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239 Cristiano Augusto Batista Tristão Dias* A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO LIVRE COMÉRCIO DO MERCOSUL CONSUMER PROTECTION IN MERCOSUR’S FREE TRADE LA PROTECCIÓN DEL CONSUMIDOR EN EL LIBRE COMERCIO DEL MERCOSUR Resumo: Com a crescente integração econômica e a realidade comunitária contemporânea existente de comum acordo entre países existem questões conflitantes durante o processo de aproximação de merca- dos. Este trabalho pretende apresentar uma análise sobre um dos conflitos no processo de integração no Mercosul: a tutela protetiva do consumidor como fator restritivo não tarifário para o livre comércio entre os países-membros do Bloco. As assimetrias legislativas entre os Estados signatários em matéria consumerista limitam a livre circu- lação de produtos no âmbito do Tratado de Assunção. Neste artigo se expõe a análise da origem jurídica desse organismo internacional do Cone Sul, bem como a realidade jurídica impeditiva da livre circu- lação intrabloco, chegando à conclusão da imperiosa necessidade de se obter legislação unívoca em defesa do consumidor mercosulista. Abstract: Despite a higher level of integration among countries nowadays, there are many crises points in market’s gathering process. This paper has the goal to show an analysis of the Mercosur’s inte- gration process crisis point, which is the consumer protection’s legislation as a non-tax restrictive free trade’s factor among coun- tries in the block. The legislative asymmetry among the signed States in matter of consumer protection law presents limits to a free goods and service trade at Asunción Treat’s stage. This work presents analyses of the Southern Cone international organism legal statement’s backgrounds, as well the truly legal bounds to a * Graduando de Direito pela PUC-GO e estagiário da 21ª Promotoria de Justiça do MP-GO.

A proteção do consumidor no Livre Comércio do Mercosul

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Com a crescente integração econômica e a realidade comunitária contemporânea existente de comum acordo entre países existem questões conflitantes durante o processo de aproximação de mercados.

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Cristiano Augusto Batista Tristão Dias*

A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO LIVRE COMÉRCIO DO MERCOSUL

CONSUMER PROTECTION IN MERCOSUR’S FREE TRADE

LA PROTECCIÓN DEL CONSUMIDOR EN EL LIBRE COMERCIO DEL MERCOSUR

Resumo:

Com a crescente integração econômica e a realidade comunitária

contemporânea existente de comum acordo entre países existem

questões conflitantes durante o processo de aproximação de merca-

dos. Este trabalho pretende apresentar uma análise sobre um dos

conflitos no processo de integração no Mercosul: a tutela protetiva do

consumidor como fator restritivo não tarifário para o livre comércio

entre os países-membros do Bloco. As assimetrias legislativas entre

os Estados signatários em matéria consumerista limitam a livre circu-

lação de produtos no âmbito do Tratado de Assunção. Neste artigo

se expõe a análise da origem jurídica desse organismo internacional

do Cone Sul, bem como a realidade jurídica impeditiva da livre circu-

lação intrabloco, chegando à conclusão da imperiosa necessidade de

se obter legislação unívoca em defesa do consumidor mercosulista.

Abstract:

Despite a higher level of integration among countries nowadays,

there are many crises points in market’s gathering process. This

paper has the goal to show an analysis of the Mercosur’s inte-

gration process crisis point, which is the consumer protection’s

legislation as a non-tax restrictive free trade’s factor among coun-

tries in the block. The legislative asymmetry among the signed

States in matter of consumer protection law presents limits to a

free goods and service trade at Asunción Treat’s stage. This work

presents analyses of the Southern Cone international organism

legal statement’s backgrounds, as well the truly legal bounds to a

* Graduando de Direito pela PUC-GO e estagiário da 21ª Promotoria de Justiça do MP-GO.

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free trade within the block, getting the conclusion that it must be

only one consumer protection legislation in Mercosul’s market.

Resumen:Pese a un mayor nivel de integración entre los países

hoy en día, hay cuestiones conflictivas en el proceso de aproxi-

mación de mercados. Este trabajo tiene el objetivo de mostrar un

análisis de uno de los conflictos en el proceso de integración en

el Mercosur: la legislación de protección de los consumidores

como un factor restrictivo no tarifario para el libre comercio entre

los países del bloque. Las asimetrías legislativas entre los Estados

signatarios en materia de protección al consumidor limitan la libre

circulación de productos en el ámbito del Tratado de Asunción.

Este artículo presenta un análisis de los antecedentes jurídicos

de ese organismo internacional del Cono Sur, así como la realidad

jurídica impeditiva de la libre circulación en el bloque, obteniendo

la conclusión de la imperiosa necesidad de obtenerse una legis-

lación de protección al consumidor del mercado del Mercosur.

Palavras-chaves:

Defesa do Consumidor, assimetria legislativa, fator restritivo,

Direito da Integração.

Keywords:

Consumer protection, legislative asymmetry, restrictive factor, integration law.

Palabras clave:

Defensa del consumidor; asimetría legislativa, factor restrictivo,

Derecho de la Integración.

