A Educação Feminina No Brasil Ao Final Do Século XIX

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    Este ensaio tem como objetivo investigar as concepes ideolgicas em relao educao damulher no sculo XIX no Brasil.A tese de que a partir do trabalho de Nsia Florestas "Opsculo Humanitrio" (1853) constri-seuma concepo hegemnica de cunho conservador em relao ao papel da mulher na sociedade

    brasileira cujo exemplo o trabalho de Tito Livio de Castro "Sociognese da Mulher (1892).Entretanto esta hegemonia no foi conseguida sem uma forte disputa e que evidenciada nesteensaio com a coletnea de textos publicada por Francisco Bithencourt em 1881 por ocasio dainaugurao da aula feminina no Liceu de Artes e Ofcios do Rio de Janeiro.

    This essay aims at investigating the ideological conceptions conceming women' s education in theXIX century in Brazil. The thesis we defend is that after the work by Nisia Floresta - "HumanitarianOpusculum" (1853) - a conservative hegemonic conception is built in the field. The example ofsuch a conception is the work by Tito Livio de Castro - "Women's Sociogenesis"(1892). A dispute

    process is shown in the "Collection" of texts on women's education published by FranciscoBithencourt - "Polyantha."(1881) - at the time of institution of female classes at Liceu de Artes eOfcios do Rio de Janeiro.

    * Prof. Faculdade de Educao da UFPelRua Almirante Barroso, 1734

    96010-280 Peloras - RS

    Fax (0532) 254573

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    Muitos estudiosos tm investigado a natureza das concepestericas do final no sculo XIX no Brasil (COSTA, 1956; BARRETO &PAIM, 1981) e os posicionamentos das mesmas em relao ao lugar da

    mulher na sociedade brasileira (SAFFIOTI, 1979; HAHNER, 1981; TELES,1993; PEIXOTO, 1936) .

    Mesmo assim, acreditamos haver lacunas que precisam ser preenchidas. Neste sentido, revisitar este perodo significa tambmcontribuir para a compreenso do processo de constituio da "situao damulher" no sculo XX no Brasil.

    nosso objetivo neste trabalho evidenciar o processo de construode uma determinada concepo ideolgica em relao mulher ao final do

    sculo XIX com matizes tipicamente conservadores e em consonncia coma sociedade urbano industrial em formao.

    O final do sculo XIX foi prdigo em iniciativas com cunho detransformao social. Reflexo, de certa forma, da prpria consolidao dosistema capitalista de produo, e por via de conseqncia, das "solicitaes"que esta forma de organizao social historicamente contm em suaestruturao, manuteno e reproduo ampliada.

    Em termos ideolgicos, destacavam-se trs correntes que, direta ouindiretamente, constituram o substrato ideolgico da sociedade emtransformao: o liberalismo, o positivismo e o ultramontanismo.

    Em antagonismo surgiram ou consolidaram-se alguns paradigmasque rivalizaram com os anteriores em maior ou menor grau na disputa pelahegemonia ideolgica: o socialismo utpico, a social-democracia, oanarquismo, e o comunismo.

    Uma questo que perpassou, de certa forma, todas estas propostas de

    organizao social foi a da educao e, particularmente, a da educao dasmulheres. 1Esta situao assumiu propores significativas neste perodo em

    funo das novas demandas sociais oriundas das transformaes no modode produo vigente.

    Antevendo este quadro social, muitos pensadores divisaram nasbrechas, que inevitavelmente surgiriam, a possibilidade da ampliao doespao social ocupado pelo segmento feminino na sociedade.

    No resta dvida que, em um primeiro momento, estas possibilidadeslimitaram-se rea de atuao da mulher burguesa, mas, no podendo ser

    I Entre outros: BEBEL, Augusto. A mulher ante o socialismo; MILL, John Stuan. A escravidofeminina; BAZAN, Emilia Pardo. La educacin dei hombre yde mujer; sus diferencias; AZEVEDO,

    Josefina Alvares de. A mulher moderna - trabalhos de propaganda.

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    represadas em seu avano, terminaram por atingir a todos os segmentos dasociedade.

    No sentido de amainar este avano, difundiu-se a concepo demulher como "potncia civilizadora", como a "redentora". Estabeleceu-se o

    mito de que "por trs de qualquer grande homem existe uma grandemulher". Nestes termos as mulheres foram induzidas ideologicamente asuperdimensionarem um poder que em verdade no possuam.

    " a idia muito difundida de que as mulheres puxam os fiozinhosdos bastidores, enquanto os pobres homens como marionetesmexem-se na cena pblica" (PERROT, 1988 ,p. 150)

    Acentuaram-se os papis sexuais com caractersticas bem definidas

    atribuindo ao homem capacidades de deciso, inteligncia, fora"racionalidade, etc, emulher espiritualidade, sensibilidade, moralidade, etc.

    " O sculo XIX acentua a racionalidade harmoniosa dessa divisosexual. Cada sexo tem sua funo, seus papis, suas tarefas, seusespaos, seu lugar quase prdeterminado, at em seusdetalhes.(idem, p. 178) ...Esboa-se um triplo movimento no sculo:relativo retraimento das mulheres em relao ao espao pblico;constituio de um espao privado familiar predominantemente

    feminino; superinvestimento do imaginrio e do simbolismomasculino nas representaes femininas ...(idem, p.180)

    Entretanto, mesmo predominando as concepes analisadas porPerrot, no se pode esquecer que, no Brasil, assim como na Europa, noforam poucas as manifestaes de educadores que divisaram para asmulheres um papel diferente.

