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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS ruRÍDICAS E ECONÔMICAS COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E P ESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
A DIMENSÃO HUMANA NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
ANA BEATRIZ TOMÁS SALLES
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
ANNA MARIA CAMPOS ORIENTADORA
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL 1995
A DIMENSÃO HUMANA NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
ANA BEATRIZ TOMÁS SALLES
Dissertação submetida ao corpo docente do COPPEAD - INSTITUTO DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Ciências (M.Sc.).
Aprovada por:
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L ____ __ -Presidente da Banca
PR Fa LOISA MARIA CARDOSO BARBOSA LEITE - M.Sc.
� PR a SILVIACONS�RGARA-D.Sc.
Rio de Janeiro, RJ - Brasil Abril 1995
I ,
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação contou com colaborações fundamentais para sua conclusão. Gostaria de agradecer:
À Profa. Anna Maria Campos, minha orientadora, pela revisão precisa que me fez redescobrir o interesse pela língua portuguesa, pela capacidade de captar minhas inquietações e encruzilhadas fazendo-me buscar minhas próprias orientações, pela sugestão de caminhos para essa jornada intelectual e, finalmente, pelas provas de sensibilidade e afeto que transformaram nossas reuniões em "bate-papos" entre amigas.
À Araceli Tomás Salles, minha mãe, que emprestou seus ouvidos, sua sensibilidade, seu entendimento e que, com "muita" paciência, serviu de parâmetro e espelho em minha busca da expressão certa para tornar clara e agradável a leitura dos questionamentos trazidos à tona neste trabalho.
Às colegas e amigas, Hebe Fontes e Doride Pinheiro, pelas reuniões de apoio, realizadas com o objetivo de incentivar-nos mutuamente a darmos conta das empreitadas individuais, reuniões que, em realidade, se transformaram em momentos de relaxamento para tensões e ansiedades naturais em trabalhos intelectuais auto-motivados.
A meus colegas de trabalho, Luciano Zorzanelli e Ricardo Schmid, que me ensinaram a desvendar muitos dos "mistérios" da informática.
Aos colegas, amigos e conhecidos: Marco Antonio Albuquerque Lima, Eduardo Felberg, Luiz Otavio Vogel, Sonia Almeida Teixeira da Silva, Silvia Balbi, Jorge Ávila, Fausto Costa, Roberto Weinstock, José Maurício Cardoso Peres, Carlos Silberman e Heloisa Machado, que, além de se disporem a distribuir, em tempo recorde, os questionários para minha pesquisa, se preocuparam em controlar o preenchimento e devolução dos mesmos no prazo por mim solicitado. A colaboração e o incentivo recebidos através de comentários favoráveis a respeito de como os respondentes haviam recebido o tema e o conteúdo da pesquisa recarregaram minhas energias para que eu pudesse vencer a última etapa deste trabalho.
Finalmente, aos sócios da empresa a qual presto serviços, Roberto Nogueira e Gil Coutinho, que atenderam a minha solicitação de tempo e flexibilidade no trabalho para poder levar a cabo meu projeto pessoal de concluir o Mestrado, colaborando de maneira decisiva para a conclusão dessa empreitada a tempo.
ii
RESUMO DA TESE APRESENTADA À COPPEADfUFRJ COMO PARTE DOS REQillSITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc)
A DIMENSÃO HUMANA NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
ANA BEATRIZ TOMÁS SALLES ABRIL 11995
ORIENTADORA: Profa ANNA MARIA CAMPOS
PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO
O tema central da dissertação são as conseqüências humanas das transformações na organização do trabalho. Seu propósito é esclarecer a questão de até que ponto o trabalho é modificado para melhorar a vida do homem ou a vida do homem é modificada para melhorar o trabalho.
Através de pesquisa bibliográfica é revelada a influência das ideologias que apoiaram as sociedades ocidentais com respeito ao significado e centralidade dada ao trabalho, sendo analisadas as conseqüências para o homem, como ser muItidimensional, das transformações ocorridas com a expansão da lógica capitalista de mercado após o advento do modo de produção industrial.
Na pesquisa de campo realizada a autora procura constatar a atitude de um grupo de atores - gerentes e executivos de empresas privadas e estatais - diante das novas transformações que estão ocorrendo na organização do trabalho e nela identificar as dissonâncias entre os beneficios sugeridos pelas mesmas e a realidade vivida pelos indivíduos.
Através do estudo chega-se a conclusão de que a lógica de mercado reduz todas as necessidades humanas a uma única dimensão, provocando uma distorção gradual e lenta nos conceitos e, conseqüentemente, na percepção das pessoas, que passam a buscar a satisfação ou felicidade em conquistas materiais e a supervalorizar ativídades utilitaristas.
Essa distorção parece ser a responsável pela lenta desumanização e coisificação do homem que coloca em cheque a relação entre ética e progresso.
A dissertação conclui que uma das possibilidades de ocorrerem reais transformações da organização do trabalho no sentido de atender ao homem seria promover a desreificação da racionalidade instrumental como base para a organização da vida humana, através da participação mais ativa das disciplinas sociais no debate das ideologias que sustentam as transformações em curso.
iH
ABSTRACT OF THESIS PRESENfED TO COPPEADIUFRJ AS PARTIAL FULFILMENT FOR THE DEGREE OF MASTER IN SCIENCES (M. Sc.)
THE HUMAN DIMENSION IN THE TRANSFORMATIONS OF WORK
ANA BEATRIZ TOMÁS SALLES APRIL/J995
CHAIRPERSON: Prof ANNA MARIA CAMPOS
DEP ARTMENT: ADMINISTRATION
This paper examines the consequences to men and women of the transformations of work organization. The guiding idea behind this research is whether work is being modified to improve our lives or it is the other way around.
The framework for this study is the consequences to us, as multidimensional individuais, of the transformations brought about by the expansion of the capitalist logic of market after the advent of industrialization of production. This paper also proposes to examine, through bibliographical research, the intluence of the ideologies that have supported occidental societies to shape the concept of work
In the field research carried out by the author, the attitudes of a group of actors -managers and executives from private and state-owned companies - are examined in view of the recent transformations that have occured in the organization of work One major argument that will be deve\oped is the ambivalence or the benefits suggested by these changes in relation to the reality experienced by each individual.
It is further assumed in this study that the logic of market reduces human needs to a single dimension - the material dimension. This reduction brings about a gradual distortion of concepts and consequentiy a distortion in the perception of men and women who will try to find satisfaction or happiness throught material achievements in a sphere where utilitarian activities are overrated.
This distortion is defined here as the cause for the gradual inhumanization and thingfication of men and women and therefore jeopardizes the relationship between progress and ethics.
The major conclusion of this paper is that the real changes in the organization of work should be aimed at meeting men's and women's needs through the displacement of this instrumental reasoning as basis for the organization of alI aspects of human life, and through the active participation of the social disciplines in the debate of the ideologies which sustain the transformations in course.
IV
SALLES, Ana Beatriz Tomás.
A dimensão humana nas transfonnações do trabalho/Ana Beatriz Tomás Salles. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD,1995.
viii, 155p., il.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro -COPPEAD.
I. Sociologia Industrial 2.Relação Indivíduo e Sociedade 3. Trabalho e Capital 4. Tese (Mestr. - UFRJ/COPPEAD) I. Título
1
2
3
3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3
3.2.4
3.2.5
4
4.1
4.2 4.3
4.3.1 4.3.2
4.3.3 4.3.4 4.3.5
4.3.6
4.3.7
4.3.8
4.3.9 4.3.10
sUMÁRIO
INTRODUÇÃO
O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA O HOMEM
O PAPEL DAS IDEOLOGIAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
Surgimento de Ideologias e Paradigmas As Ideologias Relativas ao Conceito de Trabalho O Pensamento Grego A Herança Judaico-cristã
NAS
Renascença - O Trabalho como Fonte de Libertação e não de Escravidão Reforma - A Ética Protestante e o Surgimento da Noção do Trabalho como Obrigação O Surgimento do Capitalismo e do Conceito de Homo Economicus
A REVOLUCÃO INDUSTRIAL: A IDEOLOGIA QUE LHE DEU BASE E AS TRANSFORMAÇÕES QUE PROVOCOU
A Lógica do Capitalismo e a Transformação do Trabalho em Emprego Gênese, Desenvolvimento e Crise do Capitalismo A Revolução Industrial (ou "Segunda Onda") e as Transformações que se Operaram na Estrutura Social da Sociedade A Fragmentação do Individuo em Consumidor e Produtor O Fortalecimento e a Ditadura do Mercado como Intermediário nas Relações Humanas A Concentração de Pessoas nos Grandes Centros Urbanos A Separação entre o Local de Trabalho e o Local de Moradia O Surgimento das Organizações e a Despersonalização das Relações A Perda do Significado do Trabalho em Decorrência de sua Ênfase na Especialização Criação de Esteriótipos e Deturpação do Conceito de Produtividade A Perda da Liberdade de Ir e Vir e do Aspecto Lúdico do Trabalho A Submissão de Todas as Esferas Sociais ao Poder Econômico A Perda do Trabalho como Fonte de Identificação -Surgimento de Novas Castas, a Obsolescência Profissional e o Recrudescimento da Competição
v
Página
1-6
7-14
15-27
15 18 19 21 21
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38 39 39
40
41
42
43 44
5
5.1 5.1.1 5.1.2
5.1.3 5.1.4 5.2 5.2.1 5.2.2 5.3
6
A DIMENSÃO ESQUECIDA NESSAS TRANSFORMAÇÕES HUMANAS
E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
As Dimensões Esquecidas Racionalidade Econômica vs. Racionalidade Substantiva A Fragmentação Provocada pelo Paradigma Mecanicista e a Desumanização do Homem Os Conceitos de Determinismo e de Evolução Linear O Desvio do Materialismo Repercussões desse Esquecimento sobre o Homem Na Esfera Profissional Na Esfera Privada Conseqüências
BASE PARA ANÁLISE TRANSFORMAÇÕES
DAS NOVAS
vi
Página
47-63
49 59 51
54 56 57 57 59 61
64-69
6.1 As Necessidades Humanas 65 6.2 A Necessidade do Resgate da Racionalidade Substantiva 66 6.3 Urna Sociedade que Tenha como Base o Homem 69
7 O PENSAMENTO PÓS-MODERNO E A FORMAÇÃO 70-102 DA TERCEIRA ONDA
7. I O Ambiente Pós-Moderno 70 7.2 A Terceira Onda 78 7.3 As Transformações em Curso no Setor Produtivo 80 7.3. I O Deslocamento do Foco Produtivo para a Área de Serviços 83 7.3.2 O Conhecimento como Nova Fonte de Riqueza 84 7.3.3 A Mais Valia se Desloca da Força de Trabalho para a 85
Capacidade Criadora 7.3.4 A Reintegração de Tarefas em Processos e a Conseqüente 85
Reestruturação das Empresas 7.3.5 A Exigência de Produtividade Extrapola os Limites de Mercado 86
e Invade a Vida Privada 7.3.6 O Mercado Global e o Novo Individualismo 89 7.3.7 Reengenharia - Quebra de Paradigmas? 91 7.4 A Dimensão Humana nestas Transformações 93 7.5 O Papel dos "Cientistas" Sociais 99 7.6 O Papel dos Individuos 101
8
8.1 8.1.1 8.1.2 8.1.3 8.2 8.2.1 8.2.2 8.2.2.1 8.2.2.2 8.2.2.3 8.2.3 8.2.3.1 8.2.3.2 8.2.4
8.3
9
AS CONSEQÜÊNCIAS HUl\:IANAS DA TERCEIRA ONDA - PESQUISA DE CAMPO
Metodologia Adotada Elaboração do Questionário Amostra Tabulação de Resultados Resultados da Pesquisa Realizada Significado do Trabalho Organização do Trabalho Atual e Suas Repercussões Tempo Dedicado ao Trabalho Valores Incentivados pelas Empresas Repercussões Mudanças em Curso Opiniões e Reações às Mudanças nas Organizações Opiniões sobre as Mudanças a Nível Global Percepções e Capacidade de Crítica quanto ao Paradigma _
Econômico Vigente e ao Futuro da Organização do Trabalho Análise dos Resultados Obtidos
CONCLUSÕES
BmLIOGRAFIA
ANEXOS
QUADROS
vii
Página
103-134
103 105 106 108 108 108 112 112 114 116 120 121 108 122
132
135-140
141-143
A B
I 11 m IV V
VI VII vm
ANEXOS
Pesquisa de campo - Questionário Resultados da Pesquisa de Campo
QUADROS
As Ideologias que transformaram o trabalho Fases do Capitalismo A Nova Organização A Evolução - O Novo Homem Distribuição de freqüências obtidas para cada par de adjetivo/substantivo Freqüência de respondentes por tipo de mudança desejada Mudanças administrativas realizadas pelas empresas Freqüência de distribuição das percepções sobre tendência de aspectos sociais da organização do trabalho
viii
Página
144-151 152-155
Página
27 35 81 81
112
113 121 123
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
IINão importava quão bom, ou quão cuidadoso um homem pudesse
ser com a ferra e seu cultivo, ele não sobreviveria se ele não fosse
também 11m comerciante. ( . .) Agora a agricIIlhlra havia se tomado
lima indústria. (...) Eles (os donos) importavam escravos, embora eles
não os chamassem de escravos. ( ..) li lodo o tempo asfazendas se
tornavam mais extensas e os donos menos numerosos.
E agora eles (os arrenda/árias de terras) estavam cansados e
a.\:<mstados porque eles tinham ido contra um sistema que eles não
entendiam e qlle os havia derrotado. ( . . ) Merchandising era um
segredo para eles. "
JOHN STETNBECK
Em sua novela "As Vinhas da Ira", John Steinbeck, escritor americano, ilustra, com
grande sabedoria, o lado humano das mudanças ocorr idas na sociedade americana, com
a expansão do movimento capitalista e industrial, iniciado com a Revolução Industrial e
apelidado por Tomer de "Segunda Onda". Ilustra a lógica por trás do pensamento
capitalista, seus valores subj acentes, e colore a trama ao apresentar a batalha que se
travou no inter ior de cada trabalhador (representados pelos membros de uma família
fictícia - os Joads) para entender o que estava "mudando" e sua luta para sobreviver na
nova lógica do "mercado" sem perder sua fé nos valores humanos.
É fato consumado que a Segunda Onda espalhou-se de forma contundente por todo o
mundo, porém, também o é que vozes sempre questionaram o r umo e as conseqüências
desta para o homem como ser humano.
2
Estamos agora diante de uma nova transformação, apelidada por Toffler de "terceira
onda" e que é propiciada pelo desenvolvimento da tecnologia de informação e se apóia
na idéia de quebra dos paradigmas de produtividade que sustentaram o movimento da
Segunda Onda. Os apóstolos da nova onda ao veicular na mídia a necessidade urgente,
para as empresas que quiserem sobreviver, de se adotarem idéias como: qualidade total,
reengenharia, globalização de mercados, downsizing, terceirização, enpowerment, etc,
dão a idéia de que a automação finalmente permitirá o advento de uma sociedade mais
humana.
Outras vozes continuam a tentar se fazer escutar chamando a atenção para a
necessidade de mudanças de valores mais profundos, o repensar da lógica capitalista e
de mercado, que, agora, ao contrário de no início da segunda onda, já pode ser
entendida e analisada por suas conseqüências.
O paralelismo entre a época retratada por Steinbeck e a época atual é flagrante.
Artigos publicados na revista EXAME: "Engravatados á beira de um ataque de nervos"
(J 1/12/91), "A Vida no Olho do Furacão" (3/8/94), atestam que, agora, ao invés dos
agricultores, a nova transformação ou onda está atingindo os executivos e gerentes.
Este paralelismo foi a inspiração para o desenvolvimento do tema desta dissertação: A
DIMENSÃO HUMANA NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO. Seu propósito
é esclarecer a questão: Até que ponto o trabalho está sendo utilizado para melhorar a
vida do homem ou a vida do homem está sendo usada para melhorar o trabalho?
Interessam, sobretudo, as conseqüências da fragmentação imposta ao homem pelas
sociedades produtivas da cultura ocidental.
Penduradas na questão maIOr surgem várias pequenas-grandes questões que se faz
necessário pesquisar: Como o homem foi e tem sido tratado nas transformações por
que passou e passa o trabalho nas organizações produtivas.? Qual o significado do
3
para o homem? Qual a influência das ideologias nas transformações do papel social do
trabalho ao longo das diferentes épocas? Qual a ideologia que esteve por trás da
Revolução Industrial e suas conseqüências sociais e humanas? Que papel joga o homem
nas transformações que estão se operando no sistema produtivo da sociedade? Que
reflexos estas transformações têm sobre o homem como ser humano? E, finalmente, que
transformação ocorreria no sistema de trabalho atual se, por uma vez, o homem fosse o
centro das preocupações?
Com certa pretensão, a dissertação tem como objetivos:
1) Analisar as conseqüências de não se contemplar e integrar as diferentes dimensões
humanas nas transformações da sociedade produtiva, levantando a discussão dos
efeitos de práticas administrativas nos homens como seres humanos totais.
2) Trazer à luz questionamentos sobre as idéias dos apóstolos atuais da administração e
as ideologias em que se apóiam, procurando entender como se cria a ditadura de
idéias no campo econômico.
3) Entender o por quê da passividade humana frente às mudanças que lhe são impostas,
investigando como se criam as ideologias e desmistificando a "sapiência" ou
onipotência dos que pregam as mesmas.
4) Enfatizar a importância da integração das "ciências humanas": sociologia, psicologia,
antropologia e filosofia, à administração, propondo uma reversão do seu papel, não
mais como criticos destacados ou mantenedores e reprodutores das realidades
impostas aos trabalhadores, para assumirem o de co-produtores de uma ciência social
mais ética e mais comprometida com a qualidade de vida.
4
5) Reforçar a necessidade de mudanças mais profundas nos valores da sociedade de
forma a superar o reducionismo que teria levado à ditadura do valor econômico
como orientador exclusivo das decisões organizacionais.
Para poder atingir os objetivos aCima, foi empreendida uma ampla pesquisa
bibliográfica e uma pesquisa de campo exploratória junto a "atores" que estão
vivenciando estas transformações do sistema produtivo comtemporâneo. Sem
pretensão de generalização dos resultados obtidos, a pesquisa de campo buscou na
amostra entrevistada checar de que forma as preocupações da Autora repercutem em
outros atores. Os resultados dessa jornada são apresentados ao leitor em sete capítulos.
No segundo capítulo - O significado do trabalho para o homem - procuro identificar
as diferentes interpretações de estudiosos sobre o que representa o trabalho para o
homem.
No terceiro capítulo - O papel das ideologias nas transformações do trabalho - faço
uma breve análise da dinâmica na formação de ideologias e listo as principais
ideologias que tiveram influência no pensamento produtivo das sociedades ocidentais,
desde a Grécia antiga até o advento do conceito de homo economicus, ainda hoje
dominante. Procuro, de certa forma, desreificar o ideário atual ao identificar suas
ongens.
No quarto capítulo - A Revolução Industrial - a ideologia que lhe deu base e as
transformações que provocou - descrevo os pressupostos do capitalismo que
desembocaram ou justificaram o advento da Revolução Industrial, a famosa Segunda , I. ,: .
Onda de Alvin Toftler. Descrevo ainda, com base na bibliografia pesquisada, as
transformações sociais engendradas li partir desta segunda onda, para verificar se o
tratamento "TévoiUiti\:o" que lhe fdi dàdo se stistehta.
5
No quinto capítulo - A dimensão esquecida nessas transformações e suas
conseqüências humanas - passo do estudo macro-social para o estudo das
conseqüências no micro social. Serviram como fonte para descrever o impacto das
transformações ocorridas no caráter e nos valores humanos, os estudos feitos pelos
"cientistas" sociais que proliferaram nessa época.
No sexto capítulo - Base para análise das novas transformações - faço uma análise
crítica do exposto nos capitulos anteriores à luz das idéias Guerreiro Ramos sobre o
paradigma paraeconõmico e o resgate da racionalidade substantiva e abro a questão: O
que poderia ser diferente se o homem, ao invés de só adaptar-se às transformações que
vêm ocorrendo no trabalho procurasse gerar transformações capazes de levar em conta
suas características essencialmente humanas?
No sétimo capítulo - O pensamento pós-moderno e a formação da Terceira Onda -
identifico o momento do colapso da Segunda Onda e as transformações que estão em
curso, assim como, a ideologia que as sustenta. À luz do arcabouço conceitual formado
nos capítulos anteriores, procuro detetar incoerências entre as promessas apregoadas em
seu discurso e os resultados concretos de suas práticas.
No oitavo capítulo - As conseqüências humanas da Terceira Onda - apresento e
analiso o resultado da pesquisa de campo, onde foram entrevistados executivos de
organizações que estão vivendo as mudanças em curso. São privilegiadas as opiniões
sobre suas vidas em decorrência das mudanças por que passa o sistema produtivo.
No nono capítulo - Conclusões - faço um resumo das respostas obtidas à nível pessoal
para as questões objetivo desta pesquisa.
A relevância desta dissertação está em procurar despertar a atenção para a
. " ' , . " ... ::'
6
para o seu papel de agentes transformadores da qualidade de vida na sociedade, não
somente no seu aspecto material.
Trazendo à tona o conhecimento das conseqüências sociais do sofrimento no trabalho,
incentiva-se, em troca, a mudança nas concepções em matéria de administração, de
direção, de gestão do pessoal e de organização do trabalho
Fazer emeq,'1r, um dia, a noção de responsabilidade dos formadores de opinião
(governantes, consultores, empresários, cientistas sociais, imprensa) em relação à saúde
mental das populações que são afetadas afetivamente e socialmente pelas ideologias
que estes alimentam e difundem.
Fornecer elementos para o público interessado em geral, de forma a que esse possa se
"descolar" da roda-viva em que se transformou o mercado difusor de novas técnicas
administrativas, analisar mais profundamente suas premissas, perceber suas falácias e
possíveis conseqüências e participar da construção de novas soluções.
CAPÍTULO 2
o SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA O HOMEM
Todos os seres vivos são atingidos pela morte. Desses seres é,
entretanto, o homem o único que conseguiu criar. da ameaça
constante da morte, uma vontade de perdurar e, do desejo de
continuidade e de imortalidade em todas as suas múltiplas e
concebíveis formas, uma espécie de vida mais rica de sentido, na
qual o Homem redime a precariedade do indivíduo.
LEWISMUMFORD
7
Para tratar da dimensão humana nas transformações do trabalho, seria oportuno iniciar
pela questão do significado do trabalho para o homem, ou que papel o trabalho
desempenha na vida do ser humano.
Parece haver razoável concordância, quanto à definição de Aurélio Buarque de Holanda
de que trabalhar significa "ocupar-se de alguma coisa ou esforçar-se para fazer ou
alcançar alguma coisa". A discordância ou as diferenças surgem quanto ao que
impulsiona o homem a realizar ou ocupar-se de alguma coisa. Uma revisão da
bibliografia existente permite alinhar as conclusões de alguns estudiosos que já se
preocuparam com a questão.
Da pesquisa surgem claramente duas vertentes: A primeira, representada aqui pelas
opiniões de Peter Berger (1983) e Emst Friedrich Schumacher (1979), considera o
trabalho atividade vital para dar significado à existência humana, pois exprime uma
8
função ou compulsão espiritual de criação. A segunda, representada neste capítulo
pelos estudos de Claude Lévy-Leboyer (1994) e Suzana Albornoz (1992) sobre os
diferentes significados encontrados para o vocábulo trabalho e a atual crise
motivacional, considera o si/,'Ilificado do trabalho como fruto de manipulações
ideológicas de classes dominantes (religiosas, econômicas ou ambas).
A questão não é simples, porém ambas as vertentes distinguem duas motivações para o
trabalho (enquanto atividade): o que é realizado por prazer (entendido aqui como gozo
do espírito) e o que é realizado por uma questão de sobrevivência (necessidade física).
A associação e dissociação destas duas motivações e seus efeitos para o homem
parecem ser, portanto, a questão principal para entender o significado do trabalho para a
espécie humana através dos tempos.
Albornoz (I 992,p. 12), considera que:
"... para muitos, o que distingue o trabalho humano do dos outros animais é que neste há consciência e intencionalidade, enquanto os animais trabalham por instinto, programados e sem consciência",
mas observa que:
"em todas as línguas da cultura europeia, trabalhar tem mais de uma significação. O /,'fego tem uma palavra para fabricação e outra para esforço, oposto a ócio. O latim distingue entre laborare, a ação de labor, e operare, o verbo que corresponde a opus, obra. Em francês, travailler e ouvrer. Assim como lavorare e operare em italiano; e Irabajar e obrar em espanhol. No inglês, labour e work e, no alemão, Arbeil e Werk. Work e
Werk contém a ativa criação da obra, enquanto em labour e
Arbeit se acentua o conteúdo de esforço e cansaço."(1992,p.8-9)
9
Em português, observa Albornoz, a mesma palavra trabalho expressa ambas as
significações: a de realizar uma obra que seja expressão do seu criador e que dê
reconhecimento social e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado
consumível e incômodo inevitável. Além dessas significações, trabalho, em português,
também assume si!,>nificado de preocupação, aflição. Isso se pode explicar por sua
origem na palavra latina tripalium, instrumento agrícola, algumas vezes utilizado para
tortura. O conteúdo semântico de sofrer foi substituído pelo de esforçar-se, no início do
século XV.
Para a Filosofia, segundo Albornoz, o homem trabalha ao colocar em atividade suas
forças espirituais ou corporais, tendo em vista um fim sério que deve ser realizado ou
alcançado. Trabalho é o esforço e também o resultado.
Para a Sociologia, prossegue a autora, o vocábulo trabalho, quase sempre está no
contexto da divisão de trabalho social, desconsiderando-se o esforço feito no
isolamento, com gratuidade, ou sem produto imediatamente aparente, como no caso do
trabalho da dona-de-casa.
Ou seja, enquanto a Filosofica se preocupa com o aspecto espiritual ou substantitvo do
trabalho, a Sociologia se preocupa com o aspecto da sobrevivência ou funcional.
1 0
Como resultado de sua pesquisa, Albornoz conclui que a história da divisão do conceito
de trabalho "começa na passagem pré-histórica da cultura da caça e da pesca para a
cultura agrária baseada na criação de animais e no plantio, mas que a significação que
hoje é dada ao trabalho se refere à passagem moderna da cultura agrária para a
industrial." (1992,pA)
Segundo Albornoz (1992,p.6S), George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-183 J)1
propunha uma explicação para a relação entre significado do trabalho e classes de
homens. Considerando o trabalho:
" ... uma relação peculiar entre os homens e os objetos, na qual
se unem o subjetivo e o objetivo, o particular e o geral, através
do instrumento, a ferramenta. Instrumentos e ferramentas são
manifestações da racionalidade do homem, expressam a sua
vontade, e fazem de mediadores entre o homem e a natureza. E,
assim, o trabalho é processo de transformação. No que produz,
o homem se reconhece e é reconhecido. A relação entre os
homens e os objetos através do trabalho, cria a relação dos
homens com os homens mesmos. ( . . . ) O homem só pode manter
se humano na relação com outros homens. Os homens desejam
e carecem ser reconhecidos. Disso resulta[ria] um conflito, a
luta das consciências. O reconhecimento mútuo pressupõe uma
exclusão mútua. Essa relação de dominação e de servidão é a
relação de senhor e escravo. "
Para Hegel, portanto, continua a autora:
1 o mais importante filósofo do idealismo alemão pós-kantiano c um dos que mais influenciou o pensamento de sua época e o desenvolvimeoto posterior da filosofia Seu pensamento desenvolveu-se partindo de uma reflexão sobre grandes eventos históricos como a Revolução Francesa e as guerras napolcônicas� que marcaram a época em que viveu. Sua filosofia parte da necessidade de examinar, em primeiro Jugar, as etapas de fonnação da consciência, tanto em seu sentido subjetivo, no indivíduo; quanto em seu sentido histórico, ou cultural, representado pelo desenvolvimento do espírilo. Entre suas prineípais obras estão: A Fenomenologia do Espírito (1807) e Ciencia da Lógica (1816). (JAPIASSU, I 989)
" o senhor é o homem que leva até o fim a luta pelo
reconhecimento, arriscando sua vida. O escravo é o homem que
recua na luta e renuncia a ser reconhecido, por medo da morte.
Renunciando a este, o escravo estaria renunciando a algo
verdadeiramente espiritual, para salvar seu ser natural,
biológico. Portanto, o senhor ficaria num plano propriamente
humano; o escravo, não. Por temor à morte, o escravo não
arriscou a vida - e agora trabalha. O trabalho é servidão,
dependência em relação ao senhor."
1 1
A ironia, segundo Hegel, é que, em transformando a natureza, o escravo reconhece a
sua própria natureza, e, enquanto cria, se produz a si mesmo. A superioridade do
escravo sobre o senhor para Hegel, portanto, residiria no fato de aquele se haver
inserido nesse movimento, enquanto o senhor ficou à margem.
Albornoz critica a visão de Hegel ao observar que esta Ignorava a alienação do
trabalhador na economia moderna.
Peter Berger (1983), por outro lado, chama a atenção para a relação entre o ser humano
e o trabalho. Mostra que trabalhar significa para o homem modificar o mundo tal qual
é encontrado, assumindo com isto uma significação religiosa. Ou seja, trabalhar seria
imitar a própria criação: o homem como Criador. O produto do trabalho, como obra
deste criador, é fonte de identificação e reconhecimento. Ser humano e trabalhar,
portanto, parecem ser noções inexoravelmente correlatas.
Segundo Berger,
"Trabalho é uma das categorias humanas fundamentais. O homem é o animal que modelou ferramentas e construiu um
mundo. O homem é, portanto, o único animal que vive em dois
mundos: o natural, que reparte com todos os outros habitantes
do planeta, e aquela outra natureza, a nature artificie/le (como
os antropologistas franceses a denominam), feita por ele mesmo.
( . . . ) o processo pelo qual a base fisica deste mundo é construída
é de significação humana crucial." (1983,p.I3)
12
Para a pesquisadora francesa Claude Lévy-Leboyer (1994,p.50-53), no entanto, a
obrigação de trabalhar não é instintiva nem inata no homem, o que demonstra que o
impulso criador não pode ou nem sempre pode ser a justificativa genérica e global para
os esforços empreendidos por toda a humanidade através dos tempos. Segundo ela, "o
trabalho jamais teve o caráter de uma obrigação fundamental" (ex: não consta dos 10
mandamentos), pois, conforme observa, "a possibilidade de não trabalhar, portanto, de
se reservar para atividades mais nobres e desinteressadas, dentro de certas sociedades
representa[ va] a diferença entre o homem livre e o escravo, ou a condição de pertencer
a elite."
Observa-se aqui que Berger se refere ao trabalho na sua forma substantiva, enquanto,
Leboyer se utiliza do mesmo vocábulo para referir-se à sua forma funcional, o que dá
um cunho maniqueísta ao assunto.
Desde quando, então, o trabalho (no seu caráter funcional) assume o caráter de
obrigatoriedade universal, ou seja, de obrigação para todos?
