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historia regional
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(Des)Conhecida Histria de Maring: Novas Possibilidades Temticas
Joo Larcio Lopes Leal*
Resumo: O artigo em questo trata do modelo consagrado para explicar a histria de Maring, que possui em sua estrutura um modelo reducionista de anlise. Ao mesmo tempo, prope novos temas, bem como formas alternativas de pensar Maring.
Palavras-chave: Maring, Histria de Maring, Cidades, Paran.
A maioria dos textos histricos escritos sobre Maring at os dias atuais tem algumas caractersticas merecedoras de destaque. Invariavelmente consagram o modelo trinmico Caf/Companhia/Pioneiro, como se inexistissem outras dimenses para serem enfocadas. Quando abordadas outras reas, elas acabam desaguando no mar dessa trade, constituindo-se numa espcie de camisa de fora da histria local.
Visto de forma diferente, a predominncia desse formato explicativo referenda a opo pelos campos da poltica e da economia, setores privilegiados pelos estudiosos, que acabam desprezando ou relegando a plano secundrio assuntos como religio, sociedade civil, cultura, educao, meio ambiente etc. Se no bastasse a monotematizao, tem-se tambm a viso edulcorada impressa na histria de Maring, como se a cidade, na sua gnese e desenvolvimento, fosse a reedio do paraso terrestre.
As pessoas jornalistas, polticos, historiadores, gegrafos, socilogos, publicitrios e mais um punhado de categorias responsveis por imprimirem essa imagem da histria do municpio auferiram com competncia a disseminao de sua proposta narrativa. praticamente impossvel pensar a trajetria temporal de Maring sem obedecer ao ditame cronolgico imposto pelos entusiastas da Companhia Melhoramentos Norte do Paran, ou pela prpria empresa. Nesse sentido, o livro de autoria do jornalista Rubens Rodrigues dos Santos, publicado em 1975, por encomenda da Companhia, para comemorar seu cinquentenrio, consagra-se como um tipo de bblia para os amantes da ao capitalista colonizatria.
Provavelmente essa obra seja a lder em citaes e consultas por parte dos que se dedicam a estudar o norte do Paran. Concebida como autoelogio das atividades da empresa, contm valiosas informaes histricas, teis por facilitarem o entendimento do processo de colonizao do setentrio
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paranaense. Evidentemente, o tom laudatrio corrobora o sentimento dos formadores de opinio, que encontram no texto a justificativa de suas bajulaes e exaltaes ante a instituio privada.
Com exceo de alguns trabalhos acadmicos de carter questionador, a ideia corrente converge no sentido de ver a CMNP como formadora e indutora solitria no empreendimento chamado Maring. Simplesmente foi expurgado o papel desempenhado pelo poder pblico na construo do municpio, em especial na dcada de 1940. Sabe-se, at o momento, que pelo menos trs instituies estatais atuaram efetivamente nessa rea em sua fase pr-municipal. So elas: o Departamento de Estradas e Rodagens-DER (estadual), o Posto Agropecurio de Maring, pertencente 7 Zona Agrcola de Londrina (estadual) e a Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima- RFFSA (federal).
Se no bastasse a ausncia, nas narrativas histricas, desses rgos pblicos, ignoram-se solenemente as iniciativas desferidas por Londrina, Apucarana e Mandaguari, municpios mandatrios de Maring em suas fases patrimonial e distrital. Com base nos relatos oficiais, at parece que a empresa de colonizao no precisava prestar contas de seus atos, agindo por conta prpria e risco. Isso no verdade, pois, na fundao do ncleo urbano embrionrio de Maring (1942), o assim chamado Maring Velho, a autorizao de tal ato foi expedida pelo prefeito municipal de Londrina, o Sr. Miguel Blasi, inclusive presente, juntamente com sua equipe, na famosa fotografia que registra a instalao do povoado. H tambm o episdio envolvendo a liberao do alvar de licena para a execuo do plano
urbanstico de Maring, projetado por Jorge de Macedo Vieira. Esse documento foi enviado pela prefeitura de Apucarana em 1945, e s a partir disso a Companhia pde efetivar o desenho no solo.
