterização da concorrência, necessária a existência de liberdade para fazer

surgir diversos produtores ou prestadores de serviços a fim de praticarem a mesma atividade

econômica, de tal sorte a garantir para sociedade a possibilidade de escolha do melhor

produto, preço, condições de pagamento, etc.

Estimulando assim, em face da competitividade, um maior desenvolvimento do país e

uma busca no aprimoramento da atividade econômica, uma vez que é necessária uma

constante atualização para um concorrente não ser superado por outro.

A livre concorrência não é só aquela que espontaneamente se cria no mercado, mas

também aquela outra derivada de um conjunto de normas de política econômica. Existindo

um regime normativo da defesa da concorrência voltada ao restabelecimento das condições

de mercado livre, de maneira que o princípio constitucional autoriza esta sorte de intervenção

ativa no mercado, sem falar na negativa consistente na eliminação das disfunções e

imperfeições. 147

A concorrência empresarial tem natureza de instrumento de realização de uma

política econômica, cujo escopo principal não é simplesmente reprimir práticas econômicas

abusivas e sim estimular todos os agentes econômicos a participarem do esforço do

desenvolvimento.” 148

O objetivo da defesa da concorrência é de assegurar uma estrutura e comportamento

concorrenciais dos vários mercados no pressuposto de que o mercado livre, que selecionando

os mais capazes, logra em orientar a produção para os setores suscetíveis de garantir uma

146 SOUZA, Ferreira apud VAZ. Isabel. Direito Econômico da Concorrência. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1993, p. 24/25. 147 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 456. 148 SILVA, Américo Luis Martins da. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996, p. 58.

63

melhor satisfação das necessidades dos consumidores e ao mesmo tempo a mais eficiente à

afetação dos recursos econômicos disponíveis, seja os mais baixos e custos de preços. 149

Como afirma Celso Ribeiro Bastos:

[...] é essa atividade concorrente e competitiva dos diversos agentes, que expõem no mercado produtos assemelhados, que leva à otimização dos recursos econômicos e a preços justos, na medida em que, por intermédio da concorrência recíproca, evitam lucros arbitrários e os abusos do poder econômico. 150

Contribuindo dessa maneira para o desenvolvimento econômico do país e melhora

nas condições de vida do ser humano, pois a concorrência pode ser considerada como força

motiz da economia e do desenvolvimento econômico do país..

Segundo José Marcelo Proença:

A defesa da concorrência é o conjunto de leis que tem como intuito proteger o mercado das restrições concernentes tanto à concorrência, no que diz respeito aos comportamentos isolados de agentes econômicos ou conglomerado empresarial, independentemente de sua forma jurídica, quanto ao exercício abusivo de posições dominantes exercidos por uma empresa ou empresas preponderantes no mercado, de modo a controlar as operações de concentração. 151

Em decorrência de alguma imperfeição, na realidade demonstrou que as condições de

mercado se afastavam do modelo de mercado ideal, que seria da concorrência perfeita,

verificou-se, dentre outros fatos o surgimento de monopólios, oligopólios e concentrações

econômicas. 152 Os quais serão estudados em tópicos próprios.

A livre concorrência muitas vezes tem seu alcance reduzido pelo abuso do poder

econômico, porém o § 4º do artigo 173 da Constituição Federal de 1988 esclarece que a lei

149 MONCADA, Luis Solano Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1988, p.313. 150 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 455. 151 PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência. São Paulo: Saraiva. 2001, p. 33-34. 152 GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p. 57.

64

reprimirá o abuso do poder econômico que vise à eliminação da concorrência, à dominação

dos mercados e ao aumento arbitrário dos lucros.

Ainda hoje se vislumbra os preceitos constitucionais, no que tange à determinação em

se reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercados e à eliminação de

concorrência; atender ao princípio da livre concorrência; reprimir o aumento arbitrário de

lucros, atendendo ao princípio da defesa do consumidor. E, nesse sentido, ao atender os

princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, nada mais se está fazendo senão

instrumentalizar a promoção da dignidade humana.

O direito da concorrência engloba as regras que têm por objeto a intervenção do

Estado na vida econômica para garantir que a competição das empresas no mercado não seja

falseada por meio de práticas colusórias ou abusiva. 153 Miguel Reale sustenta que:

[...] o tipo liberal do processo econômico, o qual só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando o aumento arbitrários de lucros. 154

A livre concorrência goza do amparo constitucional, é de suma importância para o

desenvolvimento do país, como complemento da livre iniciativa, que é um dos fundamentos

do Estado Democrático de Direito, até mesmo porque a livre concorrência é uma

manifestação da livre iniciativa, que juntamente com a valorização do trabalho humano, são

base do Estado Democrático de Direito, assim tem a função de assegurar a vida digna e

efetivação da justiça social.

No entanto quando ocorrem eventuais ilegalidades e excessos deverão ser reprimidos

pelos mecanismos que a própria legislação estabelece, para que se cesse a injustiças e para

que se lute para uma igualdade de oportunidades entre os cidadãos.

153 FARIA, Werter R. Direito da concorrência e o contrato de distribuição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 7. 154 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 181.

65

2 PRINCIPAIS LEGILAÇÕES INFRACONSTITUCINAIS RELACIONADAS

AOS PRÍNCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA, DA DEFESA DO CONSUMIDOR E DA

LIVRE CONCORRÊNCIA

2.1 A LEI DE PROTEÇÃO A CONCORRÊNCIA – LEI Nº. 8884/94

A defesa da concorrência tende a espelhar o espaço reservado à intervenção estatal no

domínio econômico e, por conseguinte, à liberdade de atuação assegurada aos agentes

econômicos, o que o faz através da legislação, como a lei antitruste, objeto do estudo.

A Lei de Proteção e Defesa da Concorrência foi promulgada em 11 de junho de 1994,

sob a forma de proteção da coletividade contra os efeitos perniciosos produzidos pelos

monopólios e oligopólios, visando à prevenção e a repressão aos abusos cometidos contra a

ordem econômica.

No que diz respeito ao contexto histórico em que a lei antitruste surgiu com o cunho

de proteger a economia popular e este fator já seria capaz de determinar o caráter

instrumental, eis que se atrelava à economia popular e ao consumidor. 155

A Lei nº. 8884/94 incentiva a livre concorrência, e, combate às manobras tendentes à

eliminação das competições, define que deverão ser livres as ofertas e as procuras, devendo

ser penalmente reprimidas as manobras tendentes a obstar o mercado competitivo,

eliminando a concorrência, o que culmina com a dominação dos mercados, concentrados nas

mãos de uma só empresa. 156 Visando o livre mercado. Fábio Ulhoa Coelho aduz que:

A rigor, a legislação antitruste visa a tutelar a própria estruturação o mercado. No sistema capitalista, a liberdade de iniciativa e a de competição se relaciona com aspectos fundamentais da estrutura econômica. O direito, no contexto, deve coibir as infrações contra a ordem econômica com vistas a garantir o funcionamento do livre mercado. Claro que, ao zelar pelas

155 VAZ, Isabel. As Três Vertentes do Direito de Concorrência. Revista de Direito Econômico n. 27, Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 1988, p. 25. 156 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 7.

66

estruturas fundamentais do sistema econômico de liberdade de mercado, o direito de concorrência acaba refletindo não apenas sobre os interesses dos empresários vitimados pelas práticas lesivas à constituição econômica, como também sobre os consumidores, trabalhadores e, através da geração de riqueza e aumento dos tributos, os interesses da própria sociedade em geral. 157

A lei antitruste pretende proteger não somente os consumidores, os quais são

considerados os titulares imediatos, mas a todos os participantes do mercado, inclusive os

concorrentes, não podendo ainda ter preferência por qualquer tipo de agente econômico.

Luis. S. Cabral de Moncada entende que:

O legislador partiu do princípio de que a concorrência se não desenvolve espontaneamente entre as empresas participantes no mercado, ao lhe competindo tão-só estabelecer um conjunto de regras tendo por objectivo simplesmente à prevenção e repreensão de situações em que o comportamento das empresas lesa intoleravelmente certos interesses públicos. Torna-se necessário para, além disso, organizar normativamente um regime de concorrência através de estabelecimento e defesa de um conjunto de normas políticas visando certos objectivos tais como alto volume de emprego, uma ampla capacidade produtiva, uma relativa estabilidade monetária, etc. Considerados só alcançáveis no quadro institucional de um mercado aberto na maior medida possível a todos os agentes econômicos e consumidores. 158

A Lei Antitruste é instrumental a uma determinada política econômica, possuindo,

por conseqüência, objetivos bem próprios. A qual deve garantir a liberdade de competição

entre os agentes econômicos objetivando assegurar as condições de produção e consumo

próprias de um regime de mercado. 159

A lei de defesa da concorrência tem seu objetivo previsto no artigo 170 da

Constituição Federal de 1988, “assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames

da justiça social” e a mesma é orientada pelo artigo 3º da Constituição Federal. Nesse

sentido, ao atender os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, nada mais se está

fazendo senão instrumentalizar a promoção da dignidade humana.

157 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito Antitruste Brasileiro: comentários à Lei 8.884/94. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 5. 158 MONCADA. Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 2. ed.rev. atual. Coimbra, Editora. 1988. 159 BAGNOLI, Vicente, Direito Econômico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.150.

67

A análise funcional do Direito está em plena consonância com a natureza jurídica das

normas de direito antitruste, cuja principal característica é a de servir como instrumento à

formulação, pelo Estado, de políticas públicas de intervenção do domínio privado, visando

controlar, preventiva e repressivamente, o exercício abusivo do poder econômico. 160

A Lei Antitruste tem aptidão para a implementação de políticas públicas, não sendo

vista apenas em sua função de eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado, mas

também como fomentadora de políticas públicas, para o desenvolvimento econômico do país.

A Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi comenta que a

legislação antitruste deve preservar os valores sociais, não apenas gizar com tanta ênfase a

liberdade de concorrência. 161

Em razão dos objetivos que podem ser perseguidos pela Legislação Antitruste vale

ressaltar as sábias palavras de Siro Lombardini “[...] oferecer um instrumento para que as

administrações públicas possam orientar as decisões dos grandes grupos de empresas para

realizar o processo de desenvolvimento tido como possível e desejável.” 162

Não se deve engessar a concorrência, pois a mesma é um instrumento de política

pública econômica e deve ser adaptada ao mundo atual, no pensamento de Paula A. Forgioni

a política pública da antitruste poderá ser atuada de duas maneiras, primeiro através da

aplicação da Lei Antitruste, por via de concessão de autorização ou isenção e em segundo

através da não aplicação da Lei a práticas restritivas, por exemplo, o Estado com intuito de

formatar o funcionamento do mercado, pode afastar ou amenizar a vigilância ou controle

sobre o processo de concentração. 163

O objetivo da legislação antitruste não pode ser reduzido a um fim em si mesmo,

‘eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado’, não mais se caracteriza como um mero

instrumento de correção dos desvios funcionais do mercado, mas devendo ser utilizada como

instrumento de implementação de políticas públicas, viabilizando o surgimento de inteiras

propostas de reestruturações de mercado, baseados na lei e nos princípios constitucionais da

ordem econômica.

Luis S. Cabral de Moncada cita que:

160 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 20. 161 ANDRIGHI, Fátima Nancy apud GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem Econômica Constitucional e

Direito Antitruste. Porto Alegre. S. A. Fabris, 2004. p. 15. 162 LOMBARDINI, Siro. La legislazione antimonopolistica nella política econômica. La liberta di concorrenza. Milano: Giuffrè, 1970, p. 45. 163 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 195.

68

É que a defesa da concorrência entre as unidades produtivas compreende nos nossos dias um conjunto ordenado e homogêneo de normas de política econômica, muito para além das normas de polícia. O legislador partiu do princípio de que a concorrência se não desenvolve espontaneamente entre as empresas participantes do mercado, não lhe competindo tão-só estabelecer um conjunto de regras tendo por objetivo simplesmente à prevenção e repressão de situações em que comportamento das empresas lesa intoleravelmente certos interesses públicos. Torna-se necessário para, além disso, organizar normativamente um regime de concorrência através do estabelecimento e defesa de um conjunto de normas de política econômica, visando certos objetivos tais como um alto volume de emprego, uma ampla capacidade produtiva, uma relativa estabilidade monetária, etc... considerados só alcançáveis no quadro institucional de um mercado aberto na maior medida possível a todos os agentes econômicos e consumidores. 164

O controle antitruste, a cargo do Estado, deve estar a serviço não apenas da livre

iniciativa e da livre concorrência, mas também dos escopos sociais e democráticos. 165

A legislação antitruste busca controlar o exercício abusivo do poder econômico,

porém não se limita ao aspecto econômico, mas também ao social e político, o controle do

exercício do poder econômico constitui instrumento de políticas públicas, a intervenção

estatal a serviço de valores político-sociais, porém sempre de acordo com os princípios

formadores da ordem econômica, previstos no artigo 170 da Constituição Federal de 1988.

A legislação Antitruste procedeu à “tipificação” das “infrações da ordem econômica,

independente de culpa” enumerando os “atos sob qualquer forma manifestados, que tenham

por objeto ou possam produzir efeitos ali registrados, ou as condutas previstas na mesma lei”. 166

O agente econômico só praticará ato ilícito se o mesmo detiver poder de mercado,

pois caso contrário não existirá prejuízo da livre concorrência. É necessário que existam

prejuízos ao mercado para que seja caracterizado o cometimento de um ato ilícito.

A legislação em tela aplica-se de acordo com seu artigo 15 às pessoas jurídicas e

privadas, associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito ainda que

temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, podendo incidir até mesmo em

empresas que operem sob o regime de monopólio legal. José Cretella Junior cita como

164 MONCADA, Luis S. Cabral. Direito Econômico. 2. ed.rev. atual. Coimbra. Editora. 1988, p. 312. 165 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 144. 166 SOUZA, Washington Peluso Albino. Primeiras linhas de direito econômico. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p .259.

69

exemplo o consórcio, que não tem personalidade jurídica, mas tem capacidade postulacional. 167

Em relação à pequena e média empresa, as mesmas não podem constituir objetivo da

lei antitruste, devendo as mesmas ser tratadas de maneira igualitária com as outras empresas,

Calixto Salomão Filho afirma “[...] que não é admissível que o direito concorrencial atribua à

pequena e média empresa vantagens adicionais em relação àquelas que naturalmente já

atribui”. 168

Para a pequena e média empresa ser sujeito ativo dos ilícitos que caracterizam o

abuso do poder é necessário que tenha o requisito de poder de mercado. No entanto as

mesmas devem estar sujeitas como qualquer empresa a punição por concorrência desleal, isto

é, por aquelas práticas que por si e independentemente das dimensões do agente constituem

os ilícitos previsto na lei de defesa da concorrência. 169

A pequena empresa será tratada de maneira igual as demais empresas, pelo fato da

mesma ter tratamento favorecido pela Constituição Federal de 1988 não significa que as

pequenas e médias empresas serão também favorecidas pela legislação antitruste.

A lei antitruste protege qualquer tipo de concorrente, quer pequenas ou grandes

empresas. As grandes empresas têm maiores capacidades produtivas e financeiras, podendo

investir mais em tecnologia, o que é bom para o consumidor, na medida em que são aptas, a

gerar produtos de maior qualidade e de menor custo, porém o tratamento será igualitário para

qualquer porte de empresa.

Em razão da responsabilidade prevista no artigo 16 da Lei nº. 8884/94 fica claramente

estabelecido que as infrações da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e

a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.

O autor José Cretella Junior afirma que para infração cometida contra a ordem

econômica é necessário:

[...] a) o agente; a causa eficiente ou razão determinante da infração; b) o dano causado, perfeitamente descrito, apurado e provado; c) o nexo de causalidade, a relação fático jurídica entre a pessoa, física ou jurídica, responsável, individual ou solidariamente; d) a norma infringida, o disposto preciso da lei quebrado pela ação. 170

167 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 62. 168 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1988, p. 199. 169 Op cit, p. 200. 170 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 66.

70

No que diz respeito à responsabilidade da empresa, a legislação antitruste prevê em

seu artigo 17 que “serão solidariamente responsáveis às empresas ou entidades integrantes de

grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração econômica”, assim podendo

identificar que a apuração do responsável por infração da ordem econômica é o ponto crucial

da lei em tela, portanto empresas integrantes de um grupo econômico serão consideradas

como mesmo ente.

Para a caracterização da solidariedade é necessária a ocorrência da infração

econômica, praticada por uma das empresas integrantes do grupo, mesmo que uma empresa

não seja responsável pela infração responderá, o requisito é que faça parte do mesmo grupo.

A personalidade jurídica também poderá ser desconsiderada se ocorrer abuso de

direito na utilização da empresa, necessário que haja a desconsideração da personalidade

jurídica para que a mesma consiga ser afastada e que se possa vincular a responsabilidade

dos sócios, visando impedir a consumação de fraudes e abusos de direito levados a cabo

através de personalidade jurídica que visam lesionar terceiros. 171

A Lei nº. 8884/94 buscou sistematizar o regime jurídico do controle do exercício

abusivo do poder econômico, tanto em sua vertente repressiva, ao positivar, nos artigos 20 e

21, as condutas anticoncorrenciais capazes de limitar ou prejudicar a livre concorrência,

como em sua dimensão preventiva, ao sujeitar a eficácia jurídica dos atos e contratos hábeis a

produzir qualquer forma de concentração econômica, definidos no artigo 54, ‘caput’ e § 3º, à

aprovação da entidade administrativa competente (CADE). 172

O artigo 20 prevê infração a ordem econômica independente de culpa, mesmo que a

conduta consistente em limitar, prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, dominar

mercado relevante de bens e serviços, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer de

forma abusiva a posição dominante.

O direito positivo estabelece que os atos de qualquer natureza que tenham o efeito,

potencial ou real, de limitar, falsear, ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa é

definido como infração da ordem econômica, não importando de que se reveste o ato

analisado, bastará à verificação dos efeitos atuais ou potenciais para comprovar a existência

da prática vedada.

Em relação ao aumento arbitrário de lucro, a lei não proíbe o lucro nem o aumento do

lucro, o que é coibido é a lucro arbitrário, sem causa, derivado de práticas abusivas.

171 FACHIN, Luiz Edson, CRETELLA JUNIOR, José, DOTTI René Ariel. Comentários ao Código do

Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992, 103. 172 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 62.

71

O aumento arbitrário dos lucros é decorrência do aumento abusivo dos preços, quando existe número exíguo de empresa que não tem condições de fazer-lhe concorrência em determinado segmento de mercado ou de prestação de serviços, o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa – ou um grupo – controla em tal grau a produção, a venda, a distribuição ou a prestação de bens ou serviços, que acaba por exercer decisiva influência sobre os respectivos preços. 173

O domínio do mercado relevante é nefasto aos interesses da coletividade, exercido

sem qualquer ética ou respeito aos concorrentes, visando o domínio pelo prazer de dominar e

manipular o mercado, não se importando com os efeitos sociais desta prática egoísta aquele

que assim procede. 174

Para a aplicação de qualquer incidência das hipóteses contidas na legislação

antitruste, porquanto necessário à definição de mercado relevante, pois o impacto que uma

determinada concentração econômica poderá causar sobre o nível de concorrência

dependente, em primeira medida, do tamanho e do tipo de mercado relevante considerado.

Carlos Jacques Vieira Gomes aduz:

[...] que a definição do mercado relevante está diretamente relacionada com a identificação da extensão do poder de mercado detido pelos agentes econômicos: identificar o mercado relevante é o mesmo que descrever o contexto em que o poder de mercado poder ser exercido. 175

O termo mercado relevante denota algo como mercado relativo, ou mercado

pertinente, no qual os produtos dele integrantes são, em conjunto, objetos de concentração de

ofertas e procuras que caracterizam a própria noção econômica de mercado. 176

O referencial básico estará no poder de mercado, cujas práticas seriam disciplinadas

juridicamente a partir das condições econômicas de seu entendimento e seu funcionamento.

173 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 76. 174 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 73. 175 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 156. 176 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 156.

72

177 Analisar-se-á três planos de análise necessários para a definição do mercado relevante:

dimensão do produto, dimensão geográfica e dimensão temporal. 178

A dimensão do produto do mercado relevante poder ser definida como o produto, ou

grupos de produtos, coloca à venda em uma determinada área geográfica, de tal modo que

um hipotético agente econômico é o único vendedor de tais produtos na referida área, poderia

aumentar o preço da venda verificado ao nível competitivo em montante pequeno mais

significante, e durante um certo espaço de tempo, não transitório.179

Paula Andréa Forgioni identifica o mercado relevante de dimensão geográfica com o

espaço físico onde se desenvolvem as relações de concorrências que são consideradas, pode

ser compreendido como a área na qual o agente econômico é capaz de aumentar os preços

que pratica sem causar um dos seguintes efeitos:

[...] (i) perder um grande numero de clientes, que passariam a utilizar-se de um fornecedor alternativo situado fora da mesma área; ou (ii) provocar imediatamente a inundação da área por bens de outros fornecedores que, situados fora da mesma área, produzem bens similares. 180

Dimensão temporal do mercado relevante está relacionada com as indústrias que

operam em ciclos, isto é, apresentam distribuição heterogênea da quantidade produzida ao

longo do ano. 181

Mercado relevante material considerado sendo “[...] aquele em que o agente

econômico enfrenta a concorrência, considerando o bem ou serviço que oferece. Sua

limitação, a exemplo de mercado relevante geográfico, parte da identificação das relações de

concorrência”. 182

No Brasil serve como argumento para descaracterizar a incidência dos incisos I e II

do artigo 20 da Lei Antitruste, quanto maior o mercado relevante considerado, menores os

impactos anticoncorrenciais gerados pela pratica analisada, o elástico conceito de mercado

relevante é utilizado pelas empresas, que buscam furtar-se à necessidade de obtenção de 177 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 268. 178 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 155. 179 Op cit, p. 156. 180 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 234. 181 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 163. 182 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 241.

73

autorização prevista no artigo 54, § 3º da Lei da Concorrência, sustentando a maior

abrangência do mercado relevante em que atuam, procuram demonstrar que não possuem

vinte por cento desse mercado, buscando desobrigar-se da notificação da operação de

concentração ou ainda aplicação de multa pela falta de tempestiva comunicação. 183

As normas da Lei Antitruste podem ser repressivas ou preventivas, em seu aspecto

repressivo ocorre quando a sua hipótese de incidência pressupõe a prévia consumação da

conduta ilícita e preventiva quando autorizam o Estado a intervir previamente para evitar o

exercício do abuso do poder econômico.

As normas inseridas nos artigos 20 e 21 da Lei nº. 8884/94 e artigo 4º da Lei 8137/90

são normas que imputam sanção de natureza administrativa ou penal, portanto são normas de

dimensão repressiva.

A hipótese de aspecto preventivo opera-se por meio da eficácia jurídica dos atos e

contratos em que resulte concentração econômica à aprovação da entidade administrativa

competente, que está previsto o artigo 54, § 7º da Lei Antitruste.

A questão do jogo de interesses protegido, centraliza-se no artigo 20 da Lei nº.

8884/94, motivo que é necessário à análise de seus incisos. O inciso I tem o interesse de

limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, ou

seja, é assegurada a liberdade de desenvolvimento de atividade econômica, e para garantir a

manutenção desses mesmos agentes, disciplinado seu comportamento no mercado, a

disciplina da concorrência resta correlata à livre iniciativa, da mesma maneira que previsto

no artigo 170 e 173 da Constituição Federal de 1988. 184

O bem juridicamente protegido á a liberdade de iniciativa, a livre concorrência, o

mercado, atua o Estado como mandatário de toda a sociedade, na tarefa de restaurar a ordem

jurídica atingida pela prática econômica abusiva.