Segundo Leboyer, é de suma importãncia a compreensão das ideologias que, de alguma
forma, ao longo dos tempos, conferiram e conferem ao trabalho (no seu caráter
funcional) essa característica de obrigatoriedade.
13
Berger parece concordar com esta visão, ao afirmar que a falta de significado do
trabalho é um problema particularmente moderno, relacionado a desenvolvimentos
estruturais e ideológicos na moderna história ocidental, pois na maioria das sociedades
anteriores, o problema dificilmente existia nesta forma. O trabalho era um dever
religioso, ou, o sofrimento era entendido como parte do destino do homem.
Segundo o autor, o significado do trabalho se toma um problema devido às
transformações dentro da sociedade que colocaram em questão instituições e
legitimações anteriormente dadas como certas.
Na visão de Berger, dois desenvolvimentos têm importância no surgimento deste
problema: "estruturalmente, a extrema intensificação da divisão do trabalho ocasionada
pela Revolução Industrial ainda em processo; ideologicamente, a secularização do
conceito de vocação." (1983,p. 13)
Corroborando a visão de Berger, Schumacher (J979,p.1 12-1 13), acrescenta que:
" a revolução cartesiana removeu a dimensão vertical do
'mapa do conhecimento', somente mantendo as dimensões
horizontais2 Portanto, para prosseguir nesta terra plana, a
ciência provê um excelente guia; pode fazer qualquer coisa,
exceto guiar para fora da floresta escura da existência sem
significado, sem propósito e acidental".
Argumenta ainda que:
2 Nota da autora: Interpreta-se dimensão vertical corno necessidades espirituais e dimensão horizontal como necessidades materiais.
" é impossível discutir de forma significativa o assunto do
bom trabalho (ou a educação para ele) sem primeiro esclarecer
a questão: O que é o homem? Donde vem ? e qual o propósito
de sua vi da?"
Questões que, segundo ele, são "pré-científicas".
14
Descrever as ideologias que antecederam a Revolução Industrial constitui o próximo
passo dessa dissertação já que, como afirma Berger:
" as grandes revoluções no caráter do trabalho humano
envolveram transformações da existência em sua totalidade,
desde a assim chamada revolução neolítica até a revolução
industrial, que continua transformando a nossa própria
existência até hoje."(1983,p.13)
15
CAPÍTULO 3
o PAPEL DAS IDEOLOGIAS NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
A tragédia da história, entretanto, é que O homem alienou-se de seu
trabalho, isto é , o mundo que ele produziu tornou-se uma realidade
autônoma e até mesmo hostil que o confronta coma algo estrallho e
separado de/e próprio.
PETER BERGER
Para se entender o papel e o desenvolvimento das ideologias, parece oportuno fazer um
pequeno preâmbulo para explicar o processo dinâmico das mudanças por que passa a
humanidade no campo das idéias e destacar a existência de idéias de diferentes
magnitudes.
3.1 Surgimento de Ideologias e de Paradigmas
o termo ideologia (JAPIASSU,1989) se origina dos filósofos franceses do final do
século XVIII conhecidos como ideólogos por estudarem a origem e a formação das
idéias. P osteriormente, passou a significar um conjunto de idéias, princípios e valores
que defendem uma visão do m undo (a que nos referimos como paradigma3) orientando
uma forma de ação. Atualmente, por influência de Marx, o termo é util izado para o
processo de rac ionalização - mecani smo de defesa - dos interesses de uma classe ou
grupo dominante, tendo por objetivo j ustificar o domínio exercido e manter coesa a
sociedade, evitando confl itos.
3 o tcnno paradigma surgiu nas teorias científicas. Seria, segundo o filósofo da ciência Thomas Kuhn, aquilo (idéias) que os membros de uma comunidade partilham. Inversamente, uma comunidade científica consiste de indivíduos que partilham um paradigma.
16
Quando se fala em mudança de paradigmas, na verdade, está se falando de mudança de
"universos simbólicos", ou ideologias, já que paradigmas são idéias ou conceitos-base
a partir dos quais estes universos se estruturam. Fala-se, portanto, da construção de
uma nova realidade.
Segundo Duarte Júnior ( 1989,p.58) esta mudança não se dá abruptamente. Ela pode
começar a partir de um indivíduo, porém só toma corpo e se toma plausível à medida
que mais e mais indivíduos comecem a compartilhar desta visão ou necessidade:
"sózinho ninguém constroi uma (nova) realidade. Alternativas a um determinado
Universo simbólico apenas são possíveis quando sustentadas por um b'TUPO de
indivíduos divergentes que mantém e compartilham entre si esta diferente visão de
realidade. "
Para falar de mudança de realidade cabe antes ressaltar que o homem vive imerso,
desde que nasce, em duas realidades intimamente relacionadas: a realidade fisica e a
realidade metafisica.
A realidade metafisica, ou intangível, é constituída por pensamentos, sentimentos e
instintos, energias que animam e influenciam sua realidade fisica. Ao mesmo tempo,
possui características influenciadas pela primeira (ex: diferentes culturas).
Enquanto os sentimentos e instintos são sempre próprios a cada pessoa, os pensamentos
que habitam sua mente podem ser próprios, criados pelo próprio indivíduo, ou alheios,
ou seja, provenientes de outras mentes. Daí a possibilidade de constante mutação,
observadas de geração para geração ou mesmo da constatação das diferentes "eras" por
que teria passado a humanidade.
o que teria isto a ver com os paradigmas?
17
As mudanças em pensamentos comuns a cada época foram tratadas por Arnold
Toynbee (1952), historiador inglês. Ao tentar captar um padrão para a evolução das
civilizações modernas (ou seja, após o advento da agricultura), Toynbee constata que as
civilizações em crescimento diferem das sociedades primitivas estáticas (grifo meu) em
virtude do movimento dinâmico, em seus corpos sociais, de personalidades criadoras
individuais que chama de "minoria criadora". Seriam, pois, os líderes naturais. Porém,
em toda civilização, a grande maioria dos indivíduos participantes, a "massa não
criadora", seria deixada para trás, a cada avanço sucessivo, caso não se operasse a
"mímesis" - ou seja, a maioria, para não ser deixada para trás, passa a aceitar e imitar
os pensamentos da minoria (pensamentos alheios). Desta forma forçada são adquiridos
os "bens" sociais - atitudes, emoções ou idéias - que podem passar a ser reificados4.
( l952,p.229)
Estes "avanços sucessivos" seriam provocados pelo modelo incitação-resposta dado por
Toynbee (1952,p.84). Uma sociedade, ao se deparar com uma dificuldade interna ou
externa (incitação) tem que agir (resposta). Da multiplicidade de ações possíveis para
uma incitação surgem as diferenças entre uma sociedade e outra. O desenvolvimento
de uma civilização se daria numa cadeia de respostas adequadas a diferentes incitações.
Porém, podem ocorrer respostas não adequadas que levem uma sociedade ao
desaparecimento precoce. Como constata Toynbee (1952,p.257), a "mímesis" só ocorre
enquanto existe criação. Quando a minoria criadora se degenera em minoria
dominante, e tenta reter por força uma posição que deixou de merecer, ocorre,
geralmente, uma cisão da maioria que pára de admirar e imitar seus líderes e se rebela
contra sua submissão. Neste ponto se daria o colapso.
4 Reificar - Transfonnar em "coisa 11. A realidade construída socialmente é sempre reificada, ou seja, adquire o mesmo estatuto das coisas naturais, dos objetos fisicos c ao ser percebida como algo dado, estabelecido, evita que os indivíduos tentem alterá-Ia.
18
Apesar da influência da visão mecanicista no pensamento de Toynbee, pode-se f azer
um paralelo das civilizações com os paradigmas. Poder-se-ia dizer que algum fato ou
necessidade dá origem a um pensamento na mente de uma pessoa. Este pensamento
trabalhado se transforma em uma idéia ou conceito, que ao ser transmitido pode
encontrar outras mentes receptivas que o adotam ou desenvolvem e, assim
sucessivamente , vai se ampliando a cadeia. Esta idé ia ou conceito pode dar origem a
um paradigma que será tomado como modelo até que não atenda mais às necessidades
emergentes no futur o.
o aparecimento e o desaparecimento de idéias é, pois, um processo muito dinâmico e
seus ciclos de vida variam conforme seu caráter e magnitude. Os paradigmas, por
exemplo, definem cortes epistemológicos que podem influenciar sucessivas gerações.
3_2 As Ideologias Relativas ao Conceito de Trabalho
Leboyer constata que:
" há séculos as motivações para o trabalho são complexas,
var iadas e frágeis. As atitudes coletivas frente ao trabalho
foram submetidas a profundas reviravoltas e o significado do
trabalho, assim como sua importância com relação a outras
atividades humanas mudou ao longo dos séculos de maneITa
radical e numer osas vezes sucessivamente."(J994,p.50)
Os grandes sistemas ideológicos que valorizam o trabalho o fazem por razões
diferentes, seja como um valor em si e uma obr igação moral fundamental, seja como
um meio de permitir a consecução de objetivos que são em si mesmo valorizados.
19
A pesquisa sobre idéias ocorridas h istoricamente e que influenciam a cultura ocidental
criando preconceitos sobre o trabalho deve iniciar-se na Grécia e na tradição judaico-
cristã.
3.2.1 0 Pensamento Grego
Conforme relata Albornoz, os gregos distinguiam entre o esforço do trabalho na terra, a
fabricação do artesão que serve ao usuário e a atividade do cidadão que discute os
problemas da comunidade.
Até o período helenístico, quando a agricultura passa a ser realizada por escravos, o
trabalho na lavoura gozava de prestígio e imagem semelhantes aos da atividade de
guerreiro. Considerava-se que o agricultor teria um pacto com a divindade que rege a
fertil idade da terra e os ciclos naturais.
o artesão, embora não fosse escravo, não era considerado l ivre. Na concepção grega
seu trabalho é feito para sobreviver, através da remuneração, se constituindo, pois, em
serviço ao usuário. É a finalidade que dá sentido e comanda o conjunto da atividade
produtiva. A causa real da fabricação não está na vontade ou na força do artesão, mas
fora dele, no produto feito, no fim a que se dirige a atividade. Aristóteles (384-322
a. C.)5 citava lado a lado, entre os instr umentos que produzem um objeto, tantos os
utensílios como os próprios artesãos.
P ara o pensamento grego o h omem só age l ivremente quando sua ação não gera nada
além dela mesma. Apraxis , ou ação propriamente dita, é a atividade não produtora, em
5 Filósofo grego, discípulo de Platão c preceptor de Alexandre Magno. Aos cinqüenta anos funda sua própria escola, o Liceu. Sua obra aborda todos os ramos do saber: lógica, fisica, filosofia, botânica. 7oo1ogia, metafisica, etc. Entre seus livros fundamentais está Retórica. Para ele, contrariamente a Platão, a idéia não possui uma existência separada. Se Platão é o filósofo do método, Aristóteles é o filósofo da experiência. Preocupado com as causas c princípios primeiros de tudo, dessacraliza o "ideal" platônico, realizando a idéia nas coisas. Os caminhos do conhecimento são os da vida. (JAPIASSU,1989)
20
que o ato reside no interior do próprio sujeito agente. Para os gregos a praxis prevalece
sobre a poiesis, a operação de fabricação, a atividade do artífice, onde o ato se realiza
num objeto produzido.
o ideal do homem livre, do homem ativo, aparece na Grécia como sendo antes o do
usuário que o do produtor.
Para entender os conceitos gregos no contexto atual, Albornoz (J 992,p.47) cita Hannah
Arendt, pensadora do século XX ( 1 906- 1 975)6, que transporta a distinção grega entre
labor, praxis e poiesis para o mundo contemporâneo.
Labor seria aquele trabalho do corpo do h omem pela sobrevivência, havendo uma dose
de passividade e submissão aos ritmos da natureza, às estações, à intempérie, às
limitações biológicas.
A poiesis seria o trabalho propriamente dito, o fazer, a fabricação, a criação de um
produto, obra da mão h umana que maneja instrumentos. O resultado deste fazer
h umano tem a qualidade de permanência; deve superar no tempo o próprio trabalhador,
porém sua destruição não atenta contra as leis da vida.
A praxis, ou ação, é aquele domínio da vida ativa onde o instrumento usado pelo
homem é o discurso, a sua própria palavra. É o âmbito da vida política que se refere ao
convívio harmonioso entre concidadãos. A ética se forma na praxis. O espaço da casa,
o domus, era onde o chefe imperava sem lei e sem necessidade de uma ética racional. A
polis, a cidade grega, era onde se efetivava a democracia dos cidadãos livres, pelo
debate. O exercício da palavra é atividade significativa para o homem livre.
6 Filósofa alemã, de origem judaica, imigrou para França e depois Estados Unidos (1941 l. Notabilizou-se sobretudo por suas reflexões sobre a situação do mundo atual e sobre as crises que marcam nossa época (religião, tradição e autoridade). Dentre suas principais obras destacam-se As origens do totalitarismo (1951) c A condição Humana (1958). (JAPIASSU, 19R9)
21
Segundo Arendt, o mundo caminhou no sentido do labor e não da praxis. Na Grécia, a
prática produtiva ocupava um lugar secundário. No mundo moderno, a idéia corrente é
a de que o homem se faz a si mesmo através de sua atividade prática, transformando o
mundo com seu trabalho.
3.2.2. A Herança Judaico-cristã
Na tradição judaica o trabalho também é encarado como uma labuta penosa, à qual o
homem está condenado pelo pecado. Por haver perdido a .inocência original do paraíso,
Adão é condenado a ganhar o pão com o suor de seu rosto.
Segundo Albornoz ( 1 992,p.5 1 -52), nos primeiros tempos do cristianismo o trabalho era
visto como punição para o pecado, e servia para a saúde do corpo e da alma, afastando
os maus pensamentos provocados pela preguiça e a ociosidade. Porém, por ser desse
mundo mortal e imperfeito, não era digno por si mesmo. Assim como os gregos, os
padres da Igreja colocavam a meditação pura, a contemplação, acima do trabalho
intelectual de ler e de copiar. P ara o catolicismo em geral se o trabalho pode ser digno
ou dignificante, o é em f unção de sua ordenação ao louvor do Criador, e nesse sentido,
é certamente inferior á contemplação direta e à oração.
3.2.3 RellQscença - O Trabalho como Fonte de Libertação e não de Escravidão
Na Renascença7, movimento que se desenvolveu inicialmente na Itália (a partir de
Florença) entre 1 300 e 1500, aparece ainda uma outra visão do trabalho, ao se
7 Na Itália, na metade do século XN, o humanismo era wna idéia cuja hora havia chegado. Seu apelo - no sentido de reviver e partilhar as glórias da antigüidade clássica - mostrou-se irresistível para lUtl3 elite urbana cansada da cultura orientada para a fé da ldade Média. Homens instruídos, de gênio, e de riqueza, abraçaram o novo movimento com o ardor de missionários. (. .. ) A Iitcraratura latina c os ideais gregos tomaram-se as base de um elaborado programa de educação clássica. C.) Sua causa deu nome a essa fase, seu gosto e autoconfiança caracterizaram a épOtu. Esse modelo surgiu muito mais tarde no resto da Europa. Os anos centrais do Renascimento na Alemanha, na França, Inglaterra c Espanha alongam-se pelo século XVI, alcançando em alguns casos o XVII. O Renascimento alemão, apesar de tcr sido o primeiro dos renascimentos do norte da Europa, foi o de mais rápida duração. Floresceu na corte de Maximiliano I, nos últimos anos do séculoc XV e nos primeiros do XVI, depois do que foi engolfado nas acerbas discussões teológicas da Rcfonna. O surgimento do Protestantismo, com sua afumação especial da natureza
22
quebrarem as certezas cosmogênicas do mundo medieval, com a descoberta do
heliocentrismo, e de outros continentes. Nesta época, conforme relata Albornoz
( 1 992,p.58), o trabalho foi concebido como estímulo ao desenvolvimento do homem, e
não um obstáculo. O trabalho seria expressão do homem, da personalidade e do
indivíduo. O homem pode ser criador através de sua atividade. O trabalho passa a ter
um significado intrínseco. As razões para trabalhar estão no próprio trabalho e não fora
dele ou em qualquer de suas consequências.
A consciência filosófica da atividade produtiva sofre uma mudança radical. O homem
deixa de ser um animal teórico para ser também sujeito ativo, construtor e criador do
mundo. A contemplação continua mantendo na Renascença um lugar superior ao da
atividade prática, particularmente a manual, porém já não se repele o trabalho como
uma ocupação servil. Longe de escravizar o homem, o trabalho começa a ser
prestigiado como condição para a sua liberdade.
A idéia do valor da transformação da natureza, da produção guiada pela teoria e pela
ciência se prolonga pelos séculos XVI e XVII.
3.2.4 Reforma - A .Ética Protestante e o Surgimento da Noção do Trabalho como
Obrigação
Com a reforma Protestante ( 1500- 1 600), o trabalh08 sofre uma reavaliação dentro do
cristianismo.
essencialmente má do homem, acabou colocando um fim definitivo no movimento humanista alemão. (BIBLIOTECA DA HISTÓRIA UNIVERSAL LIFE: A RENASCENÇA: ( 970) 8 No início do século XVl, cerca de 80% dos europeus estavam ainda lavrando o solo. Muitos se haviam levantado da servidão abjeta e eram lavradores livres ou meeiros, trabalhadores alugados ou artífices das aldeias. Mas. em sua maioria, os camponeses ainda estavam sobrecarregados de impostos e scnriços. Vivendo à sombra de uma casa senhorial ou de um castelo, o camponês do tempo da Rcfonna trabalhava não só para se manter e aos seus dependentes, mas também para atender às exigências do seu senhor. Era uma vida dura. C,,) Antes X que pudesse alimentar a família, o camponês pagava a dois senhores. À Igreja cabia o grande dízim�u um décimo do seu trigo, outro dizimo das frutas c verduras e um tcrceiro dízimo dos animais. Entregava ao senhor duas Vê7..cS por ano uma percentagem fixa de tudo o que produzia, como renda da tcrra. Ainda [lhe] era exigido um tempo para
23
P ara Martinho Lutero ( 1 483-1546), o trabalho aparece como a base e a chave da vida . .
o ócio era uma evasão antinatural e perniciosa. Manter-se pelo trabalho é um modo de
servir a Deus. A profissão toma-se uma vocação. O trabalho é o caminho religioso para
a salvação. É visto como virtude e como obrigação ou compulsão.
Para Calvino, reformador francês (1509- 1564), o trabalho como virtude se associa à
idéia de predestinação. P ela preferência divina, alguns estão predestinados ao êxito, e
outros, a ficar na miséria; contudo é vontade de Deus que todos trabalhem. É pelo
trabalho árduo que alguém pode chegar ao êxito, e assim realizar a vontade de Deus,
que o inclui entre os eleitos. Os frutos do trabalho, no entanto, não devem ser
cobiçados mas reinvestidos.
Max Weber ( 1 864-1 920), sociólogo alemão, associa a ética protestante ao espírito do
capitalismo. A psicologia do homem religioso e do homem econômico coincidiram no
empresário burguês dos tempos de austeridade, quando para afirmar-se como classe,
cria a religião do trabalho. A vocação para o trabalho secular aparece como expressão
de amor ao próximo. Em contraste com a concepção católica, são aumentados a ênfase
moral e o prêmio religioso para a atividade profissional. Só a atividade afugenta as
dúvidas religiosas e dá certeza da graça.
Segundo a pesquisa de Albornoz, para os puritanos, mais rígidos e exigentes, a nqueza
só é éticamente condenável na medida em que se constitui em tentação para a vadiagem
e para o relaxamento. A objeção moral não se refere à riqueza em si, mas ao seu gozo,
com a sua consequência de ócio e sensualidade. A perda de tempo constitui o primeiro
e o principal de todos os pecados, pois o trabalho constitui a própria finalidade da vida.
A falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência do estado de graça. P ara esse
cristianismo, a divisão do trabalho e a diferenciação dos homens em camadas e
prestação de serviços pessoais no dominio do senhor: em alguns pontos da Alemanha 60 dias. Isolada, auto-suficiente e compacta, a aldeia camponesa era unida tanto pelos seus pra7.l:res comunitários quanto pelas dificuldades sofridas em comum. (BIBLIOTECA DE HIST6RIA UNIVERSAL L1FE: A REFORMA: 1 971 , p. 23)
24
profissões, estabelecida através do desenvolvimento h istórico, parece ser resultado da
vontade divina.
É nessa avaliação religiosa do labor comum como instrumento de purificação e meio de
salvação que, segundo Weber, reside a mais poderosa alavanca do que se chama o
espírito do capitalismo, ou da economia capitalista. O poder de convicção religiosa põe
à disposição da economia capitalista trabalhadores sóbrios e aplicados, que se dedicam
ao trabalho com a consciência de estar agradando a Deus, enquanto a classe mais
abastada tranqüiliza sua consciência sobre a distribuição desigual da riqueza com a
idéia de ser obra da divina providência, assim como justifica eticamente as chances de
lucro e enriquecimento.
3.2.5 O Surgimento do Capitalismo e do Conceito do Homo Economicus
Segundo Lewis Mumford ( I 958,p. I 84-1 85), o capitalismo já se apresentava como
método de negócios e hábito de vida em algumas instituições medievais no século XIII,
principalmente a I/,'feja. O seu maior desafio, no entanto, foi contra os padrões éticos e
as noções que definiam uma vida de santidade e decoro. A personalidade capitalista,
orientada no sentido do interesse individual e do ganho, era a antítese da mentalidade
do cristão, que procurava amar o próximo como a si mesmo.
Toda a transformação moral que se operou pelo capitalismo pode sintetizar-se no fato
de terem os fins humanos, as necessidades humanas e os limites humanos deixado de
exercer uma influência sobre a indústria no sentido de dirigí-Ia e limitá-la. Não era
para manter a vida que se trabalhava, mas para acumular dinheiro e poder, e servir ao
ego, que encontrava satisfação em vastas acumulações de dinheiro e poder.
Até o surto do capitalismo, a vida econômica repousava sobre fortes bases moraIS,
advindas do temor ao Juízo de Deus. A revisão capitalista dos valores humanos foi-se
25
operando sem descontinuidade; sua natureza plástica e dúctil enchia de esperanças os
que viam nela um meio de se libertarem dos costumes rígidos da sociedade feudal.
P oder ganhar e perder - saldar suas contas na Terra ao invé s de no Céu - representou
uma profunda transformação tanto para a comunidade como para a pessoa. O
capitalismo intensificava no h omem a confiança em si mesmo e acreditava na vontade
h umana.
O século XVIII marca, nesse processo, uma reviravolta decisiva. Os pensadores e
filósofos ilurninistas9 louvam a técnica, as artes mecânicas, a indústria do h omem e
passam a exaltar o domínio do homem sobre a natureza.
Apenas uma voz destoa: a de Jean Jacques RousseaulO ( 17 1 2-1778), filósofo suíço, que
era de opinião que a transformação da natureza só serviu para transformar
negativamente o homem. A atividade social - no trabalho, na arte e na política - nada
mais havia feito do que degradar e aviltar o homem.
As idéias de Rousseau se chocam com as idéias dos economistas ingleses - Adam Smith
( 1723-1790) e David Ricardo ( 1772-1 823) - que se caracterizam pela exaltação da
atividade material produtiva, vendo o trabalho humano apenas por sua utilidade exterior
e não por seu entrosamento com o homem. Dissociaram o operário do homem concreto
que ele é : ou seja, fizeram uma imagem de homem apenas como Horno econornicus. O
conceito de atividade transformadora da realidade fica reduzido a um conceito
econômico e, como tal, incompleto.
9 Jluminismo - Movimento que se desenvolve na França, Alemanha e Inglaterra no século XVIII e se caracteriza pela defesa da ciência c da racionalidade critica, contra a fé • a superstição c o dogma religioso. 1 0 Mora em Paris a partir de 1 742. Tem vida mW1dana. Se liga ao movimento enciclopedista, especialmente a Didcrot. Em 1750, publica O Discurso sobre as ciências e a artes, rompendo com o otimismo do século das LU7.cS. Em 1755 publica O Discurso sobre a origem da desigualdade, gerando polêmicas. Em 1 762, publica O contraio social c é exilado. De suas idéias podem se destacar: I ) O homem é, por nature7.a, bom; é a sociedade que o corrompe; 2) O estado da natureza é um estado primordial onde o homem vive feliz e em harmonia; o social não tem sua nOrma na natureza, mas no homem; 3) O problema do homem está em encontrar uma forma de sociedade onde possa preservar sua liberdade natural c garantir sua segurança. 4) Cada homem possui, corno indivíduo: uma vontade particular; mas tambêm possui, como cidadão, uma vontade geral para o bem comum. A educação fonna a vontade geral.(JAPIASSU,1989)
26
No séc. XIX, começam a surgir reações contra o significado utilitar ista atr ibuído ao
trabalho pelos economistas clássicos. Entre os utopistas/J franceses, Char les Fourier12
( 1 772-1 837) vê o tr abalho como r ealidade que, de sofrimento e pena que é no mundo da
sociedade r epugnante da indústria, deve se tomar no mundo da harmonia, sonhado para
um futur o concreto, atividade associada ao prazer.
o Quadro I apresenta de forma suscinta os pr incipais aspectos das ideologias que
provocar am as tr ansformações na organização do trabalho das sociedades ocidentais
desde a Grécia antiga até a era moderna.
1 1 Utopia � O tenno foi criado por Thomas Moros em sua obra Utopia em ] 5 1 6, significando literalmente lugar nenhum (grego ou= negação e topos = lugar), para designar um ilha perfeita onde existiria uma sociedade imaginária na qual todos os cidadãos seriam iguais c viveriam em hannonia. No período moderno são fonnuladas várias utopias como as de Campunclla c Fourier. (JAPIASSU,1 989) 1 2 Filósofo c reformador social francês que inspirou os "falanstérios" (comunidades cooperativistas) que foram experimentalmente realizados na Europa c nos Estados Unidos, teve a idéia da orientação profissional, defendeu a propriedade comunitária, postulou a federação das comunidades, defendeu o principio "a cada um segundo suas necessidades", advogou a utilização profissional das «motivações", sonhou com comunidades de trabalho, com cooperativas de produção c consumo e com certa cogcstão. (JAPIASSU,1 989)
ATIVIDADE
LABOR
27
QUADRO I: AS IDEOLOGIAS QUE TRANSFORMARAM O TRABALHO TIPO FINALIDADE GRÉCIA
Trabalho passivo I Sobrevivência (Agricultura sub mentidos aos ritmos da natureza, estações intempéries e limitações biologicas
ERA JUDAICO CRISTÃ
RENASCENÇA REFORMA ; ESPíRITO I DO CAPITA
LISMO
Expiação para o Estimulo ao Base e chave da I pecado. desenvofvimento vida caminho IA idéia de que Saúde do corpo do homem para a satvação. Ia distribuição e da alma, mas Virtude. I desigual de sem o caráter lriqueza é
CAPITA- ; I3EVOLUL1SMO E I ÇA0 INDUS-
ILUMINISMO I TRIAL
Finalidade do trabalho é acumular dinheiro. Surge o Homo economicus.
I I I
Apropriação dos I . d I melos e
de dignidade Ipredestinação e I IObra Divina,
I produção pelo Icapital e Itransformação I do homem em Iforça de : trabalho e IPOIESIS Trabalho ativo Sobrevivência Artesanato Trabalho Expressão do Profissão - Ijustifica
Fabricação e criação intelectual homem, da vocação léticamente o Louva-se a técnica, as artes
I recurso para I produção de produtos Ler e escrever personalidade, do Afugenta as Ilucro e o
PRAXIS Discurso Instrumento são as palavras. Onde se forma a ética.
Significação IPensadores Polfticos Filósofos
I I I
'nCA
!l!�=�
Meditaçao Contemplaçao
Dogmas Religiosos: As razões para o trabalho estão fora do homem
individuo. dúvidas t enriquecimento mecanicas, a indústria do
I Criação do Mundo religiosas e dá I I
certeza da graça I homem I
o homem deixa de Ócio é uma ser teórico para ser evasão anti-sujeito natural e ativo/criador. perniciosa A contemplação começa a perder prestfgio pl as atividades práticas
Dogmas Religiosos: As razões para o trabalho estão dentro do homem, mas sua finalidade é a exaltação de sua dimensão humana.
Protestante:
A religião do trabalho secular
I I
fi . I con ança em SI I
Intensifica no homem a
mesmo e na , vontade , humana. , Crença de que o ' homem passa a : ser sujeito e não I objeto.
I Interesse :Fim do Dogma :Mais valia , individual e I Religioso: , Lucro ,ganho. Antrtesel Fins Ido pensamento I humanoslespiri-I cristão ltuais deixam de I I exercer I l influência ou
: : lilmitar a
I I indústira do I , homem
CAPÍTULO 4
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A lDEOLOGIA QUE LHE DEU BASE E AS TRANSFORMAÇÕES QUE PROVOCOU
Os que imaginam que essa moralidade capitalista é uma moralidade
espontânea e perfeitamente natural, baseada na natureza "real"do
homem, não fazem idéia da quantidade de doutrinação positiva e de
árduo trahalho de conversão que o seu êxito filiaI e definitivo exigiu.
LEWJS MUMFORD
28
P ara entender e analisar as transformações que estão ocorrendo atualmente no mundo
do trabalho toma-se necessário compreender o legado social da Revolução Industrial,
ou porque a adoção do modo de produção industrial recebe a denominação de
revolução. P ara entender-se a revolução industrial, devemos começar pela ideologia
que lhe sedimentou as bases e modelou o pensamento de toda uma sociedade.
4.1 A Lógica do Capitalismo e a Transformação do Trabalho em Emprego
Afrânio Mendes Catani (1 989) faz uma análise da ideologia capitalista baseando-se
nos estudos feitos por seus maiores pensadores: Max Weber e Karl Marx que dãó
interpretações diferentes para a institucionalização da lÓl,rica capitalista e do modo de
produção correspondente.
Weber ( 1 864-1 920)'3, citado por Catani, afirma, em seu livro A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo, que o capitalismo se constitui a partir da h erança de um modo
1 3 Max Webcf, filósofo e sociólogo alemão é um dos principais responsáveis pela fonnação do pensamento social contemporâneo, sobretudo do ponto de vista metodológico. E de grande importância sua distinção Ctltre a razão
29
de pensar as relações SOCiaIS (econõmicas inclusive) legado pelo movimento da
Reforma na Europa com o Protestantismo de Lutero e, principalmente, com o
Calvinismo.
o conjunto de idéias como: valorização do trabalho, prática de uma profissão
(vocação) na busca da salvação individual, a criação de riqueza e a poupança como
sinal de predestinação formaria o fundamento de uma ética, elaborada pela Reforma,
que implica a aceitação de princípios, normas para conduta, que seriam a expressão de
uma "mentalidade" e de um "espírito" capitalista.
Marx 14, no entanto, como citado por Catani, considera, em O Capital, que o capitalismo
é um modo de produção de mercadorias, gerado historicamente com a transfonnação
das antigas relações econõmicas dominantes no feudalismo, que encontra sua plenitude
na Revolução lndustrial e que determina a forma de apropriação dos meios de produção
e as relações que se estabelecem entre os homens a partir das vinculações destes ao
processo de produção.
