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SOLANGE DIAS A DIVERSIDADE DA LINGUAGEM EM SALA DE AULA SINOP 2015

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SOLANGE DIAS

A DIVERSIDADE DA LINGUAGEM EM SALA DE AULA

SINOP

2015

SOLANGE DIAS

A DIVERSIDADE DA LINGUAGEM EM SALA DE AULA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à banca examinadora do curso de Letras, da

Universidade do Estado de Mato Grosso –

UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Licenciatura em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Neusa Inês

Philippsen

SINOP

2015

A DIVERSIDADE DA LINGUAGEM EM SALA DE AULA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

banca examinadora do Departamento de Letras,

da Universidade do Estado de Mato Grosso –

UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito

parcial para a obtenção do título de Licenciatura

em Letras.

____________________________

Solange Dias

Discente

_________________________________

Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen

Departamento de Letras / Orientadora

_________________________________

Profa. Msa. Terezinha Della Justina

Departamento de Letras / Banca Examinadora

_________________________________

Profa. Msa. Grasiela Veloso dos Santos

Departamento de Letras / Banca Examinadora

________________________________

Profa. Dra. Tânia Pitombo de Oliveira

Departamento de Letras / Coordenadora de TCC

_______________________________

Prof. Mse. Antonio Tadeu Gomes de Azevedo

Coordenador (a) do Curso de Letras

_______________________________

Profa. Dra. Claudete Inês Scroczynski

Diretor da FAEL – Faculdade de Educação e Linguagem

SINOP

2015

Dedico este trabalho à minha mãe, que sempre

me incentivou a estudar.

Ao meu esposo, que nunca se opôs aos meus

sonhos e que me apoia sempre, que me dá

liberdade e suporte para superar minhas

limitações.

E ao meu filho, que é o melhor de mim, que

me encoraja para seguir em frente e superar

todos os meus obstáculos.

Agradeço primeiramente a Deus, que me deu forças nos momentos de fraquezas e

sabedoria para que eu não desistisse dos meus objetivos e da minha vontade de aprender.

No decorrer dos meus estudos, muitas pessoas me ajudaram, de uma forma ou de

outra, e todas elas vão ficar guardadas em meu coração em uma eterna gratidão.

Agradeço à Profa. Neusa Inês Philippsen, por aceitar ser minha orientadora, em todo

o período de orientação foi atenciosa e dedicada, sempre compreendeu as minhas

dificuldades, que não foram poucas.

Às professoras Terezinha Della Justina e Grasiela Veloso dos Santos, por avaliarem o

meu trabalho.

A todos vocês, o meu muito obrigada!

Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele.

Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração.

Nelson Mandela

DIAS, Solange. A DIVERSIDADE DA LINGUAGEM: em sala de aula. 2015. 46 f.

Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso.

Campus Universitário de Sinop.

RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de apresentar sobre a diversidade linguística

existente em sala de aula e a sua relação com o preconceito linguístico. O lócus da pesquisa

compreende duas escolas de Sinop, uma pública e outra particular. Os sujeitos deste estudo

foram alunos do 8º ano do ensino fundamental e os seus respectivos professores de Língua

Portuguesa. Para a realização desse trabalho, foram utilizados os pressupostos teóricos da

Sociolinguística Variacionista. Como resultados, ressalta-se que, entre os professores de

ambas as escolas, pública e privada, praticamente, não há divergência de opiniões; já entre as

respostas dos alunos, foi possível apreender que os professores da escola pública têm voltado

o olhar e dado espaço para as variedades linguísticas, enquanto que a escola privada tem

valorizado, fundamentalmente, a norma culta, atribuindo como lugar do “erro” tudo o que

destoar dela.

PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística Variacionista; escolas pública e particular;

diversidade e variação linguística; preconceito linguístico.

DIAS, Solange. THE DIVERSITY IN LANGUAGE: in the classroom. 2015. 46 f. Course

Conclusion Paper. – UNEMAT – State University of Mato Grosso. University Campus of

Sinop.

ABSTRACT: This paper intends to present the linguistic diversity that exists in the

classroom and its relation with the linguistic prejudice. The locus of this research involves

two schools in the city of Sinop, one of them public and another private. The individuals of

this study were students of the 8th year of elementary school and their respective teachers of

Portuguese Language. In order to carry out this work, the theoretical assumptions of

Variationist Sociolinguistic were used. As results, we can emphasizes, among the teachers

from both schools, public and private, is there no divergence of opinions, and, in the other

hand, among the students' responses, it was possible to grasp that public school teachers have

been considering the linguistic varieties, while the private school has been valuing,

fundamentally, the cultural norms, nominating as an "error" whatever clashes with them.

KEYWORDS: Variationist Sociolinguistic; public and private schools; diversity and

linguistic variation; linguistic prejudice.

LISTA DE ABREVIATURAS

PU= público

PA= particular

M= masculino

F= feminino

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

11

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: VIESES

SOCIOLINGUÍSTICOS

13

1.1 Diversidade e variação linguística: fatores extralinguísticos e

ensino

14

2 DO CONTEXTO ESCOLAR À PESQUISA

2.1 Os ambientes da pesquisa e suas filosofias

2.2 A variação linguística e a escola

20

20

24

3 CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS E APONTAMENTOS

TEÓRICO-METODOLÓGICOS

28

3.1 Classificação teórico-metodológica da pesquisa

28

3.1.2 Faixa etária e grau de escolaridade

29

3.2 Análises dos dados: questionário aplicado aos alunos

30

3.2.1 Respostas da pergunta 1 do questionário: Para você, o que é a

diversidade linguística?

3.2.2 Respostas da pergunta 2 do questionário: Você já sofreu

preconceito por falar “errado” ou falar diferente dos colegas?

3.2.3 Respostas da pergunta 3 do questionário: Você já presenciou

alguma cena em que um colega fala “errado”?

3.2.4 Respostas da pergunta 4 do questionário: Se sim, qual foi a

reação dos seus colegas?

30

32

33

34

3.2.5 Respostas da pergunta 5 do questionário: Qual é a reação dos

professores quando um colega fala “errado” ou por falar diferente

dos demais?

3.2.6 Respostas da pergunta 6 do questionário: Na sua opinião, por

35

36

que o preconceito existe?

3.2.7 Apontamentos sobre as aulas assistidas na escola pública

3.3 Análise dos dados: questionário aplicado aos professores

3.3.1 Professor A, Escola Pública

3.3.2 Professor B, Escola Pública

3.3.3 Professor C, Escola Particular

CONCLUSÃO

37

38

38

39

40

41

44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44

REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS

46

46

11

INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como objetivo pesquisar a diversidade linguística dentro do

contexto escolar e observar como professores e alunos se posicionam frente às variações

linguísticas existentes em sala de aula, assim como verificar se tais manifestações geram

preconceito linguístico.

Destaca-se, nesse sentido, que a valorização da diversidade é respeitar o

dialeto/variedade de cada aluno, e ter consciência da variação existente entre os distintos

grupos de falantes que frequentam o ambiente escolar. Isso porque, uma vez que se verifica a

diversidade da língua, em algumas ocasiões, a intolerância é manifestada e, principalmente, o

preconceito linguístico, que pode ser originado a partir de uma postura negativa em relação às

variedades linguísticas.

A pesquisa, que se fundamenta teórico-metodologicamente na Sociolinguística

Variacionista, foi realizada em duas escolas de Sinop, uma pública e outra particular. Os

sujeitos deste estudo foram alunos do 8º ano do ensino fundamental e os seus respectivos

professores de Língua Portuguesa.

Os resultados deste empenho científico estão disponibilizados neste trabalho de

conclusão de curso, dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado Pressupostos Teórico-

metodológicos: vieses sociolinguísticos, aborda sobre as teorias e fundamentações teórico-

metodológicas que serviram de suporte à pesquisa. Apresenta, também, o contexto histórico

da Sociolinguística Variacionista e de seu objeto (a diversidade linguística), bem como

aspectos da variação da língua no ambiente escolar.

O segundo, denominado Do Contexto Social à Pesquisa, mostra o lócus da pesquisa

e como ele é composto. Exibe, ainda, o projeto político pedagógico das duas escolas, e como

são as suas filosofias, políticas, além de suas dimensões pedagógicas. Também é exposta, de

forma sucinta, a metodologia que conduziu à coleta de dados e a sua vinculação à pesquisa

qualitativa.

O terceiro e último capítulo recebeu o nome de Considerações Analíticas e

Apontamentos Teórico-Metodológicos. Nesse capítulo, acrescentam-se mais informações

sobre os procedimentos adotados para a recolha dos dados e, em seguida, são tecidas

considerações analíticas sobre o corpus selecionado. As análises realizadas, a partir dos dados

coletados e transcritos, foram relacionadas aos objetivos propostos e aos pressupostos teóricos

que fundamentaram esta pesquisa.

12

Sendo assim, destaca-se a importância da realização deste levantamento de dados,

visto que as reflexões das quais ele dispõe podem levar à atenuação do preconceito linguístico

no âmbito escolar e estimular o ser crítico do aluno, para a efetiva construção de sua

cidadania.

13

1. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: VIESES

SOCIOLINGUÍSTICOS

Este capítulo apresentará as teorias e fundamentações teórico-metodológicas que

servirão de suporte à pesquisa. Serão expostas as discussões em torno do contexto histórico da

Sociolinguística Variacionista e de seu objeto - a diversidade linguística - para que possamos

mostrar, em seguida, questões a respeito dos aspectos da variação da língua no ambiente

escolar. Para tal propósito, é importante conhecermos a origem da Sociolinguística.

Segundo Alkmim (2008), o termo Sociolinguística, relativo a uma área da

Linguística, fixou-se em 1964. Mais precisamente, surgiu em um congresso organizado por

William Bright, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), do qual

participaram vários estudiosos, que se constituíram, posteriormente, em referências clássicas

na tradição dos estudos voltados para a questão da relação entre linguagem e sociedade.