INTRODUÇÃO

O Direito da integração é uma matéria de interesse entresujeitos do Direito Internacional. É um sistema jurídico gerado pelaunião entre Estados de soberania plena, com o objetivo de trazer be-nefícios em relação a aspectos socioeconômicos, políticos e jurídicos

para que seja alcançado o interesse público internacional. De fato,essas comunhões, traduzidas na formação de blocos econômicos eorganizações intergovernamentais, demonstram as formas de umanova ordem jurídica internacional.

No entanto, no percurso desse processo integrativo surgemvários pontos conflitantes, e.g., restrições tarifárias e/ou restrições nãotarifárias ao livre comércio. O presente estudo apresenta análisessobre o processo de integração no Cone Sul, mais especificamenteno Mercosul, utilizando como baliza a assimetria nas legislações dedefesa do consumidor entre os países-membros como um dos fatoresrestritivos ao livre comércio no referido bloco econômico.

São traçados, também, questionamentos para discussõesacerca do princípio da supranacionalidade em detrimento da sobe-rania nacional que, sendo um conceito rígido, é muitas vezes usadocomo justificativa política para a não formação de legislações uní-vocas de hamornização na defesa do consumidor, buscando elimi-nar essa barreira não tarifária ao livre comércio mercosulista.

Nota-se que o Tratado de Assunção (1991) completa 20anos de existência juntamente com o Código de Defesa do Con-sumidor Brasileiro, porém, o decurso do tempo fez com que o es-tágio avançado de protetividade, alcançado por um membro dobloco em relação aos outros, acarretasse certa dissonância nasrelações comerciais efetuadas intrabloco.

Dessa maneira, este trabalho procura tecer consideraçõespertinentes a partir da análise doutrinária e legislativa no que serefere aos efeitos impeditivos de uma assimetria legislativa na de-fesa do consumidor como fator restritivo ao livre comércio entre ospaíses-membros do Mercosul.

A ORDEM JURÍDICA DO MERCOSUL

Breve contexto histórico

Uma das facetas desenvolvidas no cenário internacionaldo pós Segunda Guerra Mundial é o reconhecimento de temas

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que, até então, eram restritos ao ambiente político doméstico dosEstados, sobretudo acerca dos direitos humanos, da economia,do comércio, do meio ambiente e da própria arena em que se es-tabelecem os processos decisórios.

No que tange às questões econômicas isso não se apre-sentou propriamente como novidade, visto que, na história, no con-texto das expansões ultramarinas do século XV e XVI, promovidaspor Portugal, de um lado, e Espanha, de outro, ao alcançarem asAméricas, a África e o Extremo Oriente, já se obtém algumas pis-tas do caminho a ser trilhado pelas potências europeias, que su-cederá a chamada Epopeia das Descobertas do Renascimento.

Em seguida, nesse processo consumerista, a RevoluçãoIndustrial, liderada pela Inglaterra e pela França, substituiu, re-novou e reforçou a globalização de produção de bens e serviçosde consumo em grande escala.

Todo esse avanço nos métodos de armazenar e fazercircular riquezas fez crescer e acelerar os investimentos e omodo de administrar das Metrópoles para com os mercados desuas Colônias. Os Pactos Coloniais foram criados e guarnecidospara gerar esse protecionismo de mercado.

Jean-Maire Lambert (2004, p. 109) descreve bem estemomento da história, asseverando que:

A metrópole e suas posses de ultramar, com efeito, formavam umuniverso fechado, uma espécie de terreno privativo de caça, ummercado cativo, onde ninguém pisava sem consenso metropoli-tano. A colônia não comercializava diretamente seus produtoscom outras nações. Qualquer operação era mediatizada. Capitalestrangeiro não penetrava, pois oportunidade de negócio não secompartilhava com ninguém de fora.

A expansão industrial da Grã-Bretanha, em meados doséculo XIX, possibilitou um grande volume de capitais e produtosexcedentes que necessitavam ser absorvidos pelos mercados ca-rentes das manufaturas. As barreiras do protecionismo de mer-cado firmadas no sistema colonial não eram interessantes paraum mercado de capitais industriais ingleses.

Como resultado desse conflito de interesse entre o sis-tema colonial e o liberalismo de mercado eclodiu a Primeira

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Guerra Mundial (1914-1918), que trouxe a quebra dos parâmetrosmetropolitanos e a inserção da livre concorrência de mercados.

Contudo, o cenário de multilateralismo de comércio teveuma mudança gerada pela crise mundial de 1929, fazendo comque a maior parte dos países buscasse o retorno aos métodosde comércio bilateral.

A Grande Depressão, que perdurou durante a década de1930, fez com que os países do Cone Sul tentassem diferentes es-tratégias para fazer frente à queda de demanda externa e à recessãoagrícola, e as exportações de produtos agrícolas primários tiveramum papel fundamental nas economias latino-americanas.

Uma das principais estratégias para driblar a crise foi oincremento dos processos de industrialização para suprir o déficitde produtos importados. Na verdade, esse processo substitutivonão era resultado da crise, pois países como a Argentina e o Brasiljá tinham experimentado um relativo crescimento industrial a partirda Primeira Guerra Mundial.