Segundo Marx, no capitalismo, a força de trabalho se transforma em mercadoria e se
coloca no mercado como qualquer objeto de troca. Propriedade privada, divisão social
do trabalho e troca são características fundamentais da sociedade produtora de
mercadorias.
instrumental c a razão valorativa, sendo que os juÍws de valor nâo podem ler sua origem em dados empíricos. Em sua análise da formação da sociedade contemporânc8o Wcber investigou os traços fundamentais do Estado moderno, da sociedade industrial que o caracleriza e da burocracia que lem ncle um papel central. (JAPIASSU,1989) 1 4 Karl Marx, filósofo alemão de familia judia convertida ao Protestantismo. Doutorou-se em direito c ligou-se aos
"jovens hcgclianos de esquerda" escrevendo em jornais socialistas. Depois de intenso período de militância política, exilou-se na Inglaterra (1 849) onde desenvolveu suas pesquisas c escreveu grande parte de sua obra que abrange os campos da história. da ciência politica c da economia. Seu pensamento desenvolvc-se a partir do contato com a obra dos economIstas ingleses Adam SmiLh e David Ricardo, c da ruptura com O pensamento Hcgcliano e com a tradição idealista da filosofia alemã. É assim que surge o materialismo histórico, scgW1do o qual as relações sociais são detcnninadas pela satisfação das necessidades da vida humana, não sendo apenas uma forma de atividade mas a condição fundamental de toda a história. Sua obra, escrita grande pane em colaboração com Engels, teve grande impacto em sua época c na fomlação do pensamento social c político contemporâneo. (JAPlASSU, 1989)
30
Marx apresenta os conceitos de valor de uso (utilidade específica de um produto para o
consumidor) e de valor de troca (relação ou proporção na troca de um certo número de
valores de uso de uma espécie por outra espécie). Para se ter um meio de equivalência
geral, ou seja, uma mercadoria através da qual qualquer outra pudesse ser medida,
cria-se o dinheiro (que tem valor de tr oca mas não tem valor de uso). Desta for ma, as
mercadorias (M) já não são mais trocadas diretamente, antes são per mutadas por
dinheiro (D). A troca divide-se em duas etapas: a troca de mercadoria por dinheiro
(venda) e a troca de dinheiro por mercadoria (compra). Surge o conceito de capital
como o dinheiro que circula e o conceito de mais-valia como o excedente em capital
que se ganha na operação de compra e venda (D => M => D' onde D'>D). Segundo
ele, só por este processo de expansão do valor o dinheiro se transfor ma realmente em
capital . A soma de dinheiro, no fim, tem que ser maior que a soma no começolS e a
única mercadoria no mercado que é fonte de criação de valor e que j ustificaria este
aumento de valor de tr oca é a força de trabalho humano.
A força de trabalho dos homens, conforme foi apresentado, nem sempre foi tratada
como mercadoria, nem em todas as épocas, nem em todas as relações sociais de
produção. O artesão, por exemplo, sendo um produtor independente, vendia o seu
produto e não a sua força de trabalho. Isto é possível porque o artesão era dono de seus
meios de produção (matéria-prima e instrumentos); em conseqüência, era dono do
produto que seu trabalho produziu. A expansão capitalista liquidou com a maior par te
dos artesãos (pequenos produtores) que, não podendo competir com as fábricas
crescentes, endividam-se, perdem seus meios de produção, e, conseqüentemente, nada
lhes sobra para vender a não ser sua força de trabalho (força fisica ou conhecimentos).
15 Segundo exemplifica Murnford (1958: 191): nA propriedade tcm seus limites naturais: límitcs de uso, que a propriedade não pode ultrapassar sem se tomar um fardo. Mas o capital não sofre limites de espécie alguma. Não há glutão que possa comer cem faisões (. .. ) Se todavia ele pudesse lIocar por marcos os faisõcs virtuais então etc poderia dirigir o trabalho de seus semelhantes e conquistar o .lugar de um aristocrata sem tcr nascido tal."
3 1
Separada de seus meios de produção, a classe trabalhadora passa a depender, para o seu
trabalho, da classe capitalista, isto é, dos proprietários dos meios de produção. É forçada a procurar o capitalista para vender sua força de trabalho, em troca de salários.
O artesão transforma-se em assalariado e a força de trabalho se transforma em
mercadoria ao ser trocada por dinheiro. Seu valor de troca passa a ser o valor que
garanta sua subsistência e manutenção. A diferença entr e o valor do que produz e o
valor de seu salário, é a chamada mais-valia.
Segundo Marx, a produção da mais-valia só pode ser aumentada continuamente por
uma acumulação ininterrupta. Por outro lado, tal acumulação só é possível por um
constante aumento da produção de mais-valia. O processo de acumulação capitalista
segue uma trajetória de constantes altos e baixos. Conforme os ciclos econômicos, a
procura de trabalho, por par te do capital, aumenta ou diminui. Num período de crise,
os tr abalhadores são despedidos, formando-se uma reserva de mão-de-obra que estará
disposta a uma redução de jornada ou de remuneração para continuar subsistindo.
4.2 Gênese, Desenvolvimento e Crise do Capitalismo
Catani (1989) cita Maurice Dobb observando que o capital ismo se desenvolveu a
partir de uma forma anterior de sociedade de classes (escravatura e servidão da gleba).
Embora essa transição não tenha sido nítida, podem distinguir-se duas fases
impor tantes:
• a emancipação, parcial ou completa, do pequeno produtor das
obrigações feudais que sobre ele pesavam;
• separação da propriedade dos meios de produção (terra, gado,
instrumentos), e a criação de dependência do trabalho assalariado para
garantir sua subsistência.
32
A origem, pois, da criação de um proletariado foi a desintegração social e econômica da
comunidade dos pequenos produtores, donde emerge uma camada de proprietários ricos
e uma camada de camponeses empobrecida. Paralelamente, ocorre o desenvolvimento
da troca em base monetária.
Tendo seu surgimento parcialmente determinado, o capitalismo passa por diferentes
fases na sua evolução.
A fase crucial de ascensão do capitalismo é representada pela usualmente chamada
Revolução Industrial, quando uma série de inovações técnicas que submetiam a
potência mecânica (energia hidráulica e vapor) à produção transforma o processo de
produção, levando-o da casa ou da oficina artesanal para as fábricas e tomando-o
processo coletivo de dezenas e, depois, centenas de trabalhadores. Este se toma o ponto
de partida para que o processo de acumulação de capital e de expansão econômica
adquiram aceleração própria.
Às transformações no campo da indústria têxtil (com o advento das máquinas de tear)
se sucedem as que tiveram lugar no campo da siderurgia, determinantes da criação da
grande indústria moderna, a qual exigia como premissa a mobilização e a concentração
muito maior de capital com a finalidade de desenvolvê-la. A estrada de ferro seria o
fruto moderno dessa revolução.
A empresa familiar cede lugar à sociedade anônima e acaba desencadeando um
processo irreversível no seio do capitalismo: sua tendência natural à concentração de
capitais. Ao capital familiar sucede um primeiro indício de capital social. Ao
autofinanciamento baseado em acumulações privadas, preferencialmente agrárias e
comerciais, sucede o império das práticas comerciais (ex: sistema de créditos) que
seriam determinantes da fisionomia do capitalismo característico da segunda metade do
século XIX
33
É a fase mais criativa do capitalismo, uma vez que consagra como valores, quase
religiosos, o ideal do progresso científico e tecnológico, a substituição da reli!,rião e da
filosofia pela ciência, a promoção do inventor à figura quase sacerdotal. Surge como
uma nova idade da razão, fundada no dirigismo dos industriais ilustrados, de
empresários colocados a serviço dos princípios nacionais da ciência e da tecnologia.
o fim do século XIX traz a consolidação do que se chama "capitalismo tardio", a saber:
o surgimento de oligopólios e monopólios como formas concentradas que unificam o
esforço empresarial e abrandam o caráter competitivo próprio do estágio em que o
capital ainda se encontrava atomizado e disperso. Com os monopólios a concorrência
existe, mas sob outra forma: ao invés de concorrer no preço concorre-se através das
campanhas publicitárias.
Assim, com os monopólios e oligopólios, nasce aquilo que se convencionou chamar "a
última fase do capitalismo"- o imperialismo. Com ele surge um neonacionalismo, onde
interesses de caráter capitalista desembocam nas guerras européias e mundiais.
Floresce a indústria química e a ciência destrona sistematicamente a "perícia" do
mundo da grande indústria. O processo de invenção implica uma prévia educação
especial izada que lança ao primeiro plano as universidades. Cada vez toma-se mais
estreita a ligação entre ciência, tecnologia e indústria.
Pode-se afirmar que a p rincipal inovação da tecnologia nesta forma atual de capitalismo
localiza-se no campo da eletrônica e da informática, através da criação dos
computadores. Se a máquina substituía a força humana, o computador substitui as
operações mais fatigantes e difíceis de cálculo cerebral, chegando a elaborar "decisões"
derivadas de "ordens" que recebe.
34
É evidente que essa nova revolução técnico-científica implica em nova fase do
capitalismo que conduz até níveis insuspeitos a tendência para a sua própria
concentração.
Essa visão do mundo pretendia endossar a idéia segundo a qual o desenvolvimento
capitalista tem caráter de um desenvolvimento em contínuo progresso e expansão.
Pretendia-se através dele alcançar a "riqueza das nações" e a felicidade geral segundo
postulava Adam Smith ( 1723-1790), fundador da economia política moderna.
o progresso indefinido, o bem-estar geral e o enriquecimento de todas as nações eram o
prognóstico dessa economia política l iberal marcada pelo otimismo revolucionário de
uma burguesia em plena ascensão e em absoluta comunhão de seus interesses com os
de toda a nação. Esse otimismo econômico prolongou-se, no século XIX, com um
otimismo científico e tecnológico, herança daquele século das Luzes, que acreditava no
desenvolvimento da Razão. A ideologia positivista, de Saint-Simon ( 1760- 1 825)16 até
Comte ( 1798- 1 857)17, traduz essa confiança segundo a qual a ciência e a técnica
terminariam por liberar o homem de sua servidão à superstição.
4.3 A Revolução Industrial (ou "A Segunda Onda") e as Transformações que se
Operaram na Estrutura Social da Sociedade
Alvin Toftler ( 1980), divide a história da sociedade produtiva em três grandes ondas.
A primeira seria a sociedade baseada na agricultura. A segunda, a sociedade baseada
nas indústrias, e a terceira, ainda em formação, a sociedade baseada na informação
16 Claudc Hcnry de Rouvry, Conde de Saint-Simon, filósofo c economista francês. Egresso da carreira militar, a partir de ] 805 dedica-se à vida intelectual. Seu secretário: a partir de .1 8 1 8, é Augusto Comtc. O essencial de seu pensamento gira em tomo da organização da indústria. Inventa o termo industrial. A política se loma a ciência da produção c da organização do trabalho que conduziriam ao desaparecimento da pobreza c substituiriam a filantropia e o assistcncialismo. A finalidade da politica é a justiça soeial. (JAPIASSU, 1989) 17 Augusto Corntc, criador do positivismo, pode ser considerado filósofo e reformador social, sendo que a reforma que defendia pressupunha a reforma do saber, jâ que a sociedade se caracteriza exatamente peJa etapa de desenvolvimento espiritual que atingiu. DefInc três períodos históricos bâsicos: o teológico, o rncta-fisico c o positivo. O último é atingido quando, através da ciência, o espirito supera toda especulação. É considerado um dos criadores da sociologia. Teve grande influência no Brasil na formação do pensamento republicano de "ordem c progrcsso".(JAPIASSU, 1989)
35
eletrônica. O Quadro n apresenta as diferentes fases por que passou e passa a
organização do trabalho sob a influência da ideologia capitalista.
QUADRO D: FASES DO CAPITALISMO SÉCUW XVIII REVOLUÇÃO INDUSTRIAL REVOLUÇÃO
SÉC.XTX SÉc. XX(la metade) INFORMÁTICA
SÉc. XX(2a metade) PRIMEIRA ONDA SEGUNDA ONDA TERCEIRA ONDA
Sociedade agrária e Sociedade financeira Surgimento dos Competição por preços e comercial - Capital Surgimento da sociedade oligopólios e monopólios qualidade
privado anônima deslocando a competição Desenvolvimento das de preços para promoção Fragmentação da indústria
Indústrias têxtil e Desenvolvimento da Terceirização siderurgica indústria química Desenvolvimento da
Símbolo: Estradas de indústria eletrônica e de Universidade = centro Ferro Universidade= centro informática gerador conhecimento transmissor de Ênfase no setor de
conhecimento servicos Submissão dos pequenos Processo de acumulação Imperialismo desencadeia Neo-tiberalismo produtores ao capital pela de capital e concentração as Grandes Guerras
perda dos meios de de mão-de-<lbra Movimentos Nacionalistas produção
Ideologia positivista - centrada na razão sobre a Noção de recursos emoção e a especulação limitados
Busca do Progresso indefinido Problemas sociais e Riqueza das Nações ecológicos
Separação entre Dependência total do mercado sociedade e mercado Separação entre vida privada e vida profissional Trabalho# Ocupação Ocupação é desvalorizada
Utilizo, como fontes, Toiller e Albornoz (1992) para delinear as principais mudanças
ocorridas na passagem da primeira para a segunda onda.
Segundo Albornoz (1992,p.25):
"O capitalismo monopolista da segunda metade do século :xx invadiu as regiões aparentemente marginais do Terceiro Mundo.
O colonialismo cedeu lugar a um imperialismo econômico
indisfarçável. Vivemos a época das organizações
multinacionais. Cada vez mais grandes massas de
contemporâneos passa[ram] a depender de organizações e
grandes empresas para o seu trabalho. Cada vez mais deixamos
o trabalho autônomo por um emprego na organização, ou
mesmo pelo desemprego ante a organização."
36
Segundo Toffler (1980,p.59), cada civilização tem um código oculto - princípios que
permeiam suas atividades corno um desenho repetido. O desenho oculto do
industrialismo consistia em seIs princípios inter-relacionados: padronização,
especialização, sincronização (tempo é dinheiro), concentração (de energia, de trabalho,
de pessoas - esta se transformando em segregação, de capital), maximização ( mania de
grandeza e crescimento) e centralização.
Ao processo de industrialização das economias nacionais corresponderam fenômenos
sociais que lhe estão associados. Os próximos itens destacam alguns desses fenômenos.
4.3.1 A Fragmentação do Individuo em Consumidor e Produtor
A Segunda Onda separou a vida humana em duas metades: produção e consumo.
Na Primeiro Onda, somente urna minúscula fração da população dependia do mercado;
a maioria das pessoas vivia em grande parte fora dele. Paro esta maioria, a produção e o
consumo se fundiam numa única função proporcionadora da vida.
Até a revolução industrial, o vasto volume de toda a comida, todas as mercadorias e
serviços produzidos pela raça humana eram consumidos pelos próprios produtores, suas
famílias ou uma minúscula elite que conseguia arrebanhar o excedente para seu próprio
uso.
A Segunda Onda mudou violentamente esta situação. Varreu da existência,
virtualmente, mercadorias produzidas para o consumo próprio e criou uma civilização
37
na qual quase ninguém mais, nem mesmo o lavrador, é auto-suficiente. Todo mundo se
tomou quase inteiramente dependente de comida, mercadorias ou serviços produzidos
por outrem.
o corte entre produtor e consumidor gerou uma alienação. Não se sabe mais para quem
se dirige o fruto do próprio esforço e habilidade. Produz-se para um mercado anônimo.
Uma costureira de fábrica está longe do conhecimento de sua colega artesã, que
conhecia pelo nome a cliente que servia, e podia depois observar como ela desfilava
com o seu vestido novo na festa da paróquia.
Esta divisão de papéis - produtor e consumidor - cnou ao mesmo tempo uma
personalidade dupla. A mesma pessoa que era ensinada pela família, pela escola, e pelo
chefe a adiar a recompensa., a ser disciplinado, controlado, comedido, obediente, a jogar
em equipe, era simultaneamente ensinado (como consumidor) a procurar a recompensa
imediata, a ser hedonista18 mais do que calculista., a abandonar a disciplina, a procurar
prazer individualista para manter as rodas da economia girando.
4.3.2 O Fortalecimento e a Ditadura do Mercado como Intermediário nas Relações
Humanas
Onde quer que a Segunda onda batesse e a finalidade da produção se deslocasse de uso
para intercâmbio, tinha que haver um mecanismo através do qual pudesse ocorrer esse
intercâmbio. Esse mecanismo foi suprido pelo mercado.
O mercado se transfonnou em instituição expansiva., auto-reforçativa. Sua própria
existência encorajou maior divisão de trabalho e aumentou significativamente a
produtividade, o que coloca em movimento um processo auto-amplificador.
18 Hedonismo - Nome genérico das diversas doutrinas que situam a pra7.er como o soberano bem do homem ou que admitem a busca do pta7A:r como o primeiro princípio da moral. Enquanto se opõe às morais tradicionais do esforço c da renúncia, o hedonismo constitui o modo de pensar de certos discípulos de Niw1lcbc.(JAPIASSU, 1989)
38
Como consequência, as relações pessoais, elos de famBia, amor, amizade, relações de
cordialidade e comunidade, tudo foi utilizado, manchado e corrompido pelo interesse
comercial.
A preocupação obsessiva com o dinheiro, as mercadorias e coisas é um reflexo, não do
capitalismo ou socialismo, mas do industrialismo e do papel central do mercado em
todas as sociedades em que a produção está divorciada do consumo, em que todo
mundo é dependente do mercado mais do que de suas próprias aptidões produtivas para
as necessidades da vida.
Em tal sociedade, independentemente de sua estrutura política, não só são comprados,
vendidos, negociados e trocados os produtos, mas também o são igualmente o trabalho,
as idéias, a arte e as almas.
Em vez de amizade, parentesco ou obediência tribal ou feudal, surgiu na esteira da
Segunda Onda uma civilização baseada em elos contratuais, reais ou implícitos.
4.3.3 A Concentração de Pessoas nos Grandes Centros Urbanos
O crescimento demográfico e a urbanização foram dois acontecimentos registrados. Do
século XIX para cá as populações se multiplicaram e se transferiram em massa do
campo para as cidades. Os países do Terceiro Mundo foram os campeões desse
processo migratório.
O artesanato não exigia a aglutinação dos trabalhadores do mesmo modo que o sistema
industrial de produção. O homem do campo se dirigiu à cidade em busca de emprego
nesta produção moderna, que lhe acenava com serviço menos arriscado e dependente da
natureza do que o labor no campo, e com possibilidades de usufruir do bem-estar que as
cidades se vangloriavam de oferecer, embora não a todos.
39
o crescimento das cidades também se deveu às migrações, à necessidade de emigrar do
campo por falta de uma boa distribuição de terra, ou à migração movida pela esperança
que representava a integração no mercado de trabalho moderno e no modo de vida
urbano.
4.3.4 A Separação entre o Local de Trabalho e o Local de Moradia
Outro fato novo, registrado na Segunda Onda, com consequências antropológicas,
psicológicas e sociais, foi a separação entre o local de trabalho e o local da moradia.
Enquanto o artesão fazia seu trabalho no mesmo recinto em que convivia com a família,
o operário dos grandes centros da atualidade passou a precisar de algumas horas de
locomoção para ir de seu bairro ao seu local de trabalho (quanto mais pobre maior a
distância). Este fato afetou de forma especial a vida das mulheres.
Segundo Berger (1983,p. 1 5), a cristalização de uma esfera privada da vida foi resultado
da Revolução Industrial, já que a "vida real" e o "autêntico eu" da pessoa supostamente
estão centrados na esfera privada. A vida no trabalho, tendeu, então, a assumir um
caráter de pseudo-realidade e pseudo-identidade criando certa dicotomia entre . o
discurso da moralidade privada e o discurso da moralidade pública Não se tratou de
hipocrisia mas de algo apropriado à realidade social predominante.
4.3.5 O Surgimento das Organizações e a Despersonalização das Relações
Para manter o estado de COisaS em que cada vez maIs pessoas precIsavam ser
acomodadas, ou pelo menos controladas dentro de uma situação de desconforto,
insatisfação, falta de espaço e de bem-estar, gerou-se a necessidade de organização.
Começam assim a se organizar os serviços urbanos cada vez mais numerosos e amplos,
como também, a se sofisticar os meios de controle e de comunicação.
40
Viu-se crescer como um polvo a burocracia e os órgãos controladores de cada vez mais
aspectos da vida humana. Habituamo-nos aos poucos com a produção em série de nosso
vestuário, de utensílios e móveis domésticos, até chegarmos a aceitar o atendimento em
série da educação e da saúde. Não só o trabalho se coletivizou; o lazer se tomou um
setor de produção industrial.
Segundo Albornoz (1992,p.35):
"A alienação objetiva do homem do produto e do processo de
seu trabalho é uma consequência da organização legal do
capitalismo moderno e desta divisão social do trabalho, sendo
praticamente uma "auto-alienação". O trabalhador vende seu
tempo, sua energia, sua capacidade a outrem. No caso dos
colarinhos-brancos, os trabalhadores dos escritórios e escolas,
vendem-se as personalidades: os sorrisos, a pontualidade, o
senso de oportunidade, a aparência de confiabilidade. A
empresa impessoal aliena o pessoal no indivíduo (grifo meu).
A rotina que visa o barateamento da produção leva todos à
idiotia da especialização."
4.3.6 A Perda do Significado do Trabalho em Decorrência de sua Ênfase na
Especialização
Na indústria a especialização chegou a um ponto absurdo onde ninguém percebe mais o
alcance de seu trabalho porque não vê o conjunto da atividade em que o seu esforço se
insere. O trabalho é alienado do trabalhador porque o produtor não detém, não possui
nem domina os meios de produção. As máquinas e processos utilizados não são
escolhidos por ele. Assim, se os detentores do poder decidem substituir a máquina ou o
processo, o trabalhador pode perder o emprego, ou terá que passar por uma reciclagem
violenta ou, ainda, pode deixar de ter uma profissão.
4 1
o processo de especialização tem um efeito final que contradiz seu propósito inicial.
Depois de atingido determinado ponto de fragmentação do processo de trabalho, o
aspecto técnico se perde.
Albornoz (1992,p.37) cita Wright Mills, sociólogo anglo-saxão ( 1 9 1 5-1962) que
estudou a classe média e analisou especialmente os trabalhadores de colarinho branco,
acentuando que:
"no trabalho de escritório também perde sentido e importância o
aspecto técnico da atividade. Não se pergunta a alguém
exatamente corno ele faz o que faz. O que preocupa o amigo
que se informa sobre o trabalho do outro em geral é qual a renda
que este consegue, qual o status que o emprego lhe confere, qual
o poder que o seu trabalho lhe dá. Renda, status e poder
substituem a preocupação e o cuidado de fazer bem alguma
coisa que se sabe fazer. Pelo máximo da tecnização, cada
fragmento do processo de trabalho se torna tão independente da
pessoa, que é bem aleatório quem o faz, e se quem trabalha faz
bem o que faz ou não."
4.3. 7 Criação de Esteri6tipos e Deturpação do Conceito de Produtividade
Criaram-se esteriótipos. No início, a dona de casa continuava corno sempre a realizar
uma série de funções econômicas cruciais. Ela "produzia", mas para uso da própria
família - não para o mercado. O marido saía para fazer o trabalho econômico direto.
Criou-se, então, a idéia de que: ele "avançava" para o futuro; enquanto, ela
"permanecia" no passado. Esses esteriótipos foram reforçados pela identificação
enganosa dos homens com a produção e das mulheres com o consumo, embora os
homens também consumissem e as mulheres também produzissem.
42
A era industrial colocou em questão o trabalho das mulheres, apesar de ilusória sua
novidade histórica. As mulheres sempre trabalharam, e não apenas em serviços leves.
Os trabalhos femininos eram realizados em família, em comunidade ou isoladamente,
mas dentro de casa, perto do lugar do convívio familiar, com os filhos ou junto deles. O
engajamento na indústria afastou também as mulheres de casa e da família. Esquemas
paliativos foram (em alguns casos ainda nem existem) sendo adotados: creches, cursos,
escolas em dois turnos, etc. A educação e a transmissão dos valores culturais e morais
foi sendo compartilhada ou totalmente terceirizada (escolas, televisão). Quem não tem
recursos deixa as crianças sózinhas em casa.
4.3.8 A Perda lÚl Liberdade de Ir e Vir e do Aspecto Lúdico do Trabalho
No modelo artesanal, pelo menos no plano ideal, se o artesão . trabalhava de modo
autônomo, podia interromper sua aplicação ao oficio no momento em que sentisse
carência de descanso. Teria algum prazer em fazer com arte o trabalho que dominava
em todo o processo e que sabia fazer bem. Faria uma pausa, intercalando outra
atividade (caminhada até o fundo do quintal ou conversa com o vizinho) sempre que o
corpo ou a mente o exigissem. No trabalho em equipe, na fábrica como na burocracia, e
principalmente na linha de montagem contínua sob a pressão do controle de
produtividade e qualidade, e o afã do lucro, não pode ser intercalado nenhum lazer à
aplicação atenta e desgastante (como retratado genialmente por Charles Chaplin em seu
filme "Tempos Modernos"). Ficou famoso o slogan: "Tempo é dinheiro".
No artesanato, o trabalho não obedece a nenhum motivo ulterior além da fabricação do
produto e dos processos de sua criação e a arte de fazê-lo. O trabalhador é livre para
organizar seu trabalho, quanto ao plano, começo, forma, técnica e tempo. Não há
separação entre trabalho e divertimento, trabalho e cultura. Não há necessidade de
lazer como evasão.
43
o trabalho de hoje se tomou uma espécie de negativo daquele artesanal, ou o seu
oposto. No mundo industrial falta o vínculo entre o trabalho e o resto da vida. Para agir
livremente é reservado o tempo que sobra do trabalho. Assim, ou se transfonna o
trabalho em lazer, como fazem os "workaholics", o que dá margem a algumas
disfunções, ou se separa totalmente trabalho de lazer, de prazer, de cultura, de
renovação de forças anímicas, que deverão ser buscadas no tempo "livre".
4.3.9 A Submissão de Todas as Esferas Sociais ao Poder Econômico
Uma das características mais decisivas do mundo do trabalho em que vivemos é sua
submissão ao capital.
Segundo Albornoz (1992,p.41), o equilíbrio entre capital e trabalho apoiou-se num tripé
de poder: a pressão dos sindicatos, a força constrangedora do capital e o Estado (não
inteiramente autônomo). O trabalho e sua ideologia se tomaram instrumentos de
submissão política. O mundo foi domesticado pela submissão ao trabalho. Reduziu-se
à esfera pública, o âmbito de discussão dos problemas comuns, confonne dizia Hannah
Arendt. Todas as atividades são feitas como labores de sobrevivência. Tem-se como
utopia, no sentido de impossível, que o trabalho seja expressão, ou que se possa ter um
trabalho criativo e que dê prazer. Os meios de comunicação de massas mantêm,
enquanto manipulam, o desejo e criam necessidades de consumo dando aparência de
necessidade a um trabalho que em si não seria mais necessário. Desapareceram os
lugares de participação política que precisam ser reinventados.
44
4.3.10 A Perda do Trabalho como Fonte de Identificação - Surgimento de Novas
"Castas", a Obsolecência Profissional e o Recrudescimento da Competição
A Revolução Industrial deu origem ao surgimento de novas "castas" na sociedade. O
parâmetro para sua classificação passa a ser o trabalho que realizam em termos de
significação humana.
Segundo Berger (1983), surgiram três classes. A primeira, a classe das pessoas cujo
trabalho ainda provê ocasião para auto-identificação primária e comprometimento do
indivíduo, condições favoráveis à auto-realização. Na segunda classe Berger coloca as
pessoas que realizam trabalhos por elas percebidos como uma verdadeira ameaça a
auto-identificação, uma opressão. Entre as duas, uma terceira classe cinza ou neutra
onde as pessoas nem se regozijam nem sofrem. Nessa classe as pessoas vão "levando" o
trabalho pelas outras coisas mais interessantes que este supre, conectadas à sua vida
privada. Esta última classe se expandiu mais que as outras durante a Revolução
Industrial, com a racionalização do trabalho e a burocratização da máquina
administrativa decorrentes da necessidade funcional do sistema industrial.
Por outro lado, continua Berger, ideologicamente, ocorreu a secularizaçãol9 do conceito
de vocação. Mesmo que, durante a Revolução Industrial, apenas poucos indivíduos
assumissem suas vocações como uma tarefa a ser feita "pela glória de Deus", o conceito
de trabalho como fonte de realização individual com seus significados éticos e morais,
ainda persistiu. Em outras palavras, o conceito de vocação persistiu em uma forma
secularizada.
Ocorre, então, um paradoxo para o qual Berger chama a atenção. Os desenvolvímentos
estruturais tornavam cada vez menos provável que um indivíduo conseguisse "rea1izar-
19 Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas filosóficas e instituições leigas.
45
se" em seu trabalho, forçando-o a procurar tal "auto-realização" em outro lugar e
transformando o trabalho de um exercício do "chamado" para a representação de um
papel. Ao mesmo tempo, persistiu a ideologia, institucionalizada no sistema
educacional, nos meios de comunicação e nas várias organizações ocupacionais e
profissionais que impregnava os individuos de uma expectativa generalizada de
realização ainda mais plena de "significado" em tudo o que fizessem. A sociedade
industrial fez muito pouco para preparar seus membros para atividades "sem sentido"
mesmo que fossem, ao mesmo tempo, sem sofrimento.
Segundo Berger, o fato de o trabalho ter sido por tanto tempo categoria humana
fundamental fazia com que cada trabalho em particular fosse não somente um meio de
ganhar a vida, mas também fonte de auto-identificação. Durante a maior parte da
história os homens "foram" o que "faziam", o que não quer dizer que particularmente
gostassem do que faziam. O problema da satisfação no trabalho é tão moderno quanto
o do significado do trabalho.
Algumas das conseqüências desta busca de significado são a concentração de esforços
do individuo na procura por significado e identidade na chamada esfera privada ou,
mais freqüentemente, a luta feroz por status entre um grande número de ocupações.
Status e identidade, baseados no trabalho, se tomaram fluidos, inseguros e,
conseqüentemente, sujeitos a manipulação. Com as constantes mudanças na
organização social do trabalho, resultantes do processo tecnológico ou dos ciclos
econômicos, certas especialidades ocupacionais tomam-se obsoletas, enquanto outras
reaparecem.
Berger identifica, então, uma terceira conseqüência (1983,p. 14):
"Se uma pessoa não tem mais a possibilidade de humanamente
identificar-se com seu trabalho, em muitos casos, esta pessoa
pode ainda "projetar uma imagem" e, se bem-sucedida, tirar
disto várias vantagens econômicas e sociais. Em outras
palavras, o status ocupacional tomou-se suscetível de auto
promoção.( . . . ) [O] que está por baixo da idéia de
profissionalização, em muitos casos, não está longe deste
patético truque confidencial. (. . . ) Várias entidades oficiais [são]
chamadas para licenciar, julgar e supervisionar nesta selva de
projeção de imagens competitivas. "
46
47
CAPÍTULO S
AS DIMENSÕES ESQUECIDAS NESSAS TRANSFORMAÇÕES
E SUAS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS
A alienação separa o homem do produto de sell trabalho, de seus
companheiros homens, e, finalmente, de si mesmo.
