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Instituto Superior de Relações Internacionais Relações Internacionais e Diplomacia Trabalho de Fim de Curso para Obtenção do Grau de Licenciatura em Relações Internacionais e Diplomacia Tema: A Estrutura de Tomada de Decisão de Política Externa em Moçambique – O Papel da Opinião Pública Candidato Supervisor Alves Ernesto Manjate Dr. Sérgio Gomes Maputo, Novembro de 2011

A Estrutura de Tomada de Decisão de Política Externa em Moçambique – O Papel da Opinião Pública

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O presente trabalho aborda a estrutura de tomada de decisão em Moçambique, focalizando o papel da opinião pública nas decisões de Política Externa. Este trabalhotem como ponto de partida o ano de 1990, ano em que entrou em vigor uma nova constituição, adoptando valores pluralistas. A escolha do ano de 1990 como referência para o trabalho torna-se relevante pelo facto de se acreditar que os sistemas políticos pluralistas permitem mais agentes no debate sobre políticas públicas, e por conseguinte, maior participação pública emprocessos conducentes a adopção de políticas públicas incluindo a Política Externa.

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  • Instituto Superior de Relaes Internacionais

    Relaes Internacionais e Diplomacia

    Trabalho de Fim de Curso para Obteno do Grau de Licenciatura em Relaes

    Internacionais e Diplomacia

    Tema: A Estrutura de Tomada de Deciso de Poltica Externa em Moambique O Papel da

    Opinio Pblica

    Candidato Supervisor

    Alves Ernesto Manjate Dr. Srgio Gomes

    Maputo, Novembro de 2011

  • A Estrutura de Tomada de Deciso de Poltica Externa em Moambique O Papel

    da Opinio Pblica

    Tese a ser submetida ao Instituto Superior de Relaes Internacionais como cumprimento

    parcial dos requisitos necessrios para obteno do grau de licenciatura em Relaes

    Internacionais e Diplomacia.

    O Candidato O Supervisor

    _______________________ ________________________

    Alves Ernesto Manjate Dr. Srgio Gomes

    Maputo, Novembro de 2011

  • Declarao de Autoria

    Declaro pela minha honra que o presente trabalho inteiramente da minha autoria e que

    nunca foi anteriormente apresentado para avaliao.

    Assinatura

    ___________________________

  • Agradecimentos O meu agradecimento vai para todos aqueles que me apoiaram na escolha deste tema e

    tambm a todos aqueles que, de forma directa ou indirecta, contriburam para o sucesso

    deste trabalho.

    Agradeo a todos meus docentes por me terem nutrido de conhecimento e me

    capacitaram para chegar a esta etapa, em particular ao meu supervisor, Srgio Gomes,

    pela pacincia e dedicao. A todos, Kanimambo!

  • Dedicatria Este trabalho dedicado a minha famlia de quem recebi, incondicionalmente, todo tipo

    de apoio. Minha me, Olinda de Oliveira Simo, a pessoa mais importante da minha vida,

    a quem devo tudo aquilo que sou. Meus irmos, Esmeralda Manjate e Edilson Chadreque.

    Amo-vos.

    Dedico ainda a todos meus amigos e companheiros de carreira, pessoas que tem estado a

    auxiliar-me no meu percurso estudantil.

  • Lista de Abreviaturas APE Acordo de Parceria Econmica

    ACP frica, Carabas e Pacfico

    CE Comisso Europeia

    COMECON Conselho de Assistncia econmica Mtua

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FRELIMO Frente de Libertao de Moambique

    ISRI Instituto Superior de Relaes Internacionais

    MDC Moviment For Democratic Change

    URSS Unio da Repblicas Socialistas Soviticas

    RENAMO Resistncia Nacional de Moambique

    ROSA Rede de Organizaes para a Soberania Alimentar

    ZANU-PF Zimbabwe African National Union Patriotic Front

    SADC Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral

    UE Unio Europeia

  • ndice Declarao de Autoria....i Agradecimentos.....ii Dedicatria....iii Lista de Abreviaturas............iv

    Introduo ................................................................................................................... 1 Objectivos ................................................................................................................... 4 Questes de Pesquisa ................................................................................................... 4 Hipteses ..................................................................................................................... 4 Metodologia ................................................................................................................ 5 Estrutura ...................................................................................................................... 6

    Captulo I ........................................................................................................................ 7 Enquadramento Terico e Discusso Conceitual .............................................................. 7

    1.1 Enquadramento Terico ................................................................................... 7 1.1.1 Teoria Pluralista ....................................................................................... 7 1.1.2 O modelo de Dois Nveis.......................................................................... 8

    1.2 Discusso Conceitual ..................................................................................... 12 1.2.1 Estado .................................................................................................... 12 1.2.2 Poltica Externa ...................................................................................... 16 1.2.3 Opinio Pblica ...................................................................................... 18

    Captulo II ..................................................................................................................... 27 A opinio pblica .......................................................................................................... 27

    2.1 Debate em torno do conceito, evoluo e caractersticas da Opinio Pblica .. 27 2.2 Autonomia da Opinio Pblica....................................................................... 23 2.3 Opinio Pblica e Liderana .......................................................................... 25

    Captulo III .................................................................................................................... 27 A estrutura de tomada de deciso de Poltica Externa em Moambique ......................... 27

    3.1 Processo decisrio na Poltica Externa de Moambique.................................. 27 Captulo IV ................................................................................................................... 39 O papel da Opinio Pblica na tomada de decises de Poltica Externa em Moambique ...................................................................................................................................... 39

    4.1 Breve historial da Poltica Externa de Moambique........................................ 33 4.2 Opinio Pblica em Moambique................................................................... 35 4.3 Papel da Opinio Pblica na tomada de decises de Poltica Externa em Moambique.............................................................................................................. 37 4.4 Papel da Opinio Pblica no caso concreto de algumas decises .................... 49

    4.4.1 A Diplomacia Silenciosa na Crise Zimbabueana ..................................... 49 4.4.2 A Assinatura dos Acordos interinos de Parceria Econmica com a Unio Europeia.. .............................................................................................................. 44 4.4.3 A Negao da navegabilidade dos Rios Zambeze e Chire ....................... 46

    Concluses ................................................................................................................ 48 Bibliografia ............................................................................................................... 58

    Fontes Secundrias ................................................................................................ 58 Artigos e Relatrios ............................................................................................... 59 Paginas Consultadas .............................................................................................. 55 Outras fontes ......................................................................................................... 56 Entrevistas ............................................................................................................. 56

  • Introduo

    O presente trabalho aborda a estrutura de tomada de deciso em Moambique,

    focalizando o papel da opinio pblica nas decises de Poltica Externa. Este trabalho

    tem como ponto de partida o ano de 1990, ano em que entrou em vigor uma nova

    constituio, adoptando valores pluralistas. A constituio de 1990 foi consequncia de

    mudanas sistmicas, regionais e domsticas e trouxe uma nova orientao para a Poltica

    Externa de Moambique. A anlise estende-se at 2011, ano em que se levou a cabo a

    pesquisa. A escolha do ano de 1990 como referncia para o trabalho torna-se relevante

    pelo facto de se acreditar que os sistemas polticos pluralistas permitem mais agentes no

    debate sobre polticas pblicas, e por conseguinte, maior participao pblica em

    processos conducentes a adopo de polticas pblicas incluindo a Poltica Externa.

    Existe um grande debate acadmico entre os defensores da influncia da opinio pblica

    na tomada de decises de Poltica Externa e os que defendem total protagonismo do

    governo. Os primeiros asseveram que as decises do Estado sofrem grande influncia da

    opinio pblica (massas, intelectuais, acadmicos e mdia), ou seja, a opinio pblica faz

    a poltica externa; assim, as decises tm um efeito bottom-up. Com efeito, Boniface

    (2001: 237) afirma que os mdia desempenham um papel decisivo na determinao do

    sentido dado a uma aco poltica. Estes so os primeiros a anotar o acontecimento,

    introduzem uma dimenso moral e exigem uma transparncia poltica s prticas secretas

    das negociaes internacionais (Ibid.).

    O segundo grupo afirma que as decises de Poltica Externa no sofrem qualquer

    influncia da opinio pblica. Estas partem do topo, tomando um efeito top-down. Por

    exemplo, Hill (2003: 53) fala da existncia de estruturas competentes com poder

    decisrio dentro do Estado na tomada de deciso de Poltica Externa e afirma que em

    grande parte dos Estados, o Ministro de Negcios Estrangeiros o rgo encarregue por

    esta rea, seja qual for a sua designao. Portanto, estas estruturas actuam num sistema

    fechado sem qualquer interferncia do meio externo e colocam para o consumo externo

    apenas o que lhes conveniente.

  • Sabe-se que a Poltica Externa de um Estado visa satisfazer os seus interesses e

    necessidades no ambiente externo, da a necessidade de questionar acerca do papel da

    opinio pblica em Moambique, na tomada de decises de Poltica Externa, partindo do

    pressuposto bsico de que a Poltica Externa parte de Polticas Pblicas.

    A anlise aqui proposta acompanhada por um estudo de casos. Poderia se discutir uma

    vasta gama de assuntos ligados a Poltica Externa moambicana, tal como assuntos

    relacionados com partilha das guas, migrao, litgios fronteirios, comrcio

    internacional e outros. Porm, iremos nos debruar fundamentalmente em torno de trs

    decises que julgamos serem exemplares para dar sustentao a anlise, pois ilustram a

    estratgia do Estado de isolar do debate pblico determinados assuntos, confinando-os a

    elite governante.

    Abordaremos a deciso de Moambique de optar pela diplomacia silenciosa em torno da

    crise zimbabueana que ocorreu em 2008. A crise do Zimbabu afectou no s os

    zimbabueanos, mas a regio no geral. Aquando desta crise os pases da regio foram

    pressionados a reagir para parar ou minimizar o sofrimento dos cidados daquele pas.

    Os pases da Southern African Development Community (SADC) realizaram sucessivos

    encontros para se decidir em torno da posio que a organizao ia assumir perante a

    crise. Sendo assim, Moambique optou pela diplomacia silenciosa como forma de evitar

    a escalada do conflito. Houve figuras, como a do lder da Renamo, Afonso Dlakama, que

    defendiam que os Estados da regio deviam aplicar sanes ao Zimbabu como forma de

    pressionar o lder Mugabe a se afastar do poder.

