A Essencia Da Constituicao - Ferdinand Lassalle

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  • FERO!NJ\ND LASSALLE

    A Essncia da Constituio Pref tcio de Aurlio Wander 8

  • Ferdinand Lassai/e

    Captulo li Sobre a Histria Constitucionalista A Constituio Real e Efetiva . . . . . . . . . . . . . . . . . 25Constituio Feudal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Absolutismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2A Revoluo Burguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    Captulo Ili

    VI

    Sobre a Constituio Escrita e a Constituio Real A Arte e a Sabedoria Constitucionais . . . . . . . . . . . 33 O Poder da Nao Invencvel . . . . . . . . . . . . . . . 34 Conseqncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Primeira Conseqncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35Segunda Conseqncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36Terceira Conseqncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Concluses Prticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    Nota Explicativa

    As informaes sobre esta conferncia de FerdinandLassalle, pronunciada em 1863, para intelectuais e operrios da antiga Prssia, so esparsas. A Gesamtverzeichnisdes Deutschsprachigen Schrifttums (GV) (ndice das ObrasPublicadas em Lngua Alem), 191 1 -1 965, no volume 77, p.261, editada pela Verlag Dokumentation, Mnchen, 1978,d-nos rpidas informaes sobre as primeiras publicaesdesta conferncia. A primeira delas, sem indicao do ano, da Livraria Vonworts, em Berlim.

    A segunda notcia, de maior preciso; fala da obracomo uma consolidao de duas conferncias publicadasem 86 pginas, pela Vereinigung lnternationale VerlagsAnstalten, Berlim, em 1 923, como o volume 5 da srieElementarbcher des Kommunismus.

    -

    O mesmo ndice noticia tambm uma publicao emViena, de apenas 23 pginas, no ano de 1926, pela WienerVolksbucbb.

    Esta publicao, agora editada pela Editora LumenJuris, tomou como base a traduo feita por Walter Stonnerna publicao das Edies e Publicaes "Brasil", SoPaulo, 1 933. Comparando o texto com o original em outraslnguas, fizemos pequenas adaptaes de linguagem. Preferimos no divulgar o. texto com a sua denominao original em portugus, Que uma Constituio? Por fidelidadeao teor poltico e jurdico da obra, entendemos mais conveniente public-la com o ttulo A Essncia da Constituico.

  • Prefcio

    Este livro de Ferdinand Lassalle (Breslau, 1 825-1864) um clssico do pensamento poltico constitucional. Muitoembora no tenha Lassalle se notabilizado como jurista ouintelectual erudito, especialmente como o seu contemporneo Karl Marx (Trier, 1 81 8-1 883), mas como advogado persistente, ativo propagandista e inflamado militante polticoe sindical, produziu trabalhos de significativa importnciafilosfica: A Filosofia de Herclito (1858) e O Legado de Fichte (1 860) e jurdica: Sistema dos Direitos Adquiridos(1861 ) e Sobre a Constituio (1863). este ltimo trabalho, no original denominado ber die Verfassung, publicadoem portugus com o ttulo Que uma Constituio?, queescothemos para dar continuidade Coleo Clssicos doDireito. Todavia, para permanecer fiel ao texto e resguardar o seu pensamento original, estamos publicando-o como ttulo A Essncia da Constituio.

    Se o ber die Verfassung a contribuio ao pensamento jurdico clssico que o consagrou entre os constitucionalistas, o seu trabalho poltico mais importante fundamentalmente voltado para o estudo de problemas e indicaesde alternativas para o sindicalismo, especialmente alemoprussiano da poca: Programa dos Operrios, conhecido emalemo como Arbeiter Program, divulgado em 1863. A tesecentral deste trabalho foi a sua intransigente defesa do

    IX

  • Aurlio Wander Bastos

    sufrgio universal igual e direto para os operanos, comoforma de se conquistar o Estado para implementar reformassociais. Nesta publicao, defendeu a necessidade de osoperrios se organizarem em partido poltico independentecomo instrumento de viabilizao de suas demandas, o quelevou-o, em maio de 1863, a fundar, em Leipzig, a AssociaoGeral dos Trabalhadores Alemes, da qual foi presidente, eque, historicamente, pode ser vista como a entidade queantecedeu a formao da social-democracia alem.

    O Programa dos Operrios se apia, principalmente,em duas teses voltadas para a melhoria das condies devida do trabalhador (tambm expostas no seu livro Capitale Trabalho, 1864, onde ainda faz reflexes preliminaressobre a teoria da mais-valia): a crtica lei de bronze dossalrios (segundo esta lei, o salrio mdio dos trabalhadores tende a ser reduzido no sistema capitalista proporcionalmente ao seu sustento e reproduo) e a propostasobre a criao das cooperativas de produo constitudasde trabalhadores subvencionados pelo Estado (estas cooperativas funcionariam originariamente com crdito autorgado, mas passariam, com o tempo, a subsidiar um verdadeiro movimento cooperativista). Estas teses sobre a lei debronze e as cooperativas de trabalhadores, teoricamente,separaram Lassalle de Marx, bem como dos socialistas alemes que colaboraram na fundao do Partido SocialDemocrata (1869-1875), o que no lhe tira o mrito de terlevantado historicamente a discusso da teoria dos salrios,bem como da tambm "questionvel" teoria da mais-valia .

    Lassalle e Marx estiveram juntos em muitos momentoshistricos, especialmente durante a Revoluo de 1848, deendncias populares e democrticas. Juntos responderam::io ;nesiio pocesso po atuao poltica e pregaes contrao Estado na regio de Rhin, na Alemanha, durante esse

    X

    Prefcio

    perodo marcante tambm para a Frana e a Itlia. Emboratenha sido Lassalle condenado, historicamente foi Marxquem prosseguiu e aprofundou os estudos sobre o capitalismo e os seus efeitos sobre as condies de vida do operariado. O penamentq m.n

  • Aurlio Wander Bastos

    sociologia jurdica, enquanto teoria crtica da ordem jurdica. Os pressupostos da teoria crtica de Lassalle no so idealistas e, como no poderia deixar de ser, ele no um formalista. Todo o seu pensamento jurdico, seja na crtica ao direito adquirido como forma de legitimao da transmisso da propriedade, ou no estudo crtico da Constituio Prussiana de 31 de janeiro de 1850 (que aboliu o sufrgio universal e direto, consagrado atravs da Lei de 8 de abril de 1848), essencialmente influenciado por preocupaec; polticas e sociolgicas. Ao mesmo tempo, essas preocupaes esto permeadas pelo pensamento socialista em for mao e em desenvolvimento na Alemanha que antecede a ascenso de Bismarck (18151898), que, durante longo tempo (1864-1890), fez a contracena conservadora ao movi mente operrio.

    Esta o_bra .. -:- A Essncia da Constnuio - d.os n.icos trabalhos constitucionai_ OL!_ sobre a _ sociologia das consti tuies de alcance acadmico e popular que estuda os fundamentos, no formais, mas, como ele denomina, essen-. - . ciais - sociais e polticos - de uma Constituio. O seu l?'.._ssu.P..osto jurdico, evidente confronto com o pensamen to jusnaturalista e positivista, de que as constituies (burguesas?) no promanam de ideis-u.princ1pios que se sobr_epe.m ao prprio homem, mas.ds.sismas .. que-os.hOmens criam para, entre si, se domi

    .narem,-o para.seapr

    priarem da riqueza socialmente produzida. Tudo indica que esta obra, originalmente uma conferncia para intelectuais e sindicalistas, se no consolida dois trabalhos anteriores, pelo menos deles retira as suas proposies fundamentais: um folheto intitulado Aos Trabalhadores de Berlim (1863), onde desenvolve a tese do sufrgio universal, a evoluo das constituies, e critica a Constituio Prussiana, e um

    xi1

    Prefcio

    manifesto conhecido como Fora e Direito (1863), publicado aps suas divergncias com os liberais.

    As suas opinies sobre as constituies da poca, que parecem originrias desses primeiros textos, especialmente a autoritria Constituio Prussiana, no so muito lisonjeiras. Ele afirma taxativamente que as institui_es jurdicas so "os fatores reais de poder" transcri.Q- -m "folha e.! papel". As suas opinies permitem concluir que ele acredi ta que o direito dominante (a_ Ordem Jur!iL!!C?_!_r:n_ qualquer autonomia; seria UIT). mero _instrumento escrio com o objetivo de coagir condutas atravs da ameaa dep_unies._ As sua5 reflexes, do ponto-de. vistadas

    .moder nas teorias jurdicas, inclusive sociolgicas, ainda so embrionrias, o que no lhe permitiu, com clareza, desenvolver qualquer teoria sistemtica sobre a Ordem Jurdica estritamente formal ou mesmo sobre a Q_rdem Jurdica como reflexo das ideologias socialmente dominantes.