No ano de 1941, o comércio intra-Cone Sul, melhorado pelapotencialidade industrial, incentivou a aproximação entre os paísesda região. Esse fenômeno ficou visivelmente demonstrado na Con-ferência Regional do Prata, em Montevidéu. Outro instrumento deintegração na região foi o Tratado Argentino-Brasileiro sobre LivreComércio Progressivo, assinado em Buenos Aires no mesmo ano.Esse tratado “expressava o propósito de estabelecer um regime delivre intercâmbio comercial que permitisse chegar a uma união adua-neira aberta à adesão dos países limítrofes” (GIGENA, 1943, p. 74).Vale ressaltar que esses movimentos iniciais de integração versa-vam apenas sobre intercâmbio comercial.

Tempos depois, no cenário da Segunda Guerra Mundial(1939-1945), houve o aumento das vendas recíprocas na AméricaLatina em comparação com os níveis anteriores, o que estimulouos esforços favoráveis aos acordos oficiais para estabelecer re-lações preferenciais.

Nesse sentido, vários tratados comerciais foram firma-dos, tendo como exemplo os tratados comerciais entre Argentinae Bolívia; o já mencionado entre Brasil e Argentina; entre Brasile Paraguai; entre Estados Unidos e Brasil e, ainda, daquele paísdo norte com Argentina:

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Dessa maneira, mediante o fortalecimento do intercâmbio com osmercados da região e a coordenação de seus planos comerciaiscom os Estados Unidos, os países latino-americanos buscaramabastecer-se normalmente, evitando a perda dos mercados eu-ropeus. (CARRIZO apud CERVO e REPOPORT, 1998, p. 267)

Com o fim da Segunda Guerra, o cenário internacionalse transformou mais uma vez. Iniciou-se a Guerra Fria, que fezcom que os Estados Unidos priorizassem o enfrentamento como bloco soviético e a reconstrução da Europa e do Japão. A íbero-américa em geral, e o Cone Sul em particular, ficaram em se-gundo plano nas prioridades de política exterior estadunidense.

Por outro lado, os acordos de Bretton Woods (1944), quederam origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e aoAcordo Geral de Tarifas Aduaneiras (GATT), em 1947, buscarampromover os princípios neoliberais no comércio e a eliminação dosistema de preferências mútuas, de modo a reordenar o comérciomundial e o sistema de pagamentos, debilitado pela guerra.

Nessa perspectiva, a Associação Latino-Americana deLivre Comércio (ALALC), que cedeu lugar à Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em 1980, teve um papel impor-tante, pois, nas intenções dos seus idealizadores, a associaçãodeveria dinamizar o comércio intralatino, e, na realidade,

não fazia senão ajustar um vasto espaço mercadológico àsexigências do liberalismo brettonwoodiano, preparando o ter-reno para o capital transnacional, “desforçando” o empresa-riado local e aumentando mais ainda o grau de dependênciada economia regional. (LAMBERT, 2002, p. 162)

Para poder atender a seus compromissos externos, ospaíses latino-americanos tiveram que adotar diversos planos deajustes internos, sob as sugestões ou controle do FMI.

Nos anos 90 do século XX, as tendências da economiamundial apresentaram vários fenômenos simultâneos e inter-relacionados. Entre eles, ocupam lugar de destaque a informa-ção instantânea e a intensificação dos fluxos econômicos.Também formam parte desse processo a existência de umaordem econômica e política mundial multipolar.

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Em 26 de março de 1991, acompanhando essa nova ten-dência de formação de blocos econômicos e tentando responderaos desafios da inserção econômica internacional, Argentina,Brasil, Uruguai e Paraguai assinaram o Tratado de Assunção,constitutivo do Mercosul.

A ordem jurídica no processo de Integração Regional noMercosul

O autor João Bosco M. Machado (2000, p. 19) define que“a integração econômica pode ser o processo de eliminação defronteiras e barreiras de natureza econômica entre dois ou maispaíses (=mercados)”. Na realidade, as fronteiras econômicas es-tabelecem obstáculos aos fluxos de mercadorias, serviços e fatoresde produção entre países, o que significa que as condições de pro-dução, a regulação local e outros elementos internos operam emgeral como os principais determinantes dos preços das mercado-rias, dos serviços e dos fatores no âmbito do mercado nacional.

A Teoria Clássica da Integração Econômica, tambémanalisada pelo autor supracitado, pode ser definida como o ramoda teoria da integração que trata dos efeitos da discriminaçãodas barreiras alfandegárias entre países e seus impactos sobreo fluxo e o padrão de comércio, diferenciando-se da teoria daproteção, que trata, em geral, dos efeitos da discriminação entrebens. Partindo desse aspecto, o objetivo primordial dos proces-sos de integração consiste na criação de mercados maiores, to-mando como base a sugestão clássica de que estes operam deforma mais eficiente do que os menores.

A ampliação do mercado por meio da eliminação de obs-táculos ao fluxo de mercadorias, serviços e fatores de produçãodeveria propiciar não só melhor alocação de recursos, como umincremento da concorrência, o que significaria preços mais baixos,melhoria da qualidade dos produtos e aumento da produtividadedos fatores de produção. Acerca das relações com terceiros mer-cados, o aumento do poder de barganha dos países na esfera

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das negociações comerciais ou políticas é um resultado igual-mente desejado pelos países.