Os incisos II e IV referem-se ao domínio de mercado relevante de bens e serviços e ao

abuso da posição dominante, sendo que o texto prevê a ilicitude de ato contrário à ordem

econômica, ainda que os fins visados não sejam alcançados, inclui-se na redação do artigo 20

a prática que possa ter só objeto ou por efeito a dominação de mercado, ou seja, propiciar a

detenção de poder econômico suficiente para assegurar o comportamento independente e

indiferente em relação aos demais agentes. 185

183 Op cit, p. 253. 184 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 271. 185 Op cit, p. 276.

74

O inciso III do artigo 20, proíbe o aumento arbitrário dos lucros, pois os altos lucros

não trazem incentivos algum à concorrência ou a livre iniciativa, à medida que a

possibilidade de sua auferição é um sinalizador para a concorrência potencial apto a

aumentar o grau de competitividade do mercado relevante.

Porém altos lucros atuam como sinalizador para os agentes econômicos, que são

incentivados pela possibilidade de lucros altos, melhorando a concorrência e livre iniciativa

no país, fomentando a economia com a entrada de novos concorrentes no mercado em

questão.

No entanto são preservados de forma mediata os direitos do consumidor:

A legislação brasileira antitruste, embora impregnada de um sentido neoliberalista, não tem como único objetivo restabelecer o livre mecanismo de preços e da concorrência. O legislador constituinte procurou ainda proteger o consumidor conta a sede de lucros excessivos por parte de empresas e associações de produtos que pretendem aumentar arbitrariamente, seus ganhos em função de posições monopolísticas. 186

Restando evidente mais uma vez que existe uma interação, compatibilização e

harmonização entre as legislações de defesa da concorrência com a de defesa do consumidor.

O Brasil não pune a posição dominante em si, nos termos do artigo 20, § º da Lei nº.

8884/94, pois nada há de ilícito com a utilização do poder econômico, no momento em que

há abuso do poder econômico, há abuso do direito da liberdade econômica, liberdade de

iniciativa e de concorrência.

Passando o sujeito a fazer um uso anormal da posição dominante, que será

sancionado pela legislação antitruste. Nada de ilícito na conduta de empresa que conquista

parcela substancial do mercado relevante simplesmente por ser mais eficiente que seus

concorrentes.

A idéia de repressão ao abuso de direito traz à mente a regulamentação própria do

Estado Liberal, que intervém para neutralizar os efeitos autodestrutíveis que advêm do

mercado: 187

Os interesses da coletividade devem fatalmente preponderar sobre prerrogativas do indivíduo. Assim como uma propriedade ilimitada, uma concorrência sem limites é social e praticamente irrealizável: um direito

186 BRANCO, Nelson de Azevedo e BARRETO, Celso de Albuquerque. Repressão ao abuso do poder

econômico. São Paulo: Atlas, 1964, p. 23. 187 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 325.

75

absoluto é destinado à destruição; ele devoraria a si próprio por seus próprios excessos; como as demais liberdades, a liberdade de comércio que ser regulamentada, sabiamente organizada. 188

O parágrafo 2º do artigo 20 da legislação antitruste estabelece que “Ocorre posição

dominante quando uma empresa ou grupo de empresas é controla parcela substancial de

mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um

produto, serviço ou tecnologia a ele relativa”.

Não é somente sob a forma de monopólio que se vai conceber a posição dominante de

uma empresa no mercado, ficando explícito a respeito não se prendendo à quantidade, se de

“uma ou de um grupo de empresas”, mas à sua capacidade de “controlar parcela substancial,

determinada em 20 % do mercado relevante, alterado pelo CADE com a especificidade da

economia. 189

Paula Andréa Forgioni fornece um exemplo dado recentemente pela atuação da SDE:

[...] que determinou nos termos do artigo 31 da Lei antitruste, a instauração de processo administrativo contra empresas produtoras de sucos de laranja, por entender que, (i) em virtude de um cartel de compra de laranja dos produtores, são detentoras de posição dominante no mercado relevante que atuam, e (ii) teriam abusado dessa posição, ao descumprir as obrigações contratuais assumidas com fornecedores. 190

Explica-se que se partindo do pressuposto da existência de “cartel”, imaginamos que

as empresas partícipes não tivessem assumindo posição dominante (ou posição relevante no

mercado): muito provavelmente seu ato seria interpretado como uma mera quebra contratual,

de tudo independentemente do direito antitruste, porquanto não prejudicial nem à livre

concorrência nem à livre iniciativa. 191

As condutas elencadas no artigo 21 da lei antitruste, referem-se a práticas de abuso de

posição dominante, sendo preocupação da legislação fornecer meios para controlar a

atividade dos agentes econômicos com relevante poder econômico.

188JOSSERANDD apud FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 326. 189 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 266. 190 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 350. 191 Op cit.

76

A imposição de preços não eqüitativos ao mercado é uma característica da posição

dominante. A prática de preços excessivos somente é coibida, portanto se levar ao aumento

arbitrário dos lucros, nos termos do inciso III do artigo 20 da Lei Antitruste, e os preços

predatórios serão vedados se prejudicarem a livre concorrência ou a livre iniciativa. 192 Se

não houver prejuízo ao consumidor e concorrência poderá ser considerada como fomento

para o desenvolvimento econômico do país.

As infrações a ordem econômica é classificada como abusos lesivos e exclusionários.

É exemplo de abusivos lesivos: aumento arbitrário de lucros previstos no artigo 20, inciso III,

a discriminação de preços perante consumidor ou fornecedor previsto no artigo 21, inciso

XII, a interrupção da produção em larga escala, sem justa causa prevista no artigo 21, incisos

XVII e XX, a cessação parcial ou total de atividades prevista no artigo 21, incisos XXI e

XXII, venda casada prevista no artigo 21, inciso XXIII e a imposição de preços excessivos

prevista no artigo 21, inciso XXIV. 193

Os abusos exclusionários correspondem ao comportamento daquele que objetiva

prejudicar o concorrente, na tentativa de diminuir ou mesmo suprimir a concorrência

existente, podendo utilizar-se de vários artifícios; recusar contratar com concorrente, produz

aumento nos custos necessários à entrada concorrente potencial, pratica preços predatórios e

antecipa em relação à demanda, a capacidade instalada para a produção do bem relevante. 194

São exemplos de abusos exclusionários: limitação, falseamento e o prejuízo à livre

concorrência e à livre iniciativa prevista no artigo 20, inciso I, o domínio de mercado

relevante de bens e serviços, previsto no artigo 20, inciso II, a adoção de conduta comercial

uniforme entre concorrentes previsto o artigo 21, incisos I, II e VIII, a divisão de mercados

prevista no artigo 21, inciso III, a criação de dificuldades ao livre exercício da atividade

comercial por concorrente previsto no artigo 21, incisos IV, V, VI. VII, IX, X, XIII, XIV,

XV e XVI, a imposição de restrições verticais prevista no artigo 21, inciso XI e a prática de

preço predatório previsto no artigo 21, incisos XVII e XIX. 195

192 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 353. 193 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 98. 194 Op cit. 195 Op cit.

77

Necessário verificar a compatibilidade das estruturas frente ao ordenamento

brasileiro, eis que o artigo 21, incisos I, III e IX, da legislação antitruste deve ser analisado de

acordo com o artigo 54 da referida lei, pois em determinados acordos destinados à melhoria

das condições operativas do setor eles estão presentes é possível aprovar os contratos visando

à cooperação econômica entre os concorrentes. 196

O artigo 21 e seus 24 incisos da legislação antitruste dispõem sobre as condutas que

caracterizam infração a ordem econômica. Em seu inciso I, prevê a fixação ou prática em

acordo com concorrentes, de maneira que lei reprime a imposição de preços excessivos ou o

aumento injustificável de preços.

Sobre o assunto José Cretella Júnior ressalta que:

Se, porém, o preço do produto, ou sua elevação, tão-somente, for influenciado pela introdução de melhorias de qualidade ou pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, não se configura a conduta caracterizadora de infração da ordem economia. O que o dispositivo proíbe é o “acordo”, o “concerto”,o “conchavo” da empresa concorrente, na fixação ou pratica de preços e condições, sob qualquer forma, conduta prejudicial, vedada por trazer sensível dano à ordem econômica.197

Os acordos entre os concorrentes inviabilizam a própria economia de mercado, uma

vez que as reações percebidas no mercado não são resultados da livre atuação das forças de

mercado, mas resultam de um acordo que ofende profundamente as condições de atuação

eficiente de mercado e, sobretudo os consumidores, implicando em apropriação indevida de

excedentes e foco de ineficácias econômicas. 198 Não se admitindo o acordo dos preços entre

os concorrentes, caso contrário impediria a concorrência leal defendida pela legislação.

O inciso II prevê a obtenção ou influência a adoção de conduta comercial uniforme ou

concertada entre os concorrentes. Porém atinge somente o acordo lícito de conduta

comercial, não atingindo empresas concorrentes que adotem condutas parecidas e

independentes. 199

Comete a infração econômica prevista no inciso III a empresa que cindir mercados de

serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias

primas ou produtos intermediários.

196 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1988, p. 197. 197 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 76/77. 198 MARQUES, Fernando de Oliveira. Direito Concorrencial – Aspectos jurídicos e econômicos. 1. ed. São Paulo: 2003, p.210. 199 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 75.

78

O texto mostra duas situações distintas à primeira parte do inciso, a divisão dos

mercados esbarraria na possibilidade de formações de cartéis, de todo indesejável, e na

segunda parte a formação de oligopólios, os quais deteriam a matéria-prima, controlando

com exclusividade os preços e a sua distribuição, preferindo determinados clientes a outros,

hipóteses não prevista na legislação antitruste e merecedora de punição. 200

Configura ilícito econômico todo ato, sob qualquer forma manifestado,

independentemente de culpa, que tenha por objetivo limitar ou impedir ou que possa limitar

ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado.

Constitui infração à ordem econômica todo ato que crie dificuldades à constituição,

ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor,

adquirente ou financiador de bens e serviços, as condutas puníveis são apenas aquelas que

visem criar obstáculos aos concorrentes.

As fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos, tecnologia e canais de

distribuição devem estar abertos a todos os competidores que labutam no mesmo mercado,

prevalecendo, no caso, sob qualquer forma manifestada, que impeça o acesso de concorrente

às mencionadas fontes. 201

Para que seja alcançado o objetivo maior da livre concorrência, é necessária a busca

pela qualidade e bons preços, o que não permite qualquer restrição às fontes de consumo, às

matérias primas, aos equipamentos de tecnologia, pois poderia haver uma superioridade e

possível domínio de mercado por parte um concorrente, em detrimento aos objetivos

almejados pela legislação.

Aquele que impede o acesso aos canais de distribuição, pois limita tal ato à

possibilidade de escolha do consumidor diante do produto desejado, aumentando o preço e

possivelmente, reduzindo a qualidade dos bens de consumo. 202

O inciso VIII, alude à concorrência pública ou administrativa, sendo que o ajuste

prévio de preços e de vantagem constitui infração a ordem econômica.

Em relação à provocação da oscilação de preços a mesma também é vedada, eis que

qualquer manobra empregada para provocar a oscilação de preços já fixados por terceiro é

punível pela legislação antitruste. A oscilação pode tanto para cima como para baixo e

qualquer tipo que seja é um acontecimento de extremo desconforto para o mercado.

200 Op cit, p. 76. 201 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 77. 202 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 77.

79

O mercado de produção de bens e serviços deverá funcionar de modo normal, o

mesmo devendo ocorrer nos setores da pesquisa e da tecnologia, de maneira que constitui

infração a ordem econômica influir nesses mercados fazendo acordos para limitar ou

contratar a pesquisa tecnologica.

No Brasil não se encontra em condições de competição a nível internacional, ainda

que os preços praticados no país desestimulem o potencial comprador a adquirir

determinadas máquinas, em virtude de a tecnologia estar parcialmente desatualizada, porém

se o inciso X realmente for colocado em prática poderá ocorrer o nivelamento da produção

tecnologica nacional com a internacional.

Também constitui infração a ordem econômica a imposição no comércio de bens e

serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, desconto, condições

de pagamento, quantidades mínimas ou máximas margem de lucro ou quaisquer outras

condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros, o que está previsto

no inciso XI da legislação antitruste.

O objetivo do inciso é o livre comércio, a empresa que detém o produto não poderá

impor preços de revenda ao seu representante, sob pena de inexistir possibilidade de escolha

pelo consumidor do que deseja, ainda não poderá impor condições de pagamento, nem

quantidades, pois caso assim o fizesse estaria ferindo a livre iniciativa e a livre concorrência,

o que seria desaconselhável è estabilização do mercado. 203

O inciso XII visa proibir a discriminação aos setores do comércio que seriam

prejudicados por alguns poucos privilegiados, ainda a Constituição Federal de 1988 veda

qualquer tipo de discriminação, o que se deseja é evitar o privilégio inadequado à livre

concorrência, quando inadmissível facilitar-se-ia o fornecimento de bens ou serviços com

vantagens de preços ou de condições operacionais de venda aos protegidos, desconsiderando-

se os demais interessados na realização do negócio. 204

O que se deseja é que a fixação de preços e as condições operacionais de venda, ou

prestação de serviços devem ser uniformes para todos os fornecedores e adquirentes dos

produtos e serviços, sob pena de prejudicar a livre concorrência.

O comerciante não pode recusar a venda de bens ou prestação de serviço devido

dentro das condições de pagamento normal aos usos e costumes comerciais, a proteção do

consumidor se destaca eis que somente possível à recusa da venda quando em casos de

203 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 78. 204 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 81.

80

intermediação regulados por leis especiais, caso contrário não poderá simplesmente recusar a

venda.

Constitui infração a ordem econômica todo ato que dificulte ou interrompa a

continuidade e desenvolvimento de relação comercial, diante da recusa do concorrente em

submeter-se a condições e cláusulas comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais, prevista

no inciso XIV da lei antitruste.

O contratante não poderá no decorrer da relação comercial forçar uma situação ao

contratado a cláusulas espúrias, incentivando novas condições que lhe auferisse vantagem:

Portanto, será justa a recusa do contratado em não se submeter à cláusula injustificável para a continuidade do contrato, devendo, para isso, se necessário, agasalhar-se no manto do poder judiciário, a fim de manter as mesmas condições inicialmente pactuadas. 205

Todo o ato que manifestado sob qualquer forma se dirija a destruir, inutilizar ou

açambarcar matérias primas, os produtos intermediários ou acabados, ainda a destruição, a

inutilização ou a dificultação de operações de equipamentos, destinados a produzi-los,

distribuí-los ou transporta-los é visto como infração à ordem econômica, o que está na lei

antitruste em seu artigo 21, inciso XV.

As matérias-primas são significativas para o desenvolvimento não só do comércio,

mas também do país, de maneira que houver o perecimento ou inutilização ilegal ou posse de

forma abusiva atenta conta a dignidade do consumidor e de uma geração de trabalhadores, os

quais com muito custo vêem se perder o seu trabalho, por intermediários antiéticos que visam

o lucro espoliativo. 206

O inciso XVI tem o mesmo raciocínio, não permitir o domínio abusivo de direito de

propriedade industrial e intelectual ou de tecnologia, resguardando, também o direito à

exploração dos mesmos. Cuidado existente em razão de que muitos cientistas e

pesquisadores criam algo e acabam repassando para pessoas que se apropriam de seus feitos

e acabam registrando descobertas em seus próprios nomes ou de forma incorreta, lesionando

o verdadeiro inventor ou pesquisador.

Comete infração da ordem econômica toda ação que sem justa causa comprovada

afete lavouras ou plantações, quer abandonando ou destruindo. Com o intuito de sempre

205 Op cit, p. 82. 206 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 83.

81

aumentar os preços, por maus costumes e às vezes incentivados pelo governo, podem os

agricultores destruir parcialmente ou totalmente as lavouras ou plantações para forçar a

subida dos preços, dada a diminuição da oferta.

O artigo 21 da Lei Antitruste em seu inciso XVIII enumera como possível infração a

ordem econômica a venda injustificadamente de bens abaixo do preso de custo, porém pode

ser lícita se considerada justificada. O que pode ocorrer em caso esporádico em que visa à

necessidade da venda de imediato do bem, não sendo um comportamento habitual do agente

econômico.

Outra situação também justificável seria um agente econômico que queira entrar no

mercado relevante e venda os bens abaixo dos custos para atrair a clientela, porém o objetivo

não poderá ser a eliminação do concorrente ou sinalização para evitar a entrada de

concorrentes no mercado.

Qual o critério utilizado para saber qual seria a causa, o real objetivo dos agentes

econômicos quando praticam preços abaixo do custo? José Frederico Marques explica que:

[...] e que é justa causa? É aquela que, embora não prevista em lei, está em harmonia com o direito: é a causa secundum jus, aquela que lícita se apresenta diante dos mandamentos da ordem jurídica, ou dos princípios gerais do direito, tanto que, quem procede com justa causa, está no exercício regular do direito. 207

A autora Paula Andréa Forgioni conclui que ao lidar com direito antitruste traz em si

uma série de dúvidas e indeterminações, assim a justificação da prática do inciso XVII do

artigo 21 da legislação antitruste pode ser comparada ao critério da razoabilidade. 208

José Cretella Junior pensa de forma diferente afirma que [...] se o vendedor vende a

mercadoria pelo “preço de custo” ocorre “prejuízo”, abaixo do preço de custo, então, o

prejuízo cresce. 209 Assim em havendo prejuízo o mercado sofrerá as conseqüências, uma

delas é a limitação da livre concorrência e a livre iniciativa.

207 MARQUES, José Frederico. Direito penal econômico – princípios sobre a interpretação de suas normas –

do conceito do monopólio. São Paulo: RT, 1985, RF 215, p. 50. 208 FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 364. 209 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 79.

82

Não sendo também permitida a importação de quaisquer bens abaixo do custo no país

exportador, que não seja signatário dos Códigos Antidumping e de Subsídios do GATT, em

virtude da concorrência desleal.

Salvo justa causa comprovada, a interrupção ou redução em grande escala da

produção constitui infração da ordem econômica, não havendo duvida de que tal situação

ocorrerá por motivo escuso, tal vedação está expressa no inciso XX do artigo 21 da Lei nº.

8884/94.

Nenhuma empresa poderá, sem justa causa comprovada, cessar parcial ou totalmente

suas atividades. O que poderá ocasionar uma alta taxa de desemprego, um desequilibro de

mercado, seja na oferta, na procura ou nos preços.

A preocupação está no caso de falso fechamento da empresa, pois haverá uma

possibilidade maior de ocorrer à dominação do mercado em detrimento da ordem econômica,

caso isso realmente seja concretizado caberá a aplicação do inciso XXI com a determinação

para que retorne a atividade imediatamente, com as devidas fixações pelo descumprimento

da ordem emanada pelo CADE. 210

É vedado à retenção de bens de produção ou de consumo, exceto para assegurar os

custos operacionais:

A retenção de bens de produção ou de consumo não tem sentido num sistema que prega a liberdade de iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, Salvo a exceção prevista neste inciso, a imposição da permanência dos referidos bens só poderá gerar aumento de preço pela diminuição da oferta, prática esta não desejada pelos competidores e pelos administrados em geral. 211

Em relação ao inciso XXIII, quando falta ou rareia no mercado determinado bem, o

comerciante costuma vendê-lo, desde que o adquirente concorde em comprar outro ou outros

bens, ou subordinar a venda à utilização de serviço, ou ainda subordinar a prestação de um

serviço à utilização de outro serviço ou à aquisição de um bem, na verdade acaba adquirindo

um produto não desejável.

Com esse tipo de atitude dos empresários impedem a livre escolha do produto pelo

consumidor, o qual sem alternativa submete-se a vontade do empresário, sujeitando-se ao

abuso do mesmo.

210 Op cit, p. 86. 211 Op cit.

83

A imposição de preços excessivos ao público ou aumento sem justa causa o preço de

bem ou serviço, é ato contra a ordem econômica. É considerada uma pratica de extrema

deslealdade com o consumidor e seus competidores, vindo de encontro às punições da ordem

econômica. 212

Quando ocorre tal prática aumenta a inflação e com isso os preços ficam sem

parâmetros com o valor real do produto. Os aumentos abusivos decorrem de produtos que

desconhecem os fundamentos da livre iniciativa, podendo até mesmo aproveitar-se do

monopólio legal para perpetuar tal imoralidade.

Segundo José Cretella Junior as circunstâncias econômicas e mercadológicas

relevantes deverão ser consideradas na caracterização na infração da ordem econômica

consistente na imposição de preços excessivos ou de aumento injustificados de preços, que

esse inciso XXIV do artigo 21 equivale ao artigo 87, que foi alterado pelo Código de Defesa

do Consumidor, que seu artigo 39 veda ao fornecedor elevar, sem justa causa, o preços de

seus produtos ou serviços. 213

Na tipificação do delito de preços abusivos, além de outras circunstâncias econômicas

e mercadológicas relevantes, o aplicador da pena considerará o preço e sua elevação

deixando de levar em conta, como justificativas o comportamento do custo correspondentes

insumos ou a introdução de melhorias.

Não pode ser considerado como pretexto para a elevação dos preços o sucedâneo

resultante de alterações não substanciais, ainda a imposição de preços excessivos ou o

aumento injustificado de preços constitui infração da ordem econômica, independente dos

preços do produto e de serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos

comparáveis.

O inciso VI do artigo 21 dispõe que não serve de justificativa ao infrator a existência

de ajuste ou de acordo que, sob qualquer forma, majore preços de bem ou serviços ou dos

respectivos custos, infração também capitulada no inciso I, acordo ente concorrentes.

De maneira que a pessoa física ou jurídica que incidir nos tipos elencados nos artigos

20 e 21 da Lei nº. 8884/94, isoladamente ou cumulativamente terá aplicada às sanções da

legislação antitruste.

Como sanção imposta pelo controle repressivo do exercício abusivo de poder

econômico pode abranger as seguintes medidas de forma isolada ou cumuladamente: ordem

de cessação de prática restritiva, prevista no artigo 53, § 5 da Lei Antitruste, imposição de

212 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 87. 213 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 80.

84

multa, prevista no artigo 23 da Lei nº. 8884/94, pena privativa de liberdade aos dirigentes

prevista no artigo 4º da Lei 8137/90, cisão e ordem pra a prática de ato especifico previsto no

artigo 24, inciso V, da Lei Antitruste, reparação do prejuízo e controle de preços previsto no

artigo 29 da legislação antitruste. 214

O artigo 23 define as penas que estão sujeitas os responsáveis pela prática da infração

da ordem econômica, no caso da pessoa jurídica ser apenada, após os procedimentos

administrativos adequados, a mesma sofrerá uma multa equivalente a um até trinta por cento

do valor do faturamento bruto ou no seu último exercício, excluindo-se os impostos, sendo

que a multa não poderá de qualquer forma ser inferior à vantagem obtida pelo infrator, isso

quando suscetível de quantificação.

As penas de multa são muito altas, que às vezes são consideradas “pena de morte”

para as pessoas jurídicas, pois não se pleiteia neste instante a defesa de um ramo como um

todo, mas o valor escolhido é sobremaneira pesado para a grade maioria dos empresários, os

quais atuam, muitas vezes, em legitima defesa do patrimônio, entendendo que um aumento

abusivo e injustificável de determinados produtos monopolizados gerariam o fechamento da

empresa se não houvesse uma reação por parte deste administrado. 215

O administrador será multado de dez a cinqüenta por cento do valor aplicável à

empresa, sendo essa punição de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador, a

multa tem caráter personalíssimo, em caso de reincidência às multas terão seus valores

dobrados.

O artigo 24 dispõe sobre as sanções administrativas acessórias, as quais poderão ser

aplicadas isoladamente ou cumulativamente, sendo necessário à gravidade do fato e o

interesse público, o que pode levar a autoridade ordenar publicações de extrato da sanção

aplicada em jornal indicado na decisão, durante certo período, podendo ser até três semanas

consecutivas.

Além da pena de multa poderá ser imposta isolada ou cumulativamente a proibição de

celebrar contratos com instituições financeiras oficiais por prazo não inferior a cinco anos e

não poderá também o infrator da ordem econômica participa durante cinco anos de licitação

pública, junto â administração pública federal, estadual e municipal, bem como entidades da

administração indireta.

214 GOMES, Carlos Jacques Vieira Gomes. Ordem Econômica Constitucional e Direito Antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 99. 215 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 92/93.