    De qualquer forma, e esta a originalidade e importncia do seu texto, de todos os pensadores jurdicos dosculo XIX, inclusive entre os marxistas, at mesmo dosculo XX, Lassalle, neste seu pequeno trabalho, explicitacom lmpida clareza os fundamentos sociolgicos das constituies: os fatores reais do poder. Para ele, constituem fatores reais do poder o conjunto e! for_as que.atuam politicamente, com base na lei (na Constituio), para conservar as instituies jurdicas vigentes. Constituem estesfatores a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros e, com especficas e especiais conotaes, a pequena burguesia e a classe operria, e o que elas repre sentam da cincia nacional.

    Lassalle, neste trabalho, no estuda o papel do exr cito ou das foras policiais como fator autnomo e real do poder, mas como instrumento desses fatores. Neste senti

    xiii

  • Aurlio Wander Bastos

    do, Lassalle esboa tambm alguns pressupostos sobre asteorias que vem no exrcito e nas foras armadas no umfator real de poder, mas um instrumento do poder poltico do rei, nas monarquias, ou dos presidentes, nas repblicas. Da mesma forma, corno em situaes tericasanteriores, Lassalle no analisa o exrcito corno instrumento do Estado classista, como vieram a fazer os marxistas, mas como instrumento do agente unitrio do poder: orei. A sua opinio de que as foras armadas so forasorganizadas do rei e da nao somente porque podem serum fator real de poder.

    Nesses termos, desconhecendo o exrcito como fatorreal de poder, reconhece nos seus escritos que ele no estaria sujeito s normas e disposies constitucionais, masacima delas, ou independente delas. bem verdade que oquadro histrico de Lassalle no o dos nossos dias, ondeas foras armadas, juridicamente, esto sujeitas s suaslimitaes constitucionais. Na Prssia dos anos que antecederam unificao e industrializao alem, por fora daprpria constituio absolutista, o exrcito e a marinha noprestavam juramento de acatar a Constituio, mas aoMonarca, que tinha poderes para nomear seus comandantes. As foras armadas no tinham sido constitucionalizadase, como tal, no deviam satisfao nao, mas ao rei.Situao trgica que simbolizava os remanescentes absolutistas: os reis s eram reis porque comandantes do corpoarmado. Neste sentido, ele acredita que uma invencionice misteriosa, historicamente ultrapassada, entender que ochefe da nao tambm o chefe supremo das foras demar e terrn, impedindo que o legislativo, representao dopoder que emana do povo, tenha competncia para decidirsobre suas 'finalidades e objetivos.

    XIV

    Prefcio

    H que reconhecer que as dificuldades de Lassalle paraconciliar as suas teses sobre a Constituio real e aConstituio escrita so enormes. E estas teses so o fundamento da sua obra. No seu trabalho, ficam explcitas asarestas de acomodao entre os pressupostos de suasobservaes sobre as diferenas entre a Constituio real(fatores reais de poder) e a Constituio escrita ("folha depapel"). Na verdade, ele chega a afirmar que boa e dura doura a Constituio esC:rita que se apia na Constituio real, para ele proprio, os-tfo-res-re-afs de. pode

    .Ms e

    nesta observao que est . a contradf.o fu.ndamntl- do-seu trabalho. Ao criticar a ordem estabelecida .(os.ftores .reais de poder)_ , __ e! no_de_!TI.>_DStf- .. s.:f!!IJ.tJDrite

    _e . nem .. ao menos desenvolve teoricm_nt--- u .bip_t_es.JfQc-tiva: so tambm fatore_ !_aJL_fundamento p_rel_imin.r._QLQJ_

  • Aorlio Wander Bastos

    inorgnico) com a fora organizada - o exrcito e a marinha. Mas, premido pelas circunstncias que o envolveram e Prssia em 1848-50, parece que quer, mas no acredita na vitria do povo.

    Lassalle no mostra muito otimismo com as possibilidades e potencialidades do povo desorganizado: os servidores do povo so retricos, os dos governantes so prticos, utilitrios e oportunistas. Acredita mesmo que as suas perspectivas s se realizem em momentos histricos de grande emoo (e comoo); mesmo assim, s se viabilizariam se houvesse condies de fazer profundas reformas nas foras organizadas a servio dos fatores reais de poder, especificamente do fator unitrio - o rei, adaptando-as aos interesses da nao. Todavia, para Lassalle, se a Constituio escrita no corresponde aos fatores reais de poder, a Constituio real, tanto por um lado - o rei, a aristocracia, a grande burguesia - quanto por outro - a conscincia nacional - est ameaada. Ele consegue identificar os indicadores da crise, mas se perde na indicao ele alternativas jurdicas e at mesmo polticas.

    No entanto, no h como desconhecer que 2ste precursor da social-democracia alem "intuiu", nos limites em que o pensamento jurdico e sociolgico da poca permitiam (h que se considerar que Lassalle politicamente formado sob o impacto da Revoluo de 1 848), parmetros gerais de modernas teorias jurdicas, mas que, da mesma forma, ainda no alcanaram a plenitude de seu desenvolvimento nas sociedades modernas, o que conserva o rito e resguarda a importncia atual deste seu livro. >-ieste sentido, muitas das suas observaes ainda precisam ser estudadas e aprofundadas, mesmo porque oexage-) 2cono'11icista e sociologista interrompeu a elaborao, pelos marxistas, de uma teoria democrtica do Es-

    XVI

    Prefcio

    tado, bem como o formalismo positivista e o dogmatismo jurisprudencial dos tribunais inibiram o desenvolvimento de uma teoria aberta da ordem jurdica.

    Por isto, no que se refere especificamente evoluodo Dirito

    -constitucionaf.: ffril:1]_c2fiB._c_-_que-crr /

    deu significativa contrib!o - tE?,9ria do. voto .h'.eJ.sal _ direto como in5trumento de COIJql!is_ta . do pod.LP.!Q..Ocratizao do Estado. Da mesma forma, no deixa de serilustrativa a sua teoria diferenciativa entre a Constituioreal e a Constituio escrita (formal), assim como o seureducionismo sociolgico, que, circunscrevendo a tradicio-nal figura imperativa do Direito - a lei fundamental - aos fatores reais de poder, pe definitivamente em questo a lgica da racionalidade j urdico-formal e abre a discusso sobre a teoria da eficcia das leis.

    bem verdade que entre os juristas no h qualquerconsenso conceitua! sobre a "lei fundamental ''.1 _ _ .rns _ odeterminismo lassalista chega a reconhecer qu__, _ _onfundindo-se com os fatores reais de poder, ela uma exigncia da necessidade dos prprios fatores de poder, de tal forma que, substantivament, s_po _ser aquil_o qt:: real mente , nunca o que deveria ser . .. Neste sentido, -

    slle introduz os subsdios sociolgicos que servem de negao moderna teoria do Direito de Hans Kelsen (Praga, 1881-1973). O quadro terico de Kelsen se desenvolve principalmente com base na "norma p_ura", _vazia de contedo, sem qualquer essncia expressiva ou representativa da fora ou de pressupostos ideolgicos. As normas se aplicam no por serem eficazes, mas vlidas: porque derivam -e se fundamentam, numa dimenso exclusivamente hierrquica e lgico-formal, umas nas outras, cu seja, as inferi ores nas superiores.

    XVII

  • Aurlio Wander Bastos

    Muito embora, na posio kelseniana, a Norma Fundamental adquira contornos tericos mais amplos, ac contrrio de Lassalle, ele no a confunde com a prpria Constituio, enquanto norma juridicamente superior. Parn Kelsen, a Norma Fundamental um pressuposto que ante cede a prpria ordem jurdica que dela deriva, mas dela no parte. Ainda diz: a ordem jurdica um todo pleno ecoerente que responde a todos os problemas, no por ser eficaz, mas por ser vlida e aplicvel pelos tribunais. No h o que discutir sobre a sua plenitude, muito embora, para Lassalle, da diferena histrica em que se encontrava de Kelsen, o formalismo jurdico, como o conheceu, nada mais do que um instrumento para transformar fatores escusos em lcidos princpios, coerentes e hermticos propsitos.

    No fundo, sem qualquer abertura jurdica, insistindo, como Lassalle insiste, em que o problema constitucional um problema exclusivamente poltico, que deve ser resolvido politicamente, ele fecha as comportas do seu sistema e fica preso a um crculo vicioso sem qualquer possibllldade de provocar modificaes ou rupturas na ordem estabelecida. Desacredita da capacidade do legislativo para emendar as constituies, porque provocar sempre rea)es, da mesma forma que desacredita que as assemblias nacionais - que em um nico momento ele chama de assemblia constituinte -- possam romper o trgico drama das contradies entre as foras que apiam a Constituio real e a conscincia nacional rebelada.