    No Brasil, apesar da consolidao do modo de produo capitalista

    de forma tardia, nota-se que as repercusses das concepes ideolgicasdominantes, em nvel mundial, eram to ou mais intensas que em suamatriz. Particularmente o liberalismo e o positivismo conseguiramconsolidar-se como concepo de mundo hegemnica ao final do sculo,fundamentalmente com um posicionamento anti-monarquista.

    A rigor, as grandes discusses da sociedade brasileira no final dosculo XIX restringiram-se a fenmenos derivados de resqucios de modosde produo pr-capitalistas, basicamente a questo do abolicionismo sob oqual gravitava a preocupao de significativas parcelas das elites brasileiras,e num plano inferior, a questo religiosa, a questo militar, e a questoimigratria.

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    Embora no constituindo um efetivo movimento social, a questo daeducao da mulher aparece na pauta das preocupaes de muitos estudiososno Brasil, no sc. XIX. Entre estes destacam-se Francisco Bithencourt,

    Nisia Floresta e Tito Livio Castro.2Estes trs autores representam momentos especficos da evoluo do

    processo de formao da educao da mulher no Brasil na segunda metadedo sculo passado.

    Nesta investigao pretendemos mostrar o carter precursor de NsiaFloresta em termos de educao feminina e o desideratum de seu trabalhona obra de Tito Livio de Castro consubstanciada num posicionamentoideolgico de cunho conservador relativamente ecltico no qual insere-se

    elementos positivistas, evolucionistas, liberais, ultramontanistas, etc.decorrente do cadinho que era a postura em meados desta segunda metaderepresentada aqui pela "coletnea" organizada por Bithencourt.

    Nesta obra destacam-se os vrios paradigmas em disputa quanto anatureza da insero da mulher na sociedade em transformao.

    A compreenso da importncia da contribuio destes autoresprecisa ser avaliada na poca em que foram elaboradas e para a qualsignificavam propostas verdadeiramente transformadoras, constrastandocom a prtica ento dominante.

    Outro aspecto relevante que a par, com a contribuio terica sobreeducao feminina, estes autores, mormente Bithenchourt e Nsia Florestasingularizaram-se por colocar na prtica suas concepes de educao parameninas ao fundarem e dirigirem estabelecimentos de ensino com esteobjetivo.

    No Primeiro Imprio, o sistema educacional brasileiro estruturava-se

    de forma federativa, e quando visto em sua forma constitucional pareciaatender aos interesses da nao, como analisou um de seus defensores.

    " O ensino seria ministrado indistintamente e sem nus para ospobres. O Estado comprometia-se a propagar instruo em seusdiversos graus - primrio, secundrio, superior, tcnico e artstico.Em auxlio do elemento central formaram as leis orgnicas, quedefiniram as atribuies dos conselhos gerais das provncias e dascmaras provinciais e das camaras municipais, obrigando-os a

    zelarem tambm a distribuio do ensino. A coparticipao das

    2 Alm destes, sem dvida, poderamos ter usado outros trabalhos de nomeada como por exemplo:BARRETO, Tobias. A alma da mulher ; AZEVEDO, Josefina Alvares de. A mulher moderna.Trabalhos de propaganda; ABREU, Luciana Teixeira de. Educao das mes de farru1ia;

    VILLEROY, Frederico ernesto Estrela de. A ITssoda mulher.

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    assemblias locais produziu resultados timos dos quais no foicertamente menos importante o desnastro razovel das atribuies. Aassemblia geral coube legislar sobre a instruo primaria,secundaria e superior; aos conselhos gerais incumbiu-se a tarefa sob

    cauo do poder legislativo, de rezolver e votar a criao deestabelecimentos de ensino nas zonas rupertinas; as cmarasmunicipais encarregaram-se da inspeno das escolas primarias. Oato adicional completou a entrozagem geral do ensino. Foitransferido as assemblias provinciais o encargo de legislarem arespeito da instruo primaria, segundo o art 10 pargrafo 11 de leide 12 de agosto de 1834, de orientarem, com o auxlio da AssembliaGeral, dentro o de certos limites, o ensino secundrio e superior(GUIMARES, 1907, p. 15

    Em verdade, o autor apresentou um diagnstico que no corresponde realidade do que aconteceu no Imprio brasileiro em termos de educao.Esta harmonia somente ocorreu nas proposies legais, pois na prticarevelou-se o descaso com que a educao era vista.

    O Segundo Imprio no apresentou um quadro diferente. Apesar deespordicas iniciativas no sentido de implantar algumas reformas noocorreram mudanas significativas a ponto de caracterizar um padro

    educacional diferente do perodo anterior.Mesmo assim, no final do Imprio ocorreu uma srie detransformaes sociais que indicavam claramente a gnese de umaorganizao social nova. Novas idias comeavam a circular arejando asformas tradicionais de conceber o mundo e as coisas. O liberalismo, opositivismo, o abolicionismo, etc. paulatinamente passaram a ocuparmaiores espaos no espectro ideolgico do pensamento brasileiro, corroendoas bases que sustentavam a sociedade monrquico-escravocrata.

    Entre estas mudanas sociais uma que assumiu conotaes especficascom a rea educacional foi o processo de "emancipao feminina". Emmeados do sculo passado a concepo de "libertao" da mulher atravs daeducao passou a cativar cada vez mais adeptos. E tanto terica como cominiciativas concretas vrias pessoas passaram a defender alternativas que

    visassem a implantao desta idia.No final do Imprio, o sistema educacional estava sob a direo e

    implantao das provncias, com exceo do "municpio neutro". Salvo o

    ensino superior, todos os outros tipos de estabelecimentos educacionaisdependiam dos governos provinciais e municipais.