PETEl/ BEl/GEl/.
Até agora foram analisadas as transformações que ocorreram no trabalho ao longo de
sua evolução histórica em termos de seus fundamentos ideológicos e conseqüências
sociais (principalmente da Revolução Industrial), faltando abordar suas conseqüências
no plano pessoal, ou seja, no indivíduo como ser humano.
Uma das preocupações que move esta dissertação é a visão frab'Illentada das ciências
humanas contemporãneas e a desatenção da sociedade à condição humana,
desintegrando do aspecto físico, o psicológico e o espiritual. Mesmo o aspecto físico,
bastante explorado do ponto de vista do indivíduo como consumidor (culto à
aparência), só é devidamente apreciado quando, no papel de produtor, interfere na
produtividade do indivíduo.
Segundo E.F. Schumacher ( 1 979,p. 1-3):
"Um artigo no London Times que começava com as seguintes
palavras: 'Dante, ao compor suas visões do inferno, bem que
poderia ter incluído o trabalho repetitivo, sem criatividade e sem
atrativo da linha de montagem de uma fàbrica. Ele destrói a
iniciativa e enferruja o cérebro . . .'( ... ), não despertou interesse.
( . . . ) Nem mesmo os ecologistas, conservacionistas e farejadores
de tragédias estão interessados neste assunto. Se alguém tivesse
afirmado que alguma ação humana havia destruído a iniciativa e
causado dano a animais numa reserva africana, esta afirmativa
teria sido refutada ou tomada como um grave desafio. ( . . . ) Mas
cérebros, mentes e almas de trabalhadores são um problema
diferente.
o mesmo autor prossegue:
Considerando a central idade do trabalho na vida humana, ter-se
ia esperado que todo livro-texto em economia, sociologia,
política e assuntos correlatos apresentasse uma teoria do
trabalho como uma das pedras fundamentais para todas
exposições ulteriores. Afinal é o trabalho que ocupa a maior
parte das energias da raça humana e o que as pessoas realmente
fazem é normalmente mais importante para entendê-las do que
elas dizem, ou em que elas gastam dinheiro, ou o que elas
possuem, ou como elas votam. ( . . . ) A pergunta sobre o que o
trabalho faz ao trabalhador é raramente formulada, para não
mencionar a pergunta se a verdadeira tarefa seria adaptar o
trabalho às necessidades do trabalhador ao invés de exigir que o
trabalhador se adapte às necessidades do trabalho - o que
significa, obviamente, que este se adapte às necessidades da
máquina."
o exagero provocativo de Schumacher talvez não esteja longe da verdade.
48
Quando, no capítulo 2, foram abordadas as ideologias básicas para as diferentes
transformações do trabalho, foi destacado que a ideologia capitalista se apoiava na
lógica central dos jogos da concorrência econômica. Essa prática supostamente traria
para os homens e para a sociedade retornos favoráveis, em termos de conforto material.
49
Por outro lado, há evidência de que a busca de maior produtividade nas organizações
vem gerando problemas sociais e humanos com conseqüências ás vezes menos
vantajosas sobre a vida comum e a saúde dos homens e mulheres trabalhadores.
Na "dúbia convicção" de ser o principal beneficiário da produção, o ser humano é com
fTeqüência, no mesmo movimento, vítima de sua visão unidimensional na organização
do trabalho.
5.1 As Dimensões Esquecidas
5.1.1 Racionalidade Econômica ou 1nstrumentlll vs. Racionalidade Substantiva
Na análise de Guerreiro Ramos (1989), em todos os tempos da vida humana associada o
homem teve e tem que l idar com dois problemas: o do significado de sua existência e o
da sobrevivência biológica.
Até o advento da sociedade de mercado, no século XIX, o critério econômico era válido
para as ações de natureza prática, de sobrevivência biológica. Sua lógica era confinada
ao espaço do mercado. Não se registravam então, invasões do critério econômico sobre
as questões mais amplas da existência humana.
Em todas as sociedades pré-mercado, era evidente a distinção entre trabalho e
ocupação. O trabalho, enquanto esforço subordinado às exigências da produção
material, era retribuído através de recompensas extrínsecas.
50
A ocupação, enquanto atividade de natureza superior, exercida autonomamente pelo
indivíduo, de acordo com seu desejo de realização pessoal, requeria esforços
intrinsecamente gratificantes.
Enquanto as atividades de natureza econômica (trabalho) se orientam por uma
racionalidade instrumental (dos meios) ou funcional (dos fins), as atividades superiores
(ocupação) se orientam por uma racionalidade substantiva (da essência). Esta coloca
se acima de quaisquer imperativos econômicos, dado que orientada por valores éticos e
amena à interferência das emoçôes e dos sentimentos.
Segundo Ramos, desde que a razão humana se reduziu à racionalidade econômica ou
instrumental, a ética do mercado passou a dominar todas as esferas da vida humana
associada. Com isso questões humanas antes essenciais, como verdade, justiça, amor,
autenticidade, auto-realização, solidariedade, e tantas outras, deixaram de ser
consideradas nas escolhas racionais.
Como conseqüência, a organização produtiva, tão necessária à sobrevivência, ganhou a
exclusividade também nas questões da existência. Desmerecida a ocupação, pela não
retribuição econômica, o trabalho e a vida no trabalho tornaram-se um fim em si
mesmo.
Na sociedade contemporânea "caíram os muros do mercado". Seus valores, sua lógica,
suas práticas invadiram o mundo da vida numa extensão da qual muitas vezes nem nos
damos conta. O mercado transformou-se na força modeladora da sociedade como um
todo. A organização produtiva assumiu o caráter de paradigma para a modelagem de
5 1
toda a existência humana. Os padrões de pensamento e de linguagem do mercado
pretendem ser os padrões gerais de todo pensamento e linguagem.
5.1.2 A Fragmentação Provocada pelo Paradigma Mecanicista e a Desumanização
do Homem
Se, por um lado os progressos da ciência e da tecnologia trouxeram possibilidades com
que nossos avós nem teriam sonhado, por outro, o estoque disponível de conhecimento
parece absolutamente inócuo para resolver os problemas que afligem cada vez mais o
ser humano no dia-a-dia: a miséria, a fome, a injustiça social, a violência, a
insegurança, a corrupção, a poluição, o tráfico de drogas e o vazio.
Esta crise é hoje entendida como decorrente da anomalia do paradigma mecanicista
que ao modelar o mundo pela imagem da máquina abstraiu dimensões exclusivamente
humanas, como as dimensões éticas, psíquicas e espirituais.
Roberto Crema ( 1 988,p.22), ao qualificar esta crise multidimensional e de abrangência
planetária como uma crise de fragmentação, assim se expressou:
"Como nunca antes o homem encontra-se esfacelado no seu
conhecimento, atomizado no seu coração, dividido no seu
pensar e sentir, comparti mentalizado no seu viver. Refletindo
uma cultura racional e tecnológica encontramo-nos
fragmentados e encerrados em compartimentos estanques.
Interiormente divididos, em permanente estado de conflito,
vivemos num mundo também fracionado em territórios, em
nacionalidades, em estado de guerra infindável. "
52
Outro aspecto fundamental diz respeito à pretensão, subjacente ao paradigma
dominante, de controle sobre a natureza pela ciência. Em decorrência dessa
possibilidade, e não havendo nenhuma consideração pela ética, foi fácil utilizar também
a ciência para facilitar (a alguns) o controle dos (outros) homens.
Em artigo no Jornal do Brasil, de 5/7/93, Jurandir Freire Costa observa que:
"Crueldade é o ato ou desejo de fazer sofrer fisica e moralmente
a si ou ao outro. Fazer mal ao outro humilhando-o ou agredindo
sua integridade corpórea é uma atitude indesejável ou hedionda,
conforme o grau de ofensa, mas que pode ser faci lmente aceita.
Basta desumanizar o próximo (grifo meu). Basta acreditar que
ele não é um sujeito moral como nós, para que a crueldade
contida não seja percebida no seu horror. Ao longo da história,
o racismo, o preconceito sexual, o preconceito intelectual, a
intolerância étnico-religiosa-cultural mostram com que
facilidade podemos desmoralizar o "diferente", o "inferior", sem
perder uma noite de sono "
O artigo de Costa tinha como motivação o lançamento pela ONU do Ano da Tolerância,
porém pode ser enquadrado perfeitamente em todos os campos em que o homem
justifica suas atitudes contra outros homens racionalizando os resultados. Esta
conclusão de Costa me remete a Steinbeck (As Vinhas da Ira), citado na Introdução
desta dissertação, quando ilustra este processo de racionalização da ideologia capitalista
de forma romanceada.
Com extrema sabedoria Steinbeck (1967) mostra como os pequenos agricultores (no
livro, arrendatários de terras) acostumados a lutar ou aceitar os fenômenos naturais
como seus únicos inimigos, subitamente tem que encarar as conseqüências indefiníveis
53
e incontroláveis de um sistema criado pelo próprio homem, como ilustra a reação de um
desses arrendatários expulso de sua terra:
"Eu tenho que pensar,' disse o agricultor. "Nós todos temos que
pensar. Deve haver uma maneira de parar com isto. Não é raio
ou terremoto. Nós temos algo ruim criado por homens, e se é
algo criado pelos homens, por Deus, nós podemos mudar."
(p.52)
A primeira coisa que os agricultores perceberam foi que eles estavam sendo expulsos de
suas terras por um inimigo invisível e poderoso que se escondia atrás de um ente
abstrato e impessoal chamado banco ou companhia da ter ra. Os empregados destes,
que vinham expulsar os agricultores de suas terras, simplesmente seguiam as regras
estipuladas pelo sistema econômico e se utilizavam deste ente abstrato para eximir-se
de qualquer responsabilidade pelos seus atos, como demonstram as seguintes passagens:
e:
"( . . . ) Não somos nós, é o banco. O banco não é como um
homem. Um proprietário com 50 mil hectares também não é
como um homem. Aquilo é um monstro."(p.45)
"O banco - o monstro - tem que ter lucros todo o tempo . . . "(p.44)
Este eXImIr-se de responsabilidade é o começo da desumanização. As pessoas
começam por silenciar seus sentimentos, consciência e escrúpulos e acabam por seguir
as regras do sistema. Esta lenta rendição às regras do sistema é apresentada na Seh'llinte
trecho:
"Alguns dos donos eram gentis porque detestavam o que tinham
que fazer, e alguns eram zangados porque detestavam ser cruéis,
e alguns eram frios porque haviam descoberto há algum tempo
que para ser proprietária uma pessoa tinha que ser fria. Todos
haviam sido pegos por algo maior que eles mesmos ( . . . ) e alguns
adoravam a matemática porque ela se provava um refúgio
contra os pensamentos e os sentimentos. ( . . . ) Alguns dos
proprietários se sentiam até um pouco orgulhosos de ser
escravos desses frios e poderosos mestres ( . . . )" (p. 42-43)
54
Steinbeck mostra o sistema capitalista e sua racionalidade instrumental como um
monstro, criado pelos homens mesmos, que, após algum tempo, adquiriu vida própria e
escravizou os homens voltando-se contra eles. Esta idéia se expressa nas suas palavras:
"Os homens o criaram, mas não podem controlá-lo" (p.45)
5.1.3 Os Conceitos de Determinismo e de Evolução Linear
Segundo Tomer ( 1 980,p. I 08), "três conceitos básicos - a guerra com a natureza, a
importância da evolução e o princípio do progresso - [forneceram] a munição usada
pelos agentes do industrialismo, como eles o explicavam e justificavam ao mundo".
A natureza, que era vista como um organismo vivo, passou a ser encarada como uma
máquina. Essa mudança de imagem eliminou uma série de restrições culturais e
"transformou" a natureza num objeto que esperava para ser explorado e dominado.
Capra (J 982,p.56) afirma: "A concepção cartesiana do universo como sistema mecânico
forneceu uma sanção 'científica' para a manipulação e a exploração da natureza que se
tomaram típicas da cultura ocidental".
55
A Teoria da Evolução de Darwin permitiu aos cientistas descreverem o mundo como um
sistema em evolução e em permanente mudança, no qual as estruturas complexas se
desenvolviam a partir de formas mais simples. Levado para o campo social, o
darwinismo pregava que as sociedades evoluem de acordo com leis de seleção natural e
legitimava, dessa forma, o industrialismo, que era considerado o estágio mais alto de
evolução.
A noção de progresso consistia na crença de que as sociedades se desenvolvem de modo
linear, irreversivelmente, com eventos podendo ser tomados como causas e outros como
conseqüências. Assim, os sistemas evoluem do mais simples para o mais complexo e do
mais homogêneo para o mais diferenciado. A idéia era de que a história flui
inevitavelmente para uma vida melhor para a humanidade. E o industrialismo era tomado
como a forma mais avançada de sociedade. Roberto Da Matta (1987) observa que a
idéia de progresso está intimamente relacionada à de determinismo. Em ambos, as forças
que movem a sociedade estão fora da consciência e do controle. Tais forças atuam de
modo subjacente, como uma espécie de mão oculta.
Os conceitos de tempo e espaço foram reestruturados para se adaptarem à indústria. O
tempo foi linearizado e dividido em pedaços e tomou a idéia de evolução e progresso
plausíveis. O espaço, além da linearização, passou por um processo de
departamentalização, ou seja, cada espaço passou a ser definido, marcado e registrado
com mais cuidado, e recebeu função específica. Essas mudanças de concepções tinham
por objetivos a padronização, a sincronização e a comercialização.
56
No entanto, todas essas transfonnações culturais e sociais criaram uma tensão entre a
teoria e o mundo real que a primeira não consegue explicar. Constata-se, hoje em dia,
que as práticas alimentadas pelo sistema foram predatórias e destrutivas.
5.1.4 O Desvio do Materialismo
o pensador argentino Gonzalez Pecotche2° ( 1 967) ressalta que a ilustração e a instrução
correntes voltam a vida dos seres para o externo, em cuja direção orientam todos seus
afãs. Segundo Pecotche, a sociedade moderna obriga a uma pennanente rivalidade de
ambições que excitam a cobiça e assenhoreiam a concupiscência21 em todas as ordens da
vida. Os seres, prossegue ele, acostumam-se tanto a viver a vida para o externo que
chegam a sentir a amarga realidade de não mais serem donos de si mesmos, tanto se
alienam com compromissos e obrigações de toda espécie.
A maior parte do estoque de conhecimento desenvolvido pela cultura ocidental, segundo
Pecotche, é extra-individual, ou seja, se aprende e se usa para tudo, menos para si
. mesmo. Dai, provêm, sem dúvida alguma, segundo ele, que os êxitos que se obtém no
mundo comum, depois de satisfazer os sentidos, a sensibilidade ou a personalidade, se
esfumem como por encanto, deixando o ser entregue a seus habituais estados
psicológicos e mentais em pennanente oscilação.
20 Carlos B. GonzaJez Pecotche, nasceu em Buenos Aires, Argeutina, em 1 1/8/1901. Em 1930 criou a Fundação Logosófica com o objetivo de difundir a Logosofia, ciência de sua criação. Até o seu falecimeuto em 4/4/1963, consagrou sua vide ao desenvolvimento e consolidação de sua obra, campo aberto à reabilitação do homem pela �ração metódica de suas condições de ser racional e conscieute. 2 1 Desejo intenso de beus e gozos materiais.
57
Pecotche assinala que, quando não estão presentes a eqüidade e a limpeza moral, duas
modalidades negativas costumam influir poderosamente no pensamento e no sentir dos .
homens e anular suas perspectivas espirituais: a vaidade e a ambição.
À influência destas duas modalidades, que se verificam no mundo material, se deve o
fato de que seja tão lenta a evolução do homem no seu trato social, se comparado com
sua capacidade de evolução técnica. Essas modalidades levam sempre o germe da
dominação. Segundo Pecotche, "enquanto a ambição aponta ao poder e à riqueza, a
vaidade está demonstrando, em todas suas facetas, que, muito longe de pensar o homem
em um aperfeiçoamento, acha-se muito próximo da destruição." Segundo ele, a crise
que se vive é uma crise na alma dos povos.
Para Pecotche, o materialismo espalhou-se e, como todas as coisas, seu verdadeiro
enunciado foi deturpado. Assim é como se o transformou em passionismo, em egoísmo
e em separatismo. Na realidade, o materialismo devia haver seguido a rota do espírito,
emancipando o homem das aderências corrosivas que carcomem o sentimento humano.
5.2 Repercussões desse Esquecimento sobre o Homem
As repercussões deste tratamento unidimensional dado à organização do trabalho podem
ser apreendidas nos trabalhos dos psicólogos Christophe Dejours e Melvin Kinder.
5.2.1 Na Esfera Profissional
Christophe Dejours (1 992) analisa os laços entre sofrimento humano e trabalho
estudados por psicopatologistas do trabalho. São reconhecidos dois tipos de sofrimento:
58
sofrimento singular, herdado da história psíquica própria de cada individuo (dimensão
diacrônica) e sofrimento atual, surgido do reencontro do sujeito com a situação do
trabalho (dimensão sincrônica). Como não se pode fragmentar o homem, suas
experiências, vividas no interior do espaço da fabrica, empresa ou organização, afetam
sua esfera privada, no espaço doméstico e na economia familiar e vice-versa. Segundo os
psicopatologistas, as pressões que afetam o equilíbrio psíquico e a saúde mental dos
trabalhadores derivam da organização do trabalho, ou seja, da divisão de tarefas e da
divisão hierárquica.
Segundo Dejours, a organização científica do trabalho, por não levar em conta o homem
concreto, vivo, sensível, reativo e sofredor, animado de subjetívidade (concepção
diferente da de um tipo padrão médio abstrato), confisca-lhe a concepção e iniciativa,
provocando separação entre corpo e o pensamento:
"Os fantasmas, a imaginação e o sofrimento criativo chegam a
entrar em concorrência com a injunção de executar um modo
operatório prescrito e rigidamente definido. Ao ponto de os
trabalhadores chegarem a lutar contra sua própria atividade de
pensar espontânea, porque essa última tende a desorganizar sua
atividade, a perturbar suas cadências, e a ocasionar erros (atos
falhos). O trabalhador é logo obrigado a lutar contra
pensamentos, fantasias e fantasmagorias que afloram em sua
mente." (DEJOURS,p. 1 62)
Segundo Dejours, estudos clínicos revelam que não é simples para o homem frear sua
atividade psíquica espontânea, o pensamento. Para enfrentar esta dificuldade, portanto,
o homem recorre a estratégias defensivas que o levam, não a descartar esta atividade, já
que é impossível, mas a tentar paralisá-Ia através da aceleração do ritmo de trabalho.
59
Engajando-se freneticamente nesta aceleração, ele procura ocupar todo o seu campo de
consciência com as pressões sensomotoras de sua atividade, de maneira que, ao saturar
seu campo de consciência com urna sobrecarga perceptiva, chegue, em curto prazo, a
fechar a consciência ao pensamento vindo do interior.
Desta forma, com a ajuda da fadiga, o trabalhador chega a paralisar seu funcionamento
psíquico. A este mecanismo de defesa dá-se o nome de repressão funcional.
5.2.2 Na Esfera Privada
Dejours destaca ainda que esta repressão afeta também a vida privada já que:
"Esses trabalhadores são freqüentemente levados a recorrer a
substitutos do ritmo de trabalho fora da empresa, para manter a
repressão fora do trabalho. Eles se impõe outros ritmos, nos
transportes, nas atividades domésticas. ( . . . ) O embrutecimento
instala-se progressivamente num . clima de torpor psíquico do
qual os trabalhadores tem geralmente uma consciência dolorosa.
Eles se sentem cada vez mais inertes e sem reação. Até que, no
limite, se instala um estado de semi-embotamento, no qual o
sujeito não sofre mais, e reina um estado próximo ao da anestesia
psíquica." (DEJOURS,p. 1 62)
O psicoterapeuta Melvin Kinder (1 994) identifica nos problemas apresentados por seus
clientes os efeitos de modos de vida reforçados pela sociedade atual.
Kinder ( 1992) atende em sua clínica pessoas que, pelos padrões atuais, parecem levar
vidas invejáveis: financeiramente bem sucedidas e profissionalmente realizadas. No
entanto, ele constata que essas pessoas são secreta e profundamente infelizes. Ainda que
60
respeitadas pelos outros, elas mesmas não se sentem muito bem. Essas pessoas tentam
fazer o melhor que podem e seguir diretrizes que para a maioria de seus pares seriam
adequadas. Então o que deu errado?
Segundo Kinder, tais problemas são manifestações de uma penetrante lavagem cerebral
social que sutilmente deprecia o que é natural e inato e cria expectativas exageradas
acerca de promessas de vida e da facilidade com que são realizadas.
Essas pessoas são acossadas pela necessidade de cumprir um conjunto de deveres que,
identificados como vitais para o sucesso, são, ao mesmo tempo, a causa de sua
infelicidade. Essas pessoas podem estar indo bem, mas se sentem péssimas. Têm a
sensação de ter perdido a direção. Seus objetivos parecem perfeitamente razoáveis, seus
esforços incessantes, porém não as estão levando ao que para elas seria a felicidade.
Sentem como se estivessem presas à roda de um moinho.
Kinder constata que o poder da mídia para modelar nossas vidas é uma das mudanças
mais impressionantes ocorridas nos últimos 40 anos e identifica algumas das rotinas
resultantes dessa influência:
a) Rotina da Ambição - o ser é constantemente estimulado e incentivado a querer mais,
geralmente, em conquistas materiais e externas a ele. Se isto não acontece, se sente
"acomodado" ou pouco competitivo.
b) Rotina do Dinheiro - o ser é constantemente estimulado a acumular mais do que
necessita para sua sobrevivência ou lazer. O valor da pessoa passa a ser medido por
61
quanto vale ou ganha no mercado. Como os salários são geralmente considerados
assuntos pessoais e confidenciais, este valor muitas vezes é avaliado erroneamente
pelo cargo que ocupa ou por sinais exteriores de afluência, o que reforça a terceira
rotina.
c) Rotina da Aparência - Vende-se a idéia de que se a pessoa "parecer melhor, se sentirá
melhor". A aptidão fisica se tomou uma indústria. Mas quanto mais se adotam meios
mais saudáveis de vida, mais se ignoram as necessidades interiores. Mais uma vez a
estreiteza do foco leva à auto-rejeição.
Segundo observa Kinder, as pessoas estão transformando os ídolos em modelos e o bom
senso indica que o ideal não pode ser a realidade para a maioria das pessoas. Há três
milhares de anos Cleopatra era um ídolo, não um modelo para adolescentes.
5.3 Conseqüências
A pesquisadora francesa Claude Lévy-Leboyer (1994) atesta em sua pesquisa baseada na
Europa, principalmente França, que, em todos os setores de atividade, ouve-se lamentar
o desaparecimento dos valores tradicionais e dizer que a consciência profissional não
existe mais. Parece-lhe haver, ao mesmo tempo, desconsagração e desligamento com
relação ao trabalho.
Leboyer baseia suas constatações nos seguintes fatos:
62
a) A diminuição no ritmo de produtividade. A pesquisadora reuniu dados que denotam a
tendência, na França, de diminuição do ritmo de produtividade, contrariamente à
imagem de urgência que quer ver o esforço coletivo em luta contra a crise econômica.
b) O absenteísmo. Segundo Lévy-Leboyer, a crise de motivações não se manifesta
somente dentro do setor profissional; se faz sentir desde a escola. Teme-se que
aqueles que neste estágio já manifestam desligamento em relação ao trabalho escolar
abordem a vida ativa com motivações igualmente fracas.
c) A redução das horas de trabalho. Até 1 980, essa redução estava sendo feita de forma
espontânea. De 60 a 80, Alemanha, Bélgica e Holanda reduziram em 20% as horas
de trabalho. A partir de 1 980, com a crise de desemprego, registram-se pressões do
poder público (para multiplicação de empregos em tempo parcial) e do movimento
social (aspiração de mais liberdade na organização de horários e de mais tempo livre).
d) Solicitação de pré-aposentadoria. Esta atitude, segundo a autora, é mais acentuada
nos baixos niveis de qualificação. Nos quadros superiores, ainda existe o temor à
perda do status social. Segundo Leboyer, muita gente hesita em questionar o trabalho
em tempo integral porque duvida de si e de sua capacidade de encarar a vida de outra
forma, em outro lugar, exercendo outra atividade.
Leboyer discorda das duas linhas de interpretação dadas a estes fatos: mutação coletiva
dos indivíduos no sentido da cultura do mínimo esforço ou mudança social profunda que
leva à desqualificação do trabalho enquanto valor fundamental. A desativação e a
desvalorização do trabalho não seriam para ela fatos universais, pois as pessoas reagem
63
de maneiras diferentes, Existe, sim, uma crise de motivação, A desmotivação nem seria
defeito de uma geração, nem qualidade pessoal; estaria ligada a situações específicas,
Como exemplo cita que o operário "desmotivado" na fábrica pode ser muito ativo no fim
de semana construindo sua casa,
Leboyer constata que um trabalho sem provocação financeira pode ser até maIS
motivador do que o "vendido" a uma empresa pública ou privada,
CAPÍTULO 6
BASE PARA ANÁLISE DAS NOVAS TRANSFORMAÇÕES
Eu sei que a gente se acostuma. Ma.. não devia.(..)
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está
na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no
ônibus porque lIão pode perder o tempo em viagem. A comer
sanduíches porque não dá para almoçar. A saír do trabalho porque
já é noile. A cochilar 110 ônibus porque está cansado. A deitar cedo e
dormir pesado sem ter vivido o dia.
MARlNA COLASAN77
64
Para O desenvolvimento de uma capacidade crítica, os primeiros capítulos desta
dissertação tiveram o propósito de trazer ao conhecimento um arcabouço conceitual
para análise das mudanças que se fazem necessárias na organização do trabalho.
A incursão pelos diferentes significados hoje dados ao vocábulo "trabalho", na tentativa
de entender as ambigüidades encontradas, passou pelas ideologias que lhes deram
sustento e suas conseqüências, acabando por explicitar o caráter reducionista na forma
como a ideologia vigente interpreta o aspecto das necessidades humanas.
o presente capítulo tem o propósito de redefinir o problema, levantando as questões
que devem ser consideradas ou tomadas como referência na avaliação crítica das
premissas que embasam as transformações sociais neste fim de século.
65
o foco dessas questões é o espaço que a forma de organização do trabalho proposta
pela terceira onda abre para a recuperação da racionalidade substantiva.
6.1 As Necessidades Humanas
Conforme apresentado nos capítulos anteriores a necessidade de dar significação a sua
existência diferencia o homem dos demais seres vivos.
As atividades humanas suprem necessidades de sobrevivência e de auto-realização.
Utilizando para fins de simplificação a terminologia empregada por Guerreiro Ramos
(apresentada no item 5. 1 . 1 ) "trabalho" é atividade realizada para suprir a necessidade
de sobrevivência, enquanto "ocupação" é a atividade realizada para atender
plenamente a condição humana (auto-realização). A tentativa de fusão desses dois tipos
de atividades teria sido incentivada pelas ideologias que deram origem à sociedade
baseada na lógica de mercado.
Com relação ao atendimento da necessidade de sobrevivência, vê-se que, nos últimos
300 anos, o homem das sociedades ocidentais, através de tecnologias, multiplicou
milhares de vezes sua capacidade produtiva. No entanto, continua a conviver com
problemas de distribuição dos resultados (renda e produtos) e teve reduzida a sua
qualidade de vida.
Pelo lado da distribuição de renda, o problema da carência de empregos e a
necessidade de salários diferenciados revela-se como algo inerente ao sistema das
sociedades ditas de mercado. Pelo lado da distribuição do produto, continua havendo
66
bolsões de pobreza e miséria até mesmo nos grandes centros dos países ditos
"desenvolvidos".
Até mesmo os que consegUIram se manter na parcela produtiva da sociedade de
mercado parecem experimentar considerável perda da qualidade de vida (insegurança,
falta de motivação, estresse, entre outros problemas). Tais constatações apontam que
algo vai mal no atendimento da necessidade de sobrevivência
Quanto à auto-realização, o quadro não é mais alentador. O homem-produto das
sociedades de mercado ocidentais substituiu o conceito de ser pelo de ter. O sucesso
ou o nível de realização das pessoas é avaliado pelo saldo de sua conta bancária,
número de propriedades adquiridas, tipo de roupa que veste, carro que usa, sua
aparência fisica, entre outras coisas materiais.
A sociedade de mercado se alimenta de novidades. Tão rápidas e intensas precisam ser
as mudanças que a idéia de se construir algo duradouro parece absurda. Vive-se para o
momento.
6.2 O Resgate da Racionalidade Substantiva
Como citado na seção 5.1.1, segundo Guerreiro Ramos ( 1 981,p.2) a forma de se
organizar o trabalho nas sociedades de mercado exerceu impacto desfigurador sobre a
vida humana associada.
67
o próprio Keynes ( 1883-1946)21, citado por Ramos ( J 981 ,p.2), observava que o
desenvolvimento econômico decorreu da avareza, da usura, da precaução e do lema de
"se fazer de conta que o certo é errado e o errado é certo; porque o errado é útil e o
certo não é".
Para se legitimar, a lógica do mercado promoveu a distorção de certos conceitos: entre
eles o de racionalidade. A racionalidade se reduziu à capacidade do homem de
equacionar cientificamente (sem interferência das emoções) suas questões -
racionalidade formal, instrumental ou funcional. No campo econômico, a busca da
eficiência de forma científica fez com que os resultados justificassem os meios.
Segundo alertou Mannheim22, citado por Ramos (1981 ,p.7), um alto grau de
desenvolvimento técnico e econômico pode corresponder a baixo desenvolvimento
ético. E assim, escoradas na racionalidade funcional, as sociedades ocidentais partiram
para dominar a natureza e aumentar a própria capacidade produtiva.
A racionalidade substantiva ou a dimensão espiritual do ser humano, sufocada na Idade
Média por crenças de toda espécie, agora se retrai e passa a se submeter aos
imperativos desta sociedade "racional" e utilitária. A racionalidade se transformou em
categoria sociomórfica, interpretada como um atributo de circunstancias históricas e
sociais, e não como força ativa na psique individual.
2 1 John Maynard Kcyncs, economista e financista britânico que defendia a ação do Estado para assegurar o pleno emprego da mão-de-obra graças a reaplicação de investimentos. Sua doutrina teve influência considerável sobre o �amCllto e a política econômica do século Xx.
2 Karl Mannheim (1867-195 1 ), marechal e homem político filandês. Lutou contra os boleheviqucs e contra a URSS. Foi Presidente da República de 1944 à 1946.
68
A relatividade dos valores de sociedade baseada na racionalidade instrumental
conduziu a vida associada a uma encruzilhada, intelectual e espiritual.
