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FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE – UNIFLU FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO A EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER CONTRA O ESTADO FUNDADA EM TÍTULO JUDICIAL (1973-2006) VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES. CAMPOS DOS GOYTACAZES 2006

A EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER CONTRA O ... · 2.1. O processo de execução..... ..... ... necessária a conversão da execução por obrigação de fazer

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FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE – UNIFLU

FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO

A EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER CONTRA O ESTADO FUNDADA EM

TÍTULO JUDICIAL (1973-2006)

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES.

CAMPOS DOS GOYTACAZES 2006

FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE – UNIFLU

FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO

A EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER CONTRA O ESTADO FUNDADA EM

TÍTULO JUDICIAL (1973-2006)

Dissertação apresentada à coordenação do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Campos - FDC, como exigência final para conclusão do programa, orientada pelo Professor Doutor Leonardo Greco.

CAMPOS DOS GOYTACAZES 2006

DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos

meus pais Elan Rodrigues e Sandra que, no enrijecer de seus ensinamentos, me levaram à persistência e ao posterior sucesso.

À minha querida “Vó Ida”

que, por força de suas orações e palavras de apoio, hoje minha vida se transforma.

À minha namorada Flávia,

por tudo. Aos pobres, famintos de

justiça e dignidade.

Agradeço primeiramente ao

Senhor Deus, criador da vida e de tudo, representação suprema da perfeição e da justiça.

Ao meu professor e

orientador Doutor Leonardo Greco, pela paciência e compreensão, bem como pelas lições jurídicas e de vida. A ele todo meu reconhecimento e admiração.

A todos os membros da

secretaria do Mestrado pela eficiente presteza. À CAPES, pelo fomento que

tanto impulsionou a conclusão desta jornada, sem o qual seria impossível.

Por fim, a todos aqueles

que, de qualquer forma, contribuíram direta ou indiretamente para a elaboração do presente estudo.

“Vaidade das vaidades, diz o

Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.” “O que foi é o que será: o

que acontece é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol.”

ECLESIASTES 1.2 e 9.

A FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS-FDC não se responsabiliza pelas opiniões emitidas na presente dissertação, que são de total e exclusiva

responsabilidade do autor.

SUMÁRIO RESUMO...............................................................................................................07

ABSTRACT............................................................................................................08

INTRODUÇÃO ......................................................................................................09

Capítulo I - A JURISDIÇÃO E A EXECUÇÃO .....................................................13 1.1. A jurisdição......................................................................................................15 1.2. A sentença e suas eficácias...........................................................................20 1.3. Notas preliminares sobre execução................................................................41 Capítulo II - A EXECUÇÃO E SUA TUTELA JURISDICIONAL...........................53 2.1. O processo de execução................................................................................55 2.2. Elementos focais da tutela jurisdicional executiva..........................................58 2.3. O título executivo............................................................................................65 Capítulo III - EXECUÇÃO ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE

NÃO FAZER...................................................................................85 3.1. A tutela das obrigações de fazer e de não fazer.............................................85 3.2. O sistema do art. 461 do CPC......................................................................103 3.3. Breves considerações sobre as alterações no art. 461 do CPC advindas da Lei 10.444 de 07 de maio de 2002.......................................................................112 3.4. Tutela específica no processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer.....................................................................................................................114 Capítulo IV - MEDIDAS EXECUTIVAS PARA EFETIVAÇÃO DA OBRIGAÇÃO

DE FAZER E DE NÃO FAZER.................................................124 4.1. Meios de Coerção.........................................................................................126 4.2. Meios de sub-rogação e outras medidas necessárias..................................139 4.3. Limites naturais e políticos da execução......................................................145 4.4. Obtenção do resultado prático equivalente..................................................150 4.5. Conversão da obrigação em perdas e danos...............................................151 Capítulo V - EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E

NÃO-FAZER EM FACE DO ESTADO............................................154 5.1. A relação efetividade x isonomia nos processos contra o Estado................157 5.2. A questão das prerrogativas do Estado em juízo e a execução por obrigações de fazer e não fazer.............................................................................................162 5.3. Reserva do Possível e Máxima Efetividade das normas..............................164 5.4. A separação de poderes entre o Executivo e o Judiciário como óbice ao cumprimento das decisões judiciais.....................................................................170 5.5. A discricionariedade e o cumprimento das obrigações devidas pelo Estado.... 176 5.6. Meios de coerção na execução contra a Fazenda Pública...........................178 5.7. A defesa do Estado na execução por obrigação de fazer ou de não fazer...183 CONCLUSÃO......................................................................................................196 REFERÊNCIAS ..................................................................................................199

RESUMO

Pretende-se na dissertação em tela analisar as principais características do processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer contra o Estado, fundado em título executivo judicial. As obrigações específicas, não pecuniárias, dependem da vontade do devedor para que sejam cumpridas. No caso do Estado, o cumprimento da obrigação na forma específica fica ainda mais comprometido, uma vez que diversos fundamentos insubsistentes são empregados para que o ente estatal possa se esquivar do cumprimento, a exemplo da alegação de ofensa à separação de poderes e ao argumento da reserva do possível. Por isso, a efetividade da prestação jurisdicional fica comprometida, pelo qual serão analisados os meios executivos e as formas de coerção ou sub-rogação utilizáveis para forçar o cumprimento. Algumas notas referentes à execução forçada e os dispositivos legais aplicáveis, bem como uma breve abordagem dos meios de defesa do Estado-executado finalizam a abordagem de forma a proporcionar um despretensioso estudo prático, teórico e jurisprudencial acerca da execução das obrigações de fazer e não fazer contra o Estado, fundada em título judicial. PALAVRAS-CHAVE: Execução; Obrigação de fazer e de não fazer; Título judicial; Estado; Efetividade; Cumprimento.

ABSTRACT It is intended in the desertion in focus to analyze the main characteristics of the execution process of the obligations to do and not to do against the State, established in a judicial executive decision. The specific obligations, not pecuniary, depend on the will of the debtor to be fulfilled. In the case of the State, the fulfillment of the obligation in the specific form becomes yet more compromised, once that fragile argument is applied so that the state can avoid the fulfillment, the example of the allegation of offence to the separation of powers and to the argument of minimum finances available. Therefore, the effectiveness of the judgment is compromised, for which the executive ways and forms of useful coercion or subrogation will be analyzed to force the fulfillment. Some notes referring to the forced execution and the applicable legal devices, as in a quick boarding of the ways of State-executed defense finish the boarding to provide an unpretentious practical, theoretical and jurisprudential study concerning the execution of the obligations to do and not to do against the State, established in judicial decision. Key Words: Execution; Obligation to do and not do; judicial decision; State; Effectiveness; Fulfillment.

INTRODUÇÃO

O tema relativo à tutela específica possibilita ampla discussão acerca das

modalidades do cumprimento da obrigação pleiteada em juízo. Tal discussão se inflama

ainda mais quando o ente estatal é o devedor inadimplente executado por uma obrigação

que deve ser cumprida de forma específica. É o que se abordará no presente estudo.

Ademais, as obrigações de fazer e de não fazer são as que mais dependem da

vontade do agente devedor para que sejam cumpridos tais preceitos, motivo pelo qual se

faz imprescindível a voluntariedade do obrigado para a satisfação do direito do credor na

forma específica.

O artigo 461 do Código de Processo Civil prevê os meios executivos para

forçar o devedor a cumprir a obrigação de fazer e de não fazer in natura. Todavia, diversos

argumentos são suscitados pelo Estado devedor e acabam servindo de artifício legítimo e

legal para esquivar-se do dever de agir para que a satisfação do direito do credor se efetive

na forma específica por ele pretendida.

Nesse sentido, o presente trabalho em seu primeiro capítulo trará uma

abordagem preliminar acerca das noções de jurisdição, bem como ressalta os principais

aspectos acerca da atuação do Poder Judiciário.

Mais adiante, no mesmo capítulo, serão feitas as anotações pertinentes à

sentença e a problemática que envolve a classificação de suas eficácias, que pode ser

quinária ou ternária, de acordo com a corrente doutrinária que se pretender adotar. No

entanto, não será adotado este ou aquele posicionamento, porém, abordando ambos de

forma meramente expositiva de acordo com os entendimentos dos principais juristas que os

defendem.

No mesmo capítulo serão levantadas questões superficiais e introdutórias

acerca da execução e como este instituto se desenvolveu no tempo, a ponto de se amoldar

às normas em vigor.

Já no segundo capítulo a execução será abordada mais especificamente,

detalhando seus principais aspectos e requisitos de validade a fim de que possa se

desenvolver validamente e eficazmente em juízo.

Será analisado o processo de execução nos moldes legais e doutrinários, sendo

traçadas algumas considerações acerca das suas características em juízo, que abrange desde

sua conceituação, peculiaridades quanto à nomenclatura, passando por suas finalidades,

seus elementos focais e principais pressupostos.

No segundo capítulo será feita também a necessária análise acerca do título

executivo, sem o qual a execução não se desenvolve. Por fim, neste capítulo é feita ainda

breve abordagem acerca dos princípios da execução.

O terceiro capítulo é destinado aos comentários acerca da execução específica

das obrigações de fazer e de não fazer, citando primeiramente os detalhes acerca da tutela

específica dessas obrigações, para, em seguida, focar a análise para cada uma das espécies

de obrigações e suas subdivisões.

Nesse mesmo capítulo analisar-se-á o artigo 461 do Código de Processo Civil,

os meios executivos por ele disponibilizados ao credor para que veja seu direito efetivado

na forma específica por ele pretendida e as modalidades de tutela possíveis de serem

prestadas.

No quarto capítulo serão destacadas, de forma explicativa, as principais

medidas executivas possíveis de serem adotadas a fim de que se atinja a efetivação da

obrigação de fazer e de não fazer na sua forma específica, conforme pleiteado pelo credor e

a ele assegurado por uma decisão judicial que deve ser cumprida.

O quinto e último capítulo é o mais extenso por abordar de forma unificada

cada uma das principais matérias relativas ao emperramento da efetividade da prestação

jurisdicional ao credor de um direito que o pleiteia em juízo e, que tem no pólo passivo da

demanda o Estado.

Por isso serão levantadas as principais situações que obstam a efetividade da

execução das obrigações de fazer e de não fazer contra o Estado, dentre elas a relação entre

a efetividade e a isonomia processual das partes nos processos contra o Estado.

A seguir será abordada a questão das prerrogativas do Estado em juízo

confrontando-as nas hipóteses de execução por obrigações de fazer e não fazer.

Em momento oportuno, no quinto capítulo serão analisados alguns dos

falaciosos argumentos comumente utilizados pelo Estado que figura no pólo passivo de

uma execução por obrigação específica, a exemplo da reserva do possível e da separação

dos poderes.

Serão ainda dedicados alguns parágrafos para análise da adoção dos meios de

coerção utilizáveis contra o Estado para forçá-lo a cumprir a obrigação na forma específica

a fim de evitar a conversão da obrigação específica em perdas e danos, fator pelo qual seria

necessária a conversão da execução por obrigação de fazer ou de não fazer em execução

pecuniária, sujeitando-se o credor ao odioso rito dos precatórios.