O alcance das normas jurídicas e dos acordos estabele-cidos entre as partes na integração econômica pode apresentar,pelo menos, cinco formas ou etapas distintas, que são: livre co-mércio, união aduaneira, mercado comum, união monetária e po-lítica, e, finalmente, a confederação. A Zona de Livre Comércio éa região formada por Estados independentes, dentro da qual acirculação de mercadorias originárias destes se faz com liberdadee facilitação em relação a tributos e outras formas de restrições(supressão de barreiras tarifárias e não tarifárias). Isso ocorre, porexemplo, no North American Free Trade Agreement (NAFTA)1.

Na etapa de união aduaneira, destaca-se a fixação deuma tarifa externa comum (TEC) para os produtos advindos deterceiros países (não signatários do acordo). Nesse sentido, tem-se o Grupo Andino, em 1995. No estágio mais avançado, o mer-cado comum estabelece a livre circulação de bens, serviços,pessoas, capitais e regras comuns de concorrência. Em seguida,a fase de união monetária e política que se faz através de um mer-cado comum, com um sistema monetário, uma política externacomum, a adoção de regras financeiras que serão adotadas pelospaíses membros e que, possivelmente, gera a instituição de umamoeda única, e.g, a União Europeia atual. Por fim, a forma daconfederação que é o estágio máximo de atitude integracionistae se fundamenta na afirmação de um poder supraestatal formu-lador da unificação da legislação de todos os membros signatá-rios. A União europeia, aparentemente, vislumbra essa etapa.

João Bosco M. Machado (2000, p. 22) assevera que:

A integração econômica deve acomodar sempre um processode integração política cuja abrangência é proporcional à ces-são de soberania dos governos nacionais. Evidentemente queo aprofundamento do processo de integração econômica im-plicará “compartilhamento” de soberanias, ou seja, diversosEstados Nacionais passam a ser responsáveis pela gestãoconjunta e concertada de um conjunto crescente de políticase instrumentos comuns.

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1 Acordo de livre comércio da América do Norte.

O instrumento constitutivo do Mercosul, o Tratado de As-sunção, em seu Capítulo I, art. 1º, estabelece um objetivo geralpara todos os países signatários. Esse objetivo é promover e es-tabelecer a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivosentre os países, através, entre outros: da eliminação dos direitosalfandegários e das restrições não tarifárias à circulação de mer-cadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; doestabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção deuma política comercial comum em relação a terceiros Estadosou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições emforos econômico-comerciais regionais e internacionais.

As características postuladas no art. 1º daquele disposi-tivo são qualitativas de união aduaneira, e não de mercadocomum. A nomenclatura desse bloco econômico é apenas o co-meço das assimetrias que são estudadas nesta pesquisa.

Nesse sentido, a eliminação das barreiras tarifárias e nãotarifárias tão sonhadas por aquele bloco econômico está em umarede jurídico-sistemática internacional, a qual é coordenada peloGATT – hoje administrado pela OMC –, que aplica a multilatera-lidade do princípio do regime da nação mais favorecida, “pedraangular na dinâmica de liberação do comércio internacional emoperação desde 1948” (LAMBERT, 2004, p. 115).

Depreende-se daquele princípio que os Estados-Partes com-prometem-se a estender, ipso facto, para o conjunto dos participantese sem convenção complementar, qualquer vantagem tarifária ou outraque venha a conceder a um deles em particular. Significa que umfavor concedido a um membro deve automaticamente se estenderaos demais. E como a obrigação vale para todos em relação a todos,a ação recíproca geral induz a uma redução progressiva e global dastarifas. O não respeito dessa regra expõe o infrator a processo con-tencioso junto às instâncias da OMC e a sanções diversas.

Dessa forma, um dos princípios norteadores do sistemainternacional de comércio, além do princípio da nação mais fa-vorecida, é o princípio do universalismo, corporificado na finali-dade de apagar todas as fronteiras comerciais pelageneralização de concessões alfandegárias recíprocas.

O Professor Jean-Maire Lambert (2004, p. 117) elucidamais acerca das ideias formais de um bloco econômico:

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O Capítulo XXIV do GATT, no entanto, consagra a ideia do re-gionalismo, prevendo a possibilidade de acordos de alcanceparcial limitados a número limitado de parceiros. As disposi-ções em questão consignam a convicção de que certas afini-dades regionais, culturais, lingüísticas ou outras, sãosuscetíveis de permitir avanços mais rápidos. Visam, então,dar a tais subgrupos, a possibilidade de acelerar os mecanis-mos de integração e de tomar a dianteira até que sejam alcan-çados pelos demais na corrida da liberalização.

Pode-se perceber que não aparenta ser razoável que osparticipantes de situações tão peculiares e regionais, como as ex-plicitadas pelo autor, sejam obrigados – por aplicação da regra danação mais favorecida – a estender à totalidade dos seus parceirosjunto ao GATT “os favores que entendem conceder-se mutuamenteno âmbito reduzido do subconjunto” (LAMBERT, 2004, p. 117).

