A eleição dos bispos romanos

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  • 8/9/2019 A eleio dos bispos romanos

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    A eleio dos bispos romanos

    Se um cidado romano dos primeiros sculos da era crist, ressuscitado, assistisseno Vaticano, em Junho de 1963, eleio e coroao de Paulo VI ou dequalquer outro Pontfice moderno , no entenderia nada do que tais cerimnias e

    prticas da Roma papal significam.

    Certa apologtica catlica serve-se, com no pouco xito, do que poderamoschamar uma grande iluso de perspectiva histrica, consistente em fazer crerque a Igreja romana foi, e continua sempre a mesma desde o primeiro sculo ataos nossos dias. Como se tudo o que cr e pratica, salvo certas ninharias dedetalhe e forma, remontasse basicamente at ao prprio So Pedro. Deste modo, oCatolicismo romano pretende dar a impresso de que o bispo de Roma foi sempreno s bispo de uma diocese (como qualquer outro bispo catlico), mas Cabeavisvel da Igreja universal e Pontfice, bispo dos bispos de todo o orbe, na suaqualidade de suposto Vigrio de Cristo. Assim, se tenta fazer crer que as tradiesromanas remontam antiguidade apostlica e so, portanto, garantia de verdade e

    de autntica Igreja.

    Mas esta iluso, esta errnea perspectiva histrica do que foi a vida da Igreja emgeral, e da igreja de Roma em particular, no resiste mais leve investigaocientfica. O historiador sabe que Roma, longe de ser sempre a mesma, mudouconstantemente e que as doutrinas e prticas papais (bastante tardias, por sinal)foram algo completamente ignorado durante muitos sculos do cristianismo antigo.A nomeao de cada novo papa converte o tema em algo actual. Econstantemente, por infelicidade, tem que se comprovar a mesma ignorncia dahistria em multides de pessoas, e publicaes, que apresentam o recm-estreadoPontfice como o sucessor de uma cadeia sem elos quebrados, que remonta at aoprimeiro sculo.

    No entanto, um estudo imparcial dos dados histricos ao nosso alcance, produz ainda que seja brevemente e quase em esboo o seguinte quadro geral de factosirrefutveis:

    1) Na eleio dos antigos bispos romanos no intervinham cardeais. E isso, pelasimples razo, de que a dignidade cardinalcia no existia ainda sequer. O ofcio decardeal s foi introduzido na Igreja romana cerca de mil anos depois da fundaoda Igreja crist (1). Claro, tambm no h nenhuma base bblica para o ministriocardinalcio. O Novo Testamento ignora completamente e com ele os primeirossculos da Igreja , o cargo de cardeal.

    2) Na eleio dos antigos bispos romanos tambm no intervinha nenhumarepresentao da Igreja universal. Os eleitores nunca pretenderam talrepresentao, diferena dos padres componentes dos grandes concliosecumnicos dos primeiros mil anos (cujos conclios, por outro lado foramtotalmente independentes em relao sede romana, a qual no era mais que umaimportante sede, entre outras, da Cristandade). A eleio de bispo em Roma tinhaque ver com tal cidade e no com a totalidade da Igreja universal. Pela razosimples de que o prelado titular de tal sede era o bispo de Roma. Nada mais.Sculos mais tarde passaria a ser o primeiro (porm) entre iguais.

    3) Os bispos romanos eram eleitos exactamente da mesma forma que os demaisbispos da antiga Igreja, ou seja: com participao do povo fiel da cidade (laicos) eo clero da mesma.

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    Destes trs pontos se depreende que os bispos da Igreja romana, nos primeirossculos, no eram mais do que os outros bispos das restantes cidades daCristandade. A hegemonia papal, pela qual o bispo de Roma se colocou acima dosdemais prelados, fruto de uma evoluo histrica produzida por uma longa ecomplicada combinao de interesses eclesisticos, sociais e polticos, mas sembase bblica. O grande historiador J. I. Dollinger escreveu:

    Temos escritos e afirmaes referentes hierarquia eclesistica na Igreja e emnenhum destes escritos daqueles primeiros sculos aparece a dignidade papal, nemse menciona nada parecido que pudesse existir na Igreja. Nos escritos do Pseudo-Dionsio Areopagita, compostos em finais do sculo V, e relacionados com ahierarquia, menciona-se somente bispos, presbteros e diconos. Igualmente,Isidoro de Sevilha, o famoso telogo espanhol, no ano 631 menciona todos osgraus eclesisticos existentes naquele tempo e os divide em quatro grupos:

    patriarcas, arcebispos, metropolitanos e bispos. Graciano, canonista italiano dosculo XII, incorporou esta lista na sua clebre obra titulada Decretos, ou seja,500 anos mais tarde que Isidoro de Sevilha, e deve lhe ter chamado

    poderosamente ateno que o ofcio de Papa no estivesse includo. Ainda Beato,

    abade espanhol, proporciona a mesma lista de Isidoro de Sevilha no ano 789.Beato tambm no sabe nada de uma dignidade mais elevada na Igreja que a depatriarca (2).

    A pergunta surge espontnea: Onde estava o papa na Igreja antiga? A estapergunta, a histria responde nos seguintes termos: Ao princpio, chamava-se papa(ou seja: pai) a todos os bispos por igual. E depois, at aos prprios presbteros dealdeia. A partir do sculo VI foi quando comeou a usar-se, de maneira restrita,para designar particularmente o bispo de Roma. E, finalmente, Gregrio VII, em1076, o exigiu exclusivamente para ele e seus sucessores, acrescentando-lhe oprefixo de Santo.

    A palavra papa de origem grega, no latina. E foi em Alexandria, no em

    Roma, onde primeiramente se chamou pope (ou seja: papa) ao bispo. NoOriente, tal nome serve hoje para designar todos os sacerdotes (popes) (3).

    Jos Grau

    Notas

    (1) Ignaz von Dollinger, The Pope and the council, III, V. pp. 206 e ss.

    (2) Ibid. No Novo Testamento, quando o apstolo Paulo enumera os ministrios da Igreja crist, tambmno faz meno do Papado (1 Corntios 12:28; Efsios 4:11), Esquecimento imperdovel se o papa realmente a pedra angular do edifcio eclesistico.

    (3) Stanley, "History of the Eastern Church", lec. 7. p.216 e ss.; Farrar "Lives"Vol. I p. 370.Cf. nota num.50. p. 294, ad supra.