Para o término da abordagem acerca da efetividade da execução movida contra

o Estado, serão feitas breves considerações acerca dos meios de defesa do Estado

executado.

Por fim, a conclusão abordará resumidamente os principais enfoques feitos no

trabalho.

CAPÍTULO I

A JURISDIÇÃO E A EXECUÇÃO

A fim de atender ao que garante o art. 5º, inciso XXXV da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, o Estado Democrático de Direito contemporâneo

desenvolve, além das atividades legislativa e administrativa, a atividade jurisdicional. Essa

divisão de atividades é também chamada de separação dos poderes do Estado em respeito

ao que prescreve o art. 2º da CF/88. O que se pretende com essa preliminar abordagem

sobre a construção teórica da separação dos poderes é justamente delimitar o tema em

relação à jurisdição e o procedimento da execução, e, posteriormente, em relação ao

cumprimento das decisões judiciais pelas demais esferas de poder.

Importante, todavia, relatar que a teoria da separação dos poderes surgiu em

época muito remota e que será apenas citada aqui na forma de um breve e sintetizado perfil

histórico. A teoria da separação dos poderes começou a ganhar sentido nas idéias de Platão

com seus comentários acerca da separação de funções na polis perfeita imaginada por ele1,

passando depois pela ideologia de Aristóteles, com a primeira manifestação acerca da

tripartição de poderes constitutivos do Estado. 2

Todavia, foi em época posterior que Montesquieu surge como grande

sistematizador da idéia de separação dos poderes, ao afirmar que se houvesse a

concentração de mais de um dos três poderes constitutivos do Estado nas mãos de uma só

pessoa, a liberdade daquela nação estaria ameaçada por essa concentração de poderes. 3

Nessa linha de pensadores que contribuíram para o desenvolvimento e

aperfeiçoamento da teoria da separação de poderes, não se poderia excluir o nome de Hans

Kelsen como sendo uma das mais importantes contribuições do século para a elucidação

do estudo da teoria da separação dos poderes e o Estado. Kelsen idealizou o Estado como

sendo uma corporação, e essa corporação seria considerada uma pessoa, porque para esta

existem direitos e deveres jurídicos estipulados. 4

Exposto de forma brevíssima o desenvolvimento histórico da teoria da

separação dos poderes, afirma-se que os países democráticos, dentre eles o Brasil,

adotaram os ensinamentos dessa teoria como forma de estruturação moderna do Estado.

1 PLATÃO. Diálogos III - A República. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 39 e ss. 2 ARISTÓTELES. A Política. Livro Sexto. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1998. 3 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. Coleção Os Pensadores. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 4 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Título original: General Theory of Law and State. Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Excluída por enquanto a abordagem sobre as demais esferas de poder, trata-se

de limitar os comentários sobre o poder jurisdicional do Estado.

1.1. A jurisdição:

A atividade jurisdicional decorre da provocação do Poder Judiciário pelos

interessados na intervenção estatal a fim de obter deste, um título judicial que lhe assegure

o direito pleiteado através da segurança jurídica proporcionada pela imutabilidade, em

regra, da decisão judicial transitada em julgado.

Anexo à própria existência do Estado, o poder jurisdicional representa a

capacidade que ele, o Estado, tem de impor as suas decisões, sendo exercido em

conformidade com os objetivos específicos que se pretenda alcançar, respeitados os limites

éticos, morais, legais e principiológicos.

Leonardo Greco conceitua a jurisdição como sendo:

“... função exercida em nome do povo soberano, por juízes subordinados exclusivamente aos princípios e valores do Estado Democrático de Direito e à lei, para a tutela de todas as posições subjetivas substanciais dos particulares por ele agasalhadas”. 5

Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, o conceito de jurisdição geralmente

possui três facetas que habitualmente lhe conferem natureza de poder; de função e de

atividade, naturezas estas que o Estado possui na apreciação das lides levadas à sua esfera

de apreciação pelo judiciário no sistema processual. 6

5 GRECO, Leonardo. “Garantias Fundamentais do Processo: O processo Justo”. In. Estudos de Direito

Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 249. 6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I, 5ª ed., rev. atual. Ed. Malheiros: São Paulo, 2005. p. 318.

Sua faceta de função torna-se visível pela atuação estatal na busca de um bem

maior, a busca pela pacificação de litígios existentes na sociedade. É possível identificar

essa natureza funcional na busca pelos objetivos do processo com fulcro na capacidade

estatal de decidir imperativamente e impor decisões.

É na prática de atos pelo juiz, conferido de legitimidade para agir em nome do

Estado, que a jurisdição mostra a sua forma de atividade. A atividade jurisdicional, em

sentido lato, é vislumbrada na atuação prática do juiz no processo, seguindo ao

procedimento adequado, na busca pela efetividade processual.

Por fim, segue o mesmo autor demonstrando que a faceta de poder estatal se

torna identificável nos casos em que se faz necessário o uso da coerção legal destinada a

pressionar a vontade do obrigado para cumprir a obrigação que lhe fora imposta. 7

Muito embora o respeitabilíssimo autor afirme que o poder de coerção “consiste

em motivar a vontade do obrigado”, com todo devido respeito e humildade, ouse-se aqui

emendar tal pensamento. 8

Na realidade, parece ser mais plausível entender que a coerção não irá motivar a

conduta nem a vontade do obrigado. A motivação deve ser considerada como sendo a

razão, a causa da prática do ato. Assim, a motivação deve decorrer da existência de direito

subjetivo do credor em ver cumprida em seu favor a obrigação devida pelo obrigado.

Nesse sentido, através da coerção, a vontade do agente não será propriamente

motivada, mas sim impulsionada, pressionada. A vontade do agente sofrerá a pressão legal

para que seja transformada em atos capazes de concretizar, na esfera fática, o cumprimento

da obrigação que é por ele devida.

Em suma, a coação é a força externa que age sobre a vontade do agente

obrigado a fim de fazer com que cumpra a obrigação devida, e não a sua motivação, que

7 DINAMARCO, Op. Cit. p. 338. 8 Idem, p. 338.

surge da necessidade do cumprimento dessa obrigação pela existência de título que

assegure o direito do credor.

Desses ensinamentos extrai-se um possível conceito de jurisdição como sendo a

função estatal de solucionar imperativamente, através dos juízes, conflitos inter-individuais

e supra-individuais, bem como os demais escopos processuais. 9

Tal função é exercida mediante a atuação da vontade do direito nos casos

concretos, respeitando-se o procedimento adequado. É imperativo porque há a força do

poder estatal agindo.

Todavia, não se buscará também dar demasiada relevância à tentativa de

conceituar perfeitamente o que seja jurisdição, pois essa busca obsessiva da doutrina,

apesar das mais variadas óticas, vincula-se a um conceptualismo restritivo indesejável no

campo do Direito.

Em meio à diversidade de conceituações doutrinárias, existe o entendimento de

que a jurisdição caracteriza-se pela sua natureza substitutiva da atividade alheia (das

partes) pela atividade estatal, na medida em que, no procedimento da execução, por

exemplo, o Estado torna exeqüível, através de atos executórios, a vontade da lei não

atendida pelo executado. Isso ocorre porque é expressamente vedado ao particular atuar

como juiz em causa própria. O Estado atua, através de seus órgãos jurisdicionais, como

juiz em causa alheia.

Assim também entende o supracitado autor ao afirmar que em termos técnicos,

a jurisdição como atividade estatal é sempre substitutiva das atividades dos sujeitos

conflitantes. 10

Todavia, não se trata tão somente uma atividade substitutiva, mas de uma

atividade amplificada capaz de tornar eficaz a garantia estabelecida no art. 5º, inciso

XXXV da CF/88. Trata-se também de uma atividade garantidora, assecuratória reguladora, 9 Idem, p. 329. 10 DINAMARCO, Op. Cit. p. 336.

repressora, limitadora, provedora, enfim, diversas podem ser as características e naturezas

da jurisdição. Mas um ponto norteador é indiscutível em todos os conceitos doutrinários

possíveis: a jurisdição deve ser sempre exercida quando provocada lícita e legitimamente

em respeito à garantia constitucional do acesso à Justiça. Essa é a atividade jurisdicional.

Ovídio Baptista, através de seu conceito de jurisdição, entende que o ato

jurisdicional, ao ser praticado pelo juiz, deve ser feito “como finalidade específica de seu

agir”. Cita ainda que o elemento da imparcialidade é o componente essencial do ato

jurisdicional, devendo o juiz manter-se numa situação estratégica de independência e

superficialidade relativas em face do interesse a ser tutelado, exercendo o poder-dever

julgador vinculado principalmente às provas produzidas e elementos formadores de sua

convicção que deverá ser devidamente fundamentada. 11

A doutrina procura definir a jurisdição considerando-se diversos aspectos a ela

inerentes, como os já citados acima retirados das lições de Dinamarco. Entretanto, o caráter

substitutivo da jurisdição, desde os ensinamentos de Giuseppe Chiovenda, é ponto em

comum, no que as vontades das partes sujeitam-se à atuação do poder judiciário. Assim

Chiovenda define jurisdição:

“... função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”. 12

Complementa ainda o conceito de jurisdição, considerando a prática de atos

imperativos pelo juiz na solução das lides como sendo “um complexo de atos de império

reagrupados por determinado escopo que o caracteriza, e emanados em virtude dos

correspondentes poderes postos a serviço desse escopo e da função jurisdicional”. 13

11 BAPTISTA, Ovídio. Curso de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Porto Alegre: SAFE, 1991, pp. 10-21. 12 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed., v. 2. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 4. 13 CHIOVENDA, Op. Cit., p. 11.

Em face da diversidade de conceituações possíveis de jurisdição fundadas na

multiplicidade de aspectos considerados na busca por uma conceituação perfeita, convém

entender a jurisdição na sua definição mais abstrata como sendo uma atividade exercida

pelo Estado a fim de assegurar a tutela de um direito ameaçado ou lesado, na forma do que

garante a Constituição Federal. É uma delimitação genérica do que seja jurisdição, mas que

possibilita sua dilatação a ponto de permear e abranger todos os demais conceitos

doutrinários já existentes.

Nesse sentido, o Poder Judiciário, quando provocado, aprecia e julga os

conflitos existentes entre os interesses, sejam privados ou públicos. Sob esse aspecto,

pode-se dizer que a lide consiste na motivação da atividade jurisdicional e aparece no

processo mediante as questões suscitadas, sejam de direito ou de fato, divergentes entre as

partes demandantes.

Extrai-se da análise da diversidade de conceitos possíveis que a jurisdição é um

serviço público assegurado pela Constituição e que deve ser exercido pelo Estado, podendo

agir preventiva ou repressivamente para solucionar as lesões ou ameaças de lesão de

direito que forem levadas à sua esfera de atuação funcional.

1.2. A sentença e suas eficácias:

Através da jurisdição, as partes litigantes provocam o Poder Judiciário na busca

pela solução concreta que se dá pela obtenção de um título judicial caracterizado pela

decisão final, transitada em julgado, oriunda de um processo judicial apreciado e julgado

numa das modalidades de tutela jurisdicional existente, seja no procedimento cognitivo,

executório ou cautelar.