Pode-se tratar essa questão a partir de duas suposições. A primeira é de que natureza
humana é irremediavelmente utilitária, e que a única saída é se adaptar às mudanças
que estão ocorrendo. A segunda é de que os sintomas atuais são manifestação do
desequilíbrio que a defesa da primeira suposição acarreta. Para os que acreditam na
segunda hipótese, caso da Autora desta dissertação, alguma reforma substantiva deve
ser iniciada.
Guerreiro Ramos, E.F. Schumacher, Erich Fromm e Gonzalez Pecotche estão entre os
estudiosos que defendem a racionalidade substantiva como a categoria essencial para a
cogitação dos assuntos políticos e sociais.
Segundo Ramos:
"a autodefinição das sociedades industriais avançadas do
Ocidente como portadoras da razão está sendo diariamente
solapada e é, na realidade, tão largamente desacreditada que se
fica a imaginar se a legitimação de tais sociedades,
exclusivamente à base da racionalidade funcional, continuará,
dentro em pouco, encontrando neste mundo quem acredite
nela." ( 1982., p.22)
69
6.3 Uma Sociedade que Tenha como Objetivo o Homem
Utilizando a idéia de Erich Fromm (I 977,p. 1 71 ) de que se as "Utopias Técnicas, como
voar, por exemplo, foram conseguidas pela [utilização de nossa racionalidade
funcional]. A Utopia Humana ( . . . ) pode ser conseguida [pela utilização de nossa
racionalidade substantiva] desde que despendamos a mesma energia, inteligência e
entusiasmo na realização [desta] que empregamos na consecução de nossas utopias
técnicas. "
Fica, pois, lançada a questão para reflexão. O desafio de nossa sociedade é integrar
todos os aspectos do conhecimento humano adquirido de forma a propor novas formas
de organização que propiciem o real bem-estar do ser humano, por propiciarem o
desenvolvimento de suas múltiplas dimensões, através do resgate da racionalidade
substantiva já que:
"A civilização é o progresso material e espiritual em todos os
domínios acompanhado do desenvolvimento ético dos homens e da
humanidade. "
ALBERT SCHEWEIlZER
CAPÍTUW 7
o PENSAMENTO PÓS-MODERNO E A FORMAÇÃO DA TERCEIRA ONDA
A relação enlre o mundo moderno e o pós-moderno é ambígua. O
indivíduo atua/ nasceu com o modernismo, mas o seu exagero
narcisista é um acréscimo pós-moderno. O pós moderno é eclético,
misturando várias tendências e estilos sob o mesmo nome, não tem
unidade .. é aberto, plural, e muda de aspecto.
A condição pós moderna é decadência fatal ml renascimento
hesitante ?
JAIR FERREIRA DOS SANTOS
70
Estamos, agora, numa posição privilegiada para analisar o surgimento da tão falada
Terceira Onda, a ideologia que a sustenta e como são formulados e "vendidos" os seus
pressupostos nas palavras de seus principais apóstolos. Antes porém, convém fazer
uma breve incursão no ambiente social que lhe precede.
7.1 0 Ambiente Pós-Moderno
Jair Ferreira dos Santos (1 994) faz uma análise das mudanças sociais que vem
ocorrendo nos últimos 40 anos e que explicam o ambiente ideológico onde está se
instalando a tão falada Terceira Onda ..
Segundo Santos ( l 994,p.22), capitalista ou socialista, a sociedade industrial descendia
da máquina, produtora de artigos em série e padronizados. Seu lema era um só:
expandir. Com ela surgiram a família nuclear e a cultura de massa. A vitória da razão
técnico-científica, inspirada no iluminismo, fez recuar a tradição, a religião, a moral e
7\
ditou novos valores - mais livres, urbanos, mas sempre atrelados à noção de progresso
social.
o colapso da Segunda Onda começou a se delinear em 1 945, com a explosão da bomba
atômica em Hiroxima. Ali a ideologia de modernidade que a sustentava começa a
perder sua função integradora (seguindo o padrão descrito por Toynbee) ao superar seu
poder criador pela sua força destruidora.
Em 1 953, se descobre o DNA e a capacidade do homem para interferir na genética,
através da biologia molecular. Em 1957, lança-se o Sputinik e desenha-se o chip, que
permitiria reduzir os computadores.
Com o poder da ciência e tecnologia começando a extrapolar os limites humanos, a
partir de 1955, começa a se gerar o pensamento pós-modernista.
Os anos 60 decretam o esgotamento dos valores dominantes da era industrial ou
moderna. A pílula, o rock, a minisaia, a guerra no Vietnã., entre outros eventos, criam
as bases para a instalação da "quermesse eletrônica pós-industrial" e para o colapso da
era moderna. A esta fase de transição dá-se o nome de Pós-Modernidade.
Segundo o autor, as características principais do Pós-Modernismo que demonstram uma
nova revolução social em andamento são:
L Invasão do cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à
sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática lida-se
72
mais com signos do que com coisas. O chip, microprocessador, passa a programar
cada vez mais o dia-a-dia.
II. Na era moderna a fábrica era o templo; na era pós-moderna, os shoppings são o altar.
Os indivíduos são seduzidos por uma moral hedonista - de valores calcados no prazer
de usar bens e serviços.
III.O movímento artístico pós-moderno ri levianamente de tudo. Enquanto na era Pré
moderna, os artistas buscavam representar de forma realista a realidade e, na
Moderna, os artistas buscavam interpretar livremente a realidade, na era Pós
moderna os artistas buscam apresentar a realidade diretamente em seus objetos.
Segundo Santos (1994,p.8) "a anti arte pós-moderna se apóia nos objetos (não no
homem), na matéria (não no espírito), no momento (não no eterno) e no riso (não no
sério). "
IV.O homem pós-moderno ameaça encarnar estilos de vida e de filosofia niilistas. Sabe
que não existe céu, nem sentido para a história, e se entrega ao presente e ao prazer,
ao consumo e ao individualismo, dividindo-se em:
a) Criança Radiosa - um indivíduo desenvolto, sedutor, hedonista integrado à
tecnologia, narcisista com identidade móvel, flutuante, liberado sexualmente,
segundo Lipovestsky, FiedIer e Toffler, alegres gurus desta era;
ou, em:
73
b) Andróide Melancólico - um consumidor programado e sem história, indiferente,
átomo estatístico na massa, boneco da tecnociência, segundo Nietzsche,
Baudrillard e Lyotard, profetas do apocalipse.
o homem pós-moderno é levado a exagerar suas expectativas e modela sua
sensibilidade por imagens sedutoras. Conforme Santos exemplifica (1994,p. 13): "Uma
reportagem a cores sobre os retirantes do Nordeste deve primeiro nos seduzir e fascinar
para depois nos indignar. Caso contrário, mudamos de canal. Não reagimos fora do
espetáculo. "
Os meios de comunicação - livro, jornal, cinema, rádio, TV - ao ampliar o público e
acelerar a circulação das mensagens se transformam no Quarto Poder. Sua linguagem
dá forma tanto ao nosso mundo quanto ao nosso pensamento.
A base lógica do computador constitui, atualmente, o gargalo binário por onde o social
está sendo forçado a passar. Digitalizados, os signos pedem escolha. Não uma decisão
profunda, existencial, mas uma resposta rápida, impulsiva, boa para o consumo. Nas
sociedades pós-industriais, também chamadas sociedades programadas, cada serviço
tem uma tela e um teclado para se digitar.
Programar a produção significa projetar o comportamento a partir de informações
prévias. "As sociedades pós-industriais são programadas e performatizadas para
produzir mais e mais rápido, em todos os setores, e com isto, presumivelmente, facilitar
a vida das pessoas." (SANTOS, 1994,p.25)
74
A ênfase da sociedade industrial estava na produção de bens materiais, enquanto a da
pós-industrial está no consumo de serviços e de informações.
Conforme retrata Santos, as palavras do pós-moderno: chip, saturação, digital, sedução,
niilismo, simulacro, hiper-real, desreferencialização, dificilmente, serviriam para
descrever o mundo 30 ou 40 anos atrás. O mundo industrial ou moderno tinha palavras
como energia, máquina, produção, proletariado, revolução, sentido, autenticidade.
O indivíduo na condição pós-moderna é alguém submetido a um bombardeio maciço e
aleatório de informações parceladas, que nunca formam um todo, com importantes
efeitos culturais, sociais e políticos. A vida no ambiente pós-moderno é um show
constante de estímulos desconexos onde as vedetes são o design, a moda, a publicidade,
os meios de comunicação.
A mercadoria é o espetáculo e comprar - que antes era algo banal - passa a ser um jogo
de gratificação. A moda e a publicidade tem por missão erotizar o dia-a-dia com
fantasias e desejos de posse.
O circuito lnformatização-Estetização-Erotização-Personalização do cotidiano, segundo
Santos, "não é inocente" ( 1 994,p.27). É o sangue dos sistemas pós-industriais, criando a
própria ambiência pós-moderna.
Segundo Santos, capitalistas e muItinacionais, buscam a constante elevação do nível de
vida pelo consumo acelerado de bens e serviços, cada vez mais diversificados.
Oferecem uma variedade de mercadorias, fragmentando o social em faixas de mercado,
75
de modo a arrebanhar o indivíduo para o consumo personalizado. Tal como atende a
vários gostos no nível material, o sistema comporta uma grande variedade de idéias e
comportamentos. A sociedade se despolitiza ao se distrair em mil jogos aquisitivos.
Santos observa que:
"O sistema industrial tendo pulverizado a massa numa nebulosa
de consumidores isolados, com interesses diferentes , absorve
qualquer costume, qualquer idéia, revolucionárias ou
alternativas, é flexível o suficiente para nele conViverem os
comportamentos e
(SANTOS,1994,p.70).
idéias maIs disparatados"
Para serem ouvidas mesmo as idéias anti-sistema deveriam, segundo ele, entrar pelos
meios de massa, serem consumidas em grande escala de modo personalizado, mas isto
as transformaria em mais uma mercadoria do sistema. Desse modo, o circuito
informação- estetização- erotização - personalização acaba realizando o controle social,
agora de forma 80ft.
Neste contexto, conforme explica Santos, surge o neo-individualismo pós-moderno, no
qual o sujeito víve sem projetos, sem ideais, a não ser cultuar a própria imagem e
buscar a satisfação aqui e agora.
O pós-moderno, para Santos, está associado à decadência das grandes idéias, valores e
instituições ocidentais - Deus, Ser, Razão, Sentido, Verdade, Totalidade, Ciência,
Sl4eito, Consciência, Produção, É-slado, Revolução, Família.
76
Segundo Santos, o choque entre a racionalidade produtiva e os valores morais e sociais
que já se esboçava no mundo moderno ou industrial, na atualidade pós-moderna, ficou
agudo, porque a tecnociência invade o cotidiano com mil artefatos e serviços, mas "não
oferece nenhum valor moral além do hedonismo consumista." (SANTOS,1 994,p.73) As
sociedades, baseadas na racionalidade produtiva,"tem meios racionaIs, mas só
perseguem fins irracionais: o lucro e poder." (SANTOS,1994,p.73)
As sociedades pós-industriais, planejadas pela tecnociência, programam a vida social
nos seus menores detalhes, pois nelas tudo é mercadoria paga a uma empresa privada
ou estatal. Sendo economias muito ricas, que têm como única meta a elevação
constante do nível de vida, "elas deixam ao indivíduo a opção de consumir entre uma
infinidade de artigos, mas não a opção de não consumir" (SANTOS,1994,p.87). O
sistema propõe e o indivíduo dispõe. A vitória desse sistema, no entanto, não é
tranqüila.
Santos chama a atenção para o fato de o individualismo exacerbado estar conduzindo à
desmobilização e à despolitização das sociedades avançadas. Saturadas de informação
e serviços, a massa não se interessa pelas coisas públicas. Segundo ele, nascem a
indiferença, o desencanto e a apatia, e com isto o tecido social começa a se descoser,
pois o consumo sózinho não sustenta a vida em sociedade.
Santos, ao se indagar sobre as causas da adesão maciça dos indivíduos ao consumo,
chama atenção para o fato de que as ciências humanas colaboraram na
dessubstancialização do homem como sujeito. A psicanálise o descreveu como escravo
do inconsciente. O marxismo, como escravo da classe social ou um átomo
77
insignificante da massa. A linguística, corno escravo da palavra. Desta forma,
destruiram o ego do indivíduo burguês, moderno e sua crença no domínio do
conhecimento racional, da liberdade e da criação. Corno conseqüência, o narcisismo
(amor desmedido pela própria imagem) e dessubstancialização (falta de identidade,
sentimento de vazio) passaram a resumir o sujeito pós-moderno.
Dentre as conseqüências micro-sociais apontadas por Santos, destacam-se:
1 ) Deserção da história: a massa perdeu o senso de continuidade histórica. Rejeita as
tradições do passado e não tem projeto para futuro. Só o presente conta.
2) Deserção do político e do ideológico: o indivíduo pós-moderno evita a militância,
sua participação é flutuante e personalizada. Nada de lutas prolongadas ou
patrulhamento ideológico.
3) Deserção do trabalho: Não crê no valor moral do trabalho nem vê na profissão a
única via para a autorealização.
4) Deserção dafamília: Sai-se cedo de casa, casa-se tarde, descasa-se com facilidade, e
sobretudo, reproduz-se pouco. Propostas de ligações abertas (sem formalizações)
estão em voga.
5) Deserção da religião: o pós-moderno é o túmulo da fé. O homem pós-moderno não
é religioso, é psicológico. Pensa mais na expansão da mente que na salvação da
alma. A cultura religiosa era culpabilizante, apsi é libertadora.
78
o retrato falado do novo egoísta em ação, segundo Santos, foi publicado pelo jornal LE
MONDE, em 22/04/84:
"Pragmatismo e CInIsmo. Preocupações de curto prazo. Vida
privada e lazer individual. Sem religião, apolítico, amoral,
naturista. Narcisista. Na pós-modernidade, o narcisismo
coincide com a deserção do indivíduo cidadão, que não mais
adere aos mitos e ideais de sua sociedade". (1994,p. IOI)
É, precisamente, neste ambiente macro e mIcro social que se deflagra maIs um
movimento de transformação na organização do trabalho das sociedades produtivas
ocidentais.
7.2 A Terceira Onda
Como todas as instituições SOCIaIS, as organizações formadas na era industrial,
passaram a ser sacudidas e questionadas permanentemente nos seus fundamentos. Para
tentar manter suas estruturas foram cedendo e concedendo a alguns modismos, ou
técnicas gerenciais23. Estes movimentos e transformações vem sendo observados
primeiramente nos países ditos de "primeiro mundo" e seu ritmo é ditado notadamente
pelas idéias de consultores de negócios norte-americanos (pressão ideológica) e pela
capacidade de execução do Japão (pressão do sucesso econômico). Os países do
Segundo Mundo (após o desmantelamento da cortina de ferro) e do Terceiro Mundo
(mais uma vez), confirmando o padrão de "mimetismo" exposto por Toynbee, vem se
23 Alguns modismos ou técnicas gerenciais surgidas nos últimos vinte anos: gerência por objetivos, diversificação , teoria Z, orçamento base zero, análise de cadeia de valores, a descentralização, círculos de qualidade, a excelência, a rcstruturação, gerência de carteira, gerência de observação, gerência matricial, intrapreneuring, gerência de um minuto.
79
submetendo às regras deste jogo de poder econômico sob a ameaça do fantasma da
. exclusão, criado e difundido por esta "minoria criadora" .
. !
A pressão deste movimento de transformação, que vem!sendo justificado por seus
apóstolos como quebra dos paradigmas fundamentais da organização do trabalho na era
industrial, chega agora ao seu ápice identificada com a técnica gerencial conhecida pelo
nome de Reengenharia.
A ideologia que embasa as propostas de transformação desta Terceira Onda teve em
Alvin Toffier seu primeiro e talvez um de seus maiores apóstolos e defensores, ou, para
usar um termo pós-moderno, um de seus mais expressivos "formadores de opinião".
Com livros como "O Choque do Futuro"(1 973), "A Terceira Onda" (1980) e
"Powershift" (1990), Toffier veiculou e difundiu a idéia (e o fantasma) de que o homem
não mais "controlava" as mudanças que ocorriam no mundo, mas sim passava a ser
"atropelado" por sua própria criação - a tecnologia.
Sua visão em "O Choque do Futuro" dava conta das mudanças a que o homem se
deveria submeter para se adaptar ao novo mundo criado pela tecnologia. Em "A
Terceira Onda" identifica o colapso da Era Industrial e anuncia o alvorecer de uma nova
era:
"Hoje, a Terceira Onda de mudança começa a bombardear esta
fortaleza de poder gerencial, começam a aparecer as primeiras
fendas efêmeras no sistema de poder. Reclamações de
participação na gerência, de partilha na tomada de decisões, de
controle do trabalhador, do consumidor e do cidadão, e de
democracia antecipada brotam em nação após nação. Novas
maneiras de organizar segundo linhas menos hierárquicas e mais
ad-hocráticas estão surgindo nas indústrias avançadas. Pressões
para intensificar a descentralização do poder. E os gerentes
tomam-se cada vez mais dependentes da informação de baixo.
As próprias elites estão se tomando menos permanentes e
seguras. Tudo isto são apenas advertências prévias - indicações
da vinda de convulsão no sistema político. A Terceira Onda, já
começando a bombardear estas estruturas industriais, abre
oportunidades fantásticas para a renovação social e política.
Nos anos imediatamente a frente surpreendentes instituições
novas substituirão as nossas estruturas internacionais
inexeqüíveis, opressivas e obsoletas" (TOFFLER,1980).
80
Em Powershifi, Toftler já difunde a nova estrutura do poder possibilitada pelo
desenvolvimento da tecnologia de informação, e as correspondentes transformações no
trabalho desta nova era.
Toftler não é o único a alardear a irreversibilidade deste processo. Nasbitt ( 1 994),
Peters, Hammer e Champy ( 1994), Tomasko (1994), entre outros autores, também
alardeiam as mudanças irreversíveis e pregam e vendem soluções para a mesma 24
Na próxima seção passa-se, pois, a analisar estas transformações e a ideologia que as
sustenta à luz de seu impacto na dimensão humana, objeto de interesse desta
dissertação.
7.3 As Transformações em Curso no Setor Produtivo
24 Faz lembrar o romance francês, Dr. /(not, onde um médico chega a uma pequena aldeia c, se aproveitando da credulidade dos habitantes, faz com que estes se sintam vitimas de enfennidades para logo depois oferecer·lhes opções de tratamento muitas vezes prolongadas.
8 1
O s apóstolos da Terceira Onda defendem as reestruturações, por sua capacidade de
geração de mais riqueza e pela suposta melhora na qualidade de vida que as tecnologias
mais limpas e os processos mais integrados que estas adotam vão propiciar.
No livro "Reengenharia Humana", Bartira Bertoni (1994), analisando e defendendo as
novas transformações no trabalho, faz uma síntese das diferentes eras por que passsou e
está passando a sociedade de mercado na forma de organizar o trabalho conforme
ilustrado a seguir:
Quadro ID: "A NOVA ORGANIZAÇÃO"
SERVIÇOS
MASSA INDIVIDUALIZADA
SAFRA LINHA SOB MEDIDA
FAMILIAR DEPARTAMENTAL EQUIPES
FONTE: Bertoni: 1 994,p. 14
Ilustra também o tipo de homem produto de cada uma dessas formas de organização:
Quadro IV: "A EVOLUÇÃO - O NOVO HOMEM"
ANIMAL
CONHECIDOS PASSIVO
DESCONHECIDOS
82
Se se faz uma "crítica" dos quadros acima através dos conceitos e fatos apresentados
nos capítulos anteriores desta dissertação, certamente fica patente o cunho utilitarista
(objetivo = lucro) que se apreende nas novas transformações que estão sendo
apregoadas para a organização do trabalho e fica claro o reducionismo com que ainda é
tratada a natureza humana.
o título do livro "Reengenharia Humana" dá a idéia de que o homem precisa ser
reengenheirado para atender às novas transformações nas organizações e não o inverso,
ou seja, nada mais ilustrativo da inversão de valores e propósitos que a sociedade de
mercado promove.
Não se questiona, nesta dissertação, a importância dos avanços tecnológicos obtidos,
nem as facilidades que eles proporcionam. Porém, se analisa e se questiona o discurso
que estimula a adoção dessas novas medidas e vê-se que a mudança proposta é
superficial e voltada para manter ou até arraigar a racionalidade instrumental, essência
da lógica do sistema de mercado. Aumenta-se a produtividade, a competitividade, os
ganhos, mas o que garante que as condições de distribuição de renda e produtos e a
qualidade de vida para a sociedade como um todo (saúde psicológica e espiritual) vão
melhorar?
Segundo Toffier, com o desenvolvimento acelerado da tecnologia de informação,
algumas transformações no setor produtivo são "naturais", necessárias, se não,
mandatórias.
83
A intenção é analisar a ideologia que está por trás de mais esta transformação buscando
na bibliografia atualmente lida pelos tomadores de decisões das empresas os trechos
que "indicam" o caminho que estas trasnformações devem tomar. Com o intuito de
chamar a atenção para o estilo do discurso utilizado por estes "formadores de opinião"
(minoria criadora) para transmitir a idéia de exclusão ou premência, alguns trechos das
citações são grifados de forma a destacar e analisar sua influência a nível psicológico.
7.3.1 O Deslocamento do Foco Produtivo para a Área de Serviços
A primeira transformação que se divulga é o deslocamento do foco produtivo para o
setor de serviços. Segundo Toft1er (1992,p.95):
"o deslocamento para longe do trabalho manual e em direção à
prestação de serviços e à atividade super-simbólica tomou-se
generalizado, dramático e irreversível (grifo meu). Nos Estados
Unidos, hoje essas atividades respondem por três quartas partes
da força de trabalho. ( . . . ) A transição tem sido feita
desnecessariamente num caminho pedregoso. Demissões em
massa, falências e outras agitações assolaram a economia à
medida que velhas indústrias obsoletas, que se demoraram a
instalar computadores, robôs, sistemas eletrônicos de
informações, e foram lentas em matéria de restruturação, viram
se pilhadas pela concorrência de pés mais ligeiros. C . . ) Sua
miopia administrativa puniu aqueles da sociedade que eram os
menos responsáveis pelo atraso industrial e menos capazes de se
protegerem - os seus operários. "
Confirmando o paralelismo com a situação dos agricultores na Segunda Onda
apresentada por Steinbeck, Toft1er constata uma pnmelra ameaça àquela terceira
"casta" (ver seção 3.3. 10) criada pela Era Industrial:
"Mesmo os administradores de nível médio sentiram a
queimadura superficial do desemprego [década de 80] e viram
suas contas bancárias, seus egos e, às vezes, seu casamento
entrar em colapso em conseqüência disso."
7.3.2 O Omhecimemo como Nova Fome de Riqueza
84
Outra transformação que a nova tecnologia segundo Toftler "impõe" é a necessidade de
um tipo de força de trabalho radicalmente diferente.
Segundo ele, o novo mundo dos negócios se concentra na circulação de conhecimento,
o que exige do trabalhador uma vasta gama de habilidades culturais e interpessoais.
Qualquer estratégia eficiente de redução de desemprego numa economia
supersimbólica dependeria, pois, mais de distribuição de conhecimento do que de
distribuição de riqueza.
O proletariado estaria sendo substituído pelo cognitariado e, com isto, começariam a
surgir novas "castas" sociais conforme o nível de envolvimento da pessoa com o
processo de geração de informações e conforme o tipo de acesso que teria a estas.
Os trabalhos puramente simbólicos seriam aqueles responsáveis pela transmissão ou
geração de informações. Os trabalhos mistos envolveriam trabalho fisico e a
"manipulação" das informações. Os trabalhos puramente manuais estariam condenados
ao desaparecimento, pois toda tarefa repetitiva e simples pode ser feita sem "pensar" e,
conseqüentemente, é candidata à robotização. Constata-se aqui a redução do conceito
de conhecimento à posse de informações.
85
7.3.3 A Mais Valia se Desloca da Força de Trabalho para a Capacidade Criadora
Surgem, portanto, as primeiras classificações ou "esteriótipos" da nova era, poiS as
empresas passam a ser consideradas cultas ou incultas conforme seu grau de
dependência do conhecimento ou do nível de inteligência exigido de seus empregados
individuais.
Tomer reconhece que:
"As firmas cultas, em geral, não são instituições de caridade.
Embora o trabalho nelas tenda a ser menos oneroso sob o ponto
de vista fisico do que nas operações incultas, e o ambiente seja
mais agradável, essas firmas exigem caracteristicamente mais
de seus empregados do que as firmas incultas. Os empregados
são estimulados a usar não apenas a inteligência racional, mas
despejar no trabalho suas emoções, intuições e imaginação. É por isso que os críticos marcusianos vêem nisso uma
"exploração" do empregado ainda mais sinistra." (1992,p.l 00)
Novamente se observa um reducionismo ao se desmembrar o homem em um ser fisico e
outro mental, como se ambos não estivessem estritamente relacionados e não fossem
um.
7.3.4 A Reintegração de Tarefas em Processos e a Conseqüente Reestruturação das
Empresas
Segundo Tomer, o salto para um nível mais elevado de diversidade, velocidade e
complexidade exigiria um correspondente salto para formas mais altas, mais
sofisticadas, de integração. Sem coordenação mais elevada, e sem o trabalho mental
86
que ela requer, nenhum valor pode ser agregado, nenhuma riqueza pode ser criada pela
economia. O valor, portanto, não é apenas dependente da combinação da terra, trabalho
e capital. Para justificar a racionalidade destas transformações e da extensão da cadeia
de valor para além dos limites da linha de produção, Toffler justifica:
"Nem toda terra, o trabalho e o capital do mundo irão atender às
necessidades do consumidor se [não] puderem ser integrados a
um nível muito mais alto do que nunca dantes. E isso altera
toda a noção de valor." ( . . . ) "Conectividade não
desconectividade, integração e não desintegração,
simultaneidade em tempo real e não etapas seqüenciais - são
estes os pressupostos que suportam o novo paradigma de
produção." ( 1992,p. 104)
Novamente, se observa a redução do homem à categoria de simples consumidor e,
conseqüentemente, a imposição da lógica de mercado.
7.3.5 A Exigência por Produtividade Extrapola os Limites de Mercado e Invade a
Vida Privada
Já que a produção não começa nem acaba na fábrica, começa a se esboçar, na Terceira
Onda, um novo grau de "preocupação" com o trabalhador como produtor. Segundo
Toiller:
"Um trabalhador braçal infeliz podia ser obrigado a ser
"produtivo". Nas atividades de alto simbolismo, os
trabalhadores felizes produzem mais. Daí, a produtividade
começn mesmo antes de o trabalhador chegar no escritório
(grifo meu). " ( 1992,p. 104)
e, novamente, racionaliza:
"Para os veteranos, essa definição ampliada de produção pode
parecer confusa ou absurda. Para a nova geração de lideres
supersimbólicos, condicionados (grifo meu) a pensar de fonna
sistemática, e não em tennos de etapas isoladas, ela parecerá
natural." ( 1 990,p. 1 04)
87
Toftler reconhece, portanto, a necessidade de um novo condicionamento para se lidar
com as novas idéias até que pareçam naturais, o que confinna novamente a idéia de
manipulação embutida nas ideologias.
o artigo da revista EXAME de 8/6/94, ilustra bem como estas idéias são interpretadas
no Brasil. Sob o título "Felicidade é sinônimo de produtividade" o artigo mostra os
esforços que algumas empresas vem fazendo para manter seus funcionários "felizes".
Segundo a jornalista Maria Amália Bernardi:
"Qualidade de vida, numa empresa, é algo que se compõe de
pequenas e grandes coisas. Oportunidade de ascensão,
treinamento contínuo, salários competitivos? Claro. Tudo isso
pertence ao capítulo das grandes coisas. A ausência de um só
desses itens macula a qualidade de vida. Mas atenção também
para as pequenas coisas. Por exemplo: restaurantes como o do
Citibank ou da Dupont, nos quais os funcionários tem a
oportunidade de controlar as calorias das refeições. Ou o bem
aparelhado centro de ginástica da Autolatina, onde os
empregados podem zelar pela boa fonna fisica. São pequenas
coisas que fazem a diferença (grifas meus)." (p.90)
O artigo continua com outras pérolas de pós-modernismo e reducionismo, tais como:
"Também a Dupont submeteu seu restaurante a uma
reengenharia. ( . . . ) um levantamento sobre a saúde dos
funcionários [descobriu uma] população hipertensa, sedentária
e com excesso de peso, colesterol e triglicerídeos. Pronta,
portanto, a dar despesa sob as mais diversas formas, do enfarte
à úlcera (grifos meus). A direção da empresa decidiu
prontamente introduzir C .. ) diversos cardápios leves ( . . . ). A
operação recebeu um ar quase ritual: os Vigilantes do Peso
foram convidados a se reunir ali dentro uma vez por semana. A
Dupont montou também uma sala de fitness e intensificou os
exames médicos em todos os funcionários. "(p.90)
88
A [pobre?] jornalista com certeza introduziu em seu artigo as idéias e clichês da moda,
e conseguiu reunir exemplares do reducionismo e do absurdo a que chegamos no setor
produtivo. A prioridade ou o reducionimo a que se relegou a dimensão humana nas
empresas fica clara, na medida em que não é questionada a causa de ter uma população
hipertensa, sedentária, etc, mas, tão somente, o que custaria para a empresa arcar com
suas conseqüências.
Essas idéias e exemplos (dados por empresas consideradas modelos de gestão de
recursos humanos) são lidos e consumidos pelos executivos, leitores de EXAME.
Caberia perguntar: quantos se apercebem do engôdo embutido nesta ideologia?
Dentre os clichês citados por Bernardi, pinçamos o termo "reengenharia", analisado
mais adiante.
89
7.3.6 O Mercado Global e o Novo Individualismo
Nasbitt (1 994), na sua análise de tendências, identifica alguns paradoxos nas
transformações em curso. Segundo ele a competição e cooperação se tomaram o yin e
yang do mercado global. Cooperação está tomando forma na vasta gama de alianças
econômicas estratégicas. Produtos podem ser produzidos em qualquer lugar, usando
recursos de qualquer lugar, por uma companhia localizada em qualquer lugar, para uma
qualidade encontrada em qualquer lugar, para ser vendida em qualquer lugar. Uma das
razões para o crescimento das alianças estratégicas é que as companhias estão evitando
se tomar maiores. Ele observa, no entanto, que quanto mais universais nos tomamos,
mais tribais agimos. O mantra da nova era é "pensar localmente, agir globalmente" .
Segundo sua análise, o poder está mudando do Estado para o indivíduo, de vertical para
horizontal, de hierarquia para rede e derramando-se em todas as direções de forma
imprevisivel, um pouco caótica e certamente confusa, não tão bem ordenado como os
arranjos hierárquicos de cima para baixo.
Politicamente, o confronto deixa de se configurar como de esquerda vs. direita para
local vs. global, ou universal vs. tribal. A política ressurge como o coração do
individualismo.
Nesta mudança global do Estado para a importância do individuo, auxiliada pela onda
da revolução nas telecomunicações, as oportunidades para liberdade individual e de
empresa são totalmente novas. Estes são os fundamentos do neo-liberalismo
econômico.