85

A autoridade competente ordenará a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de

Defesa do Consumidor durante determinado tempo, ainda poderá recomendar aos órgãos

públicos que ao infrator não somente seja concedida licença compulsória de patentes de

titularidade e poderá requer o cancelamento do incentivo fiscal ou subsidio público obtido,

no todo ou em parte, como, negando parcelamento de tributos federais devidos.

Para a imediata eliminação dos efeitos danosos à ordem econômica se concretize de

maneira natural, a autoridade competente providenciara a cisão de sociedade, a transferência

de controle acionário, a venda de ativos, a cessação parcial de atividade. 216

Destaca-se aqui a efetivação de tal punição sem a presença do Poder judiciário, pois a lesão ao direito irá ocorrer com essa sanção, chocando-se com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, além de que o mesmo artigo 5º, inciso XIX, da Constituição Federal, afirma que as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, insurgindo-se no primeiro caso, o transito em julgado. 217

O artigo 25 trata de penas acessórias, no caso de continuidade das infrações que

mereceram reprimenda do plenário do CADE ou quando descumprir condição elencada na

medida preventiva ou no compromisso de cessação, impondo multa diária fixa, cujo valor

poderá ser aumentado de acordo com a situação econômica do infrator e a gravidade da

infração.

Segundo José Cretella Junior o artigo 26 retrata quatro situações que dificultam a

decisão do CADE, SDE e SPE:

Para a tomada de providências ou instauração de processo administrativo, entidade ou órgãos – CADE, SDE, SPE, ou qualquer entidade pública – poderão solicitar informações ou documentos ao infrator. Este é obrigado a atender às solicitações. Em caso de recusa, omissão, enganosidade, retardamento u recalcitrância, a infração será punida com multa fixada, a qual para garantia de sua eficácia, poderá ser aumentada até 20 vezes, em razão da situação econômica do infrator. 218

Na aplicação das penas estabelecidas pela legislação antitruste serão levados em

considerações alguns fatores que estão previstos no artigo 27 da referida lei. A gravidade da

infração será levada em conta o caso concreto e os efetivos danos causados ao consumidor e

216 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 95. 217 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 95. 218 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 96.

86

à ordem econômica como um todo. No entanto é por demais subjetivo, pois a legislação não

estabelece o nível das infrações.

A boa-fé do infrator é uma condição atenuante. A vantagem realmente auferida ou

meramente pretendida também é fator de consideração no momento na aplicação da pena.

Obteve-se vantagem e esta foi quantificada, a multa aplicável jamais será menor do que a que

a perícia apurou, no caso de não ter alcançado a vantagem à multa deve manter-se no

patamar mínimo legal.

A multa será aplicada de forma proporcionalmente quando houve a consumação da

infração em relação a quando não houver a consumação, eis que a multa será menor quando

não houver a consumação da infração.

Levar-se-á em consideração o grau de lesão ou o perigo de lesão à livre concorrência,

à economia nacional, os consumidores ou a terceiros, seja a todas as hipóteses dos bens ou

destinatários que podem ser atingidos:

Poder quantificar o grau de lesão ou perigo desta será tarefa das mais difíceis ao relator, o qual dependerá de pareceres técnicos de cada área atingida, não podendo a aplicar o referido inciso por presunção, sob pena de profunda injustiça ao processado. 219

A infração da ordem econômica sempre produz efeitos negativos no mercado, o que

causa dificuldade de analisar a agravante prevista no inciso VI, eis que a conduta praticada

pelo infrator deverá ser gravíssima para causar um dano ao conjunto mercadológico e

somente o governo ou o megaempresariado o serão passiveis desse agravamento ser

concretizado.

A situação econômica do infrator e a reincidência serão levadas em consideração no

momento da aplicação da multa. Carlyle Popp e Edson Vieira Abdala afirmam que “[...] De

nada adiantará uma rigorosa aplicação da lei quando não existir possibilidade de

cumprimento da mesma pelo apenado, pois não servirá de exemplo para os que vierem a

tomar conhecimento da punição ofertada, tornando-a inócua”. 220

Prescreve em cinco anos as infrações de ordem econômica, inicia-se a contagem da

data da prática do ilícito ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que

houver cessado a infração. A prescrição é a extinção do direito de punir do Estado, ante a sua

inércia.

219 Op cit, p. 99. 220 POPP, Carlyle e ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste, Curitiba: Juruá, 1994, p. 99.

87

Pode haver interrupções no prazo da prescrição, seja qualquer ato administrativo ou

judicial que tenha por objeto a apuração de infração contra a ordem econômica ou ainda

suspende a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou de desempenho.

O artigo 53 da legislação antitruste regula o compromisso de cessão, o representado

celebrará em qual fase do processo administrativo com o CADE o compromisso de cessar a

prática sob investigação, no prazo estabelecido, na fase os artigos 54 e 58 referem-se ao

compromisso de desempenho, onde o representado compromissar-se-á a praticar os atos

autorizados pelo CADE que aumentem a produtividade, melhorem a qualidade de bens ou

serviços ou propiciem a eficiência e o desenvolvimento econômico ou tecnológico, nesses

dois compromissos suspende o prazo prescricional. 221

Pode-se afirmar que à lei antitruste visa proteger e preservar a livre iniciativa e a livre

concorrência dentro de uma política de modernização da economia brasileira, de maneira que

todos sejam beneficiados, sempre visando à proteção do bem estar do consumidor.

Pois acaso não existissem as leis de proteção ao Direito de Concorrência, alguns

poucos se beneficiariam dos frutos da deslealdade para com os consumidores e concorrentes.

Toda a sociedade resultaria prejudicada com as vantagens que seriam auferidas por uma

minoria, em detrimento de muitos.

2.2 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ATRAVÉS DA LEI Nº. 8078/90

O Código de Defesa do Consumidor foi fruto de uma expressa determinação

constitucional que buscou preencher uma lacuna legislativa existente no Direito Brasileiro,

onde as relações comerciais, tratadas de forma obsoleta por um Código Comercial atrasado,

que não trazia nenhuma proteção ao consumidor.

Tornava-se necessária a elaboração de normas que acompanhassem o dinamismo de

uma sociedade de massas que se formou no decorrer dos dias atuais, de acordo com o que

dispunha a Constituição de 1988 no seu artigo 5°, inciso XXXII, que prevê a proteção do

consumidor. Por sua vez, o artigo 48 do ADCT da nova Constituição determinava que,

dentro de 120 dias da sua promulgação, deveria ser elaborado o Código de Defesa do

Consumidor.

221 Op cit, p. 98.

88

Por outro lado, com a redemocratização do país, a partir da promulgação da

Constituição Federal de 1988, houve um fortalecimento das entidades não-governamentais,

fortalecendo o clamor popular por uma regulamentação dos direitos sociais, o que se fez

sentir também na criação deste corpo normativo.

Finalmente, o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1990, gerando

importantes mudanças nas relações de consumo, impondo uma maior qualidade na fabricação

dos produtos e no próprio atendimento das empresas de um modo geral.

Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor conferiu-se ao direito do

consumidor sua autonomia, ainda resgatando as pessoas e suas funções do processo

econômico para a ordem jurídica.

O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é composto por normas de ordem

pública e interesse social, visando também estabelecer condições mais favoráveis ao

consumidor, frente ao poderio econômico dos fornecedores no mercado de consumo e os

eventuais por estes cometidos. 222

Com regras de ordem eminentemente social, o Estado reconheceu no consumidor

brasileiro a hipossuficiência, procurando não limitar sua liberdade contratual, mas garantir-lhe

a autonomia privada, com o objetivo de protegê-lo dos economicamente poderosos.

O direito do consumidor, ainda que autônomo, necessita do amparo jurisdicional

desses outros ramos do direito, a fim de que os direitos considerados “fundamentais” ao

consumidor possam ser tutelados e protegidos. O consumidor quer considerado

individualmente ou como categoria, possui o direito fundamental à:

Segurança de vida e de saúde: visando-se a sua proteção contra a comercialização de produtos perigosos ou nocivos. Informação: visando-se a sua proteção contra práticas fraudulentas, enganosas, falsas. Escolha: visando-se, sempre que possível, seu acesso a variedades de produtos e preços competitivos; e, que lhe sejam assegurados a segurança de qualidade satisfatória e preços justos. E, finalmente, o direito de ser ouvido: assegurando-lhe que seus interesses sejam considerados na formulação da política governamental, e que suas reclamações tenham tratamento justo e célere nos tribunais. 223

222 HABIBE, Taís Cruz. Cartel e conseqüências para o consumidor. Revista de Direito do Consumidor nº. 52. p. 228/229. 223 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor. Conceito e extensão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1993, p. 33.

89

No Código de Defesa do Consumidor, a proteção despendida, se reflete especialmente

no asseguramento legislativo da garantia constitucional do Estado assegurar a igualdade entre

as partes. O tratamento paritário entre as partes, assume nuances próprios, onde se vê

sentidos de igualdade expressos, positivados, diferentemente do texto constitucional que traz

seu significado meramente formal.

Os princípios da igualdade e da liberdade norteiam o Estado Democrático de Direito,

pois, ao lado da fraternidade, conduz à configuração de um dos principais fundamentos da

República Federativa do Brasil, qual seja “a dignidade da pessoa humana”. 224

O sistema jurídico até a entrada em vigor da legislação consumeirista se mostrava

inadequado em razão de que seus fundamentos, pois era elaborado com base na presunção

das igualdades das partes contratantes e regida pela autonomia das vontades. Isso relegava o

consumidor, a um estado de vulnerabilidade e hipossuficiência na relação jurídica contratual,

motivo pelo qual o legislador da Constituição Federal de 1988, promoveu a proteção do

consumidor.

A razão de ser do Código de Defesa do Consumidor é a vulnerabilidade do

consumidor, só existindo porque o consumidor está em posição de desvantagem técnica e

jurídica em face do fornecedor, buscando sempre o restabelecimento do equilíbrio nas

relações de consumo. 225

Realmente indisfarçável a vulnerabilidade do consumidor, sendo que o mesmo é a

parte mais fraca, frágil na relação de consumo, mantida junto ao fornecedor sua proteção

maior exige a interferência do Estado nas relações privadas.

O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor define princípios formadores que

devem pautar a relação de consumo:

[...] reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor; harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda na ordem constitucional sempre com base na boa-fé e equilíbrio das relações entre os consumidores e fornecedores; educação e informação de fornecedores e consumidores, quando aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

224 BONATTO, CLAUDIO. MORAES, PAULO VALÉRIO DAL PAI. Questões Controvertidas no Código de

Defesa do Consumidor – Principiólogica, Conceitos, Contratos Atuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 1999, p.30. 225 CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do Século XXI. Belo Horizonte: 2000. p. 5.

90

incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; racionalização e melhoria de serviços públicos e estudo constante das modificações do mercado de consumo. 226

O Código de Defesa do Consumidor, primeiro tratou de dar uma definição a

consumidor, a qual está em seu artigo 2º, senão vejamos:

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se o consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

No entendimento de Fábio Konder Comparato “[...] consumidor é aquele que se

submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, dos empresários”. 227

Othon Sidou, mesmo antes da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa

do Consumidor, conceituava consumidor como qualquer pessoa, natural ou jurídica, que

contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço,

independente de modo de manifestação de vontade; isto é, sem forma especial, salvo quando

a lei expressamente a exigir. 228

Consumidor é aquele que se encontra em situação de usar e consumir, estabelecendo-

se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém a que se deve dar uma

valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando quer reparando os danos sofridos. 229

Na visão de José Geraldo Brito Filomeno, a definição de consumidor como um dos

participes das relações de consumo, que nada mais são do que relações jurídicas por

excelência, mas que devem ser obtemperada precisamente pela situação de manifesta

inferioridade frente ao fornecedor de bens e serviços. Conclui-se, pois, que toda relação de

consumo:

226 GLÓRIA, Daniel Firmato de Almeida. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p 148/149 227COMPARATO, Fábio Konder. Estudos e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 476. 228 SIDOU, Othon. Proteção ao Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.2. 229 BULGARELLI Waldirio apud FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.33.

91

1. envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto (produtor/fornecedor); 2. destina-se à satisfação de uma necessidade privado do consumidor; 3. o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.230

Em relação ao termo destinatário final o mesmo é indeterminado, necessitando de

uma interpretação lógica e voltada para a proteção do consumidor:

Destinatário final é aquele “destinatário fático e econômico” do bem ou serviço, seja ela pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retira-lo da cadeia de produção, leva-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído o preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida “destinação final” do produto ou serviço”. 231

A definição de consumidor prevista no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor

é definição ‘strictu sensu’, concentrada na idéia de “destinatário final”, e não a de bystantder

ou terceiro na relação contratual, que de alguma forma interveio ou da vítima da relação de

consumo, por sua vez o Código de Defesa do Consumidor na relação contratual, além de

definir o conceito de consumidor, ainda se utiliza do termo ‘pessoas equiparadas aos

consumidores’, que na realidade não poderiam ser qualificadas como consumidores strictu

sensu. 232

Isso porque, concentrado talvez na vulnerabilidade fática, institui o legislador

brasileiro três normas de extensão do campo de aplicação, conceituando os agentes que

considera equiparado aos consumidores, seja artigo 2º, parágrafo único, já comentado e os

artigos 17 e 29.

O artigo 17 prevê que “serão solidariamente responsáveis às empresas ou entidades

integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem

230 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.34. 231 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 1999, p.142. 232 Op cit, p. 318.

92

econômica”, se trata de uma relação extracontratual, que considera suas normas aplicáveis a

todas as vítimas do evento danoso causado por um produto ou serviço.

Bastando ser ‘vítima’ de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição

de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva pelo fato

do produto presentes no Código de Defesa do Consumidor.

No entendimento de Claudia Lima Marques a finalidade da proteção é geral, como

ensina o STJ em caso de explosão de fornecedores de fogos de artifício:

Em consonância com o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se aos consumidores da relação de consumo, vêm a sofrer as conseqüências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança” (STJ, 3.ª T., REsp 181.580/SP, rel. Min. Castro Filho, j. 09.12.2003).233

Através do uso ponderado do artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, a

jurisprudência brasileira já equiparou moradores próximos a uma refinaria por dano

ambiental resultante de acidente de consumo e produção, proprietários e locadores de prédio

desabado, consumidores desalojados por oito meses pelo desabamento do prédio ao lado,

todas as vítimas de incêndio em shopping center, o locados de shopping center que tem seu

carro furtado no estacionamento e aquele comerciante que se fere com explosão de garrafa de

cerveja. 234

O artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor também tem a figura do

consumidor equiparado, pois tal artigo faz referências aos prejudicados e não aos

consumidores, como definido do artigo 2º, equipara todas as pessoas, determináveis ou não,

expostas às práticas nele previstas.

Assim pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de

consumo de outra fora, a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as

características de um consumidor strictu sensu, a posição dominante do fornecedor e a

posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores

da lei. 235

No caso da aplicação da vulnerabilidade em relação ao artigo 29, a mesma continua

sendo elemento essencial-superado, apenas foi o critério da destinação final, sendo que

233Op cit, 357. 234 Op cit, p. 318. 235 Op cit, p. 355.

93

mesmo não sendo destinatário final do produto ou serviço, pode o agente econômico ou

profissional liberal vir a ser beneficiado pelas normas tutelares do Código de Defesa do

Consumidor como consumidor-equiparado. 236

O artigo 29 supera os estritos limites da definição jurídica de consumidor para

imprimir uma definição de política legislativa, parece que para harmonizar os interesses

presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos de poder econômico,

para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um

poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas expostas às praticas abusivas, estas, mesmo

não sendo consumidores strictu sensu, poderão utilizar as normas especiais do Código de

Defesa do Consumidor, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua

nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas. 237

Em virtude do disposto no artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, o

legislador brasileiro no intuito de proteger os interesses econômicos dos consumidores

concedeu um novo e poderoso instrumento (as ações autorizadas pelo CDC e sua ética de

boa-fé objetiva nas relações negociais) para que os consumidores equiparados combatam as

práticas comerciais abusivas que os lesam diretamente e que, mediatamente, prejudicam os

outros consumidores e a harmonia de mercado.

A partir da leitura conjunta entre o capítulo da proteção do consumidor e do alcance

dos conceitos, bem se verifica que a idéia é proteger o consumidor, o que já era objetivo da

Constituição Federal de 1988, porém com a promulgação da legislação os direitos e deveres

foram colocados de forma explicita clara. O referido código também objetivou proteger a

concorrência, como forma de não causar dano ao consumidor e atingir o fim constitucional

da realização da Justiça Social.

236 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa ao Consumidor. 5. ed. ver. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 355. 237Op cit, p. 360.

94

2.3 OS CONFLITOS ENTRE AS NORMAS

A prática dos primeiros dez anos de Código de Defesa do Consumidor demonstrou

que muitas discussões judiciais tinham como ponto central a aplicação ou não da lei protetiva

do consumidor a determinado contrato de consumo ‘sub judice’ e os conflitos de leis no

tempo.

A pluralidade de leis é um desafio para o aplicador da lei, eis que muitas delas podem

conflitar-se, havendo uma colisão entre os campos de aplicação das leis, que também é

chamado de conflitos de lei no espaço, momento em que o aplicador da lei deverá decidir

sobre a prevalência de uma lei sobre outra.

A prática nos últimos tempos demonstrou a consolidação de alguns pontos, como a

não aplicação retroativa do Código de Defesa do Consumidor a contratos assinados antes de

sua entrada em vigor, a aplicação análoga das normas protetivas do Código de Defesa do

Consumidor através das cláusulas gerais do direito comum, a não revogação do Código de

Defesa do Consumidor pelas leis especiais que regulam tipos contratuais especiais e

privilégios dos fornecedores em alguns contratos, assim como pelo próprio Código Civil de

2002.

Antigamente havia apenas três critérios para resolver os conflitos de leis no tempo,

que seria a anterioridade, especialidade e hierarquia.

O critério da anterioridade que a lei posterior será prevalente em relação à lei

cronologicamente anterior, o critério hierárquico, a norma hierarquicamente superior deve

prevalecer sobre a outra e o critério da especialização baseia-se nas idéias de leis especiais

para reger determinados assuntos ou determinados indivíduos ou grupos, pressupondo a

maior força as leis especificas em face das leis gerais. 238

A doutrina atualizada está à procura de outros critérios, seja mais harmônico e de

coordenação entre as normas do ordenamento jurídico, do que da exclusão. A solução

238 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 533.

95

sistemática pós-moderna dever mais flexível, a permitir maior mobilidade e fineza nas

decisões.

No entendimento de Nathalie Sauphanor seria o uso da coerência derivado ou

restaurada, que procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e

complexo no direito contemporâneo, a evitar a antinomia, a incompatibilidade ou a não-

coerência entre as normas. 239

Importante discorrer sobre os conflitos de leis no tempo ou antinomia de normas

legislativas aplicáveis no caso concreto, na medida em que os princípios e fundamentos da

constituição econômica são aqueles que devem orientar a conduta dos agentes econômicos no

mercado, mister se faz uma interpretação harmoniosa dos princípios da livre iniciativa, da

livre concorrência e da defesa do consumidor com as demais leis.

A interpretação pluralista da Constituição Federal de 1988 é uma proposta formulada

por Habermas em sua obra traduzida como hermenêutica constitucional, na qual ele propõe

que o processo de interpretação da Constituição tem que ser aberto e plural, no qual se leva

em consideração todos os sujeitos. Como a Constituição Federal é a norma fundamental que

rege toda a sociedade e tem como dever enquadrar-se com a realidade. E o intérprete da

mesma que deve levar em consideração aquilo que a sociedade pensa. 240

Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo não seria

possível a aplicação concomitante do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor e

da Lei Antitruste. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente individualista e muito

distante da proteção do vulnerável constante da Lei Consumerista.

Muitas dúvidas existiam a respeito de qual lei deveria ser aplicada, se civil ou

especial, porém atualmente ambas as leis são aplicáveis à mesma relação jurídica de

consumo e colaboram com a mesma finalidade, concorrendo, dialogando, protegendo, com

luzes e eficácias diferentes, caso a caso, mas com uma mesma finalidade, a de cumprir o

mandamento constitucional, sempre prevalecendo à lei mais favorável ao consumidor. 241

239 SAUPHANOR, Nathalie. L´Influence du Droit de la Consommation sur le systeme juridique, Paris: LGDJ, 2000, p. 23. 240 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed, rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 583. 241Op cit, p. 583.

96

Diálogo esse defendido por Claudia Lima Marques, seja “diálogo das fontes” o qual

foi preconizado por Erik Jayme:

[...] la soluciondes conflits de lois emerge comme résultat d’um dialogue entre lês sources lês plus hétérogenes. Lês droits de l’homme, lês constitucions, lês conventions internalionales, lês systèmes nationaux: toutes ces sources ne s’excluent pás mutuellement; elles ‘parlent’ une à l’autre. Lês juges sont tenus de coordonner ces sources em écoutant ce qu’elles disent. 242

O aplicador da lei deve visar o diálogo das fontes, de forma a dar efeito útil a um

grande número de normas, privilegiando as normas narrativas, os valores constitucionais e,

sobretudo os direitos humanos. Havendo uma aplicação conjunta de duas ou mais normas ao

mesmo tempo e no mesmo caso concreto, uma complementando a outra.

Na teoria de Jayme os direitos fundamentais seriam as novas “normas fundamentais”

e estes direitos constitucionais influenciariam o novo direito limite, a ponto do direito civil

assumir um novo papel social, como limite, como protetor do indivíduo e como inibidor de

abusos. 243

O sistema de direito estruturado hierarquicamente e funcionalmente, visto hoje como

um complexo de elementos em interação coerentes ou orgânicos, de normas, princípios e

jurisprudência, conjunto de elementos diversos cuja organização e interação fornecem a toda

a ordem jurídica positiva reconhecida como tal os meios para alcançar a coerência e seu

funcionamento. 244

Assim na pluralidade de leis existentes de aplicação convergentes e flexíveis, pode

utilizar várias leis, desde que em diálogo uma com a outra, dependendo do caso concreto,

chegando assim ao melhor resultado para o consumidor.

242 ERIK, Jayme apud MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 589. 243 Op cit. p. 587. 244 SAUPHANOR, Nathalie. L´Influence du Droit de la Consommation sur le systeme juridique, Paris: LGDJ, 2000, p. 32.

97

O que ajuda o aplicador na interpretação das normas é que o código é um sistema, um

conjunto de normas ordenado segundo princípios, sendo assim não deve surpreender o fato

da própria lei indicar em seu texto os objetivos por ela perseguidos, o que, por exemplo, o

Código de Defesa do Consumidor faz em seu artigo 4º.

O CDC representa, portanto, o centro de um sistema de tutela especial do consumidor, pois disciplina de maneira mais clara e objetiva os princípios da nova proteção do grupo social considerado vulnerável, mas ao mesmo tempo o CDC não exclui as demais normas protetoras dos interesses do consumidor, ao contrário, recebe-as como normas importantes à consecução de seus objetivos. 245

A Constituição Federal de 1988 é a lei maior, o ápice do sistema jurídico, o centro do

próprio sistema do direito brasileiro, assim pelo conceito de hierarquia das normas, pode-se

resolver o problema das antinomias, pois a Constituição Federal de 1988 determina que seus

valores e conceitos estejam presentes e são eficazes em todo o ordenamento jurídico, afinal é

através dela que são resguardados os valores mais importantes para a sociedade, é o primeiro

e o hierarquicamente o mais forte a ser considerado pelo aplicador da Lei.

Oscar Tenório ensina que “[...] a vida das normas jurídicas não é eterna; elaboradas

para as relações dos homens, em sociedade, têm o seu destino condicionado ao subtractum

social que elas disciplinam e ordenam.” 246

A antinomia no sentido original da teologia e da ciência do direito indica a

contradição, aparente ou real, entre duas leis ou dois princípios no momento da aplicação

prática e um caso concreto. 247

No entendimento de Bobbio para que exista antinomia são necessárias duas

condições, as duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento jurídico e devem ter o

mesmo âmbito de validade, (temporal, espacial, pessoal e material), após tais considerações

Bobbio conceitua “[...] a antinomia jurídica como aquela situação que se verifica entre duas

245 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 510. 246 Op cit, p. 515. 247 Op cit, p. 516.