Existem casos em que se vislumbra perfeitamente desnecessária a função

executiva da jurisdição, como exemplo, as lides que se solucionam com o simples

provimento da regra jurídica concreta, a sentença. É o caso da tutela cognitiva.

No presente trabalho será apenas analisada a tutela jurisdicional executiva que

tenha por objetivo o cumprimento das obrigações de fazer e não-fazer impostas por uma

sentença judicial transitada em julgado.

Assim, através de uma noção superficial dos domínios da tutela executiva,

pode-se caracterizá-la como sendo a atividade jurisdicional que tem por objetivo a

concretização de certos direitos subjetivos devidos na esfera fática.

Para melhor introduzir o tema em foco neste capítulo a respeito do

procedimento da execução, deve-se ter em mente a classificação das ações. Porém, a

classificação das ações deverá ser obtida através da análise das sentenças produzidas por

essas ações.

Para se definir a sentença, devem ser levados em consideração dois momentos

que dizem respeito à reforma do Poder Judiciário em andamento no Brasil, em especial no

que tange aos aspectos processuais. Num primeiro momento, antes da edição da Lei 11.232

de 22.12.2005, a sentença poderia ser conceituada simploriamente como sendo o ato final

do processo em primeira instância, havendo ou não decisão sobre o mérito da causa. Na

concepção da reformada lei processual civil brasileira antes do surgimento da lei

supracitada, a sentença era definida pelo parágrafo primeiro do art. 162 do CPC como “o

ato pelo qual o juiz põe fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. 14

Em termos práticos é a formação do título judicial pleiteado no processo de

conhecimento. Em grau de recurso à instância superior esse título é denominado acórdão,

uma vez que o julgamento é feito por órgão colegiado.

14 BRASIL. [Código de Processo Civil]. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor / Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa. 38ª ed. atual. até 16 de fevereiro de 2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 275.

Então, a partir da recente alteração da redação do §1º do artigo 162 promovida

pela Lei 11.232 de 22.12.2005 decorre o segundo momento, que ao alterar o parágrafo

primeiro do art. 162 do CPC definiu a sentença como o "ato do juiz que implica alguma

das situações previstas nos arts. 267 e 269". Essa alteração trouxe uma visão mais precisa

do instituto da sentença, pois possibilita uma conceituação regida pelo enfoque no

conteúdo do pronunciamento judicial e não apenas na sua mera localização no feito. 15

Em tempo, os artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil tratam

respectivamente da extinção do processo sem resolução de mérito e com a resolução de

mérito.

Em relação à aludida reforma processual, Araken de Assis entende que o único

objetivo da alteração do art. 162, §1º, bem como dos arts. 269, caput e 463, caput, foi para

que a execução (ou o cumprimento) da resolução final do juiz que julga o mérito,

acolhendo o pedido a fim de que se realize no processo pendente, não extinguindo o

processo, que prosseguirá a requerimento do vencedor para executar o provimento. 16

Para fins de definição do conceito de sentença, deve ser abandonada a idéia de

que o juiz, ao proferi-la, cumpre e acaba o ofício jurisdicional, a propósito do que tratava

anteriormente o art. 463, caput do CPC.

A sentença não é mais o ato que põe termo ao procedimento de primeiro grau.

A conceituação anterior, além de definir a sentença com base em critério meramente

topográfico, levando em consideração tão somente seu lugar no processo, incorria em

equívoco crasso, pois o que realmente encerra o processo cognitivo é o trânsito em julgado

da decisão final e não o ato do juiz.

Antes da nova redação do art. 162, §1º instituído pela lei 11.232/2005, não

existiam grandes divergências sobre o conceito de sentença entre os doutrinadores,

podendo ser destacada a definição dada por Alexandre Freitas Câmara, que conceitua a 15 Idem, p. 274. 16 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.

sentença como sendo o "provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do

magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo". 17

Ressalte-se aqui que essa definição se fundava na antiga redação do art. 463 do

Código de Processo Civil, que entendia que o término do ofício jurisdicional ocorria pela

publicação da sentença. De igual forma assim também delineava o art. 162, §1º do Código

de Processo Civil antes da aludida reforma.

A nova lei alterou a redação do § 1o. do art. 162, definindo a sentença da

seguinte forma: “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos

arts. 267 e 269” do CPC. 18

Desta forma, tal lei modificou substancialmente o conceito de sentença, que

anteriormente se norteava por critério eminentemente topológico. Nas notas da obra de

Theotônio Negrão encontra-se a seguinte disposição: “Se o ato colocava fim no processo,

tratava-se de sentença” 19. Convém citar na íntegra a observação feita na obra do referido

autor a respeito do critério topológico para se conceituar a sentença.

O critério topológico trazia grandes vantagens práticas, principalmente no momento de determinar o recurso cabível contra ato por impugnar e por reservar a apelação apenas para o ato final do processo. Todavia, com o novo conceito de sentença trazido pela Lei 11.232, de 22.12.2005, houve um certo distanciamento desse critério.20

Lembra ainda que, nas hipóteses de dúvida acerca da propositura de agravo ou

sentença, a exemplo do pronunciamento judicial que se limite a excluir um dos

litisconsortes do feito ou que rejeite liminarmente a reconvenção, deverá ser recrudescido o

princípio da fungibilidade entre agravo e apelação até que a jurisprudência traga uma

resposta segura a essas indagações. 21

17 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I, 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumem Júris, 2004, p. 432. 18 THEOTÔNIO. Op. Cit. p. 274. 19 Idem, p. 364. 20 Idem, p. 364-365. 21 Idem, p. 365.

Entretanto, Leonardo Greco afirma que tal dúvida é insubsistente porque, na

realidade, o legislador quis reafirmar que, apesar de se tratar de decisão que não finda o

processo, mas sim o procedimento cognitivo, prosseguindo o processo no procedimento

executório, tais decisões “continuarão a constituir sentenças para todos os efeitos e,

portanto, igualmente sujeitas à apelação”. 22

Torna-se claro que houve a preocupação do legislador em adotar o critério

orientador relativo ao conteúdo e não mais o critério topológico. Portanto, é o conteúdo

que importa, e não mais a aptidão para pôr fim ao processo, embora isso possa ocorrer,

para se definir o pronunciamento judicial como sentença.

Após a análise destas observações, torna-se possível definir a sentença como o

pronunciamento judicial que pode examinar a relação jurídica processual (formal) e, em

regra, extingue a fase cognitiva do processo, bem como o que examina a relação jurídica

material sem pôr fim ao processo num todo, de acordo com o art. 162, § 1º do CPC.

Desta forma, a sentença não mais coloca fim à função jurisdicional, uma vez

que não extingue o processo, mas continua sendo formadora do título judicial pretendido.

Seus efeitos em relação à formação do título continuam inalterados.

Na esteira das reformas processuais parciais recentes nota-se também que o

caput dos arts. 267 e 269 foi alterado para melhor entendimento da mens legis, onde restou

substituída a terminologia “julgamento”, que levava à noção de término, pela expressão

“resolução”, esta levando à noção de decisão parcial, de fase ordinária do processo.

Extra-se dos dizeres do processualista Leonardo Greco a lição de que “ficou

implícito o elemento comum a todas as sentenças, que é o pronunciamento conclusivo da

fase cognitiva do processo, haja ou não julgamento da pretensão de direito material”. 23

22 GRECO, Leonardo. “Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da lei 11.232/05”. In

Revista Dialética de Direito Processual, nº. 36, março de 2006, Ed. Dialética: São Paulo, 2006, p. 71. 23 GRECO, Leonardo. “Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei 11.232/05”. In

Revista Dialética de Direito Processual. nº. 36. Março 2006. p. 71.

Por este inspirador entendimento conclui-se que a sentença se transformou em

uma manifestação de caráter conclusivo sobre certa etapa do processo. Não finda o

processo em si, mas tão somente uma de suas fases. Mantém-se o processo principal,

iniciando-se nova fase de procedimento diversificado.

Em suma, o que houve foi uma significativa simplificação do procedimento

executório no sentido de acatar a sentença como ato dotado de auto-executoriedade no

mesmo processo, o que leva à desnecessidade da propositura de uma nova ação a fim de

executar o título judicial formado, como era feito antes da reforma, tornando assim, mais

ágil e eficaz a possibilidade de o credor ver seu direito devidamente cumprido no mundo

fático. Só se pode considerar extinta a prestação jurisdicional com o recebimento do bem

da vida pleiteado pelo credor após o esgotamento do processo executivo, caso o devedor

não cumpra voluntariamente a obrigação.

Uma peculiaridade existe no que tange às decisões de acolhimento provisório

do pedido inicial, a exemplo do caso de uma antecipação de tutela em que deve o

procedimento cognitivo prosseguir em relação aos demais pedidos não julgados.

No caso, a aludida simplificação trazida pela lei em comento no que concerne

ao procedimento executório parece se fragmentar, possibilitando que o novo trâmite seja

aplicado, da mesma forma, antecipadamente ao direito assegurado pelo deferimento da

antecipação de tutela e, ao final de todo procedimento cognitivo, se assegurado o direito

pleiteado pelo autor, seja ele também efetivado na forma prescrita pela citada lei, porém,

em momento ulterior, que é o adequado.

Apesar de não ter tratado especificamente do tema, a lei 11.232 de 2005 parece

deixar as portas abertas para que seja executado, nesses casos, tão somente o direito que foi

deferido antecipadamente, e executado a posteriori, o que for deferido ao fim do

procedimento cognitivo em nova decisão.

À primeira vista, perece gerar certa confusão, mas se observado o objeto

executado antecipadamente, ter-se-á em vista que este se distingue daquele que poderá ser

deferido ulteriormente, existindo, portanto, dois objetos deferidos em momentos distintos,

e conseqüentemente, devem existir duas execuções em momentos distintos.

A dúvida surge na questão relativa à possibilidade de ser executado o direito

deferido antecipadamente em momento posterior, juntamente com o direito que for

concedido no fim da apreciação cognitiva. Neste caso, a própria fundamentação do

deferimento da antecipação da tutela será a causa petendi da execução de tal direito,

pautado exclusivamente na urgência de sua efetivação, pelo qual foi deferido

antecipadamente. Então, uma execução a posteriori negaria a existência da urgência que

motivou a decisão, negando, por conseguinte, o próprio direito.

É mais razoável e adequado que, por questões de efetividade e celeridade, seja

o direito deferido de forma antecipada e executado também antecipadamente em respeito à

urgência na qual se fundou o pedido de julgamento antecipado, prosseguindo-se de forma

autônoma a cognição em relação aos demais pedidos.

Tal hipótese poderia ser comparada à possibilidade de propositura de sucessivas

execuções de alimentos provisórios, pois se trata de obrigação contínua, porém

fragmentado o direito, que fica condicionado a termo. Se garantido o direito

antecipadamente, de igual forma, necessária se faz sua efetivação, mesmo que pendente de

prosseguimento do processo cognitivo do restante do pedido autoral, que deverá ser

executado ou cumprido em momento oportuno, pois não fora deferido antecipadamente.

