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\ JOAQUIM AZEVEDO A Educação Tecnológica de Base no Contexto Escolar SEPARATA DOS CADERNOS DE CONSULTA PSICOLÓGICA N.Q 3, 1987./ EDIÇÃO DO SERVIÇO DE CONSULTA PSICOLÓGICA E ORIENTAÇÃO VOCACIONAL DA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

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JOAQUIM AZEVEDO

A Educação Tecnológicade Base no Contexto Escolar

SEPARATA DOS CADERNOS DE CONSULTA PSICOLÓGICA N.Q 3, 1987./

EDIÇÃO DO SERVIÇO DE CONSULTA PSICOLÓGICA E ORIENTAÇÃOVOCACIONAL DA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS

DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Cadernos de Consulta Psicológica3, 1987, 69-72

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A Educação Tecnológicade Base no Contexto Escolar

Joaquim Azevedo *

1 o novo contexto de prolongamento da escolaridade básica, de crescimento do desemprego, deaceleradas mutações tecnológicas e de crescente alienação do homem face ao trabalho e ao mundomaterial e concreto que o rodeia, é necessário redefinir o papel da formação escolar no desenvolvimentode uma cultura técnica. Sugere-se a implantação de uma educação tecnológica de base, a desenrolarao longo da escolaridade básica cujo contéudo deveria considerar: a compreensão das leis gerais daprodução e da reprodução das técnicas, suas origens e finalidades; o desenvolvimento da capacidadede actuação sobre a matéria com base em projectos e métodos elaborados; o contacto com diferentesprocessos técnicos situando-se no seu contexto e no mundo do trabalho. Esta educação tecnológicade base deveria constituir a ponte entre a tradicional formação geral e a controversa formação profissional.Alguns pré-requisitos são necessários à implantação desta inovação: a reformulação dos próprios currículosdo ensino básico (Trabalhos Manuais, Educação Visual e Trabalhos Oficinais, por exemplo), a formaçãode professores, a introdução faseada da inovação, o desenvolvimento de uma pedagogia mais activae a institucionalização de um sistema de orientação e informação escolar.

o prolongamento da escolaridade básica temrevelado o prolongamento (simultâneo) do fossoexistente entre a escola e a vida, dada apermanência de uma formação livresca eacadémica; há que proceder ao desenvolvimentode novos paradigmas para a formação geral,redefinindo-a em função dos requisitos dainserção social dos jovens. Por outro lado,assistimos às grandes transformações naestrutura e natureza do emprego que afectamos jovens e as instituições de formação: odesemprego imprevisível, as dificuldades emdeterminar necessidades de emprego face àsconstantes mutações sociais e tecnológicas.Formadores e formandos deparam-se hoje

com um novo quadro que poderíamos aindacaracterizar por:a) permanente inovação tecnológica que, não

sendo uma característica particular do fim doséc. XX, tem alterado profundamente o modode usufruir o espaço e o tempo, tem desenvolvidonovos códigos, suscitado novas linguagens,criado novas relações de trabalho, alterado aprópria relação do homem com a natureza eos outros homens;b) uma crescente alienação do Homem em

relação ao trabalho e ao mundo que o rodeia,em que o fim primordial do trabalho é nãoperder o emprego e o salário. Assiste-se a umaprogressiva dificuldade seja em abranger e

(*) Técnico de Educação na Comissão de Coordenaçãoda Região do Norte.

orientar o conjunto extraordinário de inovaçõestécnicas, seja em determinar as suas finalidades;c) as sociedades actuais tendem a ser

marcadas pelas características próprias ouimputadas às tecnologias, como sejam aracional idade, a eficácia, a sectorialização e aneutralidade. O seu tipo e o seu uso em largaescala, da casa ao local de trabalho (sublinha--se o papel da electrónica, da informática édas telecomunicações) afectando tudo e todos,são determinados por um reduzido número deespecialistas que lhes conferem a qualidade,a intensidade e a finalidade.

O homem tende a reduzir-se a emprestaro seu corpo e o seu tempo e a gastar o seudinheiro, consumindo as mais simples e as maiscomplexas técnicas, que uns poucos produzeme dominam, desde o porquê ao para quê.

Nesta encruzilhada, qual o papel da escola,que formação técnica pode ela proporcionar aosadolescentes e aos jovens que nela passam amaior parte do seu tempo?