98

normas compatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de

validade”. 248

Para solucionar a antinomia aparente é um processo de aplicação de normas mais

brando, não como é quando se trata de conflitos de normas, aqui quando existe uma

contradição real entre normas, o aplicador preferirá uma por sua especialidade, hierarquia ou

anterioridade dando-lhe eficácia, enquanto afasta a outra norma, ao contrário do que acontece

no caso dos conflitos de normas. De maneira que o aplicador deverá dar preferência a

compatibilização das normas e aplicação simultânea das leis, na realidade aplicação do

“diálogo das fontes”.

Claudia Lima Marques conceitua o diálogo das fontes:

[...] é, pois a aplicação simultânea, compatibilizadora, das normas em conflito, sob a luz da Constituição, com efeito útil para todas as leis envolvidas, mas com eficácias (brilhos) diferenciados a cada uma das normas em colisão, de forma a atingir o efeito social (e constitucional) esperado. O ‘brilho’ maior será da norma que concretizar os direitos humanos envolvidos no conflito, mas todas as leis envolvidas participarão da solução concorrentemente. 249

Necessário o aplicador verificar se a contradição da norma nascerá uma

incompatibilidade que decretará a revogação da norma ou se a contradição poderá ser

resolvida através da interpretação, que seria através da antinomia aparente.

O primeiro passo para o aplicador da lei em relação ao aparecimento de uma

contradição entre normas do Código de Defesa do Consumidor e leis anteriores, gerais ou

especiais ou ainda posteriores, gerais ou especiais, deverá inicialmente verificar se é possível

a compatibilização entre as duas normas, pretensamente sem contradição, desde que a

aplicação das duas normas seja possível ao mesmo tempo, desaparecerá a antinomia.

248 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10. ed. 1999, p. 88. 249 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 519.

99

Hodiernamente diante da complexidade do sistema jurídico a jurisprudência foi a

solução para a convivência e aplicação simultânea das leis especiais e do Código de Defesa

do Consumidor e do Código Civil.

Pois a preocupação do direito é a legitimidade da solução, pois todas as normas de

conflito são “válidas” e devem ter alguma eficácia, mesmo que auxiliar. O diálogo das fontes

é, pois a aplicação simultânea, compatibilizadora, das normas de conflito, sob a luz da

Constituição Federal de 1988, com efeito útil para todas as leis envolvidas, mas com

eficácias diferenciadas a cada uma das normas de colisão, de forma a atingir o efeito social e

constitucionalmente esperado. 250

Não havendo solução clara sugere-se a utilização da Constituição, que como guia

máximo do sistema poderá fornecer valores e linhas da razoabilidade para a escolha a ser

efetuada pelo aplicador da lei.

A defesa dos interesses dos consumidores não se desvincula do principio instrumental

da livre iniciativa e consequentemente da livre concorrência, corolário daquele, os princípios

da defesa do consumidor, da livre iniciativa e da livre concorrência devem ser interpretados

de forma harmônica, dentro do contexto constitucional.

A convergência de princípios entre o Código de Defesa do Consumidor e o código

Civil é a base da inexistência principiólogica de conflitos possíveis entre estas leis que com

igualdade ou equidade, visam a harmonia nas relações civis e nas de consumo.

No entendimento da Ministra Eliana Calmon o Código de Defesa do Consumidor é

diploma legislativo que já se amolda aos novos postulados, inscritos como princípios éticos,

tais como, boa-fé, lealdade, cooperação, equilíbrio e harmonia das relações. 251 Portanto não

existirão conflitos de princípios entre as duas leis, apenas conflitos de normas ou antinomias.

O campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor é especial, regulando a

relação de consumo, já a aplicação do Código Civil é geral, regulando toda a relação privada

não privilegiada por legislação especial.

250 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 603/604. 251 CALMON, Eliana. As gerações dos direitos e as novas tendências. Revista de Direito do Consumidor. jul/set., 2001, p. 41.

100

Pois não foi incorporada a matéria de proteção ao consumidor no Código Civil, a

proteção existente no código é geral e não especifica ao consumidor, motivo que o Código

Civil respeita a lei especial de tutela dos direitos dos consumidores.

De maneira que não é Código de Defesa do Consumidor que limita o Código Civil, é

o Código Civil que dá base e ajuda o Código de Defesa do Consumidor, e se o Código Civil

for mais favorável ao consumidor do que o Código de Defesa do Consumidor não será esta

lei especial que limitará a aplicação da lei geral, mas sim a dialogará a procura da realização

do mandamento constitucional de proteção especial do sujeito mais fraco. 252

Cada norma será preservada para atuar em seu campo de aplicação, mas, se em caso

concreto se encontrarem, ambas serão teoricamente aplicáveis ao caso, cabendo ao intérprete

a escolha da norma competente para regular aquela matéria, de acordo com Bobbio a “[...]

mais justa para o caso”. 253

Tendo em vista o caráter de lei especial geral do Código Civil e de lei especial do

Código de Defesa do Consumidor, as disposições daquele que são convergentes ou

complementares com as deste em nada prejudicarão o consumidor, poder ser eventualmente

aplicadas supletivamente em seu beneficio, as disposições divergentes não serão aplicáveis

ao consumidor, também em razão da especialidade do tema. 254

Atualmente tem-se feito uma interpretação sistêmica entre o Código Civil, Código de

Defesa do Consumidor e Legislação Antitruste entende-se que os três sistemas não se

excluem, mas se complementam, para a melhor solução do caso concreto, é necessário que o

legislador se atenha também aos princípios da proporcionalidade e da razoalibidade para

depois fazer a melhor escolha da legislação para ser aplicada ao caso.

252 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 504. 253 Op cit. 254 PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de defesa do consumidor em face do novo Código Civil. Revista de Direito do Consumidor. n 43. p.110.

101

3 ESTRUTURAS E DESVIOS DE MERCADO

Importante esclarecer que mercado entende-se como um local ou contexto em que

compradores e vendedores de bens, serviços ou recursos estabelecem contato e realizam

transações. O lado dos compradores é constituído tanto de consumidores que são

compradores de bens e serviços quanto de empresas, que são compradoras de recursos

utilizados na produção de bens e serviços. 255

O consumidor conhece mercado como sendo um lugar geográfico, como uma feira

livre, um lugar específico, onde vendedores e compradores se encontram para trocarem seus

produtos.

A função principal de mercado reside na manutenção do intercâmbio entre os diversos

produtores e entre estes e os consumidores, desempenhando, portanto, no sistema de livre

concorrência, a função mecânica de fixador de preços. 256

Fábio Nusdeo coloca que um pressuposto básico do sistema de mercado,

imprescindível para lhe assegurar o pretendido automatismo e adaptabilidade a condições

mutantes, vem a ser o da chamada atomização, isto é, o mercado para bem funcionar deve ser

composto por um número razoavelmente elevado de compradores e vendedores em interação

recíproca, e nenhum deles muito grande e muito importante. 257

No entanto o mercado pode ser abalado em razão de simulações, fraudes, monopólio

e outros que podem afetar o equilíbrio entre as ofertas e procura e entre os preços.

A concentração econômica representa uma falha no mercado a inibir os mecanismos

decisórios e controladores do mercado. Em um mercado concentrado, a alta de preços

proveniente de um aumento da procura não necessariamente levará a um aumento da oferta,

pelo simples fato de ser mais fácil para as poucas unidades nele atuantes conluiarem-se e

elevarem mais o preço, por outro lado, estes poderão também subir, por iniciativa dos

vendedores conluiados, sem qualquer relação com um a possível elevação da procura. 258

A concentração econômica representa uma falha na estrutura dos mercados, que

correspondem a uma situação nas quais os seus pressupostos de funcionamento não se fazem

255 PASSOS, Carlos Roberto Martins e NOGAMI Otto, Princípios de Economia. 3. ed. São Paulo: Segmento & Co. Produções Gráficas Ltda. 200, p. 16. 256 BARROS, Buys de apud GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de economia política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 186. 257 NUSDEO, Fabio. Curso de econômica: Introdução ao Direito Econômico. 3. ed.rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 146. 258 Op cit.

102

presentes, tornando-o inoperacional. Podem-se classificar as estruturas de mercado para o

setor de bens e serviços da seguinte forma: concorrência perfeita, concorrência imperfeita ou

monopolística, oligopólio, olipsônio, monopólio e monopsônio.

3.1 CONCORRÊNCIA PERFEITA E IMPERFEITA

A concorrência perfeita é uma situação de mercado na qual o número de compradores

e vendedores é tão grande que nenhum deles, agindo individualmente, consegue afetar o

preço. Além disso, os produtos de todas as empresas no mercado são homogêneos. 259

Referida estrutura de mercado visa descrever o funcionamento ideal de uma economia.

O autor Fabio Nusdeo fornece vários requisitos para a caracterização da concorrência

perfeita, senão vejamos:

a) grande número de compradores e de vendedores em interação recíproca; b) nenhum deles suficientemente importante a ponto de exercer qualquer influencia nas condições de compra ou de venda do produto em questão (atomização de mercado); c) homogeneidade do produto objeto das operações; d) plena mobilidade dos agentes operadores e de seus fatores, isto é, facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por parte de qualquer interessado; e) pleno acesso dos operadores a todas as informações relevantes; f) ausência de economias de escala; g) ausência de economias externas.260

Descrevendo a concorrência perfeita como modelo referencial, precisam-se examinar

as regras de que resulta sua avaliação como protótipo de eficiência social. A primeira é a

forma como se apresenta a função procura para uma empresa perfeitamente competitiva. A

segunda é a demonstração de que a maximização do lucro (no sentido de máximo beneficio

atingível pelo produtor) não é conflitante, na concorrência perfeita, nem com o máximo

beneficio do consumidor nem com a alocação ótima dos recursos, do ponto de vista dos

interesses da sociedade como um todo. O terceiro é comparar as condições de equilíbrio assim

259 PASSOS, Carlos Roberto Martins e NOGAMI Otto. Princípios de Economia. 3. ed. São Paulo: Segmento & Co. Produções Gráficas Ltda. 2001.p. 228. 260 NUSDEO, Fabio. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 263.

103

estabelecidas com o que se verifica na realidade dos mercados. Após se deduzirão regras para

intervenção corretivas e para exceções que atendem a outros requisitos de eficiência em escala

social. 261

Segundo José Paschoal Rossetti:

[...] pelos pressupostos teóricos que regem o modelo de concorrência perfeita, nenhuma empresa, isoladamente considerada, tem condições para exercer quaisquer formas de controle ou de manobras especulativas que impliquem alterações nos preços vigentes. A empresa perfeitamente competitiva submete-se aos resultados do livre jogo das forcas de mercado – determinados pela interação de um grande número de compradores e de vendedores, que não têm qualquer poder para promover mudanças substantivas no preço de equilíbrio. 262

A subordinação de todos os agentes aos preços ditados pelo mercado é uma

decorrência natural de suas diminutas taxas de participação nas vendas e nas compras totais.

As parcelas do abastecimento do mercado ou das aquisições são tão pequenas, tanto para a

empresa como para os consumidores, que nenhum deles reúne qualquer condição para operar

a preços minimamente divergentes dos estabelecidos pelo mercado. 263

A concorrência perfeita corresponde ao modelo onde são muitos os vendedores e

muitos os compradores e, isoladamente, nenhum deles tem o poder suficiente para dominar o

mercado, porém à idealização desta descrição opõe-se a realidade da vida. 264

No entendimento de Luis Solano Cabral de Moncada a concorrência perfeita, seja a

homogeneidade dos produtos, atomocidade do mercado, mobilidade dos fatores de produção e

transparência de preços, corresponde a um tipo ideal de mercado, o que não se verifica na

prática de nossos dias. 265

No pensamento de Sérgio Varella Bruna:

No modelo de concorrência perfeita, o produtor, é, por acaso, dizer, um escravo do mercado: incapaz de nele influir, mas por ele absolutamente controlado; forçado a produzir, em conjunto com seus concorrentes, tanto quanto seja possível, a fim de reduzir a escassez no mínimo, segundo possibilidades econômicas materiais existentes. Sua remuneração é a maior possível, o mínimo necessário para que ele se mantenha em atividade. Ganancioso, porque procura elevar seu lucro ao máximo, é uma fera

261 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 18. ed. reest. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 487. 262 Op cit. 263 Op cit, p. 488. 264 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado do art. 170 da

Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 222. 265 MONCADA, Luis Solano Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1988, p.314.

104

enjaulada, enclausurada pelas barreiras intransponíveis impostas inexoravelmente pelo mercado. 266

De maneira que uma empresa qualquer, isoladamente considerada, não consegue

vender por um preço superior ao de equilíbrio, por duas razões: a primeira é o perfeito

conhecimento de todos os participantes das condições em que o mercado está operando; a

segunda é o grande número de outras empresas dispostas a vender pelas condições vigentes. E

o mesmo se pode dizer dos compradores: isoladamente, nenhum tem condições para forçar os

preços para baixo. 267

E, tanto de um lado como de outro, não são admissíveis coalizões para semelhantes

propósitos, pelo simples fato de que, existindo quaisquer formas de agrupamentos

conspirativos de agente individuais, para imposição de quaisquer condições, o modelo se

desvia das hipóteses que definem a concorrência perfeita. Em contrapartida, ao preço de

equilíbrio não há quaisquer limitações para quantidades que cada agente decida vender ou

comprar. Isto porque, por maiores que sejam essas quantidades, elas ainda serão pequenas,

por definição, para abalar o equilíbrio de mercado estabelecido. 268

Percebe-se que a concorrência perfeita está longe de ser atingida, embora seja um ideal

a ser alcançado, porém na busca de melhor posição é que se deve ter cuidado para não se

afastar dos limites à livre concorrência, devendo respeitar os direitos consagrados sob pena de

incorrer na prática de ato abusivo que venha a caracterizar a concorrência desleal, o que é

reprimido pela legislação legal.

Em se tratando de deslealdade vale transcrever as palavras de Túlio Ascarelli, senão vejamos:

Para poder jugar se requiere no hacer trampa; el mismo principio de la

libre concurrencia exige que las modalidades de la concurrencia em le caso

concreto no choquem con la justificación de la liberdad de concurrencia,

eto es, con la posibilidad, que ésta tiende a garantizar, del triunfo de los

mejores, juzgados por los consumidores a través de la preferência

manifestada por determinados bienes en la satisfacción de sus necesidades.

Por ello, ell principio general de la liberdad de ejercicio de la

actividade privada y de la consiguinte libertad de concurrencia va siendo

flanqueada por la disciplina de la concurrencia desleal, esto es, por la

represión legal de aquellas modalidades de concurrencia, de aquellos actos

de concurrencia, en contraste con la finalidad misma que la justifica. 269

266 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 1. ed. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.31. 267 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 18. ed. reest. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 488. 268 Op cit, p. 487/488. 269 ASCARELLI, Túlio. Teoria da la concurrencia y de los biens inmateriales. Barcelona: Bosch. Casa Editora. 1970, p. 37/38.

105

A concorrência perfeita é a que mais de destaca, sendo esta concepção mais teórica

segundo a doutrina econômica, porque os mercados altamente concorrenciais existentes, na

realidade, são apenas aproximações desse modelo, eis que, em condições normais, sempre

parece existir algum grau de imperfeição que distorce o seu funcionamento. 270

No caso da estrutura da concorrência perfeita, é praticamente impossível que a

empresa tenha condições de exercer alguma influência sobre a formação e o controle do

preço.

Total subordinação da empresa aos preços ditados pelo mercado advém, ademais, de sua limitada participação nesse mesmo mercado. A parcela do abastecimento do mercado proporcionada pela empresa perfeitamente competitiva é tão diminuta, e o número de concorrentes, tão elevado, que a empresa não reúne qualquer condição para vender sua produção a preços superiores aos determinados pelo livre jogo de seus preços para níveis inferiores. Como o volume de sua participação é insignificante, a empresa poderá vender a quantidade que desejar desde que se subordine aos preços vigentes. 271

Devido ao surgimento das grandes empresas, ao desenvolvimento do comércio, à

diferenciação dos produtos, às campanhas publicitárias e à dificuldade para o

estabelecimento de novas empresas, entre outros fatores, a concorrência perfeita é

praticamente impossível. 272

Em sentido oposto existiriam os mercados imperfeitamente competitivos, onde apesar

de a concorrência ocorrer entre produtos e compradores, suas condições não são ideais, pois

faltam os pressupostos dos mercados perfeitamente competitivos.

No mundo real não há perfeição, os mercados reais são mais ou menos imperfeitos. 273 Na concorrência imperfeita, os vendedores podem influenciar os compradores e o fazem

através de uma publicidade maciça e da diferenciação de produtos. 274

Na concorrência imperfeita os bens e serviços não são totalmente homogêneos, a

mobilidade dos fatores de produção está longe de ser completa, as unidades de produção não

tem dimensão semelhante, de modo que algumas delas influenciam o mercado e as variações

270 NUSDEO, Fabio. Curso de econômica: Introdução ao direito econômico. 3. ed.rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.p. 194/196. 271 ROSSETTI. José Paschoal. Introdução à Economia. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1990, p, 277/278. 272 DEL MASSO. Fabiano. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p137. 273 CHAMBERLIN. Edward Hasting. Teoria de la Competência Monopólica. Tradução de Crsitobal Lara Bautell e Victor L. Urquidi. México: Fondo de Cultura Econômica. p. 15. 274 GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida, A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p. 57.

106

dos preços não correspondem sempre à variação das preferências dos consumidores e

produtores. 275

Esse regime caracteriza-se pela existência de um número bastante grande de

compradores e vendedores, porém em relação aos requisitos encontrados na concorrência

perfeita não são os mesmos aqui encontrados, seja a homogeneidade dos produtos

negociados no mercado.

Como compradores e vendedores não se encontram atomizados nem atuam

exclusivamente em função do preço, objetivamente fixados por um mercado único, a procura

não apresenta fluida, mas sim viscosa, ou seja, determinados consumidores estão jungidos a

determinados fornecedores, seja em função de sua localização física, seja pela preferência pó

determinada marca, seja em virtude de publicidade, seja por qualquer outro motivo. 276

Na concorrência imperfeita existe a possibilidade de uma empresa atuar não em um,

mas em vários mercados que são discriminados em função do processo de diferenciação do

produto, ainda relevante ressaltar que quanto mais imperfeita for à concorrência mais difícil

se torna a interligação entre os compartimentos do mercado e, em cada um deles, os

vendedores desfrutarão de uma posição próxima à de um monopolista. Daí ser o regime

também chamado de concorrência monopolísticas, pois em alguns casos mais extremos, a

possibilidade competitiva dentro de cada segmento tornou-se muito remota. 277

Na concorrência imperfeita a qual também é chamada de concorrência monopolista,

as empresas produzem produtos diferenciados, porém com substitutos próximos, por

exemplo, as empresas de diferentes tipos de cigarros, sabonete ou refrigerantes. 278

Nesse tipo de estrutura o consumidor tem várias opções semelhantes para o consumo,

de maneira que conseguem fugir do aumento dos preços, ainda igualmente a concorrência

perfeita não existe barreiras para a entrada de novas empresas.

3.2 MONOPÓLIO E OLIGOPÓLIO

No monopólio o setor é a própria empresa porque existe um único produtor que

realiza toda a produção, de maneira que a oferta da empresa é a oferta do setor e a demanda

da empresa é a demanda do setor. 279

275 MONCADA, Luis Solano Cabral de. Direito Econômico. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1988, p.314. 276 NUSDEO, Fabio. Curso de econômica: Introdução ao direito econômico. 3. ed.rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 265. 277 Op cit, p. 266/267. 278 PINHO, Diva Bernardes. Manual de Economia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 188.

107

Monopólio significa exclusividade ou privilégio de venda, representa uma distorção

da livre concorrência ou do livro jogo entre a oferta e a procura. 280 A supressão de uma

atividade do regime de livre iniciativa, imposta pelo Estado, em beneficio do interesse

coletivo.

Uma estrutura de mercado caracterizada como de monopólio pode ser imaginada

como sendo gerada a partir do seguinte conjunto de hipóteses:

I – o setor é constituído de uma única firma; II – a firma produz um produto para o qual não existe substituto próximo; III – existe concorrência entre os consumidores; IV – a curva de receita média é a curva de demanda do mercado. 281

O monopólio pode ser definido com o extremo oposto da concorrência perfeita. A

primeira condição para que se configure um caso atípico de monopólio é a existência de

apenas uma empresa, que domina, conseqüentemente, do extremo da oferta atomizada, típica

da concorrência perfeita, se vai para outro extremo, o da oferta concentrada em apenas um

produtor. 282

Mas não basta essa condição, pelo menos outras duas são imprescindíveis: a

inexistência de substitutos para o produto da empresa monopolista e a interposição de

barreiras à entrada de concorrentes.

Havendo substitutos para o produto, descaracteriza-se a situação de monopólio puro. E

se as barreiras forem baixas e facilmente transponíveis, o poder de monopólio fica reduzido,

notadamente quando à fixação de preços: o monopolista, vulnerável ao ingresso de

concorrentes, manterá os preços baixos como diretriz estratégica para desestimular possíveis

entrantes em seu mercado.

Os monopólios configuram-se pela unicidade do produtor, pela insubstitutibilidade do

produto e por intransponíveis barreiras de entrada. Em decorrência disso, sendo a única

supridora do mercado, a empresa monopolista não possui concorrentes diretos e, em casos

extremos e puros, até concorrentes indiretos não existem ou se encontram tão longe de

substituírem a oferta monopolizada que se consideram desprezíveis. Sem substitutos para seu

produto, ela domina inteiramente o mercado. 283

Monopólio corresponde segundo Fábio Nusdeo: 279 PINHO, Diva Benevides. Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 191/202. 280 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de EconomiaPolítica. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.191 e 212. 281 PINHO, Diva Benevides. Manual de economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 183. 282 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 18. ed. reest. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 502. 283 Op cit.

108

Corresponde a uma situação na qual apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como vendedora de um dado produto. Manifesta-se aqui em toda a sua plenitude o poder econômico, pois o monopolista está em condições de atuar simultaneamente nas duas variáveis que caracterizam a compra e venda, isto é, o preço e a quantidade. Pode, por conseguinte, reduzir a quantidade oferecida, criando destarte uma sensação de escassez e, ao mesmo tempo, fixar o seu preço tão alto quanto possível. Este preço tão alto

quanto possível será aquele que multiplicado pela quantidade que os compradores estejam dispostos a adquirir assegure para o monopolista uma receita bem superior ao seu custo, pois, nesse caso, evidentemente, seus lucros estarão maximizados. 284

Monopólio é o domínio da oferta ou da procura por uma única entidade ou um único

sujeito econômico. Os preços resultantes dos monopólios são decorrências da imposição e não

do livre jogo da oferta e da procura, em mercado prefeito, onde impere a livre concorrência.

Sendo que subentende atividade lucrativa exclusiva de um indivíduo ou de um grupo

de indivíduos, os quais fixam os preços conforme as suas vontades, porquanto, em geral, os

monopolistas se encontram livres das pressões decorrentes da quantidade oferecida ou

procurada a influir nos preços e a instigar, no mercado, os que nele comparecem. 285

Explica que os custos unitários de uma única empresa, em determinado nível

absorvível pelo mercado, são decrescentes à medida que sua produção aumenta, seguindo essa

tendência até alcançar toda a produção do mercado. Seus custos em regime de monopólio são

assim inferiores àqueles em que incorreriam várias empresas, individualmente, num mercado

competitivo, pois a alta proporção dos custos fixos exige a produção em grande escala, e o

mercado somente absorve a oferta de uma empresa nesse nível de produção, conclui que

seriam, pois as próprias condições estruturais-tecnológicas desses setores a impedirem a sua

organização em regime de concorrência. 286

Nessas condições, diversos setores antes vistos como monopólios naturais passaram a

comportar mais recentemente algum grau de concorrência e, portanto, foram considerados

passíveis de se organizarem por parâmetros do mercado, sujeitos, porém, a uma meticulosa

regulamentação estatal, atenta às suas características próprias como se deu no Brasil, com a

criação de agências reguladoras especiais: Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel e a

284 NUSDEO, Fabio. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 269. 285 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de economia política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 212. 286 Op cit.