Cite-se ainda o corriqueiro exemplo das antecipações de tutela deferidas em

sede de Juizado Especial para que as empresas rés excluam o nome do autor (suposto

devedor) dos cadastros públicos de inadimplentes até que seja apreciada a legalidade e o

real motivo da inclusão do nome do autor da ação naquele rol. Tais pedidos de antecipação

de tutela geralmente vêm acompanhados de pedidos de responsabilização civil das

empresas rés por danos morais oriundos da inclusão supostamente indevida, que são quase

sempre apreciados em fase cognitiva exaustiva, e não antecipadamente.

Dessa forma, é mais cauteloso afirmar que o direito assegurado através da

antecipação de tutela deverá executado também antecipadamente se não for cumprido de

forma voluntária, respeitados os exatos limites do seu deferimento, o que torna necessário

prosseguir a apreciação cognitiva no restante dos pedidos não julgados, que deverão

executados posteriormente, se deferidos forem.

1.2.1. O problema da classificação das eficácias das sentenças:

A eficácia da sentença é a aptidão da decisão de produzir efeitos fáticos e

jurídicos, no mundo empírico e na ordem jurídica. A distinção dessas eficácias deve ser

feita de forma autônoma, sendo que a classificação das sentenças em declarativas;

condenatórias; constitutivas; executivas e mandamentais parece ser a mais adequada por

não se relacionar com a classificação das modalidades de tutela jurisdicional. Trata-se de

uma classificação sugerida pelo clássico processualista Pontes de Miranda e é dotada de

considerável oportunidade e adequação. 24

Porém, essa classificação quinária não é de aceitação pacífica entre influentes

doutrinadores pátrios. Trata-se de tema controverso que enseja abrasadas discussões que

não deverão ser detalhadas aqui sob pena de perda do enfoque principal. Serão apenas

citadas as duas possíveis classificações existentes, bem como algumas idéias de seus

principais defensores.

Como dito, uma das classificações é a quinária, sugerida por Pontes de Miranda

e defendida com fervor também por Araken de Assis, sendo que este afirma ser falsa a

24 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. Tomo 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, pp. 2-54.

rígida tripartição das funções do processo em cognição, execução e cautelar, funções estas

que seriam identificadas pelos efeitos produzidos pela sentença.

Diz ainda Araken de Assis que a classificação quinária é adotada pela maioria

da doutrina dizendo ser a melhor por uma razão inequívoca, a de que nenhuma das

sentenças escapa das cinco classes, citando o exemplo da “sentença do art. 466-B, que é

preponderantemente executiva e em vão se buscaria acomodá-la na classificação ternária”.

25

Não se contém em dizer também que foi o reconhecimento muito recente das

duas últimas forças (mandamental e executiva) que induziu o legislador a proceder às

reformas parciais no processo civil brasileiro. 26

Existe, além da classificação quinária de Pontes de Miranda, a classificação

ternária que especifica as sentenças em declaratórias, condenatórias e constitutivas. Essa é

uma classificação amplamente aceita por grande parte da doutrina clássica, o que traz

novamente à tona a lembrança da afirmação de Araken de Assis que entende ser a

classificação quinária a mais aceita pela doutrina contemporânea.

Dentre os autores clássicos que defendem a classificação ternária pode-se citar

Gabriel José Rezende Filho 27, Celso Agrícola Barbi 28 e José Frederico Marques 29. Note-

se também, que tais autores defenderam essa classificação antes da vigência do atual

Código de Processo Civil.

Dentre os autores contemporâneos que adotam a classificação ternária,

destaque-se aqui Humberto Theodoro Júnior 30 e Cândido Rangel Dinamarco 31, que

25 ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 7. 26 Idem, p. 11. 27 REZENDE FILHO, Gabriel José de. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 174. 28 BARBI, Celso Agrícola. A ação declaratória no processo civil brasileiro. Belo Horizonte, 1962, p. 15. 29 MARQUES, José Frederico .Instituições de Direito Processual Civil. v 3, 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 528. 30 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual

civil e processo de conhecimento, v. 1, 38ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 466.

utilizam, em síntese, a classificação ternária das sentenças, para classificá-las, quanto à sua

eficácia em declaratórias, constitutivas e condenatórias, entendendo, em suma, que as

sentenças mandamentais e executivas encontram-se abarcadas pelo conceito de sentença

condenatória.

Nesse sentido, a explicação de Cândido Rangel Dinamarco para a classificação

ternária é simples: diz que todas as sentenças produzem eficácia declaratória, conforme

também ensinou de Pontes de Miranda. Diz o referido autor que em relação às sentenças

meramente declaratórias, o provimento da tutela pleiteada é pleno em relação ao objeto do

processo, porque soluciona a lide, auferindo grau de certeza ao “único motivo da

lamentação do demandante”, a incerteza. 32

Para fins de exaurimento da abordagem do ponto de vista de Dinamarco em

relação à classificação ternária, faz o autor uma sintetizada, porém, lógica conclusão a fim

de abarcar as sentenças mandamentais no corpo das condenatórias e subordinar a eficácia

executiva ao inadimplemento voluntário da obrigação a que o vencido foi condenado. Em

suas notas, diz que “se o obrigado cumprir o preceito ditado na sentença condenatória, a

vertente representada pela execução será desnecessária”. 33

Conclui Dinamarco, em relação às sentenças mandamentais que não se trata de

uma quarta categoria sentencial, pois, devido à sua estrutura, função e eficácia, as

sentenças mandamentais compartilham da natureza condenatória, sem embargo do reforço

de eficácia que lhes outorga a lei. 34

A noção da eficácia de mandamentalidade da sentença condenatória para o

autor diferenciando esta das condenatórias puras, é que estas contam inicialmente com o

cumprimento voluntário do obrigado, e isso não acontecendo, autorizam somente a

31 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. 3, 5ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 202-253. 32 DINAMARCO, Op. Cit. p. 204. 33 Idem, p.205. 34 DINAMARCO, Op. Cit. p. 243.

instauração do processo executivo, ao passo que as sentenças condenatórias mandamentais

também contam com o cumprimento voluntário, mas autorizam que, antes de instaurar o

processo executivo, já no de conhecimento se pressione o obrigado a cumprir. 35

No que pertine às sentenças denominadas executivas lato sensu, Dinamarco

finaliza expondo que, na realidade, nada mais é do que uma sentença condenatória que

comporta execução no mesmo processo em que foi proferida, sem necessidade de instaurar

formalmente o processo executivo. 36

Expostas brevemente as principais divergências doutrinárias acerca das

modalidades de classificação das eficácias das sentenças em quinária e ternária, há de se

reconhecer que ambas as classificações estão corretas, sendo que, se exaltados os seus

efeitos na esfera fática, tal discussão se torna desmotivada, pois não existe divergência

significante quanto à realização das efetividades da sentença na prática, seja ela

especificamente mandamental ou executiva lato sensu, ou genericamente condenatória

abrangendo estas duas últimas, persistindo tal discussão apenas para fins didáticos.

O que importa, apartando a discussão doutrinária, é que, por uma análise

estratégica e comparativa de classificação das eficácias das sentenças acima citadas,

permite-se que seja formada uma fusão harmônica e coerente entre as duas posições, o que

traz à tona a idéia de Ovídio Baptista, que seguindo os passos de Pontes de Miranda,

afirma que “toda e qualquer ação, e, pois, todas as sentenças proferidas em processo

contencioso, ou em procedimento de jurisdição voluntária, contêm eficácia declaratória em

grau de intensidade mais ou menos acentuado”. 37

Daí surge também o raciocínio de que a classificação ternária não exclui a

existência eficácia mandamental e executiva, mas sim as reconhece e incorpora no âmbito

35 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 231. 36 Idem, p. 244. 37 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Sérgio Antônio Fabris Editor, 3a ed., 1996, p. 135.

das sentenças condenatórias. Em termos práticos, as eficácias mandamental e executiva

podem, de fato, ser abrangidas como sub-espécies de eficácia condenatória.

A discussão existe apenas para saber se as eficácias mandamentais e executivas

são autônomas. Mas surge a pergunta: do que se alimenta tal discussão, se os efeitos

práticos das sentenças mandamentais e executivas em nada dependem da modalidade de

classificação adotada?

Parece que apenas uma justificativa é aceita, a de que não se pode negar a

construção doutrinária de Pontes de Miranda, sem dúvida um revolucionário processualista

que empiricamente entendeu que deve ser atribuída autonomia às eficácias mandamentais e

executivas, pois se trata de uma inegável evolução do raciocínio acadêmico, jurídico e,

muitas das vezes, jurisprudencial, que não pode ser desprezado.

Em suma, a definição mais exata do que prescreve o Livro II do Código de

Processo Civil, para fins de desenvolvimento do tema relativo à execução das obrigações

de fazer e não-fazer irá depender da exata compreensão exata do grau de satisfação

conferido pela sentença de procedência ao direito do autor através da análise de suas

eficácias, que in casu, será abordada na forma quinária sugerida por Pontes de Miranda

apenas para fins expositivos, respeitando-se a classificação ternária no seu aspecto prático.

A classificação quinária será adotada aqui tão somente para fins de exposição

didática do instituto. Não se trata de ampliar ou restringir a classificação das eficácias da

sentença. No caso da doutrina, ao se adotar respectivamente a classificação quinária ou

ternária, o que realmente importa é que na classificação ternária, as eficácias mandamental

e executiva encontram-se abrangidas pelo efeito condenatório.

Portanto, mesmo a doutrina que adota a classificação ternária reconhece a

existência demais espécies de eficácia. Nesse sentido, faça-se expor brevemente a seguir a

classificação quinária comparada com a classificação ternária das eficácias da sentença.

1.2.1.1. Eficácia declaratória:

A sentença que produz essa eficácia tem a finalidade de dirimir a dúvida

objetiva existente que ensejou a demanda judicial. Busca a força da imutabilidade, em

regra, da coisa julgada para que haja segurança jurídica capaz de tornar inquestionável, no

presente ou no futuro, a existência, ou não, de relação jurídica e a falsidade ou

autenticidade de algum documento na forma dos incisos I e II do art. 4º do Código de

Processo Civil.

A parte adquire o direito incontestável de se orientar segundo o comando

contido na sentença. A satisfação integral daquele que demanda pleiteando judicialmente a

declaração ocorre com o trânsito em julgado do provimento judicial final, seja a sentença

ou um acórdão, que irá constituir o título pretendido.

A declaração contida na sentença irá fornecer a ferramenta essencial e auto-

suficiente da tutela jurisdicional, não havendo a necessidade de execução futura uma vez

que atinge sua finalidade. É eficaz à satisfação do pretendido pelo autor a simples

declaração contida no título após seu trânsito em julgado.