Cultura técnica

É difícil dissociar cultura científica e culturatécnica, como secções estanques da vida e dasactividades dos homens e das sociedades: acultura técnica, ligada ao fazer e ao saber-fazer,constitui uma dimensão intrínseca de umacultura científica na medida em que a objec-tividade desta se cruza com uma práticaexperimental sempre presente ao longo dos

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séculos e do desenvolvimento cultural.Por cultura técnica podem significar-se

diferentes conceitos (Roqueplo, 1983), entre osquais os mais relevantes são:a) as condições culturais internas necessárias

ao funcionamento do aparelho de produção, porexemplo, organização da produção, organizaçãodas competências, os diferentes factores daprodução, a evolução da produção, os aparelhos,os produtos, os materiais;b) as atitudes racionais, o conjunto dos

conhecimentos e saber-fazer de base,necessários a todos e a cada um, para pensar,julgar, apropriar-se e dominar os domíniosmateriais e concretos, o seu próprio meio;c) a consciência histórica e social das

condições nas quais se constitui o nosso mundomaterial concreto, a evolução dos saberescientíficos, das suas aplicações e das tecnolo-gias.Regista-se, assim, conceitos que vão desde

uma visão estrita de cultura técnica até umasignificação lata e mais "cultivada".

A educação tecnológica de base

Surge, assim, a proposta de uma educaçãotecnológica de base no contexto escolar, comoelemento constituinte da formação geral,determinante na educação para a vida, para ainserção social, para a relação com a naturezae os homens.

o que é

Por educação tecnológica de base nocontexto escolar entende-se fundamentalmente:a) a compreensão das leis gerais da produção

e reprodução das técnicas, suas origens efinalidades. O que implica a apropriação dasfases de concepção, fabricação, ensaio,divulgação e utilização dos produtos técnicos;b) o desenvolvimento da capacidade de

actuação sobre a matéria, criando objectos úteise motivantes, com base em projectos e métodosprogressivamente mais elaborados (Legrand,1983);

c) o contacto quer com diferentes processostécnicos, o que se traduz na compreensão doseu contexto económico, social e cultural actual,quer com os espaços onde aqueles se aplicame desenvolvem, sempre em íntima articulaçãocom o mundo do trabalho.Pelo seu poder de organização do pensa-

mento, de resposta a necessidades concretas,de acção sobre a realidade circundante, e dedesenvolvimento de novas linguagens, aeducação tecnológica de base constitui umacomponente da formação geral apropriada à"sociedade tecnológica" em que vivemos. Noseu seio há que desenvolver uma nova lin-guagem, em torno de conceitos comoinformação, recursos, processos, sistemas, etc.(OCDE, 1985). É preciso que o aluno descubrae se aproxime do mundo que o rodeia e o espera:tomar consciência do que é o mundo técnicoe fazer-lhe adquirir a reflexão e os "reflexostecnológicos: materiais, utensílios, pensamen-tos".É assim que a educação tecnológica de base

se pode considerar uma ponte necessária entrea tradicional formação geral e a controversaformação profissional.

o que não é

Sendo novo, o conceito de educaçãotecnológica de base, importa que seja bem ex-plicitado, a fim de obviar possíveis (e fáceis)confusões. Neste sentido, e agora pela negativa,dizemos que educação tecnológica de base nocontexto escolar: não é preparação para umaprofissão ou ensino técnico e profissional!profissionalizante; não é aprender "bricolage";não é introduzir máquinas nas escolas (ex.micro-cornputadores) e colocar os alunos amanipulá-las; não é uma "receita pedagógica"apropriada a alunos com dificuldades deaprendizagem, oriundos de meios sócio--económicos mais ligados à produção; não éa componente prática das aprendizagens exces-sivamente eruditas; não visa dar alguma utili-dade ao trabalho manual (tão desvalorizado,coitado) em meio escolar; não é reproduzirinstrumentos, estereotipos e slogans do con-

EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

sumo no contexto escolar; não visa conferirqualquer diploma específico de índole técnica.