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    "Nossas municipalidades e sobretudo nossas provmcIas, temliberdade para escolher o pessoal docente, fixar programas adotarmtodos e criar escolas. No lhes impe o Estado qualquer presso

    administrativa, qualquer direito de inspeo. Os exames que exigedos candidatos de qualquer provenincia que se queiram inscrevernos estabelecimentos de ensino superior so o nico meio que sereservou para influir sobre a instruo primria e secundria"(SABOIA, p. 257)

    Esta ltima questo demonstra cabalmente o carter elitista daeducao brasileira pois evidencia a preocupao de fiscalizar o acesso aonvel superior, enquanto que os outros graus ficavam num segundo plano.

    Deste modo, no havia preocupao em expandir a rede de ensinoparticularmente a profissionalizao atravs do "ensino superior", paraatender aqueles segmentos culturalmente marginalizados (os pobres, osnegros e as mulheres, por exemplo).

    Todo o sistema baseava-se no processo de equiparao ao colgiopadro: o "O colgio imperial de D. Pedro II" no Rio de Janeiro.

    Sendo que na rea de ensino bsico ainda havia possibilidade damulher adquirir instruo em algum estabelecimento pblico, mas com

    relao ao 2 grau este s era oportunizado, a rigor, nos estabelecimentosparticulares e mesmo assim com muita parcimnia ( MOACYR, 1936;SAFFIOTI,1979; ALMEIDA, 1889; TAMBARA,1995).

    Decorreu deste aspecto, talvez, a admirao de Nsia Floresta pelasinstituies particulares de ensino em termos de educao para meninas. "Sempre divergimos das que preferem a educao pblica a particular para

    meninas principalmente "(p.90)

    No Brasil, uma das primeiras educadoras que sistematizou suaconcepo com relao "educao do sexo" foi Nsia Floresta.Constitui-se evidentemente um caso marginal em sua poca. Foi uma

    mulher de larga circulao nos crculos intelectuais da Europa tendoinclusive estabelecido relaes com Comte e que se torna a partir de entoseu mentor intelectual.

    Em termos educacionais Nsia Floresta fundou um colgio parameninas em Porto Alegre e posteriormente transferiu-o para o Rio de

    Janeiro. Para meados do sculo XIX as idias sobre educao da mulher esobre a mulher em geral estava a elaborao terica de Nsia no limiar da"conscincia possvel" daquela sociedade. A obra que utilizamos ( OpsculoHumanitrio) foi editada em 1853.

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    Propugnava a ocupao de novas funes sociais caracterizando umposicionamento-chave na postura perante a questo da educao da mulherna qual entendia "no ser a mulher somente destinada a guardar osrebanhos, a preparar a comida e a dar a luz a sua posteridade" . (p. 3)

    Apesar de reconhecer o empenho de "homens pensadores" emharmonizar a educao das mulheres com o desenvolvimento dahumanidade, Nsia Floresta ressaltava que muito pouco estava sendo feito

    para a efetiva transformao do processo educativo da mulher.

    "Nada porm, ou quase nada temos visto fazer-se para remover osobstculos que retardam os progressos da educao das nossasmulheres a fim de que elas possam vencer as trevas que lhes

    obscurecem a inteligncia e conhecer as douras infinitas da vidaintelectual a que tem direito as mulheres de uma nao livre ecivilizada" (FLORESTA, p. 44)

    Nsia no escapa da nfase na questo da moralidade atribuindo mulher a funo de estabelecer, por princpio de conduta, a humanidade ."Mais de um moralista tem estabelecido o princpio que julgamos ter jdemonstrado, isto ,que a educao da mulher muita influncia tem sobre amoralidade dos povos e que o elo caracterstico mais saliente de sua

    civilizao" (FLORESTA, p. 46)A tradio de desprezo com relao ao ensino s mulheres que

    grassa no Brasil decorre da herana da metrpole onde a "educao do sexo"sempre foi colocada em um segundo plano.

    As atividades das mulheres brasileiras so vistas como alienantesno caracterizando uma efetiva participao no processo produtivo.

    "Saber habilmente manejar os bilros com que faziam grosseirasrendas, girar o fuso para reduzir o algodo a grosso fio, pegar naagulha sem o conhecimento dos delicados trabalhos que dela se

    podem obter, conhecer o ponto de calda para as diferentes compotas edoces secos, laborar a lanadeira do tear, bambolear a pequenaurupema e a fina peneira para preparar depois as massas, colorir asescamas dos peixes ou adaptar as variedas penas dos lindos passarostropicais a simetria das flores que fabricavam com umas e outras etc.tais eram geralmente as ocupaes que revelavam talento da jovembrasileira" (FLORESTA ,p. 54-5)

    Nsia possua uma noo relativamente precisa dos interessesenvolvidos no tradicional descaso com que era tratada a educao em geral,

    particularmente a "educao feminina". Ao governo, no convinha a

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    universalizao da instruo uma vez que esta poderia levar ao aparecimentode focos de questionamento da ordem social vigente.

    "Quanto mais ignorante um povo tanto mais fcil a um governoabsoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder.

    partindo deste principio, to contrrio marcha progressiva dacivilizao, que a maior parte dos homens se ope a que se facilite mulher os meios de cultivar o seu esprito. Porm este um erroque foi e ser sempre funesto prosperidade das naes como ventura domstica do homem." (FLORESTA, 1988, p.60)

    Uma das questes que preocupavam Nsia era a qualificao dasprofessoras que, de modo geral, no preenchiam as condies necessrias aum bom exerccio do magistrio. Esta situao era mais grave na redepblica de ensino onde no havia a presso da concorrncia de mercadoque apesar dos pesares contribui para um esforo maior no sentido de ofere-cer uma imagem de competncia pedaggica.