Dentre eles, destacam-se John Gumperz, Einar Haugen, William Labov, Dell Hymes, John

Fisher e José Pedro Rona.

A proposta de Bright para a Sociolinguística, naquele contexto histórico, era a de que

ela deve “demonstrar a covariação sistemática das variações linguísticas e sociais, ou seja,

relacionar as variações linguísticas observáveis em uma comunidade e relacionar suas

diferenciações existentes na estrutura social desta mesma sociedade”. Dessa maneira,

conforme o autor, o objeto de estudo desta área do saber é a própria diversidade linguística

(BRIGHT apud ALKMIM, 2008, p. 28).

Nessa conjuntura:

Ao estudar qualquer comunidade linguística, a constatação mais imediata é a

existência de diversidade ou da variação. Isto é, toda comunidade se caracteriza pelo

emprego de diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a

Sociolinguística reserva o nome de variedades linguísticas. O conjunto de

variedades linguísticas utilizado por uma comunidade é chamado de repertório

verbal (ALKMIM, 2008, p. 32).

Através dessas assertivas de Alkmim, observa-se que, em qualquer comunidade de

falantes, existe um conjunto de variedades e diversidades linguísticas utilizadas pelos sujeitos

ali inseridos.

Por outro lado, de acordo com Camacho (1988), o que se trabalha na Sociolinguística

são as correlações e as variações existentes na expressão verbal e suas diferenças no contexto

natural e social do usuário da língua; entendendo cada domínio, seja o linguístico ou o social,

como fenômeno estruturador e regulador que se baseia nos postulados dessa área do saber. A

14

variação na fala, portanto, não é resultado arbitrário e inconsequente dos falantes, mas um uso

sistemático e regular de uma propriedade inerente aos sistemas linguísticos, que é a

possibilidade de variação.

Vale salientar que, nesta pesquisa, pretende-se abordar sobre as práticas da

linguagem; as quais, corriqueiramente, são faladas em ambiente escolar, tendo em vista sua

riqueza de variedades e sua diversidade. Para a realização desse trabalho, utilizaremos os

pressupostos da Sociolinguística Variacionista, teoria que se desenvolveu na década de 1960.

A partir daí, inicia-se então o marco dos estudos mais sistemáticos na área e ela se torna

popular como um campo de estudos, impulsionado, sobretudo, por William Labov (nascido

em 1927), que se tornou o nome mais conhecido da área.

Baraglio (2013) enfatiza que os primeiros resultados das pesquisas de Labov

surgiram na década de sessenta do século XX. Esses resultados eram sobre as relações entre a

linguagem e classe social, e sobre as variedades do inglês não padrão que eram usadas por

grupos étnicos diferentes nos Estados Unidos, em particular: negros e porto-riquenhos da

cidade de Nova Iorque.

Essa autora ainda ressaltou que Labov dedicou-se à Sociolinguística adotando um

modelo qualitativo, e preocupou-se, em especial, com a descrição das variações linguísticas

numa mesma comunidade de fala, além de ter insistido repetidas vezes nas contradições entre

os resultados de suas pesquisas e a teoria da deficiência linguística. Essa deficiência

linguística, segundo as pesquisas de Labov, eram as dificuldades de aprendizagem em escolas

de classes menores.

Nesse sentido, de acordo com Barbosa (2008), nos estudos feitos sobre a linguagem,

buscou-se encontrar respostas a fim de se entender a relação existente entre linguagem e

sociedade, uma vez que esses elementos estão ligados de forma íntima, e que o homem, em

qualquer período de toda a existência, se utilizou sempre de uma forma de comunicação. Isso

pois, já nos primórdios da civilização, surgiu a comunicação oral e, logo em seguida, a escrita.

Ambas, dentre outras, fazem parte de um sistema linguístico de uma comunidade.

Ainda sobre a contextualização histórica da Sociolinguística Variacionista, vale

destacar que, em 1963, Labov publicou seu trabalho de dissertação de mestrado sobre o inglês

falado na comunidade da ilha de Martha’s Vineyard (referente à centralização de ditongos),

no litoral de Massachusetts, e, em 1966, sua tese de doutorado sobre a estratificação do inglês

falado na cidade de Nova York (a variável / r /). Os dois trabalhos foram orientados por Uriel

Weinreich, na Universidade de Colúmbia. O papel decisivo, no que concerne a esses estudos,

foram os fatores sociais observados nessas comunidades de fala, nas quais:

15

O autor relaciona fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude ao

comportamento linguístico manifesto dos vineyardenses, mais concretamente, à

pronúncia de determinados fones do inglês. Logo em 1964, Labov finaliza sua

pesquisa sobre a estratificação social do inglês em New York, em que fixa um

modelo de descrição e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de

comunidades urbanas – conhecido como Sociolinguística Variacionista ou Teoria da

variação, de grande impacto na Linguística contemporânea (ALKMIM, 2008, p. 30).

Severo (2009) afirma que a abordagem de Labov teve influência de Meillet (1858-

1917), e, sobretudo, de Durkheim, devido à familiarização próxima de ambos, uma vez que

Durkheim utiliza o termo fator social, ou seja, aceita a língua como fator social. Assim, os

fatores sociais são referidos e relacionados justamente com a maneira de agir e de pensar, de

sentir. Além disso, apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências

individuais.

Essas influências de Meillet e Durkheim nas pesquisas de Labov se originaram a

partir de conflitos de concepção social da língua entre Meillet e Saussure, visto que Saussure

coloca em oposição dois tipos de linguística, a linguística interna e a linguística externa,

enquanto Meillet as associa. Logo, Meillet busca explicar as contrapartidas de Saussure

através da estrutura histórica. As pesquisas de Labov, portanto, buscam dar continuidade a

esses estudos a fim de obter respostas mais conclusivas (CALVET, 2002).

Ainda de acordo com Calvet (2002), os estudos de Meillet são muito próximos aos

encontrados na obra de Labov, uma vez que Meillet afirma em seus trabalhos que, por ser a

língua um fato social, resulta ser a Linguística uma ciência social, ou seja, a mudança social é

o único elemento ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística.

Todavia, assim como Durkheim, Labov, não assume em seus trabalhos que o

indivíduo seja totalmente submetido aos fatos sociais; no caso de Labov, à linguagem. Com

relação aos fatos sociais, chama a atenção para as formas coercitivas que agem na sociedade.

Labov utiliza, em suas pesquisas, por sua vez, dos conceitos sobre tradições sociais de

Durkheim, levando em conta o fator social e afirmando que o sujeito é tanto consciente

quanto inconsciente dos fenômenos sociais que ocorrem em suas comunidades linguísticas.

Oliveira (1999) destaca, ainda, no trabalho de Labov, o papel das mulheres na

mudança da língua, observando que, para várias mudanças, elas estão à frente dos homens.

Dessa forma, Labov indaga a seguinte pergunta: Por que elas agem assim? A resposta

encontrada é de caráter especulativo: ele salienta que as mulheres estão seguindo esse trajeto

de liderança justamente por questão de postura, fato este que é mais apropriado socialmente a

determinado tipo de sexo, neste caso, o feminino.

16

Por outro lado, segundo Baraglio (2013), nos estudos de Labov, a forma com que os

indivíduos se expressam não deve ser tomada como modelo de todo um grupo de falantes que

a utilizam, e sim de um grupo que segue as mesmas normas relativas ao uso da língua. Cita,

como exemplo, que uma comunidade formada por idosos não corresponde a uma comunidade

formada por jovens, uma vez que o vernáculo (língua nativa) corresponde a um grupo e não a

um indivíduo sozinho.

Com o desenvolvimento da Sociolinguística, desde os primeiros estudos efetuados

por William Labov no nordeste dos Estados Unidos, os centros de estudos linguísticos vêm

coletando e armazenando dados, em diferentes regiões. No Brasil, há vários, sendo um dos

mais conhecidos o banco de dados estabelecido pelo projeto NURC (Norma Urbana Culta),

que durante a década de 1970 coletou dados da fala de pessoas com formação universitária, de

diferentes faixas etárias, em cinco capitais brasileiras (FIORIN, 2003).

Observamos ainda que:

Num de seus estudos sobre o inglês falado na cidade de Nova York, nos

Estados Unidos, Labov (1972) mostrou que os falantes de lá reconheciam diferenças

da ordem de 10% no uso do –r pós-vocálico, operando com essas distinções para

fazer julgamentos acerca do status social dos falantes. Nessa cidade americana,

deixar de pronunciar o –r e substituí-lo por um alongamento da vogal anterior é

considerado sinal de baixo status social e uma pequena diferença na quantidade do

uso de tal variante já é suficiente para perceber a classificação social do falante

(FIORIN, 2003, p. 130).

Com base nesses resultados de pesquisa, notamos que os falantes de classes menos

favorecidas sofrem preconceitos. Contudo, há que se ressaltar, de acordo com Bagno (1999,

p.68), que “[...] o que acontece é que em toda comunidade linguística do mundo existe um

fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os

lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico o tempo

todo”.

Em consonância com esses estudos, Mollica afirma que:

Os estudos sociolinguísticos oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir

preconceitos linguísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o

padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão

linguística natural e legítima (MOLLICA, 2003, p.13).

Cabe salientar, assim, que o preconceito linguístico tem sido muito debatido na área,

uma vez que se nota ainda a predominância de práticas pedagógicas assentadas em diretrizes

maniqueístas do tipo certo/errado, que tomam como referência o padrão culto.

Ainda de acordo com Mollica (2003).

17

A tarefa do sociolinguista é mostrar a variação sistemática da estrutura linguística e

da estrutura social e, talvez, mesmo, um relacionamento causal em uma direção ou

em outra. Para ele, “a diversidade linguística é precisamente a matéria de que trata a

Sociolinguística” cujo campo procura limitar, identificando suas dimensões, ou seja,

“as diversas linhas de interesse, existentes no campo” (BRIGHT apud PRETI, 1987,

p. 7).