90
Segundo Nasbitt, "downsizing, reengineering, e a criação de organizações em rede, ou,
ultimamente, a organização virtual, qualquer que seja o nome, todas levam à mesma
coIsa. As empresas tem que desmantelar as burocracias para sobreviver. As
economias de escala estão dando lugar para as economias de abrangência, achando o
tamanho certo para sinergia, flexibilidade de mercado, e sobretudo, velocidade (grifos
meus). (1994,p. 14)
A telecomuncição é a força motriz que está criando simultaneamente uma imensa
economia global e fazendo suas partes cada vez menores e mais poderosas.
Para Nasbitt, uma pessoa afluente na nova sociedade:
"Veste camisas e gravatas - Ferragamo, usa um relógio Ro/ex
ou Cartier, tem uma pasta Louis Vuitton, assina com uma caneta
Montblanc, vai para o trabalho num BMW, fala sem parar num
telefone celular Motora/a, paga suas despesas com um cartão de
crédito American Express, viaja pela Singapore Air/ines, tem
um apartamento na cidade e uma casa de campo. Usa loção de
barbear Giorgio Armani e compra Poison para sua namorada. A
mulher ( . . . ) afluente tem guarda-roupa cheio de Christian Dior e
Nina Ricci, comodas cheia de produtos Guer/ain, YSL, e Estée
Lauder, sapatos Bruno Magli, usa Chane/ No. 5 e jóias da
Tiffarry's. Ambos escutam a Nona Sinfonia de Beethoven num
CD player Sony no carro, no trabalho ou em casa". (1 994,p. 3 1 )
91
7.3.6 Reengenharia - Quebra de que Paradigmas?
Hammer e Champy (1994) se tomaram os "felizardos" consultores que difundiram a
técnica gerencial que permite às empresas burocráticas, produtos da era industrial, a
ingressar no mundo da Terceira Onda de Tofiler.
Aproveitando-se da cnse econômica e, conseqüentemente, gerencial - reflexo de
esgotamento dos valores e conceitos de gestão difundidos na Segunda Onda- e da
notoriedade alcançada pelo termo paradigma - conceito-mãe que modela e justifica os
valores de uma geração - venderam a idéia da necessidade de quebra de paradigmas na
forma de gerenciamento das empresas. Seu livro e, conseqüentemente, suas idéias se
transformaram em best-sellers.
Em suas palavras:
"A crise de competitividade global que as empresas enfrentam
aqui e agora não resulta de uma baixa temporária da atividade
econômica ou do ciclo comercial. ( . . . ) O mundo de Adam Smith
e a sua forma de fazer negócios são paradigmas do passado.
Três forças estão impelindo as atuais empresas cada vez mais
para dentro de um território assustadoramente desconhecido
para a maioria dos seus executivos e gerentes - c/ ientes,
concorrência e mudança. "(1994,p.9).
No âmago da reengenharia empresarial, segundo ele, está a noção do pensamento
descontínuo - identificar e abandonar as regras ultrapassadas, ou seja, por de lado
grande parte da sabedoria legada por dois séculos de gestão industrial . A técnica
difundida por Harnrner e Champy se baseia na reunificação das tarefas simples e
92
básicas - decomposição difundida por Adam Smith que começou a ocasIOnar
deseconomias de escala - em processos empresariais coerentes. Mudança que, segundo
os autores, está para a próxima revolução de negócios como a especialização do
trabalho esteve para a última.
Os alvos para os quais a reengenharia aponta toda sua artilharia são: a burocracia e a
média gerência, pois, segundo Hammer e Champy:
"a maioria das empresas atuais está pagando mais pela cola do
que pelo trabalho real. Esses problemas estiveram presentes o
tempo todo, só que até recentemente as empresas não
precisavam se preocupar muito com eles. O importante, em
termos de gerência, era administrar o crescimento; o resto não
importava. Agora que o crescimento arrefeceu, o resto tem uma
grande importância. "(1994,p. 17)
Hammer e Champy definem reengenharia como sendo o "repensar fundamental e a
restruturação radical dos processos empresariais que visam alcançar drásticas melhorias
em indicadores críticos e contemporâneos de desempenho. tais como custos, qualidade.
atendimento e velocidade (grifo meu)"(J 994,p.22). Este repensar só é possível ,
enfatizam eles, pelo uso adequado da tecnologia de informação, ou seja, a tecnologia de
informação não deve ser usada após a definição do processo (pós-parto), mas sim, deve
participar da mesma (concepção).
Para validar e apoiar suas idéias, os autores afirmam que "em quase todos os setores, o
sucesso de uma minoria de empresas refuta as desculpas da maioria. Bons produtos não
geram vitoriosos; os vitoriosos é que geram bons produtos" ( 1994,p. 1 4) e resumem sua
visão da dimensão humana no trabalho ao afirmar que "as empresas não são carteiras de
93
investimento, mas pessoas trabalhando juntas para inventar, produzir, vender e prestar
serviços. "(1994,p. 16)
7.4 A Dimensão Humana nestas Transformações
Em uma análise superficial podem ser destacadas algumas vantagens nas idéias de
Hammer e Champy, já que a reunificação do processo poderia reabil itar a idéia de
completude das tarefas, incentivar o trabalho em equipe e restaurar o significado mais
simples do trabalho. Numa análise mais profunda, no entanto, a quebra de paradigmas
defendida por Hammer e Champy, assim como por Tomer, só funciona no nível de
metodologia, deixando intocados conceitos e valores, conforme os próprios Hammer e
Champy atestam:
"A reengenharia capitaliza os mesmos atributos que,
tradicionalmente caracterizam os grandes inovadores
empresariais: o individualismo, a autoconfiança, a propensão
para aceitar o risco e a inclinação para a
mudança. "(1994 :Introdução)
Além de violar a lógica da estatística e de diferenciação, ao afirmar que o que deu certo
para uma minoria deve ser aplicado a todos, sua ideologia resguarda a continuidade do
reducionismo instaurado pelo capitalismo que vê o ser humano como uma peça de uma
engrenagem econômica e reduz suas aspirações a consumo de posses materiais. As
conseqüências já observadas na era industrial, como a fragmentação do homem em
produtor e consumidor, continuam mais vigorosas que nunca. A separação entre a vida
privada e a vida pública é eliminada com a segunda invadindo a primeira. A ditadura
94
do mercado e do poder econômico é referendada e o trabalho assume a dimensão
pequena de oportunidade de transação comercial.
Schumacher, em 1 979, já observava:
o objetivo básico do industrialismo moderno não está em fazer
o trabalho mais satisfatório, mas em aumentar a produtividade;
seu maior orgulho é a economia de trabalho.( . . . ) Mas o que é
indesejável não pode conferir dignidade. (1 979 ,p.27)
e constatava:
"a sociedade industrial, não importa quão democráticas sejam
suas instituições políticas, é autocrática em seus métodos de
gerenciamento. É uma experiência freqüente que tão logo os
trabalhadores se instalam numa posição de responsabilidade
gerencial começam a simpatizar com as preocupações comuns
ao gerenciamento. Como poderia ser de outra forma? O
industrialismo moderno produziu seu próprio sistema de
valores, critérios, medidas etc, e tudo se relaciona e não pode
ser mudado sob pena de desmoronamento (grifo meu)."
( 1979,p.28).
Para finalmente levantar questões, que julgamos ainda pertinentes:
"A difundida substituição do esforço braçal pelo esforço mental
não teve vantagens no nosso ponto de vista. Trabalho fisico
adequado, mesmo que desgastante, não absorve grande parte
do poder de atenção (espaço mental), mas o trabalho mental
sim; de maneira que não se deixa espaço para as questões
espirituais que realmente interessam."(1979,p.25)
Paradoxal, aparentemente, a moderna sociedade industrial,
apesar da incrível proliferação de aparelhos que economizem
tempo, não deu às pessoas tempo para devotar às suas
necessidades espirituais. (1979,p.24)
A aceitação implícita é de que se pode fazer um transplante
tecnológico sem que ao mesmo tempo se faça um transplante
ideológico; ou seja, de que a tecnologia é ideologicamente
neutra; que se pode adquirir o hardware sem o software que está
por tràs dele, e o mantém funcionando.( 1979,p.41 )
9S
A nova técnica gerencial pode garantir a sobrevivência das empresas na "selva" (Tomer
usa por diversas vezes o termo infoguerra) criada pelos valores capitalistas, mas com
certeza não atenua os problemas dos homens que participam destas organizações
produtivas ao não contemplar as diferentes dimensões humanas. Porém, para Hammer,
assim como para Tomer anteriormente:.
"Não resta muito tempo para as empresas aplicarem as lições
deste livro às suas próprias organizações.(".) Aquelas que
aplicarem com presteza essas lições competirão com sucesso em
um mundo cuja única constante previsível passou a ser a
mudança rápida e implacável (grifo meu). "( 1994 :Introdução)
A idéia de urgência e premência transmitida por esses autores -técnica comum quando
se quer forçar uma venda - faz com que não se contemplem e não se questionem os
diversos aspectos envolvidos nas transformações propostas.
A. publicação Amana Key Leadership Review, no artigo "A. reinvenção das Empresas na
Era dos Paradoxos", levanta uma série de paradoxos embutidos nas transformações que
estão ocorrendo e propõe questões sobre o verdadeiro impacto dessas na qualidade de
96
vida da sociedade como um todo. Tomando como base estes paradoxos, algumas
reflexões são propostas sobre a profundidade dessas transformações:
a) Sobre o Paradoxo do Trabalho:
Atualmente se trabalha para viver ou se vive para trabalhar? Qual o papel do trabalho
dentro do projeto de realização pessoal de cada um? Até que ponto este papel é
ditado por valores adquiridos socialmente e distorcidos pelas rotinas da ambição, do
dinheiro e da aparência estimuladas pelo atual sistema econômico? Até que ponto as
pessoas estão prontas para jogar o "jogo da verdade", em termos do que precisam
economicamente para ter qualidade de vida sem se deixar escravizar por
artificialismos da sociedade de consumo?
b) Sobre o Paradoxo da Produtividade:
Até que ponto os desequilíbrios ecológicos observados não são conseqüência da falta
de prioridade do aspecto humano no conceito de produtividade vigente hoje na
sociedade de mercado? Até que ponto o conceito de carreira excessivamente focado
em progressões verticais técnicas/profissionais, incentiva o abandono das outras
dimensões? Até que ponto a sociedade de mercado tem tido sucesso em desenvolver
as pessoas no seu todo, como seres humanos integrais? A lógica da sociedade de
mercado expande a consciência de seus membros e desenvolve seres humanos mais
refinados, ou o contrário?
97
c) Sobre o Paradoxo da Riqueza :
Até que ponto numa sociedade de mercado se está disposto a abrir mão do que dá
vantagem competitiva - recursos, idéias, informações - para que o todo melhore? A
sociedade de mercado é capaz de compreender e praticar um conceito de
desenvolvimento mais baseado no qualitativo pensando na influência sobre o bem
estar do todo e das gerações futuras em oposição à visão míope dos lucros a curto
prazo?
d) Sobre o Paradoxo da Inteligência:
Até que ponto os conceitos e valores atuais de "meritocracia" e poder, baseados
exclusivamente em resultados quantitativos/econômicos, não desvirtuarão ou se
constituirão em barreiras para o compartilhamento de inteligência que essas
mudanças apregoam? Quando se fala em compartilhamento de "inteligência", quais
são os objetivos que se tem em mente - melhorar a qualidade de vida de todos ou a
produtividade/lucratividade de alguns?
f) Sobre o Paradoxo das Organizações Globais:
Até que ponto os resultados positivos e negativos de diversas empresas hoje não
refletem o grau de preparo e os valores de seus dirigentes e executivos para lidar
com essa nova realidade emergente? O que muda neste sentido?
98
g) Sobre o Paradoxo do Tempo:
Por que quanto mais as tecnologias se aprimoram mais o homem é absorvido pelo
trabalho? Qual a premissa básica que orienta o uso do tempo na sociedade de
mercado: como cada um usa o tempo ou quanto tempo cada um usa?
h)Sobre o Paradoxo da Individualidade:
Até que ponto os sistemas e critérios das empresas na sociedade de mercado levam a
que se "vista a camisa de empresa" e se "desvista a camisa da individualidade"? Há
esforços conscientes para quebrar as correntes que atrelam as pessoas às
organizações? Até que ponto os sistemas e critérios do sistema de mercado impedem
que as pessoas sintam liberdade e autoconfiança em si mesmos?
i) Sobre o Paradoxo da Justiça
Até que ponto a sociedade está preparada para libertar-se dos "pacotes conceituais"
(ideologias) que representam formas de pensar obsoletas, de quando o capital
financeiro era mais importante que o intelectuallhumano? Até que ponto se precisa
investir em valores e numa forma de atuar em sociedade mais flexível para que as
pessoas atuem conforme o que sentem - ajuda mútua, compaixão etc - a fim de que
um novo sentido de justiça emerja na sociedade e nas organizações?
j) Sobre o Paradoxo do Envelhecimento:
Até que ponto uma sociedade que cria a noção de obsolescência do ser humano,
através do estímulo à aceleração das mudanças, está preocupada com a qualidade de
vida das pessoas? Ao se criarem sistemas e critérios para lidar com as pessoas, as
organizações produtivas pensam nas diferentes faixas etárias?
99
Todas as questões levantadas apontam para a necessidade de se repensar maIs
profundamente as bases da sociedade de mercado e para o fato de que, no fundo a causa
de todas as crises e dificuldades por mais diferentes que na sua manifestação se
apresentem tem origem no que a sociedade ou os indivíduos que a formam consideram
valores, particularmente, seus valores éticos.
7.5 O Papel dos "Cientistas" Sociais
Foi visto que as ideologias são idéias de alguns indivíduos adotadas por formadores de
opinião que, por razões substantivas ou funcionais, se encarregam de multiplicar sua
influência. Relembrando Toynbee, essa influência perdura até que se quebra o poder
de mímesis, ou seja, até que essas idéias não sofram questionamento.
As ideologias de cunho totalitarista já ruiram, o capitalismo como lógica orientadora da
forma de organização da sociedade, e conseqüentemente, do trabalho, ainda perdura. As
transformações que estão em processo, engendradas por economistas, políticos e
administradores, são meios de lhe propiciar uma sobrevida.
Seria o caso de se perguntar o papel das ciências sociais nestas transformações. Muitas
das ciências sociais conhecidas (psicologia, sociologia, antropologia, etc) até pela
denominação de ciência, tem seu surgimento na idade moderna. Por trabalharem mais
com as conseqüências (comportamento) que com as causas (ação) tem assumido um
papel de espectadoras (quando criticas) ou colaboradoras (quando acríticas) das
instituições criadas pela sociedade de mercado.
Ramos (1981,p.26) aponta uma contradição na visão de Max Weber sobre o papel dos
"cientistas" sociais. Weber argumentava que "embora a ciência social seja neutra, do
100
ponto de vista de valor, os valores adotados por uma sociedade são, eles próprios,
critérios indicadores daqueles pontos importantes para aquela forma particular de vida
humana associada, durante certo período histórico." Admitia que "quando as premissas
de valor de um certo tipo de vida associada se transformam, elas próprias, em fatores de
um mal coletivo, o cientista social não pode, legitimamente, desprezar tais premissas
como estranhas a sua disciplina." Porém, incentivava que focalizassem esses valores
"apenas para mostrar as conseqüências práticas que acarretam."
Muitos estudos, no entanto, tem sido feitos sobre as deficiências da lógica de mercado;
essa dissertação e a bibliografia citada nela, são um testemunho disso. O fato de terem
pouca repercussão ou serem colocados em segundo plano pode criar uma dúvida a
respeito de sua validade. Esse seria mais um exemplo da sútil lógica de mercado, pois
os resultados estariam validando a essência. No entanto, se se pensa que o sistema atual
não se sustentaria se um número efetivo de pessoas começasse a ter a capacidade de
criticar o que está lhe sendo inculcado e vendido corno verdade ou reconhecer nesses
estudos simplesmente o que sua própria consciência já lhes assinala, pode-se entender
por que há interesse que estas idéias continuem a ter um "mercado" restrito.
Urna questão intrigante, porém, é entender corno se consolida e por que se perpetua o
poder dessa minoria formadora de opiniões.
101
7.6 O papel dos Indivíduos
Ruy Mattos (1992) apresenta a responsabilidade dos educadores no incentivo dessa
passividade e conformismo. O sistema educacional de uma sociedade desempenha o
papel de modelar o ser humano em seu processo de socialização, como um longo rito de
passagem. Porém, o próprio conceito de educação sofreu o efeito distorcivo do
reducionismo econômico, e o sistema educacional, ao invés de formar, no sentido de
despertar, os indivíduos, tem sido usado como mero instrumento de adestramento.
Desta forma, anestesiando consciências e amortecendo impulsos criadores, se
transforma em instrumento político de manutenção de mitos, símbolos e tradições dos
grupos detentores de poder.
Na sociedade de mercado, a exigência do conformismo à produtividade teve que ser
satisfeita através do sistema educacional. O futuro trabalhador teria que "sofrer o
expurgo de todas suas características pessoais que ameaçassem por em risco a lógica do
sistema produtivo", ele teria que ser sacrificado em "seus valores, emoções,
sentimentos e desejos postos a serviço da Economia". A educação, portanto, enfatizou
o fazer ao invés do ser e entender e as organizações de trabalho reforçaram o mito do
poder. A massa de trabalhadores procura esmerar-se no fazer cada vez mais e melhor,
sem saber o porquê nem o para quê do que faz, guiadas por normas e padrões
estabelecidos pelo estrato superior da Organização, que detém o poder de mandar fazer.
Portanto, o esforço dos estudiosos deste tema é sumamente importante pois sua
incumbência não é a de formar/vender opiniões, mas sim a de despertar ou nutrir o
entendimento das pessoas de maneira que elas gerem as próprias mudanças.
102
Gonzalez Pecotche ao defender a necessidade do resgate da verdadeira individualidade
ao invés da submissão cega às idéias alheias ( 1963,p.9) afirma que "o fato de não se
haver ensinado ao homem a conhecer sua vida interna, plena de recursos e energias para
aquele que sabe aproveitar tão imponderável riqueza, tem sido a causa que o fez ceder,
sem maior resistência, à tentação de fundir-se na multidão anônima, consumando assim
a perda de sua individualidade."
Ramos ( 1981 ,p.42) afirma que "se uma ruptura histórica tiver que acontecer em nosso
tempo, terá que assumir o caráter sem precedente de um puro êxodo em compacto
tempo vertical, isto é, através de uma mudança no íntimo das pessoas, em sua
orientação relativamente à realidade e nos critérios de percepções e definições de suas
necessidades e desejos", ou seja, seria um processo de libertação individual e não mais
um processo de convencimento "mímesis" coletivo.
CAPÍTULO 8
AS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS DA TERCEIRA ONDA PESQUISA DE CAMPO
"Se desejamos saber comO as pessoas sentem - qual sua experiência interior,
o que lembram, como são suav emoções e seus motivos, quais as razões para
agir como o fazem -por que não perguntar a elas?"
G. W ALLPORT
103
Como meio de tomar conhecimento das reações individuais às mudanças vividas nas
organizações neste tão anunciado despontar da terceira onda, foi feita uma pesquisa de
campo entre os que, segundo a mídia, estão sendo os principais afetados pelas mesmas -
os executivos de médio e alto escalão.
o objetivo dessa pesquIsa foi levantar dados sobre as seguintes variáveis: (a) o
significado do trabalho em tennos de motivação e satisfação pessoal; (b) a maneira
como as pessoas são afetadas pela fonna de organização do trabalho atual e pelos
valores correntes incentivados nas empresas; (c) percepções quanto aos resultados e
conseqüências para a vida pessoal das mudanças administrativas implementadas; e (d)
capacidade de criticar ou ver para além do paradigma econômico vigente.
8.1 Metodologia adotada
Considerando-se que o objetivo da pesquisa envolvia obter dados pessoais sobre o que
estes atores da mudança sentiam e como estavam reagindo às mudanças administrativas
que estão ocorrendo a sua volta, para poder analisá-los à luz dos conceitos e estudos
104
apresentados anteriormente nesta dissertação, decidi por uma pesquisa qualitativa do
tipo exploratório-comparativa.
Levando-se em conta os aspectos de tempo, facilidade de análise e custos envolvidos,
optou-se pela técnica do questionamento por escrito para a coleta dos dados.
Como o caráter exploratório da pesquisa tinha a intenção de trazer à luz os problemas
correntes dos respondentes na organização de trabalho atual e quando submetidos a
mudanças nesta mesma organização, o aspecto do sigilo foi considerado crucial para
que se pudesse obter o máximo de informação e sinceridade possíveis, já que existem
fatores pessoais, políticos e de poder envolvidos nas respostas que indiretamente
poderiam afetar os resultados, caso os respondentes se sentissem expostos. Desta forma
optou-se por uma coleta de dados impessoal, ou seja, não houve contato pessoal ou
identificação do respondente com e para o pesquisador.
As condições de sigilo, tempo e redução de custos foram satisfeitas através da adoção
de intermediários como multiplicadores e facilitadores na aplicação dos questionários.
A cada intermediário foram entregues 10 ou mais questionários, para serem distribuídos
entre colegas de trabalho situados em nível igual ou mais alto que o seu e que se
predispusessem a participar da pesquisa. Após o prazo determinad025, os
questionários já preenchidos, mas não identificados, colocados em envelopes
individuais lacrados, foram recolhidos e encaminhados à pesquisadora.
25 A pesquisa foi realizada no período de 9 a 1 4 de janeiro de 1 995.
105
8.1.1 Elaboração do Questionário
Na fase piloto foram elaboradas duas versões do questionário para coleta de dados. No
primeiro, totalmente aberto, o respondente poderia desenvolver livremente suas
respostas. O segundo, fechado, oferecia alternativas entre uma ou mais respostas sobre
os mesmos itens. As duas versões do questionário foram entregues para avaliação
prévia de alguns colegas/executivos. A partir do feed-back recebido dos avaliadores,
por razões de tempo e facilidade de preenchimento e de análise de dados, optou-se pelo
questionário fechado, acrescido de uma única questão aberta e opcional. A versão final
do questionário usado, assim como as recomendações para os respondentes, se
encontram no Anexo A .
Embora optando pelo questionário fechado, com vistas a agilizar o preenchimento e
estimular as respostas, em todas perguntas foram deixados espaços para o respondente
declarar opções não previstas e julgadas relevantes. Para evitar dicotomizações e perda
de informação, criou-se para alguns itens uma medição ordinal, ou seja., o respondente
ao invés de simplesmente responder SIM ou NÃO, teve que dar um grau de intensidade
a esta informação, respondendo: ALTO, MÉDIO, POUCO ou NENHUM
Conforme o objetivo traçado para a pesquisa, as perguntas no questionário visavam
recolher informações subjetivas dos respondentes a respeito de algumas variáveis, a
saber:
106
As perguntas de 1 a 3 foram formuladas com a intenção de identificar o significado do
trabalho para os respondentes: em termos de realização pessoal, motivações para o
trabalho e satisfação com a atividade atual.
As perguntas de 4 a 10 sondaram a satisfação com a forma de organização atual do
trabalho (tempo dedicado, valores incentivados, etc).
As perguntas 1 1 a 18 questionaram diretamente os respondentes sobre as mudanças
que se estão processando nas organizações e suas opiniões a respeito das mesmas.
Finalmente, as perguntas 19 e 20 (esta aberta) procuraram captar percepções e
reflexões dos respondentes sobre prós e contras das mudanças que estão sendo postas
em prática no nível macroeconômico e de valores.
Com vistas ao processamento, as alternativas de respostas foram itemizadas de maneira
a facilitar o cálculo da freqüência com que certos itens seriam apontados pelos
respondentes.
8.1.1 - Amostra
Foi adotada uma amostra de conveniência, por razões econômicas e de tempo e também
por se tratar de pesquisa exploratória, sem pretensões de generalização de seus
resultados. A partir da rede de relacionamentos com colegas do COPPEAD, que
atuaram como agentes facilitadores, foi composta uma amostra de 100 respondentes.
107
Na amostra selecionada foi resguardado razoável equilíbrio entre empresas estatais
(47% dos respondentes) e privadas (53% dos respondentes). Todas as empresas são de
grande porte (média superior a 1000 funcionários) e com sede ou grandes filiais no Rio
de Janeiro. Entre as empresas podem-se citar: BNDES, PETROBRÁS, SUSEP,
SERPRO, BANCO DO BRASIL, VARIG, BANCO BOZANO SIMONSEN, BANCO
NACIONAL, ANDERSEN CONSULTING e REDE GLOBO. A taxa de retorno foi de
70%, sendo que a média de respostas recebidas por empresa foi superior a 60%.
Dos 70 respondentes, 54 (77%) são do sexo masculino e 16 (23%), do sexo feminino,
71% se encontram na faixa dos 30 a 49 anos e 66% percebem um salário mensal bruto
de mais de 3000 (três mil) reais (equivalente a aproximadamente US$ 3 .500,0026).
Todos os respondentes são empregados a nível de média e alta gerência, o que, em
teoria, corresponde ao nível com mais oportunidade de expressão individual dentro das
organizações. Com relação ao tempo de trabalho, 28,8% têm até 3 anos de empresa,
27,3 % têm 4 a 10 anos de empresa e os demais 43,9% têm mais de 1 0 anos na mesma
empresa. Dados mais detalhados sobre o perfil dos respondentes estão apresentados no
Anexo B.
Segundo os facilitadores, o questionário foi recebido com bastante interesse pelos
respondentes que não tiveram problemas no preenchimento. Um sinal do interesse dos
respondentes está em que 81 % preencheram a questão deixada em aberto para que
respondessem livremente.
26 T .. ,<. de câmbio: I US$ � R$ 0,85 (jan/95)
1 08
8.1.3 Tabulação dos resultados
Para tabular os resultados, foi criado um banco de dados com o auxílio dos software
DBASE 3.0 e CLIPPER 5. 1 e utilizado o software estatístico SPSSPC 4.0. 1 para o
cálculo da freqüência das respostas e cruzamento de algumas informações. Dadas às
limitações associadas à própria natureza nominal dos dados não foi dado tratamento
estatístico mais sofisticado que a elaboração de gráficos de freqüência.
8.2 Resultados da Pesquisa Realizada
Para facilitar a análise, os resultados da pesquisa estão consolidados em tomo das
variáveis que se queria analisar:
8.2.1 Significado do Trabalho
No primeiro capítulo desta dissertação foram apresentadas diferentes opiniões de
estudiosos a respeito do que significa para o homem, de maneira geral, o trabalho. Foi
visto que existem duas interpretações para o vocábulo "trabalho" - o realizado para
atender a necessidades espirituais ou substantivas (expressão individual e coletiva de
realização) e o realizado para atender a necessidades materiais ou funcionais de
subsistência (fornecer comida, abrigo e vestimenta).
Esta parte do questionário visou trazer à tona o valor que as pessoas, individualmente,
atribuem ao trabalho no nível de sua realização pessoal e definir o significado de
realização para as mesmas através da identificação dos fatores que as motivam.
\09
Com relação ao trabalho como fator de realização pessoal (pergunta I ), 58% dos
respondentes o consideram de grande importância; 36% de razoável importância,
enquanto somente 6% consideram de pouca importância o papel do trabalho atual. A
maior parte das pessoas, incluídas na amostra, portanto, busca no trabalho formal
grande parte de sua realização pessoal. Esta maior concentração, em termos da proposta
de Guerreiro Ramos, apresentada na seção 5. 1 . 1 , confirmaria a dominância que a
dimensão subsistência , nos dias atuais, assumiu na vida psicológica e emocional dos
seres. Tal simbiose, segundo o autor, denuncia a "perda" da dimensão substantiva da
Razão, reduzida à sua dimensão funcional. Entre os participantes desta pesquisa que
estão nas faixas de ocupação de posição de maior hierarquia nas organizações, esta
perda pareceu mais acentuada.
Interrogadas (pergunta 2-GRÁFICO I) a respeito dos fatores que as motivam a se
empenhar no trabalho, 69% apontaram a oportunidade de criar algo; 67%, a satisfação
pessoal; 63%, o desafio que representa e 56%, o ganho financeiro que confere. A busca
de auto-realização, em termos substantivos, portanto, se sobrepõe à busca da
sobrevivência em termos funcionais no "desejo" dos respondentes. É interessante
registrar que apenas 30% colocaram a opção vocacional como um dos motivadores.
Este fato apresenta a simbiose que se deu entre os aspectos substantivos e funcionais da
existência, representada pelo reducionismo da existência a seus aspectos funcionais. As
pessoas estão equacionando sua auto-realização e individuação através de uma
atividade no mercado de trabalho.
110
Gráfico I - Freqüências Obtidas para Motivações
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Tendo em vista testar a acuracidade da argumentação do neo-liberalismo para
incentivar a privatização das empresas estatais, considerou-se relevante, a título de
curiosidade, fazer uma análise dos contrastes ou semelhanças entre as empresas estatais
e privadas, a partir de dados sobre a percepção dos respondentes com relação aos
aspectos humanos levantados pela pesquisa.
o GRÁFICO 11 mostra que a comparação feita dos fatores motivadores declarados por
respondentes de cada tipo de empresa (estatal ou privada) contraria, no grupo estudado,
a expectativa baseada no senso comum sobre empresas públicas e privadas. As
empresas privadas se destacam como motivadoras pela oportunidade de ganho
financeiro; enquanto, as estatais se destacam pela oportunidade de criar algo, assim
como, a satisfação pessoal que proporcionam. Curiosamente, na amostra pesquisada, o
fator "status" foi mais citado pelos funcionários das estatais, enquanto, "desafio" foi
citado igualmente como fator motivador nos dois tipos de empresa.
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Gráfico 11 - Comparaçiiio de Freqüências Oblidas para Motivações
por Tipo de Empresa
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Pode-se especular se nas estatais a garantia de estabilidade aliada ao nível técnico dos
seus quadros e ao não compromisso com o resultado a qualquer custo, fariam com que
o ambiente se tomasse mais propício a se criar algo, enquanto, nas empresas privadas o
compromisso com resultados reduziria a oportunídade de criar.
Na Pergunta 3 foram apresentados pares de adjetivos/substantivos para que as pessoas
localizassem sua situação atual numa escala de 1 a 5. Ou seja, quanto mais próxima de
I estivesse, mais a percepção dos respondentes se aproximaria da visão substantiva do
trabalho. Quanto mais próxima de 5, mais próxima da visão funcional . Uma posição
intermediária, ou seja, 3, indicaria uma divisão do respondente entre as duas
orientações ou mesmo a compatibilização das duas visões conforme cada caso. O
Quadro III abaixo mostra as freqüências obtidas para os pares apresentados. Omitiram-
se, para facilitar o contraste, as porcentagens de observações na categoria intermediária.
1 12
Quadro V: Distribuição de Freqüências Obtidas para cada Par de
Nota-se que, apesar de a atividade atual ser apontada com maior freqüência como
envolvente (trabalho), criativa, gratificante e prazerosa, o fator "desgastante"
desconfirma a tendência de melhoramento da qualidade de vida, no sentido substantivo,
para os indivíduos envolvidos.