Tais sentenças podem ser classificadas como sendo aquelas em que o juiz

conclui pela declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, ou se manifesta

acerca da falsidade de um documento. Não são passíveis de execução por não constituírem

título executivo judicial. Seus efeitos retroagem ao termo inicial da formação da relação

jurídica. Dinamarco assevera que a sentença meramente declaratória é a mais simples entre

todas as sentenças de mérito em sua estrutura lógico-substancial, porque se limita à mera

declaração, sem nada lhe acrescentar. 38

1.2.1.2. Eficácia constitutiva:

38 DINAMARCO. Op. Cit. p. 217.

O demandante que pretende obter do Judiciário a eficácia constitutiva não se

satisfaz com a simples declaração de existência ou inexistência de direito, visto que todas

as sentenças produzem eficácia declaratória após seu trânsito em julgado.

Além disso, a mera eficácia declaratória lhe é insuficiente, uma vez que o

objetivo pleiteado só se consumará através da criação, modificação ou extinção de uma

relação jurídica. São esses os efeitos e elementos caracterizadores da eficácia constitutiva

que se pretende extrair da sentença.

A sentença de procedência dos pedidos da ação constitutiva, seja positiva ou

negativa, irá incorporar estado jurídico novo à esfera do autor. Tal provimento abarca toda

sua eficácia independentemente de outro processo ou de execução posterior, uma vez que

se trata de tutela jurisdicional que se auto-satisfaz.

Em suma, as sentenças constitutivas, sejam elas positivas ou negativas, são

aquelas aptas a produzir efeitos que criem, modifiquem ou extingam uma relação jurídica.

Em regra, seus efeitos se projetam no futuro, são ex nunc.

Na forma do que salienta o Professor José Maria Rosa Tesheiner, as sentenças

constitutivas podem produzir efeitos desde a data da propositura da ação, ou da citação, da

sentença, de seu trânsito em julgado, ou de qualquer outro momento previsto em lei ou

fixado pelo juiz. 39

Cândido Rangel Dinamarco conceitua o efeito da sentença constitutiva como

sendo resultado da tutela jurisdicional que “consiste em dar efetividade ao direito do autor

à alteração de uma situação jurídico-material que ele não deseja e pretende eliminar”. 40

1.2.1.3. Eficácia condenatória:

39 TESHEINER, José Maria Rosa. O problema da classificação da sentença por seus efeitos. Disponível em <http://www.tex.pro.br/wwwroot/artigosproftesheiner/classif.htm>, acesso em 06.05.2006. 40 DINAMARCO. Op. Cit. p. 247.

Através desta eficácia, o réu irá sofrer a reprovação judicial de seus atos ou

omissões, sendo-lhe ordenado que cumpra a obrigação que lhe fora imposta. A função

basilar da sentença condenatória é a de gerar o direito subjetivo do vencedor da lide de ver

efetivado em seu favor o direito pleiteado e que lhe fora reconhecido pela sentença,

possuindo efeitos próprios que poderão ensejar a execução judicial do título.

As sentenças que produzem efeito condenatório têm a característica elementar

de autorizar sua futura execução. O magistrado irá proferir uma decisão que, caso não seja

cumprida voluntariamente, possa ser executada. Produz efeitos ex tunc porque visam à

satisfação do direito pleiteado pelo credor e reconhecido judicialmente.

Essa eficácia condenatória, em termos fáticos, torna-se insuficiente à satisfação

integral do direito pleiteado pelo autor quando simplesmente reprova o réu. O trânsito em

julgado da simples reprovação do réu nada mais produzirá do que o efeito meramente

declaratório, que não basta ao autor.

O título judicial deverá conter a ordem expressa de execução do réu. Daí

decorre a lógica de que a condenação necessita de uma atividade prática ulterior que tenha

a finalidade de satisfazer o direito demandado.

Dinamarco afirma que a sentença condenatória é constituída de duas estruturas,

a primeiro delas é o que toda sentença possui, a declaração de direitos, distinguindo-se das

demais por seu segundo momento lógico, consistente na criação de condições para que a

execução passe a ser admissível no caso, a fim de servir de via adequada para que o titular

do direito busque sua efetivação prática. 41

Afirma Araken de Assis que a carga condenatória, de per si, é insuficiente para

outorgar ao autor o bem da vida pleiteado, no caso de procedência, dependendo de uma

41 DINAMARCO, Op. Cit. p. 226.

ação executiva futura, a qual será capaz de trazer à esfera fática a efetivação satisfatória do

direito do autor. 42

Como exposto anteriormente, Dinamarco e outros doutrinadores de renome

entendem que a eficácia condenatória das sentenças abarca a eficácia mandamental e

executiva como suas subespécies. Porém, exatamente aí reside o foco de toda discussão

existente acerca da possibilidade de classificação da eficácia das sentenças na forma

quinária ou na forma ternária, o que, em face da produção de seus efeitos na esfera fática,

não sustenta a importância da acalorada discussão existente no meio teórico.

As eficácias mandamentais e executivas foram dotadas de autonomia segundo o

entendimento de Pontes de Miranda seguido por Araken de Assis, cujos posicionamentos

foram acima citados no que tange à classificação das eficácias das sentenças.

1.2.1.4. Eficácia mandamental:

Especial atenção merece a eficácia mandamental da sentença, a começar pela

ressalva de que só se tornou possível reconhecer essa através da análise empírica das outras

eficácias citadas. A sentença mandamental evidencia-se pela ordem emanada do órgão

judiciário. Trata-se de intervenção estatal na relação jurídica pela qual o poder judiciário,

pelo juiz, impõe o cumprimento de uma obrigação ao vencido.

A sentença de eficácia mandamental não se limita apenas a condenar, mas

também emite ordem no sentido de que as partes se amoldem ao direito que a sentença

houver atribuído ao demandante vencedor. O juiz não se limita a declarar se há violação de

direito e aplicar a sanção correspondente, mas também ordena ao demandado o

cumprimento da sanção declarada.

42 ASSIS, Araken, Op. Cit. p. 29.

Como foi dito, a autonomia da eficácia mandamental foi primeiramente relatada

por Pontes de Miranda no meio doutrinário brasileiro.

Todavia, existem doutrinadores de renome, a exemplo de Dinamarco, que não

são favoráveis à aceitação da autonomia em relação a essa eficácia, mas reconhecem essa

categoria de sentença, em especial após a abertura criada pelo art. 84 do Código de Defesa

do Consumidor, e depois pela reforma do art. 461 do CPC. Afirma ele que a sentença

mandamental não é uma categoria autônoma, uma vez que sua natureza seria

predominantemente condenatória. 43

Segundo entendimento de Ovídio Baptista, a característica diferenciadora das

sentenças mandamentais é exatamente a de:

... conter a respectiva demanda de que ela é conseqüência, uma virtualidade especial, para por si só e independentemente de uma futura demanda, realizar transformações no mundo exterior, no mundo dos fatos. E, ainda, diversamente do que acontece com as ações executivas, sejam estas execuções forçadas, por créditos, sejam ações executivas lato sensu, por consistir o resultado final da ação mandamental num mandado que se caracteriza por sua estatalidade e não, como acontece com os atos de execução, que são atos privados da parte, praticados pelo juiz que, para tanto, se substitui à atividade dos particulares. 44

Outra peculiaridade das sentenças mandamentais é que operam efeitos ex nunc.

As sentenças mandamentais são aquelas que impõem, ao réu ou a terceiros,

determinada conduta. A título de exemplificação de sentença mandamental, pode-se citar

aquela em que se dirige uma ordem a oficial do registro público, para que proceda a uma

transcrição, inscrição ou averbação.

O conceito de sentença mandamental foi ampliado por Pontes de Miranda

dizendo que não é preciso que o mandado se dirija a um outro órgão do Estado, podendo

ser dirigido ao oficial de justiça, que seria visto como uma extensão dos poderes do juiz.

Diz ser mandamental a sentença que contenha mandado do juiz, diverso da condenação.

43 DINAMARCO, Op. Cit. p. 243. 44 SILVA, Ovídio Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 3ª ed., Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 87.

Em suas palavras, "o conteúdo da ação de mandamento é obter mandado do juiz, que se

não confunde com o efeito executivo sentença de condenação". 45

1.2.1.5. Eficácia executiva:

A eficácia executiva pode ser identificada na sentença que contém, imanente

em si mesma, como eficácia interna que lhe é peculiar, o poder de transformar o mundo

exterior, através de um ato de natureza executiva, que será ato jurisdicional de incidência

na esfera fática, de transformação da realidade, pelo qual o juiz substitui-se ao condenado,

realizando uma atividade essencial que originariamente teria caráter privado. 46

Opera efeitos ex nunc, fazendo-se valer o mesmo raciocínio empregado para a

análise da eficácia condenatória da sentença.

É também conhecida como sentença executiva lato sensu, a fim de diferenciá-la

das sentenças executivas que decorrem de ações de execução, as chamadas sentenças

stricto sensu.

Pelo que se extrai, as sentenças de eficácia executiva são aquelas que

possibilitam a agressão do patrimônio do réu no mesmo processo em que elas foram

proferidas, sendo desnecessária propositura de ação executiva autônoma.

Sejam destacados os artigos 461 e 461-A, alocados no capítulo específico da

sentença e da coisa julgada no CPC. O primeiro dispositivo foi alterado e o segundo foi

acrescido pela reformadora Lei 10.444 de 2002. Tais artigos tratam, respectivamente, da

tutela específica das obrigações de fazer ou não-fazer, que dependem da colaboração do

devedor obrigado, sendo de mais difícil efetivação, e o último dispositivo trata das

obrigações de entregar coisa.

45 PONTES DE MIRANDA. Comentários Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1974. p. 145. 46 SILVA, Ovídio Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 3ª ed., Sérgio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre, 1995, p. 101.

O art. 461 trouxe a desnecessidade de propositura de um novo processo de

execução autônomo, dando oportunidade para que o credor veja seu direito efetivado,

mesmo sem a colaboração do obrigado ou oferecendo-lhe ainda a possibilidade de

obtenção de resultado equivalente ao do cumprimento da obrigação.

No entendimento de Dinamarco, o art. 461 possibilita a transgressão legítima de

dois dogmas no sistema processual civil moderno. O primeiro deles é o da necessária

correlação entre a sentença e a demanda. O segundo dogma ultrapassável por tal

dispositivo é o do exaurimento da competência do juiz a partir do momento em que se

publica a sentença de mérito. 47

Do corpo do art. 461 extraem-se ainda o rol dos meios utilizáveis para forçar o

obrigado a cumprir a sentença, ou então, a produzir diretamente o resultado constante nos

parágrafos do artigo 461 CPC. Dispensa a instauração de novo processo executivo

autônomo, sendo facultado ao juiz a imposição de multa diária ao réu, ex officio, com o

objetivo de garantir a eficácia da tutela liminar ou o cumprimento da sentença.

Ainda nas lições de Dinamarco, entende-se que as astreintes (ou multas

periódicas), se configuram como técnica de persuasão do obrigado e "não substituem o

objeto da obrigação, mas se acrescem a esta e a agravam". O comentário acerca desta

medida será feito em momento posterior. 48

Voltando à discussão da adoção das teorias quinária e ternária, vislumbra-se

que a Lei 11.232 de 2005 ofereceu mais elementos àqueles que adotam a teoria quinária

relativa às espécies de eficácias da sentença, entendimento em que a própria jurisprudência

do STJ já se assentou. 49

1.3. Notas preliminares sobre execução:

47 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 225. 48 Idem. 49 BRASIL. STJ, REsp. 514.213-PR, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 14.06.2005, pub. DJ 19.09.2005, p. 329.