    A escolha deste caso particular est ligada ao facto de os pases da regio possurem

    ligaes fortes com Moambique, e deste modo as questes de segurana no apenas do

    Zimbabu, mas da regio no geral afectam Moambique. Esta crise tambm foi bastante

    mediatizada pelos canais de comunicao, despertando, deste modo, o interesse dos

    acadmicos, intelectuais, massas e da sociedade no geral.

  • Outra deciso merecedora de ateno a de Moambique ter assinado em Junho de 2009

    os Acordos de Parceria Econmica (APE) provisrios com a Unio Europeia (UE).

    Embora os assuntos econmicos mexam com a sociedade no geral, esta deciso no

    mereceu tanta mediatizao o quanto se podia esperar. Moambique assinava um acordo

    provisrio de Parceria Econmica com a UE numa altura em que se acusa estes acordos

    de estarem fundamentalmente virados para a abertura de mercados para os produtos

    Europeus e no para os objectivos de desenvolvimento afirmados nos acordos de

    Cotonou assinados na capital econmica do Benim em 2000.

    Abordaremos ainda a deciso do Estado moambicano de recusar a navegao dos rios

    Chire e Zambeze, defendendo a necessidade da realizao de um estudo de viabilidade.

    Esta deciso foi tomada no mbito da pretenso do governo do Malawi de usar estes dois

    rios como corredores para o transporte de mercadorias do Oceano ndico para o seu

    territrio. Importa salientar que o rio Chire pertence a ambos pases e desagua no rio

    Zambeze. O rio Zambeze, por seu turno, nasce na Zmbia e desagua por um delta no

    Oceano ndico.

    Pretende-se que esta seja uma alternativa aos corredores terrestres que beneficiaria no

    apenas o Malawi mas tambm a Zmbia que tambm um Estado do hinterland. A

    deciso de navegabilidade dos rios Chire e Zambeze bastante sensvel uma vez que

    mexe com questes de soberania.

    Sabe-se que o estudo de viabilidade requerido leva tempo e recursos, o que sob um ponto

    de vista pode deixar transparecer a ideia de que o Estado Moambicano no pretende

    abdicar de parte da sua soberania permitindo a transio pelo seu territrio de

    mercadorias para o Malawi e que com esta deciso pretenda distanciar a concretizao do

    projecto malawiano. Por outro lado, a deciso de Moambique de exigir um estudo de

    viabilidade legtima sob o prisma do Direito Internacional, pois pretende que se sigam

    os trmites legais para que o projecto traga benefcios a todos, sem danos.

  • Em qualquer dos casos acima referidos a participao da opinio pblica nos processos

    decisrios foi insignificante ou quase nula. Notar-se- que as decises foram discutidas e

    tomadas pela elite dirigente sem qualquer envolvimento da massa que compe a opinio

    pblica.

    Objectivos

    O presente trabalho medita, de forma geral, sobre a estrutura de tomada de deciso em

    Poltica Externa em Moambique. E de forma especfica, o trabalho (i) descreve o

    processo de tomada de deciso de Poltica Externa em Moambique; (ii) analisa a

    evoluo da opinio pblica em Moambique e; (iii) medita sobre o papel da opinio

    pblica na tomada de decises de Poltica Externa de Moambique.

    Questes de Pesquisa

    O processo de pesquisas para o trabalho foi orientado com base nas seguintes questes:

    Como ocorre o processo de tomada de deciso de Poltica Externa em

    Moambique?

    Como tem evoludo a opinio pblica em Moambique?

    Qual o papel da opinio pblica na tomada de decises de Poltica Externa de

    Moambique?

    Hipteses

    Na sequncia dos objectivos apresentados acima, o estudo tem como hipteses: (i) o

    processo decisrio no depende da justificao racional das decises, mas sim dos

    interesses da unidade decisria; (ii) a evoluo da opinio pblica directamente

    proporcional a evoluo da democracia e; (iii) A participao popular nos processos

    decisrios proporcional ao grau de abertura de instituies polticas e ao nvel de

    instruo pblica.

  • Metodologia

    O mtodo por definio o processo racional que se segue para se chegar a um fim (CD-

    ROM Dicionrio Universal da Lngua Portuguesa. Verso 1.1: 1995). A palavra

    mtodo de origem grega e significa caminho para chegar a um fim. Assim, para o

    sucesso do trabalho foram usados os mtodos histrico e o comparativo.

    O mtodo histrico parte do princpio de que as actuais formas de vida social, as

    instituies e os costumes tm origem no passado. Este mtodo consiste em investigar

    acontecimentos, processos e instituies do passado para verificar sua influncia na

    sociedade de hoje (Marconi e Lakatos: 2009: 91). Portanto, o mtodo histrico permitiu

    buscar o passado histrico de Moambique em questes concernentes a sua Poltica

    Externa, por um lado, e por outro, questes relativas a evoluo das liberdades

    individuais e participao poltica desde a constituio de 1990.

    Por sua vez, o mtodo comparativo defende que o estudo das semelhanas e diferenas

    entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma melhor

    compreenso do comportamento humano. Este mtodo realiza a comparao com a

    finalidade de verificar similitudes e explicar divergncias, (Marconi e Lakatos: 2009:92).

    O mtodo comparativo permitiu fazer comparaes entre a situao interna moambicana

    com a de alguns Estados democrticos do Sistema.

    Usaremos tambm a tcnica documental, que consiste na anlise de documentos

    originais, com o objectivo de seleccionar, tratar e interpretar as informaes buscando

    extrair valores para as mesmas, (Gil: 1999:37). Esta tcnica permitiu o uso de fontes

    secundrias tais como relatrios, trabalhos elaborados e jornais.

    Auxiliar-nos-emos igualmente da tcnica de entrevista que uma conversao

    efectuada face a face, de maneira metdica que proporciona ao entrevistador,

    verbalmente, a informao necessria (Marconi e Lakatos: 2009: 111). Os alvos desta

    so acadmicos e especialistas na matria abordada.

  • Estrutura

    Em termos de estrutura, o trabalho est organizado em quatro captulos. No primeiro

    captulo debrua-se sobre as teorias que serviram de orientao para a leitura do trabalho.

    O presente trabalho ser lido na base da complementaridade de duas teorias, o Pluralismo

    e o modelo de dois nveis de Putnam (1988). Ainda no primeiro captulo faz-se uma

    discusso dos conceitos chave do trabalho, nomeadamente Estado, Poltica Externa e

    Opinio Pblica.

    O segundo captulo destinado a debruar sobre a opinio pblica. Neste captulo

    pretende-se dar a conhecer um pouco sobre este complexo conceito. Discute-se matrias

    ligadas a sua origem, evoluo e caractersticas.

    No terceiro captulo discute-se em torno do processo de tomada de deciso de Poltica

    Externa de Moambique. Procuramos debruar sobre como ocorre o processo decisrio

    em Moambique, incluindo as entidades envolvidas.

    No quarto e ltimo captulo, depois de uma breve contextualizao da Poltica Externa de

    Moambique, discute-se a evoluo da opinio pblica em Moambique e debate-se em

    torno da participao da mesma nas decises de Poltica Externa deste Estado. Aborda-se

    tambm algumas decises de Poltica Externa que acreditamos servirem para ilustrar o

    nosso posicionamento e de seguida conclui-se o trabalho.

  • Captulo I

    Enquadramento Terico e Discusso Conceitual

    Neste captulo pretende-se abordar o referencial terico e discutir os conceitos chave para

    o trabalho. As teorias so muito importantes para a elaborao de um trabalho cientfico.

    A teoria tem a funo de explicar a realidade e com base nela que o trabalho ser lido.

    As teorias constituem uma espcie de ncleo do trabalho. Por sua vez, o conceito a

    chave para a pesquisa, pois o processo de pesquisa comea com a formao de conceitos.

    Das vrias funes do conceito, importante destacar a primeira que a mais importante,

    a de oferecer ao pesquisador uma fundao para a comunicao, baseada na inter-

    subjectividade e compreenso do autor sobre o tema em questo1.

    1.1 Enquadramento Terico

    Para o tema em discusso faremos uma combinao entre a Teoria Pluralista, que tem as

    suas bases no pensamento poltico dos esticos da antiga Grcia, dos Liberais dos sculos

    XVII e XIX e, mais recentemente nos escritos acadmicos sobre o comportamento de

    grupos de interesse e organizaes; e o modelo Two Level Games, desenvolvido por

    Robert D. Putnam (1988).

    1.1.1 Teoria Pluralista

    O pluralismo surge na dcada 70 quando o Realismo entrou em tempos difceis pois os

    eventos da realidade da poltica internacional pareciam contradizer algumas assumpes

    bsicas realistas. Foi neste contexto que foram desenvolvidas abordagens alternativas

    como a teoria da interdependncia complexa de Joseph Nye e Robert Keohane; a teoria

    do sistema mundial de Immanuel Wallerstein; a teoria da teia de aranha de John Burton e

    a teoria de dependncia que desafiaram directamente os princpios bsicos do realismo.

    Os pluralistas vm as relaes internacionais em termos de uma multiplicidade de actores

    e defendem que actores no estatais so entidades importantes das relaes internacionais

    1 Caderno de apontamentos da Cadeira de Metodologia de Investigao, curso de Relaes Internacionais, 2 ano, aula do dia 16 de Maro, Instituto Superior de Relaes Internacionais, 2009.

  • e no podem ser ignorados. Os Estados so reconhecidos como os principais actores da

    poltica mundial, mas no so os nicos importantes.

    Para os Pluralistas o Estado no visto como um actor unitrio e racional; visto como

    um campo de batalha para interesses burocrticos conflituais, sujeito a presses de grupos

    de interesse domsticos e internacionais que tentam formular ou influenciar a Poltica

    Externa. Os actores no estatais no s so importantes como em algum momento podem

    ser decisivos.

    O Estado visto como algo caduco a ser suplantado ao longo do tempo por

    organizaes no governamentais e outras formas institucionais. O termo sociedade civil

    global no s refere ao crescimento de regras do Direito Internacional, mas tambm

    descreve a multiplicidade de instituies, organizaes voluntrias e redes que se

    multiplicaram rapidamente desde o sculo XX (Viotti e Kauppi: 1993).

    Embora as preocupaes de segurana nacional sejam importantes, os pluralistas esto

    igualmente preocupados com vrios assuntos econmicos, sociais e ecolgicos que

    surgem da crescente interdependncia entre os Estados e sociedades, facto que torna a

    agenda de relaes internacionais extensa (Ibid.).