8.2.2 Organização do Trabalho Atual e Suas Repercussões
8.2.2.1 Tempo Dedicado ao Trabalho
Ao serem perguntados sobre a proporção de tempo útil que, na sua percepção,
dispensavam ao trabalho (Pergunta 5), 64,3% dos respondentes responderam que
dedicam 60 a 80% de seu tempo à vida profissional. Se se acrescenta a estes os 8,6%
que dedicam mais de 80%, percebe-se que 72,9% dedicam mais de 60% de seu tempo
útil ao trabalho.
Quando interrogados sobre o tempo que gostariam de dedicar ao trabalho (Pergunta 6),
apenas 1 5,8% dos respondentes dedicariam mais de 60% do seu tempo útil ao trabalho,
conforme apresentado no GRÁFICO IlI.
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Gráfico m - Comparação das Freqüências Obtidas para Tempo
Real e Tempo Desejado de Dedicação ao Trabalho Formal
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I _ ATUAL D DESEJADO I
1 1 3
Ao analisar a variação desejada na distribuição do tempo no Quadro IV, observa-se que
80% dos respondentes desejariam reduzir o número de horas dedicadas ao trabalho
(71% em 20 pontos percentuais, 8% em 40 pontos percentuais e 1 % em 60 pontos
percentuais). Enquanto 9% desejariam manter a distribuição, somente 7% aumentariam
sua carga de trabalho atual.
Estes resultados podem ser interpretados como um claro desconforto dos respondentes
com a dedicação atual de tempo ao trabalho.
Quadro VI : Frequência de respondentes por tipo de mudança desejada:
1 1 4
8.2.2.2 Valores Incentivados pelas Empresas
Sendo a maior parte da vida útil dos respondentes dedicada a uma organização, a
pergunta sobre os valores incentivados por estas (Pergunta 7) vem como conseqüência
natural.
Conforme apresentado no GRÁFlCO IV os valores considerados mais incentivados
pelas empresas pesquisadas, segundo os respondentes são, em um primeiro patamar
(acima de 50%): competência (77,1%), honestidade (64,3%), criatividade (65,7%),
participação nas decisões (57,1%) e espírito critico (5 1 ,4%).
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Gráfico IV - Freqüências Obtidas para Valores Incentivados pelas
Empresas
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Valores
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Em um segundo patamar (apontados por 30 a 50% dos respondentes) vmam:
produtividade, competividade, coleguismo, cultura geral, dedicação exclusiva, saúde,
aparência, pontualidade e obediência.
1 1 5
Os aspectos concernentes à vida privada dos funcionários: família, vida social e lazer,
vem num último patamar, merecendo citação de menos de 10% dos respondentes.
A resposta a essa pergunta pode ser interpretada como primeira confirmação da cisão
incentivada pela cultura de trabalho atual entre o aspecto profissional ou funcional do
ser humano, e o seu aspecto pessoal. Vida profissional ou pública e vida privada têm
poucas coisas em comum. Este fato é parcialmente reforçado, quando, perguntados
sobre a harmonia entre essas duas esferas (pergunta 4), 37,7% afirmam que estas são
plenamente harmonizadas, ao passo que 60,7% dos respondentes revelam que suas
vidas profissional e privada combinam-se em alguns aspectos, mas não todos.
O Gráfico V representa uma comparação entre os valores incentivados pelas empresas
estatais e privadas.
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Gráfico V - Comparação entre as Freqüências Obtidas para
Valores Incentivados por Tipo de Empresa
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As empresas privadas incluidas na amostra se destacam por dar mais incentivo à
competitividade, produtividade, dedicação total e criatividade e busca de resultados a
J I 6
qualquer preço. Nota-se também nestas maior culto à aparência. As empresas estatais,
por outro lado, se destacam pelo incentivo dado à saúde e ao coleguismo. Equiparam-
se estatais e privadas no incentivo dados a valores tais como, competência, família,
honestidade, cultura, pontualidade, participação nas decisões, espírito crítico,
obediência.
8.2.2.3 Repercussões
É sabido que as tensões originadas no trabalho se manifestam na forma de estresse
(reação do organismo a agressões de ordem fisica e psíquica que perturbam seu estado
de equilíbrio químico e funcionaI). Este parece ser um "mal" que acomete a maioria das
pessoas submetidas à organização de trabalho atual.
A Pergunta 8 serviu para fazer um levantamento das situações geradoras de grande e
médio estresse no trabalho, apresentadas no GRÁFICO VI.
Gráfico VI - Fatores Considerados Geradores de Estresse
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J l 7
Considerando-se a soma das freqüências obtidas para os fatores geradores de médio e
alto estresse mais de 50% dos respondentes destacaram: a falta de comunicação (mais
de 60%), a desorganização, a discordância com as estratégias adotadas, a luta por
status, a falta de liberdade para administrar o próprio tempo, a insatisfação salarial e a
insegurança quanto ao futuro da empresa.
Entre os fatores geradores de estresse citados por mais de 40% dos respondentes estão:
a insegurança quanto ao próprio futuro na empresa, a falta de descanso suficiente, a
pressão constante por produtividade, a falta de perspectiva profissional e a cultura
organizacional.
Dentre os fatores citados, três podem já ser reflexo da preocupação com as mudanças
que estão ocorrendo nas empresas devido às transformações do trabalho, quais sejam:
insegurança quanto ao futuro da empresa, a insegurança quanto ao próprio futuro na
empresa e a falta de perspectiva profissional.
Os fatores que, segundo os respondentes, não tem tanta influência sobre o estresse são
apresentados no Gráfico Vil.
1 18
Gráfico VII - Fatores Geradores de Nenhum/Pouco Estresse
Fatores
Fazendo a relação entre o estresse e o nível de insatisfação no trabalho, foi feita a
pergunta sobre a freqüência com que se pensa em mudar de trabalho (pergunta 9):
42,9% dos respondentes associaram o pensamento a situações esporádicas que causam
aborrecimentos, ou seja, o nível de insatisfação é suportável; 12 ,9% dos respondentes
afirmaram estar num nível de insatisfação tal que o pensamento é freqüente.
A Pergunta 1 0 averigüava a forma como os respondentes lidam com o estresse.
Conforme apresentado no GRÁFICO VIll, mais de 50% dos respondentes citaram:
ouvir música, ler e praticar esportes. Num segundo patamar, citadas por mais de 40%
dos respondentes, estão a conversa com amigos e os passeios.
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Gráfico vm - Freqüências Apresentadas para Fonnas de lidar
com o Estresse
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Formas
1 19
Observa-se, entre as formas de lidar com o estresse, a predominância da procura por
atividades de lazer voltadas para o externo do indivíduo. As formas de lidar com o
estresse mais intimistas ou voltadas para o interno, tais como: fazer terapia, dedicar-se
a algo mais significativo ou dedicar-se a uma religião foram citadas apenas por 12,9%,
1 1 ,4% e 5,7% dos respondentes respectivamente. O que parece confirmar a tendência
de estender a repressão funcional para a vida privada (superficialização).
A forma de lidar com o estresse parece revelar algo ocorrendo em termos da
passividade/pró-atividade em relação às mudanças. Quando perguntados sobre as
situações que já haviam enfrentado na vida profissional (pergunta 12), 4 1 ,4% dos
respondentes revelaram uma vontade não concretizada de montar o próprio negócio,
contra 1 5,7% que já a concretizaram; 1 8,6% revelaram uma vontade não concretizada
de tirar uma licença para se reciclar, contra 7,1% que já a concretizaram; 2 1 ,4%
declararam já haver perdido o emprego por motivos alheios à sua vontade, contra
1 1 ,4% que pediram demissão por vontade própria sem ter emprego em vista.
120
Finalmente, 44,3% dos respondentes já mudaram de área ou de profissão (sem
considerações se por opção ou por conjunturas). Por motivos alheios ou não à sua
vontade, dentro da amostra pesquisada, as pessoas mostraram uma postura mais reativa
do que pró-ativa em relação às mudanças que se operam em sua vida profissional.
Estes dados revelam ao mesmo tempo a necessidade de mudanças do espírito humano
e a capacidade de vencer no mundo atual as dificuldades para concretizá-Ias.
8.2.3 Mudanças em Curso
8.2. 3. 1 Opiniões e Reações às Mudanças nas Organizações
Quando perguntados sobre a probabilidade de certas situações ocorrerem no futuro com
relação à organização do trabalho de uma maneira geral (pergunta 1 1), os respondentes
consideram alta a probabilidade de haver: maior cobrança por produtividade (75%),
restrição das oportunidades a pessoas mais qualificadas (71 %), maior tensão (57%),
desemprego em alguns níveis (35%) e maior competição interna entre pares (35%).
Revelando o quanto já estão difundidas as mudanças anunciadas pela terceira onda
(pergunta 13), independentemente de terem sido bem ou mal assimiladas, das onze
empresas a que pertencem os respondentes: todas realizaram ou têm em curso
programas de qualidade total; todas (exceto uma) realizaram ou estão sofrendo a
reengenharia; oito realizaram cortes de pessoal (as três que não realizaram são estatais)
e nove trocaram a alta gerência (as duas que não o fizeram são privadas). Estes dados
são indicativos da tendência que se observa no mundo das organizações e confirmam a
convivência com períodos de alguma tensão interna devido às mudanças citadas.
1 2 1
Quadro VII - Mudanças Administrativas Realizadas pelas Empresas:
Na avaliação de 47, 1% dos atores (pergunta 14) a eficácia dessas mudanças foi
considerada pequena, mas significativa, enquanto, 24,3% a consideraram pequena e
não significativa.
Quando perguntados sobre a necessidade destas mudanças para a organização em si
(pergunta 1 5), 3 1 % dos respondentes as consideram essenciais e outros 27% as
consideram essenciais, mas ressalvam que são sacrificantes em termos pessoais. Alguns
respondentes demonstram descrença nas mudanças por considerá-Ia como marketing
para efeitos externos (14%) e como desculpa para reduzir custos ( 1 1%) ou exigir maior
produtividade (12%). Sobre quem são os beneficiários das mesmas (pergunta 16), 47%
ainda acham cedo para avaliar.
8.2.3.2 Opiniões sobre as Mudanças a Nível Global
Neste final de século, o liberalismo econômico e a adoção da tecnologia de informação
incentivam a globalização de mercados e o constante empenho por maior
122
produtividade, com seu corolário mais debatido que é a possibilidade de aumento de
desemprego.
Partindo para um âmbito mais global, ao serem perguntados sobre como estavam
encarando as transformações que estão ocorrendo nas organizações de maneira geral
devido à difusão das idéias neo-liberais (Pergunta 1 7), 2 1 ,4% dos respondentes
revelaram grande preocupação, enquanto 58,6% revelaram apenas alguma preocupação
e 1 8,6%, nenhuma preocupação.
Indo mais além, ao serem perguntados sobre como encaravam a necessidade de tais
mudanças (pergunta 1 8), 5 1 ,4% dos respondentes responderam que são necessárias e
inevitáveis, enquanto 1 7, I %, apesar de considerá-las necessárias, esboçam alguma
dúvida quanto a serem a melhor solução. Apenas 17,1% as consideram perigosas
devido às suas conseqüências sociais maléficas no longo prazo e 7,1 % consideram que
são inadeqüadas por só tratarem do aspecto econômico.
Esses dados demonstram um certo descolamento entre o eu e o outro, ou seja, enquanto
ainda não se é ou não se tem a percepção de ser atingido diretamente pelas mudanças,
suas conseqüências não mobilizam grandemente o interesse. Ao mesmo tempo,
demonstram o quanto se está preso a certa ideologia econômica que só permite ver um
tipo de solução mesmo quando esta solução leve em consideração mais o sistema que o
próprio ser humano.
8.204 Percepções e Capacidade de Crítica quanto ao Paradigma Econômico Vigente e
ao Futuro da Organização do Trabalho
123
Procurou-se levantar como os respondentes percebem as tendências futuras a respeito
da qualidade de vida das pessoas nas empresas, fazendo com que estes expressassem
sua expectativa de melhorar, piorar ou não se alterar, tomada como parâmetro a
realidade atual (pergunta 19). O Quadro VI mostra a expectativa dos respondentes a
respeito de alguns aspectos sociais da organização do trabalho:
Quadro VIII: Freqüência de Distribuição das Percepções sobre Tendências de
Aspectos Sociais da Organb;Jção do Trabalho:
SOClAL DAS
SOCIAL DAS
SENTIDO DO TRABAI,HO PARA A VIDA
Nota-se, primeiramente, grande otimismo dos respondentes em relação à melhora da
qualidade de vida no trabalho em aspectos relacionados a: auxílio da tecnologia,
comportamento ético, significado do trabalho, responsabilidade social das empresas e
das pessoas e valores humanos no trabalho. Estas respostas com certeza refletem a
influência dos contextos político-econômico vividos por nossa sociedade no período da
realização da pesquisa 27
27 Início de governo com a posse, no dia 1/1/95, do Presidente Fernando Heruique Cardoso de formação socio-liberal e promessa de continuidade do Plano de Estabilização da Moeda (Real).
124
Aparentemente as transformações parecem aos respondentes estar em rumo adequado.
o otimismo aparente é discutível à luz dos "empates técnicos" com relação aos
aspectos relacionados com j ustiça social e distribuição de renda. Tintas de pessimismo
são indicadas pela quase certeza de que, em termos de tranqüilidade das pessoas e do
conflito capital/trabalho, a situação vai piorar ou, no mínimo, continuar como está, e
pela certeza de que a garantia de trabalho vai piorar, enquanto o sentido do trabalho
para a vida permanecerá o mesmo.
Este resultado parece confirmar o contraste ou dissociação com que se tende atualmente
a analisar ou considerar os aspectos humano e econômico, quase sempre, subordinando
o primeiro ao segundo, em termos de importância.
Como última provocação, justamente para que os respondentes pudessem expor
livremente suas percepções, foi colocado um trecho do livro de Suzana Albornoz
( 1 992:24) que mexe, ao mesmo tempo que estimula o debate, em conceitos ambíguos
para a sociedade de trabalho atual, tais como: ociosidade, trabalho, privilégio,
liberdade, sentido da vida e modernidade:
"A ociosidade, que tem sido tomada como privilégio de uma
minoria, em futuro próximo poderia estender-se às grandes
massas. Essa possibilidade coloca uma novidade muito estranha
para a mediação e a ocupação de políticos e economistas, que
teriam que providenciar o modo de sustento de multidões semi
ou inativas, assim como traz uma profunda questão de ordem
existencial para os homens modernos em geral. O indivíduo
moderno encontra dificuldade em dar sentido à sua vida se
não for pelo trabalho. A sociedade que está por libertar-se dos
grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, que
desconhece outras atividades em beneficio das quais valeria a
pena conquistar a liberdade."
125
Como esperado, o trecho estimulou o debate (pergunta 20 - resposta opcional) e fez
com que os respondentes trouxessem à luz as ambiguidades do sistema atual e,
conseqüentemente, expressassem suas inquietudes, angústias e dúvidas a respeito de
um tema que está sempre tão próximo, afeta tanto seus atores, mas raramente é
debatido por estes: a organização do trabalho. A realidade cultural brasileira, como não
poderia deixar de ser, perpassa e estimula algumas opiniões.
Como ilustração das ambiguidades trazidas à luz pela pesquisa, foram selecionados
trechos das respostas que se relacionam a conceitos ou idéias que são mencionados no
texto.
a) Sobre o conceito de ociosidade:
Foram observados dois tipos de interpretação. Uma parte dos respondentes o
interpretou como tempo livre que as pessoas dedicariam a outras atividades, o que
representaria privilégio, como demonstram os trechos a seguir:
o Não creio que o lazer (ou a ociosidade) venha a se estender às grandes massas. Quando muito, acho viável que o número de beneficiados cresça ao longo do tempo.
o Talvez, cerca de 50% do tempo hoje dedicado ao trabalho poderia ser despendido com atividades que também complementariam a essência do ser humano.
o Entendo ociosidade como um conceito de lazer aumentado.
o Em vez de multidões inativas imagino multidões trabalhando 3 ou 4 horas por dia e ganhando o suficiente para usar as horas livres em lazer.
o Não é verdade que a minoria que não trabalha vive na ociosidade. Eles tem outras atividades que lhes proporcionam enorme satisfação e realização pessoal.
126
Outra parte, porém, interpretou como tempo parado, que a pessoa não poderia/saberia
ocupar, representando inatividade:
• A questão subjacente ao parágrafo acima nos parece ser o tédio. Que é uma questão filosófica e existencial até então restrita à elite.
• Não creio que haja ou que possa haver ociosidade, porque, não obstante a tecnologia ter invadido o espaço do homem, este é suficientemente capaz de criar a sua própria ocupação, quando da ociosidade se assim desejar individualmente.
• A ociosidade não é nem nunca foi um privilégio. O descanso bem aproveitado, após uma jornada de trabalho, sim, é privilégio de poucos.
• Ociosidade!! I Que privilégio é esse?
• Ociosidade não é privilégio.
• Primeiramente, não acredito que o ócio seja privilégio de ninguém
• Não concordo e nem quero que a ociosidade seja instituída de fonna geral. Seria um caos social e econômico. O ócio leva a desordem mental e, consequentemente, ao desaparecimento da raça humana.
Um dos respondentes tentou explicitar a origem da ambiguidade sentida através da
seguinte análise:
• O texto mostra um conflito (contraste) claro entre duas faixas sociais: uma de média para alta, outra de média para baixa.
Poucos se preocuparam com as causas da ociosidade proposta no texto:
• Acho pouco provável que a ociosidade (exceto o desemprego, que é ociosidade forçada) venha estender-se às grandes massas.
• Não há dúvida de que, a partir da automação crescente, a única solução viável para o desemprego será o menor número de horas trabalhadas.
b) O significado de Trabalho:
Também apresentou mais de uma interpretação. Alguns lhe deram o significado de
atividade realizada para a sobrevivência (racionalidade funcional):
127
• O trabalho para a maioria dos brasileiro é um meio de vida . . É o mecanismo de sobrevivência na nossa sociedade tão injusta. Grande parte dos homens não tem opção de escolha de trabalho.
• O trabalho é necessário seja para ocupação do tempo, meio de sobrevivência ou busca do desconhecido.
• O trabalho tem o condão de nos fazer sentir úteis e valorizar nossos períodos de ociosidade/lazer.
• O homem desde sua orígem teve sempre que trabalhar para obter alguma coisa, fazia parte da relação de troca - este trabalho foi sempre motivo de adaptação e adequação ao habitat.
• Ainda está profundamente arraigado o binômio trabalho X sustento dentro das sociedades.
• O sustento do homem sempre veio do trabalho e sempre virá, seja ele livre ou não. O trabalho existe. Falta ao homem querer trabalhar ou, ao menos, encarar como meio de vida o trabalho.
• O trabalho é apenas parte das nossas vidas e não deve ser mais do que isso.
Outros lhe "cobram" o significado de atividade realizada para a realização individual
(racionalidade substantiva), porém se mostraram hesitantes com relação à possibilidade
de o trabalho atual poder atender esta aspiração:
• O trabalho é um elemento fundamental para a realizaçã% cupação da mente do individuo, mas rouba inegavelmente, uma parcela significativa do tempo.
• Quando a sociedade tiver seus trabalhadores atuando por vocação profissional e não por resultados financeiros, trabalho e hobby fundir-se-ão e não teremos mais medo das transições.
• O trabalho, em última instância, é a produção mais palpável que emana do ser humano, e funciona como um elemento de confirmação do papel do individuo neste mundo. Por isso é a base do conflito que se instaura para qualquer individuo: trabalho enquanto meio de vida ou trabalho como elemento que permite viver?
• Quanto ao trabalho, se for possível encarar o trabalho como atividade lúdica, criativa e gratificante, os aborrecimentos que o mesmo possa determinar serão minimizados; o que é uma utopia.
Grande parte dos respondentes deixa transparecer que o trabalho é uma atividade
realizada para cumprir com uma obrigação de sustento, mas que, devido à absorção do
tempo que demanda, acaba representando um das únicas opções de ocupação em busca
de sua realização como ser humano.
c) O trabalho e o sentido da vida do ser humano:
Quando provocados em relação à simbiose das racionalidades substantiva e funcional
contida na frase em negrito que representa a consagração do trabalho, alguns
128
respondentes reagiram discordando de forma veemente e questionando as influências
ideológicas desta/nesta afirmativa:
• Me parece um pouco com a idéia que existia que dando liberdade aos escravos eles não saberiam e nem poderiam sobreviver sem ter um "senhor" para cuidar deles.
• Este é um mote que vem sendo repetido, repetido, repetido, repetido. Suponho que para convencer as pessoas. Será que as pessoas acreditam nisso?
• O homem moderno não pode se ater a definições pré-históricas em que "grilhões do trabalho" imperam. O trabalho, junto com o lazer, a familia, e outros fazem parte da vida normal de um ser humano.
• A atividade de trabalho traz sentido na vida, mas não é o único sentido. Na realidade deveria ser um meio, um campo experimental de convivência de observação e domínio dos próprios pensamentos.
• As pessoas para as quais o trabalho é gratificante, por sua própria disposição de encarar situações, tenderão a encontrar outras formas de gratificação. Para os neuróticos quanto ao trabalho, a solução é de natureza psicoanalítica.
Por outro lado, alguns concordaram e mostraram que a simbiose está presente:
• Já se observa a citada dificuldade em dar sentido à vida em aposentados. Muitos chegam a esse momento completamente despreparados para lidar com a tão esperada "liberdade", adoecendo em seguida.
• Conheço vários exemplos de pessoas que tem dificuldade em dar sentido à vida fora do trabalho. Creio que isto tem a ver com a falta de cultura das pessoas. Por cultura entendo o interesse pelas artes, pela sociedade, pelas ciências, etc.
• Realmente as pessoas são "escravas"(por opção) do trabalho, não conseguindo se ocupar com outras coisas, por longo tempo.
• Com o desenvolvimento da sociedade e a transfomnação dos valores, o trabalho ganhou uma posição de destaque sendo a mola mestra dos valores e da ordem existencial para os homens.
• Não conheço nenhuma proposta concreta de como atacar as 2 questões, a de modo de sustento e a relativa ao sentido de vida sem ser pelo trabalho.
• Isso será um questionamento milenar que se retroalimenta ao longo das gerações, o que prova que o ser humano está totalmente atrelado ao trabalho, mesmo em suas horas de lazer.
Alguns afirmaram que o indivíduo moderno, ou da nova geração, busca, cada vez mais,
o sentido da vida em outras ativídades além do trabalho, o que confirmaria a
desconsagração apontada por Lévy-Leboyer:
• O indivíduo que encontra dificuldade em dar sentido a sua vida se não for pelo trabalho não é moderno. É doente e precisa de psiquiatra.
• O homem moderno não pode se ater a definições pré-históricas em que "grilhões do trabalho" imperam.
129
• O indivíduo moderno não encontrará dificuldade em dar sentido à sua vída se o processo de transição para uma vida mais ociosa ocorrer de forma gradativa.
• Além do trabalho em si, penso ser fundamental a pessoa ter interesses outros como, por exemplo: arte, música, cinema etc. e causas: paixões pelas quais valha a pena lutar e viver com significado.
• O ser humano da nova geração, que como tal, já traz um caminho de desenvolvimento interior, tem no trabalho uma das suas fontes de satisfação, mas há muitas outras: o amor em família, O conhecimento do mundo e das artes, o trabalho social.
Por outro lado a opinião de outros mostra que essa desconsagração é difícil:
• O trabalho é colocado, no mundo moderno, como o fator preponderante na vida do indivíduo. Esse aspecto faz com que a vida pessoal e profissional se confundam de tal forma que não se consegue separar "os lados�·.
• Estes valores, difundidos e enraizados durante milhares de anos pelas pessoas, vêm até se acentuando na medida em que a chamada "sociedade de consumo de massa" cada vez mais enfatiza a conquista de bens materiais com satisfação crescente (carros cada vez mais luxuosos, aparelhos domésticos mais complexos e até mesmo casas com acessórios nem sempre voltados apenas ao essencial).
• A falta de sentido na vida, hoje apoiada no trabalho, tomará as pessoas infelizes, caso não sejamos capazes de descobrir o que fazer.
• Eu diria que o individuo em qualquer ocasião (não apenas agora) tem dificuldade em dar sentido à vida se não se dedica a alguma coisa. Parece que a sociedade está escravizada pelo trabalho, quando na realidade ela trabalha para viver.
d) O papel das ideologias na formulação de conceitos:
Alguns respondentes deixaram entrever como a influência das ideologias se dá na vida
das pessoas:
• É tudo uma questão de educação. Somos educados para trabalhar ("o que você vai ser quando crescer?") Se formos educados em outros padrões . . .
• A sociedade não está por ser libertada dos grilhões do trabalho. Quem não trabalha é encarado como "margina1" à ordem vigente. Não vejo como provável uma alteração no status quo do equilíbrio população trabalhadora x ociosa.
• O trabalho é colocado, no mundo moderno, como o fator preponderante na vida do individuo. • Os valores das sociedades em geral ainda estão muito atrelados a "produção" e é por estes
valores que os indivíduos são medidos. É óbvio a dificuldade de se ir contra a corrente.
Enquanto outros apontaram qual é a ideologia vigente:
130
• Na sociedade capitalista em que vivemos, o trabalho é a mola propulsora da vida dos individuos que supre necessidades de subsistência e, sobretudo, necessidades psíquicas de ocupação e valorização do ser humano.
• Os vetores éticos sobre os quais se apoiam as civilizações ocidentais apontam, milenarmente, para a ética do trabalho.
• Os trabalbadores são "reféns"do capital, e todo o paradigma social vigente se refere a esse estado de coisa. A partir do momento que o capital não necessitar intrinsicarnente de mão-de-obra humana intensiva haverá aqueles que passarão a descobrir novas formas de "ver"a vida e encontrar naturalmente atrativos.
• O capitalismo veio para salientar ainda mais o valor do trabalho, com a religião protestante sendo a corrente filosófica vigente.
e) Julgamento a respeito das mudanças apontadas no texto:
Verifica-se a percepção dos respondentes sobre a ideologia vigente através dos
comentários sobre as mudanças sugeridas por Albornoz no texto. As respostas obtidas
revelam que alguns estão otimistas e satisfeitos com a ideologia vigente:
• Acredito que o trabalho irá mudar de foco, tomando-se muito mais pessoal, ou seja, as pessoas procurando uma realização e não uma obrigação
• Por acreditar na grande capacidade de adaptação do ser humano e diante do futuro não muito proDÚssor que se apresenta, tenho certeza que poderemos, juntos, construir um mundo melhor.
• Vejo como concreto o aumento das atividades de lazer O que aumentaria a qualidade de vida que também seria melhorada pela menor pressão de tempo (distribuição ao longo do dia dos meios de locomoção) com a redução da carga de trabalho.
• Inevitavelmente a escalada tecnológica interfirirá nas camadas sociais interferindo no desenho social conhecido. Porém, há esperança que esta mesma tecnologia produza necessidades e afazeres para as pessoas de modo que não percam o sentido em relação a razão de viver.
• A sociedade se encarregará de naturalmente, absorver este aumento de lazer. Não haverá ociosidade e sim um aumento do tempo dedicado a outros afazeres naturais (grifo meu) do ser humano como: viajar, consumir, estar com a fanúlia. A sociedade como um todo se adaptará aos novos tempos.
Outros estão pessimistas, mas não questionam a ideologia vigente:
• Estamos longe de encontrar uma solução para esta questão. O alto desemprego na Europa é um exemplo disso. Provavelmente veremos um aumento no desemprego e uma piora na distribuição de renda a nível global, até que o setor de serviços (lazer) aumente sua participação na econoDÚa, reduzindo então o desemprego.
• A exigência de constante aprimoramento profissional, cultural e pessoal coloca novos desafios. O hiato entre qualificados e não qualificados aumenta e aumentará.
• "Se ser livre é passar fome, melhor não ser livre não" ( Chico de Assis - Zé da Silva) 1963 • O dilema tecnologia X emprego é uma das grandes questões deste final de século, pois o avanço
crescente da tecnologia tem se voltado muitas vezes contra a própria sobrevivência em termos
1 3 1
profissionais, onerando os Estados na manutenção da grande massa de inativos e insatisfeitos, ampliando as desigualdades sociais e acirrando todo tipo de racismo e preconceitos, numa disputa (sangrenta muitas vezes) intensa pelo "lugar ao sol".
Outros se apresentam descrentes:
• Não conheço nenhuma proposta concreta de como atacar as 2 questões, a de modo de sustento e a relativa ao sentido de vida sem ser pelo trabalho.
• Mudanças como estas são processos lentos e silenciosos. Será que chegamos lá? • Acredito que, no fim do século vá haver transformações culturais relevantes porém não capazes de
mudar a estrutura social de forma radical. Novos espaços serão criados sem transformar o status quo.
Alguns, porém, apontam para a necessidade de que as mudanças sejam mais profundas:
• A humanidade precisa repensar seus valores e padrões tecnológicos pois a busca pela competitividade pura e simples está levando a conflitos sociais crescentes, voltando-se contra o objetivo principal que é a própria qualidade de vida do ser humano em seu aspecto global.
• O mundo está mudando. Eu só acredito no processo do auto-desenvolvimelllo pessoal e profissional.
• O que eu acho é que as pessoas tem que ser "boas ", esse "boas" tem um sentido muito profundo para mim. Todos tem direito a chances de melhorar sua vida, a ambição humana atrapalha tudo isso, sinceramente acho muito dificil o ser humano melhorar, mas ao mesmo tempo acho dificil, porém, passivel, ainda tenho um pouco de fé.
• A segurança oferecida estará na resposta que se dará a dois questionamentos de suma importância: a) ensinos calcados na verdade, nos fatos e nas realidades; b) onde o participante é continuamente solicitado a reconhecer a si mesmo e a melhorar, buscando libertar-se das imperfeições, das superstições, do comodismo e das aparências ilusórias.
Com relação à realidade brasileira as mudanças apontadas no texto suscitaram os
seguintes comentàrios:
• Acho o texto ainda muito distante da realidade brasileira. Nosso pais, em primeiro lugar, tem muito para crescer e aumentar a força de trabalho até chegar no nivel descrito pelo texto.
• No Brasil, por mais desemprego formal que exista sempre há vaga na dita "economia informal". • As grandes reformas, no Brasil, ainda estarão sendo iniciadas pela estabilidade da moeda, garantida
pela redução da participação do Estado na vida econômica. O resgate da chamada dívida social exigirá outras medidas e um prazo mais longo de realização. A mudança das organizações trará desemprego e subemprego, ao mesmo tempo em que o crescimento econômico e as políticas compensatórias do Estado não serão suficientes para absorver ou amparar essa massa de "novos desassistidos" .
132
• Seguir a cartilha do primeiro mundo sem levar em consideração nossas tradições políticas, econômicas e sociais não proporcionará resultados satisfatórios. O processo de mudança é a longo prazo.
• As transformações pelas quais passam as empresas modernas devem contemplar a realidade brasileira, ajudando no investimento e educação de qualidade a todos os brasileiros e na área de saúde de forma que todos os brasileiros tenham suas aptidões desenvolvidas.