    Da o descrdito em que caram as escolas pblicas de instruoelementar frequentadas somente, ainda hoje, por meninas a cujos

    pais falecem os meios de as mandar s escolas particulares, postoque, em geral, as diretoras destes no sejam mais capazes decorresponder sua expectativa. Mas, ao menos, estas se esforam

    por adquirir uma reputao de que depende o progresso de seusestabelecimentos, enquanto que as outras, certas do ordenado que

    percebem, sem embargo do nmero de alunas no curam deaumentar essa reputao que julgam, alm disso ter bem fIrmado

    perante o ilustrado auditrio que assistiu a seus exames"(FLORESTA, p. 71)

    Apesar da predileo pelas escolas particulares, Nsia defende umaparticipao mais efetiva do Estado no controle do tipo de educaoministrada nas escolas particulares no sentido de garantir um nvel mnimode qualidade de ensino. Nesta perspectiva, questiona a forma essencialmentemercantil com que tratada educao no Brasil.

    "Uma casa de educao entre ns em geral, uma especulao comoqualquer outra. Calcula-se de antemo o nmero dos alunos

    prometidos ou em perspectiva, as vantagens que podem resultar deuma rigorosa economia, em que por vezes a manuteno daqueles comprometida. Fazem-se ostensivos prospectos e conta-se com acredulidade do pblico, sempre solcito em acolher sem exame tudo

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    o que tem a aparncia de novidade e de ostentao"(FLORESTA, p.78)

    A discriminao pelo "sexo" extremamente acentuada e, de modoespecial, se verificava nos estabelecimentos particulares.

    "No somente os que pertencem no sexo so em muito menornmero, mas tambm no oferecem geralmente um estudo regulardo ensino secundrio, ensino vedado ainda hoje s nossas meninasem estabelecimento pblico. E, nos particulares, nenhuma aulaexiste de alguns dos ramos das cincias naturais, cujo estudo toagradavelmente e til seria s mulheres que nascem, vivem e sentemno meio da nossa rica natureza tropical"(FLORESTA, P. 86-7)

    Consciente da omisso do governo defende maior participao dainiciativa particular no sentido de preencher esta lacuna deixada pelo

    governo. (idem p. 87)A luta maior de Nsia voltou-se para o combate aos pr-conceitos com

    relao educao das mulheres.

    "Era quase geral a opinio como dissemos, que a instruointelectual era intil quando no prejudicial, s meninas.

    (FLORESTA, p. 65)A exemplo de seu mentor intelectual, Augusto Comte; Nsia Floresta

    defende a posio de que a "educao dirigida pelas prprias mes,quando estas possuem os predicados para bem desempenharem to difcil

    tarefa"(p.89) oferece vantagem quanto oferecida em estabelecimentosformais de ensino.

    "Uma me bem educada e suficientemente instruda para dirigir aeducao de sua filha obter sempre maiores vantagens, aplicando-se comterna solicitude a inspirar-lhe como emulao o sentimento da prpriadignidade, que qualquer diretora no conseguiria obter de suas educandas"(FLORESTA, p.9)

    Uma questo efetivamente revolucionria em Nsia a concepo deintegrao entre educao e trabalho. Entendia ela que desde tenra idadedeveriam, as meninas, habituarem-se ao trabalho. No devemos nosesquecer que no sculo passado s mulheres propunha-se, ideologicamente,

    um posicionamento de repulsa ao trabalho manual, considerado como algoindigno e que deveria ser feito pelos escravos.Deviam ento as mes habituar suas filhas ao "trabalho,

    apresentando-o como uma virtude necessria em todos os estados da vida,

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    qualquer que seja a opulncia do indivduo, e no digno do desdm com queo olham certas classes" (Idem, p.I13)

    No trabalho de Nsia nota-se com clareza a gnese de uma srie de

    concepes em relao formao da mulher que indicam uma ruptura emrelao quilo que tradicionalmente ocorria na ordem aristocrtica-escravagista vigente.

    A rigor, indica que em meados do sculo passado se acelera umprocesso de redimensionamento do espao feminino na sociedade e para oqual vrios projetos ideolgicos se materializaram.

    Ao final do sculo, podemos ver que o que obteve a hegemonia foium modelo ecltico, mas com dominncia de aspectos oriundos do

    positivismo e do evolucionismo social de cunho spenceriano, cujorepresentante elegemos Tito Lvio de Castro consubstanciado em sua obra"Sociogenese da Mulher" escrita em 18923. A grande contribuio desteautor a da desmistificao da vocao feminina. Defende a posio de quea situao inferiorizada da mulher se deve, fundamentalmente, a umaevoluo menos acelerada do crebro da mulher, de origem quase queexclusivamente social, e que poderia ser recuperada pela hereditariedade e

    pela educao.Com uma viso sob forte influncia Darwinista, Tito Livio Castromostra a educao da mulher como condio "sine qua non" evoluo dahumanidade. Atribui, fundamentalmente, a posio da mulher na situaode inferioridade em que se encontra s caractersticas scio-genticas daevoluo da mulher. Neste sentido, segundo ele:

    "Educar a mulher intervir na seleo humana, dirigi-Ia nosentido da evoluo mental" (CASTRO, p. 359)

    Para Tito Lvio de Castro, a mulher possui um crebro menor e socializada para ocupar um local de subordinao na organizao social efamiliar: dois aspectos perfeitamente reversveis atravs da educao e dahereditariedade. Em termos cientficos, nada existe que comprove umaeventual inferioridade mental de mulher com relao ao homem.

    "O crebro feminino s espera o fermento da educao para evoluir.Educada a mulher, organizada a seleo intelectual, a nica

    rigorosamente compatvel com a vida de uma espcie que existepela inteligncia, estaro para sempre rotas as cadeas que prendem aespcie e a sociedade ao passado remoto ... (CASTRO, p. 405)

    3Discordo de urna interpretao. que considero muito rigorosa, da postura ideolgica de Tito Livio deCastro, que considero muito mais spenceriana do que lamarkiana ou mesmo "haeckeliana"

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    Assim, devido a uma acelerao maior da evoluo do crebro damulher, esta deve equiparar-se ao homem.