Por isso, o Capítulo XXIV do GATT prevê uma limita-ção ratione loci dos efeitos da norma, restringindo-os aos con-tornos do bloco. Dessa forma, por exemplo, se o Uruguaioutorgar algum favor tarifário ao Paraguai em função do Mer-cosul, terá que estendê-lo a Brasil e Argentina, contudo, nãoaos Estados Unidos ou qualquer outro país fora do Tratadode Assunção.

No entanto, o sistema de comércio internacional é mais es-truturado e dispõe de dispositivos para evitar que o regionalismose torne uma ameaça à integração e fortaleça o fechamento demercados. Desta feita, o Acordo Geral estabeleceu hierarquia denormas nesse campo. Essa pirâmide de normas de intercâmbio co-mercial possibilita a vinculação, padronização e controle do GATTsobre os acordos de comércio de um país signatário deste órgão.

Mais uma vez, o Professor Jean-Marie Lambert (2004,p. 118-119) ilustra essa teia jurídico-sistemática do comércio in-ternacional integralizado:

A contrapartida ao direito de flexibilização do regime geral é aobrigação, para os aspirantes à integração regional, de qualifi-car-se para tanto perante as instâncias da OMC, comprovandoque sua iniciativa não fere os preceitos do GATT, mas contribuipara sua realização [...]. Pode-se imaginar a dificuldade prática

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para determinar se um caso concreto atende ou desrespeita taiscompromissos. Mas, no plano dos princípios, o Acordo Geral fun-ciona como uma espécie de constituição a balizar criação comofuncionamento de qualquer experiência regional.

Assim, o Brasil é signatário do Programa de Integraçãoe Cooperação Econômica (PICE), que nasceu da Ata para a In-tegração Brasil-Argentina, em 1986. Isso representa o primeiropasso no sentindo da aproximação entre os dois países e marcao fim da época dos regimes militares. Após, ao adquirir novoscontornos, em 1988, houve a assinatura do Tratado de Integra-ção, Cooperação e Desenvolvimento (TICD). Esse tratado previaa criação de um mercado comum entre os dois parceiros no es-paço de dez anos. Em 1990, a subsequente adesão do Uruguaie do Paraguai ampliou o quadro geográfico da integração desa-brochada no Tratado quadripartite de Assunção. O Mercosul, porsua vez, “encaixa-se” nos ditames da ALADI, que atende asorientações-normativas do GATT.

Em uma perspectiva ilustrativa, o Acordo Geral faz figurade regra-mãe e planta os princípios básicos da liberalização. AALADI, como subgrupo regional, se situa dentro de um sistemamaior, representando uma frente regional na aplicação das normasdo GATT. O Mercosul, por sua vez, pode conceber-se como sub-grupo da ALADI, que o submete a controle análogo ao estabelecidopelo GATT. Na ponta da teia, finalmente, o PICE, seguindo ditamesdo Mercosul, regulará o comércio internacional brasileiro dentrodesse sistema de intercâmbio comercial entre países.

Faz-se a ordem inversa, o Brasil respeita as regras doPICE, que acata a norma do Mercosul, que observa as exigên-cias da ALADI e que atende às leis do GATT. Fecha-se, dessamaneira, a teia jurídico-sistemática do mercado internacional.Cada país do globo atualmente signatário do Acordo Geral com-partilha da mesma sistemática. O GATT engloba quase todos ospaíses do mundo. Ressalta-se que a criação de um conjuntomais amplo não elimina o mais restrito.

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FATORES RESTRITIVOS AO LIVRE COMÉRCIO NO MERCOSUL

Quando se trata da livre circulação econômica em um mer-cado comum, as restrições que devem ser eliminadas não se limitamàs de natureza aduaneiras. Os fatores restritivos são compreendidoscomo todas as formas que afetam a circulação econômica no tempoe no espaço dos produtos e serviços de livre comércio.

O Professor Ricardo Xavier Basaldúa (1999, p. 114) asseveraque “las restricciones que deben ser eliminadas pueden ser directas oindirectas, y que pueden ser aplicadas em frontera o en el interior delos territorios de los Estados Parte”2 do Tratado de Assunção.

Para o autor argentino, as restrições diretas (tarifárias) sãoas aplicadas nas fronteiras, impondo encargos tarifários às importa-ções de natureza econômicas e não econômicas de cada país; asrestrições indiretas (não tarifárias) são as aplicadas no interior dosespaços nacionais, que podem originar taxas internas discriminató-rias entre produtos pátrios e estrangeiros, tratarem de medidas deefeito equilaventes ou de qualquer outra restrição quantitativa ou denormas técnicas que inviabilizem a livre circulação de mercadorias.

As restrições tarifárias

O artigo 5º, inciso “a”, do Tratado de Assunção, estabeleceum Programa de Liberação Comercial como um dos principais ins-trumentos para a constituição do Mercado Comum. Esse Pro-grama estabelece metas para reduções tarifárias progressivas,lineares e automáticas.