    Lassalle no aprofunda, neste livro, a tese da assemblia constituinte: ele a viveu, no como um. experincia histrica positiva, aps a Revoluo de 1848, mas como um filme seiado em que as conquistas democrticas foramt'.aL.,ati -21:112n te revogad as pelos contra-revolucionrios. Asua resistncia teoria da assemblia const;tuinte, de

    xv1ii

    Prefcio

    certa forma, subsidia a sua inclinao poltica preliminar: ateoria da rebelio como instrumento de organizao de umEstado popular. Mas, da mesma form, exceto nas suasexplcitas opinies sobre a necessidade de se desarticularos fundamentos de fora da Constituio real, ele no define como se construiria, como se organizaria Jm Estado denovo tipo, ou uma ordem jurdica democrtica alternativa.Este __ _ _ Q __ @raqg)(q_ Jr:i_ersa!. do __ -yaah-l'!'_c:!i-co do constitucionalismo que desconhece a importncia doDireito como instrumento de __ organi;z.ao $O_i_L-.J-q mesmo tempo, escrevendo sobre o que uma Constituio, ensina exatamente o que no dve. sr a essncia de uiiiaConstituio.

    Rio de janeiro, 25 de maro de 1985

    Aurlio Wander Bastos Advogado.

    Professor concursado da Universidade do Rio de Janeiro.

    Livre-docente da Universidade Gama Filho.

    1.1 U xix

  • A Essncia da Constituio

    J

  • 1

    Introduo

    Fui convidado para fazer uma conferncia e para issoescolhi um tema cuja importncia no necessrio salientar pela sua oportunidade. Vou falar de problemas constitucionais, isto , qual a essncia de uma Constituio?

    Antes de entrar na matria, porm, desejo esclarecerque a minha palestra ter um carter estritamente cientfico; mas, mesmo assim, ou melhor, justamente por isso,no haver entre vs uma nica pessoa que possa deixar deacompanhar e compreender, do comeo at o fim, o quevou expor.

    A verdadeira cincia - nunca ser demais lembrar -no mais do que essa clareza de pensamento que no promana de coisa preestabelecid; mas dimana de" si' mesma,passo a !)asso, todas as suas conseqncias, impondo-secom a fo.ra-c:o.erdtivafainteligf'lcia quele eiJe c9mpanha atentamente seu desenvolvimento.

    Esta clareza de pensamento no requer, pois, daquelesque me ouvem, conhecimentos especiais. Pelo contrrio,no sendo necessrio, como j disse, possuir conhecimentos especiais para esclarecer seus fundamentos, no somente no precisa deles, como no os tolera. S tolera eexige uma nica coisa: que os que me lerem ou me ouviremno o faam com suposies prvias de nenhuma espcie,nem idias prprias, mas sim que estejam dispostos a colo-

  • 4

    Ferdin:.ind Lassai/e

    car-se ao nvel do meu tema, mesmo que acerca deleteha falado ou

    _ discutido, e fazendo de conta que pela

    pnme1ra vez o estao estudando, como se ainda no soubessem dele, despindo-se, pelo menos enquanto durar a minhainvestigao, de tudo quanto a seu respeito tenham comoconhecido. Captulo 1 Sobre a Constituio

    Que uma Constituio?

    Que uma Constituio? Qual a verdadeira essnciade uma Constituio? Em todos os lugares e a qualquerhora, tarde, pela manh e noite, estamos ouvindo falarda Constituio e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos cafs e nos restaurantes, este o assunto obrigatrio de todas as conversas.

    E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulamos emtermos precisos esta pergunta: Qual ser a verdadeiraessncia, o verdadeiro conceito de uma Constituio? Estoucerto de que, entre essas milhares de pessoas que delafalam, existem muito poucos que possam dar-nos uma resposta satisfatria.

    Muitos, certamente, para responder-nos, procurariamo volume que fala da legislao prussiana de 1850 atencontrarem os dispositivos da Constituio do reino daPrssia.

    Mas isso no seria, est claro, responder minha pergunta.

    No basta apresentar a matria concreta de urnadeterminada Constituio, a da Prssia ou outra qualquer,para responder satisfatoriamente pergunta por mim for-

  • Ferdinand Lassai/e

    mulada: onde podemos encontrar o conceito de umaConstituio, seja ela qual for?

    Se fizesse esta indagao a um jurisconsulto, receberia mais ou menos esta resposta: "Constituio um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os princpios alicerais da legislao e do governo dentro de um pas". Ou, generalizando, pois existe tambm a Constituio nos pases de governo republicano: "A Constituio alei fundamental proclamada pela nao, na qual baseia-sea organizao do Direito pblico do pas".

    Todas essas respostas jurdicas, porm, ou outras parecidas que se possam dar, distanciam-se muito e no explicam cabalmente a pergunta que fiz. Estas, sejam as queforem, limitam-se a descrever exteriormente como se formam as Constituies e o que fazem, mas no explicam oque uma Constituio. Estas afirmaes do-nos critrios,notas explicativas para conhecer juridicamente umaConstituio; porm no esclarecem onde est o conceitode toda Constituio, isto , a essncia constitucional. No servem, pois, para orientar-nos se uma determinada Constituio , e por que, boa .ou m, factvel ou irrealizvel,duradoura ou insustentvel, pois para isso seria necessrioque explicassem o conceito da Constituio. Primeiramente, torna-se necessrio sabermos qual a verdade;ra essncia de uma Constituio, e, depois, poderemos saber se aCarta Constitucional determinada e concreta que estamosexaminando se acomoda ou no s exigncias substantivas.Para isso, porm, de nada serviro as definies jurdicasque podem ser aplicadas a todos os papis assinados porJrna na::.o ou po esta e o seu rei, proclamando-as constituies. seja qual for o seu contedo, sem penetrarmos nasua essenda. O concf>ito da Constituio - como demons

    6

    1

    A Essncia da Constituio

    trarei logo - a fonte primitiva da qual nascem a arte e a

    sabedoria constitucionais. , . . _ 7 Repito, pois, minha pergunt: ue e uma Cost1tu1a.

    Onde encontrar a verdadeira essenc1a, o verdadelo conce1-

    to de uma Constituio? , Como o ignoramos, pois agora que vamo:_ d

    esvend?-' aplicaremos um mtodo que de utilidade

    por er:n pra1casempre que quisermos esclarecer o objet de nossa mvest1ga-o. Este mtodo muito simptes. Base1a-se

    em comparar

    os o objeto cujo conceito no conhecemos co. outro semelhante, esforando-nos para penetrar clara e mt

    1damente nas

    diferenas que afastam um do outro.

    Lei e Constituio

    Aplicando esse mtodo, pergunto: Qual a diferena

    entre uma Constituio e uma lei? A Ambas, a lej_ e a CHJ.?tjtuj.q, .t.OJ, ... Y..19ent_mente,

    urna essnc.t _genrica ... cornum. . ---u- .. onstituio, para reger, necess1ta de arovalegislativa, isto , tem que ser tambm li. :oda1a, nao euma lei como as outras, uma simples lei: e mai

    s d ue

    isso. Entre os dois conceitos no existem somente afm1da

    des h tambm dessemelhanas. Estas !azern com ue aCostituio seja mais do que simples lei e eu podena de-monstr-las com centenas de exemplos. .

    o pais, por exemplo, no protesta .pelo fato de c?s

    tantemente serem aprovadas novas leis.; .pelo contrano,

    todos ns sabemos que se torna necessano ue :odos os

    nos seja criado maior ou menor nmero .de le1s. Nao pode,

    orrn decretar-se uma nica lei que se1a, nova, sem alte

    ar a situao legislativa vigente no momento da sua apro

  • Ferdinand /.assai/e

    vao . Se a nova lei no motivasse modificaes no aparelhamento legal vigente, seria absolutamente suprflua eno teria motivos para ser a mesma aprovada. Por isso, noprotestamos quando as leis so modificadas, pois notamos,e estamos cientes disso, que esta a misso normal e natural dos governos. Mas, quando mexem na Constituio, protestamos e gritamos: "Deixem a Constituio!" Qual aorigem dessa diferena? Esta diferena to inegvel, queexistem, at, constituies que dispem taxativamenteque a Constituio no poder ser alterada de modo algum; noutras, consta que para reform-la no bastante queuma simples maioria assim o deseje, mas que ser ncessrio obter dois teros dos votos do Parlamento; existemainda algumas onde se declara que no da competnciados corpos legislativos sua modificao, nem mesmo unidosao Poder Executivo, seno que para reform-la dev.2r sernomeada uma nova Assemblia Legislativa, ad hoc, criadaexpressa e exclusivamente para esse fim, para que amesma se manifeste acerca da oportunidade ou convenincia de ser a Constituio modificada.