    A educao da mulher proposta por Tito Livio tinha em vista as

    novas formas de produo que penetravam na sociedade com a introduo damaquinaria e que acabariam por transformar radicalmente o perfil dotrabalho necessrio s indstrias.

    As consequncias das transformaes no sistema de produopreocupavam Tito Livio, pois com o incremento tecnolgico, milhes detrabalhadores teriam seus empregos eliminados.

    Da mesma forma com relao mulher, pois algumas de suas"virtudes" profissionais seriam superadas, e a maquinaria obrigaria areciclagem da fora de trabalho feminina. A mulher deveria aproveitar estastransformaes sociais para recuperar o terreno perdido.

    Tito Livio de Castro no tinha iluses em relao educao emvoga naquela poca, a qual era vista como excessivamente bacharelesca einadequada demanda da nova sociedade que se estruturava. Segundo ele, osistema educacional em vigncia e que atendia sociedade escravocrata,

    precisava ser substitudo por mtodos e contedos renovados.

    Outro mrito da contribuio de Tito Livio o deslocamento dafuno principal da mulher na sociedade. Ele questiona o axioma de que "amulher deve ser unicamente procriadora"( p.318)

    Era crena difundida de que a educao da mulher levaria "dissoluo da farmlia". Tito Livio questiona esta assertiva.

    " A famlia e a sociedade so organizaes que coexistem no tempoe no espao. No possivel existir cada uma dessas organizaessustentada por um sexo porque esses proprios sexos s podem

    viver, s podem existir associados, s podem coexistir. A sociedadeno lugar s do homem, a famlia no lugar s da mulher. Asociedade uma determinao da evoluo mental e no daevoluo testicular; a famlia uma determinao da evoluo mentale no da evoluo ovria" (CASTRO p. 338)

    As transformaes scio-econmicas provocam um naturaldesenvolvimento das concepes de mundo, e com relao a qual a mulher

    corre o risco de distanciar-se cada vez mais permanecendo com umamentalidade obtusa descolada dos novos tempos. Tito Lvio refere-se,fundamentalmente, mulher burguesa para a qual, nascida em umaatmosfera de opulncia, a vida seria a monotonia da ociosidade.

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    " Para ela a vida ser a monomania sexual; viver pelo homem epara o homem, viver pelo sexo e para o sexo, viver para uma funo,viver para ser menos que um organismo, para ser um orgo. A vidada mulher passar-se- na estreita esfera da ecotomania. Por todosos motivos a educao da mulher se impe sempre como umanecessidade, um interesse geral. O estado actual insustentvel. Aeducao feminina actual (chamamos educao porque falta-nos umtermo apropriado) nociva, imensamente nociva sociedade."(CASTRO p. 352)

    No caso da mulher proletria sua expulso do sistema industrial pelamaquinaria fIavida ser a misria, a morte fora da prostituio, a morte na

    prostituio "(p.35)

    Segundo Tito Livio a transformao da sociedade depende doprocesso de integrao da mulher ao sistema produtivo, retirando-a daposio de entrave ao processo de desenvolvimento. '~ mulher umelemento conservador, coercitivo, uma fora esttica que pode e deve ser

    transfonnada na dinmica de interesse geral, na evoluo" (CASTROp.354)

    Embora eivada de posies contraditrias, de modo geral esta amaneira dominante com a qual a mulher emergiu no sculo XX. Entretanto,

    esta no atingiu este patamar sem superar, ou pelo menos marginalizar,outras formas de encarar este papel.

    Neste sentido, para expressar esta multiplicidade de pontos de vistaescolhemos uma publicao que se constitui de uma coletnea de"manifestaes" elaboradas por ocasio da inaugurao da aula noturna parao sexo feminino do "Liceu de Artes e Ofcios", em 1881, no Rio de Janeiro.Este estabelecimento de ensino foi fundado e era dirigido por FranciscoJoaquim Bithencourt da Silva. Era um estabelecimento particular e os

    professores nele ministravam aulas sem remunerao alguma. Nesta"Polyantheia" mais de uma centena de intelectuais manifestaram-se ( em at20 linhas) sobre a educao para mulheresA

    No resta dvida que as ltimas dcadas do sculo XIX estomarcadas, em termos ideolgicos, no Brasil, pela consolidao dacosmoviso positivista.

    O positivismo caracteriza-se por uma interpretao do papel damulher na sociedade, de certa forma, contraditria. Ao mesmo tempo que

    lhe atribui um papel singular, em termos de destinar mulher o papel de

    4 As citaes dos trabalhos apresentados nesta "Polyantheia" sero feitos com o nome do autor e dapgina

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    "formadora" da nova sociedade, tambm destina-a a uma vida reclusa aolar, isto , petrifica-se uma diviso sexual do trabalho onde mulher eradestinada uma funo acentuadamente "moralizadora" enquanto que ao

    homem cabia enfrentar as dificuldades oriundas das atividades exgenas"ao lar".

    Na "Polyantheia" grande o nmero de autores que implcita, ouexplicitamente, ao se pronunciarem com relao educao da mulher,fazem-no sob uma tica eminentemente positivista.

    Reuna o positivismo

    ou o ideal, embora,o teu claro, aurora !A iluminar seduz.

    As mulheres do povoas mes que no futurodaro fulgor seguroas novas geraes,

    vo conquistar sem penas,luz! crena! (o paraiso!)e encher de esperana e risoos tristes coraes !