O método proposto por aquele dispositivo de redução pro-gressiva, linear e automática sobre o conjunto do universo tarifárioé bastante radical. “Significa que as alíquotas irão sofrer uma ero-são periódica, inelidível e ininterrupta (7% a cada semestre), de

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2 As restrições a serem eliminadas são denominadas de diretas e indiretas, epodem ser aplicadas nas fronteiras ou no interior dos Estados-Partes.

maneira a chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero paratodos os produtos” (LAMBERT, 2002, p. 245).

Inicialmente, as reduções percentuais foram aplicadassobre as tarifas vigentes para os produtos de origem de países ter-ceiros não membros da ALADI, porém, caso na data da aplicaçãohaja diferenças entre os níveis tarifários dos países do Mercosul,toma-se como ponto de partida o mais baixo entre todos.

O mecanismo apenas coíbe o aumento de tarifas, ficandosempre em aberto a possibilidade de diminuí-las. Em comentário a essaquestão, Jaime César Lipovetzky et al. (1994, p. 210) aponta que:

Por outro lado, se um país decidir reduzir suas tarifas vigentes, apreferência se aplicará automaticamente sobre a nova tarifa desdea data da entrada em vigor da mesma. Isto é porque, no Tratado,se aplica o princípio imperativo à alta e dispositiva à baixa, pelo queestá proibido aumentar as tarifas vigentes, mas permite diminuí-las.Quer dizer: sempre se tende a aplicar a tarifa mais baixa possível.

Dessa maneira, é expresso o fechamento para o au-mento de tarifas e a nítida possibilidade de acelerar, entre os Es-tados-Partes do Tratado, os avanços rumo à liberação totaldessas barreiras tarifárias.

As restrições não tarifárias

No anexo I, artigo 2º, “b”, do Tratado de Assunção, o conceitode restrição é qualquer medida de caráter administrativo, financeiro,cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado-Parteimpeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco.

Dessa forma, as restrições não tarifárias ou medidas deefeito equivalente dizem respeito “a restrições quantitativas, taxasde toda espécie, normas técnicas ou fitossanitárias, proibições deimportação, recaindo sobre determinadas mercadorias e tantasoutras artimanhas que resultam em frear as trocas comerciais”(LAMBERT, 2002, p. 249).

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Um exemplo prático que constata a aplicação de uma res-trição não tarifária é a tutela de defesa do consumidor argentino,conflitante com o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro. Issocaracteriza uma barreira não tarifária para a livre circulação de pro-dutos e serviços entre esses países, pois o ordenamento consu-merista brasileiro garante e resguarda, a seus consumidores,produtos e serviços com razoável qualidade e segurança, questõesque não são tratadas da mesma forma no ordenamento argentino.

Cumpre verificar os esclarecimentos do doutrinador argen-tino Gabriel Stiglitz (1990, p. 207):

En el tráfico comercial especialmente con Brasil, existe una perma-nente devolución de mercaderías de Brasil hacia Argetina y no a lainversa, por la circunstancia que en determinados aspectos de la pro-ducción, no tanto calidad y seguridad, sino fundamentalmente infor-mación sobre los productos, no cumplen las empresas argentinas conpautas de información al público e información al consumidor (me re-fiero obviamente a las pautas que tienen que ver con identificaciónde mercaderías, o sea aquellas consideraciones que deben incorpo-rarse en los etiquetados, envoltórios, etc.), no cumple com las pautasque exige el Código brasileño de defensa del consumidor y que noeran exigidas en la Argentina.3

O mesmo autor argentino explica o porquê dessa assi-metria de diretrizes ainda perdurar entre os dois países, afirmandoque “os produtos argentinos seguem tendo diretrizes de informa-ções inferiores à dos brasileiros, pois não obstante ter imposiçãolegal, não há imposição prática das autoridades administrativaspara que se faça cumprir a lei” (STIGLITZ, 1990, p. 208).

A ASSIMETRIA NA DEFESA DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL

O Direito do Consumidor brasileiro

252

3 No comércio exterior, especialmente com o Brasil, existe uma permanente de-volução de mercadorias do Brasil para Argentina, pela circunstância que emdeterminados aspectos da produção, qualidade e segurança que são funda

O modelo político liberal contemporâneo enfrenta um colapsoinstitucional forte. Paralelo a esse fenômeno, o ordenamento jurídico evi-dência uma mudança de direção tomada em favor do social. A defesado consumidor está interligada a esse redirecionamento jurídico e temcomo objeto a proteção do consumidor, este considerado como partehipossuficiente/vulnerável na relação de consumo.

Oscar Ivan Prux (1998, p. 147), preconiza cinco importantesprincípios que regem as relações de consumo atual, os quais são:

a) Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor noMercado, o consumidor não possui formação técnica,tampouco conhecimentos específicos na aquisição debens e serviços, figurando polo menos privilegiado da re-lação de consumo; b) Princípio da Educação e da Informação, necessi-dade da pulverização das informações, bem como for-mação de consumidores conscientes; c) Princípio da Qualidade Efetiva dos Produtos eServiços, estrita ligação subjetiva com a satisfação doconsumidor;d) Princípio da Coibição dos Abusos de Mercado,norma protetiva não abrange apenas o consumidor, mastambém fornecedores com menos vantagem econômicaem relação aos controladores do mercado e consumo; e, e) Princípio da Racionalização na Melhoria dos Ser-viços Públicos, exigir dos serviços públicos as mesmasobrigações requeridas da iniciativa privada no que con-cerne à proteção e defesa do consumidor.