Vale observar que é, mais especificamente, através de pesquisas de campo que a

Sociolinguística registra, descreve e analisa sistematicamente diferentes falares, elegendo,

assim, a variedade linguística como seu objeto de estudo.

1.1 Diversidade e variação linguística: fatores extralinguísticos e ensino

A diversidade pode ser compreendida como a abundância de coisas diferentes. Neste

caso, está relacionada com a linguagem, ou seja, por se destacar, em distintas comunidades

linguísticas, a existência e a convivência de línguas e dialetos diferentes no mesmo contexto.

Conforme Halliday, “um dialeto é uma variedade de uma língua diferenciada de acordo com o

usuário: grupos diferentes de pessoas no interior da comunidade linguística falam diferentes

dialetos” (HALLIDAY apud PRETI, 1987, p.25).

De acordo com Câmara Jr. (1981, p. 239), a variação é “consequência da propriedade

da linguagem de nunca ser idêntica em suas formas através da multiplicidade do discurso”, já

Tarallo (1986, p. 08) afirma que "variantes linguísticas são diversas maneiras de se dizer a

mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de

variantes dá-se o nome de variável linguística".

Para Bagno (1999), não é a grande extensão territorial do país que gera as diferenças

regionais, mas sim as graves diferenças de “status” social que explicariam a existência, em

nosso país, de um real abismo linguístico entre os falantes das variedades não padrão do

português brasileiro e os falantes das variedades culta1.

A escola geralmente não reconhece a verdadeira diversidade do português falado no

Brasil, impondo, assim, sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua

comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de

sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização

(BAGNO, 1999, p. 15).

1 Vale ressaltar aqui, segundo Bagno (2007), a distinção entre as variedades linguísticas reais (também chamadas

de norma culta ou variedades prestigiadas), empiricamente observáveis, autênticas, as quais caracterizam a fala e

a escrita dos cidadãos urbanos, letrados e socioeconomicamente privilegiados; e o conjunto de regras

padronizadas, descritas e prescritas pelas gramáticas normativas (norma-padrão), inspiradas em estágios

passados da língua e, principalmente, nas opções de um grupo restrito de escritores consagrados.

18

Dessa forma, é possível afirmar que a escola nem sempre reconhece as variedades da

língua. No entanto, cabe à escola identificar a imensa diversidade linguística do país e, assim,

poder melhorar o planejamento de suas políticas de ação, bem como facilitar, a partir dessa

identificação, o ensino de acordo com a norma culta (variedades prestigiadas) na sala de aula.

Nesse contexto, é importante destacar, também, que, para se fazer um trabalho de

investigação minucioso sobre a variação linguística, de acordo com o que Bagno explica

(2007), os sociolinguistas selecionam um conjunto de fatores sociais que podem auxiliar na

identificação dos fenômenos de variação linguística. Esses fatores são: origem geográfica,

status socioeconômico, grau de escolarização, idade, sexo, mercado de trabalho e redes

sociais. O referido autor ainda declara que:

As pesquisas linguísticas empreendidas no Brasil têm mostrado que o fator social de

maior impacto sobre a variação linguística é o grau de escolarização que, em nosso

país, está muito ligado ao status socioeconômico. [...] Estudos sociológicos apontam

que existe uma relação muito estreita entre escolaridade e ascensão social: Os

melhores empregos e os postos de comando da sociedade estão reservados

predominantemente aos cidadãos mais escolarizados (BAGNO, 2007, p. 44).

Assim, acentua-se a importância da escolarização, que tem o considerável papel de

repassar ao aluno as bases necessárias para que ele possa ter uma formação intelectual

qualitativa e ser inserido no mercado de trabalho. A escola, desse modo, tem que garantir a

transformação social.

Para isso, esse ambiente não pode desconsiderar que, em uma determinada

comunidade linguística, as particularidades da linguagem podem apresentar diferenças

gritantes e, por vezes, preconceituosas. Além disso, conforme Preti, as comunidades

linguísticas são responsáveis pelos regionalismos. Dessa forma:

As variedades geográficas conduzem a uma oposição fundamental: linguagem

urbana e linguagem rural. A primeira cada vez mais próxima da linguagem comum,

pela ação decisiva que recebe dos fatores culturais (escola, meios de comunicação de

massa e literatura). A segunda, mais conservadora e isolada, extinguindo-se

gradualmente (PRETI, 1982, p. 19).

Nesse sentido, é corrente se destacar que o meio rural, por ser menos influenciado

pelas mudanças da sociedade, preservaria variantes linguísticas antigas. Não obstante, as

novas realidades ligadas à tecnologia e alcances de redes digitais têm alterado esse quadro de

isolamento, fazendo desaparecer até mesmo comunidades inteiras de fala; como exemplo, as

indígenas. Esse fato é, também, responsável por uma maior propagação da língua padrão de

prestígio, assim como por uma maior mobilidade social, o que têm gerado alcance, inclusive,

19

para um indivíduo residente em áreas rurais ou pertencentes a uma classe menos favorecida,

ainda que este não frequente a escola.

Tendo em vista os contextos sociolinguísticos acima citados, cabe refletir sobre a

proposta de ‘escola transformadora’, citada por Soares:

Em primeiro lugar, uma escola transformadora não aceita a rejeição dos dialetos dos

alunos pertencentes às camadas populares, não apenas por eles serem tão

expressivos e lógicos quanto o dialeto de prestígio (argumento em que se

fundamenta a proposta da teoria das diferenças linguísticas), mas também, e sobre

tudo, porque essa rejeição teria um caráter político inaceitável, pois significaria uma

rejeição da classe social, através da rejeição de sua linguagem. Em segundo lugar,

uma escola transformadora atribui ao bidialetalismo a função não de adequação do

aluno às exigências da estrutura social, como faz a teoria das diferenças linguísticas,

mas a de instrumentalização do aluno, para que adquira condições de participação na

luta contra desigualdades inerentes a essa estrutura (SOARES, 1980, p.74).

Nesta pesquisa, portanto, coaduna-se com essa maneira de se pensar uma escola

“transformadora”, na qual se participe, efetivamente, da luta contra desigualdades e

preconceitos, tanto linguísticos quanto sociais. De maneira semelhante, permanece-se em

consonância com Luft (1985), e crê-se que todo falante nativo compreende sua língua materna

e é sobre essa base que o educador deverá construir sua aula, procurando descobrir que tipo de

gramática o aluno traz interiorizada, de onde ele vem, qual seu meio social e quais são as

características pessoais de sua fala.

No próximo capítulo, será abordado o Projeto Político-Pedagógico - “PPP” de cada

uma das escolas-campo, lócus onde foi realizada a pesquisa e seus participantes, assim como

a metodologia utilizada para o recolhimento de dados. Serão apresentadas, também,

conceituações em torno da norma padrão e o preconceito linguístico, por ser este o enfoque

central deste estudo.

20

2. DO CONTEXTO ESCOLAR À PESQUISA

Neste capítulo, apresentaremos, inicialmente, o lócus de pesquisa, sendo composto

por duas escolas-campo e o regimento principal, o PPP, de cada uma destas instituições,

assim como as técnicas utilizadas para a coleta de dados. Vale salientar que esta pesquisa

encontra-se inserida dentro do que é conhecido como pesquisa qualitativa. Segundo

Richardson (2010, p.79), “O método qualitativo difere, em princípio, do quantitativo à medida

que não emprega um instrumental estatístico com base do processo de análise de um

problema. Não pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas.”

2.1 Os ambientes da pesquisa e suas filosofias

Esta pesquisa teve como lócus duas escolas, uma pública, situada na região periférica

da cidade; e outra particular localizada na área central de Sinop – MT. Cada escola tem uma

filosofia de ensino proposta a partir do documento denominado Projeto Político-Pedagógico,

que se configura enquanto uma ferramenta de planejamento e avaliação que as equipes

gestora e pedagógica consultam a cada tomada de decisão.

De acordo com o “PPP” da escola pública, a sua filosofia, em sua dimensão

pedagógica, é a formação de cidadãos responsáveis, participativos, compromissados, críticos,

com capacidade criadora e com autonomia intelectual e profissional para o exercício da

cidadania. Na sua dimensão política, propõe a reflexão de ações necessárias para assegurar

um ensino de qualidade, garantindo o acesso e a permanência do aluno na escola para a

construção de uma nova realidade, rompendo com as resistências em relação às novas práticas

educativas, as quais vislumbram uma sociedade mais solidária e humana.

A escola avalia seus alunos pautada em um Currículo de Ensino que se pretende

eficaz e eficiente na formação de cidadãos conscientes, capazes de compreender e criticar a

realidade, atuando na busca da superação das desigualdades sociais, do respeito ao ser

humano e nas demandas do mundo globalizado, fazendo uso dos bens construídos

socialmente.

Ainda conforme esse Projeto Político-Pedagógico, o homem é um ser dotado de

inteligência e vontade, criativo por excelência, o qual potencializou os mais notáveis eventos

em benefício da humanidade; dentre esses, a tecnologia que vem provocando mudanças

significativas nas atividades humanas. Em consequência disso, vivemos em sintonia com um

conjunto de situações complexas movidas pelo consumismo desenfreado, movimentos

21

econômicos que ocasionaram mudanças aceleradas na economia, acarretando cada vez mais a

competitividade do mundo moderno.

Tudo isso vem gerando sérios conflitos na sociedade, uma vez que as instituições

sociais estão sendo afetadas por estes entraves. O desafio da escola, assim, é orientar o aluno

para que ele conviva com essas situações, assim como buscar soluções para superar as

dificuldades de aprendizagem.

No que se refere ao fazer pedagógico, os professores afirmam que estão se esforçando

e se qualificando para trabalhar, da melhor maneira possível, os conhecimentos nucleares para

a formação sólida dos alunos. Preconizam ainda que a família seja parceira essencial na busca

da qualidade do ensino para os seus filhos.