    Hoje no se olha o Eternonem mesmo j se espera,mas sempre, altivo, imperao doce, o santo amor!decoram imitandoLittr, Darwin e Comte;e a Caridade, a fontedo bem, v sem temor"(Adelina A. Lopes Vieira, p. 9)

    Um aspecto sobre o qual o positivismo apresenta-se de certa forma

    intransigente o de que a necessidade de instruo para as mulheres nodevia se constituir em instrumento que possibilitasse mulher desempenharoutras atividades que no s inerentes sua funo no lar.

    "Como incitamento para os nobres e delicadissimos encargos sociais,cumpre mulher ilustrar e exercitar suas faculdades intelectuais. Se,

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    porm, afastar-se ela de seu objetivo, isto , de educadora nosanturio do lar domstico, jamais ter-se-ha a mulher - mae -.Incutir-se um principio desorganizador no espirito feminil, tal comoo ensino profissional, prprio do homem, no mostrar-se sabedordas leis positivas que regem a sociedade e a cada um de seusmembros." (Rubem Tavares, p. 14)

    Este posicionarnento referendado pela contribuio de TeixeiraMendes (Apostolado Positivista)5 que tipifica muito bem o posicionamentocomtiano com relao s consequncias da educao inapropriada mulher.

    "Entre as aberraes monstruosas a que tem dado lugar uma

    concepo anti-cientfica do progresso, nenhuma deve mais alarmaros coraes patriticos do que a preteno de criar na mulher um

    concorrente ao homem, abrindo-lhe o livre acesso das mesmasprofisses industriais e cientficas. O perigo tanto maior quanto se

    apela, consciente ou inconscientemente, para os estimulos inferioresda natureza humana, - a cobia, o orgulho, a vaidade, -comprimindo o que h de mais nobre em nosso corao,- o apego, avenerao, o amor universal, - a pretexto de melhorar a condiofeminina nas sociedades modernas. Ergue-se por esta formas ummundo de rivalidades ente os dois sexos, cuja consequencia sera degradao feminina pelo cultivo direto desses instintos egoistas ea compreenso continua desses moveis altruistas. A essa degradao

    fatal seguir-se- o maior embrutecimento do homem pelos atritos

    de uma luta inevitvel e por insuficincia da ao moralizadora da

    mulher. E desses homens depravados e destas mulheres decadas spoder provir uma gerao abastardada pela fixao na espcie dosvicios adquiridos por tais antepassados." (R. Teixeira Mendes, p.28)

    Esta diviso de atividades, por vezes, justamente uma questo decarter moral, onde atribui-se um carter "pecaminoso" ao fato da mulher"abandonar o lar" na realizao de atividades "naturalmente" destinadas aognero masculino. Esta ousadia ter como conseqncia "lgica" adesagregao familiar.

    "Educai a mulher tanto quanto seja preciso para fazer dela uma boame de famlia a mais slida base do progresso da humanidade.

    5 Fizemos questo de colocar em nossa amostragem dos trabalhos de autores positivistas que contribuirampara a "Polyantha" os dois maiores expoentes do " Apostolado Positivista" no Brasil no final do sculoXIX - Miguel Lemos e Teixeira Mendes.

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    No dia em que a mulher deixar cair s portas do lar as angelicasasas, sob cujo calor se devero abrigar os inocentes filhinhos, paracorrer em busca das vitorias da cincia, apagar a aureola fulgente

    que a tornava Santa e Venerada.

    E quando, cansada das fadigas, vencida na luta, voltar ao lardomstico, este ser deserto, mudo, e a sua solido e a sua mudez afaro reconhecer que, aprendendo muitas coisas que devia ignorar,desapareceu aquela que nunca deveria esquecer: a cincia das mes."( Dr. Moreira Sampaio, p. 30)

    Para finalizar esta amostragem dos autores positivistas vejamos

    alguns excertos da contribuio de Miguel Lemos expoente mximo destacorrente no Brasil.

    " Formar o homem a funo normal da mulher. A sua instruo,dever sempre ser instituda tendo em vista este alto destino, que spode realizar-se no lar. Libertar a mulher da oficina e do trabalhoexterior, tal deve ser a condio necessria de qualquer plano quetenha por fim fornecer s nossas companheiras uma instruoequivalente nossa.

    A marcha da civilizao nos mostra, que medida que avanamos,duas necessidades conexas se fazem sentir cada vez mais: dar mulheruma instruo geral comum aos homens, faze-Ia rainha do lar domstico,educadora e moralizadora do homem.

    Nada h mais chimerico do que certas doutrinas hoje em voga sobrea igualdade mal entendida do homem e da mulher; nada maisdesmoralisador do que lanar a mulher na concorrncia industrialcom o homem. Ser me e esposa quanto basta sua glria, felicidade sua e nossa."

    (Miguel Lemos,p. 74)

    Um posicionamento distinto bastante difundido, apesar deincorporar algumas concepes positivistas, sobre a mulher aquele queprocura caracterizar o papel da mulher eminentemente como "esposa, me efilha". Estrutura-se uma concepo conservadora, que enfatiza, de certaforma, a funo procriadora da mulher e o seu papel submisso ao homemnuma clara assuno ultramontana de inspirao "so paulina".

    A instruo configura-se como algo positivo enquanto refora asubjetividade direcionada ao papel de esposa, filha e me. para o bomexerccio destas funes que devia a educao das mulheres dedicar-se.

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    Esposa, filha e me- sincera e amante,

    S ela quem por ns de amor constantePadece sem cessar!

    Ou na viva alegria, ou na amargura,somente a mulher toda a doura

    No bem do nosso lar!..