O estudo adequado do processo executivo depende de uma análise prévia de

seus principais aspectos relativos à evolução do instituto, que serão abaixo abordados de

maneira a delimitar temporal e espacialmente o procedimento da execução.

1.3.1. Breves linhas evolutivas:

Impossível tratar da execução analisando-a a partir de seus moldes

contemporâneos sem um breve e necessário passeio pelas linhas evolutivas do processo

civil na história do Direito. A história mostra que o procedimento executivo ao longo dos

séculos avançou e retroagiu, mas sempre evoluindo conforme a necessidade dos moldes

societários dos diversos povos.

Foi no Direito Romano que o processo de execução teve seus primeiros

aspectos delineados através do poder estatal que se fortaleceu a fim de dirimir as questões

litigiosas entre os particulares, impedindo-os de recorrer ao uso força bruta, impedindo-os

de fazer justiça de acordo com suas próprias convicções.

A autotutela foi substituída gradativamente pelo emprego do poder estatal de

impor a vontade da lei, característica elementar da jurisdição. Então, com o

enfraquecimento das autotutelas e o crescente aumento da soberania e poder estatais, o

processo civil, conseqüentemente foi também se desenvolvendo.

No entanto, há quem critique essa forma de evolução do processo civil. 50 Mas é

perfeitamente atraente a idéia de que o processo civil decorre do enfraquecimento da

autotutela, desde quando o Estado passou a ter maior poder e autonomia a ponto de reger e

impor a sua vontade às vontades individualistas dos litigantes.

Todavia, as regras de processo civil romano não eram em nada favoráveis ao

devedor. Nesse sentido, dos dizeres do saudoso professor Aldano Séllos de Barros é

possível extrair que “o direito antigo era rigoroso e simples, marcado pelo formalismo

50 CINTRA, Geraldo de Ulhôa. História da organização judiciária e do processo civil, I, c. III, p. 103.

acentuado, e sua aplicação era inflexível e mecânica, independendo de grande trabalho

interpretativo”. 51

Os romanos arcaicos, em seu período processual, não distinguiam entre o corpo

e o patrimônio das pessoas, pois o nexo era a palavra, existindo, acima de tudo, o vínculo

personalíssimo. Aquele que se obrigava e não cumpria com a palavra empenhada, deveria

responder pela infidelidade. Não existia a idéia do título executivo. A execução romana

tinha caráter eminentemente penal, pois o obrigado sofria em seu próprio corpo os efeitos

de sua inadimplência, devendo carregar ainda, as vergonhosas marcas de seus atos. 52

Assim, com o crescente aumento da soberania estatal e a diminuição gradativa

dos julgamentos individuais e sem lei, o processo de execução igualmente se desenvolveu

no sentido de se humanizar e substituir as penas corporais em restrições patrimoniais do

devedor na sua integralidade, restringindo-se sua restrição à exata medida da satisfação do

credor somente em momento ulterior, com a observância de que o interesse vingativo

individual não poderia se sobrepor ao interesse público. 53

Note-se então que o direito processual civil contemporâneo, em especial o

procedimento executivo, em que se concebe que a execução se fará da maneira menos

gravosa para o devedor, no sentido de poupá-lo de agressões aos direitos personalíssimos,

sendo-lhe garantido o mínimo de patrimônio à sua subsistência digna, medidas estas

chamadas de limitações políticas, é decorrente de uma longa evolução empírica.

Já o período intermediário foi marcado pelas invasões, domínios, saques e

batalhas sangrentas por territórios e propriedades. O procedimento romano foi sendo

esquecido e a barbárie prevalecia. O direito dos invasores se desenvolvia e se alocava à

margem das normas de ordem pública, não respeitavam o poder público.

51 BARROS, Aldano Séllos de. Apontamentos de Direito Romano, vol. I, Rio de Janeiro: Estabelecimentos Gráficos Borsoi S.A., Indústria e Comércio, 1973. p. 27. 52 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil, vol. I, 2ª. ed., revista e aumentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 7. 53 Idem.

O sistema medieval de justiça baseava-se no individualismo e na propriedade.

Houve um retrocesso se comparado ao Direito Romano, que já havia banido a autotutela e

a execução pessoal, além de concentrar no Estado o poder de realizar coativamente os

preceitos de direito.

Todavia, os bárbaros da idade média na esteira de sua experiência jurídica

inovaram, estabelecendo instituições e métodos peculiares que os romanos desconheciam,

e que a posteriori haveriam de se fundir com seu direito, tornando-o mais rico e

possibilitando respostas mais úteis e que perduram até os dias contemporâneos na Europa

ítalo-germânica. 54

O direito desses povos não distinguia a responsabilidade civil da

responsabilidade penal, podendo o devedor ser submetido ao cárcere privado pelo credor

até que cumprisse com a obrigação devida, ficando à livre escolha do credor a execução

corporal ou a patrimonial. A execução dos povos germânicos não se originava de sentença

ou autorização de órgão estatal, e sim da voluntária submissão do devedor que nascia de

cláusulas contratuais ou era obtida em juízo. O temperamento individualista e truculento

dos povos germânicos não admitia que sua vontade fosse submetida à vontade de um

magistrado. 55

A principal característica do direito germânico era de que a execução do

devedor só poderia se desenvolver com sua expressa aceitação obtida através de cláusulas

contratuais ou em juízo. Porém, a possibilidade de execução por autoridade privada e sem

anterior processo de cognição representava um risco para o credor. Se acaso fosse proposta

a execução e, na cognição incidente fosse reconhecida a inexistência de dívida do

executado para com o credor, este último era obrigado, através de condenação a pagar ao

executado injustamente a mesma quantia ou até mais, penalidade essa que serviu de origem

54 DAVID, René. Les grands systèmes de droit contemporains. Paris: Dalloz, 1969, pp. 10-31. 55 RASI, Piero 1966 apud DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco, 1987. Execução Civil, pp. 23-25.

para o antigo art. 1.531 do Código Civil de 1916 e, posteriormente, para o atual art. 940 do

Código Civil de 2002. 56

Todavia, essa espécie de execução por autoridade privada não estava

satisfazendo os anseios de uma sociedade que deixava cada vez mais a prática do

nomadismo e se desenvolvia em territórios fixos. Podando os seus arraigados instintos

individualistas, os germânicos cediam cada vez mais à tutela estatal no sentido de aplicar

as medidas de invasão patrimonial do devedor, sendo a execução privada erradicada

posteriormente. Daí por diante a cognição era prioridade sobre a execução, devendo ser

simples prosseguimento do processo após a condenação, sendo que seu início não

dependeria do exercício de uma ação pelo devedor, satisfazendo as necessidades de rapidez

da execução. Tinham uma visão macroscópica do processo e buscavam nele tão somente a

satisfação do interesse do credor. 57

O aperfeiçoamento das ciências sociais como o Direito depende, muitas das

vezes, de peculiaridades intrigantes, a exemplo do retrocesso ocorrido na era medieval

germânica que abandonou o Direito Romano para posteriormente com ele se fundir.

Neste ponto, é interessante observar a semelhança entre a regra medieval que

unificava a execução à cognição e a recente Lei 11.232 de 2005, que foi brevemente citada

em momento anterior e que ainda será objeto de análise.

Em suma, a idéia do título executivo nasceu desses negócios entre particulares,

em que a parte devedora confessava seu débito, aceitando previamente a execução forçada

que também poderia ser feita em juízo. Amoldam-se tais figuras à idéia do título

extrajudicial e do título judicial, respectivamente.

Com o desenvolvimento da Europa e de seus países, convém delimitar o estudo

do desenvolvimento da execução em Portugal, país pelo qual o Brasil foi colonizado.

56 Idem. 57 LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado (oposição de mérito no processo de execução), trad. port. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 114.

Portugal, através do seu primeiro rei, adotou o Direito Canônico e o Direito

Romano por ter se colocado como feudatário da Santa Sé. Nesse período, foram editadas as

Ordenações, marcando a vigência do Direito Romano em Portugal. 58

Em momento posterior, com a vigência das Ordenações Filipinas, alguns laços

atados pelo Direito Romano foram se afrouxando, chegando a política a romper os laços

com a Santa Sé. Surgiu então a chamada Lei da Boa Razão, que restringiu a aplicação do

Direito Romano, que se tornou fonte secundária do Direito Lusitano. Desenvolveu-se então

em Portugal o procedimento de execução no sentido de reduzir a agressão do patrimônio

do executado à medida da exata satisfação do direito do credor, limitando-a restritivamente

ao necessário. 59

No que pertine ao Brasil, cumpre dizer que o Estado recém-independente não

poderia imediatamente quebrar todo e qualquer vínculo com as normas disciplinadoras das

relações humanas até então vigentes, sob pena de instauração do caos. Haveria de existir

um processo gradativo de substituição das leis para que a ordem pública fosse mantida.

Seguindo esse pressuposto, as Ordenações Filipinas e a legislação portuguesa

que ainda vigiam no Brasil foram substituídas pelos Regulamentos nº. 737 e nº. 763,

constituindo, então, um sistema direito positivo brasileiro autônomo. 60

Na vigência do Regulamento nº. 737, a execução continuou sendo uma

atividade estatal e continuava sendo feita através de carta de sentença, salvo em hipóteses

excepcionais em que bastava o mandado, entendendo a doutrina que a execução era

autônoma e que, com a sentença, a instância se findava. As espécies de execução elencadas

pelo referido Regulamento eram apenas a expropriativa, referentes às sentenças ilíquidas e

líquidas, e a execução das sentenças sobre ação real ou coisa certa ou em espécie. O

58 MENDES DE ALMEIDA, Fernando Henrique, 1957 apud DINAMARCO, Cândido Rangel, in Execução

Civil, v. 1, 2ª. ed., rev. e aumentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 32. 59 TAPAJÓS, Vicente. História de Portugal, in Enciclopédia Larousse, II, Rio de Janeiro: Delta, 1972, p. 152. 60 LOBO DA COSTA, Moacyr. Breve notícia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua

literatura. São Paulo: Editora RT-USP, 1970, p. 1 e ss.