Essa escola pública tem 2.078 alunos e é organizada em Formação de Ciclo, Ensino

Médio Integrado, Educação Profissional e Ensino Médio Regular, funcionando nos períodos:

matutino, vespertino e noturno. O Ensino Médio noturno é organizado por módulos regulares

e a recuperação é paralela ao processo de ensino.

A escola, mesmo sendo em um bairro da periferia da cidade, possui uma estrutura

física bem planejada e um prédio com ótima infraestrutura. Situada no bairro Jardim São

Paulo I, tem como área de abrangência os bairros: Jardim São Paulo II; Jardim Novo Estado;

Jardim Santa Rita; Jardim Boa Esperança; Recanto dos Pássaros; Jardim Ipê; Jardim das

Oliveiras; Maria Vindilina I e II; Maria Carolina e Comunidade Betel. A maioria dos alunos é

de classe social baixa, estudam e trabalham para ajudar na renda familiar e com isso nem

sempre tem um bom rendimento escolar.

A filosofia da escola particular pesquisada, segundo o seu Projeto Político-

Pedagógico, pauta-se no pressuposto de que não é possível pensar em educação sem pensar

em sociedade. O ato de educar é um ato essencialmente social, a partir do qual surgiu a

escola. Basta considerar os núcleos familiares, as comunidades sociais, os diversos meios de

comunicação para concluir que a escola não foi nem é o único meio ou “lócus” educativo.

Entretanto, apesar disso, não podemos esvaziar a sua função histórica sob pena de

comprometermos o indivíduo e a própria sociedade.

É certo que não há escola sem sociedade, mas, no contexto atual, desafortunada será a

sociedade sem escola. Nessa relação, cabe à escola localizar o seu papel (formal) de principal

responsável pela organização, sistematização e desenvolvimento das capacidades científicas,

éticas e tecnológicas de uma nação, sem assumir para si toda a responsabilidade pela

mudança, nem ser mera reprodutora da ideologia.

22

Com o desejo de colocar a escola na ordem das mudanças que o momento

contemporâneo exige, constata-se a necessidade do processo de planejamento do PPP, no

entendimento da construção coletiva, portanto, com a participação e envolvimento de todos. O

referido projeto expressa uma intencionalidade política que articula a ação educativa com a

necessária fundamentação teórica, explicitando aspectos institucionais e definindo os aspectos

éticos, políticos, culturais, epistemológicos, didático-metodológicos que visam dar

sustentação ao fazer pedagógico.

A visão didática e pedagógica da instituição é aliada ao seu vínculo comunitário e tem

dado origem a diversos projetos de extensão que, além da interação com a sociedade, buscam

oferecer aos educandos possibilidades de aprender quando estão significando seu

aprendizado. Dentre os projetos pode ser citado o “clube da árvore”, que tem por objetivo

desenvolver a consciência da necessidade de mudança no relacionamento homem/natureza.

A escola hoje, tendo em vista a competitividade das últimas décadas, vem

promovendo sua adequação aos novos tempos, buscando aprimorar seus processos, produtos e

serviços, no intuito de oferecer alta qualidade com baixo custo e na tentativa de assumir uma

posição de liderança no mercado.

Essa escola particular se encontra situada na área central da cidade e oferece Educação

Básica Infantil, além de ensinos fundamental e médio nos períodos matutino e vespertino,

totalizando 529 alunos, fundamentalmente de classes média e alta, advindos de distintos

bairros sinopenses. A estrutura física é ótima.

O Projeto Político-Pedagógico da referida escola destaca, ainda, que sua missão é

promover a formação integral das pessoas, oferecendo educação de excelência com

compromisso social e tendo como visão de futuro ser referência educacional em todos os

segmentos de atuação. As crenças e valores da escola primam por excelência, ética,

competência e valorização do ser humano.

Após a apresentação dos PPPs de ambas as escolas que se constituem como lócus

desta pesquisa, cabe refletir, conforme Severino (1994), que a palavra educação no seu

sentido político é colocada sob a perspectiva das relações entre educação, cidadania e

democracia. Essas dimensões estão tão fortemente ligadas que acabam se implicando

mutuamente. Nesse sentido vale, também, atentar-se à contribuição que a educação pode

exercer de forma efetiva para a construção da cidadania e da democracia.

Além disso, ambos os regimentos discorrem sobre o papel da escola estar

relacionado à transformação social, assim como à preparação de sujeitos formalmente

providos de cultura e conhecimentos científicos, tornando-os cidadãos críticos para atuar na

23

sociedade e preparados para o mundo do trabalho. Por essas razões, pode-se acrescentar que

as escolas precisam dispor de professores qualificados para contribuir na formação dos

valores dos indivíduos.

De acordo com os contextos supracitados, pode-se salientar, ainda, que o ambiente

escolar passou a ser voltado à reflexão e o educador deve atuar como um mediador da

aprendizagem, respeitando e interagindo juntamente com as diferenças étnicas, culturais,

sociais e econômicas do educando. Para tanto, é preciso deixar campo para o desenvolvimento

crítico do educando, para que este possa expressar suas ideias e lutar pelos seus ideais.

Com relação à pesquisa de campo, essa se desenvolveu no início de setembro de 2014

e foi finalizada em novembro desse mesmo ano. Para a coleta do corpus, foram feitas

entrevistas com alunos e professores de ambas as escolas enfocadas.

Com o questionário em mãos, a primeira escola a ser visitada foi a pública.

Inicialmente, procuramos a direção da escola para justificar a nossa presença e explicar os

objetivos da pesquisa, com o intuito de obter autorização para a realização de entrevistas e

para que pudesse ter acesso ao PPP da escola. Após esse procedimento inicial, houve

aceitação imediata. Assim, em seguida, procurou-se o professor responsável pelo oitavo ano

do ensino fundamental, que também foi receptível e liberou os alunos para a entrevista.

Nesta escola foram entrevistados seis alunos - três meninos e três meninas - todos do

oitavo ano, sendo que as entrevistas foram gravadas. O professor permitiu a saída de um aluno

por vez para não tumultuar a aula; em seguida, dois professores de Língua Portuguesa

também foram entrevistados. Em outro momento, retornamos à instituição para coletar as

informações anteriormente citadas, as do PPP, referentes à sua filosofia de ensino e sobre os

sujeitos que a frequentam.

Com o encerramento das atividades de campo na escola pública e para atender o

proposto no projeto de pesquisa, de investigar, analisar e comparar variações linguísticas

existentes em ambientes escolares público e privado, fomos visitar escolas particulares com o

propósito de aplicar a pesquisa nesses contextos. Contudo, várias escolas privadas da cidade

foram procuradas sem que se obtivesse êxito, pois não permitiram a realização do trabalho.

Finalmente, após novas tentativas, uma dessas instituições, localizada na área central,

aceitou que fosse aplicado o questionário, considerando apenas uma condição, a de que as

entrevistas fossem colhidas por escrito.

As escolas que não concederam autorização para a pesquisa fizeram distintas

alegações, tais como que, ao liberar os alunos, eles estariam perdendo conteúdo; que se os

24

pais soubessem poderiam questionar a escola; e que, ao permitir a pesquisa para um

pesquisador, a escola teria que permitir para todos, dentre outras.

Com relação ao acesso informativo sobre a filosofia da escola particular e sobre os

sujeitos que constituem sua demanda, outro fato curioso aconteceu: em um primeiro momento

foi possível coletar dados do PPP, que foram disponibilizados para a pesquisa. Todavia, ao

voltar novamente nessa instituição para obter maiores informações a seu respeito, não foi

possível mais se ter acesso ao documento, pois foi dito que o mesmo estava sendo

reformulado. Assim, para o término do recolhimento de dados, conversamos com alguns

professores que prontamente o concederam-nos.

Nesta escola particular, a metodologia de escolha adotada para os sujeitos de pesquisa

foi a mesma da escola pública, ou seja, entrevistou-se três meninos e três meninas, todos do

oitavo ano do ensino fundamental, mas, somente um professor de Língua Portuguesa foi

entrevistado.

Como esta escola não aceitou que as entrevistas fossem gravadas, decidiu-se, com o

propósito de procurar uniformizar a metodologia adotada, por voltar à escola pública e

aplicar, também neste lócus, o questionário por escrito para os mesmos alunos entrevistados

anteriormente. Consideramos que foi uma escolha acertada, pois os resultados foram

melhores, visto que na entrevista oral alguns ficaram tímidos e, inclusive, deixaram de

responder questões.

Cabe destacar, também, após as reflexões suscitadas pelos Projetos Político-

Pedagógicos apresentados e pelos apontamentos metodológicos que descrevem a trajetória

das idas a campo, que se faz mister lançar olhares mais atentos aos problemas geridos na

disciplina de Língua Portuguesa, fundamentalmente porque alguns professores têm

confundido domínio da norma padrão com ensino da terminologia gramatical e isso acarreta a

geração de conflitos de ordem prática, teórica, além de interpretativa. Esses conflitos, por sua

vez, partem do próprio ponto de vista dos educadores, da valorização da norma em detrimento

das variedades ou até mesmo de alguma teoria linguística que tenta explicar o quão complexa

é a língua portuguesa.

2.2 A variação linguística e a escola

Conforme visto no Capítulo 1 deste estudo, variação linguística é a variação que uma

língua apresenta de acordo com as condições sociais, culturais regionais e históricas. Já a

norma padrão da língua portuguesa corresponde a uma coleção de regras impostas pela

25

gramática normativa, essas regras procuram estabelecer características mais homogêneas à

língua, uma vez que esta (a norma) está codificada na(s) gramática(s).