109

Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, para os setores de energia elétrica e

telecomunicações, respectivamente, além da Agência Nacional de Petróleo – ANP. 287

Foram, assim, estabelecidas regras de organização com vistas à implantação, naqueles

setores, de um regime concorrencial, na medida permitida pelas suas condições estruturais e

tecnológicas.

Oligopólio constitui uma estrutura de mercado nas economias capitalistas que se

caracteriza pela existência de reduzido número de produtos e relativamente poucos

vendedores fabricando bens que são substitutos próximos entre si.

A noção fundamental subjacente ao oligopólio é a da interdependência econômica, de

forma que se todos os produtores são importantes, ou possuem uma faixa significativa do

mercado, as decisões sobre o preço e a produção de equilíbrio são interdependentes, porque a

decisão de um vendedor influi no comportamento econômico dos outros vendedores. É uma

estrutura de mercado cada vez mais comum que prevalece no mundo ocidental, inclusive no

Brasil, por exemplo, na indústria e no transporte aéreo e rodoviário, nos setores químico e

siderúrgico, entre outros. 288

Paralelamente à concorrência monopolística, a qual é caracterizada por diferenciação

de produto, o oligopólio funciona quase na mesma estrutura, com a ressalva de que nos

sistemas oligopolísticos são poucas empresas explorando o mercado.

Por sua vez o oligopólio consiste no regime na qual a oferta está concentrada nas

mãos de poucos, cita ainda como exemplo a indústria automobilística. 289 Grandes empresas

controlando significativa parcela do mercado, esmagando a concorrência tendo enorme poder

de mercado.

Os comportamentos típicos dos oligopolistas seria a diferenciação entre produtos e a

manutenção de participações estáveis de mercado. Em conseqüência da ausência da

competição do preço, as diferenças entre os participantes no mercado dever ser estabelecidos

e os estímulos aos consumidores devem ser dados através de diferenciação dos produtos. 290

Esse modelo em especial, exige um exercício bastante forte das autoridades de defesa

da concorrência, eis que ao analisar a conduta racional dos agentes econômicos atuantes

nesse mercado, poder-se-á estar diante de um caso altamente competitivo, apesar das

287 NUSDEO, Fabio. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 271. 288 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2 ed. Editora Método, São Paulo: 2006, p. 197-198. 289 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 1997, p. 307/308. 290 FILHO, Calixto Salomão, Direito concorrencial – As Estruturas – 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002, p. 137.

110

oligopolização, ou seja, do reduzido número de competidores, como também deparar com

uma situação quase de monopólio, em que poucos agentes, por meio de práticas colusivas,

restringirem ao máximo a concorrência.

3.3 OLIGOPSÔNIO E MONOPSÔNIO

O oligopsônio considera-se um tipo de competição imperfeita, é o mercado em que

existem relativamente poucos compradores, que dominam o mercado e muitos vendedores.

Os oligopsonistas tem poder de mercado, devido ao fato de poderem influenciar os

preços de determinado bem, variando apenas a quantidade comprada. Os seus ganhos

dependem da elasticidade da oferta. Seria uma situação intermediária entre a de monopsônio

e a de mercado plenamente competitivo.

Oligopsônio na realidade não passa de um oligopólio de compras, a situação na qual

poucos compradores se defrontam em vendedores atomizados, ainda o lucro dos

oligopsonistas provém do controle da procura e não da oferta, e toda a sua estratégia terá por

objetivo pagar um preço menor daquele que se estabeleceria em regime de concorrência pura

ou quase pura.291

Sebastião Calixto Filho argumenta que uma estrutura oligopsônista implica um alto

risco, pois aumenta em muito a probabilidade de comportamento paralelo por parte dos

oligopsonistas no mercado de vendedor de seu produto final. 292

A atitude do monopsonista será quase sempre a de retardar as suas compras tanto

quanto possível, a fim de forçar os vendedores a lhe entregar o produto a um preço mais

baixo.293

O monopsônio é caracteriza péla existência de muitos vendedores e um único

comprador, sendo que essa estrutura pode prevalecer no mercado de trabalho, como no caso

de empresa que se instala no interior e por ser única, tornar-se demandante exclusiva da mão-

291 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 1997, p. 268/269. 292 Op cit, p. 147. 293 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 2001, p. 271.

111

de-obra local, não deixando outra opção para os trabalhadores senão trabalhar no

monopsônio. 294

Fábio Nusdeo cita como exemplo o caso de abatedouro de aves, sendo o mesmo o

único a operar numa dada região, caso ele retarde as suas compras, poderá levar os granjeiros

a situações insustentáveis, pois é sabido que as aves têm um momento certo para serem

abatidas, passado do qual elas não mais convertem ração em peso, pelo menos na proporção

que compense a espera, motivo que os granjeiros são obrigados a entregar pelo preço

proposto pelo dono do abatedouro.295

No caso dos oligopsônios e monopsônios o raciocínio é muito parecido com os do

monopólios e oligopólios, porém o agente monopsionista ou oligopsionista detém essa

posição em outro patamar da estrutura de mercado, nomomento de adquirir produtos ou

serviços de fornecedores para repassar ao consumidor final e não propriamente no momento

da oferta do produto ou serviço ao conumidor final.296

Esses desvios de mercado descritos nesse tópico vem sendo combatidos tanto

legislação constitucional, bem como as infraconstitucionais, que tem o poder de combater e

reprimir o abuso de poder econômico e de mercado.

3.4 CARTÉIS, TRUSTE E DUMPING

As regras para um efetivo funcionamento do mercado baseiam-se na participação

concorrencial de diversos fornecedores sempre em busca de melhores tecnologias para seus

produtos ou serviços, com o objetivo de conquistar o mercado consumidor.

No entanto tal ideal nem sempre se verifica na prática, em razão dos agentes

econômicos, muitas vezes preocupados apenas com o aumento de lucros, podem restringir ou

eliminar a concorrência, através de acordos ou compromissos para combinar preços ou

294 PINHO, Diva Bernardes. Manual de Economia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 189. 295 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 2001, p. 273. 296 BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 138.

112

diminuir o padrão de qualidade de determinado bem ou serviço, cujo custo pode ser alto

demais, sempre com o objetivo de majorar as receitas. 297

Sendo que os cartéis constituem a mais deletéria infração às normas de defesa da

concorrência, a conduta que traz maior prejuízo ao ambiente competitivo e atinge mais

diretamente o consumidor.

O cartel representa um livre convênio entre empresas da mesma categoria econômica

e independentes entre si, que objetivam uma finalidade monopolista, pelo domínio de

mercado, eliminado a mútua concorrência, derivada da luta pela colocação de produtos

similares. 298

Torna-se importante trazer a baila, para uma melhor compreensão do instituto, o

conceito atribuído por Neide Terezinha Malard que:

O cartel é constituído por um grupo de empresas que disputam o mesmo mercado, na condição de concorrentes, sujeitas às leis da livre concorrência buscando a preferência dos consumidores no preço e na qualidade de seus produtos. A partir de um dado momento, verificam que podem obter lucros mais elevados se fixarem em preço único para seus produtos ou dividirem os mercados consumidores, ou ainda, se estabelecerem uma estratégia conjunta para explorar suas atividades. 299

Nos cartéis, as empresas coligadas, embora visando objetivos monopolísticos,

continuam livres e independentes economicamente e juridicamente, portanto cada empresa

conserva sua personalidade jurídica, embora sejam interdependentes entre si, sendo seu

principal objetivo regularizar a produção. 300

Um dos objetivos mais comuns das empresas cartelizadas é a maximização de seus

lucros, porém tal ajuste entre as empresas concorrentes coloca os consumidores em posição

de desvantagem, pois os fornecedores passam a deter o controle dos preços e da qualidade

dos produtos, bem como as informações, das condições de fornecimento, do pagamento, etc.,

motivo em que num mercado cartelizado, os preços sejam elevados e a oferta uniforme entre

os agentes.

297 HABIBE, Taís Cruz. Cartel e conseqüências para o consumidor, Revista de Direito do Consumidor. n. 52. São Paulo: RT, out. – dez. 2004, p. 249. 298 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de economia política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 163/164. 299 MALARD, Neide Terezinha apud BASTOS, Aurélio Wander. Estudos Introdutórios de direito econômico. Brasília: Brasília Jurídica, 1997. p. 65. 300 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de Economia Política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 64.

113

Os acordos na maioria das vezes são feitos de forma ‘oral’, raras vezes são feitos sob

a forma de contrato, geralmente através de reuniões secretas, onde combinam como irá agir,

motivo em que é difícil provar a existência do cartel.

Verifica-se também não ser necessária a existência de poucos competidores para que

ocorra a cartelização de determinado setor da economia, apesar de ser mais fácil e comum

que acordo ou conduta uniforme se materialize em mercados oligopolizados, atentando-se,

no entanto, para o fato de que, quanto maior o número de concorrentes em determinado setor

cartelizado, mais fácil torna-se a quebra do acordo por aparte de algum deles. Motivo que se

conclui que um setor economia, que se encontra concentrado, tende a favorecer a conduta

concertada entre os competidores. 301

O cartel somente será punido pela legislação antitruste se a conduta for hábil a

produzir em um dos efeitos do artigo 20 da referida legislação, pois caso não seja, não há que

se falar em punição.

Paula Andréa Forgioni explica que a tradicional definição de cartel para o contexto da

legislação antitruste, se deve concluir que se um acordo não restringe a livre concorrência ou

não acarreta a incidência de qualquer inciso do artigo 20 da referida lei, não há que se falar

na existência de cartel, pois a associação não traz, em si, qualquer efeito anticompetitivo que

interesse à proteção da ordem econômica. 302

Por exemplo, a situação hipotética de algumas empresas que atuem nomes mo

mercado relevante material e geográfico e que se reúnem com o objetivo de aumentar e

nivelar os preços dos seus produtos para maximizar os lucros (art. 21, I). Ainda o aumento de

preços consistente em uma conduta comercial uniforme (art. 21, II), sendo capaz, inclusive,

de prejudicar o acesso de novos competidores no mercado (art. 21, IV), que não terão as

mesmas igualdades na revenda do produto ao mercado consumidor, o que pode ocasionar a

falência da nova empresa, na medida em que seu funcionamento ou desenvolvimento ficará

prejudicado (art. 21, V). 303

Os participantes de cartéis têm a intenção de eliminar a concorrência, aumentando os

preços e restringindo a produção, no entanto seus participantes tentam manter uma ilusão de

concorrência, enquanto na realidade não existe qualquer tipo de escolha para o consumidor,

os quais são submetidos a pagar o preço exigido pelas empresas cartelizadas.

301 Op cit, p. 250/251. 302 FORGIONI, Paula Andréa. Os fundamentos do Antitruste. 2. ed.rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 198. 303 HABIBE, Taís Cruz. Cartel e conseqüências para o consumidor, Revista de Direito do Consumidor. n. 52. São Paulo: RT, out. – dez. 2004, p. 252.

114

Existem diferentes espécies ou categorias de cartéis:

a) cartel do preço, o qual estabelece uma tarifa única para a venda dos produtos

fabricados pelos contratantes;

b) cartel de condições que é aquele que não apenas contém um acordo sobre preços,

mais vai até a fixação do restante das condições de venda, por exemplo, desconto para as

vendas paga a vista;

c) cartel de região é o que delimita as zonas ou regiões que ficam reservadas para

cada um dos associados em determinada área de influência mutua;

d) cartel de contingentes é o que não se satisfaz com a determinação das condições de

venda ou com o convênio de preços, mas procura influir, também no modo monopolizador,

sobre preços, reduzindo a própria produção e limitando a oferta;

e) cartel geral que representa a união de vários cartéis de categoria econômica comum

em um único cartel. 304

A estabilidade do equilíbrio do cartel dependerá, entre outros fatores, da sua maior ou

menor capacidade de detectar e de punir desvios de conduta como esse. No entanto, pode-se

afirmar que a situação de equilíbrio de preços imposta pelo cartel tende a ser menos estável

do que a de um oligopólio, já que no cartel sempre valerá a pena violar as regras,

aumentando a produção e reduzindo os preços. 305

Os cartéis subvertem a lógica da livre competição, pois uniformizam os preços,

diminuindo a qualidade e quantidade de produtos colocados a disposição dos consumidores,

o que resulta em muitas vezes a limitação de entrada de novas empresas no mercado,

impedindo que haja mais concorrência e diversificação de produtos e serviços e menores

preços.

Diante da evolução dos cartéis e do crescimento de seus danos na economia do país e

lesão ao bem-estar dos consumidores, constituiu prioridade das autoridades de defesa da

concorrência a repressão aos cartéis.

Os trustes também são considerados desvios de mercado, eis que representam o

monopólio quase absoluto de um ramo de produção: constituem uma espécie de consórcio

monopolístico, quer sob a forma de fusão, quer pela modalidade de controle único das

empresas integradas. 306

304 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de Economia Política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 64. 305 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 12. ed. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p, 54. 306 GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de Economia Política. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 164/165.

115

No truste a fusão é total, desaparecendo as personalidades jurídico-econômicos das

empresas coligadas e surgindo uma nova empresa de grande porte, que é representada por

uma grande concentração, sob a forma de sociedade por ações, tendo como objetivo principal

satisfazer a procura de bens econômicos. 307

Truste é organização econômico-financeira formada por empresas obedientes a um

centro decisório, com o fim básico de interferir no mercado e exercer poder monopolístico. O

termo dumping é utilizado no comércio internacional para designar a exportação de um

produto com preço inferior ao preço de venda do mesmo produto no mercado interno do país

exportador.

De acordo com o artigo 2º, inciso I, do Acordo Relativo à Implementação do Gatt,

pode-se compreender como:

[...] a introdução de um produto de mercado de outro país a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação do produto, quando exportado de um país para outro, for inferior ao preço comparável, praticado no curso de operações comerciais normais de um produto similar destinado ao consumo no país exportador. 308

Como uma prática do mercado, um mecanismo desleal de comércio que consiste na

introdução de um bem no mercado doméstico, a preço de exportação inferior ao valor

normal. 309 Valor normal seria o preço efetivamente praticado para produto similar nas

operações mercantis normais, que o destinem o consumo interno no país exportador.

Tal modalidade de estrutura de mercado foi pacificado pela Resolução 20/99 do

CADE, como sendo a “[...] prática deliberada de preço abaixo do custo variável médio,

visando eliminar concorrentes para, em momento posterior, poder praticar preços e lucros

mais próximos do nível monopolista”. 310

O Dumping atinge diretamente a liberdade de concorrência, ainda podendo ser

considerada como abuso de poder econômico destinado a impedir a existência de um

mercado saudável, seu combate assume conotações de ordem nacional.

307 Op cit, p. 165. 308 FARIA, Werter R. Constituição Econômica: liberdade de iniciativa e de concorrência. Porto Alegre: Fabris, 1990, p 47. 309 CHIARO, José Del; SILVEIRA, João Marcos; LEMES, Selma M. Ferreira. Fundamentos e objetivos da

legislação antidumping. Revista de Direito Econômico n. 25. Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 1997, p. 24. 310 OLIVEIRA Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 58.

116

O combate à prática do dumping visa à proteção do setor da economia nacional

atingindo pela discriminação de preços ou ameaçado de sofrer dano iminente, como, por

exemplo, o retardamento do início das atividades de uma indústria em fase de implantação. 311

Percebe-se que tal prática desleal é inibidora de um produção, iniciativa ou

concorrência local, deixando graves mazelas para o mercado produtor e consumidor atingido,

pois atinge diretamente a liberdade de concorrência, e passa ser caracterizada como um abuso

de poder econômico destinado à existência de um mercado saudável.

Todas as condutas aqui comentadas trazem prejuízos ao ambiente concorrencial e

atinge também o consumidor, tais acordos ilícitos redundam em flagrante atentado à

soberania do cidadão, na medida em que restringem a liberdade de escolha do consumidor.

Em relação às repressões administrativas às infrações econômica, além das

atribuições preventivas contra atos que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência ou

resultar a dominação de mercado compete ao CADE – Conselho Administrativo de Defesa

Econômica resolver tais situações, caso a parte não concorde com a posição do CADE

poderá a mesma interpor recurso ao Poder Judiciário.

311 FARIA, Werter R. Constituição Econômica: liberdade de iniciativa e de concorrência. Porto Alegre: Fabris, 1990. p. 49.

117

4 A INTERAÇÃO E COMPATIBILIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE

CONCORRÊNCIA E DA DEFESA DO CONSUMIDOR

4.1 ABUSO DO PODER ECONÔMICO

O poder é uma relação social na qual a vontade tem capacidade de produzir efeitos

desejados. Esta relação social se qualifica tanto em relação aos meios de que se utiliza a

vontade para produzir efeitos desejados, quanto aos próprios resultados por ela pretendidos. 312

O direito repudia duas formas de concorrência e que desprestigiam a livre iniciativa e

a livre concorrência, seja a concorrência desleal e o abuso de poder econômico.

Poder econômico, por sua vez, é aquele exercido através de instrumentos de

produção, circulação, distribuição e consumo de riquezas, mas projeta resultado sobre

qualquer desses quatro segmentos da atividade econômica.

Importantes são as considerações realizadas por Pedro Dutra sobre o tema:

Poder econômico é a soma de meios materiais e não materiais, de expressão econômica, de que o agente dispõe e emprega no exercício de sua atividade ordinária, no mercado de bens ou serviços onde atua. A titularidade e o uso deste poder econômico são legítimos; todos os agentes que exploram atividades econômicas, atuantes em mercado de bens e serviços, são estimulados, pela própria dinâmica destes mercados, a aumentar a sua capacitação, o seu poder econômico de mercado, pois é pelo emprego dele que o concorrente haverá a sua participação no mercado, em disputa com os demais pela busca da preferência do consumidor. 313

É relevante destacar que o uso do poder econômico é legítimo. Isto por que todo

agente econômico atuante no mercado detém certa medida de poder, já que exibe

determinada soma de meios que o habilitaram a entrar e a permanecer no mercado. O

312 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Configuração do Abuso do Poder Econômico (Apontamentos sobre a técnica da Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994). 313 DUTRA, Pedro. O controle da concentração do poder econômico de mercado e a defesa da livre

concorrência in Livre concorrência e regulação de mercados: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 322/323.

118

emprego do poder econômico, por sua vez, prepara o agente econômico para disputar a

preferência do consumidor. Assim, cabe afirmar que o uso do poder de mercado de que se

vale o agente econômico não é apenas legítimo, mas indispensável para que este se mantenha

competitivo, buscando a preferência do consumidor. 314

Hodiernamente, se materializa uma situação totalmente subordinada a um

emaranhado de normas e idéias, clamando por uma providência inspirada nos princípios

constitucionais e na velha sabedoria que transborda nas relações de consumo.

As infrações à ordem econômica estão definidas na legislação Antitruste, abusa do

seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção

de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em

que ali não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano

a outrem. 315

No que tange à concorrência, pode-se estar fazendo uso legítimo de um direito, sem

haver necessariamente abuso, mas sim intenção de prejudicar alguém. É fato que quando o

poder econômico passa a ser usado com o propósito de impedir a iniciativa de outros, com a

ação no campo econômico, ou quando o poder econômico passa a ser o fator concorrente

para um aumento arbitrário de lucros do detentor do poder, o abuso fica manifesto.

Neste sentido Marcus Elidius Michelli de Almeida, conceitua abuso de poder:

[...] o abuso de poder é caracterizado pelo comportamento aparentemente lícito de alguém, mas que ao utilizar o seu direito, vem a causar dano a outrem em razão de contrariar de forma manifesta o espírito do instituto. 316

Abuso de direito segundo o entendimento de Bejarano Sánchez citado por Fernández

Sessarego, vem a ser:

[...] una conducta que parece ser congruente con la norma de derecho, un

comportamiento que no contradice el enunciado formal de la regla jurídica

y que, sin embargo, quebrante y contraría el espíritu y el propósito de los

derechos ejercidos de maneira que su actualización no es ya una acción

válida y legítima sino un acto ilícito. 317

314 Op cit, p. 323. 315 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18 ed. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 1995, v. 1, p. 430. 316 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 39. 317 SESSAREGO, Carlos Fernandez. Abuso del derecho. Buenos Aires: Editora Astrea. 1992, p. 23.

119

O abuso do poder econômico deve ser entendido como desvio de função do poder

sem duvida significa conduta estratégica, visando à obtenção dos efeitos anticoncorrenciais. 318 Henrique Marcello dos Reis, afirma que:

[...] o abuso de poder econômico é toda ação ou manobra do empresário ou de seu representante legal que, dominando o mercado e a concorrência, tenha por objetivo a obtenção de lucros excessivos, causando danos a outras pessoas, físicas ou jurídicas, e ao Estado. 319

Comete o delito de abuso de poder econômico o empresário que se utiliza de seu

interesse pessoal, antepondo-o ao interesse geral e causando danos ou prejuízos à

coletividade. Procurando dominar o mercado e eliminar a concorrência para obter lucros

excessivos, o indivíduo e as empresas acabam usando o poder econômico de que dispõem

para a satisfação de ambições pessoais, deixando de atender à função social da empresa. 320

O abuso de direito é o ato realizado, com o apoio em preceito legal, que causa dano a

interesse não especificamente protegido pelo ordenamento positivo, manifestado pela lesão a

princípios éticos e sociais, objetiva ou subjetivamente, mediante adequação entre o

intencional e o sentido da lei. 321

Merece destaque ainda a definição proposta pelo professor da Universidade de

Coimbra, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, que, ao apresentar uma definição sobre a matéria,

assim se manifestou: “Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser

exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito

é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”. 322

Para a caracterização do abuso do poder econômico, é necessário conjugarem-se dois

dispositivos da Lei nº. 8884/94, de um lado o artigo 20, que estabelece o objetivo ou efeitos

possíveis da prática empresarial ilícita e de outro lado o artigo 21, que elenca diversas

hipóteses em que a infração pode ocorrer.

O controle do abuso do poder econômico como instrumento de intervenção estatal

hábil a tutelar não apenas a livre iniciativa e a livre concorrência, mas também os princípios

sociais regentes na espécie, em especial a dignidade da pessoa humana, a valorização do

trabalho, a busca do pleno emprego e a redução das desigualdades regionais e sociais.

318 FILHO, Calixto Salomão Direito Concorrencial – As Estruturas – 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002. p. 110. 319 REIS, Henrique Marcello dos. Direito Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 37. 320 CRETELLA JUNIOR, José apud REIS, Henrique Marcello dos. Direito Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 37/38. 321 STRENGER, Irineu. Reparação do dano em direito internacional privado. São Paulo: RT. 1973, p. 24. 322 ABREU, Manuel Coutinho de. Do Abuso de Direito. Porto Alegre: Ed. Livraria Almedina. 1999, p. 43.

120

Tal instituto procura evitar, dentre outras práticas: a obtenção de lucros arbitrários; as

tentativas de dominação de mercado relevante e atos que tenham por objeto ou possam

produzir efeitos de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa.

O poder econômico passa a ser usado com o propósito de impedir a iniciativa de

outros, com a ação no campo econômico, ou quando o poder passa a ser o fator concorrente

para um aumento arbitrário de lucros do detentor do poder, o abuso fica manifesto. 323

Sendo que referido entendimento é extraído do artigo 173, § 4º, da Constituição

Federal de 1988 que dispõe: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à

dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”.

De maneira que a Constituição Federal reconhece a existência do poder econômico,

prescreve o Estado o dever, de por lei, reprimir seus abusos, na medida em que, por vezes,

este acaba sendo exercido de modo anti-social. 324

A defesa da concorrência deve ser vista como garantia institucional, logo se exige

uma atuação do Estado no sentido de garantir a correta atuação no mercado, sempre

direcionando para o bem da coletividade e do individuo, estabelecendo ditames de

comportamento para o Estado, sendo assim uma garantia institucional.