    Esta teoria tornou-se til para a nossa anlise pelo facto de explicar a existncia de

    diferentes actores no estatais que pretendem influenciar o curso da aco poltica. Uma

    vez que, em termos de actores, os pluralistas vm os Estados em combinao com uma

    grande variedade de actores, torna-se pertinente analisar como essa combinao opera no

    processo decisrio em Moambique.

    1.1.2 O modelo de Dois Nveis

    A teoria do jogo de dois nveis um modelo poltico da resoluo internacional de

    conflitos entre democracias liberais resultante da teoria de jogos e originalmente

    introduzida em 1988 por Robert D. Putnam.

  • Robert D. Putnam (1988) em Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level

    games, aborda o processo decisrio internacional como sendo composto por dois nveis:

    o domstico e o internacional.

    Segundo Putnam (1988), os negociadores internacionais encontram-se em duas mesas

    diferentes, sendo a primeira a internacional e a segunda a mesa domstica de cada

    negociador. Portanto, a primeira mesa designada de Nvel I e a segunda de Nvel II. O

    acordo alcanado no Nvel I ter de ser ratificado, em cada Estado, em seu Nvel II. Da

    decorre que as mesas domsticas determinam o que cada negociador pode oferecer e at

    onde pode chegar o que Putnam chama de win-set (Villa e Cordeiro: 2006: 302).

    na mesa internacional onde se encontram sentadas as contrapartes estrangeiras do

    negociador, e nos seus lados sentam-se os diplomatas e outros aconselhadores

    internacionais. Ao redor da mesa domstica ele senta-se com figuras partidrias e

    parlamentares, porta-vozes para agncias domsticas, representantes de grupos de

    interesse fundamentais, e os prprios aconselhadores polticos do lder.

    Esta teoria ilustra que a tomada de decises internacionais no depende apenas do

    negociador, pois toda deciso para ser ratificada deve ser aprovada no Nvel II. E como o

    processo interactivo, pode ser conduzido no sentido contrrio, ou seja, o problema pode

    ser discutido internamente e, uma vez obtido o consenso interno, ele levado para ser

    negociado no nvel internacional.

    As polticas de muitas negociaes internacionais podem perfeitamente ser concebidas

    como um jogo de dois-nveis. No nvel nacional, grupos domsticos perseguem seus

    interesses pressionando o governo a adoptar polticas favorveis. No nvel internacional,

    os governos procuram maximizar suas habilidades de modo a satisfazer presses

    domsticas ao mesmo tempo que minimizam as consequncias adversas do

    desenvolvimento externo (Putnam: 1988).

  • Dado que nenhum Estado auto-suficiente, capaz de estar isolado dos outros e

    permanecer independente no sistema, surge a necessidade de estabelecer laos de

    cooperao com os outros Estados, alis, as relaes internacionais so o reflexo, o

    espelho das interaces desenvolvidas pelos principais actores internacionais os

    Estados, as organizaes internacionais e as sociedades multinacionais (Fernandes:

    1991: 20).

    Este processo de interaco envolve um processo de escolhas destes actores que esto

    interessados em obter benefcios prprios ou para os entes que representam. Importa

    ressalvar que estas relaes nem sempre so de cooperao, podendo tambm redundar

    em conflito.

    Historicamente, as relaes pacficas ou conflituosas sempre estiveram aliadas. Contudo,

    o importante a reter que todo tipo de interaco entre os actores de relaes

    internacionais envolve um constante processo de escolhas, ou seja, um processo de

    tomada de deciso.

    Em Estados democrticos, direito do povo influenciar e/ou participar em todo processo

    decisrio; e sendo a Poltica Externa a rea mais sensvel da poltica pblica, pois a

    projeco da poltica domstica no meio externo, a participao do povo deve ser sempre

    tomada em considerao.

    Putnam (1988), no seu modelo, afirma que ocorre uma negociao no nvel II entre os

    actores domsticos, da que a deciso posteriormente tomada resulta, pelo menos em

    princpio, do nvel II. Portanto, neste nvel que ocorre a barganha de interesses entre os

    actores tal como defende a teoria pluralista.

    As sociedades normalmente so caracterizadas pela diferenciao social, isto quer dizer

    que os componentes das sociedades possuem diferenas em termos de idade, sexo,

    religio, estado civil, nveis de instruo, rendimento, e tambm possuem ideias, valores,

    interesses e ideais diferentes e ainda desempenham diferentes funes na mesma

  • sociedade. Assim, a vida em sociedade torna-se complexa e frequentemente envolve

    conflito de opinio, de interesses, de valores (Ruas: 2008). Assim, numa situao de

    divergncias, leva a melhor o actor que tiver maior capacidade de mobilizao de

    recursos a seu benefcio para impor o seu posicionamento e interesses perante os outros.

    Desta feita, a teoria Pluralista constitui uma umbrella para o Modelo de dois nives de

    Putnam (1988) na medida em que o pluralismo considera a participao de mltiplos

    actores no estatais na tomada de decises que tentam influenciar a poltica externa. Esta

    multiplicidade de actores pode se reflectir na mesa domstica (Nvel II) do Modelo de

    dois nives de Putnam (1988), onde figuras partidrias e parlamentares, porta-vozes para

    agncias domsticas, representantes de grupos de interesse fundamentais, e os prprios

    aconselhadores polticos do lder iro usar de todos recursos em sua disposio para que a

    deciso final levada para o nvel I seja favorvel aos seus interesses.

    Assim, a princpio, a opinio pblica ir incidir no nvel II, isto , a influncia da opinio

    pblica exercida sobre os actores da mesa domstica. Acredita-se que num Estado

    democrtico h sempre espao para acomodar a opinio pblica. Uma vez que a opinio

    pblica representa a opinio geral de uma sociedade, espera-se que os Decision Makers

    tomem sempre decises para o benefcio dessa sociedade. A opinio pblica poder

    pressionar os actores da mesa domstica para ver as suas opes reflectidas na deciso

    levada para a mesa internacional.

    A deciso tomada ir depender da fora relativa dos protagonistas que levam a cabo a

    barganha. Partimos do princpio de que cada actor faz um clculo racional de custos e

    benefcios, onde delineia alternativas possveis e favorveis. A definio das alternativas

    um dos mais importantes momentos do processo decisrio, porque quando se colocam

    claramente as preferncias dos actores, manifestam-se os seus interesses e ento que os

    diversos actores entram em confronto. Cada actor possui recursos de poder: influncia,

    capacidade de afectar o funcionamento do sistema, meios de persuaso, votos,

    organizao (Ruas: 2008).

  • 1.2 Discusso Conceitual

    1.2.1 Estado

    A abordagem deste conceito torna-se importante pelo facto de o Estado ser o principal

    actor de Relaes Internacionais, de onde emanam as mais importantes decises com

    relao ao meio externo.

    O Estado moderno surgiu no sculo XVII, em 1648, com a assinatura do tratado de

    Vesteflia, onde designou-se o Estado como unidade poltica dominante, autnoma,

    soberana, dentro de limites territoriais determinados. Este perodo marcava o fim da

    guerra dos trinta anos que envolvera vrios Estados da Europa e transitava-se do perodo

    da idade mdia, onde se verificava um sistema fragmentado de pequenas e variadas

    autoridades espalhadas por todo territrio, onde os senhores feudais e a igreja detinham a

    influncia. O Estado teria permanecido como nico actor internacional at ao sculo XX,

    donde surgiram actores no Estatais (Pecequilo: 2004).

    Portanto, com o surgimento do Estado reduz-se o papel da igreja e confere-se ao homem

    uma funo maior sobre o controle do seu destino. O Estado passa a ser, deste modo,

    aquela entidade que todos desejam que exista e prevalea, se esforando para que esta

    seja eficiente na satisfao das suas necessidades. O Estado tem um nome (por exemplo,

    Repblica de Moambique) e identidade, conferida pela sua bandeira e smbolos (no caso

    de Moambique so a bandeira, emblema e hino).

    Com efeito, Estado uma organizao poltica que exerce sua autoridade num

    determinado territrio. A caracterstica fundamental desta organizao a soberania. Esta

    soberania deve ser reconhecida no meio domstico, mas fundamentalmente no meio

    externo pelos demais Estados (Microsoft Encarta 1993-2001).

    Na concepo de Caetano (1993: 122) a existncia de um Estado depende

    primordialmente da existncia de um povo que assentado num territrio tem capacidade

  • de se organizar politicamente. Neste ltimo pargrafo esto implcitos os componentes do

    Estado:

    1.2.1.1 Territrio

    Territrio por definio uma extenso considervel de terra (CD-ROM Dicionrio

    Universal da Lngua Portuguesa. Verso 1.1: 1995). Porm, quando se fala de territrio

    refere-se ao espao geogrfico, ou seja, espao fsico de cada Estado. O Estado o nico

    actor que detm esta caracterstica, esta que por sua vez o determina.

    Cada territrio delimitado por fronteiras estabelecidas atravs de negociao na base de

    normas do Direito Internacional e normas do Direito Interno, ou atravs de guerras. As

    fronteiras devem ser reconhecidas interna e externamente.

    O territrio do Estado o espao no qual os rgos do Estado tm o poder de impor a sua

    autoridade (Caetano: 1993: 127). Portanto, existem leis obrigatrias que regem dentro

    dos limites do territrio do Estado.

    O territrio do Estado constitudo obrigatoriamente por espao terrestre, areo e por

    vezes martimo. Devido a importncia do territrio, assistiu-se com a evoluo da

    humanidade constantes lutas entre os homens pela conquista de mais territrio, pois este

    considerado sinnimo de poder.

    1.2.1.2 Populao

    Designa-se populao ao conjunto de indivduos de um pas, localidade, etc. (CD-ROM

    Dicionrio Universal da Lngua Portuguesa. Verso 1.1: 1995). A populao representa

    os habitantes do Estado, unidos por uma identidade comum. Normalmente os Estados so

    constitudos por povos de diversas nacionalidades, embora alguns Estados so formados

    por um nico povo.

    O direito da populao abriga a qualidade de cidados ou sbditos que permanecem

    unidos na sujeio s mesmas normas. Esta populao goza de direitos e deveres como os

  • de participar na vida poltica do Estado; beneficiar da defesa dos seus direitos dentro e

    fora do territrio do Estado e participar na defesa do territrio atravs da prestao de

    servio militar (Bastos: 1999: 120-123).