Segundo Mattos e Silva:

A norma padrão tradicional, que ainda se encontra, pelo menos parcialmente, na

escrita e na fala formal das camadas cultas e superiores economicamente da

sociedade e veiculada nas gramáticas prescritivo-pedagógicas, se chegam à escola

massas falantes, portadoras de variantes dialetais correntes e dominantes-em termos

aritméticos, não sociopolíticos, é claro – e que, para atender a essa população

escolar. (MATTOS & SILVA, 2005, p.79)

A escola brasileira, mesmo que explicitamente defenda que pretende veicular o

padrão tradicionalmente idealizado, está impotente diante da realidade social com que se

defronta. De acordo com Silva (2005), é impossível uma norma padrão baseada na realidade

linguística, pois ela sempre será movida por arbitrariedade.

Além disso, ao se chegar à escola; para o processo de alfabetização, não se pode

desconsiderar que a criança já domina uma norma linguística, norma esta adquirida pelo

convívio com as pessoas ao seu redor. Uma vez que não sejam levados em conta esses

conhecimentos adquiridos, considera-se a criança como um ser totalmente vazio. Por isso,

dizer que ela precisa aprender a língua portuguesa é totalmente errado.

Nesse sentido, de acordo com Silva (2004), o falante nativo já é o senhor de sua fala

quando entra na escola, defendendo que a oralidade seja o ponto de partida do

ensino/aprendizagem para tornar o indivíduo seguro de que sabe a sua língua. Desse modo, a

escola é a base de conhecimento que o indivíduo levará em sua vida. Ela é a responsável pelo

processo de aprendizagem escolar dos alunos.

Antunes (2001) enfatiza ainda, que, para construir a cidadania do aluno através do

ensino da língua, deve-se trabalhar a língua real, a qual é processada nas relações sociais.

Destarte, dever-se-ia deixar de lado os estudos das frases soltas e construir a cidadania do

aluno por esses meios é função do professor.

Para se trabalhar a língua real, é também necessário atentar-se para o fato de que,

conforme Ilari e Basso (2011), o Brasil possui uma língua muito disforme em todo o seu

território nacional, tanto que geralmente é possível adivinhar e/ou identificar a procedência

geográfica das pessoas pela maneira como falam. Dessa forma, o português brasileiro se

caracteriza como heterogêneo do ponto de vista diatópico, essencialmente porque o Brasil é

um país de grandes migrações.

Neste contexto, segundo Alkmim (2012), o preconceito e a discriminação são dois

mecanismos que possuem grande poder e que, quando usados, conseguem desqualificar o

26

outro – por isso, no que tange aqueles que disseminam essas duas características, logo

pensamos que são seres portadores de uma doença social.

Portanto, a discriminação linguística não é diferente de nenhum outro tipo de

discriminação, seja ela étnica, religiosa, social, política, entre outras. Ela pode ser inserida no

mesmo patamar e na mesma gravidade, podendo ter as mesmas consequências do ato

praticado.

Dessa forma, a escola possui um papel importante na formação do aluno. Por

intermédio disso, ela deve mostrar aos seus alunos as inúmeras variedades linguísticas que

existem. Ela também deve oferecer caminhos para que os mesmos possam desenvolver tanto

sua produção oral como escrita. Isso significa que é papel da escola ajudar os indivíduos a

construir e adquirir conhecimentos dentro da língua portuguesa em um processo contínuo,

contudo, sem desqualificar as diversidades que se apresentam no ambiente escolar.

Para Bagno (2006), a diversidade e a variabilidade linguística muitas vezes geram o

preconceito linguístico, este pode ser compreendido de uma forma negativa ao avaliar a fala

de um determinado indivíduo. O preconceito parte principalmente daqueles grupos que

defendem uma linguística mais homogênea, ou seja, a grande disparidade de dialetos que

compõem a língua portuguesa falada pelos brasileiros é, assim, ignorada.

O preconceito linguístico caracteriza-se pela discriminação que um indivíduo sofre por

causa do seu modo de falar. Bagno (2007), em sua obra Preconceito lingüístico, o que é,

como se faz, procura descontruir esse preconceito, apresentando vários mitos que levam à sua

disseminação, dentre eles, e talvez o mais importante, “o português do Brasil” que “apresenta

uma unidade surpreendente”. Esse autor ainda ressalta que o preconceito está diretamente

ligado à confusão que se criou entre a língua e a gramática normativa. Além do mais,

acrescenta que o preconceito linguístico é alimentado diariamente entre os meios de

comunicação, estes que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sendo, portanto,

instrumentos de perpetuação de atitudes preconceituosas. Ainda, sobre a ligação entre

preconceito linguístico e gramática normativa, Bagno afirma que:

O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no

curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é

desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido

não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a

língua (BAGNO, 2007, p.49).

Portanto, cabe ao educador auxiliar, direcionando o aprendizado dos alunos e oferecer

a eles uma formação escolar que se baseie nos princípios éticos atrelados às mudanças

27

cultural e social do preconceito, fatores de extrema importância, visto que a educação

sociocultural está diretamente ligada à função do educador e da escola.

O preconceito linguístico é identificado e encontrado na fala de diversas classes

sociais e também nas características das falas de determinadas regiões, podemos citar, como

exemplo, a fala da região nordeste do país, essa região sofre muitas vezes preconceito com o

seu modo de falar, preconceito este identificado através de risos e deboche por parte de outros

brasileiros. O fato de o nordeste ser conceituado como uma região mais pobre e pouco

desenvolvida, além de economicamente atrasada ao ser comparada com outras regiões do país

com maior desenvolvimento econômico, tem maior peso ao se aprofundar o preconceito

linguístico.

Para respeitar igualmente todas as variedades linguísticas, Bagno (2006) afirma que a

vontade de eleger locais em que o português falado é “melhor” e outros em que se fala o

português “pior” tem que acabar. Sendo assim, todos os lugares em que se fala o português

têm o seu valor e há perfeita comunicação entre as pessoas que o falam.

O preconceito linguístico, por sua vez, é praticamente um disfarce do preconceito

social, uma vez que a pessoa é discriminada, também, pela sua situação econômica,

geográfica ou étnica e não apenas por sua fala. Por isso, pode-se dizer que o preconceito

linguístico está sempre vinculado ao preconceito social, ambos disseminados na sociedade.

No terceiro e último capítulo deste Trabalho de Conclusão de Curso, a seguir, serão

tecidas considerações analíticas sobre os dados recolhidos em campo, inter-relacionadas com

os apontamentos teórico-metodológicos feitos nos capítulos anteriores.

28

3. CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS E APONTAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS

Neste capítulo, serão apresentados, de forma mais pontual, o tipo de abordagem

classificatório e os procedimentos de coleta de dados, relacionados aos sujeitos de pesquisa e

aos lócus em que as entrevistas e questionários foram aplicados. Em seguida, serão feitas

reflexões analíticas a partir dos dados transcritos e relacionados ao aporte teórico em

destaque, a Sociolinguística Variacionista; assim como aos objetivos propostos para este

estudo, fundamentalmente os de observar a fala em uso e as variedades linguísticas no

contexto de duas distintas escolas, uma pública e uma particular, e os consequentes

preconceitos que podem ou não irromper de tais lócus.

3.1 Classificação teórico-metodológica da pesquisa

A classificação da pesquisa se dá pelos métodos descritivos e explicativos. Pelo

método descritivo foi possível registrar e observar os fatos e fenômenos das variações

linguísticas sem interferir nos resultados. Já o explicativo permitiu-nos identificar alguns

fatores que contribuem para o fenômeno do preconceito linguístico, enaltecidos no

questionário aplicado, no qual se registraram e descreveram fatos ocorridos e observados nos

contextos de sua aplicação.

Quanto à abordagem adotada para o estudo, foi a qualitativa, visto que, segundo

Marconi e Lakatos (2011, p. 269), ela “preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais

profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais

detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendência e comportamento etc.”

A escola pública, além do descrito metodologicamente no capítulo 2, permitiu-nos

acompanhar algumas aulas práticas lecionadas pelos professores, o que contribuiu para que

identificássemos, também, algumas variedades linguísticas utilizadas pelos estudantes.

Observou-se, dessa forma, que existe uma série de variedades/variantes linguísticas

em uso na sala de aula. Isso se deve, fundamentalmente, pela presença de muitos estudantes

de regiões diferentes. Nesta escola há, conforme registramos em caderno de anotações da

pesquisa, alunos das regiões Norte, como o Pará, Nordeste, como o Maranhão, e Sul,

representados pelo Paraná e pelo Rio Grande do Sul.

29

Na escola particular, como anteriormente citado, a direção não nos deu autorização

para serem gravadas entrevistas com os alunos e, sim, apenas que eles respondessem o

questionário elaborado por escrito e o processo de aplicação do questionário foi feito pelo

professor responsável, uma vez que não foi dada a autorização para que o aplicássemos. O

questionário foi disponibilizado para a retirada com as respostas dos alunos no dia seguinte à

sua aplicação. Sendo assim, não tivemos nenhum acesso presencial com os alunos e, caso eles

tivessem dúvidas quanto às perguntas elaboradas, elas foram apenas sanadas pelo professor

responsável pela aplicação. Vale reiterar que não tivemos contato, em tempo algum, com a

fala em uso dos alunos.

A seguir, seguem os questionários aplicados a professores e alunos em ambas as

escolas:

QUESTÕES DOS PROFESSORES

1- Para você, o que são variedades linguísticas?

2- É possível, em sua opinião, trabalhar com o ensino da norma padrão e, ao mesmo

tempo, respeitar as variedades linguísticas dos alunos? Como?

3- Em sua opinião, os professores têm formação suficiente para lidar com as diferenças

linguísticas, regionais e sociais?

4- No contexto escolar, você acha que as variedades linguísticas dos alunos são

respeitadas? Por quê?

5- Se você já presenciou atitudes de preconceitos, linguístico e/ou social, por alguns

alunos falarem as suas variedades linguísticas, como lidou com essas situações?

QUESTÕES DOS ALUNOS

1- Para você, o que é diversidade linguística?

2- Você já sofreu preconceito por falar “errado” ou por falar diferente dos colegas?

3- Você já presenciou alguma cena em que um colega fala “errado”?

4- Se sim, qual foi a reação dos outros colegas?