O direito concorrencial sendo uma garantia institucional, perde o interesse a estrutura

do direito objetivo/direito subjetivo, muito mais adaptável à garantia de uma instituição que

se quer proteger é a estrutura do poder-dever ou direito-função, seja equiparar os deveres do

detentor do poder econômico aos deveres do agente estatal, isso explica a perfeição o

conteúdo do art. 173, § 4º, que claramente contribuiu ao poder econômico ou faz dele uma

função pública, ou melhor, dizendo, social. 325

A repressão ao abuso de poder econômico tem o objetivo coibir as finalidades típicas

desta espécie de abuso, que são a dominação de mercados, eliminação da concorrência e o

aumento arbitrário dos lucros, objetivando subtrair do concorrente uma parcela do mercado

que este haja legitimamente conquistado. Pertinentes são as lições de Pedro Dutra acerca dos

institutos do domínio de mercado, da eliminação da concorrência e do aumento arbitrário de

lucros:

323 REIS, Henrique Marcello dos. Direito Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 35. 324 Op cit. 325 FILHO, Calixto Salomão Direito concorrencial – As Estruturas – 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002. p. 109.

121

Dominar mercado é fazer-se senhor dele, e assim poder ignorar a ação oposta pelos concorrentes; age o dominador como se, só, atuasse no mercado, e, nesta situação, pode impor preço e volume do produto ou serviço que oferta, ou adquire assenhorando-se do mercado em que atua. A expressão domínio (ou dominação) de mercado, corrente no direito comunitário europeu, corresponde à expressão poder monopólico –

monopolistic power – empregada no direito norte-americano; ambas expressam o mesmo sentido, de ação incontrastada, indiferente, por parte do seu detentor que se acha acima das forças do mercado, do qual se faz senhor – dominador – e em conseqüência age como lhe convêm. Eliminar a livre concorrência; eliminar aí está em sentido largo – por qualquer forma prejudica-la, restringir-lhe o curso; livre aí está por fluente, sem desvios, a dizer sem estorvo à disputa que os agentes travem, causado pela ação abusiva de um ou alguns deles, à rivalidade que se tenha entre eles, na luta pela preferência do consumidor. Não se há de ver, portanto, ofensa à ordem concorrencial só se ocorrer à eliminação da livre concorrência, senão em toda ação abusiva que por alguma forma a restrinja, e, irreprimida, ao fim leve à eliminação da concorrência. Aumento arbitrário de lucros é a majoração desarrazoada, de lucros resultado de uma conduta abusiva; arbitrário, pois é lucro que não guarda relação com a paga devida do esforço competitivo liso, e sim produto de uma conduta infrativa, ordinariamente a elevação do preço do produto ou serviço acima do seu nível competitivo. Há, nesta hipótese, um lucro perverso, decorrente de uma ação abusiva, que desviou renda dos demais competidores, ao infrator. 326

A concorrência desleal visa retirar a clientela de outrem, ou ainda, manter a sua

própria clientela, mediante atos elencados na lei e desta feita caracterizados desleais. 327

Waldemar Ferreira define a concorrência desleal:

Consiste a concorrência desleal, em suma, na prática de atos de comércio e em procedimento reprovável destinado a desviar a freguesia do concorrente; eis porque o texto ressaltou ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por outros atos de concorrência desleal nele não previstos, tendentes a prejudicar a reputação, os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais ou industriais ou entre produtos e artigos postos no comércio. Estes atos não se reputam crimes e não se sujeitam a pena; mas não delituais do ponto de vista do Direito Comercial, atos ilícitos que criam à obrigação de indenizar perdas e danos. 328

326 DUTRA, Pedro. Livre concorrência e regulação de mercados: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 324-325. 327 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 126. 328 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva. 1960, p. 354.

122

Com a edição da Lei nº. 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial, a concorrência

desleal, e, por conseqüência, os crimes passaram a ser disciplinados em seu artigo 195, pois

até então existia apenas a punição administrativa e não penal.

Para a existência da concorrência desleal é necessário que estejamos diante de uma

concorrência, a qual deve ser entendida como livre concorrência e que exista a clientela, que

será o objeto de desejo do concorrente que usará de métodos desleais para conseguir alcançar

seu objetivo. 329

No caso da concorrência leal a mesma pode e deve existir e ser incentivado, porém a

concorrência desleal deve ser reprimida, porquanto se utiliza de práticas que superem a

barreira do aceitável, lançando meios desonestos para alcançar a clientela alheia. 330

A concorrência desleal na realidade é reprimida, mas não compromete a livre

concorrência, e a infração a ordem econômica, compromete a livre concorrência, por sua vez

concorrência desleal e as infrações a ordem econômica se diferencia, pois as lesões

produzidas pela concorrência desleal não alcançam outros interesses além dos do empresário

diretamente vitimado pela prática irregular, porém na infração da ordem econômica, a

concorrência ilícita ameaça as estruturas da economia de mercado, e, portanto, um universo

de interesses juridicamente relevantes são atingidos.

O intuito do empresário é de prejudicar seus concorrentes, de modo claro, retirando-

lhes total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado, infligindo perdas a

seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos.

O preceito em apreço tem o escopo assegurar o regime de mercado no cenário

econômico nacional. Deste modo, qualquer tipo de conduta estatal ou privada que venha a

coibir o regime de livre concorrência estará violando a Constituição. 331

A concorrência leal, saudável, deve ser preservada e protegida, para que todos sejam

beneficiados. Acaso não existissem as leis de proteção ao Direito de Concorrência, alguns

329 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 140. 330 Op cit. 331ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 375.

123

poucos se beneficiariam dos frutos da deslealdade para com os consumidores e concorrentes.

Toda a sociedade resultaria prejudicada com as vantagens que seriam auferidas por uma

minoria, em detrimento de muitos.

4.2 INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE

CONCORRÊNCIA E DA DEFESA DO CONSUMIDOR

O objetivo maior da pesquisa será proceder à análise da interação, compatibilidade e

harmonização do princípio da livre concorrência e legislação da defesa da concorrência com

o princípio da defesa do consumidor e legislação da defesa do consumidor.

A construção de uma política econômica que objetive harmonizar as relações de

consumo encontra-se intimamente relacionada à construção de uma política de defesa da

concorrência. A defesa do consumidor como já abordado anteriormente está definida no

artigo 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988, encontra-se ao lado da defesa da livre

concorrência, prevista no inciso IV, do mesmo artigo, ambos princípios da ordem econômica.

Essa pluralidade de interesses existente entre os princípios da defesa do consumidor e

o princípio da livre concorrência é repetida na legislação infraconstitucional, Código de

Defesa do Consumidor e Legislação de Defesa da Concorrência.

Adam Smith afirma que o mercado somente existe para atender as necessidades do

consumidor, pois o consumo é o único objetivo da produção e interesse do produtor em

produzir termina no exato momento em que as necessidades do consumidor são atendidas. 332

O funcionamento adequado do sistema pressupõe a liberdade individual dos agentes

econômicos e dos consumidores de tomar suas decisões econômicas em um ambiente de livre

concorrência. 333

O consumidor que é o destinatário econômico final das normas concorrenciais, com a

manutenção de um ambiente competitivo será garantido preços mais baixos, maior qualidade

e variedade de produtos e serviços, inclusive a informação pelos consumidores.

332 SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigações sobre sua natureza e suas causas. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, cap. 8. 333 BRITO, Beatriz Gontijo. Concentração de empresas no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 91.

124

A relação de instrumentalidade entre a defesa da concorrência e o bem-estar do

consumidor, são as normas concorrenciais importantes meios de tutelar juridicamente os

interesses dos consumidores. 334

Ao estipular como princípios está dizendo que nenhuma exploração poderá atingir os

consumidores nos direitos a eles outorgados, está também designado que o empreendedor

tem de oferecer o melhor de sua exploração, independentemente de atingir ou não os direitos

do consumidor, o explorador tem de oferecer mais. A garantia dos direitos dos consumidores

é o mínimo, de maneira que a regra constitucional exige mais, sendo que essa ilação decorre

do sentido da livre concorrência. 335

A proteção do consumidor é o princípio básico do direito da concorrência, pois se não

houver concorrência não há uma efetiva defesa do consumidor:

Não resta dúvidas, contudo de que, em econômica de mercado, a situação dos consumidores resultará tanto mais débil quanto maiores forem os atropelos ao quadro geral de funcionamento das regras da concorrência. Estas constituem, portanto uma forma indirecta de proteção. O nível dos preços, a variedade dos produtos, a sua qualidade, as condições de fornecimento são tendencialmente melhores, sempre que, do lado dos agentes fornecedores, exista um número elevado, ou pelo menos razoável, de empresas que entre si disputem à clientela. 336

As duas legislações têm princípios que se podem dizer comuns, principalmente no

que diz respeito ao sistema de mercado que se justifica pela sua capacidade de produzir mais

e melhores bens de consumo, a denominada “eficiência alocativa” e promover uma melhor

distribuição da riqueza, a “eficiência distributiva”. 337

O mercado não poderia existir sem o fornecedor que oferta e o consumidor que

demanda, motivo que o Direito tem a função de estabelecer as bases fundamentais para que

se estabeleça o equilíbrio entre as empresas e entre estas e os consumidores. 338

A defesa da ordem econômica tem como razão final a proteção dos interesses e

direitos dos consumidores, eis que destinatários finais de tudo o que é produzido no mercado,

seja em matéria de produtos ou serviços. Isso porque o consumo é o único objetivo da

produção e o interesse do produtor em produzir termina no exato momento em que as

334 MARTINEZ, Ana Paula. Revista de Direito do Consumidor. n 52. jan. - março. 2005, p. 8. 335 NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed.rev. modif. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 56. 336 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos Consumidores. Coimbra: Almedina, 1982, p.72. 337 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito da concorrência e direito do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: n. 34, abr/jun. 2000, p. 79. 338 GLÓRIA, Firmato de Almeida Glória. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.vii.

125

necessidades do consumidor são atendidas, é assim o consumidor destinatário econômico

final das normas concorrênciais.

Considera-se que a interpretação do princípio da livre iniciativa pode-nos levar a

permitir o lançamento de vários agentes no mercado, e, através da livre concorrência, é que

se terá uma disputa entre tais agentes, a conseqüência da conjunção dos dois princípios

mencionados só tem a beneficiar o consumidor, que terá como exemplo, a garantia de

melhores produtos e serviços a preços mais baixos.

A análise conjunta dos princípios somente é possível porque os princípios possuem a

mesma hierarquia formal, e somente não há antinomia entre eles, na medida em que os

mesmos não pretendem ser exclusivos. 339

Os dois princípios são constitucionais estando na mesma posição hierarquia, um não

deve sobrepor o outro, havendo conflitos poderá o aplicador da lei utilizar-se de meios e dar

aplicação de ambos os princípios para a resolução do caso concreto.

Ambos os princípios estão intimamente ligados, que não há sentido da concorrência

se não houver a ótica do consumidor:

[...] prevenindo e reprimindo os abusos que possam afetar a livre concorrência, os efeitos da lei atingem indiretamente os consumidores, em que repercutirão os benefícios de sua ação quando adquirirem o produto final por livre escolha e a um preço justo. 340

No tocante a estabelecer o consumidor como o centro do direito da concorrência

realmente é fato inegável. O direito concorrencial visa a estabelecer o equilíbrio das relações

de mercado, buscando a equidade e a boa condução dessas relações, também tem interesse

em buscar a satisfação do consumidor:

[...] a concorrência tem um papel, indireto, mas não secundário, na proteção do consumidor. Onde são efetivos, os consumidores têm opção de produtos e serviços, assim como melhor informação sobre eles, já que haverá disputa pela preferência. 341

As regras concorrenciais podem interferir nas relações de consumo e vice-versa.

Existem regras no Código de defesa do consumidor, que podem interferir diretamente nas

339 HABIBE, Taís Cruz. Cartel e conseqüências para o consumidor. Revista de Direito do Consumidor nº. 52. p. 229. 340 MAGALHÃES, Carlos Francisco. Leis que preservam a concorrência protegem o consumidor. Revista de Direito Econômico. Brasília, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ano II, n. 5, 1976, p.3. 341 CRANSTON Ross apud BENJAMIN, Antonio Herman. A proteção do consumidor e patentes: o caso dos

medicamentos. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 10, 1994, p. 22.

126

relações concorrenciais, pode acontecer que um mesmo suporte fático desencadeie a

incidência de normas de defesa do consumidor e de normas de defesa da concorrência. 342

Dois são os grupos principais dessa regras: (i) regras que se relacionam à

regulamentação geral da publicidade e (ii) regras sobre a coerção do consumidor baseadas na

manipulação da oferta de um determinado produto ou serviço. 343

A concorrência é extremamente salutar seja diretamente para o consumidor, que

deseja adquirir um bem ou um serviço, como para a própria sociedade como um todo, em

razão da imposição implícita aos empresários da necessidade de sempre buscar melhorar seu

produto.

Isabel Vaz aduz que:

A defesa da livre concorrência apresenta-se assim como Janus, o deus de duas faces. De um lado, os pressupostos da livre concorrência procuram assegurar ao agente econômico a livre iniciativa, a liberdade de entrar e sair de um mercado e de nele prevalecer, tendo acesso aos fatores de produção, às informações relevantes, sem qualquer interferência monopolista; de outro lado, impõe aos agentes econômicos o dever de abster-se de quaisquer abusos tendentes a restringir a concorrência e a causar prejuízos ao consumidor. 344

O Estado interessa como uma das formas de preservar e garantir a livre concorrência,

proteger o consumidor através da adoção de políticas econômicas adequadas. 345 O

consumidor encontrava-se totalmente desamparado para enfrentar os abusos do mercado de

consumo, pois até então havia somente a previsão constitucional, seja somente existia o

princípio da defesa do consumidor prevista do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal

de 1988, não existindo formas de como seria feita essa defesa, não sendo possível garantir os

interesses mínimos do consumidor.

O princípio constitucional da defesa do consumidor veio a ser garantida com o

advento da Lei nº. 8.078/90, a qual estabeleceu os parâmetros da Política Nacional de

Relações de Consumo e fixando os princípios que deverão nortear o Estado na

implementação dessa política. 346

342 FORGIONI, Paulo. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT, 1998, p.248. 343 FILHO, Salomão Calixto, Condutas tendentes à dominação dos mercados. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 95. 344 VAZ, Isabel apud GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida. A livre concorrência como garantia do

consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p.93. 345 LEOPOLDINO DA FONSECA. Direito Econômico. 5. ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 129. 346 Op cit, p. 130.

127

Na visão de Sérgio Cavalieri Filho “[...] a razão de ser do Código é a vulnerabilidade

do consumidor; só existindo porque o consumidor está em posição de desvantagem técnica e

jurídica.”. 347

A tutela jurídica dos interesses dos consumidores nem sempre se dá de forma

imediata pelas normas constitucionais, pelo contrário na maioria dos casos, essa proteção é

mediata, ocorrendo por meio da proteção da concorrência, pois a concorrência é

indispensável para a dinâmica do mercado e o mercado tem por destinatário final o

consumidor, assim à situação de concorrência não pode ser senão beneficiar os

consumidores.

A livre concorrência é essencialmente uma garantia do consumidor e do mercado, ela

significa que o explorador tem de oferecer ao consumidor produtos e serviços melhores do

que os de seus concorrentes, logo o processo de concorrência de faz não só pela qualidade,

mas também por seu parceiro necessário, que é o preço. “[...] todo elemento concorrencial na

luta pelo consumidor é o binômio “qualidade/preços”. 348 Sempre visualizando a produção e

oferta de produtos com a melhor qualidade e os menores preços possíveis, tudo para

conquistar o consumidor.

Através da livre concorrência entre as empresas no mercado que se terá, também, uma

forma de se proteger alguns dos direitos dos consumidores e de se garantir oportunidades

iguais entre os agentes econômicos. 349 Motivo que os dois princípios e legislações devem

ser compreendidos como complementares, vez que a concretização fatia de um deles exige a

concretização do outro.

O artigo 1º da Lei de Defesa da Concorrência prevê que se oriente pelos ditames

constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,

defesa dos consumidores e abuso do poder econômico, o que evidencia a posição que os

consumidores ostentam frente às normas de defesa da concorrência, devendo a proteção de

seus interesses servir como diretriz para o aplicador da legislação antitruste.

O referido artigo inclui o propósito da defesa do consumidor, quando menciona que a

coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei, o legislador quis dizer os

347CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. In 5º Congresso Brasileiro e 3º Congresso Mineiro de Direito do Consumidor, maio de 2000. Belo Horizonte. Anais do Congresso. Belo Horizonte, 2000, p. 6. 348NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed.rev. modif. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57. 349HABIBE, Taís Cruz. Cartel e conseqüências para o consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 52. out. – dez. 2000, p. 225.

128

consumidores, podendo concluir que é o consumidor o alvo de proteção da lei de

concorrência. 350

A liberdade de escolha como objetivo último da legislação antitruste vem sendo

considerado como o novo paradigma antitruste. A liberdade de escolha é vista como a

essência da soberania do consumidor, que deve ser buscada tanto pela política das relações

de consumo quanto pela política de defesa da concorrência. 351

A soberania existirá quando estiverem presentes os seguintes elementos: (i) existência

de opções efetivas de escolha proporcionada pela concorrência; e (ii) possibilidade dos

consumidores escolherem livremente entre essas opções. 352 Busca-se então um equilíbrio

entre a eficiência e a manutenção de uma série de opções efetivas para o consumidor.

As normas concorrenciais têm interesses bem definidas na tutela do consumidor, os

interesses podem ser divididos em interesse proteção e interesse satisfação, protegendo o

consumidor, ainda a norma concorrencial visa estabelecer o equilíbrio das relações no

mercado, buscando a equidade e a boa condução dessas relações.

A tutela dos consumidores pelas normas concorrenciais ocorre de várias maneiras, a

livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que a competividade

induz a uma distribuição de recursos o mais baixo preço. 353

Além do preço baixo a livre concorrência pode dar aos consumidores a possibilidade

de maior rede de produtos e serviços a escolher, constante inovação, melhor relação de

qualidade e preço e amplo acesso a informação. A concorrência é indispensável para a

dinâmica do mercado e mercado tem por destinatário final o consumidor.

Calixto Salomão Filho em razão da proteção aos atos tendentes à dominação de

mercado, aduz que “[...] diretamente o que há é o interesse institucional na proteção da

ordem concorrencial.” 354

Existe interação ainda em razão da cláusula de exclusividade, sendo inegável o

caráter de mediação que a proteção da concorrência tem para a proteção dos interesses dos

consumidores em razão de tal assunto, eis que por meios de acordos de exclusividade, os

350 GLÓRIA Firmato de Almeida Glória. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.95. 351 AVERITT Neil W e LAND Robert H. apud MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos Consumidores pelas

normas concorrenciais. Revista de Direito do Consumidor. n 52. jan. - março. 2005, p. 12. 352 MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos Consumidores pelas normas concorrenciais. Revista de Direito do Consumidor. n 52. jan. - mar. 2005, p. 12. 353 JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz apud MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos Consumidores pelas normas

concorrenciais Revista de Direito do Consumidor n 52. jan. - mar. 2005, p. 13. 354 CALIXTO, Salomão Filho Apud MARTINEZ, Ana Paula. Revista de Direito do Consumidor. n 52. jan-mar. 2005, p. 14.

129

compradores de determinado bem ou serviço comprometem-se adquiri-lo com exclusividade

de determinado vendedor, restando proibido de comercializar com os concorrentes, caso a

cláusula de exclusividade fosse tolerada e não havendo produtos semelhantes no mercado, o

consumidor teria reduzidas suas opções de compra e serviços.

Os artigos 21, 27, inciso V e 29 da Lei de Defesa da Concorrência e os artigos, 54,

inciso II e 58 da Lei de Defesa do Consumidor, têm sempre em vista os interesses dos

consumidores, tendo em vista que o artigo 21 define as infrações a ordem econômica, o

artigo 27, prevê critérios para a dosimetria da pena a ser aplicado em razão da infração à

ordem econômica, seu inciso V, define que será levado em consideração o grau de lesão, ou

perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros,

existindo uma relação direta entre a pena e o dano ou perigo de dano causado pela conduta

anticoncorrencial ao consumidor, seja quanto maior o grau de perigo de lesão ou lesão aos

consumidores, maior será a pena aplicada ao agente infrator, o artigo 29 define que o

consumidor poderá ingressar em juízo para obter a cessação de práticas que constituam lesão

ao consumidor e ainda receberem indenização em razão de danos.

O artigo 54, inciso II, da Lei de Defesa do Consumidor, coloca os atos que possam

limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes

de bens ou serviços, que deverão ser submetidos à apreciação do CADE, ainda que os

benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os participantes e os

consumidores ou usuários finais e finalmente o artigo 58, o qual assegura a aplicação do

artigo 54, visando à proteção dos interesses do consumidor.

Neste sentido Calixto Salomão Filho relata que “[...] é inquestionável a existência de

uma relação direta entre o agente que pratica o ilícito e o consumidor. [...] ali, está na

verdade, o centro nervoso do direito concorrencial em matéria de proteção ao consumidor.” 355

Outro ponto de interação e harmonização das duas leis está no artigo 15 da Lei nº.

8884/94 e o artigo 3º da Lei nº. 8078/90, trata-se do destinatário da lei de defesa da

concorrência e do conceito de fornecedor no caso da Lei da defesa do consumidor, sendo

praticamente idênticas às disposições legais.

355 FILHO, Salomão Calixto. Condutas tendentes à dominação dos mercados. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 93.

130

Toda pessoa física e jurídica, privada ou pública, nacional ou estrangeira, bem como

quaisquer associações de entidades de pessoas, constituídas de fato e de direito, serão alvo da

aplicação destas duas leis balizadoras das relações no mercado. 356

Paula Andréa Forgioni afirma que com a amplitude que foi dada pelo artigo 15 da lei

de defesa da concorrência restou prejudicado a alegação de qualquer ente público ou privado,

de que não está sujeito às disposições da Lei Antitruste, procurando esquivar-se das

restrições que lhe sejam postas, ainda coloca que até mesmo as atividades que não tem

tenham fins lucrativos. 357

Em relação à solidariedade da responsabilidade entre as empresas causadora de danos,

o assunto é tratado tanto pela Lei de Defesa da Concorrência como pela Lei de Defesa do

Consumidor.

O artigo 17 define que serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades

integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem

econômica, por sua vez artigo 7, parágrafo único, define também sobre a responsabilidade

solidária para a reparação dos danos previstos nas normas de consumo quando houver mais

de um autor na ofensa e o artigo 25 veda a estipulação contratual de cláusula que

impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar, sendo o dano causado por

componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, serão responsáveis solidários seu

fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa, quando houver abuso do

direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou

contrato social e quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade

da pessoa jurídica provocados por má administração, também estão previstas no artigo 18 da

Lei da Defesa da Concorrência e pelo artigo 28 da Lei de Defesa do Consumidor.

A Lei de Defesa do Consumidor prevê em seu artigo 21 as infrações à ordem

econômica, sendo que as mesmas estão em sintonia com as praticas abusivas do artigo 39 e

51 da Lei de Defesa do Consumidor, pois objetivam a proteção do consumidor no mercado.

O artigo 21, inciso XIII da Lei de Defesa da Concorrência e o artigo 39, inciso II da

Lei de Defesa do Consumidor prevêem a recusa da venda de bens e serviços de

conformidade com os usos e costumes, devendo o consumidor sempre atender a demanda de

consumo.

356 GLÓRIA Firmato de Almeida Glória. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.95. 357 FORGIONI, Paula Andréa. Os fundamentos Antitruste. 2. ed.rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 157.