    T?s esses fatos monstr'!'_-9.\ riq_sP.fritg_unffi.oi:.."!:!dos povos, uma Constituio deve ser qualquer coisa demais sagrado, de mais firme e de mafr imvel qe .. umatei_

  • ferdinand Lassai/e

    seria varivel. Mas se de fato responde a um fundamento,se o resultado, como pretendem os cientistas, da fora deatrao do Sol, isto bastante para que o movimento dosplanetas seja regido e governado de tal modo por esse f undamento que no possa ser de outro modo, a no ser talcomo de fato . A idia de fundamento traz, implicitamente, a noo de uma necessidade ativa, de uma foraeficaz e determinante que atua sobre tudo que nela sebaseia, fazendo-a assim e no de outro modo.

    Sendo a Constituio a lei fundamental de uma nao,ser - e agora j comeamos a sair das trevas - qualquercoisa que logo poderemos definir e esclarecer, ou, como jvimos, uma fora ativa que faz, por uma exigncia da necessidade, que todas as outras leis e instituies jurdicasvigentes no pas sejam o que realmente so. Promulgada, apartir desse instante, no se pode decretar, naquele pas,embora possam querer, outras leis contrrias fundamental.

    Muito bem, pergunto eu, ser que existe em algumpas - e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam -aguma fora ativa que possa influir de tal forma em todasas leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, at certo ponto, o que so e como so, sem poderem ser deoutro modo?

    Os Fatores Reais do Poder

    Esta incgnita que estamos investigando apia-se, simplesmente: nos fatores reais do poder que regem umadeterminada sociedade.

    Os fcto.es ;eois do poder que atuam no seio de cadasociedade so essa fora ativa e eficaz que informa todas

    10

    A bsncia da Constituio

    as leis e instituies jurdicas vigentes, determinando queno possam ser, em substncia, a no ser tal como elas so.

    Vou esclarecer isso como um exemplo. Naturalmente,este exemplo, como vou exp-lo, no pode realmenteacontecer. Muito embora este exemplo possa dar-se deoutra forma, no interessa sabermos se o fato pode ou noacontecer, mas sim o que o exemplo nos possa ensinar seeste chegasse a ser realidade.

    No ignoram os meus ouvintes que na Prssia somentetm fora de lei os textos publicados na Coleo Legislativa. Esta Coleo imprime-se numa tipografia concessionria instalada em Berlim. Os originais das leis guardam-se nos arquivos do Estado, e em outros arquivos, bibliotecas e depsitos, guardam-se as colees legislativasimpressas.

    Vamos supor, por um momento, que um grande incndio irrompeu e que nele queimaram-se todos os arquivos doEsta:fo, todas as bibliotecas pblicas, que o sinistrodestrusse tambm a tipografia concessionria onde seimprimia a Coleo Legislativa e que ainda, por uma tristecoincidncia - estamos no terreno das suposies -, igualdesastre ocorresse em todas as cidades do pas, desaparecendo inclusive todas as bibliotecas particulares onde existissem colees, de tal maneira que em toda a Prssia nofosse possvel achar um nico exemplar das leis do pas.Suponhamos que um pas, por causa de um sinistro, ficassesem nenhuma das leis que o governavam e que, por foradas circunstncias, fosse necessrio decretar novas leis.

    Neste caso, o legislador, completamente livre, poderiafazer leis de capricho ou de acordo c:om o seu prprio modode pensar?

    11

  • Ferdinand Lasal/e

    A Monarquia

    Considerando a pergunta que encerra o item anterior'.suponhamos que os senhores respondam: Visto que as leidesapareceram e que vamos redigir outras completnmentenovas, desde os alicerces at o telhado, nelas no recont:eceremos monarquia as prerrogativas de que at agoragozou ao amparo ds leis destrudas; mais ainda, no respeitarmos _Prerrogativas nem atribuies de espcie alguma.Enfim, nao queremos a monarquia.

    O monarca responderia assim: Podem estar destrudasas leis, porm a realidade que o exrcito subsiste e meobedece, acatando minhas ordens; a realidade que oscoma_ndantes dos arsenais e quartis pem na rua oscanhoes e as baionetas quando eu o ordenar. Assim, apoiad neste poder real, efetivo, das baionetas e dos canhes,nao tolero que venham me impor posies e prerrogativasem desacordo comigo. Como podeis ver, um rei a quem obedecem o exrcitoe os canhes uma parte da Constituio.

    A Aristocracia

    Reconhecido o papel do rei e do exrcito, suponhamosagora que os senhores dissessem: Somos tantos milhes depessoas, entre as quais somente existe um punhado cadaez menor de grandes proprietrios de terras pertencentesa nobreza. No sabemos por que esse punhado cada vez1 , '.1'enr,

    .e grandes proprietrios agrcolas possui tantamfluenc1a nos destinos do pas como os restantes milhesd: abitailtes ;eunidos: formando somente eles umaCamara Alta que fiscaliza os acordos da Cmara dos

    12

    A Essncia da Constituio

    Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidados,recusando sistematicamente todos os acordos que julgaremprejudiciais aos seus interesses. Imaginemos que os meusouvintes dissessem: Destrudas as leis do passado, somostodos "iguais" e no precisamos absolutamente "paranada" da Cmara Senhorial.

    Reconheo que no seria fcil nobreza atirar contrao povo e que assim pensassem seus exrcitos de camponeses. Possivelmente teriam mais que fazer para livrar-se desuas foras privadas.

    Mas a gravidade do caso que os grandes fazendeirosda nobreza tiveram sempre grande influncia na Corte eesta influncia garante- lhes a sada do exrcito e doscanhes para seus fins, como se este aparelhamento dafora estivesse "diretamente" ao seu dispor.

    Vejam, pois, como uma nobreza influente e bem-vistapelo rei e sua corte tambm uma parte da Constituio.

    A Grande Burguesia

    Suponhamos agora o inverso. Suponhamos que o rei e anobreza, aliados entre si para restabelecer a organizaomedieval, mas no ao pequeno proprietrio, pretendessemimpor o sistema que dominou na Idade Mdia, aplicando-o atoda a organizao social, sem excluir a grande indstria, asfbricas e a produo mecanizada. Sabe-se que o "grande"capital no poderia, de forma alguma, progredir e mesmoviver sob o sistema medieval que impediria seu desenvolvimento. Entre outros motivos, porque este regime levantariauma srie de barreiras legais entre os diversos ramos de produo, por muita afinidade que os mesmos tivessem, enenhum industrial poderia reunir duas ou mais indstrias em

  • Ferdinand Lassalle

    suas mos. Neste caso, por exemplo, entre as corporaesdos fabricantes de pregos e os ferreiros existiriam constantesprocessos para deslindar as suas respectivas jurisdies; aestamparia no poderia empregar em sua fbrica somente umtintureiro etc. Ademais, sob o sistema gremial daqueletempo, estabelecer-se-ia por lei a quantidade estrita de produo de cada industrial e cada indstria somente poderiaocupar um determinado nmero de operrios por igual.

    Isto basta para compreender que a grande produ5o, aindstria mecanizada, no poderia progredir com umaConstituio do tipo gremial. A grande indstria exige,sobretudo e necessita como o ar que respiramos amplaliberdade de fuso dos mais diferentes ramos do trabalhonas mos de um mesmo capitalista, necessitando, aomesmo tempo, da produo em "massa" e da livre concorrncia, isto , a possibilidade de empregar quantos operrios necessitar, sem restries.

    Que viria a acontecer se, nestas condies e a despeito de tudo, obstinadamente implantassem hoje a Constituio gremial?

    Aconteceria que os senhores industriais, os grandesindustriais de tecidos, os fabricantes de sedas etc. fechariamas suas fbricas, despedindo os seus operrios; e at as companhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesmaforma. O comrcio e a indstria ficariam paralisados, grandenmero de pequenos industriais seriam obrigados a fecharsuas oficinas e esta multido de homens sem trabalho sairia praa pblica pedindo, exigindo po e trabalho. Atrs dela, agrande burguesia, animando-a com a sua influncia e seuprestgio, sustentando-a com o seu dinheiro, viria fatalmente 1.'....'a .. :1a q..;a'. o triunfo no seria certamente das armas.

    Demonstra-se, assim , que os grandes industriais, enfim,so todos, t.mbi!i, um fragmento da Constituio.