Regulamento não fazia menção a respeito da execução forçada das obrigações de fazer e

não fazer. Era omisso nessa questão. 61

Em uma nova fase, via-se no Brasil que a execução forçada também era regida

por diversas outras leis esparsas, a exemplo dos códigos estaduais de processo civil,

todavia, não houve modificações relevantes que fossem capazes de alterar a essência do

sistema. 62

Adiante, num outro período, o direito processual civil brasileiro era novamente

regido por uma legislação unificada por expressa determinação constitucional: surge o

primeiro Código de Processo Civil Brasileiro. As linhas evolutivas do sistema processual

civil brasileiro tendiam a simplificar o procedimento, racionalizar o sistema de nulidades e

um cuidado na publicização do processo, a fim de excluir influências do liberalismo

político. 63

O Código de 1939 deu nova roupagem à ação executiva, que passou a ser

apoiada em dezoito categorias de títulos executivos extrajudiciais, devendo respeitar um

procedimento sincrético no qual se vislumbrava uma perfeita execução forçada por quantia

certa, permeada pelos procedimentos do processo cognitivo ordinário. Com isso, o Código

regulava tanto a ação executiva, que se distinguia da execução forçada porque seguia,

essencialmente, um procedimento cognitivo ordinário, como regulava também o processo

executório, referindo-se à execução forçada, que se fazia com base nas sentenças

condenatórias ou nos títulos extrajudiciais nele descritos. 64

Enfim, com o surgimento do Código de Processo Civil de 1973 abandonou-se a

idéia de que o processo de execução forçada é um prolongamento do processo cognitivo,

destacando-se como autônomo e subseqüente. Então, na execução contemporânea, o

61 FRAGA, Theoria e prática da execução das sentenças, 1922 apud DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, p. 39. 62 DINAMARCO, Execução Civil, p. 41. 63 GRINOVER, Ada Pellegrini. O restabelecimento da unidade processual, in O processo em sua unidade. São Paulo: Saraiva, 1978, pp. 18-93. 64 DINAMARCO, Execução Civil, p. 42.

patrimônio do devedor sofrerá as agressões, desde que limitadas à exata satisfação dos

direitos do credor, sem que a sobrevivência digna do devedor seja abalada, o que se vê nos

casos da avaliação dos bens penhorados, evitando-se uma “alienação por preço vil e

ruinoso para o executado”. 65

No então Código de 1973, a mais significativa transformação sofrida pela

execução forçada foi a equiparação dos títulos judiciais aos extrajudiciais, representando

um avanço significativo no procedimento da execução. Reduziu-se ainda o rol dos títulos

executivos extrajudiciais, sendo-os aqueles descritos no art. 585 do CPC.

Uma série de leis esparsas foi amoldando o Código de 1973 à realidade jurídica

e social exigida com o passar dos anos. No entanto, convém aqui expor superficialmente

apenas os três mais importantes movimentos reformadores, que não serão detalhados por

medida de respeito ao tema principal.

O primeiro deles decorre de uma série de anteprojetos formulados por

renomados processualistas brasileiros, que seguiram os passos da Associação dos

Magistrados Brasileiros, da Seccional Brasiliense do Instituto Brasileiro de Direito

Processual, idéia que foi também aceita pela Escola Nacional da Magistratura, por

incumbência do Ministério da Justiça. 66

Esta comissão de processualistas era formada, dentre outros notáveis, por Ada

Pellegrini Grinover, José Carlos Barbosa Moreira, Kazuo Watanabe, Humberto Theodoro

Júnior, Celso Agrícola Barbi, José Eduardo Carreira Alvim e Sérgio Sahione Fadel. 67

Trata-se de um movimento renovador discreto, porém efetivo, que procurou

atacar, de forma isolada, os principais pontos que atravancavam a prestação jurisdicional

mantendo a fisionomia do Código. Procurou ainda apresentar sugestões que privassem pela

65 Idem, p. 44. 66 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 15-43. 67 Idem.

simplificação, agilização e efetividade do processo. Esse foi o espírito do primeiro

movimento reformador.

Num segundo momento, a chamada reforma da reforma, através das leis nº.

10.352 de 2001; 10.358 de 2001 e 10.444 de 2002, seguindo a sistemática da primeira

reforma, atacou, de forma isolada, os pontos necessários ainda carecedores de melhorias

que não foram supridas pela primeira fase reformadora.

A principal lei dessas fases de reformas que irá interessar no presente estudo é a

Lei nº. 8.952 de 13.12.1994, a qual instituiu novo art. 461 e parágrafos ao CPC dando nova

regulamentação à tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, delimitando assim a

análise do tema que é foco principal do estudo.

Nessa linha, a Lei nº. 8.952/94 alterou o CPC na primeira fase reformadora

advinda, trazendo nova sistemática para a execução, ou efetivação, das obrigações de fazer

e não fazer. Deu ainda, a atual redação do caput do art. 645 do CPC, que trata da execução

de obrigação de fazer e não fazer fundada em título extrajudicial. Aplicam-se

subsidiariamente os artigos do Capítulo III, do Título II, do Livro II do CPC em relação

aos dispositivos do art. 461 do CPC.

O que ocorreu foi que, por serem as obrigações específicas, são de mais difícil

cumprimento, uma vez que, sem a disposição e vontade do obrigado, torna-se muito difícil

a obtenção do resultado a que o credor faz jus, houve a necessidade de sufocar o mau

devedor ao cumprimento das obrigações devidas. Tais obrigações tornam-se ainda de mais

difícil cumprimento em relação às obrigações personalíssimas que dependem, além da

vontade do devedor, de uma conduta pessoal sua.

Assim essa reforma, através da lei 8.952/94, inovou no sentido de oferecer mais

artifícios ao Estado-juiz no sentido de agravar a situação do devedor, e, com isso, impor

nele o medo de ver sua situação jurídica ainda mais complicada, comprimindo-o

psicologicamente a cumprir mais rapidamente a obrigação que é por ele devida.

Dispensou-se a instauração formal do processo executivo para a execução das

sentenças condenatórias ao cumprimento de obrigação específica de fazer ou não fazer,

autorizando o juiz a impor medidas de pressão psicológica, a exemplo das multas diárias, a

fim de que o obrigado seja pressionado a cumprir voluntariamente e de forma mais efetiva

a sua obrigação. Dentre outras, instaurou-se também a maleabilidade das decisões contidas

na sentença, com o objetivo precípuo de oferecer ao credor a obtenção do resultado prático

mais efetivo possível em relação à natureza do direito a que faz jus.

A resistência do obrigado sempre foi muito respeitada sob o dogma da

intangibilidade da vontade humana. Porém, a vontade humana do obrigado não poderia

causar ferimento ao direito de seu credor, ainda mais sob o manto da sentença condenatória

oriunda da tutela cognitiva já transitada em julgado.

Então os meios possíveis encontrados pelo legislador para forçar o obrigado a

cumprir voluntariamente sua obrigação sem ferir o dogma da intangibilidade da vontade

encontram-se elencados nos parágrafos do art. 461 do CPC.

As medidas que tendem a impedir a inércia do obrigado em relação à efetivação

do direito do credor, na sistemática do art. 461 do CPC e seus parágrafos serão abordadas

oportunamente, cabendo neste momento destacar apenas que a principal alteração trazida

pela citada lei é a desnecessidade de instauração formal do processo de execução para ver

cumprida a sentença judicial relativa à tutela específica, em face da possibilidade de

aplicação dos diversos artifícios legais imperativos definidos nos parágrafos do art. 461,

tornando-se necessária a instauração formal da execução de título judicial somente nos

casos em que tais medidas restarem absolutamente fracassadas, permanecendo a obrigação

específica inadimplida. 68

68 DINAMARCO, A Reforma da reforma, p. 268.

CAPÍTULO II

A EXECUÇÃO E SUA TUTELA JURISDICIONAL

No segmento da atividade jurisdicional, o Estado além de conhecer, condenar,

constituir e mandar, também executa, conforme os que adotam a teoria da classificação

quinária de Pontes de Miranda já citada. É nessa atividade voltada à execução de direitos

que o presente capítulo se restringirá.

Diante de uma lide apresentada em Juízo, o órgão judicial irá conhecer os fatos

e o direito que dizem respeito à lide, depois decidirá, e, se a parte vencida não se submeter

espontaneamente à vontade manifestada, o Estado age, de maneira ativa e prática para

realizar a imposição do julgado, utilizando-se da força advinda de seu poder de império

contido nas decisões judiciais. 69

Na relação entre o processo de cognição e o processo de execução, deve-se

salientar, preliminarmente, que nem sempre a execução prescinde da cognição prévia,

muito embora sejam comuns os casos em que a tutela jurisdicional só será efetivamente

cumprida mediante posterior processo de execução da matéria que fora objeto de um

processo de conhecimento.

A distinção é lógica e pode ser facilmente obtida pelo enfoque no objeto

pretendido através da tutela jurisdicional. Enquanto no processo de cognição, o que se

pretende em juízo é a certeza da existência do direito, no processo de execução, o que se

busca é a efetivação prática de um direito já reconhecido e assegurado.

Por este motivo, o processo de execução tende a proporcionar materialmente a

prática de atos executivos que irão agredir, na esfera fática, o patrimônio do devedor, para

forçá-lo a cumprir com sua obrigação, cuja existência é indiscutível, portanto,

indubitavelmente devida pelo executado.

69 COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Montevideo: Julio César Faira Editor. 2002 p. 114 e ss.

A terminologia “execução” exige certo esforço para delimitar sua abrangência,

isso porque o termo “execução” pode se referir tanto ao procedimento da execução num

todo, quanto aos atos materiais empregados à satisfação do direito do credor, ou mesmo

quanto ao próprio cumprimento ou efetivação do direito devido.

Daí então, restringir o termo execução à simples satisfação prática de o direito

ser insuficiente, mas, a fim de evitar possíveis turbulências no que tange à sua abrangência,

empregar-se-á no presente estudo a terminologia em seu sentido mais amplo.

Assim, para delimitar a execução como sendo satisfação do direito do credor, o

termo a ser usado será o “cumprimento”, substituindo o emprego da palavra “execução”.

Em relação aos atos materiais empregados no processo de execução, o termo usado daqui

por diante será “atos executivos” e, por fim, nas hipóteses de referência ao procedimento

empregado, o termo será substituído por “processo de execução” ou “execução forçada”.

Há quem entenda que, para que os atos executivos possíveis no processo de

execução possam agredir o patrimônio do devedor, necessariamente deve pré-existir uma

ação de conhecimento transitada em julgado, a fim de evitar o risco de se chegar à agressão

patrimonial executiva sem controle da efetiva existência da relação que se há de fazer

atuar, incorrendo o Estado em pura arbitrariedade. Afirma ainda Humberto Theodoro

Júnior que as atividades de cognição e execução são conectadas, aludindo que “o título

executivo extrajudicial é exceção que só vigora mediante expressa permissão em texto

específico de lei”. 70

2.1. O processo de execução:

No processo de execução, o Estado atua como substituto da vontade do

devedor, com tendência a promover o cumprimento do direito a que o credor faz jus.

70 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Processo de execução e processo

cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 4.

Então, somente quando o obrigado não cumpre voluntariamente a obrigação devida é que

se instaura o processo de execução para este seja forçado a cumpri-la efetivamente. Daí a

nomenclatura “execução forçada” que é adotada pelo CPC para se referir ao processo de

execução, contrapondo-se à idéia de cumprimento ou execução voluntária do direito pelo

devedor.

Nesse sentido, o processo de execução deve ser visto como o palco das

providências materiais necessárias para que se efetive na esfera fática do credor o seu

direito já garantido e devido pelo executado.

Nos dizeres do clássico processualista Liebman, o processo de execução

possibilita “as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para

modificar os fatos da realidade, de modo que se realize a coincidência entre as regras e os

fatos”. 71

Tem-se, dessa forma, que o processo de execução dependerá da certeza do

direito que tem o credor, a qual será comprovada pelo título executivo que lhe assegura tal

direito.