131

Na opinião de João Bosco Leopoldina Fonseca a diferença existente entre os dois

textos de lei está que, na primeira a relação jurídica é concorrencial e na segunda a relação é

de consumo. 358

Outro ponto que merece destaque é a venda casada, prevista no artigo 21, inciso

XXIII da Lei de defesa da concorrência e artigo 39, inciso I, da Lei de Defesa do

Consumidor, entendida como [...] a vinculação de um produto ou serviço a outro produto ou

serviço. 359

Sob a ótica do direito do consumidor, para que se caracterize a venda casada basta a

vinculação de um produto ou serviço a outro produto ou serviço. No âmbito do direito

concorrencial constitui uma verdadeira barreira ao ingresso de concorrentes no mercado.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho:

A venda casada, em si mesma, não é ilícita. Será infração contra a ordem econômica somente se inserida no contexto das praticas restritivas, voltadas à eliminação da concorrência, domínio de mercados ou aumento arbitrário dos lucros. 360

Para o direito econômico a venda casada fere o direito a livre concorrência, na medida

em que o agente econômico com poder de mercado consegue, através da vinculação da

venda, criar barreiras ao ingresso de concorrentes no mercado ou ainda criar empecilhos à

expansão dos concorrentes, impedindo a permanência destes no mercado.

Paula Andréa Forgioni conclui que de acordo com a sistemática brasileira, a partir do

momento em que a venda casada implique a incidência de qualquer um dos incisos do artigo

20, será considerada contrária à ordem econômica. 361

Sustenta-se que uma empresa com diminuto poder de mercado não é apta a praticar

atos que levem ao prejuízo ou livre concorrência, por exemplo, uma venda cassada não pode

prejudicar a livre concorrência se a empresa não detiver poder no mercado, assim não existirá

a coerção sobre o consumidor, o qual poderá optar por outro produto. Pode então concluir

358 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Lei de Proteção da Concorrência (Comentários à Lei Antitruste). Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 100. 359 GLÓRIA Firmato de Almeida Glória. A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.96. 360 COELHO, Fabio Ulhoa. Direito Antitruste Brasileiro – Comentários a Lei 8884/94. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 84. 361 FORGIONI, Paula Andréa. Os fundamentos do Antitruste. 2.ed.rev.atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 149.

132

que os prejuízos ao mercado podem variar conforme o poder de mercado do agente

econômico. 362

O artigo 30 da Lei nº. 8884/94 possibilita aos consumidores iniciarem um processo

administrativo com o objetivo de fazer cessar práticas anticompetitivas, o que mais uma vez

se evidencia a relação de instrumentalidade existente entre proteção do consumidor e defesa

da concorrência, de maneira que o consumidor pode abrir mão de órgãos como o PROCON e

recorrer ao SBDC para defender seus direitos.

A elevação sem justa causa do preço de bem ou serviço também encontra previsão

nas legislações aqui tratadas. O artigo 21, inciso XXIV, da Lei de Defesa da Concorrência e

o artigo 39, inciso X, da Lei de Defesa do Consumidor dispõe que a elevação injustificada de

preços fere os princípios da ordem econômica, pois a garantia de um melhor preço diz

respeito à defesa da concorrência e do consumidor. As grandes corporações apresentam

maiores influências nos preços e nas condições de mercado, nas práticas e clausula abusivas.

A prática de preços predatórios é um dos atos tendentes à dominação de mercado

mais comum, pois o produtor incorre em prejuízos no presente com o fim de eliminar

concorrentes, para em momento posterior, poder praticar preços e lucros próximos do nível

monopolista.

Em um primeiro momento o consumidor é beneficiado, pois os preços dos bens e

serviços seriam inferiores aos anteriormente praticados. Se o interesse do consumidor fosse

tutelado imediatamente, essa prática seria lícita, porém o interesse maior do consumidor é a

existência de um mercado competitivo, o que não existiria no caso de preços predatórios

durante período suficiente para a eliminação dos concorrentes.

Motivo que o interesse do consumidor é o mercado competitivo, via de conseqüência,

a liberdade de escolha, sendo que tais interesses são mediados pela proteção dos

concorrentes, sob tal prisma, a prática é ilícita e deve ser punida pela lei de defesa da

concorrência. 363

Em relação ao direito de ação a Lei de Defesa da Concorrência prevê em seu artigo

29, que os prejudicados poderão ingressar em juízo em defesa de seus direitos e a Lei de

Defesa do Consumidor define em seu artigo 6, inciso VI, como direito básico do consumidor

a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e

difusos, ainda o artigo 82, define os legitimados que iram atuar no interesse da coletividade.

362 Op cit, p. 150/151. 363 MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos Consumidores pelas normas concorrenciais. Revista de Direito do Consumidor. n 52. jan. - março. 2005, p. 15.

133

Os prejudicados a que se refere à legislação quer dizer as empresas e os consumidores,

podendo ser a coletividade.

O artigo 58 da Lei de Defesa da Concorrência define o compromisso de desempenho,

que seria uma espécie de condição a ser observada para que se concretize a aprovação de ato

de concentração, sendo possível uma maior flexibilização no tratamento das concentrações

empresariais pelo CADE, porém os ganhos devem ser distribuídos entre os fornecedores e o

consumidor.

O aspecto contratual, através do denominado controle judicial dos contratos, é um

bom instrumento para a proteção da concorrência. 364

O Código de Defesa do Consumidor tem uma visão mais social, tenta valorizar uma

garantia de equilíbrio contratual de modo a evitar a lesão, evitando que consumidor sofra o

prejuízo.

O artigo 83 da Lei nº. 8884/94, prevê a utilização subsidiária do Código de Defesa do

Consumidor à Lei de Defesa da Concorrência, sendo mais um indicativo da existência de

relação da defesa do consumidor e defesa da concorrência.

O regime jurídico brasileiro, baseado em estrutura de economia capitalista,

reconhecendo a importância da publicidade criou um sistema especial, a carga de serventias

do Estado, publicar no sentido inerente a tal sistema corresponde à ação de registrar a de

tornar conhecível o direito assentado, bem como o agente que interferiu (ou agentes que

interferiram) no negócio jurídico alusivo ao direito ou a o bem da vida mencionado. 365

Importante é o valor das regras de publicidade para o direito concorrencial, uma vez

que serve para estimular a concorrência. O artigo 36 da Lei de Defesa do Consumidor, diz

respeito à publicidade, prevê que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o

consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, sendo vedada, portanto, a

publicidade subliminar, a qual o agente visa a influenciar o inconsciente do individuo ao

bombardear a publicidade a uma velocidade tal que a mente humana não consegue identificar

conscientemente a publicidade, em simples palavras é a propaganda que contém apenas

sugestão e não contém informação.

Os elementos de equilíbrio entre a liberdade de criação e de informação dão

parâmetros para o exercício da comunicação social, contrapostos às garantias individuais,

cujo rol se encontra a defesa do consumidor.

364 LEOPOLDINO FONSECA, João Bosco, Cláusulas abusivas nos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p .198. 365 MEIRELLES, Hely Lopes, apud CENEVIVA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1991.p. 71.

134

Por sua vez, o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, cuida da publicidade

enganosa e da publicidade abusiva. O § 1º define a publicidade enganosa:

É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

O § 2º define a publicidade abusiva:

É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

O conteúdo da publicidade é formado por informação e por sugestão, o caráter de

sugestão não pode ser exclusivo e precisa ser destacado na informação para que o

consumidor possa ser capaz de diferenciar uma da outra. 366

Na sugestão que a publicidade enganosa pode dar lugar a uma prática de concorrência

desleal, que alterará ou falseará de forma considerá-la a concorrência. Contudo é difícil

determinar o momento em que a publicidade enganosa dará lugar à prática de concorrência

desleal, sendo necessário que a transferência potencial de consumidores do produtor alvo da

prática para o produtor responsável pela publicidade seja considerável a ponto de pôr em

risco a concorrência de tal concorrente.

Restando evidente que a liberdade do consumidor, que é considerado destinatário

final das normas concorrenciais, é a estruturada geralmente ao redor do sistema de mercado

livre, as instituições permitem aos consumidores eleger os bens e serviços que lhes dêem

maior satisfação, ainda através da liberdade de comprar o que quer, o consumidor pode

influir mediante sua demanda sobre os planos de produção, condicionando-os para as

atividades para as quais haja maior procura.

Pode-se afirmar que as duas legislações têm princípios que de pode considerar como

comum, como por exemplo, a idéia de que o sistema de mercado se justifica pela capacidade

de produzir mais e melhores os bens de consumo e ainda promover melhor a distribuição da

366FILHO, Salomão Calixto. Condutas tendentes à dominação dos mercados. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 96.

135

riqueza e que indicando o bem-estar do consumidor como objetivo econômico a ser

alcançado pela Lei de Defesa da Concorrência.

Neste sentido Daniel Firmato de Almeida Glória é fundamental “Não restam dúvidas,

pois, de que é o consumidor o “personagem principal” da obra “direito da concorrência.” 367

A política de defesa da concorrência e política de relações de consumo bem

elaboradas apresenta caminhos complementares a promover o bem estar dos consumidores.

4.3 DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LIVRE CONCORRÊNCIA ATRÁVES DO

CADE – CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi criado pela lei

4137/62, mas, conforme crítica da doutrina mais autorizada restava como um órgão

inoperante, sem maior força, que sequer possuía natureza de autarquia. A Lei 8884/94,

visando conferir maior estrutura e celebridade ao órgão, revestiu-o de natureza autárquica,

motivo pelo qual não mais subsistem dúvidas concernentes ao órgão administrativo. 368

Após a sua transformação em autarquia federal o CADE foi vinculado ao Ministério

da Justiça, passando a exercer, de fato, uma tutela administrativa, assim atualmente não

procede mais discussão absolutamente nenhuma sobre a natureza do CADE e a importância e

efetividade das funções exercidas por ele.

O Estado intervém nas relações negociais para reprimir o domínio de mercado,

prevenir e reprimir as infrações econômicas e o aumento arbitrário dos lucros, dentre outras e

o fez através do CADE, aplicando para tanto as disposições da lei que a instituiu e os

princípios constitucionais da Ordem Econômica.

O Código de Defesa do Consumidor integra o SNDC - Sistema Nacional de Defesa

do Consumidor, SDE – Secretaria de Direito Econômico, por meio de seu DPDC -

Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e os demais órgãos federais, estaduais,

do Distrito Federal, municípios e entidades civis de defesa do Consumidor.

367 GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida, A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 200, p.118. 368 PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração empresarial e o direito da concorrência. Dissertação de

mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p. 61.

136

Todos os órgãos acima referidos atuam no controle das estruturas de mercado que

resultem em concentração econômica ou de qualquer modo possam afetar a livre

concorrência e afetar o direito do consumidor, quanto ao controle das condutas, que objetiva

reprimir as infrações à ordem econômica.

A autonomia de autarquia do CADE confere ao mesmo maior poder de ação,

passando a englobar funções e competências no âmbito administrativo, cabendo-lhe intervir

nas negociações empresariais, sem que haja necessidade da anuência de outros órgãos

governamentais. No entanto o CADE continua sujeito à autoridade do Poder Judiciário, suas

decisões podem ser submetidas ao crivo da autoridade judiciária.

O CADE é um órgão julgador, que decide se houve ou não infração por parte da

empresa, ou empresas, em suas condutas, impondo ou não multas, e determinando cessação

de práticas. Decide também, sobre a legitimidade da concentração de poder econômico,

avaliando se os efeitos de determinados atos jurídicos – fusão, incorporação de empresas ou

qualquer outra forma de integração – restringem, ou poderão restringir, ou eliminam, por

qualquer forma, a concorrência. 369

Conforme-se na dicção do caput do art. 1º da Lei do CADE, deve este órgão pautar-se

pelos princípios que regem a Ordem Econômica Brasileira, pois, direcionam a aplicação de

todas as outras normas atinentes à matéria e dispostas na lei nº. 8.884/94.

O CADE deve pautar-se pelos ditames constitucionais, totalmente desdenháveis, pois,

não é a legislação infraconstitucional que determina quando ela própria deve orientar-se

pelos princípios constitucionais e sim, a própria Constituição Federal que orienta as normas

Constitucionais quando estabelece princípios para o sistema.

Entende-se que o CADE é uma entidade com caráter administrativo de função quase

judicial, quer dizer apenas maiores formalidades na preparação e edição de seus respectivos

atos, tendo em vista que tais formalidades são muito semelhantes às praticadas no Judiciário.

O CADE tem a tarefa de julgar os processos, de três formas, seja preventiva,

repressiva e educativa. De forma preventiva corresponde à análise dos atos de concentração,

ou seja, à análise das fusões, incorporações e associações de qualquer espécie ente agentes

econômicos. O papel repressivo corresponde à análise das condutas anticoncorrenciais

369GLÓRIA, Daniel Firmado de Almeida, A livre concorrência como garantia do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003. p.84.

137

(cartéis, vendas cassadas, preços predatórios e etc.). O papel educativo se desenvolve através

de seminários, cursos e palestras, onde o CADE tem a função de educar a coletividade.

A importância do CADE está na sua capacidade de dificultar entradas de certas

empresas, as quais vêm com intenções de investimentos nitidamente abusivo através de

punição de empresas que tenham essa intenção e no zelo pela livre concorrência no mercado

recém aberto ao capital livre internacional.

A análise obrigatória a ser efetivada pelo CADE, não consiste apenas em uma simples

averiguação das condutas prejudiciais à concorrência, previstas na lei antitruste foram ou não

praticadas, mas na efetiva adoção de medida que visem à suspensão do ato prejudicial, bem

como a penalização do agente que lhe deu causa. Uma vez constatada a prática de conduta

que prejudique de qualquer forma a livre concorrência, pode o CADE determinar o

desfazimento do ato ou contrato, ou autorizar a sua efetivação, condicionada à realização de

um Compromisso de desempenho que tem como objetivo a correção do ato impugnado.

Deve o CADE, no exercício das atribuições que a lei lhe confere, exercerem o

controle sobre a iniciativa privada quando da prática, por parte desta, de infrações à Ordem

Econômica, infrações estas carreadas no artigo 20 da lei nº. 8.884/94, já estudadas, podendo

o CADE, para tanto, promover, através de sua procuradoria a execução judicial de seus

julgados, ou, na forma do artigo 12, parágrafo único, solicitar ao Ministério Público Federal

que também promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem

como a adoção de medidas judiciais cabíveis na forma da lei, no exercício da atribuição

estabelecida pela alínea b, do inciso XIV, do artigo 6º da Lei complementar nº. 75 de 1993.

Percebe-se claramente pelas disposições do artigo 20 da Lei do CADE que, a

principal finalidade é coibir condutas lesivas à ordem econômica brasileira, reprimindo os

atos abusivos à concorrência e ao exercício da livre iniciativa, podendo, para tanto, impor

penas às mais diversas, na forma do artigo 23 da lei retro-mencionada, como multas,

proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, participar de licitações e tantas

outras.

Na aplicação destas penalidades, o CADE deverá observar os requisitos de

culpabilidade, fazendo uma alusão à culpabilidade em matéria penal, conquanto estas

sanções não tenham esta natureza do infrator, dispostas no artigo 27 de sua lei.

Função de extrema importância, no entanto, encontra-se designada no artigo 54 da

Lei do CADE, que ampliou a atuação da lei, define ser da competência deste apreciar todo e

qualquer ato que, de qualquer forma possa vir a limitar, prejudicar a livre concorrência ou

resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços, considerando-se, que o

138

percentual igual ou acima de 20% de dominação de um mercado é que é considerado para

efeitos de análise da referida autarquia, bem como a ordem repressiva, validando os contratos

entre particulares que possam limitar ou reduzir a concorrência.

O CADE pode autorizar um ato e concentração que tenha efeitos anticoncorrenciais

desde que tal ato tenha por objetivo aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens

e serviços, propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. Necessário

que os benefícios sejam distribuídos entre os particulares e os usuários ou consumidores, que

não haja eliminação da concorrência e que ato não implique restrições da concorrência que

não sejam absolutamente necessárias para que se atinjam os objetivos visados.

Somente será permitida a concentração se primar por vantagens econômicas e sociais,

pois necessita compensar os malefícios que ocasionará à concorrência e aos consumidores.

Em muitos casos, o objetivo maior decorrente de algumas concentrações empresariais

é apenas o de controlar, limitar ou manipular a concorrência de forma a se assegurar o

domínio da produção e da distribuição no mercado. Por outro lado, convivendo juntamente

com esses processos agressivos de crescimento das empresas, observa-se também que

algumas delas unem-se ou concentram-se no intuito de se defenderem, hipótese que ocorre

quando a concentração passa a assegurar a sobrevivência da própria empresa ou o controle do

próprio mercado nacional tomado por multinacionais estrangeiras.

Desta forma, se o bem jurídico tutelado pela lei é a própria ordem econômica, logo

qualquer ente, inclusive as instituições financeiras, deve-se sujeitar-se as decisões do CADE,

nos eventos de concentração econômica, proveniente de fusões, conglomeração ou

incorporações. Resultam a necessidade de uma análise do CADE para verificação da

manutenção das condições de concorrência e das demais previstas em lei, como forma

necessária de se autorizar o funcionamento do grupo econômico decorrente do ato de

concentração sob análise.

Todas as operações que resultem numa concentração econômica de 20% de um

determinado mercado ou em que o faturamento bruto anual de qualquer dos participantes seja

de quatrocentos milhões.

139

4.3.1 Decisões administrativas do CADE

Vários são as decisões proferidas pelo CADE, vale ressaltar alguns casos: 370

1) Caso Ambev:

O ato de concentração nº. 08012.005846/99-12, em que envolvia a operação de

agrupamento societário das empresas Companhia Antártica Paulista – Indústria Brasileira de

Bebidas e conexos (Antártica) e Companhia Cervejaria Brahma (BRAHMA), para

constituição da AMBEV no setor de bebidas e de malte.

Para efeito de análise do caso, três mercados relevantes foram afetados pela

operação: o mercado de águas, o mercado de refrigerantes e o mercado de cervejas.

Após análise das características de cada mercado relevante, entendeu-se que a

probabilidade de exercício de poder de mercado após a operação era muito baixa nos

mercados de águas e refrigerantes. No entanto, no mercado de cervejas, essa probabilidade

foi considerada alta o suficiente para levantar preocupações do CADE em relação à

aprovação da operação.

Assim, a alta concentração de mercado que a operação acarretou em todos os

mercados relevantes definidos e o fato de que o mercado de cervejas possui elevadas

barreiras à entrada, ligadas a algumas características do mercado tais como a diferenciação de

produtos (a Ambev reuniu três das maiores marcas de cerveja no Brasil) e a distribuição

exclusiva, levaram o CADE à conclusão de que a operação limitava a concorrência no

mercado relevante de cervejas.

A partir da análise das eficiências que poderiam advir da operação concluiu-se que a

constituição da Ambev resultaria em aumento da produtividade, melhoria da qualidade dos

bens ofertados e geraria eficiências e desenvolvimento tecnológico capazes de compensar os

prejuízos potenciais à concorrência advindos da associação.

370 Disponível hptt/www. cade.gov.br. Acesso em 27 de jul de 2008.

140

O TCD determinou a implementação do chamado “conjunto integrado de medidas”

que compreendeu a venda da marca Bavária, a alienação de 5 (cinco) fábricas e o

compartilhamento da distribuição. Além disso, a AMBEV deveria compartilhar sua rede de

distribuição em cada um dos cinco mercados geográficos relevantes definidos, desativar as

demais fábricas apenas mediante oferta pública, manter o nível de emprego, sendo que

eventuais dispensas associadas à reestruturação empresarial deveriam ser acompanhadas de

programas de retreinamento e recolocação, não impor exclusividade aos pontos de venda e

adotar todas as medidas visando alcançar as eficiências pertinentes à fusão.

As determinações tiveram como um de seus principais objetivos permitirem a entrada

quase imediata de um novo participante no mercado, sem que o mesmo tenha todos os custos

associados à criação de uma rede de distribuição, a construção de uma rede fabril e a fixação

de uma marca, além de propiciar o acesso de pequenas cervejarias à distribuição da AMBEV.

Assim, conforme autorizado pelo artigo 54 da Lei nº. 8.884/94 e em razão das medidas

estruturais impostas pelo CADE, das eficiências invocadas e dos benefícios alegados

preencherem as condições previstas na legislação em comento, o CADE autorizou com

restrições a operação que resultou na criação da Companhia de Bebidas das Américas –

AMBEV.

2) Caso Nestlé:

O ato de Concentração nº. 08012.001697/2002-89, que tinha como requerentes a

Nestlé Brasil Ltda e Chocolates Garoto S/A, como empresa subsidiária brasileira do grupo

suíço Nestlé, submeteu à apreciação do Cade a aquisição da empresa Chocolates Garoto S/A.

Como em outros casos, a definição do mercado relevante exigiu uma análise

aprofundada do caso. Duas fontes diferentes de informação serviram de base para estabelecer

as fronteiras do mercado relevante: a) dados provenientes da aplicação da metodologia PEM

(Price Elasticity Model), comumente utilizada em estudos de marketing pelas empresas; b)

dados de varejo Nielsen que serviram de base para estimações econométricas da demanda de

chocolates. Ambos os estudos tinham como objetivo conhecer a reação do consumidor a um

potencial aumento de preços dos chocolates Nestlé/Garoto.

O Conselheiro-Relator definiu quatro mercados relevantes afetados pela operação: (i)

o mercado de balas e confeitos sem chocolates, (ii) o mercado de coberturas de chocolates,

(iii) o mercado de achocolatados e (iv) o mercado de chocolates sob todas as formas,

excluindo os chocolates artesanais.

141

Quanto à dimensão geográfica, todos os mercados relevantes foram definidos como

nacionais. As Requerentes propuseram uma definição mais abrangente da dimensão

geográfica do mercado de chocolates sob todas as formas, que incluía todos os países

membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul). No entanto, o Plenário entendeu que as

restrições relativas à existência de restrições às importações, decorrentes da perecibilidade do

produto, o gosto do consumidor brasileiro e sua fidelidade à marca e a exigência de uma rede

de distribuição nacional inviabilizavam a entrada de produtos provenientes de outros países

do Mercosul, notadamente da Argentina, na escala suficiente para disciplinar os preços de

chocolates no Brasil.

Não foram vislumbrados problemas nos mercados de balas e confeitos e de

achocolatados. No primeiro, a participação de mercado resultante da operação (2,7%) seria

incapaz de conferir poder de mercado às Requerentes; e a elevada participação da Nestlé no

segundo mercado não resultava da operação, sendo que o aumento da participação da líder

(Nestlé/Garoto) de 58,1% para 61,2% não alterou substancialmente a estrutura de oferta,

permanecendo o mercado com as condições competitivas similares às existentes antes da

operação.

No mercado de coberturas de Chocolate, no entanto, entendeu-se que a operação

introduziu incentivos para condutas colusivas ou, no mínimo, condutas de colaboração tácita

entre as duas únicas ofertantes do mercado, não sendo a rivalidade entre os dois concorrentes

remanescentes condição suficiente para proteger os clientes de práticas abusivas.

No mercado de produtos de chocolate em geral, a Garoto era a terceira maior empresa

do Brasil, enquanto a Nestlé e a Kraft Foods (Lacta) alternavam-se na posição de liderança. A

aquisição aumentava significativamente a concentração horizontal no mercado de chocolates

e Outras questões foram analisadas, incluindo a estimativa das barreiras à entrada e as

perspectivas de expansão de marcas rivais como Mars e Hershey, que formavam uma franja

competitiva constituída por grandes empresas multinacionais.

O CADE concluiu que as importações não eram fatores significativos no mercado e

que havia barreiras a novas entradas em razão das dificuldades para garantir a distribuição por

atacado e devido à diferenciação do produto sustentada por elevados gastos em propaganda.

Além disso, foram descartadas as eficiências apresentadas pelas empresas, uma vez que ou

não seriam específicas à operação e poderiam ser obtidas de outras formas menos lesivas à

concorrência, ou porque as eficiências decorriam de transferências financeiras.

Assim, o Plenário concluiu que a transação deveria ser rejeitada porque nem a

esperada redução nos custos variáveis (eficiências), nem o grau de rivalidade remanescente no

142

mercado, seriam suficientes para evitar os aumentos de preço ao consumidor de chocolate, e

não havia qualquer remédio estrutural capaz de reduzir os efeitos negativos da elevação da

concentração.

Determinando o CADE à Nestlé que vendesse os Chocolates Garoto a um concorrente

que tivesse participação inferior a 20% no mercado relevante.