Exigências para uma educação tecnológicade base

Há, de facto, um conjunto de pressupostospara a introdução da educação tecnológica debase no contexto escolar. Entre eles destacamos:

a) a reformulação do ensino básico, dos seusobjectivos, métodos e meios; disciplinas comoTrabalhos Manuais, Educação Visual, Tra-balhos Oficinais não respondem às imperiosasnecessidades de proceder a uma educaçãotecnológica de base de uma forma articuladaao longo dos nove anos de escolaridade básica;criando novas actividades, outras áreas e opções,de forma flexível e aberta, é fundamentalgarantir a continuidade de uma formação debase a este nível, intimamente associada aodesenvolvimento das aprendizagens científico--naturais e sociais;b) a formação dos professores, a sua

reciclagem e actualização, constituem o pro-grama nuclear a desenvolver; sem ela éimpossível dar mais passos pois pelos profes-sores "passa" a capacidade de inovar ou afogaruma educação tecnológica de base;c) a necessidade de introduzir estas

inovações de modo faseado no tempo e noespaço, avançando inicialmente com as escolase os professores, mais mobilizados e aptos, istoé, com os projectos exequíveis; a generalizaçãosó deverá processar-se lentamente, à medidaque a avaliação progrida e a divulgaçãofermente;d) o desenvolvimento de uma pedagogia

mais activa, fortemente baseada na noção deprojecto, em que, partindo do estabelecimentode um projecto, se não compartimentem saberese técnicas (por uma aproximação global aosproblemas) e se tome o aluno um actor centralna sua própria aprendizagem;e) a implementação de um sistema de

orientação e informação que complete aformação escolar tradicional e prepare osadolescentes e jovens para as escolhas voca-cionais e para a inserção social.

Vale a pena acrescentar ainda a necessidadede equipamentos apropriados, matérias primas

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e instrumentos didácticos divulgados eacessíveis.

Bibliografia

Roqueplo, P. (1983). Cultiver la technique. Paris, Dalloz,Ministêre de la Culture.

Legrand, L. (1983). Pour un collêge démocratique. Paris:La Documentation Française.

OCDE, (1985). Laformation aprês la scolarité obligatoire.Paris: OCDE.

Résumé

Azevedo, Joaquim. L'education techologique fenda-mentale à I'école. Cadernos de Consulta Psicológica, 3,1987, 69-72. Dans le nouveau contexte du prolongementde la scolarité obligatoire, de I'augmentation du chômage,des mutations technologiques accélérées et de la croissantealiénation de l'homme vis-à-vis du travail et du mondematériel et concret qui I'environne, redéfinir le rôle dela formation scolaire dans le développement d 'une culturetechnique s'impose. On suggêre la rnise en place d'uneéducation technologique fondarnentale qui se dérouleraitau long de la scolarité obligatoire dont le contenu devraitconsidérer: la compréhension des lois générales de la pro-duction et de la reproduction des techniques, leurs origineset finalités; le développement de la capacité d'action surla matiêre se basant sur des projets et méthodes élaborées;le contact avec plusieurs processus techniques, les situantdans leur contexte et dans le monde du travail. Cetteéducation technologique fondamentale devrait faire le pontentre la formation générale traditionnelle et la formationprofessionnelle controversée. Certaines conditions essen-tielles sont nécessaires à la mise en pratique de cetteinnovation: la reformulation des curricula deI'enseignement obligatoire (Travaux Manuels, EducationVisuelle, Travaux Officinaux, par exernple), la formationdes enseignants, l'introduction de I' innovation par phases,le développernent d'une pédagogie plus active etI'institutionnalisation d'un systêrne d'orientation etd 'information scolaire.

Abstract

Azevedo, Joaquim. The technologial basic educationin the school context. Cadernos de Consulta Psicológica,3, 1987, 69-72. In the new context of the basic schoolingextension, of unemployment increase, of quick technologi-cal mutations and of the growing work and material world'sman alienation, ir's necessary to redefine the role of theschool in the development of a technical culture.

The author suggests the implementation of a techno-logical basic education that is developed in the course ofbasic schooling and whose content shoud include: theunderstanding of general mies of technics production andreproduction, their origins and goals; the development ofthe capacity to act upon the matter using projects andelaborated methods; the contact with different technicalprocesses placing them in their context and in the work

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world. This technological basic education should representa bridge between the vocational general education and lhecontroversial vocational one. Some early requisites to lheimplementation of this innovation are needed: lhe refor-mulaiion of the basic schooling curricula Handicrafts, Visual

Education and Officinal Works, for instance, lhe teacherseducation, lhe gradual introduction of lhe innovation, thedevelopment of a more active pedagogy and the institu-tionalization of an educational guidance system the inlhe schools.