    1.2.1.3 Governo

    A palavra governo pode se referir ao poder executivo ou ao conjunto de indivduos que

    administram superiormente um Estado (CD-ROM Dicionrio Universal da Lngua

    Portuguesa. Verso 1.1: 1995). Porm, governo vai alm da organizao de indivduos,

    englobando tambm instituies soberanas que formulam as polticas pblicas e gerem

    assuntos do Estado.

    Governo resulta de uma progressiva unio de todos poderes antes espalhados pelo

    territrio do estado. O governo gestor do Estado desenvolvendo uma administrao

    pblica.

    Segundo Weber (1982), citado por Pecequilo (2003: 45) o governo detm o monoplio da

    fora legtima, comandando os fluxos internos da sua sociedade, sendo aceito legal e

    legitimamente.

    A existncia de governo condicionada pela pr existncia de territrio e populao. Um

    governo deve ter Autoridade (fundada na Soberania), Legalidade (na base de leis

    emanadas pela constituio) e Legitimidade (atravs do reconhecimento dado ao

    governante). Os governantes devem, portanto, agir em prol dos interesses dos

    governados.

    1.2.1.4 Soberania

    Conceitualmente, soberania o poder ou autoridade que possui uma pessoa ou um grupo

    de pessoas com direito a tomar decises e a resolver conflitos no seio de uma hierarquia

    poltica. A capacidade de tomar essas decises implica independncia dos poderes

    externos e autoridade mxima sobre os grupos internos (Microsoft Encarta 1993-2001).

  • Soberania significa, nas palavras de Caetano (1993: 132), um poder supremo e

    independente. Supremo porque no limitado por qualquer outro internamente e

    independente porque no reverencia regras, a menos que sejam voluntariamente aceites, e

    est no mesmo nvel com os poderes de outros povos.

    Este elemento do Estado est fundamentalmente ligado ao territrio, dado que dentro

    desse mesmo territrio que se exerce soberania. Toda entidade poltica individual detm

    soberania e autonomia poltica dentro de limites territoriais Pecequilo (2004: 44).

    Note-se que estes componentes esto relacionados entre si. o povo assentado num

    territrio, que formula posicionamentos para pressionar um governo de modo a adoptar

    polticas favorveis para si. Este mesmo governo goza da autoridade ou poder de tomar

    decises reflectidas quer domesticamente, como no meio externo.

    importante salientar que os Estados tm formas variadas de actuao no Sistema

    Internacional como consequncia das suas diferenas em termos de idade e organizao

    interna. As diferenas quanto a organizao interna assentam-se na formao e conduo

    do governo em termos de constituio e do regime poltico, aco dos partidos polticos e

    peso da sociedade, grupos de interesse e da opinio pblica nacional e internacional.

    J as diferenas em termos de idade, sabe-se que existem Estados novos como os que se

    formaram atravs de independncias nos sculos XIX e XX e outros resultantes da

    desagregao de unies polticas de vrios Estados nos primrdios do sculo XXI, e

    ainda outros mais antigos como os Europeus que participaram na assinatura do tratado de

    Vestflia Pecequilo (2004: 47).

  • 1.2.2 Poltica Externa

    o conjunto de princpios, prioridades que em determinado espao de tempo so

    realizados pelos Estados com vista a satisfao e defesa de certos interesses. Contudo, o

    alcance da satisfao e a defesa desses interesses so influenciados por vrios factores

    tais como factores do ambiente externo, qualidade de liderana, ideologia, o que leva a

    que a anlise da Poltica Externa seja multidimensional. Assim, a abordagem da Poltica

    Externa de qualquer Estado deve ser multi-nvel e multi-factorial.

    A Poltica Externa resume-se em aces e comportamentos do Estado no meio externo.

    Partimos do princpio de que o Estado tem sempre interesses, necessidades, objectivos e

    toma decises, de acordo com as suas capacidades para influenciar os diferentes actores

    do Sistema Internacional com vista a alcanar benefcios para satisfazer suas

    necessidades. Em outras palavras, podemos dizer que Poltica Externa o reflexo da

    busca de interesses e objectivos, com recurso a certas capacidades para exercer influncia

    sobre actores externos, quer sejam estatais ou no estatais.

    Existem vrias perspectivas de abordagem da Poltica Externa, das quais importa

    mencionar a Realista, Pluralista, Globalista e Psicolgica.

    A perspectiva Realista traz uma viso tradicional da Poltica Externa, considerando que

    os Estados so actores unitrios e racionais que tomam decises baseadas no interesse

    nacional. Segundo esta abordagem, o Sistema Internacional baseado em Estados que

    actuam como actores centrais, sendo os restantes actores secundrios. Esta perspectiva

    defende ainda que a poltica internacional essencialmente conflitual, e que a

    sobrevivncia do Estado depende da capacidade deste em acumular e expandir a base de

    poder em termos militares. Os Estados relacionam-se com base na existncia de uma

    soberania legal e no esto subordinados a nenhuma outra autoridade. O poder o

    conceito mais importante na explicao e previso da conduta dos Estados Dougherty

    (2003: 80).

  • Contudo, a perspectiva realista entrou em tempos difceis, e neste contexto surge a

    abordagem Pluralista, na dcada 80, para dar resposta a questes cujo Realismo se

    mostrava incapaz de explicar cabalmente Viotti (1993). Esta perspectiva rejeita o

    pressuposto realista de que o Estado o nico actor de Relaes Internacionais,

    defendendo que o Sistema Internacional composto por uma crescente interdependncia

    de actores estatais e no estatais que leva a uma cooperao entre as instituies e criao

    de uma barganha. O pluralismo advoga que a agenda internacional est preenchida por

    variados assuntos e que a Poltica Externa preocupa-se no apenas com assuntos

    militares, mas tambm com questes econmicas, sociais e ambientais. Assim, as

    ameaas segurana do Estado j no so apenas militares. O Pluralismo privilegia a

    cooperao bilateral ou multilateral para a defesa e promoo dos interesses do Estado.

    Por sua vez, a viso Globalista traz uma abordagem ligada a estrutura do Sistema

    Internacional. Segundo Viotti (Ibid.: 449) para explicar o comportamento dos actores, em

    qualquer nvel de anlise, necessrio compreender a estrutura global do Sistema em que

    o mesmo comportamento ocorre. O Sistema regido pelo capitalismo, cujo objectivo o

    de beneficiar alguns indivduos, Estados e sociedades s custas de outros. De acordo com

    esta abordagem, o Centro cria mecanismos de relacionamento entre os Estados que

    perpetuam a dependncia e o Sul actua como fornecedor de recursos escassos. A Poltica

    Externa dos Estados do Centro visa garantir a manuteno das relaes de dependncia.

    Assim, os Estados dependentes devem assumir uma Poltica Externa pr Centro, sob pena

    de privao de benefcios ou punio em caso de desobedincia manifesta.

    Por fim, a abordagem Psicolgica toma em considerao as caractersticas do lder como

    factor essencial para a determinao da Poltica Externa dos Estados. Esta enfatiza o

    papel do lder na definio da agenda externa do Estado. Esta viso est ligada aos

    valores que o lder defende e as crenas que possui, ou seja, para se perceber a Poltica

    Externa de um Estado deve-se perceber o carcter do lder. O comportamento externo do

    Estado no determinado pela realidade, mas sim pela percepo subjectiva da realidade.

  • 1.2.3 Opinio Pblica

    Definir opinio pblica no tarefa fcil, por esta ser uma expresso composta por duas

    palavras que foram sofrendo transformaes ao longo da histria. Isto faz com que este

    conceito seja polissmico e complexo, sujeito a vrias definies, mas nenhuma

    universalmente aceite por todos. Pode-se dizer que este termo surge no contexto da

    oposio contra todos aqueles que pretendiam limitar os direitos e liberdades dos

    cidados, no mbito da declarao formal destes pelas revolues francesa e americana,

    na segunda metade do sculo XVIII.

    Opinio pblica o que geralmente se atribui opinio geral de uma sociedade. Esta

    sociedade usa dos mdia e dos meios de comunicao para expressar uma posio de

    presso ao governo.

    A sociedade civil, por sua vez, parte componente da opinio pblica. A sociedade civil

    pode ser definida como uma entidade criada por um acto da vontade colectiva dos

    interessados, com vistas a um objectivo comum e com a finalidade de obter vantagens ou

    um fim lucrativo (Microsoft Encarta 1993-2001).

    Freitas (1984) afirma que o processo de formao e desenvolvimento da opinio pblica

    est ligado a factores como classificao dos grupos, factores sociais, factores

    psicolgicos, persuaso e os meios de comunicao massiva. Portanto, estes factores

    constituem alicerce para as diferentes opinies que surgem na sociedade, dado que uma

    das caractersticas da opinio pblica a de no ser uma opinio unnime. Outras

    caractersticas, ainda segundo Freitas (Ibid.), so:

    a. No ser, necessariamente, a opinio da maioria;

    b. Normalmente ser diferente da opinio de qualquer elemento do pblico;

    c. Ser uma opinio composta, formada das diversas opinies existentes no pblico;

    d. Estar em contnuo processo de formao das diversas opinies existentes no

    pblico;

    e. Estar em contnuo processo de formao e em direco a um consenso completo,

    sem nunca alcan-lo.

  • Conclui-se assim, que o regime de opinio forma-se aquando do surgimento dos

    governos liberais, onde so postos em prtica os valores e ideais da democracia. Desde o

    momento que se assume a origem popular do poder, as opinies e desejos dos cidados

    no poderiam estar fora do processo democrtico.

  • Captulo II

    A opinio pblica

    A opinio pblica um assunto complexo e relevante. complexo pois a sua existncia

    dependente de elementos ligados ao tipo de regime e aos meios de transmisso de

    informao. Relevante pois a opinio pblica faz valer o princpio democrtico segundo o

    qual o poder reside no povo. Este captulo pretende discutir algumas matrias ligadas a

    opinio pblica.

    2.1 Debate em torno do conceito, evoluo e caractersticas da Opinio Pblica

    Tal como afirmamos anteriormente, esclarecer sobre o conceito de opinio pblica um

    processo complicado. A expresso opinio pblica composta por duas palavras que por

    sua vez tem vindo a passar por transformaes ao longo dos anos. Ciente desta

    dificuldade, Azambuja (2005: 260), disseca esta expresso e define, primeiro, opinio

    como um juzo ou sentimento, que se manifesta em um assunto sujeito a deliberao. A

    opinio pode tambm ser definida como maneira, modo pessoal de ver, juzo, parecer,

    voto (CD-ROM Dicionrio Universal da Lngua Portuguesa. Verso 1.1: 1995).