    1 4

    A f.ssncia da Constiwio

    os Banqueiros

    . or um momento, que o governo preten

    Imaginemos, p d'das excepcionais aberta . lantar uma dessas me i '

    desse imp . randes banqueiros. Que o mente lesivas aos interesses dos e o Banco da Naogoverno entendesse, por e:emp o

    , hqu

    . cumpre baratear d ara a f unao que

    OJe no f01 ena o P, . ndes banqueiros e aos capita mais ainda o credito aos g

    a tural todo o crdito e todo

    listas que possuen:, por razao n

    amo; que os grandes bano dinheiro do pai. Mas si

    nnumerrio daquele estabelequeiras passen; mterme nar acessivel o crdito gente

    :ct":S ;i:;::r i:ta;: ae ao Banco da Naao pre quada para obter esse resultado.

    Pderia isze

    ci desencadeasse uma revolt

    a, Nao vou

    na-o poderia impor presentemente uma

    mas o governo medida semelhante. A

    Demonstrarei podr q

    eg.overno sente apertos financeiros De vez em quan o, t" de di

    devido necessidade de investir grandes quan ias . de

    - agem de tirar do povo por meio

    nheiro .que nao tem

    %ento dos existentes. Nesses casos,

    n.ovos impostos

    dzuasorver o dinheiro do futuro, ou, o

    que

    c: ::

    soisa, contrair empr:timos, entr

    egando, l e:

    troca do dinheiro que recebe adiantadamente., pape

    dvida pblica. . Para isto necessita dos banqueiro

    s. . . certo que mais dia menos dia, a maior pare

    daqe

    , d'vida volta s mos da gente nca e s

    les t1tulos da. . ais mas isto requer tempo, aspequenos. cap1tal1stas

    odogvero necessita do dinheiro logovezes muito tempo, e

  • Ferdinand Lassai/e

    e de uma vez, ou em prazos breves. Para conseguir odinheiro, serve-se dos particulares, isto , de intermedirios que lhe adiantem as quantias de que precisa, correndodepois por sua conta a colocao, pouco a pouco, do papelda dvida, locupletandose tambm com a alta da cotaoque a esses ttulos d a bolsa artificialmente. Esses intermedirios so os grandes banqueiros e, por esse motivo, anenhum governo convm, hoje em dia, indispor-se com osmesmos.

    Vemos, mais uma vez, que tambm os grandes banqueiras, sejam eles quem forem, a bolsa, inclusive, sotambm partes da Constituio.

    Suponhamos que o governo intentasse promulgar umalei penal semelhante que prevaleceu durante algumtempo na China, punindo na pessoa dos pais os rouboscometidos pelos filhos. Essa lei no poderia viger, poiscontra ela se levantaria o protesto, com toda a energiapossvel, da cultura coletiva e da conscincia social dopas. Todos os funcionrios, burocratas e conselheiros doEstado ergueriam as mos para o cu e at os sisudossenadores teriam que discordar de tamanho absurdo. que, dentro de certos limites, tambm a conscincia coletiva e a cultura geral da nao so partculas, e nopequenas, da Constituio.

    A Pequena Burguesia e a Classe Operria

    Imaginemos agora que o governo, querendo proteger e satisfaze:- as priv'lgios da nobreza, dos banqueiros, dos grandes i""ldustriais e dos grandes capitalistas, tentasse privar das sas :iberdades poiticas a pequena burguesia e aclasse operria. Poderia faz-lo?

    A Essncia da Constituio

    . . d . mesmo que fosse transito-

    lnf elizmente, sim, po ena, e poderia f t s demonstram qu

    riamente. Os a os no tendesse tirar pequena bur-Mas, e se o gverno_ prsmente as suas liberdades polgesia e ao operana.do ndade essoal, isto , pretendesset1cas, mas a sua l1ber p scravo ou servo, retornando transf armar o trabalhado.r em urante os tempos da Idade situao em que se viveu - 7

    Mdia? Subsistiria essa. pretensa:ados ao rei a nobreza eNo embora estlVessem a t , .

    toda a grande burgues1a. c- a tempo perdido . Jen . gritando Antes morrer do que ser

    -0 povo protesta

    l'o sairia rua sem necessidade demos escravos! A mu fbricas a pequena bur-

    que s eus patressi:::t com 0 ovo e a resistngues1a Juntar-se-ia . . , l pois nos casos extremos eeia desse bloco sena, mvenc1ve 'ns tdos somos uma partedesesperados, tambm. o_ povo, ,

    integrante da Const1tu1ao.

    R . do Poder e as Instituies Jurdicas -

    os Fatores ea1s A Folha de Papel

    Est_a _J.-m.. iri.t

    s_, _r:n. esncia...1 a Consu:;eu:\ , . soma dos fatores reais do poder _q ___ - - - ------ . - ,

  • Ferdinand Lassai/e

    ro direito - instituies jurdicas. Quem atentar c:ontraeles atenta contra a lei e por conseguinte punido. Ningum desconhece o processo que se segue paratransformar esses escritos em fatores reais do poder, transformand,o-os dessa maneira em fatores jurdicos. Esta claro que no aparece neles a declarao deque os

    _senhores capitalistas, o industrial, a nobreza e 0 povo so um

    ,fragmento da Constituio, ou de que 0 ban

    .queiro X e outro pedao da mesma. No, isto sedefine de outra maneira, mais limpa, mais diplomtica.

    O Sistema Eleitoral das Trs Classes

    Po.r exem

    .po, se o que se quer dizer que determinados mdstnais e grandes capitalistas tero tais e quaisprerrogativas no governo e que 0 povo _ operrios, agric lt?res e pequenos-burgueses - tambm tm certosdireitos

    .' no se far constar com essa clareza e sim demodo difer.ente. O que se far ser simplesmente decretar

    .. uma le, como a clebre lei eleitoral das "trs classs. .

    que vigorou na Prssia desde o ano de 1 849, 1 quediv.id1a a nao em trs grupos e leitorais, de acordo comos impostos por eles pagos e que, naturalmente estariamde acordo tambm com as posses de cada eleitr. Segundo a estatstica oficial organizada naquele ano( 1 849) pelo governo, existiam na Prssia 3 . 255. 703 eleito2s .. que 7icavam assim divididos:

    1 Vigorou at a Revoluo de 1 9 1 8 .

    I li

    A Essncia da Consliwio

    Pdmeiro grupo . . . . . . . . . . . . . . 1 53 . 808 Segundo grupo . . . . . . . . . . . . . .409. 945 Terceiro grupo . . . . . . . . . . . . . . 2. 691 . 950

    Por esta estatstica eleitoral, vemos que na Prssiaexistiam 1 5 3 . 808 pessoas riqussimas que possuam tantopoder poltico como os 2 . 691 .950 cidados modestos, operrios e camponeses juntos, e que esses 153.808 indivduosde mximos cabedais, somados aos 409. 945 eleitores deposses mdias que integravam a segunda classe, possuamtanto poder poltico como o resto da nao. Ainda mais: os153.808 grandes capitalistas e somente a metade dos409. 945 membros do segundo grupo dispunham de maiorfora poltica que a metade restante da segunda categoriasomada aos 2.691. 950 eleitores desprovidos de riqueza.

    Verifica-se que por esse meio cmodo se chega exatamente ao mesmo resultado como se na Constituio constasse: o opulento ter o mesmo poder poltico que 1 7 cidados comuns, ou melhor, nos destinos polticos do pas, ocapitalista ter uma influncia 1 7 vezes maior que um simples cidado sem recursos.

    Antes da promulgao da lei eleitoral das trs classes,vigia legalmente, at 1 848, o sufrgio universal, quegarantia a todo cidado, fosse rico ou pobre, o mesmo direito poltico, as mesmas atribuies para intervir naadministrao do Estado. Est assim demonstrada a afirmativa que fiz anteriormente de que era bastante fcil, legalmente, usurpar aos trabalhadores e p

  • FerdinJnd Lassai/e

    direitos eleitorais e, at agora, no sei se foi feita qualquercampanha de protesto para recuperar esses direitos.

    O Senado

    . Se na Constituio o governo quer que fique estabelecido que alguns grandes proprietrios da aristocracia renam em suas mos tanto poder como os ricos, a gente acomodada e os deserdados da fortuna (isto como os eleitores.

    das trs .elas.ses renidas, coo o re;to da nao), 0 lgislad?r cidra tambem de faze-lo, mas de maneira que ao o

    . diga tao as claras, to grassei ramente, bastando para iss? dizer na Constituio: os representantes da grande propnedade sobre o solo, que o forem por tradio, e mais alguns outros elementos secundrios, formaro uma cmara senhorial, em senado, com atribuies de aprovar ou no os acodos feits pela cmara dos deputados eleitos pela naao, que nao tero valor legal se os mesmos forem rejeitados pelo senado.

    i:to. e.quivale a pr nas mos de um grupo de velhos propnetanos uma prerrogativa poltica formidvel que lhes permitir contrabalanar a vontade nacional

    'e de to?as as classes que a compem, por mais unnime que se1a essa vontade.