5- Qual é a reação dos professores quando um colega fala “errado” ou por falar diferente

dos demais?

6- Na sua opinião, por que o preconceito existe?

3.1.2 Faixa etária e grau de escolaridade

O questionário dos estudantes foi aplicado a doze alunos entre as faixas etárias de 12 a

15 anos, seis da escola pública e seis da escola particular, divididos entre igual número de

30

meninos e meninas. Esses alunos estavam todos cursando o oitavo ano do ensino fundamental

de suas respectivas escolas. Muitos desses alunos, fundamentalmente os da escola pública

(conforme as anotações de campo feitas), já trabalham. Por conseguinte, eles conciliam os

estudos com o trabalho para que possam ajudar na renda familiar.

Em relação aos professores, foram entrevistados, na escola pública, dois professores,

formados pelo curso de Letras da UNEMAT-Sinop, sendo que um deles possui outra

graduação, em Direito pela UNIC-Sinop, ambos são efetivos nesta escola; já na escola

particular, por causa da menor receptividade à pesquisa, entrevistamos apenas um professor,

que também é formado no curso de Letras da UNEMAT-Sinop, este professor tem contrato

com esta referida escola.

3.2 Análises dos dados: questionário aplicado aos alunos

O questionário aplicado aos alunos, como já dissemos, teve o intuito de observar as

variações linguísticas existentes nesse local, assim como averiguar se há ocorrências de

preconceito linguístico no ambiente escolar.

Cabe lembrar, contudo, que não foi possível observar a administração de aulas na

escola particular, uma vez que a direção da mesma não deu autorização para isto. Já na escola

pública assistimos a algumas aulas lecionadas pelos professores do oitavo ano do Ensino

Fundamental e, assim, pudemos apreender algumas características e atitudes de professores e

de alunos.

Com relação às respostas dos alunos às perguntas do questionário, não elencaremos

todas, referentes a cada questão, mas, apenas as que atenderem aos objetivos que propusemos

nesta pesquisa. Com relação à apresentação metodológica, enumeramos os alunos da escola

pública de 1 a 6, e os alunos da escola privada de 7 a 12. A seguir, apresentamos as tessituras

analíticas que fizemos a partir do corpus coletado.

3.2.1 Respostas da pergunta 1 do questionário: Para você, o que é a diversidade

linguística?2

Aluno 1, M, Escola PU3: “é o modo que as pessoas falam como o pernanbuco,

maranhão, e outras cidades é o modo que as pessoas falam.”

2 As frases em negrito e com (“) representam as respostas dos entrevistados da forma como os mesmos

responderam o questionário aplicado pelo pesquisador.

31

Conforme esta resposta dada pelo aluno 1, da escola pública, compreende-se que o

mesmo reconhece que, em Estados como Pernambuco e Maranhão, entre outros, o modo

como as pessoas falam é diferente de outras regiões do país. Nesse sentido, este

reconhecimento do aluno pode ser pela convivência deste com pessoas com essas

características linguísticas, ou pelo trabalho feito pelos professores da escola, ou ainda por

influência da mídia, jornais e TVs, como em novelas e programas de humor, que apresentam

personagens com essas características.

Esse reconhecimento do aluno, ainda que limitado às variedades regionais, vai ao

encontro das assertivas de Alkmim (2008), quando esta aponta para o fato de que em qualquer

comunidade há a existência de um conjunto de variedades e de diversidades linguísticas, ou

seja, toda comunidade é caracterizada pelo emprego de diferentes formas de falar; assertivas

estas já abordadas no capítulo 1 deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Aluna 7, F, Escola P: “é a diversidade de línguas que existem, os diversos jeitos

que as pessoas falam.”

Com relação a essa resposta da aluna 7, da escola privada, pode-se apreender que ela

sabe bem o significado de diversidade linguística, conceituando-a como “é a diversidade de

línguas que existem”. Conceito este que se encontra em consonância com o modelo

sociolinguístico adotado por Labov (2008), modelo este que se preocupa em descrever a

diversidade em distintos contextos, assim como as variações linguísticas numa mesma

comunidade de fala.

Aluna 8, F, Escola P: “as varias formas de falar, afinal, ninguém fala errado, só

diferente da norma culta. Um sotaque, a cultura, ou até a região onde mora, que causa

essas muitas formas linguísticas.”

Além de dar ênfase ao que é a diversidade linguística, a aluna 8, da escola privada,

também acrescenta ‘o sotaque e a cultura’ como influências dessa diversidade, ou seja, ela

compreende que a cultura é um fator modelador ou regulador, dessa forma, a cultura também

moldaria as diversas formas de falar. Por exemplo, no Maranhão ou no Rio Grande do Sul

existe uma determinada variedade, assim, as crianças, por convivência, ao observarem as

formas e marcas linguísticas que os pais utilizam, também começam a construir a sua fala a

3 Com relação às legendas, utilizamos ‘PU’ para identificar alunos da escola pública e ‘P’ para identificar os da

escola privada. Além disso, ‘M’, para o sexo masculino, e ‘F’, para o feminino.

32

partir da observação da fala dos pais, ou seja, a cultura hierárquica vai passando para as

gerações mais novas e assim por diante.

De acordo com Perini:

[...] qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente

elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento.

E [...] esse conhecimento não é fruto de instrução recebida na escola, mas foi

adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar.

Mesmo pessoas que nunca estudaram gramática chegam a um conhecimento

implícito perfeitamente adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a

anatomia e a fisiologia das pernas, mas que andam, dançam, nadam e pedalam sem

problemas (PERINI, 2005, p.13).

Assim, a língua materna, como o próprio nome já diz, é aquela que vem do “berço”, de

casa, aprendida entre o contato de pais e filhos que interagem entre si e desenvolvem,

conforme a aluna 8 muito bem explicitou, a variedade de “onde mora”, e também por isso

“ninguém fala errado”.

3.2.2 Respostas da pergunta 2 do questionário: Você já sofreu preconceito por falar

“errado” ou falar diferente dos colegas?

Aluno 2, M, Escola PU: “sim é sou maranhece o modo que eu falo eu pucho o r as

pessoas falam que sou da china porque eu tenho olhos puxados e começam a dar

risadas.”

Nesta resposta dada pelo aluno 2, é possível perceber que há, neste oitavo ano do

ensino fundamental desta escola, variedades diatópicas, isto é, variedades que provêm de

distintos estados brasileiros. Fato este que poderia ser amplamente explorado pelos

professores desta turma para enaltecer a heterogeneidade variacional. Contudo, não parece ser

esse o trabalho desenvolvido pela escola, pois, conforme esse excerto do aluno 2, a variante

“r” que ele costuma utilizar é motivo de risos por parte dos colegas, além disso pode-se

afirmar que o preconceito linguístico, neste caso, vem inter-relacionado com o preconceito

social, visto que o aluno é ‘maranhense’, sendo, por isso, estereotipado. Pensa-se que, se a

escola não trabalhar com o combate aos preconceitos, talvez os seus alunos, por não

entenderem como natural a diferença linguística existente entre as pessoas, continuarão a

disseminá-los exatamente porque não são conscientizados de que existem outras formas de

falar perfeitamente “certas”, ou seja, de que existem variedades linguísticas.

Vale lembrar, no entanto, que também cabe aos pais promover essa reflexão com os

filhos e não deixar obrigatoriamente ser um papel somente da escola o combate aos

33

preconceitos. Portanto, cabe aos pais, do mesmo modo, educar para o respeito às diversidades

cultural e linguística das pessoas.

Segundo Bagno (2008), pouquíssimas pessoas reconhecem a existência do preconceito

linguístico e muito menos reconhecem a sua gravidade como um problema social sério, ou

seja, quando uma sociedade não reconhece um determinado problema social, nada se faz por

ele para que se possa resolvê-lo.

Aluna 8, F, Escola P: “Sim”.

A aluna 8, da particular, aqui responde, para a questão, somente que sim, que já sofreu

preconceito. Este indicativo é importante para a nossa pesquisa, pois mostra que também na

escola privada ocorrem atitudes/ações de preconceito linguístico. Além disso, a objetividade

da resposta, sem nenhuma justificativa, pode levar-nos a inferir que esta, por sofrer a agressão

emocional, não quer compartilhá-la para não ser ainda mais afligida pelas lembranças ou por

novas agressões.

Aluna 9, F, Escola P: “não que eu me lembre, mas muitas vezes não é preconceito,

é achar engraçado o jeito que a pessoa fala”.

Esta resposta dada pela aluna 9, da escola particular, reforça a assertiva de Bagno

(2008), expressa acima, de que pouquíssimas pessoas reconhecem a existência do preconceito

linguístico, visto que achar tal situação engraçada e rir dela certamente é uma atitude velada

de preconceito.

Dessa forma, todo e qualquer fenômeno como este em que as pessoas acabam rindo da

situação é, sim, preconceito linguístico, lembrando que este pode causar traumas futuros para

a ‘vítima’, transtornos estes que podem promover, inclusive, muitos danos à maturidade do

sujeito aluno.

3.2.3 Respostas da pergunta 3 do questionário: Você já presenciou alguma cena

em que um colega fala “errado”?

Aluno 3, M, Escola PU: “Sim, ela falou qual e o probrema e começaram a dar

risadas ate o professor começou a dar risadas”.

Aluna 8, F, Escola P: “Sim, como algumas pessoas falam “memo” ao envés de

“mesmo”.

34

Com relação a presenciar alguma cena em que um colega fala de forma “errada”,

100% dos alunos afirmaram que já haviam presenciado, tanto os da escola pública quanto os

da escola privada. Recortamos, para efeito de análise, apenas as respostas do aluno 3, da

escola pública, e da aluna 8, da escola particular. A escolha deste recorte foi feita com o

propósito de mostrar que o preconceito ocorre, principalmente, com as variantes mais

estigmatizadas, ou seja, as que apresentam, conforme Bagno (2007), traços descontínuos, que

são:

[...] os que sofrem a maior carga de preconceitos e de discriminação por parte dos

falantes urbanos mais letrados. Essas formas de uso da língua é que são, em geral,

consideradas as mais “feias”, as mais “erradas”, aquelas que deveriam a todo custo

ser “extirpadas” (BAGNO, 2007, p. 216).