Nas nicas situaes em que o poder pblico considerado figura integrante do universo colonizatrio, ele aparece como estorvo ou empecilho ao desenvolvimento pleno. Essa observao evidencia-se em dois momentos: na implantao da subprefeitura de Mandaguari em Maring, no ano de 1948, e quando, na mesma data, fundou-se a Recebedoria de Rendas Estaduais. A impresso transmitida confere a tais rgos o papel de penetras na festa particular da iniciativa privada. Participao indesejada, alm de fonte geradora de revolta pela necessidade de se deslocar at Apucarana ou Mandaguari a fim de obter a aprovao dos projetos de edificaes prediais.
A mesma lgica aplica-se ao domnio absoluto da cafeicultura em meio literatura histrica centrada na produo agrcola de Maring e regio. Nesse caso, o problema mais srio e abrangente, j que existe uma tradio na historiografia brasileira que aponta o norte do Paran como rea resultante do avano do caf em territrio nacional, comeando na baixada fluminense, adentrando o vale do Paraba e oeste paulista, e finalmente atingindo o setentrio paranaense. O princpio bsico consiste em definir o caf como expansor de fronteiras, no raro alcunhado de General Caf. Essa viso cafecntrica encontra respaldo em dois livros clssicos sobre o tema em tela: A formao de uma economia perifrica: o caso do Paran, de Pedro Calil Padis, e Cafeicultura paranaense: 1900/1970, de Nadir Apparecida
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Cancian. Isso para ficarmos somente com esses dois exemplos, entretanto existem centenas de ttulos que comungam essa tica.
O fator complicante do vis economicista utilizado por esses autores o descarte total, em suas anlises, do elemento social, poltico e cultural, principalmente ao se debruarem sobre o movimento migratrio. Segundo tal enfoque, o deslocamento das pessoas no espao acontece eminentemente por motivos econmicos. Nessa situao, o caf seria o chamariz principal da massa migratria, ignorando-se os aspectos diferentes.
Em se tratando de Maring, a frmula generalizante no se coaduna com a realidade. Constata-se, por meio de pesquisas documentais escritas e orais, que a rubicea no reinava soberana nas lavouras da regio, dividindo espao com as culturas intercalares ou de subsistncia, como milho, feijo, arroz, mandioca e batata. Esses produtos no eram comercializados em larga escala nem dirigidos exportao, porm alimentavam a enorme populao residente na rea. No foram dedicados por enquanto estudos mais profundos sobre essa modalidade na agricultura local, em razo do eclipsamento provocado pelo caf.
O inconveniente de lidar com amplas regies espaciais acabar julgando o todo pelo particular. O municpio de Londrina recebeu praticamente a totalidade dos holofotes analticos e descritivos, sobressaindo como medida padro do norte novo do Paran. Compreender as caractersticas histricas da capital mundial do caf significava entender a regio geral, vista como mera extenso de Londrina. Com esse raciocnio, desejamos afirmar que a cultura cafeeira tem peso maior para Londrina do que para Maring, centro
mais processador e menos produtor. Durante as dcadas de 1940 e 1950, a cidade de Maring chegou a ter aproximadamente 70 mquinas beneficiadoras de caf, operando concomitantemente.
A figura epopeica do pioneiro mais uma construo ideolgica, difcil de ser desmontada. Talvez, dentre os trs componentes mitificadores da histria maringaense, seja o detentor do maior potencial simblico, superando os dois anteriores, a Companhia e o caf. Isso porque hoje em dia o nico sobrevivente, pelo menos no plano material. A complexidade do pioneirismo advm do fato de ser uma ideia, um conceito. As pessoas vestiram o personagem e no fizeram, nem fazem, questo de largar.
A palavra pioneiro polissmica, dotada de numerosos significados; contudo, neste texto, basta explorar o advento do termo em Maring, a fim de compreendermos sua evoluo e posicionamento atual. Desde o decnio 1940, os migrantes abastados proprietrios de bens e ocupantes de cargos polticos e administrativos se reconheciam na condio de pioneiros. A percepo de estar sendo o primeiro em determinada atividade numa zona pioneira, e capitalizar tal condio para ganho prprio, parece ter sido comum em Maring.
A prova da conscincia do direito de primogenitura no calor dos acontecimentos consubstancia-se num programa radiofnico chamado A Marcha dos Pioneiros, levado a efeito na Rdio Cultura em 1954. Tem-se tambm a formao da ala dos pioneiros no desfile de aniversrio de Maring em 1957, tpica exibio pblica da condio na comemorao de 10 anos de fundao.