    O Rei e o Exrcito

    .E se, otinuando por esse caminho, aspiramos a que o e1 por s1 so '.-'.'nc;sua tanto poder poltico e mais ainda ,,.. ' ' ' ' f'Jl..!'2 as tres. .:la:s? :le eleitores reunidas, indusive a nobre-za, no ser nt-C.c'S!>ario mais do que redigi; :Jm artigo que

    20

    A Essncia da Constituio

    reze sim: O rei nomear todos os cargos do exrcito e da marinha;2 acrescentando mais um artigo: Ao exrcito e marinha no ser exigido o juramento de guardar a Constituio. 3 E, se isto parecer ainda pouco, acrescentarse- teoria, que no deixa de ter seu fundo de verdade, que o rei ocupa frente ao exrcito uma posio muito dif erente daquela que lhe corresponde comparat1van.ente com as outras instituices do Estado. Dir-se-ia que o rei, como comandante das

    'foras militares do pas, no somente

    rei, qualquer coisa mais, algo especial, misterioso e de_s

    conhecido, para cuja denominao inventaram a expressao chefe supremo das foras de mar e terra. Por isto, nem acmara dos deputados nem mesmo a nao tm que preocupar-se com o exrcito, nem intervir nos seus assunto eorganizao, limitando-se somente a votar as quantias necessrias para que a instituio subsista.

    E no pode negar-se que esta teoria tem seu apoio no artigo 108 da Constituio prussiana. Se esta dispe que o exrcito no necessita prestar juramento de acatar a Constituio, como o dever de todos os cidados da nao e do prprio rei, isto equivale, em princpio, a reconhecer que o exrcito fica margem da Constituio e fora da suajurisdio, que nada tem a ver com ela, que somente precisa prestar contas do que faz pessoa do rei, sem manterrelaes com o resto do pas.

    Conseguido isto, reconhecida ao rei a atribuio de preencher todos os postos vagos do exrcito e colocado este sob a sujeio pessoal do rei, este consegue por si reunir um poder muito superior ao que goza a nao inteira,

    2 Artigo 4 7 da Constituio Prslna de 1848. 3 Artigo 108 da mesma Const1tu1ao.

  • Ferdiland lassai/e

    spremacia_ esta que ficaria diminuda embora o poder efetivo da naao fosse dez, vinte ou cinqenta vezes maior do que o do exrcito.

    A razo aparente deste contra-senso simples.

    O Poder Organizado e o Poder Inorgnico

    O instrumento do poder poltico do rei o exrcito est organizado, pode reunir-se a qualquer hra do dia o a noite, funciona com uma disciplina nica e pode ser utilizado a qualquer momento que dele se necessite.

    Entretanto, o poder que se apia na nao, meus sen

    .hores_, emora seja, como de fato o , infinitamentemaior, nao esta organizado. A vontade do povo e sobretudo seu grau de acometimento, no sempre fcil de pul$ar, mesmo por aqueles que dele fazem parte. Perante a iminncia do incio de uma ao, nenhum deles capaz de contar a soma dos qu iro tentar defend-la. Ademais, a naocarece desses instrumentos do poder organizado desses fudamentos to importantes de uma Constituio comoacim demons.tramos, isto , dos canhes. verdade que os canhoes aduirem-se com o dinheiro fornecido pelo povo; c!to.

    tambem que se constroem e se aperfeioam graas s c_incias, qu,e se desenvolvem no seio da sociedade civil: f1s1ca, a tecnica etc. Somente o fato dE' sua existncia demonstra como grande o poder da sociedade civil, at onde chegram os progressos das cincias, das artes tcnicas._ do metodos de fabricao e do trabalho humano. Mas;:-; atha :. 7ase de Viglo: Sie vos non vobis! /Tu, povo,_ab '.'-a-os e paga-os, mas nao para ti! Como os canhes so:lt -Kados _52i'l;'2 pa;a 0 poder otganizado e somente paraele, a naao sabe que essas mquinas de destruio e de

    22

    A Essncia da Constituio

    morte, testemunhas latentes de todo o seu poder, a metra

    lharo infalivelmente se se revoltar. Estas razes explicam por que uma fora or

    ganizada

    pode sustentar-se anos a fio, sufoca,ndo o poder, muio mais

    forte, porm desorganizado, do pais. Mas a_populaao,. u.m

    dia cansada de ver os assuntos nacionais tao mal adminis

    trados e pior regidos e que tudo feito contra sua vontade

    e os interesses gerais da nao, pode se levantar contra o

    poder organizado, opondo-lhe sua formidvel supremacia,

    embora desorganizada. . Tenho demonstrado a relao que guardam entre

    si as

    Q!J.?._5iostitl.:!iQ_S_

  • Capitulo li Sobre a Histria Constitucionalista

    A Constituio Real e Efetiva

    r ,1

    }> '

    Uma __ Q_l}?_tiuio _rea(. el'i_i_Y.a__ pgs_srai:n __ -_p_:. d suiro sempr to.dos O_S pase_1J?_QiS_ .\.lfD __ f:[.Oj!-!1gE,1}1_0_?_9 (SLa Cons_titui _o. uma prerroga_tiv_ dos tempos modernosNo certo isso .

    Da mesma forma e pela mesma lei da necessidade de 3que todo corpo tenha uma constituio prpria, boa ou m, estruturada de uma ou de outra forma, todo pas tem, i;, c_ess.a_rjp.mente. uma 9_11_tjj:ig r_il_e . ef.etiyaJ pois no ; posve_ljrr:igLo..L \J!TI na9_ go.1e _n_o_ bls_tam .os.f a.tqres J r_a.is_d9 _P._o_j_!J _ _guaj_qu qy eLes. sejam.

    Muito tempo antes de irromper a grande RevoluoFrancesa, sob a monarquia legtima e absoluta de Lus XVI,quando o poder imperante aboliu na Frana, por Decreto de3 de fevereiro de 1776, as prestaes pessoais pC:ra a construo de vias pblicas , onde os agricultores eram obrigados a trabalhar gratuitamente na abertura e construo derodovias e caminhos, determinando a criao, para atenders despesas de construo, de um imposto pago inclusivepela nobreza, o Parlamento francs protestou, opondo-se aessa medida:

    25

  • Fcrdinand Lassai/e

    Le peuple de France est taillable et corvable vo/ont, c 'est une partie de la constitution que te roi ne peut changer. 5

    Vejam como, mesmo naquele tempo, j falavam deuma Constituio e lhe reconheciam tal virtude, que nem oprprio rei podia mexer nela; tal como agora. Aquilo que anobreza francesa chamava de constituio, ou seja, anorma pela qual o povo - os deserdados da fortuna - eraobrigado a suportar o peso de todos os impostos e prestaes que lhe quisessem impor, no estava, certo, escrito

    - em nenhum papel ou documento especial. Em nenhum...... documento constavam os direitos do povo e os do governo;

    era pois a expresso simples e clara dos fatores reais dopoder que vigoravam na Frana medieval. que, na IdadeMdia, o povo era realmente to impotente que podiamimpor-lhe os maiores sacrifcios e tributos vontade dolegislador. A realidade era esta: o povo estava sempre porbaixo e devia continuar assim.

    Estas tradies de fato assentavam-se nos chamadosprecedentes, que ainda hoje, na Inglaterra, acompanhandoo exmplo universal da Idade Mdia, tm uma importnciaform1davel nas chamadas questes constitucionais. Nestaprtica efetiva e tradicional de carg-s- e -impostos, invocava-se freqentemente, como no podia deixar de ser, ofato de que o povo, desde tempos remotos, estava sujeitoa essas cargas e, sobre esse precedente, continuava anorma de que assim podia continuar ininterruptamente.

    C :'ovo d =.-21 na - isto , os dese;dados - pode estar sujeilu c1 1 1 p.oto:> e p2staes sem limite, e esta uma parte daConst1tu1ao que nem o rei pode mod ificar.

    !11

    Ferdiland Lassai/e

    A proclamao desta norma constitua a base doDireito Constitucional.

    s vezes dava-se expresso especial sobre um pergaminho, uma dessas manifestaes que tinha sua raiz nas realidades do poder. E assim surgiram os foros, as liberdades,os direitos especiais, os privilgios, os estatutos e as cartasoutorgadas de uma casta, de um grmio, de uma vila etc.