Destacam-se, nos excertos acima, o rotacismo “probrema”, que apresenta um encontro

consonantal com L e não com R, e a palavra “memo”, em que há o apagamento do “r” no

encontro consonantal postônico, que pode ser considerado, também, como traço regional. Por

sua vez, a aluna 7 não percebe que utiliza a variante “envés” quando “deveria” ser “invés”,

porque esta substituição não recebe a mesma carga de estigma que os exemplos anteriores.

Por isso, a importância dos estudos sociolinguísticos, pois, conforme Mollica (2003),

eles oferecem uma contribuição de muita validade no sentido de conscientização para

amenizar os preconceitos linguísticos e sociais. O sociolinguista, dessa forma, tem como

tarefa mostrar a variação da estrutura linguística e da estrutura social.

3.2.4 Respostas da pergunta 4 do questionário: Se sim, qual foi a reação dos seus

colegas?

Aluno 1, M, Escola PU: “Dar risadas”.

Aluna 5, F, PU: “Começaram a dar risadas e falar que ela era burra”.

Aluno 10, M, Escola P: “corrigir e rir, só pelo fato da pessoa ter a língua pressa”.

Como se pode ver, a reação dos alunos, de acordo com as respostas dadas pelos três

sujeitos mencionados acima, é a mesma: risos; risos de preconceito. Essas cenas se repetem,

assim, tanto na escola pública quanto na escola privada.

Conforme Bagno (2007), isso nada mais é do que um reflexo do ensino tradicional,

pois:

[...] em vez de incentivar o uso das habilidades linguísticas do indivíduo, deixando-o

expressar-se livremente para somente depois corrigir sua fala ou sua escrita, age

exatamente ao contrário: interrompe o fluxo natural da expressão e da comunicação

35

com a atitude corretiva (e muitas vezes punitiva), cuja consequência inevitável é a

criação de um sentimento de incapacidade, de incompetência (BAGNO, 2007, p.

107).

3.2.5 Respostas da pergunta 5 do questionário: Qual é a reação dos professores

quando um colega fala “errado” ou por falar diferente dos demais?

Aluno 1, M, Escola PU: “muitos professores não falam nada mas outros comessa a

chamar a atenção e punir o aluno que começou a dar risada.”

Aluna 4, F, Escola PU: “ele o corrige, mas explica que ás vezes não é totalmente

errado, é apenas o jeito que a pessoa está acostumada a falar.” Aluno 11, M, Escola P:

“se a pronuncia estiver errada como: “iglesa”, ação dos professores é corrigir para que

ela aprenda a falar corretamente, na língua culta”.

Pode-se observar, nestes fragmentos responsivos, em especial o da aluna 4, da escola

pública, e o do aluno 11, da escola particular, que a palavra “corrigir” se destaca, contudo, a

justificava para o seu uso é distinta em ambos os contextos, pois, na escola pública, o

professor “explica que às vezes não é totalmente errado” (Aluna 3), ou então, chama a atenção

e mesmo pune “o aluno que começou a dar risada” (Aluno 1); já o professor da escola

particular corrige “para que ela aprenda a falar corretamente” (Aluno 11).

Portanto, é possível afirmar que os professores da escola pública já têm voltado olhar

para as variedades linguísticas, enquanto que a escola privada valoriza unicamente a norma

culta, atribuindo como lugar do “erro” tudo o que destoar dela.

No contexto escolar, o modelo tradicional de ensino, por sua vez, pode ocasionar

reações diversas no aluno. Atitudes grosseiras na correção do “erro”, por exemplo, podem

provocar no aluno transtornos no seu processo de construção de aprendizagem, sendo assim, é

necessário que o professor tenha cautela e que use este “erro”, como um instrumento no

processo de construção de aprendizagem do aluno.

Azenha (apud FERREIRO, 1994) explicita que diante do ‘erro’ observado nas

realizações da criança, o interesse construtivista não é apontá-lo, mas estudá-lo, descobrir suas

razões.

Logo, se o professor adotar uma atitude agressiva no processo de avaliar o “erro” do

aluno, este pode sofrer abalo tanto emocional quanto com relação à autoestima, além de poder

causar-lhe desinteresse pelo ensino.

36

Por fim, de acordo com La Taille (1997), o “erro” pode ser fonte de tomada de

consciência. Por isso, cabe ao professor direcionar o aluno, mostrando que o “erro” é o início

da aprendizagem e da construção do próprio conhecimento.

3.2.6 Respostas da pergunta 6 do questionário: Na sua opinião, por que o

preconceito existe?

Aluna 6, F, Escola PU: “Porque não respeitamos as diferenças, pois ninguém é

igual mas todos somos seres dignos de serem tratados com respeito e carinho”

Aluno 10, M, Escola P: “o Preconceito existe porque muitas pessoas são diferentes

em falar, agir e as pessoas julgam eles e os encomoda”

Aluno 12, M, Escola P: “Porque algumas pessoas querem ser mais do que os

outros, querem falar melhor e etc.”

Os fragmentos acima apresentam argumentos diferentes, porém, seguem uma mesma

linha de reflexão. A aluna 6, da escola pública, afirma que a existência do preconceito

linguístico parte do princípio de não serem respeitadas as diferenças, ressaltando o direito de

todos serem tratados da mesma forma.

Por sua vez, o aluno 10, da escola particular, salienta que as diferentes formas de falar

das pessoas apresentam as diferenças que cada pessoa possui, e essas diferenças podem, por

vezes, incomodar os que primam, por exemplo, pela norma culta em seu contexto social, ou

seja, pode-se afirmar que esse sentimento de ‘incômodo’ se manifesta por não serem

respeitadas as variedades linguísticas que, inevitavelmente, englobam a língua portuguesa. O

fato dessas variedades linguísticas não serem respeitadas também vai em direção à resposta do

aluno 12, igualmente da escola particular, uma vez que ele afirma que alguns indivíduos

acham que a construção da sua fala é melhor do que a do outro, assim, acabam não

respeitando, fundamentalmente, a fala de alguém menos escolarizado.

Outra característica que engloba o fragmento do aluno 12 é que, pessoas que vivem

em regiões mais ‘atrasadas’ socialmente fatalmente sofrem com a assimilação de que sua

linguagem também é ‘atrasada’. A partir de todos estes apontamentos, pode concluir-se que o

preconceito linguístico pode desestruturar um aluno ou qualquer indivíduo em seu convívio

social, pois risos, ironias e piadas podem gerar traumas, e isso, com certeza, prejudicará seu

desempenho educacional ou profissional.

37

3.2.7 Apontamentos sobre as aulas assistidas na escola pública

A observação das aulas aconteceu em dois dias distintos, no início de setembro de

2014, foram um total de quatro horas de observação. Como já mencionado, observamos aulas

ministradas no 8º ano do ensino fundamental. O objetivo dessa observação pautou-se em

Lakatos (2010), visto que este autor fala que a observação constitui-se como uma técnica de

coleta de dados que visa conseguir informações e usá-las para obter determinadas

características da realidade. Sendo assim, ela não constitui por base apenas ver e ouvir, mas

observar e/ou examinar fatores que se desejam estudar para se alcançarem os resultados

desejados.

Nesse sentido, ficamos atentos à construção dos diálogos dos alunos, por isso, eram

feitas anotações em um caderno de campo. Além disso, conversamos, de maneira informal,

com professores e alunos para coletarmos informações sobre as possíveis diversidades desta

turma. Assim, descobrimos que a mesma constituía-se por alunos advindos de diversas

regiões do Brasil, de Estados tais como: Maranhão, Pernambuco, Pará, Ceará, Rio Grande do

Sul e Mato Grosso.

Verificamos, também, que, em vários momentos, principalmente nos de maior

desconcentração, variedades linguísticas e gírias foram utilizadas pelos alunos. Dentre as

variantes que mais se destacaram, citamos às relacionadas à falta de concordância gramatical,

tanto verbal quanto nominal, o apagamento do “r”, tanto em encontros consonantais quanto no

final de palavras, e o rotacismo (troca do l pelo r), as quais se desviam da norma-padrão

pretendida pela escola. Lembrando que, segundo Bagno (2004), a norma-padrão da língua é

aquela que os gramáticos da classe tradicionalista tentam atribuir como o padrão de língua

ideal.

Percebemos, em mais de um momento, risos contidos dos colegas ao uso de uma

construção considerada “incorreta”, ainda que nenhuma ‘correção’ tenha sido feita, talvez por

causa da presença da pesquisadora. No segundo dia de aula, além do processo de observação,

também aplicamos o questionário. Como conclusão, podemos afirmar que, após a aplicação

do questionário e do processo de observação das aulas, permitido pela coordenação desta

escola pública, a filosofia proposta por seu Projeto Político Pedagógico faz-se valer, visto que

a condução das aulas, em todos os momentos, estava comprometida com a formação de

alunos compromissados para exercer seu papel e sua cidadania dentro da sociedade.

Além disso, podemos asseverar que observar as variedades linguísticas e sua relação

com o preconceito linguístico dentro do contexto escolar pode permitir elaborar, futuramente,

38

uma proposta de intervenção em sua dimensão política, visto que, conforme o Projeto Político

Pedagógico desta escola, há a possibilidade de propor, analisar e refletir sobre quais ações

são necessárias para garantir um ensino de qualidade e que permita o acesso do aluno, bem

como a sua permanência na escola para aprimorar a sua realidade social.

3.3 Análise dos dados: questionário aplicado aos professores

Além do questionário aplicado aos alunos, também aplicamos um questionário para os

professores, com o intuito de identificarmos qual a opinião dos educadores sobre a

diversidade/variedade linguística e sobre o preconceito linguístico.