    Por seu turno, pblico quer dizer do povo, de uma sociedade, comum, geral Azambuja

    (2005: 260). Assim, a opinio pblica definida como um grupo passageiro e mais ou

    menos coerente de julgamentos que, respondendo a problemas propostos, em dado

    momento compartido por numerosas pessoas do mesmo pas, do mesmo tempo, da

    mesma sociedade (Ibid.).

    Portanto, uma vez que a sociedade est interessada em que sejam tomadas decises

    sbias, que lhes tragam benefcios, tem tendncia a influenciar as decises do governo.

    Segundo Boniface (2001: 234), a noo de opinio pblica ambgua, pois uma

    construo intelectual na qual os mdia desempenham um papel decisivo, do que uma

    realidade incontestvel.

  • Deste modo, para entendermos como a opinio pblica pode afectar os processos

    decisrios e de formulao de poltica temos que incluir os mdia Razuk (2008). Os

    mdia podem ser entendidos como os canais usados para armazenamento e transmisso de

    informao ou dados. Mdia, muitas vezes, usado como sinnimo de meios de

    comunicao de massa ou agncias de notcias, mas pode se referir a um nico meio

    utilizado para comunicar os dados para qualquer finalidade.

    Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1944) e Berelson, Lazarsfeld e Mcphee (1954), foram

    autores de trabalhos clssicos sobre a opinio pblica, segundo os quais a opinio pblica

    existe desde que se distinguiu claramente a sociedade civil e o Estado, isto , a partir da

    introduo de um regime liberal no Estado moderno. Estes autores defendem ainda que

    para que haja opinio pblica necessria a existncia dos centros da sua formao livres

    de opinar. Estes centros so jornais e revistas, rdios e televises, clubes e sales,

    partidos e associaes (Radenovic, 2006: 98).

    Assim, a opinio pblica evolui com o desenvolvimento das sociedades, com a

    aprimorao de tecnologias de informao em massa, de modo que no se podia falar de

    opinio pblica antes do sc. XVIII, ou seja, antes da Revoluo industrial.

    Contudo, para Azambuja (2005: 261), para ser pblica no preciso que a opinio seja de

    todo povo, de todas pessoas de um pas, pois se assim fosse, nunca haveria opinio

    pblica em nenhum pas uma vez que impossvel que todos os habitantes de um pas

    tenham a mesma opinio sobre qualquer assunto. Portanto, em maior parte dos casos se

    assume a opinio da maioria como opinio pblica. Porm, a opinio da maioria

    opinio pblica quando a minoria, mesmo no concordando, se submete a ela

    pacificamente, sem o uso da fora (Ibid: 262).

    Segundo Freitas (1984), a opinio tem sua origem nos grupos, mas este facto no

    suficiente para caracterizar a opinio pblica, pois estes grupos transformam-se em

    pblicos quando se organizam em torno das controvrsias, oposio de argumentos com

  • ou sem contiguidade espacial, discutem, informam-se, reflectem, criticam e procuram

    uma base comum.

    Uma opinio nunca to exacta como , por exemplo, uma afirmao cientfica, por este

    motivo a opinio pblica sempre discutvel, o seu contedo muda com o tempo,

    permitindo tambm a discordncia. A opinio pblica verdadeira forma-se e se fortalece

    em debates abertos e assim expressa uma atitude racional, crtica e bem informada,

    continuando um fenmeno muito presente e muito importante na sociedade.

    Com efeito, o sentido de opinio pblica s pode ser compreendido no contexto de uma

    sociedade, pois a opinio pblica representa a opinio geral de uma sociedade. Ora, para

    que uma sociedade tenha uma opinio necessrio que tenha conhecimento do facto.

    Assim, s com a proliferao de meios de comunicao e a consequente criao de

    opinies que se comea, concretamente, a falar de opinio pblica.

    A opinio pblica destinada a influenciar o curso da aco poltica. Segundo Pacheco

    (2010), uma poltica pblica ineficaz ou mal acolhida por parte da opinio pblica

    poder colocar em causa a reeleio do titular do cargo poltico. A tomada de conscincia

    por parte do indivduo e, por consequncia de uma sociedade civil esclarecida, tem

    implicaes no prprio plano da orientao e comportamento do representante poltico.

    Assim, a princpio, uma sociedade que no sinta a representatividade poltica e cujas suas

    opinies no so tomadas em conta pelos dirigentes polticos tender a optar por outras

    escolhas polticas na perspectiva de se sentir representada e poder participar na

    determinao das polticas pblicas.

    O poder poltico tido como algo muito valioso, cuja conquista e manuteno exige que

    o indivduo seja dotado de capacidades. O poder poltico confere prestgio, influncias,

    recursos, etc. Portanto, interesse dos titulares do poder poltico mant-lo e expandi-lo.

    Uma das principais formas de mant-lo, em sociedades democrticas, ter em

  • considerao as opinies dos cidados de modo a satisfazer os seus anseios e vontades e,

    deste modo, se adquirir a confiana do eleitorado.

    Importa destacar que existem dois tipos de opinio pblica, opinio pblica nacional e

    opinio pblica internacional. Boniface (2001: 234) assevera que a opinio pblica

    nacional pode ser definida como uma opinio expressa publicamente, por um nmero de

    pessoas, em torno de uma questo de interesse geral, respeitante a uma escolha poltica,

    econmica, social, etc. Por outro lado, a opinio pblica internacional definida como

    uma vasta convergncia de opinies nacionais dominantes, da qual se poderia extrair uma

    linha de conduta a seguir ou um objectivo a atingir.

    2.2 Autonomia da Opinio Pblica

    Se em pases democrticos a opinio pblica monitora as decises (outputs) dos rgos

    polticos com vista a ver satisfeitas as suas demandas (inputs), existem acadmicos que

    questionam a cerca da autonomia desta opinio pblica.

    Moreira (2008) mostra-se cptico quanto a existncia de uma opinio pblica autnoma.

    Segundo este autor, a opinio pblica algo que se pode mobilizar, sendo assim, a

    opinio pblica pode ser produzida, condicionada, manejada independentemente da sua

    correspondncia. Portanto, a opinio pblica estaria a reboque de interesses particulares

    de actores que por sua vez iro servir-se do seu poder para concretizao de seus

    objectivos.

    De acordo com Joo Pereira2 a opinio pblica sempre esteve a reboque dos interesses

    dos indivduos, em qualquer parte do mundo. No existe e nunca ir existir uma opinio

    pblica autnoma. Este facto justificado pela natureza do ser humano, pois o homem

    tem sempre interesses estes que por sua vez legitimam todas suas aces.

    Amaral (2005), mais radical chegando a afirmar que a opinio pblica no mais existe e

    que no volta a existir. Os motivos mais importantes apontados por este autor para 2 Prof. Doutor Joo C. G. Pereira, docente da Cadeira de Opinio Pblica na UEM; Investigador associado ao IESE; Entrevistado a 18 de Maio de 2011, Cidade de Maputo.

  • sustentar a sua tese esto relacionados, primeiro, com o carcter da sociedade de massas,

    pois nas palavras dele a opinio pblica foi reduzida a um agregado estatstico de

    opinies individuais privadas. Em segundo, os meios de comunicao de massas deixam

    de exercer o seu tradicional papel de colector das opinies para desempenhar papel de

    construtor, agente e manipulador da realidade.

    A opinio pblica medida na base de inquritos e sondagens. Sendo assim, ao contrrio

    da sua interpretao inicial, pois antigamente a opinio pblica aparecia como

    posicionamento do pblico sobre questes pblicas, geradas no pblico, a opinio pblica

    contempornea a estimulao de respostas a perguntas que, no necessariamente

    surgem do pblico, mas foram elaboradas por aqueles que esto interessados em

    conhecer, para seus prprios interesses, a resposta do pblico sobre um dado assunto

    (Amaral, 2005: 134).

    Assumindo a opinio pblica como dependente dos meios de comunicao,

    inconcebvel a existncia de uma opinio pblica sem os mdia. Os mdia so compostos

    por cidados no isentos de portar interesses prprios. Sendo assim estes podem

    perfeitamente manipular a opinio pblica pela satisfao dos seus interesses. Manipular

    a opinio pblica passa, para alm de elaborao de inquritos tendenciosos, por

    mediatizar de forma constante uma informao.

    Dependendo da forma como mediatizada esta informao ela pode levantar interesse da

    sociedade e criar debates em torno dela. Pode se considerar o pesquisador como o

    mobilizador da opinio pblica uma vez que a ele cabe formular as questes a colocar ao

    pblico. Assim a opinio pblica aparece como a resposta dada a uma questo proposta

    ao pblico pelo pesquisador mas que, de facto, no se refira a uma questo de interesse

    do pblico, mas apenas ao interesse do pesquisador (Ibid.).

    No se pretende com estes posicionamentos invalidar o papel da opinio pblica como

    orientador das polticas governamentais, porm, muitas vezes, esta mesma opinio

    instrumentalizada.

  • A concluso que se chega de que a opinio pblica muitas vezes instrumentalizada

    pelos grupos de interesses. Vrios actores no estatais recorrem muitas vezes a opinio

    pblica para a prossecuo de alguns interesses. So actores com forte capacidade de

    mobilizao social e por vezes de influenciar as mentes. Membros de grupos como

    organizaes religiosas, supranacionais, movimentos de sindicatos e partidos polticos,

    movimentos de libertao nacional e outros, so tambm membros da sociedade e podem

    perfeitamente influenciar com as suas opinies o meio em que esto inseridos.

    Contudo, em sociedades democrticas, a opinio pblica no perde o seu valor. Esta

    continua e continuar sendo um instrumento vlido na monitorizao das aces polticas

    dos governos e na manifestao dos desejos e vontades da sociedade.

    2.3 Opinio Pblica e Liderana

    A opinio pblica como fazedor da poltica externa seria ilustrativa da democracia

    representativa que, segundo Fernandes (2008: 148), aquela em que a totalidade da

    populao adulta pode participar directa ou indirectamente, na tomada de decises. De

    realar que os meios de comunicao so vistos como mecanismo de canalizao dos

    anseios e posies do pblico aos centros de tomada de deciso.