    Em paga, pois, da dvida sagrada,Que por ns contraiu - predestinadaEm toda a gerao,Veja ela na luz que hoje lhe damos,

    A prova desse amor que lhe votamos,Na sua educao!..(L. M. Pecegueiro)

    Este aspecto que reiteradas vezes aparece na "Polyantheia" possui,por vezes, uma conotao bem especfica caracterizando o que se entendepor uma "boa" me, filha ou esposa.

    "...Filha, esposa e me, eis as perolas mais preciosas da sua coroaneste mundo. Mas, para que a filha seja obediente, a esposa fiel e ame exemplar - cumpre desenvolver a sua inteligncia pelainstruo e formar o seu esprito pela educao

    (Antonio Manuel dos Reis, p. 19)

    Da mesma forma assim se manifesta outro autor:

    "...QuandoohrnJ.ema col0c00a seuladonaj

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    " Os desvios da mulher perante as leis sociais devem ser atribudosna maior parte dos casos, sua falta de cultura intelectual.

    Aos arroubos de um corao em extremo sensvel e de uma ardenteimaginao convm pois, que se anteponha o culto da razo."

    (Laurentina Netto, p. 11)

    De modo geral nesta viso tradicional, apesar de enfatizar anecessidade de educao da mulher, o objetivo ainda o homem.

    "A base fundamental do engrandecimento de uma nao deve ser ainstruo do homem.

    A nao que cuidar de instruir a mulher ter caminhado muito para ainstruo daquele e portanto para o seu engrandecimento.

    (Guilhermina de Azambuja Neves, p. 34)

    Um aspecto que se faz presente em muitas "manifestaes", e de certaforma de origem tambm positivista, a nfase dada distino entreinstruo e educao. Atribui-se uma importncia maior educao

    presumindo sob este aspecto um caracter relativo instruo.

    "Instruir o esprito sem educar o corao aumentar a aptido dohomem para o mal; pelo contrrio cultivar a inteligncia depois deinocular na alma o sentimento do bem, aumentar-lhe a aptido parao bem"

    (Lino de Almeida, p.35)

    interessante notar que, independentemente dos posicionamentosideolgicos, observa-se no papel da educao da mulher um fator demudana social: "Educar, instruir, esclarecer a mulher o primeiro passo

    para reformar a sociedade" (Anna Machado Nunes Penna, p. 10)natural em um pas de formao ocidental crist como o Brasil do

    sculo XIX que ocorra uma vinculao desta ideologia necessidade deeducao da mulher. Procura-se assim em parmetros evanglicos a

    justificativa para tal empreendimento.

    Configura-se, assim, uma outra mundividncia que se despe dopositivismo ficando apenas com uma corrente catlica vinculada aoregalismo baseada, a rigor, em um "pietismo secular".

    " A educao intelectual da mulher, presentemente considerada comoindeclinvel obrigao social, o complemento da santa doutrina do

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    Divino Mestre, cujos lbios no se abriram nunca seno paraensinar ao homem o amor do prximo, para exaltar os humildes edefender os fracos.

    Foi, em verdade, do Evangelho que se refletiu para a mulher acintilante aurola que lhe cinge a fronte na sociedade moderna.

    Foi Jesus que levantou-a do aviltamento a que tinham arrojado oegosmo e a ignorncia das antigas geraes; e desde ento deixou amulher de ser escrava, para tornar-se a companheira do homem....

    (C. A. de S, p. 36)

    da mesma forma assim se manifesta o Dr. Fernando Mendes (p.93)

    " O Lyceo de Artes e officios, empreendendo a educao da mulher,tomou sobre seus ombros dificlima tarefa. Chegar todavia ao alvoa que se prope se no esquecer que a base da educao o temorde Deus; a religio."

    A par de muitos autores que atribuem Igreja o papel dedignificao da mulher muitos outros interpretam esta relao de modototalmente inverso. Consolidou-se em muitos lugares centros de difuso

    ideolgica tipicamente anti-clericais e em muitos casos anti-religiosos. Talmundividncia atribuem ao aparelho ideolgico religioso a situao damulher em um segundo plano. Na "Polyantha" pode ser representado porCastro Fonseca:

    "ANTITHESE-Donde vens tu, mulher, como a desgraa esqualida?Que precoce velhice a tua fronte alveja!

    Quem s tu? donde vens, rnisera, to palida?-Eu sou a ignorncia, e venho de uma igreja!

    -E tu, bela mulher, rosada, alegre e pura,Que ostentas no semblante a seiva das corolas,Quem s tu? donde vens, possante criatura?-Eu sou a educao, e venho das escolas! "(Castro Fonseca, p.45)

    No resta dvida que as ltimas dcadas do sculo XIX foram frteisem idias que contriburam para consolidar o processo de expanso dospapis sociais desempenhados pela mulher.

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    A verdadeira revoluo verifica-se na ampliao do sentido do que seentendia por trabalho. Em outras palavras, a atividade laboral perde

    paulatinamente a conotao negativa, que at ento possua, e aliada a esta

    transformao ocorre a ampliao da atividade feminina na sociedadeextrapolando o nvel domstico.

    Associada a esta transformao ocorre uma vinculao entreeducao e trabalho direcionada ao sexo feminino. A educao vista comoum instrumento necessrio ampliao do trabalho feminino.

    A idia de que a educao feminina no deve constituir apenas umaforma de ilustrao deletria destinada a propiciar oportunidade de "brilho"s mulheres nas reunies sociais. A educao consistiria basicamente emum "envemizamento intelectual".