As relações de consumo são definidas como “relações jurí-dicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de in-teresse: o consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses”

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mentalmente informados nos produtos, as empresas argentinas não cumpremcom as diretrizes de informação ao público e ao consumidor (refiro-me, obvia-mente, às diretrizes que tenham a ver com identificação de mercadorias, ouseja, aquelas que devam incorporar as etiquetas e pacotes, etc.), que cumpremcom as diretrizes exigidas pelo Código Brasileiro de Defesa do Consumidor eque não são exigidas na Argentina.

(GRINOVER, 2000, p. 42). De acordo com o doutrinador Nelson NeryJúnior (apud GRINOVER, 2000, p. 430-472), os elementos consti-tuintes da relação de consumo são formados por três elementos: su-jeitos, consumidor e fornecedor; objeto, produtos e prestação deserviços; e finalidade de utilização com destinação final.

O elemento subjetivo da relação de consumo se perfaz nobinômio consumidor/fornecedor. O C.D.C. (Código de Defesa doConsumidor Brasileiro, Lei 8.078/90) preconiza, em seu artigo 2º,que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire e uti-liza produto ou serviço como destinatário final. Já o fornecedor, noartigo 3º do mesmo diploma, é toda pessoa física ou jurídica, pú-blica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes desper-sonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,criação, construção, transformação, importação, exportação, distri-buição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O elemento objetivo dessa relação está nos parágrafos1º e 2º do artigo 3º do C.D.C., que dispõem que a essência doconceito de objeto não reside na sua compleição física, materialou imaterial, nem na sua característica de locomoção (móvel ouimóvel), mas sim em seu conteúdo de onerosidade, ou seja, fazerparte de relação de consumo com fins econômicos.

O elemento finalístico da relação jurídica de consumoestá interligado com a destinação final do produto ou serviço, queserá inserida no âmbito patrimonial do consumidor, ou seja, o es-tágio final dentro da cadeia da produção econômica: “A chavepara a identificação de uma relação jurídica como sendo de con-sumo é, portanto, o elemento teleológico: destinação final, aoconsumidor, do produto ou serviço” (GRINOVER, 2000, p. 472).

A tutela jurídica de defesa do consumidor no Cone Sul: Argentina,Paraguai e Uruguai

A experiência brasileira na defesa de seus consumidoresse fez juridicamente típica com o advento da Lei 8.078/90, diploma

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este que estabelece princípios, formas, conceitos e norteia os dis-positivos consumeristas dos países-membros do Mercosul. Na Ar-gentina, a defesa do consumidor nasceu efetivamente no mundojurídico com o advento da Lei 24.240/93, no Paraguai com a Lei13.34/98 e no Uruguai com a Lei 17.189/99.

Em 1994, a reforma da Constituição Nacional da Argen-tina incorporou, no ordenamento jurídico, os chamados direitosde terceira geração, consistentes no direito ambiental (art. 41),no direito do consumidor (art. 42) e no direito de ação rápida deamparo (art. 43) para possibilitar o exercício dos direitos e ga-rantias reconhecidos naquela Constituição, em tratados e em leisextravagantes, ou seja, garantir não apenas os direitos indivi-duais, mas, também, os direitos de incidência coletiva.

Na Argentina, a Lei 24.240, de Defesa do Consumidor,estabelece, no artigo 1º do Capítulo I, que consumidores sãoaqueles que contratam, a título oneroso para seu consumo final,a aquisição ou locação de coisas móveis, a prestação de servi-ços, a aquisição de imóveis novos destinados à moradia, quandofor de oferta pública e dirigida a pessoa indeterminada.

Na mesma legislação temas importantes são abordados,tais como: a “Informação ao consumidor e proteção de suasaúde” (arts. 4º a 6º); as “Condições da oferta e venda” (arts. 7ºa 10); as “Coisas móveis não consumíveis” (arts. 11 a 18); a“Prestação de serviços” (arts.19 a 24); os “Usuários de serviçospúblico domiciliares” (arts. 25 a 31); as “Vendas domiciliares porcorrespondências” (art. 32 a 35); as “Operações de venda de cré-dito” (art. 36); os “Termos abusivos e cláusulas insuficientes”(arts. 37 a 39); as “Responsabilidade por danos” (arts. 40). Pos-teriormente, são encontradas normas processuais de arbitrageme procedimentos garantidores dos direitos consumeristas, apesarde algumas falhas, tais como a inexistência de um elenco ex-presso de direitos básicos do consumidor.

A Lei Paraguaia n. 1.334/98, de Defesa do Consumidor edo Usuário, traz conceitos semelhantes sobre elementos da rela-ção de consumo preceituados na legislação brasileira. É interes-sante observar o artigo 2º do diploma paraguaio, que garante queos direitos reconhecidos aos consumidores não serão objetos derenúncia, transação ou limitação convencional e que prevalecerão

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sobre qualquer norma legal. Isso demonstra a universalidade eestabilidade jurídica assegurada à defesa do consumidor comodireito de terceira geração.