    Segundo Russett e Starr (1992: 213), a opinio pblica afecta a Poltica Externa atravs

    do seu impacto nos decisores do governo. influenciando os representantes do governo

    que se influencia as polticas pblicas. Da se afirmar que quanto mais sensvel for o lder

    maior ser a incidncia da opinio pblica.

    Porm, os governantes tm interesses prprios, tais como manter ou expandir o seu poder

    e posio polticos, sua riqueza, poder econmico e o seu status perante a sociedade e

    promover seus valores ideolgicos, crenas e ideais (Ibid.). Estes e outros interesses

    conduzem os lderes procura de apoio societal. Podemos afirmar que existe uma

    dependncia entre os lderes, que necessitam do pblico para apoiar as suas polticas, e

    o pblico, que necessita dos lderes para a satisfao dos seus anseios.

  • Dado que sociedade no esttica e o processo de tomada de decises feito

    considerando o ambiente interno e externo, a opinio pblica domstica, bem como a

    internacional so importantes, pois colocam o lder a par das dinmicas da sociedade e,

    desta forma, orientam o processo decisrio.

    Um bom lder, neste contexto, seria aquele cujas suas aces tm sempre em

    considerao os interesses do pblico a quem ele serve e deste modo estaro

    salvaguardados os seus interesses particulares. O principal vnculo de ligao entre o

    lder e o pblico so os mdia. O lder deve estar preparado a exercer reaco mesmo

    contra sua vontade. A cobertura meditica quotidiana de um mesmo acontecimento, ou

    uma forte mobilizao colectiva sobre o assunto, obrigam os governantes a tomar

    posio, a expressar-se ou a reagir activamente (Boniface, 2001: 238).

    Os meios de comunicao, no so capazes de traduzir a opinio pblica em lei. A

    imprensa tem a funo de expressar directamente a complexidade social, de ser a

    expresso da sua diversidade, de ser o representante da sociedade tal como ela

    espontaneamente se apresenta. S assim se torna possvel a interpretao lgica da

    opinio pblica e sua transformao em aco de governo.

    No entanto, segundo Azambuja (2005: 264), h quem negue sociedade a capacidade de

    articular julgamentos racionais, lgicos, conscientes sobre todos assuntos que so ou

    devem ser objecto da opinio pblica. Para estes as massas no tem aptido,

    conhecimentos, nem tempo para reflectir sobre problemas polticos e deste modo, quando

    a sua opinio se expressa simplesmente um impulso, desejo, um resultado da sugesto,

    do hbito, dos preconceitos, da educao, dos interesses do momento.

    Este facto constitui verdade, porm essa verdade no apenas vlida para a

    colectividade, mas tambm para os indivduos de forma isolada, para a opinio pblica e

    para as opinies pessoais, pois grande parte das nossas ideias, atitudes, decises,

    comportamentos no so resultado do raciocnio, mas sim do temperamento, carcter,

    educao, crenas Azambuja (2005: 264).

  • Captulo III

    A estrutura de tomada de deciso de Poltica Externa em Moambique

    importante saber como e por quem so tomadas as decises de Poltica Externa em

    Moambique. Para tal, o presente captulo prope uma anlise da estrutura de tomada de

    deciso de Poltica Externa em Moambique.

    A abordagem da tomada de deciso importante para a compreenso da Poltica

    internacional. Dado que as relaes internacionais se reduzem a duas categorias,

    relaes pacficas e relaes conflituosas3, importante compreender como os Estados

    decidem sobre as questes de guerra e paz e sobre alianas com outros actores.

    Dougherty (2003: 705) afirma que a teoria de tomada de deciso procura destacar o

    comportamento dos decisores polticos que condicionam as opes governativas.

    3.1 Processo decisrio na Poltica Externa de Moambique

    Uma das formas de analisar o processo de tomada de deciso dos Estados recorrendo

    aos modelos apresentados por Allison (1969) Modelo de Actor Racional, Modelo do

    Processo Organizacional e Modelo Poltico Burocrtico. Estes modelos so sempre

    comuns em todo tipo de negociao. As negociaes no ocorrem somente na base de um

    nico modelo, pois um nico modelo apresenta limitaes objectivas e, portanto, h

    necessidade de invocar outros modelos que se associam4.

    Porm iremos focar-nos na ltima unidade decisria nos processos de tomada de deciso

    de Poltica Externa em Moambique. A unidade decisria tem a ver com os indivduos

    que dirigem o processo de tomada de deciso, ou seja, as entidades das quais emanam as

    decises de Poltica Externa. Podemos ter trs tipos de Unidades Decisrias: o Lder

    Predominante, o Grupo nico e os Grupos Autnomos.

    3 Fernandes, Antnio Jos (1991). Relaes internacionais factos, teorias e organizaes. Editorial Presena, Lisboa pp. 21 4 Caderno de apontamentos da Cadeira de Teorias de Relaes Internacionais, curso de Relaes Internacionais, 3 ano, aula do dia 05 de Outubro, Instituto Superior de Relaes Internacionais, 2010.

  • De forma resumida, afirmamos que a ltima unidade decisria um lder predominante

    quando um nico indivduo tem poder de fazer escolhas em nome do Estado, sufocando

    se possvel a oposio as suas escolhas; e estamos perante grupo nico quando dentro do

    sistema poltico no encontramos um nico indivduo com capacidades de determinar o

    comportamento externo do Estado. Todo indivduo com poder decisrio participa de um

    grupo restrito onde so tomadas decises atravs de processos interactivos; e, por fim,

    falamos de grupos autnomos como ltima unidade decisria quando estamos perante

    dois ou mais grupos sem habilidades de comprometer os recursos do Estado

    individualmente, isto , grupos que precisam de apoio mtuo para se posicionarem como

    ltima unidade decisria5.

    Em Moambique, durante longos anos depois da independncia, a estrutura de tomada de

    deciso de Poltica Externa foi coabitada por duas unidades decisrias: o lder

    predominante, representado pelo Presidente Samora Moiss Machel; e o grupo nico,

    afigurado na Comisso Poltica do partido Frelimo. As decises projectadas tanto para o

    frum interno como externo emanavam exclusivamente destes dois rgos. No que se

    refere ao ambiente externo, o Ministrio de Negcios Estrangeiros, ao invs de aparecer

    como responsvel pela formulao da Poltica Externa se posicionava como mero

    implementador das decises de Poltica Externa6.

    rgos de Soberania como a Assembleia da Repblica, o Presidente da Repblica e, o

    Conselho de Ministros tiveram sempre funes especficas para rea de Poltica Externa.

    As constituies da Repblica de Moambique (1975 e 1990) debruam-se sobre as

    funes destes rgos de soberania.

    A Assembleia da Repblica tem as funes de legislar sobre questes bsicas relativas

    Poltica Externa e ratificar e denunciar acordos e tratados internacionais. Por sua vez, ao

    Presidente da Repblica compete orientar a Poltica Externa, celebrar tratados

    5 Caderno de apontamentos da Cadeira de Poltica Externa, curso de Relaes Internacionais, 3 ano, aula do dia 11 de Maro, Instituto Superior de Relaes Internacionais, 2010. 6 Caderno de apontamentos da Cadeira de Poltica Externa de Moambique, curso de Relaes Internacionais, 3 ano, aula do dia 27 de Setembro, Instituto Superior de Relaes Internacionais, 2010.

  • internacionais. Por fim, ao Conselho de Ministros compete responder perante o

    Presidente da Repblica e a Assembleia da Repblica pela realizao de Poltica Externa,

    garantir a integridade territorial, preparar a celebrao de tratados internacionais e

    celebrar, ratificar, aderir e denunciar acordos internacionais.

    Contudo, a constituio de 1990 deixava clara a distino entre partido e Estado, e

    consequentemente retirava, pelo menos formalmente, a importncia antes dada a

    Comisso Poltica da Frelimo na tomada de decises, pois todas decises careciam de

    uma aprovao por este rgo antes da sua ratificao.

    Partindo do pressuposto de que grande parte da actividade poltica dos governos se

    destina tentativa de satisfazer as demandas que lhes so dirigidas pela sociedade ou

    tambm a tentativa de satisfazer aquelas que so formuladas pelos prprios agentes do

    sistema poltico, acredita-se que a estrutura actual de tomada de deciso de Moambique

    no difere bastante da dos anos depois da independncia.

    Pode se dizer que a estrutura de tomada de deciso continua sendo coabitada por duas

    unidades decisrias, o lder predominante e o grupo nico, principalmente se

    considerarmos a posio de Hermann (1989: 366) segundo a qual o grupo nico, para

    ser ltima unidade decisria, no precisa estar legal ou formalmente estabelecido como

    um agente autoritrio7, desde que tenha habilidade de mobilizar e comprometer recursos

    do Estado em assuntos externos e prevenir que outros actores revertam ou revoguem a

    sua deciso.

    realidade que em Moambique a maior parte dos rgos competentes com poder

    decisrio dentro do governo esto filiados ao partido no poder. Assim sendo, o lder

    predominante representado pelo Presidente da Repblica, Armando Emlio Guebuza e o

    grupo nico, pela Comisso Poltica do partido Frelimo.

    7 [T]o be an ultimate decision unit a single group does not have to be legally or formally established as an authoritative agent Hermann (1989: 366).

  • Uma das caractersticas do grupo nico como unidade decisria o facto de no ser

    necessrio que todos membros estejam de acordo com a deciso, nem que tenham mesmo

    peso de escolha na alternativa, desde que se assuma a deciso tomada como deciso do

    grupo e que a oposio no se faa ouvir publicamente.

    Por sua vez, o indivduo, como ltima unidade decisria, tem o poder de fazer escolhas

    em nome do Estado abafando, se necessrio, a oposio s suas escolhas. As

    caractersticas pessoais do lder tornam-se importantes uma vez que os atributos

    individuais moldam a sua tendncia e determinam como este ir perceber as opinies de

    outros, reagir as informaes adversas e como ele ir avaliar os riscos e aces da Poltica

    Externa.

    Considerando a configurao dada pelo jogo de dois nveis, a mesa domstica figuras

    partidrias e parlamentares, porta-vozes para agncias domsticas, representantes de

    grupos de interesse fundamentais, e os prprios aconselhadores polticos do lder

    poder pressionar o lder (representante do governo na mesa internacional) para tomar

    decises favorveis. O lder, por sua vez, adoptar estratgias de respostas a presso

    domstica. Os lderes respondem a presso ou oposio domstica usando alternativas

    diferentes que por sua vez tem efeitos divergentes sobre o processo de Poltica Externa do

    Estado: Acomodao, Mobilizao e Isolamento.