    "Entristece-me ver uma senhoraFormosa, mas obtusa. Seja emboraSimplesmente simpatica;Saiba, porm, um pouco de gramatica.Quando entrar numa salaA todos saiba dirigir a fala

    Analise toilettesMas, como, alm de agulhas e alfinetes,Alguma coisa o mundo tem, palestreSobre estes trs assuntos:Ciencias, artes e literatura.Um livro embora mau sempre um mestreEscolhida leituraPode espirito dar, mesmo a defuntos !"(Arthur Azevedo, p. 40)

    Outros autores entendem que a educao da mulher precisa ter umaconcepo mais ampliada da que aquela que a concebe como um "bibelsocial"

    Tudo isso ter fim, no dia em que a mulherEm vez de Belo sexo - enfeite de saloQuiser ser s mulher - quiser ser e souberE o dia se aproxima!. .. Eu diviso o claroDas nuvens atravs dargento e rosiclerDo sol desse almo dia - o sol da educao"(Rangel de S. Paio, p. 15)

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    o aspecto importante a nfase no carter de profissionalizao damulher, possibilitando a atuao feminina em atividades at ento apenasdesempenhadas por homens.

    " Nas mais antigas tradies e na prpria natureza da mulher

    fundamenta-se a educao profissional a que tem direito.Poderosissimo auxiliar de h muito empregado pela moral e pelareligio sua eficcia no aperfeioamento da humanidade demonstrada exuberantemente pela cincia moderna" (T. das N.Leo, p. 24)

    O aspecto de emancipao da mulher atravs da educaoprofissional uma constante nos autores de "mentalidade mais aberta"

    "Cuidar da instruo digno de louvor; cuidar da educaoprofissional bem merecer da Ptria; mas cuidar de preparar efornecer mulher instruo elementar e educao artistica e

    profissional; isso belo, grandioso, sublime; porque realisapraticamente a emancipao da mulher, tornando-a capaz desubsistir por si s; o que constitui a verdadeira emancipao: amoralizao, a dignificao, a elevao pelo trabalho."

    (A.Pinheiro Guedes, p.82)

    Um exemplo de ampla viso do processo de emancipao da mulher a que vincula esta prpria relao de igualdade entre os gneros.

    "A mulher emancipada; o homem ser um ser livre.E a educao, emancipar a mulher; como a revoluosagrar a liberdade desse homem.Quem diz emancipao, diz - independncia,liberdade, igualdade e responsabilidade.

    Uma conscincia com a vida moral.Enquanto a mulher se curvar a um jugo;o homem ser esmagado por todos os jugos"(Rugo Leal, p. 56)

    Para finalizar esta amostra das manisfestaes da polyantheiavejamos um pargrafo de Jacinto Cardoso da Silva

    " H dezenove sculos que o cristianismo se abona de haver trazidoao mundo a redeno da mulher; e durante dezenove sculos amulher tem continuado a ser a mesma escrava dos sculos pagos !Educado o seu esprito na frivolidade, na vaidade e na mentira;deserdada de todas as conquistas que glorificam o esprito humano

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    na grande cruzada da cincia contra a ignorncia; despojada detodos os principios que lhe podiam iluminar o entendimento emoderar a sensibilidade, a mulher foi declarada incapaz de graves

    pensamentos e serios encargos. Esbulharam-na dos seus direitos decidad; negaram-lhe todos os meios de independncia; sufocaram-lhea conscincia do prprio valor e a confiana nas foras;

    converteram-na em um idolo, so adorado pela beleza da forma quedeslumbra, e ergueram-lhe um altar, onde lhe alucinam os sentidos

    com um incenso de corrupo, consagrado - generosamente - ao seu

    culto sensual uma parte dos tesouros de que haviam defraudado. Eela ... tem respondido injustia dos seus opressores aceitandoresignada o papel de protegida que lhe foi destribuido na sociedade;

    derramando, apesar de tudo, os tesouros de sua alma inexhaurivel, elevando a consolao e o conforto onde quer que a chamam os

    gemidos dos seus protetores - algozes. "(p. 65)

    A partir dos trabalhos apresentados podemos constatar a riquezaideolgica em termos de postura intelectual com relao educao da

    mulher ao final do sculo XIX.No h dvidas que, de todas as concepes sociais, a positivista foi a

    que maior influncia exerceu no perodo. Isto ocorreu tanto diretamente pelaprpria teoria quanto por influncia desempenhada em outras concepessociais.

    Assim, observa-se que com relao educao diferenciada porgnero, apesar da crtica que se fazia excluso do feminino do direito

    instruo/educao, a maioria das correntes de pensamento, emconsonncia com a conscincia coletiva da poca, propugnava um tipo deeducao para a mulher caracterizado pela excluso.

    Na verdade, o processo educacional no Brasil sempre apresentoutendncia a uma educao diferenciada, se no oficialmente, pelo menosdecorrente da impregnao de uma concepo social em que se atribuiespecfica diviso sexual da educao. Por exemplo atribuindo ao sexomasculino reas ditas "cientficas" e ao feminino "reas humansticas".

    Parece lgico supor que a solidificao deste pr-conceito ocorreu noBrasil no final do sculo XIX, quando das transformaes ocorridas nosagentes de produo, principalmente da fora de trabalho. Antes daabolio da escravatura foi necessrio uma transformao ideolgica comrelao ao trabalho que o identificasse tambm como coisa de branco.

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    Entretanto, esta identificao apresentou-se recheada de discriminao,mormente racial e sexual.

    Como resultado da disputa entre os vrios projetos ideolgicos foi a

    construo de um processo de limitao do espao pblico mulher, com

    raras excees, como foi o caso do exerccio do magistrio primrio,consubstanciado em um aparato ideolgico oriundo, principalmente, deelementos conservadores do agnosticismo crtico, do positivismo ortodoxo,da escolstica e do utilitarismo pedaggico.

    Uma boa compreenso das lutas ideolgicas daquele perodoconstitui-se condio necessria para a compreenso do presente.

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