A lei do Uruguai n. 17.189/99 contempla, por sua vez, noartigo 2º, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica queadquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final emuma relação de consumo ou em função dela.

No entanto, a legislação do Uruguai sobre a Defesa doConsumidor se mostra enfraquecida diante dos outros diplomasdos países membros, pois apresenta falhas em alguns aspectos,a começar por remeter ao Código Civil uruguaio todas as situa-ções não previstas na legislação consumeristas. “Além disso, dei-xou de estabelecer a responsabilidade objetiva do fabricante e asolidariedade entre os fornecedores, normas já pacificadas nagrande maioria dos ordenamentos jurídicos que regulam estamatéria” (GINASI, 2003, p. 33).

CONCLUSÃO

O presente estudo partiu de uma análise do tema: “A assi-metria legislativa na Defesa do Consumidor como fator restritivo aolivre comércio no Mercosul”. Pretendeu-se, com este trabalho, conhe-cer as questões relacionadas com o Direito da Integração e a Defesado Consumidor, passando pela discussão do princípio do suprana-cionalidade em detrimento da noção de Estados de soberania plena.

Da mesma maneira, foi lançado questionamento acercadas assimetrias geradas durante o processo de integração doMercosul, no sentido restritivo ao livre comércio de produtos ebens entre os países membros e, finalmente, à análise dos dis-positivos normativos de defesa do consumidor dos quatro paísesoriginários do Tratado de Assunção.

Sabe-se, por exemplo, que os padrões normativos e téc-nicos de produtos e bens argentinos, paraguaios e uruguaios nãoatendem alguns preceitos brasileiros no que se refere à proteção

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do consumidor, à garantia de qualidade e à responsabilidade civilobjetiva dos fabricantes para com seus consumidores.

A pesquisa mostrou que são esses pontos de dissonâncialegislativa que fazem com que a livre circulação de produtos ebens, defendida na carta constitutiva do Mercosul, encontrem bar-reiras não tarifárias para cumprir sua função principal de incre-mento do fluxo comercial entre os países membros.

O desafio da busca por simetria legislativa está em con-ceber uma razoável equação entre a soberania e a submissão aum ente supranacional. O desenvolvimento atual das relaçõesinterestaduais cria a necessidade de reformular a concepçãoclássica de soberania. Diante disso, a sugestão é avaliar as op-ções disponíveis para a adequação dos sistemas legais nacio-nais, no aspecto da livre circulação de mercadorias e capitais,sem perder de vista a necessidade de certo grau de autonomiados Estados-Partes do Mercosul.

No entanto, não é algo fácil requerer aos Estados que seorganizem em uma partilha de suas soberanias para uma admi-nistração conjunta de matérias delimitadas e específicas em prolde um objetivo ainda em processo de construção, mesmo sendoimperiosa, no Tratado de Assunção, a determinação de políticasmacroeconômicas coordenadas para a retirada de barreiras res-tritivas tarifárias e não tarifárias em cada um dos países membros.

Isso porque, sob o enfoque da assimetria legislativacomo fator restritivo ao livre comércio, verificou-se que, para exis-tir uma consonância legislativa, deve-se reconhecer um órgãodotado de competência supranacional e que seja encarregadode elaborar normas que irão vigorar nos países-membros. Nessesentido, é reconhecido o esforço do Mercosul na tentativa de secriar um órgão legislativo supranacional, um Parlamento do Mer-cosul. Porém, esse esforço encontra dificuldade política interna,dos próprios países membros, para efetivar-se.

Em relação ao aspecto jurídico, a assimetria legislativa se re-solveria mediante os instrumentos vinculados pelo órgão jurídico su-pranacional, criado por Tratado entre os países membros do Mercosul.O Protocolo de Ouro Preto não previu órgãos supranacionais, nos mol-des dos existentes na União Europeia. Nesse caso, não se preferiu alegislação comunitária, que se impõe aos Estados membros, mas a

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legislação nacional, que cria direitos e impõe obrigações aos particu-lares, conforme previsto no direito interno.

Contudo, a assimetria na defesa do consumidor expõe,de forma displicente, o consumidor mercosulista não apenas porfalta de padronização das normas de fabricação ou de respon-sabilidade civil dos fabricantes, mas também por não haver me-canismos efetivos de defesa do cidadão. Se caso um consumidorparaguaio comprasse um produto no Uruguai, e este produtoapresentasse qualquer defeito, este indivíduo não veria seu di-reito juridicamente resguardado como cidadão do Mercosul eteria que utilizar os preceitos do direito internacional privado, quemuitas vezes não possui instrumentos regulatórios específicospara a solução do problema.

Percebe-se que é imperioso um ajuste das políticas jurí-dicas, legislativas e macroeconômicas dos países signatários doTratado de Assunção, dentre elas as que se referem às relaçõesde consumo, para que a peça chave do crescimento comercialno Mercosul, qual seja, o consumidor, tenha seus direitos res-guardados não apenas no espaço interno de cada país, mas noâmbito de um grande mercado, onde passasse a existir não umconsumidor nacional, mas sim um consumidor mercosulista.

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