    A acomodao tem sido alternativa de resposta a oposio para os lderes quando estes

    pretendem evitar tomar iniciativas controvrsias de Poltica Externa. A acomodao tem

    sido realidade em democracias consolidadas e esta procura condicionar a Poltica Externa

    dos Estados uma vez que os decisores acabam optando por iniciativas diferentes da

    posio inicial. A deciso vai reflectir, de certa forma, as preferncias dos diferentes

    actores envolvidos.

    Por seu turno, a mobilizao est ligada a regimes populistas e/ou revolucionrios. Os

    lderes confrontam a oposio pela expresso de legitimidade ganhando novos apoios e

  • mantendo os apoios anteriores. A mobilizao como estratgia de resposta a presso

    domstica pode afectar a Poltica Externa e levar os lderes a tomar medidas radicais que

    podem resultar no uso da fora ou participao em conflitos. Os lderes apoiam-se a

    discursos nacionalistas, bodes expiatrios e usam a Poltica Externa como instrumento

    de unidade e desacreditao dos adversrios domsticos.

    Finalmente, o isolamento como estratgia de resposta a oposio domstica prtica

    comum em regimes autoritrios e possibilidade em democracias consolidadas. O

    isolamento refere-se a capacidade que um lder tem de isolar um assunto de Poltica

    Externa do debate pblico domstico, mesmo em situaes em que existe uma oposio

    expressiva. Assim, para conteno da oposio, o lder deve ter habilidades para ignorar

    os ataques da oposio, reprimi-la e cooptar os membros da oposio.

    A rea de Poltica Externa, em Moambique, no abre muito espao para a participao

    popular, limitando as decises do Estado a mquina governativa. Contudo, pode haver

    alguma presso ou oposio vinda de fora da estrutura de tomada de deciso, porm esta

    ser isolada do debate pblico e sero sufocadas ou cooptadas as oposies.

    Podemos considerar o exemplo da deciso de assinatura dos APE provisrios, abordada

    mais adiante, em que se verificou uma forte oposio de organizaes e membros da

    sociedade civil a assinatura destes acordos, contudo esta oposio foi ignorada e

    reprovada e Moambique aderiu aos APE.

  • Captulo IV

    O papel da Opinio Pblica na tomada de decises de Poltica Externa

    em Moambique

    O presente captulo pretende analisar a participao popular nas decises de Poltica

    Externa do Estado. Moambique abraou formalmente a democracia em 1990 e deste

    modo, acredita-se que se deu espao para a participao popular nas decises do Estado.

    A Poltica Externa como sub-campo de Polticas Pblicas assume-se como uma rea

    muito importante para a salvaguarda dos interesses e valores do Estado pelo facto de as

    decises projectadas para o meio externo terem repercutio domesticamente.

    Assim, a Poltica Externa de Moambique guia-se na base de princpios orientadores

    plasmados nos artigos 17 a 22 da Constituio da Repblica de Moambique.

    Resumidamente,

    Moambique estabelece relaes de amizade e cooperao com outros Estados na base

    dos princpios de respeito mtuo pela soberania e integridade territorial, igualdade, no

    interferncia nos assuntos internos e reciprocidade de benefcios; cumpre e aplica os

    princpios da Carta da Organizao das Naes Unidas e da Carta da Unio Africana;

    solidariza-se com a luta dos povos e Estados africanos, pela unidade, liberdade, dignidade

    e direito ao progresso econmico e social; busca e refora as relaes com pases

    empenhados na consolidao da independncia nacional, da democracia e na recuperao

    do uso e controlo das riquezas naturais a favor dos respectivos povos; luta pela

    instaurao de uma ordem econmica justa e equitativa nas relaes internacionais;

    concede asilo aos estrangeiros perseguidos em razo da sua luta pela libertao nacional,

    pela democracia, pela paz e pela defesa dos direitos humanos; mantm laos especiais de

    amizade e cooperao com os pases da regio, com os pases de lngua oficial

    portuguesa e com os pases de acolhimento de emigrantes moambicanos; prossegue uma

    poltica de paz, s recorrendo fora em caso de legtima defesa; defende e d primazia a

    soluo negociada dos conflitos; defende o princpio do desarmamento geral e universal

    de todos os Estados e; contribu para a transformao do Oceano ndico em zona

    desnuclearizada e de paz. (CRM, art. 17 a 22)

  • Deste modo, o governo empenha-se na concretizao destes princpios como meio de

    salvaguardar a sobrevivncia e integridade territorial do Estado e alcanar as metas de

    sua actuao que desembocam na luta contra a pobreza e promoo do desenvolvimento

    socioeconmico.

    4.1 Breve historial da Poltica Externa de Moambique

    A actual Poltica Externa de Moambique produto de profundas transformaes

    ocorridas ao longo dos anos. Depois da independncia alcanada em 1975, a principal

    preocupao de Moambique era a sua insero no Sistema Internacional. Para tal, o

    partido Frelimo optou por estabelecer alianas com Estados socialistas que o apoiaram na

    sua luta de libertao.

    No terceiro congresso, em 1977, Moambique definiu como linhas mestres da sua

    Poltica Externa a unidade dos povos e Estados africanos, a aliana natural com os pases

    socialistas, o apoio solidrio a luta dos povos pela libertao, a luta contra o

    colonialismo, neocolonialismo e imperialismo, o combate pela paz e o desarmamento

    geral e universal.

    Contudo, entre os anos de 1977 e 1989 verificou-se o fracasso do projecto da Frelimo de

    converter Moambique num pas socialista; isto deveu-se ao papel de factores externos,

    em particular ao apoio da frica do Sul a Renamo na guerra de desestabilizao

    (Simpson: 1993). Este factor veio a associar-se a outros como a crise do petrleo de

    1979, a crise ecolgica que afectou a frica Austral na dcada 80 e o crescente

    desinteresse do leste, manifestado pela recusa de adeso de Moambique ao Conselho de

    Assistncia Econmica Mtua (COMECON), em 1980 e de seguida em 1981.

  • A combinao destes factores colocou Moambique numa situao de vulnerabilidade

    externa em termos econmicos, militares e sociais, obrigando a liderana a reconsiderar

    as estratgias de governao adoptadas em 19778.

    Deste modo, em 1983, Moambique virou as suas atenes para o Ocidente com o

    objectivo de obter apoio norte-americano e europeu para pressionar a RSA a cessar com a

    sua poltica de desestabilizao, bem como para assegurar ajuda econmica que tivera

    sido negada pela Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) (Simpson: 1993).

    Assim, Moambique passou da confrontao acomodao com a frica do Sul, do

    independentismo interdependncia simbolizados pela assinatura dos Acordos de

    Nkomati e adeso s instituies de Bretton Woods9.

    Portanto, com a adopo, em 1990, pela Assembleia Nacional, de uma nova constituio

    multipartidria que permitia eleies directas para o presidente, garantia liberdade de

    imprensa e a expresso religiosa e judiciria, abria-se uma nova era poltica em

    Moambique.

    Esta constituio revia as clusulas da Constituio de 1975 que no deixavam clara a

    distino entre partido e Estado; abria espao para um debate intra-institucional e para

    opinio pblica; introduzia o Check and Balance. Deste modo acredita-se ter se passado

    de uma estrutura top-down para uma participao na tomada de deciso de actores no

    estatais.

    O novo quadro sociopoltico e econmico no qual Moambique se inseria, para alm de

    ser resultado de transformaes internas, estava tambm relacionado com fenmenos

    sistmicos, pois estava-se tambm num contexto poltico internacional em que terminava

    o conflito ideolgico que dividira o mundo em dois. Depois de mais de meio sculo de

    diviso ideolgica vencia o liberalismo e notou-se nos anos subsequentes a expanso

    desta ideologia por todo o mundo, em particular nos Estados novos do Terceiro Mundo.

    8 Caderno de apontamentos da Cadeira de Poltica Externa de Moambique, curso de Relaes Internacionais, 3 ano, aula do dia 11 de Outubro, Instituto Superior de Relaes Internacionais, 2010. 9 Ibid.

  • Segundo Abrahamsson (1994: 69), as condies prvias para a paz e reconciliao em

    Moambique no foram estabelecidas apenas porque o governo e a Renamo sentaram-se

    mesa de negociaes e assinaram o Acordo Geral de Paz. A assinatura dos Acordos de

    Nkomati foi importante para a criao de prospectos de paz, pois aquando da assinatura

    destes acordos Moambique pretendia produzir resultados especficos, dos quais o mais

    importante era a abolio do apoio oficial a Renamo pelo governo sul-africano e a

    liquidao da guerra de guerrilha da Renamo contra o governo.

    Segundo Torres et al. (2003: 5), o regime democrtico implica a consagrao da lei como

    suprema onde todos devem obedec-la, devendo os poderes polticos prosseguir os fins a

    que o Estado se prope a realizar. Deste modo, os objectivos do Estado passam pela

    proviso de justia, segurana e bem-estar do cidado.

    4.2 Opinio Pblica em Moambique

    Tal como foi dito acima, Moambique introduziu o multipartidarismo em 1990, com a

    entrada em vigor da nova constituio que veio a proclamar valores pluralistas, trazendo

    transformaes de fundo no s para a arena poltica do pas como tambm econmica.

    sabido que a opinio pblica apenas tem enquadramento em sociedades democrticas,

    onde se valorize as liberdades essenciais e direitos individuais. Portanto, para que haja

    democracia e a opinio pblica necessrio que exista certa homogeneidade social.

    Quando o povo est fragmentado em faces, que partilham de ideias adversas sobre as

    linhas fundamentais e os problemas essenciais do Estado, e no esto dispostas a se

    respeitarem mutuamente, no se pode formar a opinio pblica (Azambuja: 263).

    Deste modo, no se poderia falar de opinio pblica em Moambique nos anos

    antecedentes a 1990 uma vez que tnhamos um grupo rebelde que levava a cabo uma

    guerra de desestabilizao e alegadamente clamava pela incluso poltica, pois estava

    insatisfeito com o sistema que vigorava. Ademais, Moambique era caracterizado por ser

  • um sistema corporativo onde a opinio das massas organizadas reflectia quase sempre a

    opinio e vontades da elite governativa.