De acordo com Taylor & Vlastos (1983), o ambiente escolar é a vibrante interação de

criança, professor, currículo, ambiente, família e comunidade, é um microcosmo do universo;

o sistema escolar e sua organização revelam a sociedade; as pessoas envolvidas na

experiência de aprendizado formam a população.

Apresentamos, a seguir, as considerações tecidas a partir das respostas

disponibilizadas pelos professores, sujeitos da pesquisa.

3.3.1 Professor A, Escola Pública

Para o professor “A”, as variantes linguísticas são recursos linguísticos utilizados pelas

pessoas por intermédio da utilização da linguagem, que podem ser expressados tanto pelo

regionalismo quanto pelo coloquialismo verbal. Para ele, é perfeitamente possível trabalhar o

ensino da norma-padrão sem deixar de respeitar, ao mesmo tempo, as diferenças linguísticas.

Pode-se compreender, assim, segundo o professor A, que apesar das diferenças

regionais existentes em nosso país, assim como de distintas variações diastráticas, é possível

para a escola trabalhar com esta heterogeneidade, dando, contudo, ênfase à norma-padrão,

importante para vários contextos de comunicação. Porém, ele acredita que a maioria dos

educadores não tem formação suficiente para lidar com as nuances das variações linguísticas

em sala de aula, assim como não conseguem lidar com os regionalismos.

Ainda segundo este sujeito da pesquisa, é no contexto escolar onde mais se notam

práticas do preconceito linguístico, por apresentar alunos de todos os estilos, etnias, lugares,

culturas etc. A prática de bullying, por exemplo, com alunos que falam com uma variedade

linguística diferente das dos demais alunos ocorre com muita frequência, o que faz surgir

39

preocupação quanto ao rendimento e aprendizado desses alunos e, ainda, pelo fato de

conviverem com colegas que os fazem alvo de chacotas e risos.

Seguindo essa linha de raciocínio, conforme Bortoni - Ricardo (2005), observa-se que

o ensino da língua culta à grande parcela da população, que tem como língua materna as

variedades populares da língua, pode trazer consequências desastrosas, pois, geralmente, os

antecedentes culturais e linguísticos dos alunos não são respeitados e isso é um fator

contribuinte para desenvolver um sentimento de insegurança que pode fazer com que a

norma culta não lhes seja ensinada de forma eficiente.

Este educador disse que já presenciou atitudes que envolveram o preconceito

linguístico e ele afirmou que procurou contornar a situação sem que houvesse interferência do

corpo docente, e finaliza dizendo que, caso não tivesse agido de tal forma, o problema poderia

ter se alastrado e se tornado mais polêmico, ressaltando, ainda, que nessa ocasião ele procurou

acrescentar sobre a importância das diversas maneiras de se manifestar a língua, enfocando as

inúmeras belezas do vocabulário linguístico.

3.3.2 Professor B, Escola Pública

Para o Professor B, da escola pública, as variedades linguísticas são os diferentes

“falares” do nosso português, ou seja, são as diversidades de nossa língua. Em sua concepção,

é possível trabalhar com o contexto variacional brasileiro e dialogar com as várias “línguas”

existentes dentro de uma “língua mãe”, e essa “língua mãe”, para ele, seria a língua

portuguesa.

Contudo, segundo Glat (1998), de uma forma geral os cursos que abrangem a

formação de professores abordam, em sua essência, a teoria, porém, muitas vezes, não a

conciliam com a prática, isso se dá em virtude de muitos currículos apresentarem-se distantes

da política pedagógica e, assim, não contemplam a preparação dos professores com a

finalidade de capacitá-los suficientes para lidar com as diversidades encontradas em sala de

aula.

Ainda de acordo com o professor B, as variedades linguísticas dos alunos são

respeitadas em sala de aula às vezes, e outras vezes essas variedades não são respeitadas, isso

é um fato, segundo ele, que depende hoje em dia muito do professor, porém existe a falta de

respeito quanto às variedades linguísticas por parte de muitos alunos.

Nesse sentido, pode-se dizer que a língua tem uma influência muito grande na

interação das pessoas e dos grupos sociais, essa interação está, assim, diretamente ligada à

40

diversidade cultural de cada indivíduo em sua comunidade de fala, diversidade que deve ser

respeitada.

No que se refere ao preconceito linguístico em sala de aula, o professor B afirmou que

presencia muito esse tipo de preconceito, tanto o linguístico quanto o social, e que quando

isso acontece é preciso parar e dialogar com os alunos, pois muitos professores fazem de

conta de que nada está acontecendo e esse fator contribui para virar bullying.

Nota-se, assim, a consciência do professor para o fator que se agrega ao preconceito

linguístico, o bullying, uma vez que, para ele, muitos professores fecham os olhos para o que

está acontecendo em sala de aula, por isso é necessário muito diálogo por parte do professor

para com o aluno, diálogo este que pode acarretar em um crescimento de aprendizagem do

aluno e no combate às diversas atitudes de preconceito, linguístico e social.

3.3.3 Professor C, Escola Particular

Conforme resposta do professor C, da escola particular, as variedades linguísticas

consistiriam nas peculiaridades do falar de cada região, ele acrescenta, ainda, que cada região

possui uma forma cultural de falar.

Essas peculiaridades, para o educador, contudo, não são empecilhos para se trabalhar

com o ensino da norma-padrão e, ao mesmo tempo, respeitar as variedades linguísticas,

trabalhando a conscientização dos alunos sobre as variações da língua, sobre as influências

sofridas por meio do convívio familiar, social e da mídia. O professor ainda ressalta que não é

preciso abandonar as identidades originais de cada pessoa para se aprender a norma culta da

língua portuguesa, e que é necessário apenas saber usar uma variedade ou outra no contexto

adequado.

Para ele, os professores não têm formação suficiente para lidar com as diferenças

regionais e linguísticas, além de culturais, e por isso é necessário capacitação nessa área para

lidar com essas divergências, sendo assim, ele acrescenta que as variedades linguísticas dos

alunos são respeitadas conforme a formação do profissional que lida com o aluno, entretanto

afirma que não há respeito pelas variedades na maioria dos casos.

O professor chama a atenção, ainda, para o fato de, ao ter presenciado atitudes de

preconceito linguístico, ter tentado mostrar ao colega de trabalho que os professores têm o

papel de intermediadores e que, quando se ensina algo, tem que ser feito da melhor maneira

para que o aluno reconheça o porquê e qual a necessidade de se ensinar aquilo. Esse professor

41

finaliza seus apontamentos dizendo que a língua é uma prática social e por isso ela precisa ser

ensinada em um contexto que respeite todas as suas particularidades.

Assim, ao reconhecer que a escola e/ou os professores, muitas vezes não respeitam as

variedades linguísticas, este professor pode contribuir para que a escola aprimore seu

planejamento político de ações pedagógicas.

Para concluirmos nossas tessituras analíticas, vale ressaltar que objetivávamos, com a

aplicação do questionário aos professores de ambas as escolas, a particular e a pública,

identificar as diferentes percepções entre um sistema educacional e outro, porém,

especificamente com relação às respostas dadas por estes três professores, não há,

praticamente, divergência de opiniões. Todos afirmam que as variedades devem ser

respeitadas, e que a norma culta deve ser ensinada concomitantemente a estes usos

heterogêneos. E chamam a atenção para a falta de formação dos professores para o trabalho

com as diversidades/variedades linguísticas no contexto atual do ensino.

42

CONCLUSÃO

O intuito maior dessa pesquisa foi observar e refletir sobre as variedades linguísticas e

sua relação com o preconceito linguístico no âmbito de duas escolas do município de Sinop,

uma pública e outra particular, assim como socializar os materiais sociolinguísticos coletados,

descritos e analisados, para que possam ser cotejados por professores e pesquisadores

interessados em um ensino voltado para o respeito às diferenças dialetais/variedades, sem,

contudo, deixarem de primar pela educação de qualidade, na qual a norma-padrão se faz

imprescindível.

Além disso, compreende-se que os resultados apreendidos pela pesquisa possam ser

comparados com dados colhidos futuramente nos mesmos ou distintos espaços escolares por

outros pesquisadores. A pesquisa abordada pode contribuir, também, para auxiliar

pesquisadores da área da linguística a desenvolverem novos projetos de pesquisa sobre este

tema escolhido, tornando-se, assim, significativo para a construção de novos conhecimentos.

Os resultados de nossa pesquisa também podem colaborar para a formação de

cidadãos responsáveis e críticos dentro da sociedade. Através da proposta abordada na

pesquisa, conclui-se, portanto, que há muita variação linguística existente nas escolas, por sua

vez, também há muito preconceito linguístico no âmbito das escolas pesquisadas.

As consequências desse preconceito não deixarão de afetar a realidade escolar e social

dos alunos que o sofrem e isso pode abalar, profundamente, os seus sentimentos e suas

emoções. A interferência desses fatores reflete-se, inevitavelmente, em sua autoestima,

podendo retardar e/ou inibir seu desenvolvimento pessoal, profissional e intelectual.

Assim, vale lembrar, no que se refere ao preconceito linguístico em sala de aula, a

assertiva do Professor B, ao afirmar que, quando presencia uma cena de preconceito,

linguístico ou social, acha ser necessário parar a aula e dialogar com os alunos, pois muitos

professores fazem de conta de que nada está acontecendo e esse fator contribui para virar

bullying.

Diante desse contexto, a intervenção do educador pode contribuir com o seu papel

social de transformar o aluno em cidadão crítico e capacitado para enfrentar a realidade não só

do âmbito escolar, mas também social. Sendo assim, o professor tem um papel importante no

processo de aprendizagem do aluno, na construção do próprio conhecimento e da ética.

43

Esta é, portanto, a importância de se identificar o preconceito linguístico em sala de

aula, visto que as reflexões contribuem para propor um modelo educacional que vise a incluir

todos os alunos na sociedade de maneira mais justa e igualitária.

44

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