3) Caso Cosipa e Libra Terminais:

O ato de concentração nº. 08012.007443/1999-17, em que envolvia Santos Brasil S/A

- TECON Terminal de Contêineres, Companhia Siderúrgica Paulista - COSIPA e Libra

Terminais S/A-T-37.

O Processo Administrativo foi instaurado pela Secretaria de Direito Econômico – SDE

em 27/08/1999, em desfavor dos terminais portuários do Porto de Santos para apurar as

práticas associadas à cobrança de valores (a chamada THC2) para a transferência de

contêineres para outros recintos alfandegados, o que, supostamente, estaria limitando o acesso

de novas empresas ao mercado de armazenagem alfandegada; criando dificuldades ao

funcionamento de empresas concorrentes; regulando mercados por meio de acordos para

limitar ou controlar a prestação de serviços; e impondo preços excessivos.

Os mercados relevantes afetados pela prática foram dois. O primeiro é o mercado de

movimentação de cargas transportadas em contêineres, que compreende os serviços de carga e

descarga das embarcações e os serviços em terra (movimentação do costado do navio ao

portão do terminal). O segundo é o mercado de armazenagem alfandegada de mercadorias em

contêineres, que compreende a armazenagem até o desembaraço aduaneiro das mercadorias.

Na dimensão geográfica, esses mercados restringiram-se à área de influência do porto

de Santos, compreendida toda a área da Baixada Santista, no Estado de São Paulo.

A análise deste caso ateve-se à investigação dos possíveis efeitos anticoncorrenciais da

cobrança, por parte de operadores de terminais portuários, de valores para a transferência de

contêineres desembarcados no Porto de Santos para recintos alfandegados. Tais valores

restringiriam a concorrência no mercado de armazenagem de contêineres nos recintos

alfandegados (designados à época da instauração do PA como Terminais Retroportuários

Alfandegados – TRA, Instalações Portuárias Alfandegadas – IPA e Estações Aduaneiras do

Interior – EADI), uma vez que os custos da armazenagem poderiam ser elevados

artificialmente por meio do pagamento ao qual se condicionou a transferência dos contêineres.

143

Como os terminais portuários integraram verticalmente a atividade de armazenagem

alfandegada, o problema de concorrência decorrente da cobrança da Taxa de Liberação de

Container (TLC ou THCs) estaria associado à capacidade que o Terminal Portuário teria de

utilizar essa cobrança para eliminar ou disciplinar seus rivais no mercado de armazenagem e,

por meio dessa eliminação ou disciplina arrefecer a intensidade da concorrência, gerando

potencialmente, os efeitos previstos no artigo 20 da Lei 8884/94.

Os Representados apresentaram estudos, laudos técnicos e simulações, tentando

justificar sua conduta, alegando que:

(i) os Terminais Portuários incorrem em custos para prestar serviços aos Recintos

Alfandegados, custos esses que têm que ser suportados por alguém;

(ii) o valor da THC2 corresponde ao diferencial de custos provocado pela segregação e

entrega imediata dos contêineres destinados a outros não cobertos pela “box rate”13; e

(iii) o valor cobrado corresponde ao custo de operações físicas e administrativas

necessárias para a entrega de contêineres, não cobertas pela “box rate”.

Em resumo, os operadores de terminais portuários alegavam que a cobrança da THC2

era uma conduta competitiva legítima, resultante da dinâmica natural do mercado e, mesmo

que os terminais não-integrados fossem excluídos, isso não seria devido a uma conduta

anticoncorrencial, mas sim ao resultado natural da nova configuração do mercado, que seria a

de firmas integradas verticalmente.

O CADE concluiu que nenhuma dessas razões era forte o suficiente para legitimar a

prática adotada, dentre outras razões porque nenhum dos estudos, laudos e simulações

conseguiram demonstrar que as alegações dos Representados procediam.

O caso foi entendido como uma prática de elevação dos custos dos rivais, viabilizada

pela integração vertical para frente dos terminais portuários. A TLC tem o efeito de criar um

limite inferior para os preços praticados pelos Recintos Alfandegados não integrados

verticalmente, limitando assim a concorrência nesse mercado. Sem guardar proporção com os

custos efetivos da movimentação de contêineres, a TLC eleva os custos de todas as indústrias

que importam insumos, reduzindo o bem-estar dos consumidores e prejudicando a

competitividade da indústria brasileira.

O CADE condenou as Representadas por infração à ordem econômica, determinando:

(i) a imediata cessação da cobrança de liberação de contêineres dos recintos alfandegados; (ii)

o pagamento de multa correspondente a 1% (um por cento) de seu faturamento bruto no ano

anterior à instauração do processo e, no caso da Usiminas, que explora inúmeras atividades

não relacionadas à atividade portuária, que a multa deveria incidir sobre o faturamento bruto

144

referente apenas à sua atividade portuária no terminal em questão; (iii) a publicação do teor da

decisão em meia página de jornal de grande circulação nacional, por dois dias seguidos e em

duas semanas consecutivas; além de outras determinações.

Foi determinado, ainda, o encaminhamento de cópia da decisão à Agência Nacional de

Transportes Aquaviários – ANTAQ, à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da

Justiça – SDE/MJ e à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda –

SEAE/MF.

Ressaltando que todas as empresas acima descritas não aceitaram as decisões do

CADE e recorreram ao Poder Judiciário para tentar anular a decisão administrativa do

mesmo.

Sem dúvida o CADE tem competência para impor punições àqueles que, de qualquer

forma, praticarem atos lesivos à ordem econômica, na forma do que dispõe sua legislação

específica.

Prevê a lei as sanções administrativas a serem impostas contra os empresários

condenados pela prática de infração à ordem economia: multa, publicação pela empresa de

extrato da decisão condenatória, proibição de contratar como Poder Público ou com

instituições financeiras oficiais, inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor,

recomendação de licenciamento obrigatório de Patente titularizada pelo infrator, de negativa

de parcelamento dos tributos ou cancelamento de beneficio fiscal, bem como a determinação

de atos societários como cisão ou transferência de controle compulsório.

As decisões administrativas condenatórias, proferidas pelo CADE, são títulos

executivos extrajudiciais e comportam execução específica quando impõem obrigação de

fazer ou não fazer, podendo o juiz para isso decretar a intervenção da empresa.

Não pode o Poder Judiciário se abster de examinar quaisquer pedidos, pelos órgãos

devidamente legitimados para tal, conforme o art. 29 da Lei do CADE, quando se argüir

ofensa à ordem econômica. Traduz claramente este artigo que quaisquer prejudicados, por si

ou pelos legitimados pelo artigo 82 da Lei nº. 8078/90, poderão ingressar em juízo para

defenderem seus direitos ou interesses que julgarem ofendidos.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, dispõe que, "[...] a lei

não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.", conseqüentemente,

toda e qualquer lesão, ou ameaça de lesão à estabilidade da Ordem Econômica poderá ser

apreciada pelo Poder Judiciário, independente de ter sido questionada em qualquer área

administrativa. Em última ratio, o juiz decide, pois, possui todos os poderes constitucionais

necessários a isto.

145

Não resta dúvida de que, no confronto CADE x JUDICIÁRIO, em que pese o CADE

poder, por intermédio dos poderes que lhe foram conferidos, até executar suas decisões,

poderá o Judiciário desconstituir qualquer decisão proveniente do mesmo, ou ratificar, com

base no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988. 371

Ademais, cumpre acrescentar que, o Judiciário deverá sempre observar a

constitucionalidade dos atos promovidos pelo poder executivo, no tocante ao âmbito de

intenção no domínio econômico, como sendo próprio de sua esfera ou não. É desta forma que

ao Judiciário caberá analisar quaisquer formas de intervenção do Estado no domínio

econômico, já que o Estado deve sempre dirigir-se, no tocante à atuação estatal, pelo

princípio da subsidiariedade, restringindo sua atuação ao necessário ao desenvolvimento de

funções relacionadas ao serviço público, ou, aos ditames do artigo 173 da Constituição

Federal de 1988, devendo, se assim for necessário, decretar a inconstitucionalidade destas

interferências.

O problema que surge em relação às decisões do Poder Judiciário é que muita vezes

o aplicador da Lei não é especialista em economia ou tem pouco conhecimento, deixando em

suas decisões prevalecer apenas o direito individual, deixando de levar em consideração a

realidade social e atual do problema, que muitas vezes é bem maior que o problema

individual que está sendo discutido na oportunidade.

De maneira que o aplicador do direito aplica a lei levando em consideração o

interesse individual e não o coletivo e o interessante para o direito econômico é a

coletividade e o social, pois todas as decisões serão diretamente refletidas na questão

econômica do país.

A atuação do CADE, desde meados dos anos 90, vem se consolidando de forma a já

não se vislumbrar “surtos” de aplicação da Lei Antitruste, mas sim uma linha continua de

atuação. 372 Sempre no interesse de impedir as práticas anticoncorrenciais e coibir o abuso do

poder econômico, objetivando o desenvolvimento econômico do país de forma licita e clara,

sem prejuízos a qualquer das partes integrantes da relação consumerista.

371 POOP, Carlyle.VIEIRA, Edson. Comentários à Nova Lei Antitruste. Curitiba: Juruá, 1994, p. 38. 372FORGIONI, Paula Andréa. Os Fundamentos do Antitruste. 2. ed.rev. Atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.144.

146

Pode-se afirmar que o CADE está cumprindo com sua função de orientador de

mercado, orientado, fiscalizando prevenindo e apurando os abusos de poder econômico,

exercendo o papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo.

Com as tendências mundiais modernas o CADE ofereceu uma nova configuração e

consolidação do direito da concorrência, no entanto atualmente o CADE precisa ser mais

fortalecido em razão dos entes setoriais.

Atualmente na prática o aplicador do direito tem se atido mais ao objeto e aos efeitos

potenciais de forma descentralizada, deixando de lado a interpretação literal, vinculando as

doutrinas econômicas, eis que a legislação às vezes se mostra insuficientes para acomodar a

realidade a ser disciplinada pelo antitruste.

Tércio Sampaio Filho afirma que é impossível de ser dominada por saberes genéricos

e formais, daí a necessidade de especialização em áreas de atuação demarcadas, nas quais o

conhecimento técnico exige uma formação especial. 373

A dúvida está se a aplicação da Lei Antitruste será aplicada à econômica como um

todo ou somente em setores específicos do mercado, deve-se estar alerta para os riscos desse

processo, eis que as regras da concorrência são mais eficazes do que a fragmentação em

vários setores, no entanto se a missão de zelar pela competição for fatiada entre os vários

setores da economia, o Brasil estará andando na contramão das tendências regulatórias atuais.

Ao que parece o problema não é somente de articular competências entre as agências

reguladoras e o CADE, mas de fazer uma inserção do CADE na nova configuração

regulatória do país.

Nesse sentido Calixto Sebastião Filho assevera que todos os setores cuja regulação

tem um fundamento concorrencial mínimo não escapam ao controle concorrencial, ocorre que

a aplicação dos princípios constitucionais e da própria lei concorrencial é diversa tratando-se

de setores regulados, o que é decorrente do caráter mais interventivo exigido do direito

antitruste em mercados mais concentrados. 374

A problematização existe no sentido de que não existem fronteiras entre a matéria da

regulação e da concorrência, sendo assim o CADE deve relativizar à aplicação do direito de

concorrência no caso de agências reguladoras, sopesando concretamente os valores da esfera

setorial com os princípios da ordem econômica constitucional.

373 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Agências Reguladoras: Legalidade e Constitucionalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo: ano 8, n 35, nov./dez, 2000. 374 Op cit.

147

Por fim nesses casos deve também haver proporcionalidade entre o sacrifício que leva

à aplicação restrita do antitruste e a finalidade almejada, utilizando-se da proporcionalidade.

Pedro Aurélio de Queiroz Pereira da Silva aduz que o principio da proporcionalidade,

funda-se em três pressupostos: a adequação, a necessidade e exigibilidade e a

proporcionalidade em sentido estrito. A adequação indica que a medida deve ser eficaz ao

alcance da finalidade a que se destina, a necessidade requer que tal medida seja menos

impactante ou menos gravosa dentre aquelas aptas à consecução da finalidade e a

proporcionalidade significa a ‘justa’ medida. 375

Independente do ente setorial, o CADE poderá e deverá utilizar dos meios adequados

para repreender a prática de atos anticoncorrenciais, pois na realidade as leis setoriais não

adotam a isenção da Lei Antitruste, ao contrário as respeitam, porém o CADE precisa ser

fortificado para poder dar resolução a todos os problemas dessas questões regulatórias, eis que

com o passar do tempo os entes setoriais podem abandonar as práticas legais e começar a

praticar os abusos anticoncorrenciais e o CADE precisa ser o suficientemente forte para

enfrentar tal situação.

375 Op cit.

148

CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 tem natureza mista, eis que se preocupa com os

princípios do liberalismo e com os ideais do socialismo, inclue a transparência, os direitos

individuais e civis, especialmente o direito à vida, à liberdade, à propriedade, eleições livres,

igualdade da lei e de direitos para todos os cidadãos.

Com o desenvolviemnto econômico do país e com as restrições que a estrutura

econômica passou a enfrentar, o Estado foi obrigado a intervir na tentativa de organizar a

vida econômica e social, havendo uma interimplicação e integração entre a constituição

política e a constituição econômica, eis que até aquele momento o cidadão tinha uma

liberdade plena, sem limites, o que muitas vezes atrapalhava o desenvolvimeto econômico da

nação, o sucesso na maioria das vezes era tido como individual, necessitando da assunção da

responsabilidade social por parte do Estado.

Momento em que começou haver mudanças no sentido de assegurar à nação a

unidade, a liberdade, à justiça, a intervenção mínima do Estado e o bem-estar social

econômico, deixando clara a nova ideologia era o bem comum entre a coletividade e não

somente individual, existindo uma auto-limitação por parte do Estado nos termos da

legislação constitucional.

A Constituição Federal de 1988 buscou compatibilizar a coexistência entre a

ideologia liberal com os ideais da justiça social, em nítido acolhimento de uma democracia

social, explicitado pela ligação do valor social do trabalho, à liberdade de iniciativa

econômica, a livre concorrência e a preocupação com o consumidor, que na realidade estava

sendo visto como a coletividade.

Com o Estado de bem-estar social, surgiu então a constituição econômica que pode

ser entendida como conjunto dos princípios fundamentais informadores da atividade e da

organização econômica do país, através dela terá os princípios a serem seguidos na atividade

econômica.

A Constituição Federal de 1988 define um modelo econômico de bem-estar social

previsto na Ordem Econômica, em seus artigos 170 e seguinte, porém necessário que os

fundamentos afirmados no artigo 1º e os objetivos definidos no artigo 3º venham a ser

plenamente realizados, garantindo a ordem econômica assegurar a todos existência digna.

Existe uma diferenciação em razão da nomenclatura utilizada pelos princípios, os

fundamentos e os objetivos da ordem econômica, pois a natureza jurídica de todos eles é

149

principiólogica, de maneira que a função jurídica de todos é de princípio, tendo por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

O princípio da livre iniciativa assegura não apenas a livre escolha das profissões e das

atividades econômicas seja o livre acesso ao mercado, mas também a autônoma eleição dos

processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados.

O direito do consumidor trata-se da realização de um direito fundamental positivo de

proteção do Estado de acordo com o artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de

1988, sendo o consumidor identificado constitucionalmente como agente a ser

necessariamente protegido de forma especial, além de estar como princípio da ordem

econômica, o mesmo tem ainda a proteção do Código de Defesa do Consumidor, que é

composto por normas de ordem pública e interesse social, visando também estabelecer

condições mais favoráveis ao consumidor, frente ao poderio econômico dos fornecedores no

mercado de consumo.

O princípio da livre concorrência visa buscar chances iguais para a disputa do mercado

entre os particulares que desejarem exercer e permanecer numa atividade econômica no

território brasileiro, inclusive o direito de entrar na atividade econômica pode ser vista como

livre iniciativa e o direito de permanecer no mercado seria a livre concorrência, concluindo

que não pode uma existir sem a outra, pois ambas se complementam no mesmo objetivo,

visam tutelar o sistema de mercado e especialmente proteger a livre concorrência contra a

tendência da concentração capitalista.

A defesa da concorrência tende a espelhar o espaço reservado à intervenção estatal no

domínio econômico e, por conseguinte, à liberdade de atuação assegurada aos agentes

econômicos e combate às manobras tendentes à eliminação da concorrência, o que o faz

através da legislação, como a lei antitruste, sob a forma de proteção da coletividade contra os

efeitos perniciosos produzidos pelas práticas anticoncorrenciais, visando à prevenção e a

repressão aos abusos cometidos contra a ordem econômica, sempre tendo como principal

protegido o consumidor, seja seu titular imediato.

A concentração econômica representa uma falha na estrutura dos mercados, que

correspondem a uma situação nas quais os seus pressupostos de funcionamento não se fazem

presentes, tornando-o inoperacional e acabam por abalar a relação de consumo, classifica-se

como: concorrência perfeita e imperfeita, monopólio, oligopólio, oligopsônio e monopsônio.

O abuso de poder por sua vez comete o delito o empresário que se utiliza de seu

interesse pessoal, antepondo-o ao interesse geral e causando danos ou prejuízos à

coletividade, procurando dominar o mercado e eliminar a concorrência para obter lucros

150

excessivos, o indivíduo e as empresas acabam usando o poder econômico de que dispõem

para a satisfação de ambições pessoais, deixando de atender aos objetivos da ordem

econômica, prejudicando a economia do país e prejudicando claramente os consumidores que

são constitucionalmente protegidos.

Os cartéis, truste e dumping são coibidos pela legislação constitucional, sendo referido

entendimento extraído do artigo 173, § 4º, da Constituição Federal de 1988 que dispõe: “A lei

reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da

concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” E da Lei Antitruste, a qual seguiu os

comandos normativos supremos da Constituição Federal e tem como objetivo a prevenção e

repressão aos abusos cometidos contra a ordem econômica.

A Constituição Federal de 1988 reconhece a existência do poder econômico,

prescrevendo ao Estado o dever, de por lei, reprimir seus abusos, na medida em que, por

vezes, este acaba sendo exercido de modo anti-social, sendo necessário à intervenção do

Estado para ver os objetivos da ordem econômica satisfeitos.

A Lei Antitruste dispõe em dois dispositivos, de um lado o artigo 20, que estabelece o

objetivo ou efeitos possíveis da prática empresarial ilícita e de outro lado o artigo 21, que

elenca diversas hipóteses em que a infração a ordem econômica pode ocorrer e lesionar a

atividade econômica.

O controle do abuso do poder econômico pode ser visto como instrumento de

intervenção estatal hábil a tutelar não apenas a livre iniciativa e a livre concorrência, mas

também os princípios sociais regentes na espécie, em especial a dignidade da pessoa humana,

a valorização do trabalho, a busca do pleno emprego, a redução das desigualdades regionais e

sociais e em especial a defesa do consumidor.

A defesa dos interesses dos consumidores não se desvincula do princípio instrumental

da livre iniciativa e consequentemente da livre concorrência, corolário daquele, bem como a

legislação infraconstitucional, o Código de Defesa do Consumidor e Lei Antitruste, os quais

comungam de muitos objetivos que paralelamente se apóiam e possuem objetivos bastante

próximos.

O consumidor é destinatário econômico final das normas concorrenciais, a

manutenção de um ambiente concorrencial possibilita preços mais acessíveis, possibilidade de

escolha entre produtos e serviços inovadores e amplo acesso à informação por parte do

consumidor.

A proteção jurídica de seus interesses se dá comumente pela defesa da concorrência,

assim a defesa do consumidor e da livre concorrência, enquanto princípios constitucionais

151

imprescindíveis para a implantação de políticas públicas baseadas nos objetivos que se inter-

relacionam de forma intensa, devendo a formulação de tais políticas públicas ser feita de

forma harmônica, para que não ocorra desvios de objetivos.

Por todos os motivos expostos é que não se pode dizer que exista uma

incompatibilidade entre as leis da concorrência e da defesa do consumidor, ainda mais na

qualidade de princípios constitucionais, os quais estão na mesma posição hierárquica, não

devendo de nenhuma maneira um sobrepor ao outro.

Geralmente não há incompatibilidade entre as legislações infraconstitucionais a

respeito do assunto em tela, no entanto podem ocorrer conflitos entre as mesmas, ao quais

deveram ser resolvidos pela interpretação do aplicador da lei, eis que o mesmo deverá

escolher a que de a melhor solução ao caso concreto, ou ainda utilizar-se das duas normas de

forma harmônica e integrada, com o objetivo de solucionar o problema no caso concreto da

melhor maneira possível.

Utilizará uma harmonia proveniente da interpretação sistêmica e integrada que deverá

ser realizada diante da aplicação das leis que melhor proteja o consumidor no caso concreto.

O legislador busca a aplicação conjunta, integrada e compatibilizada dos princípios da ordem

econômica, bem como de toda a legislação referentes ao mesmo assunto, a fim de garantir a

harmonia da ordem econômica.

O aplicador da lei além de interpretar os princípios e as normas de forma harmônica,

deve ainda utilizar-se do principio da proporcionalidade o qual concretiza o postulado

segundo o qual o Direito não se esgota na lei e sim deve representar a síntese da vontade

geral, seja o legislador precisa utilizar-se da proporcionalidade no momento de escolher qual

norma ou princípio aplicar no caso concreto, não esquecendo de que precisa se adequar às leis

aos princípios fundamentais do direito, pautado por maior intervenção estatal e pela

relativização das garantias individuais em prol do interesse coletivo.

De maneira que dentro desse contexto, o princípio da proporcionalidade desponta

como relevante instrumento de solução de conflitos na medida em que se apresenta como

mandamento de “otimização de princípios”, ou seja, como critério de sopesamento de

princípios quando estes conflitam em dada situação concreta.

A construção de uma política econômica que objetive harmonizar as relações de

consumo encontra-se intimamente relacionada à construção de uma política de defesa da

concorrência, tanto que os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor e

legislações sobre o assunto têm interesses em comum, sendo vários os artigos das legislações

que tem a mesma finalidade, o direito concorrencial visa a estabelecer o equilíbrio das

152

relações de mercado, buscando a equidade e a boa condução dessas relações, também tem

interesse em buscar a satisfação do consumidor. Assim, pode-se afirmar que as duas

legislações têm princípios que pode considerar como comum, como por exemplo, a idéia de

que o sistema de mercado se justifica pela capacidade de produzir mais e melhores os bens de

consumo e ainda promover melhor a distribuição da riqueza e que indicando o bem-estar do

consumidor como objetivo econômico a ser alcançado pela Lei de defesa da concorrência,

ambas tem a mesma igualação valorativa.

Motivo que não se deve deixar a responsabilidade de proteção da livre concorrência

apenas para a legislação Antitruste e pelo CADE, mas também deve ser atribuído ao

consumidor o dever de juntamente colaborar no intuito de evitar as práticas

anticoncorrenciais que por fim acabem prejudicando o próprio consumidor.

O consumidor pode colaborar evitando adquirir produtos e serviços de empresas que

sabe que não são honestas, que não usam da ética negocial, de empresas que fazem parte de

cartéis, comprarem produtos falsificados, pois caso o consumidor não consuma ficará difícil

para as empresas aumentar os preços dos produtos e assim dominar o mercado.

O objetivo último da ordem econômica é a preservação do ambiente concorrencial

saudável, impedindo e coibindo a prática de condutas anticompetitivas, por agentes

econômicos, que seja deletéria ao consumidor e a sociedade como um todo.

O Estado deve atuar para garantir os direitos básicos da pessoa humana, deve agir

como propulsor do bem-estar social, sua política econômica deve voltar-se cada vez mais

para a justiça social. Devendo o aplicador da lei entender que a legislação em tela deve ser

compreendidas como complementares, eis que a concretização da defesa da concorrência

exige a concretização da defesa do consumidor.

Tudo com intuito de se formar um mercado transparente, saudável, harmônico e leal,

almejado pela maioria dos concorrentes e consumidores, onde exista pluralidade de

concorrentes, liberdade de escolha, respeito ao consumidor, qualidade de produtos e serviços

e insegurança com relação às posições dominantes, tornando viável o encontro de um ponto

de equilíbrio ente a liberdade e a proteção.

153

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