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Na verdade, ao criar em 1972 a lei e o diploma de pioneiro, o poder pblico municipal ocupava-se de formalizar um sentimento j existente, e que s aguardava a chancela oficial para completar o ciclo de consagrao. A instituio governamental do status de pioneiro acarretar um efeito decisivo na histria da construo desse ttulo distintivo. Primeiramente, quem chegou depois de 1950 no tem direito ao mrito primaz, e a consequncia mais importante a homogeneizao do agente pioneiro. A entidade pioneira no tem cor, sexo, etnia, religio, classe social e posio poltica. uma tentativa de igualar a massa de indivduos, sem atentar s peculiaridades inerentes dos migrantes em movimento.
Em termos prticos e objetivos, o manuseio ideolgico do pioneirismo apaga diferenas, por exemplo, entre nordestinos retirantes e paulistas abonados, alm de cair reiteradas vezes em elogios e apologias ao fato de algum ter chegado primeiro e permanecido na cidade. O mito embriognico um dos sustentculos do estado de coisas reinante em Maring. Muitas situaes se explicam ao considerar esse elemento na formao histrica do municpio.
Entende-se que a frmula trinomial Caf/Companhia/Pioneiro, mais do que provocar um reducionismo analtico da histria maringaense e regional, tambm causa sensao enfadonha e insossa, pois segue um tom monocrdico, sem surpresas e descobertas reveladoras. Desposar tal modelo empobrecer irritantemente a histria de uma comunidade rica em lances e nuances. Ao longo do tempo, a hegemonia do trinmio redutor vem cumprindo exitosamente um objetivo malfico, o de transformar uma
experincia vibrante e original em matria incolor, inspida e inodora.
No se trata de substituir o trinmio Caf/Companhia/Pioneiro pela trade Cultura de Subsistncia/Poder Pblico/Migrantes. A operao de cmbio seria trocar seis por meia dzia, no representando ganho ou avano no sentido de ampliar os horizontes historiogrficos sobre Maring. O ideal encarar a histria do municpio numa perspectiva de complexidade e particularidades originais, bastando para isso portar uma viso despida de preconceitos, tanto temticos quanto no que se refere ao uso de fontes documentais. Soma-se tudo isso com uma forte dose de criatividade ao lidar com as informaes. Devem-se admitir as dimenses dos conflitos e contradies como pontos legtimos de anlise e percepo, fugindo daquela abordagem redonda e macia.
S para citar alguns pontos cegos ou ns grdios da histria local, pode-se apontar a zona rural, no visitada por pesquisadores, mas detentora de elevado potencial perscrutvel. A vida religiosa tambm se inscreve no espao lacunar, mormente sua variao protestante, ativa em Maring desde a dcada de 1940. O tema das migraes apresenta vrias indagaes, em especial o mito de que as pessoas provenientes do estado de So Paulo so maioria, tese no sustentvel, haja vista que o estado do Paran lidera tal ranking. O papel reservado s mulheres precisa ser trabalhado, caracterizando-se um campo totalmente inexplorado e por conta disso produz-se uma histria eminentemente masculina. Os assuntos relativos educao e sade carecem de mais iluminao, estando por ora envoltos em sombras.
Apesar de ter uma infinidade de temas a serem investigados e de outros
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precisarem passar por revises, nos ltimos anos alguns trabalhos tm-se destacado nesse panorama catico. Podem ser citados alguns livros, como o do professor Reginaldo Benedito Dias, Da arte de votar e ser votado; A igreja
que brotou da mata, do padre Orivaldo Robles; a dissertao de mestrado de Veroni Friedrich, A poltica de conservao do patrimnio cultural em
Maring-PR (1987-2008), e as teses de doutorado dos professores Alton Jos Moreli e Fabola Cordovil, intituladas Memrias de infncia de Maring transformaes urbanas e permanncias
rurais (1970-1990), e Aventura planejada engenharia e urbanismo na construo de Maring-PR (1947-1982), respectivamente.
Para finalizar, percebe-se a existncia de esforos alvissareiros voltados problematizao da histria maringaense. No h mais espao e clima para repetir velhos clichs solidificados pelo tempo. Acredita-se piamente que atravs dessa nova gerao de pesquisadores a cidade de Maring ter sua memria valorizada e inserida no devido lugar, com caractersticas e especificidades tpicas.
* JOO LARCIO LOPES LEAL Historiador da Gerncia de Patrimnio Histrico, Prefeitura do Municpio de Maring.