    Todos esses fatos e precedentes, todos esses princpiosde direito pblico, esses pergaminhos, esses foros, estatutos e privilgios reunidos formavam a Constituio do pas,sem que todos eles, por sua vez, fizessem outra coisa queno exprimir, de modo simples e sincero, os fatores reais dopoder que regiam o pas.

    /i.S.$JJJ1 .. .Qoi.J. todos 9s pases possuem ou possuram sempre e .em _ _ Jodo_flJ._Qment_os da"s"- -tilstria uma

    Constituio real e _ ve.r.dasf.J!Tambm isto uma questo importantssima e no houtro remdio seno estud-la para sabermos a atitude quedevemos adotar perante a obra constitucional, o juzo quedevemos formar a respeito das constituies que regematualmente e a conduta que devemos seguir perante asmesmas, para chegarmos finalmente ao seu conhecimentoe a possuir uma arte e uma sabedoria constitucionais .

  • Ferdinanci L .. malle

    Repito, novamente: De onde provm essa aspirao, prpria dos tempos modernos, de possuir uma constituio escrita?

    Vejamos. Somente pode ter origem, evidentemente, no fato de

    que nos elementos reais do poder imperantes dentro dopas se tenha operado uma transformao. Se no se tivessem operado transformaes nesse conjunto de fatores da sociedade em questo, se esses fatores do poder contiruassem sendo os mesmos, no teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituio para si. Acolheria tranqilamente a antiga, ou, quando muito, junaria os elementos dispersos num nico documento, numaunica Carta Constitucional.

    Mas perguntaro: como podem se dar essas transformaes que afetam os fatores reais do poder de uma sociedade?

    Constituio Feudal

    Em resposta ao item anterior, ilustremos, por exemplo, com um Estado pouco povoado da Idade Mdia, como acontecia naquele tempo', sob o domnio governamental de um prncipe e com uma nobreza que aambarcou a maior parte da propriedade territorial. Como a populao esc\ssa, somente uma parte muito pequena da mesma pode dedicar as suas atividades indstria e ao comrcio; a imensa maioria dos habitantes no tem outro recurso a no ser cultivar a terra para obter da agricultura os produtos necess_;s oara vive. No devemos esquecer que a maior partedas te;ras est sb o domnio da aristocracia e que por estemcivc cs qL,;e as cultivam encontram emprego nesses ser\ios: uns ::01:10 fe;,,.idatrios, outros como servos, outros,enfim, corno colonos do senhor feudal; mas em todos esses

    J.ll

    A Essncia da Constituio

    feudatrios, verdadeiros vassalos, h, um ponto de coincidncia: so todos eles submetidos ao poder da nobreza que os obriga a formar suas hostes e a tomar as armas para fazerem a guerra aos seus vizinhos, para resolver seus litgios ou suas ambies. Ademais, com as sobras dos produtos agrcolas que tira de suas terras, o senhor aumenta as suas hostes, contratando e trazendo para seus castelos chefes de armas e soldados, escudeiros e criados.

    Por sua vez, o prncipe no possui para afrontar esse poder da nobreza outra fora efetiva, no fundo, seno a prpria fora dos que compem a nobreza, que obedecem e atendem suas ordens guerreiras, pois a ajuda que lhe podem prestar as vilas, pouco povoadas e pouco numero sas, insignificante.

    Qual seria, pois, a Constituio de um Estado desses? No difcil responder, pois a resposta provm neces

    sariamente desse nmero de fatores reais do poder. que acabamos de examinar.

    A Constituio desse pas no pode ser outra coisa que uma Constituio feudal, na qual a nobreza ocupa um lugar de destaque. O prncipe no poder criar sem seu consentimento novos impostos e somente ocupar entre eles a posio de primus inter pares, isto , o primeiro postoentre seus iguais hierrquicos.

    Esta era, meus senhores, a Constituio prussiana e a da maior parte dos Estados na Idade Mdia.

    Absolutismo

    Continuando, vamos supor o seguinte: a populao cresce e multiplica-se constantemente, a indstria e o comrcio progridem e seu progresso facilita os recursos

  • FercJinand Lassai/e

    necessrios para fomentar novas mudanas, transformando as vilas em cidades. Nasce, ao mesmo tempo, apequena burguesia e os grmios das cidades comeam adesenvolver-se tambm, circulando o dinheiro e formando os capitais e a riqueza particular.

    Que resultaria disso? Que estas mudanas da populao urbana que no

    depende da nobreza, que contrariamente tem interessesopostos a esta, contribuir, no comeo, para beneficiar oprncipe, reforando as hostes armadas que o acompanhame aumentando os seus recursos obtidos com os subsdios dosburgueses e dos grmios. Mas as contnuas lutas entre osnobres acarreta aos seus interesses grandes prejuzos. Elespassam a almejar, em benefcio de seu comrcio e de suasincipientes indstrias, a ordem e a tranqilidade pblica e,ao mesmo tempo, a organizao de uma justia correta dentro do pas, auxiliando o prncipe, para consegui-lo, comhomens e com dinheiro. Por esses meios poder o prncipedispor de bons soldados e de um exrcito muito mais eficiente para opor aos nobres. Nesse p, em seu interesse, o prncipe ir diminuindo as prerrogativas e poderes da nobreza;assaltar e arrasar os castelos dos nobres que resistam aobedec-lo ou que violem as leis do pas, e quando, finalmente, com o tempo, a indstria tiver desenvolvido bastante a riqueza pecuniria e a populao tiver crescido deforma que permita ao prncipe possuir um exrcito permanente, este prncipe enviar seus batalhes contra a nobreza, como fez Frederico Guilherme 1 , em 1740, sob o lema: jetabilirai la souverainet comme un rocher de broncel. 6 Ele

    6 Af1rmare1 a sooera n1a como um rochedo de bronze.

    .10

    A Esobrigar a nobreza ao pagamento de impotos e acabar coma sua prerrogativa de receber qualquer tnbuto. _ Patenteia-se, mais uma vez, que, com a transforrnaaodos fatores reais do poder, transforma-se tambm a constituio vigente no pas: sobre os escombros da sociedadefeudal, surge a monarquia absoluta.

    A Mas o prncipe no acredita na necessidade de se porpor escrito a nova Constituio; a monaruia ua i.nstituio demasiado prtica para proceder asim. O pnnc1pe temem suas mos o instrumento real e efetivo do poder, tem oexrcito permanente, que forma a Constituio efetivadesta sociedade, e ele e os que o rodeiam do expresso aessa idia, dando ao pas a denominao "estado militar".

    A nobreza que reconhece que no mais pode competircom 0 prncipe renuncia a possuir um exrcw para defnd-la. Esquece rapidamente seus antagonismos com o pn cipe, abandona seus castelos para concentrar-se_ na residncia real, recebendo em troca disso uma pensao e contribui, com sua presena, para prestigiar a monarquia.

    A Revoluo Burguesa

    No contexto que mostramos, a indstria e o comrciodesenvolvem-se progressivamente e, ao mesmo tempo,acompanhando esse surto de prosperidade, cresce a populao e melhora o gnero de vida da mesma.

    H de parecer que esse progresso seja proveitoso aoprncipe porque cresce tambm seu exrcito e o seu poder;mas o desenvolvimento da sociedade burguesa chega aalcanar propores imensas, to gigantescas, que o prncipe no pode, nem auxiliado pelos seus exrcito:.-sJ acom-

  • FerdinancJ Lassai/e

    panhar na mesma proporo o aumento formidvel dopoder da burguesia. 7

    O exrcito no consegue acompanhar o surto maravilhoso da populao civil. Ao desenvolver-se em proporesto extraordinrias, a burguesia comea a compreenderque tambm uma potncia poltica independente. Paralelamente, com este incremento da populao, aumenta edivide-se a riqueza social em propores incalculveis, progredindo, ao mesmo tempo, vertiginosamente, as indstrias, as cincias, a cultura geral e a conscincia coletiva;outro dos fragmentos da Constituio.

    Ento a populao burguesa grita: No posso continuara ser uma massa submetida e governada sem contarem coma minha vontade; quero governar tambm e que o prncipe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendomeus assuntos e interesses.

    E este protesto da burguesia ficou gravado no relevante fato histrico da Prssia, no dia 1 8 de maro de 1 848.

    E agora fica demonstrado que o exemplo do incndiofoi hipottico, verdade. Os fatos anteriormente expostos,todavia, fizeram o mesmo que se um incndio ou um furaco tivessem varrido a velha legislao nacional.