    De acordo com Lopes (2010), as mudanas no modelo poltico introduzidas a partir de

    1990 originaram novos campos de interveno pblica, possibilitando, a produo de

    novas formas de acesso e ocupao do espao pblico. Assim, com o passar dos anos,

    tem se assumido que Moambique est a registar avanos significativos na consolidao

    da democracia e da participao popular na vida poltica do Estado. Concordamos, porm

    com alguma cautela. Acreditamos que existe ainda muito por se fazer para que realmente

    se possa afirmar que estamos perante uma sociedade activa na vida poltica e econmica

    do Estado.

    Portanto, partilhamos da opinio de que a sociedade moambicana ainda fraca, sem

    capacidade eficaz de intervir na monitorizao da Poltica Externa, tal como atestam os

    casos adiante abordados. Este facto resultado, por um lado, do facto de a opinio

    pblica moambicana ser predominantemente de massas, ou seja, daquele segmento

    populacional sem informao, alvo de manipulaes baseadas em relaes de poder

    (subordinao e dominao); e por outro, pela natureza do prprio sistema poltico, que

    prevalece sendo fechado, sem grande abertura para o pblico em geral.

    Segundo Edson Muirazeque10, o povo participa nas polticas pblicas atravs do acto do

    escrutnio. verdade, porm essa participao no deve se esgotar apenas na eleio dos

    lderes. A participao do povo nas polticas pblicas deve ser contnua, como forma de

    orientar o curso poltico do pas. E sobre as eleies em Moambique, delicado afirmar

    que o processo de votao dos lderes ocorre de forma pura. Ao anuir com esta

    proposio, estaramos a considerar que o indivduo exerce o voto consciente, de acordo

    com a estrutura social e econmica ignorando, deste modo, aspectos relativos a cegueira

    poltica que tm sido dominantes na arena poltica moambicana.

    10 Edson Muirazeque, Pesquisador e Docente da Cadeira de Mdio Oriente no ISRI. Entrevistado a 11 de Julho de 2011. Zimpeto

  • Daquilo que tem se verificado em Moambique, a simpatia partidria de um indivduo em

    relao a um partido no baseada na anlise das propostas polticas deste, mas sim nos

    ganhos particulares que o indivduo pode angariar sendo membro do mesmo. Em alguns

    casos, em zonas de menor informao leva a melhor o partido que tiver maiores

    capacidades de agradar os eleitores com oferta de artigos como camisetas, capulanas,

    lenos e outros, deixando para trs a qualidade das propostas polticas.

    Contudo, a constituio de 1990 constituiu plataforma para o despertar da conscincia

    poltica da sociedade moambicana, sociedade esta que, segundo Osrio (2004)11, citado

    por Lopes (2010), associada a dependncia econmica e a instabilidade social, conduz ao

    esvaziamento do debate poltico. Por sua vez, o Estado, entidade que determina o modelo

    de organizao poltica no tem sido capaz de recriar os mecanismos que permitam a

    incluso social do cidado.

    4.3 Papel da Opinio Pblica na tomada de decises de Poltica Externa em Moambique

    Considerando que o pblico est sempre interessado em decises mais sbias e racionais

    quanto a assuntos de sua relevncia, a questo que se coloca sobre o papel da opinio

    deste nas decises de Poltica Externa do Estado. Abordar uma questo destas num pas

    como Moambique no tarefa fcil, pois ela envolve factores objectivos e subjectivos

    interligados entre si, tais como a pobreza, os baixos nveis de instruo, a natureza do

    sistema poltico moambicano, a questo de territorialidade do poder do Estado e outros.

    O Estado moderno foi concebido para ser orientado na base de valores democrticos.

    Segundo Boniface (2001) a noo de opinio pblica no tem sentido real seno num

    regime democrtico, em que a legitimidade provm de uma adeso popular expressa nas

    urnas. Porm, no caso concreto de Moambique o papel da opinio pblica na tomada

    de decises de Poltica Externa nfimo ou quase nulo. Abaixo propomos um debate em

    torno das questes que, ao nosso ver, podem estar a contribuir para este cenrio.

    11 Osrio, Conceio et al. (2004). Moambique e a reinveno da emancipao social, Centro de Formao Jurdica e Judiciaria, Maputo

  • Howlett (2000), alicerado nos trabalhos de V.O Key, E. E. Schattschneider e Bernard

    Berelson dos anos 50 e 60 e de outros importantes cientistas polticos, afirma haver pouca

    ou mesmo nenhuma ligao entre resultados polticos e opinio pblica. Segundo este

    autor, a agenda oficial do governo geralmente dominada por assuntos rotineiros e

    institucionalizados. Assim, o pblico difuso serve apenas como barmetro no processo

    poltico. Esta tese pode justificar a lgica do funcionamento do sistema poltico

    moambicano que caracterizado por ser fechado, sem transparncia em certos assuntos,

    alguns dos quais no so dados a conhecer, ou caso contrrio, a informao

    disponibilizada depois de se ter efectuado o processo decisrio.

    Na opinio do Prof. Doutor Jos Magode12, nas sociedades africanas, consideradas

    democracias emergentes, particularmente em Moambique, deparamos com uma

    sociedade civil fraca, ou seja, uma sociedade civil ainda no em altura de assumir as suas

    responsabilidades polticas e como implicao disto temos um desequilbrio entre os

    poderes dos governantes e da prpria sociedade civil. Em outras palavras, as sociedades

    das democracias emergentes, particularmente a moambicana, no tem maturidade

    poltica suficiente para reivindicar os seus direitos polticos, facto que as inibe de

    participar justamente nos processos decisrios. A falta de maturidade poltica est

    tambm relacionada com os baixos nveis de instruo que a nossa populao apresenta.

    A alfabetizao e educao bsicas constam de vrios instrumentos legais e de polticas

    de desenvolvimento do pas, e Moambique est numa luta constante de expanso da

    educao para todo o pas. A taxa de alfabetizao em Moambique de 47.8% da

    populao total, sendo 63.5% para os homens e 32.7% para as mulheres. As mulheres so

    o grupo que apresenta maior ndice de analfabetismo (80%). A taxa de analfabetismo em

    Moambique de 55.6% o que significa que em cada dois Moambicanos um no sabe

    ler (Mrio: 2005).

    12 Jos Magode, Docente da Cadeira de Cincia Poltica no ISRI, entrevistado a 26 de Abril de 2011. Zimpeto.

  • Assim, torna-se difcil formular algum posicionamento em relao a qualquer assunto

    poltico, em particular da rea da Poltica Externa. Uma vez que o nvel de instruo

    directamente proporcional a participao poltica, as decises vo sendo tomadas pela

    elite governante e ao povo recaem os efeitos.

    Ligado a este aspecto est a pobreza que afecta maior parte da populao moambicana.

    Nas palavras de Marini (2010: 1) o nmero de moambicanos que viviam na pobreza

    absoluta reduziu-se de 70% em 1997 para 54% em 2003, ano da ltima pesquisa nacional

    de domiclios. A pobreza impe condies objectivas que impedem uma maior

    participao popular nas decises do Estado. No imperioso que toda populao

    moambicana participe no processo decisrio, porm uma maioria esmagadora no tem

    conhecimento das decises do Estado. Nem todo cidado est na posse de ter um meio de

    comunicao, seja ele jornal, revista, rdio, televiso e outros, que lhe permitiria estar a

    par dos acontecimentos e ento estar na posse de formular um posicionamento.

    Uma vez que para se poder estar capacitado a fazer um juzo de valor tem de se ter

    digerido alguma informao, a pobreza torna impossvel que alguns moambicanos

    formulem algum posicionamento pois, por questes objectivas, estes no tm capacidade

    de adquirir os meios de informao. O meio mais usado em todo pas o rdio, porm, a

    diversidade dos meios de informao possibilita o enriquecimento intelectual do cidado

    acerca de um dado assunto.

    A questo de renda e da distribuio desigual de recursos importante para entender este

    posicionamento. Existe um fosso entre os ricos e os no ricos. Enquanto uma camada da

    sociedade moambicana tem acesso a todos meios de informao, incluindo internet,

    outros segmentos populacionais no esto na posse de adquirir um meio que seja.

    Outro elemento que justifica o facto de a opinio pblica no influir nas decises de

    Poltica Externa do Estado moambicano a questo de territorialidade do poder do

    Estado. No se pode considerar que haja opinio pblica num Estado, como

    Moambique, em que a territorialidade do Estado falha. O sistema exclui as zonas

  • recnditas do processo decisrio. Existe um centro de tomada de decises, a capital do

    pas, e os mecanismos de difuso de informao em todo territrio no so, ainda,

    eficientes. Portanto, quanto mais distante a zona for do centro de poder menor o acesso

    a informao.

    A opinio pblica domstica divide-se em duas categorias distintas: a opinio pblica de

    massas, que refere-se aquele procedimento populacional sem informao, facilmente

    manipulado, ou sem interesse especfico sobre o assunto; e opinio pblica informada,

    que engloba intelectuais, acadmicos e mdia, com capacidade de formular

    posicionamentos, manipular informao e mobilizar apoios.

    Os grupos de interesse e os grupos de presso tm um importante papel na formao da

    opinio pblica. Estes geralmente so informados e nalgumas vezes buscam apoios no

    segmento populacional com menor instruo, com objectivo de satisfao de objectivos

    prprios. A Organizao da Juventude Moambicana (OJM), a Liga dos Direitos

    Humanos (LDH) e a Rede de Organizaes para a Soberania Alimentar (ROSA) so

    alguns exemplos. Assim, esta deixa de ser uma opinio pblica, pois fruto de uma elite

    com interesses especficos e no uma aglomerao de opinies individuais mais ou

    menos convergentes.

    Desta feita, partindo do princpio de que o lder apenas um representante do povo, este

    ltimo deve ver figurados os seus interesses nas decises do Estado. Um dos melhores

    exemplos, que pode-se dar da participao da opinio pblica na Poltica Externa do

    Estado so os Estados Unidos da Amrica (EUA). A ttulo de exemplo temos a deciso

    de encerramento da priso de Guantnamo, tomada pelo presidente dos Estados Unidos,

    Barack Hussein Obama, em 2009, que foi grandemente influenciada pela opinio pblica

    domstica e internacional. Esta foi de encontro com os anseios de muitos e teve um

    carcter regulativo, visto que pretendia corrigir uma dada situao desfavorvel aos

    novos interesses dos Estados Unidos.

  • Pode se considerar, tambm como exemplo, a deciso de evacuao das tropas

    americanas do Iraque, em 2010, que foi, incontestavelmente, fruto de uma grande presso

    interna e internacional.

    Contudo, Moambique