8.3 Análise dos resultados
Os resultados confinnam, de certa fonna, para a amostra de indivíduos pesquisados, os
conceitos e estudos apresentados nos capítulos anteriores a saber:
• os valores incentivados pelas empresas;
• a divisão entre a vida privada e a profissional provocada pela segunda onda;
• as crescentes pressões devido às mudanças que estão ocorrendo nas organizações;
• a passividade do ser humano como voz ativa frente a esses tipos de decisões; e,.
• o tremendo poder de adaptação (mímesis) do indivíduo ao meio que o cerca.
Pode-se confinnar, também, que esta adaptação não é completajá que se o fosse não se
manifestariam males como o estresse e a insatisfação.
As respostas parecem ilustrar, também, o tremendo poder da ideologia econômica
dominante que, mesmo sem agradar a todos, vai se impondo como "necessária,
essencial e inevitável" e, ao mesmo tempo, deixando-nos cegos para suas seqüelas
sistêmicas no nível social e, conseqüentemente, individual.
Um dos respondentes chama a atenção para o fosso que se abriu entre as classes sociais
no Brasil. O conceito de ociosidade quando analisado do ponto de vista da classe
média-alta ou alta, é interpretado como promessa de maior lazer, enquanto do ponto de
133
vista da classe baixa e média-baixa é interpretado como ameaça de inatividade forçada
e exclusão.
A ansiedade por diminuição da carga horária de trabalho (com a ressalva de que se
possa ter uma renda suficiente para que as horas livres conquistadas possam ser
aproveitadas) é clara na maioria das pessoas, apesar de os respondentes pertencerem ao
escalão das empresas geralmente associado a maior possibilidade de "realização".
o desejo de dissociação entre o trabalho substantivo (necessidade de realização pessoal)
e o trabalho funcional (necessidade de sustento) também fica claro. A maioria das
pessoas, se pudesse, eliminaria ou transferiria para outrem ou outra coisa a provisão do
sustento.
Quanto à ociosidade apontada no texto, seu significado é tempo livre gerado pela
ausência de oportunidades suficientes no mercado formal de trabalho. Apesar de o
parágrafo estar se referindo ao futuro em países desenvolvidos, pode ser transplantado
perfeitamente para o nosso presente. A realidade apregoada no parágrafo já é presente
para a grande maioria dos brasileiros que desfrutam da ociosidade por falta de
oportunidade no mercado formal. Tal ociosidade, porém, como alguns respondentes
perceberam, não é relacionada ao excesso de produtividade/riqueza alcançada, mas
forçada pela má distribuição de renda, educação, saúde e condições mínimas de
assistência. A minoria que encontra oportunidades no mercado formal de trabalho,
como demonstrado na pesquisa, não está totalmente satisfeita com as condições que
encontra. Além de não satisfeita, sofre a "ameaça" de perder este "privilégio" com o
encolhimento do mercado de trabalho, em conseqüência de novos padrões de
134
organização. Economistas, políticos e população já demonstraram, dentro dos valores
atuais, suas limitações para solucionar este problema. Será que esta realidade seria
diferente para os países desenvolvidos?
Parece claro que a forma de organização da sociedade atual não só tirou das mãos dos
indivíduos a solução de seus problemas pela dimensão e complexidade que estes
passaram a abarcar como também por não oferecer subsídios para o desenvolvimento
de sua capacidade crítica a respeito destes problemas. Os indivíduos, assim, tem que se
adaptar a soluções que lhe são oferecidas e a suas conseqüências de forma cada vez
mais individual. Ou seja, a postura das pessoas, confirmando o modelo de Toynbee, é
de passividade diante das soluções apontadas por uma minoria. Poderia ser de outra
forma? Em tomo desta questão se desenvolve o próximo capítulo desta dissertação.
CAPÍIUW 9
CONCLUSÕES
Seráfimdamental compreender-se que a realidade não é algo dado,
que está aí se oferecendo aos olhos humanos, olhos que simplesmente
a registrariam feito um espelho ou cámerafotográfica.(..) Pelo
contrário: o homem é o constnltor do mundo, o edificador da
realidade. (..)0 paradoxo mais gritante é que, senda o homem o
construtor da realidade (. .) percebe-se como estando 51/bmetido à
realidade, como sendo conduzido por forças (naturais ou sociais)
sobre as quais ele não tem e I/ão pode ter cOl/trole algum.
JOÃO FRANCISCO DUAR1E JÚNIOR
135
Na revisão bibliográfica realizada fica patente que a fonna como uma sociedade se
organiza para dar conta das necessidades básicas dos seres que a compõem, em suma, a
organização para o trabalho, tem enonne influência sobre a saúde fisica, psicológica e
espiritual de cada indivíduo-membro. A multiplicação de neuroses, o aumento da
violência e da insegurança nas sociedades de mercado modernas são sintomas
inequívocos e evidentes de uma "doença" gerada pelo padrão de organização adotado.
A pesqUisa teórica realizada no processo de desenvolvimento desta dissertação
demonstrou que a transfonnação que se faz necessária para debelar esta doença é mais
profunda que a simples reestruturação das organizações produtivas e a adoção de novas
técnicas administrativas ou de pacotes econômicos neo-liberais confonne os fonnadores
de opinião atuais querem fazer crer. A transfonnação que se faz necessária é a
1 36
desmistificação e o desmantelamento da ditadura da lógica de mercado no discurso
(praxis) que vem sustentando as sociedades ocidentais nos últimos 300 anos e que,
apesar de todos os sinais de sua nocividade para a saúde psicológica e espiritual do ser
humano, continua sendo "vendida" corno solução absoluta e inquestionável.
Convém salientar que a Autora discorda em parte, portanto, da colocação de Hannah
Arendt (item 2.2. 1 ), pois considera que a praxis nunca deixou de existir, no sentido de
discurso que dá origem à ética. Na verdade, a praxis foi contaminada pela lógica de
mercado.
Ao analisar as conseqüências de não se contemplar e integrar as diferentes dimensões
humanas nas transformações por que passa a sociedade produtiva, a Autora apresentou
a enorme distorção que a lógica do sistema econômico atual provocou e provoca nos
valores humanos básicos para a convivência em sociedade.
Lentamente o exercício de certos valores humanos corno justiça, solidariedade,
tolerância, respeito e confiança, que requerem um certo grau de conhecimento e
interdependência, foi sendo impossibilitado pelas transformações produzidas nas
sociedades de forma a atender a lógica do sistema de mercado que precisava: criar
"consumidores", concentrar mão-de-obra para a produção em massa, promover a
especialização e a divisão hierárquica para controlar a produção, gerar necessidades
novas para mover a economia, e tantos outros exemplos citados no capítulo 3.
As condições básicas para que cada um desenvolva plenamente sua individualidade
(ser) que seriam: tranqüilidade, respeito, tolerância e cooperação foram destruídas pela
1 3 7
lógica de mercado que, em seu lugar, estimula a competição e incentiva o
individualismo. A cooperação só é incentivada com base em interesses comerciais
(ter). Este quadro revela o reducionismo que caracteriza as ideologias que sustentam a
lógica da sociedade de mercado.
Ao reproduzir a trajetória das idéias que propiciaram o surgimento e a instalação da
organização do trabalho adotada por nossa sociedade e suas conseqüências para o ser
humano, a Autora pretendeu desreificar a lógica da sociedade de mercado baseada em
resultados puramente econômicos como a melhor opção para se organizar uma
sociedade, permitindo a revisão dos princípios e premissas que estão por trás das
transformações incentivadas atualmente nas organizações. Ficou demonstrado que,
apesar dos desequilíbrios emocionais e psicológicos provocados por este tipo de
organização, a lógica de mercado está sendo levada ao extremo e as transformações
apregoadas, com todos os recursos de marketing disponíveis, são uma tentativa de lhe
dar uma sobrevi da.
Tentando entender a passividade do ser humano frente às transformações que lhe são
"impostas" pelos formadores de opinião, ficou claro para a Autora que esta é
conseqüência da forma de reprodução de valores adotada na sociedade. Os programas
das escolas e universidades estão voltados para treinar os indivíduos (educação para o
externo) dentro desta lógica de mercado e não para/ormar indivíduos (educação para o
interno) que saibam pensar, questionar e gerar outras soluções. A criatividade que se vê
incentivada ainda está confinada à da própria lógica de mercado.
138
Desta fonna vão se limitando as potencialidades do indivíduo e este acaba ficando
dependente do sistema que lhe é inculcado, pois, confonne foi apresentado, as pessoas
tendem a reificar a realidade que lhes é dada. A pesquisa de campo realizada foi uma
amostra desta disfunção educacional . Das pessoas entrevistadas, poucas questionaram
a lógica do sistema em que VIvem (por ex: conceitos de
ociosidade/trabalho/produtivídade, modernidade e progresso). As conseqüências desta
lógica são tomadas como dados de uma "realidade" com que se deve aprender a
conviver. Não têm sido oferecidas oportunidades para desenvolver a cidadania. Em
outras palavras, a capacidade e vontade de debater e interferir nos valores da
organização da sociedade parece adonnecida.
o interesse levantado pela pesquisa entre os respondentes do questionário pareceu
demonstrar que a questão é relevante e desperta a curiosidade. O instrumento utilizado,
no entanto, por sua limitação, não pennitiu uma avaliação mais profunda das questões
abordadas na revisão bibliográfica. É possível que a percepção de uma visão
aparentemente engajada, acrítica e otimista, por parte dos respondentes ao questionário,
não resistiria a uma investigação mais profunda da satisfação/insatisfação das pessoas.
O instrumento mostrou não ter sido o mais apropriado para transpor o pudor natural
das pessoas e alcançar o que vai verdadeiramente no seu íntimo. O desconforto, a
angústia e as inquietudes mais profundas, à falta de espaço e ambiente propícios para
manifestar-se, não se revelam facilmente. Acrescente-se ainda que, na lógica vigente,
podem ser considerados "fraquezas" ou "incapacidade de adaptação".
Ficou claro, no entanto, que as pessoas, como afinnava Berger, ainda são atualmente
condicionadas a buscar no trabalho a sua realização pessoal como ser humano, o que
1 39
na maior parte das vezes não é possível pela própria organização e valores adotados
pelo sistema.
Com relação ao papel dos "cientistas" sociais no debate destas transformações, viu-se
que estes foram "empurrados" para segundo plano, pela lógica de maximização e
urgência de resultados econômicos. O "encantamento" provocado pelo "sucesso" da
racionalidade funcional fez com que as carreiras profissionalizantes passassem a ser o
foco de todos os investimentos e atenções nas últimas décadas. Apesar de ainda se
observar esta predominância, a Autora espera que a maior divulgação das
conseqüências humanas que essa visão unidimensional de progresso provoca, como as
apresentadas nesta dissertação, promovam uma reversão neste quadro. Considerando
que a capacidade de sobrevida da lógica de mercado como ditadora da "melhor" forma
de organização para atendimento das necessidades humanas já se estendeu mais do que
deveria, um papel mais ativo dos cientistas sociais e humanos já se faz imprescindível.
Que condições seriam mais propicias para atender o desafio e propor novas soluções
para a organização das sociedades é questão para futuros estudos.
Conforme enunciado no inicio desta dissertação, esta tinha o propósito de esclarecer se
o trabalho está sendo utilizado para melhorar a vida do homem ou se vem ocorrendo
justamente o inverso. Como Autora penso que o objetivo de lançar luz sobre a questão
foi plenamente cumprido; no entanto, caberá ao leitor interessado julgar tal mérito.
A busca de esclarecimento para este interrogante constituiu o processo de caráter
bastante interativo, ao longo do qual muitos conceitos até então ambigüos se
esclareceram. Quanto menos fosse, muitas das inqüietudes que motivaram o esforço
1 40
encontraram ressonância e melhor definição na palavra de muitos dos autores
pesquisados.
No entanto, fica também evidente que vozes que se tentam fazer escutar nem sempre
são ouvidas, simplesmente porque destoam da lógica de sustentação do sistema.
Também foi esclarecido que o processo de mímesis só pode ser rompido a partir da
emancipação do ser humano como indivíduo dono de uma razão substantiva própria.
No entanto, como adverte Duarte Júnior ( l989,p.58):
"é impossível ao indivíduo sozinho manter uma concepção
discordante do universo simbólico em que está. [ . . . ] Sozinho
ninguém constrói uma (nova) realidade. [ . . . ] Alternativas a um
determinado universo simbólico apenas são possíveis quando
sustentadas por um grupo de indivíduos divergentes, que
mantêm e compatilham entre si esta diferente visão da
realidade. "
A Autora espera que esta dissertação desperte outras pessoas para a importância desse
debate e que sirva de alerta para o efeito pernicioso que pode causar a postura
reducionista (não livre de comprometimentos éticos) dos formadores de opinião, em
qualquer nível e em qualquer campo de conhecimento.
141
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ANEXO A 144
A á,ea de O,sal'\izaçães do Jl'\stitedo de P6s-s,ad"ação em Admi"ist,açõ.o de 6mp,esas da lAFR,3 - COPP6AD vem desel'\volvel'\do est"dos e pes9"isal'\do c.a.mil'lhos pa ... a. a .... elaçâo se ... h«mano - o,...sanizoçôes pl"Odt.\tivas.
A presente pes9uisa visa. t ... a.zer Sl..\bsídios pal"a LU1'\C\ tese sob ... e liA DJM6NS;ÃO +-I lAMANA NAS TRANSFORMACÔGS DO TRABALHO")' e tem po ... objetivo entt"o,... em cOl'\ta.to com as l"epel"clA.ssões, na vida das pessoas, das +I"ansfot"maçães no t ... abalho qlA.e vem se ... epl"'odlA.zindo nas o,,"sa.nizaçôes b ,..asileÍt·"as, eM vista da elobalizaçâ.o do me,"ca.do e em t'\ome da p,od"tividade.
CoMO a prit'\cípio.l o p ... incipal alvo das mv.danças tem sido o hível ge ... et'\cial da.s emp,...esas, gostaría.mos de colhe ... suas opit'\iões e sensações a. respeito do impacto (positivo 0lA. negativo) que as mesmas vem cC\L1.sando no. vida de cada. tA.m como pessoa. jnteSl"o.l (V\ão somente 1'\0 aspecto Pl"opssiono.l).
t.sfe CflA.estionát'io teM a intençã.o de set'Vi .... como L\M espaço pa .... a exp .... essão desses sentimentos. As pe"'SL\l'\tas são, po...tanto, me ... as il'\centivadoras e SL\ias de aqL\ecimento para o diálofjo, porlanto, Cfl.o1.ep"endo ac .... escentap" als"m depoimento sil'\ta-se inteit'"amente a vontade em fazê-lo.
Par-Q incenfivap" esta liberdade de expp"essão, não pedimos identificação ao final do 9lA.estionéu"'io (nado. impedil'\do 9L\e o faça, caso tel'\ha inte ... esse pelo aSSlA.nto e CJCA.eip"a deset'\volve'" f.....tCA. .... os col'\tatos).
Temos cerla lou"9ência 1'\0 .... ecolhimel'\to da pesCfL\isa, po.... isso, solicitaríamos Cf",e, have..,do intep"esse e m par"ticipap" com s",a opit'\ião, o fizesse o mais rápido possível (o pp"azo Máximo é de ",ma semana), devolvendo a pesq",isa, já no envelope lacP"ado, à. pessoa qCA.e a fo .... nece"'. Ca.so não haja i nteresse ot.\ viabilidade de fazê-lo, pedimos q",e devolvam de imediato o mate .. ial, pa. .. a q",e possamos pa.ssá-Io a o",tras pessoas.
As ... adecemos de todas as tnCH'\ei,...as pOI" sua atel'\ção.
ANEXO A
DADOS PARA FINS ESTATÍSTICOS:
I) Sexo: O Masculino O Feminino
2) Faixa etária: O 20-30 O 30-40 O 40-50 O mais de 50
3) Estado Civil:
O Solteiro(a) O Separado( a) o O 1- casamento o O 2- casamento O Outros _____ _
4) Em que nivel hierárquico se encontra na empresa em que trabalha (marque com um X):
(a)
(b)
(e)
(d)
(e)
5) Área de atuação da sua empresa: __________ ,0 Estatal O Privada
6) Porte da empresa (N. de funcionários): ___ _
7) Sua área de atuação há __ ano(s).
O Produção (atividade fim da empresa) O Administrativo O Marketing O Comercial O Financeiro O Outros: _____ _
8) Faixa salarial (salário bruto):
O abaixo de R$ 2000,00 O entre R$ 2000,00 e R$ 3000,00 O entre R$ 3000,00 e R$ 4000,00 O acima de R$ 4000,00
145
ANEXO A
PESQUISA A DIMENSÃO HUMANA NAS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO
I ) Como avalia a importância do seu trabalho atual a nível de sua realização pessoal?
(a) Pouca (b) Razoável (c) Grande
2) Quais as razões que levam você a se empenhar neste trabalho?
(f) oportunidade de criar algo
146
(a) ganho financeiro (b) opção vocacional (c) status que confere (d) desafio
(g) oportunídade de fazer contatos sociais
(h) satisfação pessoal
(e) garantia de segurança e estabilidade (i) outros, ______ _
3) Considerando os pares abaixo como pontos extremos de uma escala de 1 a 5, que classificação você daria à sua atividade atuaI ?
(a) trabalho (j) @ @ @ @ emprego
(b) prazer (j) @ @ @ @ obrigação
(c) criativa (j) @ @ @ @ rotineira
(d) gratificante Q) @ @ @ @ não gratificante
(e) tranqüila Q) @ @ @ @ desgastante
4) Na sua opinião, sua vida profissional e sua vida privada?
(a) são conflitantes (b) combinam-se em alguns aspectos, mas não todos (c) são harmonizadas
5) Atualmente, que proporção de tempo você dispensa à sua vida profissional?
(a) menos de 20 % (b) de 20 a 40 % (c) por volta de 50 % (d) de 60 a 80 % (e) mais de 80 %
6) Se pudesse, alteraria esta proporção para quanto?
(a) menos de 20 % (b) de 20 a 40 % (c) por volta de 50 % (d) de 60 a 80 % (e) mais de 80 %
ANEXO A 147
7) Assinale os valores que lhe parecem incentivados por sua empresa, ou seja, características profissionais e pessoais que são recompensadas quer por vias formais quer por vias informais:
(a) cornpetitividade (I) busca de resultados a qualquer (b) produtividade acima da média custo (c) competência (m) criatividade (d) dedicação total (n) participação nas decisões (e) vida familiar saudável (o) espírito critico (f) honestidade (P) cumprimento de ordens (g) vida social intensa (q) saúde (h) aparência (forma de vestir, etc) (r) coleguismo (i) aperfeiçoamento cultural (s) fazer horas extras (j) lazer (t) outros (k) pontualidade
8) Estão listadas, a seguir, algumas situações geradoras de estresse no trabalho. Para cada uma delas atribua um grau conforme sua condição pessoal atual.
(N= Nenhum P= Pouco M= Médio A= Alto estresse)
(a) insegurança com relação ao futuro da empresa ( )
(b) insegurança com relação ao meu futuro na empresa ( )
(c) confusão com relação aos valores éticos estimulados pela empresa ( )
(d) insatisfação com o conteúdo e importãncia do trabalho desenvolvido ( )
(e) ambiente competitivo no trabalho( ) (f) forma de tratamento da chefia ( ) (g) falta de motivação ( ) (h) problemas de saúde devido a tensão da
função ( ) (i) falta de descanso suficiente ( ) (j) pressão constante por produtividade ( ) (k) temor de estar ficando "obsoleto" ( ) (I) falta de perspectiva de crescimento
profissional ( ) (m)insatisfação salarial ( ) (n)problemas com funcionários( ) (o) desgaste em casa devido a prioridade
dada ao trabalho ( ) (p) falta de compreensão por parte dos
familiares com relação aos problemas do trabalho C )
(q) cultura organizacional C ) Cr) preocupação exagerada com "status" ( ) (s) preocupação com a aparência fisica ( ) (t) falta de autonomia para tomar decisões
( ) (u) impossibilidade de dispor do próprio
tempo ( ) (v) falta de relacionamentos verdadeiros no
trabalho ( ) (w)falta de empatia com o superior
imediato ( ) (x) discordãncia com as estratégias adotadas
( ) (y) falta de respeito com os funcionários
enquanto profissionais ( ) (z) falta de respeito com os funcionários
enquanto pessoas ( ) (aa) falta de investimento no
aprimoramento profissional dos funcionários ( )
(bb) falta de comunicação clara de estratégias, objetivos e prioridades ( )
(cc) falta de organização ( ) (dd) outros ( )
ANEXO A
9) Com que freqüência pensa na necessidade de mudar de trabalho?
( a) nunca, apesar de não estar satisfeito (b)nunca, estou plenamente satisfeito ( c) raramente, estou satisfeito (d) de vez em quando, quando tenho algum aborrecimento ( e) freqüentemente, estou insatisfeito (f) sempre, estou tomando providências para mudar
10) Como você lida com o estresse atualmente? (pode-se marcar mais de uma opção)
(a) vai ao médico (b) faz terapia (c) pratica esportes (d) se dedica à família (e) se dedica a uma
religião (f) se dedica a algum
(g) faz cursos alternativos (h) trabalha mais (i) conversa com amigos (j) se dedica a um hobby (k)bebe (I) toma droga (m)fuma (n) come mais
(P) compartilha com familiares
(q) faz compras (r) ouve música (s) lê (t) passeia (u) dorme mais (v) vê televisão
148
outro trabalho de maior significação (o) toma tranqüilizantes (w)outros ____ _
1 1) Como você vê a situação futura em termos de trabalho? Atribuir grau: A= Alta; M= Média;B= Baixa probabilidade.
(a) perspectiva maior de desemprego em todos os níveis ( )
(b) perspectiva de desemprego em alguns níveis ( )
( c) arrocho salarial ( ) (d) maior cobrança por produtividade ( ) (e) maior cobrança por dedicação ( ) (f) perspectivas maiores de promoção (
) (g) melhor remuneração ( ) (h) maior competição intema ( )
(i) maior tensão ( ) (j) melhores condições de trabalho ( ) (k) maior preocupação com os
funcionários como pessoas ( ) (I) maior equilíbrio entre a vida privada e
a profissional ( ) (m) depois das reestruturações, maior
estabilidade ( ) (n) oportunidades só para pessoas mais
qualificadas ( )
1 2) Por quais das situações abaixo você já passou? Pode-se marcar mais de uma.
(a) perda de emprego por motivos alheios à sua vontade (b) pedido de demissão sem ter outro emprego em vista (c) vontade não concretizada de tirar uma licença para se reciclar (d) pedido de licença para reciclagem (e) vontade não concretizada de montar o próprio negócio (f) abertura de um negócio próprio (g) mudança de àrea ou profissão (h) nenhuma das anteriores
ANEXO A
13) Sua empresa passou ou está passando por algum tipo de mudança administrativa ultimamente? Pode-se marcar mais de uma.
(a) não (Obs: Em caso negativo, pule para a pergunta 17.) (b) troca da alta gerência ( c) reengenharia (d) downsizing (corte de pessoal) (e) programa de qualidade total (f) outra _______ _
14) Qual a eficácia da mudança implementada para a empresa?
(a) nenhuma (b) alguma, mas não significativa (c) alguma, mas significativa (d)total
15) Como você encarou tal mudança?
(a) como essencial (b) como essencial mas sacrificante em termos pessoais (c) como marketing, para efeitos externos (imagem de modernidade) (d) como desculpa para redução de custos (e) como desculpa para maior exigência de produtividade (f) outros __________ _
16) Em termos dos beneficios da mudança, você considera que ela foi?
(a) benéfica para alguns funcionários e para a empresa (b) benéfica para os todos os funcionários e para a empresa (c) benéfica somente para a empresa (d) cedo demais para avaliar
149
17) Como você encara as notícias sobre as transformações que estão ocorrendo nas organizações e a conseqüente possibilidade de aumento de desemprego?
(a) sem maiores preocupações (b) com alguma preocupação, devendo ser melhor avaliadas (c) com muita preocupação, devendo ser totalmente avaliadas
18) Ainda com relação às mudanças acima, como você as encara?
( a) como necessárias e inevitáveis (b) como necessárias, mas não a melhor solução (c) como inadeqüadas pois só focalizam o lado econômico (d) como perigosas, com conseqüências sociais maléficas no longo prazo (e) outro _________ _
ANEXO A 1 50
19) Na sua opinião, considerando a situação atual, como você avalia a tendência (M= vai melhorar; P= vai piorar, 1= não vai se alterar) da qualidade de vida das pessoas de nível gerencial nas empresas em termos de :
(a) comportamento ético ( ) (b) auxilio da tecnologia( ) (c) significado do trabalho( ) (d) conflito capital/trabalho( ) (e) distribuição de renda( ) (f) sentido para a vida( ) (g) responsabilidade social das empresas( )
(b) responsabilidade social das pessoas( ) (i) repercussão da nova organização do
trabalho a nível de valores humanos( ) (j) [eIcidade e tranqüilidade geral das
pessoas ( ) (k) garantia de trabalho( ) (I) justiça social( )
20) Comente livremente sobre suas impressões ao ler o parágrafo abaixo:
A ociosidade, que tem sido tomada como privilégio de uma minoria, em futuro próximo poderia estender-se às grandes massas. Essa possibilidade coloca uma novidade muito estranha para a mediação e a ocupação de políticos e economistas, que teriam de providenciar o modo de sustento de multidões semi ou inativas, assim como traz uma profunda questão de ordem existencial para os homens modemos em geral. O indivíduo moderno encontra dificuldade em dar sentido à sua vída se não for pelo trabalho. A sociedade que está por libertar-se dos grilhões do trabalho é urna sociedade de trabalhadores, que desconhece outras atividades em beneficio das quais valeria a pena conquistar a liberdade.
ANEXO A 1 5 1
ESPAÇO • LIVRE PARA QUALQUER COMENTÁRIO ADICIONAL A NÍVEL DA IMPORTANCIA DADA À DIMENSÃO HUMANA (PESSOA) NA FORMA DE ORGANIZAÇÃO ATUAL DO TRABALHO:
ANEXO B
Perfil dos Respondentes
Quadro ]X: SEXO DOS RESPONDENTES:
54 16 77% 23%
Quadro X: TIPO DE EMPRESA EM QUE TRABALHAM:
33 37 47% 53%
Quadro XI: FAIXA ETÁRIA:
'::í! :Tilbi:z§:t; th Lilj::A3iíf39 L2",; ::n:Yi4bi:49, : , ;" : ' �p�5ô7; 7 26 24 1 1
10% 37% 34% 16%
Quadro XII: ESTADO CIVIL
13 8 36 9 19% 11% 51% 13%
Quadro XIII: NÍVEL HIERÁRQUICO NA EMPRESA
1 6 1% 34% 32%
Quadro XIV: FAIXA SALARIAL (em Reais):
« l..réiTôs'ílê12IíOO!o/ ; 2;21100:',,;2999" ; , 1;:;:J.;'�3')99i : ," { ;' nüiil d,,'4®o,, : , 6 16 16 �
9% 23% 43%
J 52
3 4%
15 23%
ANEXO B 1 53
Tabulação das Respostas ao Questionário
PERGUNTA 1: COMO AV ALIA A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO ATUAL A NÍVEL DE SUA REALIZAÇÃO PESSOAL?
1:3. ' J>OUOA: ::;t:: 2TM:tOA wt::::;' f . {X(;RANDE§c" 1'1 � �% �% I
PERGUNTA 2 : QUAIS AS RAZÕES QUE LEVAM A SE EMPENHAR NESTE TRABALHO?
{OUTROS ;
39 21 9 11 48 8 47 7 56% 30% 13% 63% 16% 69% 11% 67% 10%
PERGUNTA 4: NA SUA oPINIÃo, SUA VIDA PROFISSIONAL E SUA VIDA PRIVADA:
1 42 1,5% 60% 37%
PERGUNTA S: ATUALMENTE, QUE PROPORÇÃO DE TEMPO VOCÊ DISPENSA À SUA VIDA PROFISSIONAL?
rFMéifõi;jJé-::2(1��UL: :.:Li·;:::�tZ�;ãJ40Wó}i)}J:; }::i::;l1;���$6o/c;;F�F?::: ;- >:;:·;T'260}aJIJ}.% �'.: « �'., � Mais�8óõ/o<:':'L.L� o o IS 45 6
0% 0% 25,7% 64,3%
PERGUNTA 6: SE PUDESSE, ALTERARIA ESTA PROPORÇÃO PARA QUANTO?
g:�êiJi\s:de ';toMPl i ; ·t:;2!f,:li;400/0Wf;:t; t:tt;t:�o/,;;;TF '; : ç;;;::íiO.á IíO%; 1 .' ". : t MliiS;so%:'}:;; 2 U « 9 2
2,9% IS,6% 62,9% 12,9% 2,9%
ANEXO B 1 54
PERGUNTA 9: COM QUE FREQUÊNCIA PENSA NA NECESSIDADE DE MUDAR DE TRABALHO? (GRAU DE INSATISFAÇÃO)
2 7 19 30 2,<)"/0 10% 27,1% 42,<)"/0
PERGUNTA 12): POR QUAIS DAS SITUAÇÕES VOCÊ JÁ PASSOU?
PERDA DE EMPREGO POR MOTIVOS ALHEIOS A PRÓPRIA VONTADE
PEDIDO DE DEMISSÃO SEM TER OUlRO EMPREGO EM VISTA
PERGUNTA 14):
VONTADE NÃO CONCRETIZADA DE TIRAR UMA LICENÇA PARA SE RECICLAR
PEDIDO DE LICENÇA PARA RECICLAGEM
VONTADE NÃO CONCRETIZADA DE MONTAR O PRÓPRIO NEGóciO
ABERTIlRA DE UM NEGÓCIO PROPRIO
MUDANÇA DE ÁREA OU PROFISSÃO
NENHUMA
9 12 <)"/0
1 5
8
lJ
5
29
1 1
3 1
10
QUAL A EFICÁCIA DA MUDANÇA IMPLEMENTADA PARA A EMPRESA:
3 4,3%
17 33 24,3% 47,1%
5 7,1%
2 2,9%
21,4
l i ,4
18,6
7,1
41,4
15,7
44,3
14,2
2 2,9%
ANEXO B 1 5 5
PERGUNTA 15): COMO VOCÊ ENCAROU TAL MUDANÇA?
22 19 10 8 31% 27% 14% 11% 12% 11%
PERGUNTA 16): QUEM SE BENEFICIOU COM A MUDANÇA?
i/�i��i�1�t� ���ri���"tlt j'f�1���;��1/,f; ;;�l ;;;��i.��:<titI !;, 12 10 6 33
17,1% 14,3% 8,6% 47%
PERGUNTA 17): COMO ENCARA AS NOTÍCIAS SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES QUE ESTÃO OCORRENDO NAS ORGANIZAÇÕES E A CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE AUMENTO DE DESEMPREGO?
13 18,6% 58,6% 21,4%
18) EM TERMOS DE NECESSIDADE, ESTAS MUDANÇAS SÃO:
51,4% 17,1% 7,10/0 17,1%