    7 Em 1657, a cidade de Berlim tinha uma populao de 20.000 habitantes e o exrcito prussiano era de 30.000 homens; em 1819, apopulao era de 192.646 habitantes e o exrcito da Prssia conta\ a co.,, 13 "'.39 homens; mas, em 1846, com uma populao e'."l aenim :e mais de 389.000 pessoas, o exrcito era quase omesmo, isto , de 138.810 homens contra os 137.639 em 1 8 1 9 !

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    Captulo I li Sobre a Constituio Escrita

    e a Constituio Real

    A Arte e a Sabedoria Constitucionais

    Quando num pas ir!.Q!l}P._e __ _trt_u_nf a rev9J1:-1q,_o dj_reiO_R.rta.d_:nua .Vln.d_,_ r:!'as_ as_ le!.s .. direito pblico desmoronam e. se torna preciso fazer outras novas.

    R;ol .d.e 1848 demonstrou a necessidade de secriar uma nova constituio escrita e o prprio rei se encarregou de convocar em Berlim a Assemblia Nacional paraestudar as bases de uma nova Constituio.

    Quando podemos _9jer-e um_Q.l]Stiuio escritq boa e'fur-dourai __

    ___ . - A --ep

    - _ cr _ _ e _J?.rtJ.o_gj_mot--_l ___ .flanto

    temos exposto: Qua.

  • Ferdinancl Lassai/e

    O Poder da Nao Invencvel

    Em 1 848, ficou demonstrado que o poder d a nao muito superior ao do exrcito e, por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram obrigadas a ceder.

    Mas no devemos esquecer que entre o poder da nao e o poder do exrcito existe uma diferena muito grande e por isso se explica que o poder do exrcito, embora em realidade inferior ao da nao, com o tempo seja mais eficaz que o poder do pas, embora maior.

    que o poder desta um poder desorganizado e odaquele uma fora organizada e disciplinada que s encontra a todo momento em condies de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, a no ser nos casos isolados em que o sentimento nacional se aglutina e, num esforo supremo, vence o poder organizado do exrcito. Mas isso somente acontece em momentos histricos de grande emoo.

    Para evitar isso, depois da vitria de 1 848, para que no fosse estril o esforo da nao, teria sido necessrio que, aproveitando aquele triunfo, tivessem transformado o exrcito to radicalmente, que no voltasse a ser o instrumento de fora a servio do rei contra a nao.

    No se fez. Mas isto se explica porque geralmente os reis tm ao

    seu servio melhores servidores do que o povo. Os daquele so prticos e os do povo quase sempre so retricos;aqueles pO$Su2rn o instinto de agir no momento oportu-1 0 . estes f?:en1 discursos nas horas em que os outros do.:1s ordels j: ra qu2 :is canhes sejam post:::-s na rua contra o povo.

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    A Essncia da Constituio

    Conseqncias

    Para chegarmos ao verdadeiro conceito do que uma Constituio, temos agido com grande cautela, lentamente. possvel que alguns dos meus ouvintes, muito impacientes, tenham achado o caminho um pouco longo para chegar ao fim almejado.

    De posse desse resultado, as coisas desenvolveram-se depressa e, coino agora j podemos encarar o problema com mais clareza, poderemos estudar diversos fatos que tm a sua origem nos diferentes pontos de vista que temos estudado.

    Primeira conseqncia

    Tivemos ocasio de ver que no foram adotadas as medidas que se impunham para substituir os fatores reais do poder dentro do pas para transformar o exrcito, de um exrcito do rei, num instrumento da nao.

    Certo que foi feita uma proposta encaminhada para consegui-lo, que representava o primeiro passo para esse fim e que era a sugesto apresentada por Stein, na qual constavam medidas que teriam obrigado todos os oficiais reacionrios a resignar seus postos, solicitando sua aposen tadoria.

    Aprovada essa proposta pela Assemblia Nacional de Berlim, toda a burguesia e a maior parte da populao protestaram gritando: A Assemblia Nacional deve preocuparse da nova Constituio e no perder seu tempo atacando o governo e provocando interpelaes sobre assuntos quecompetem ao Poder Executivo!

    Ocupai-vos da Constituio e somente da Constituio - gritavam todos.

  • Ferdirw1d Lassai/e

    Como podem ver os meus ouvintes, aquela burguesia e a metade da populao do pas no tinham a mais remota idia do que real e efetivamente era uma Constituio.

    Para eles, fazer uma constituio escrita era o de menos-

    '

    nao havia pressa. Uma constituio escrita pode ser f .?ita, num caso de urgncia, em vinte e quatro horas; mas, fazen do-a desta maneira, nada se consegue, se for prematura.

    Afastar os fatores reais e efetivos do poder dentro do pas, intrometer-se no Poder Executivo, imiscuir-se nele tanto e de tal forma, socav-lo e transform-lo de tal maneira que ficasse impossibilitado de aparecer como soberano perante a Nao.

    isto o que quiseram evitar, era o que importava eurgia, a fim de que mais tarde a constituio escrita no fosse nada mais do que um pedao de papel.

    _ E como no se fez ao seu devido tempo, AssembliaNacional . foi impossvel organizar tranqilamente a sua constituio por escrito; vendo ento, embora tarde, que o Poder Executivo, ao qual tanto respeitara, em vez de pagar com a mesma moeda, deu-lhe um empurro, valendo-se daquelas mesmas foras que, com delicadeza, a Assemblia conservara.

    Segunda conseqncia

    Suponhamos que a Assemblia Nacional no tivesse sido dissolvida, e que esta tivesse chegado ao seu fim sem contratempos; isto , conseguir o estudo e a votao deum Constituio para o pas.

  • Ferdinand Lassai/e

    Com a mesma imperiosa necessidade que regula as leisfsicas da gravidade, a constituio real abriu caminho

    ' ' passo a passo, ate impor-se constituio escrita.

    As:im, embora aprovada pela assemblia encarregadade reve-la, a Constituio de 5 de dezembro de 1 848 foim_odificada pelo rei, sem que ningum o impedisse, com acelebre Lei Eleitoral de 1 849, que estabeleceu os trs grupos de eleitores, j expostos anteriormente.

    A Cmara criada raiz dessa lei eleitoral foi o instrumento por meio do qual podiam ser feitas na Constituioas reformas mais urgentes, a fim de que o rei pudesse jurla em 1850 e, uma vez feito o juramento continuar adeturp-la, a transform-la sem pudor.

    '

    Desde essa data, no passou um nico ano sem que amesma fosse modificada.

    . No existe bandeira, por muito velha e venervel quese1a, por centenas de batalhas que tenha assistido, quepossa apresentar tantos buracos e frangalhos como a famosa carta constitucional prussiana.

    Terceira conseqncia

    , uando, e os meus ouvintes sabem que um partidopollt1co tem por lema o grito angustioso "de cerrar fileirasem torno da Constituio!", e o que devemos pensar?

    Fazendo essa pergunta, no fao um apelo aos vossosdesejos, no me dirijo vossa vontade. Pergunto, simplesmente, como a homens conscientes: Que devemos pensarde um fato desses?

    Estou certo de que, sem serdes profetas, respondereisprontamente: essa Constituio est nas ltimas; podemosconsider-la morta, sem existncia; mais uns anos e terdeixado de existir.

    Hl

    A Essncia da Constituio

    Os motivos so muito simples.Quando uma constituio escrita responde aos fatores

    reais do poder que regem um pas, no podemos ouvir essegrito de angstia. Ningum seria capaz de faz-lo, ningum poderia se aproximar da Constituio sem respeitla; com uma Constituio destas ningum brinca se noquer passar mal.

    Onde a Constituio reflete os fatores reais e efetivosdo poder, no pode existir um partido poltico que tenhapor lema o respeito Constituio, porque ela j respeitada, invulnervel. Mau sinal quando esse grito repercute no pas, pois isto demonstra que na constituio escritah qualquer coisa que no reflete a constituio real, osfatores reais do poder .

    E se isto acontecer, se esse divrcio existir, a constituio escrita est liquidada: no existe Deus nem fora capazde salv-la.

    Essa Constituio poder ser reformada radicalmente, virando-a da direita para a esquerda, porm, mantida integralmente, nunca.

    Somente o fato de existir o grito de alarme que incite a conserv-la uma prova evidente da sua caducidade para aqueles que saibam ver com clareza. Podero encaminhla para a direita, se o governo julgar necessria essa transformao para op-la constituio escrita, adaptando-a aos fatores reais do poder, isto , ao poder organizado dasociedade. Outras vezes, o poder inorgnico desta que selevanta para demonstrar que superior ao poder organizado. Neste caso, a Constituio se transforma, virando para aesquerda, como anteriormente o tinha feito para a direita;mas, num como noutro caso, a Constituio perece, estirremediavelmente perdida, no pode salvar-se.

  • Fer se)ari o para o povo