Como já dito, e deve-se fixar sempre, é no processo de execução que o juiz

agirá de maneira a produzir efeitos práticos e materiais, visando a modificar a realidade

fática do credor, a fim de ajustá-la de acordo com o seu direito reconhecido pela norma

jurídica e assegurado pelo título executivo.

Entende-se, todavia, que o processo de execução não é dialético por não se

discutir o mérito do direito inerente a cada uma das partes, que, em relação ao exeqüente-

credor, a princípio, é amparado pela certeza constante no título executado. É caracterizado

como “um meio de sujeição do devedor à realização da sanção em que incorre por não ter

realizado o direito já líquido e certo do credor”. 72

71 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1968. p. 37. 72 THEODORO JÚNIOR. Op. Cit. p. 5.

A finalidade precípua do processo de execução forçada é a realização da

sanção. A sanção é a imposição normativa-jurisdicional que forçará o devedor a adimplir a

obrigação devida ao credor do direito constante no título executado.

Essas sanções traduzem-se em medidas de ordem prática no plano patrimonial

do devedor traçadas pelas normas legais para que o Estado, na condição de substituto da

vontade do credor, atue incisivamente, invadindo o plano da autonomia da vontade do

devedor para forçá-lo a cumprir, de maneira efetiva, a regra de direito por ele devida. São

os meios possíveis para se atingir o fim, que é o cumprimento da obrigação, a satisfação do

direito do credor.

Por meio do processo de execução, o Estado vai interferir no patrimônio do

devedor para tornar efetiva a sanção, efetivando à custa do devedor o direito do credor,

sem a vontade ou até mesmo contra a vontade daquele. Essas são as noções básicas que se

deve guardar sobre o processo de execução.

Executar, na sua definição terminológica, significa realizar, levar a efeito,

cumprir, fazer. A própria terminologia resgata a idéia da efetividade, da efetivação, do

cumprimento.

Observe-se então, que, em relação ao processo de execução, o sistema

processual impõe sanção peculiar ao sujeito que não adimpliu aquilo que foi reconhecido

como devido por ele. Trata-se da sanção executiva que deve suportar o obrigado, sanção

esta caracterizada pela imposição de medidas práticas que possibilitem a produção do

mesmo resultado de que o devedor se absteve de cumprir. A sanção, no singular, se refere

ao fato de ter que suportar o devedor a série de medidas práticas que irão forçá-lo a

cumprir a obrigação inadimplida.

Tais medidas são incisivas e impostas ao devedor, de acordo ou não com a

vontade do obrigado. Nesse sentido, Dinamarco conceitua execução como “o conjunto de

medidas com as quais o juiz produz a satisfação do direito de uma pessoa à custa do

patrimônio de outra, quer com o concurso da vontade desta, quer independentemente ou

mesmo contra ela”. 73

A peculiaridade elementar do processo de execução é a sanção sofrida pelo

devedor, porque são restrições de direito material que produzem resultados práticos. São

atos que invadem e afetam diretamente a esfera patrimonial do devedor, agem sobre a

vontade da pessoa. São medidas destinadas a impor resultados efetivos referentes às

relações entre dois ou mais sujeitos.

São essenciais no processo de execução, dois requisitos preliminares

indispensáveis, tais como são também indispensáveis nas outras modalidades de tutela

jurisdicional. Trata-se da necessidade da execução forçada, que se consubstancia pelo

inadimplemento da obrigação devida e na adequação consubstanciada no título que

determina que a obrigação seja cumprida. Estes dois requisitos preliminares integram um

dos pressupostos da tutela jurisdicional executiva, que é o interesse de agir o qual o credor

deve ter.

Dessas prévias observações sobre o processo de execução, extraem-se os

elementos focais da tutela executiva, os chamados temas centrais, que na lição de

Dinamarco são doze. 74

2.2. Elementos focais da tutela jurisdicional executiva:

A priori há de se destacar, por sua peculiaridade, que a tutela executiva torna

extremamente difícil a delimitação exaustiva, completa e harmônica dos elementos centrais

que compõem a execução forçada. No entanto, torna-se indispensável comentar sobre os

principais, seguindo a forma de classificação dodecágina apresentada por Dinamarco. 75

73 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. IV, 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 34. 74 Idem, p. 36. 75 Idem.

São estes os elementos enumerados por Dinamarco: Execução e técnicas

executivas; Processo executivo; Tutela jurisdicional executiva; Jurisdição e competência;

Meios de coerção e de sub-rogação; Responsabilidade patrimonial; Limites naturais e

políticos à tutela jurisdicional executiva; Pressupostos da tutela jurisdicional executiva;

Inadimplemento e o título executivo; Liquidação da sentença; Espécies de execução;

Execução provisória e Embargos do devedor.

Dentre todos estes elementos, apenas os mais relevantes para o

desenvolvimento do tema serão selecionados a fim de sofrerem comentários mais

apurados, sendo conveniente deixar de aprofundar os comentários sobre alguns deles. No

caso, não será abordada a questão da competência, que é regra geral de processo e que

excederia à abordagem principal. Outro elemento a ser descartado é a responsabilidade

patrimonial do devedor, uma vez que o foco do trabalho é a execução das obrigações não

pecuniárias, sendo relevante apenas tal elemento para fins de conversão da obrigação

específica em perdas e danos, que será abordada em momento oportuno.

O trabalho não abordará as demais espécies de execução a não ser as de

obrigações de fazer e de não fazer, limitando-se tão somente a estas. Relembre-se ainda

que alguns dos demais elementos já foram abordados de forma breve e objetiva em tópicos

anteriores, como por exemplo a jurisdição; a tutela jurisdicional executiva e a execução em

seu sentido amplo.

Então, o desenrolar da abordagem será feito com enfoque nos principais

elementos que serão mais bem amoldados aos futuros comentários feitos a respeito da

execução específica e do processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer.

Em relação aos meios de defesa do executado, será dedicado um capítulo

específico a fim de detalhar as possibilidades existentes.

Diante do que foi apresentado, sabe-se que “execução” pode ser conceituada

sob vários enfoques. Se condizente aos atos executivos, a execução é o conjunto de

medidas pelas quais se torna viável e se produzem os resultados práticos tendentes a

satisfazer o direito do credor. Da mesma forma, se condizente ao processo executivo, a

execução é tão somente uma das vias processuais disponibilizadas à realização dos atos

executivos. Existe ainda a noção de execução imediata, que se refere à execução das

obrigações específicas, na forma sistemática do disposto nos artigos 461 e 461-A do CPC.

Por esses entendimentos prévios, extrai-se a lição de que os procedimentos

executivos são mutáveis, conformando-se à natureza da obrigação executada. Daí decorre a

construção acerca das espécies de execução disponibilizadas pelo sistema jurídico

processual vigente no Brasil.

Compreendem essas espécies, a execução por quantia certa contra devedor

solvente, a execução para entrega de coisa, a execução das obrigações de fazer e de não

fazer, e, por fim, a execução universal e coletiva, que caracterizam o processo de

insolvência civil.

Dentre estas espécies, a que interessa e será enfocada é a execução das

obrigações de fazer e de não fazer, sob a qual irão orbitar todos os demais comentários

sobre execução e meios de defesa do executado.

Como já é sabido, a tutela jurisdicional executiva efetiva consiste sempre na

obtenção de um resultado prático efetivo na esfera fática do credor, a fim de satisfazer seu

direito, o que é proporcionado pela atuação incisiva do Estado-Juiz que impõe ao devedor

a sanção de suportar as medidas legais aplicáveis que o forcem a cumprir a obrigação por

ele inadimplida, atendendo, assim, as exigências da ordem jurídica.

Calcificada essa noção de tutela jurisdicional executiva, cumpre agora abordar

cada um de seus pressupostos essenciais, um dos elementos centrípetos da execução.

2.2.1. Considerações sobre os “pressupostos da execução”:

A concessão da tutela jurisdicional executiva dependerá da preexistência de

alguns requisitos essenciais, que são os pressupostos da execução. Assim como todas as

demais relações processuais, a tutela executiva se sujeita e é condicionada ao respeito

desses pressupostos.

Sem a adequação a esses pressupostos, o processo de execução, como qualquer

outro, será extinto, cabendo ao juiz fiscalizá-los e controlá-los, mediante provocação ou ex

officio.

No que tange à tutela executiva, o diploma processual elenca dois pressupostos

básicos, mas que, se isolados são insuficientes. São eles: a inadimplência e o título. Assim

o CPC os reconhece sob a máscara “Dos requisitos necessários para realizar qualquer

execução”, no seu capítulo III, Título I, Livro II do CPC.

Na realidade, a inadimplência e o título não passam de dois elementos que

integram apenas um dos pressupostos da execução, que é o interesse de agir. Sem título

não há adequação e sem inadimplemento, a tutela jurisdicional executiva é absolutamente

desnecessária para dirimir a questão.

O certo é que a enumeração ordenada destes pressupostos gerais e peculiares é

dever árduo que deve ser enfrentado pela doutrina, uma vez que os dispositivos legais

inerentes estão alocados de forma fragmentada e desorganizada no CPC.

Deve-se aplicar a interpretação conforme a teoria geral do processo civil para

que seja possível, ao menos, separá-los numa ordem que seja compatível com a efetivação

do direito do credor através da modalidade de tutela executiva.

Note-se também, que ter direito à propositura da ação, ter direito ao processo

não significa dizer que se possua o direito à concessão da tutela executiva pretendida.

Terminologicamente, tutela significa proteção, defesa. Então, o Estado-Juiz não vai

conceder o amparo executivo àquele que não possui o direito pleiteado. Possui, todavia, o

direito de pleitear tal amparo, tem o direito de solicitar a tutela jurisdicional, que só será

concedida mediante o preenchimento desses pressupostos. 76

Na tutela executiva, não há que se falar em impossibilidade absoluta de

apreciação e julgamento do mérito (relativo à declaração da existência ou não do direito

pleiteado), mas não é absurdo afirmar que essa análise ficará postergada para momento

ulterior, em que possivelmente o executado irá opor os embargos à execução. 77

Se em sede de embargos ficar constatado que o direito pleiteado não existe, o

processo executivo é extinto e a execução não prossegue mais, não havendo entrega do

bem da vida. Inexistirá a intervenção estatal para efetivar o direito pleiteado pelo

exeqüente, uma vez que se verifique, em sede de embargos, que é indevido.

A figura do direito ao bem como um dos pressupostos do provimento definitivo

de sua posterior entrega ao credor é conseqüência imediata do desfecho único ao qual toda

execução é destinada. No processo de execução só poderá ser concedida a tutela final e

plena ao exeqüente, e nunca ao executado, e, nesse caso o exeqüente só terá o direito à

tutela plena e efetiva se tiver o direito ao bem reconhecido. Então, a conseqüência lógica

que daí decorre é que, se não existir o direito, o processo de execução será extinto sem a

concessão da tutela jurisdicional plena a quem quer que seja. 78

Ultrapassada essa disposição, verifica-se que além da necessária aplicação

plena da teoria das condições da ação como requisitos prévios à propositura da demanda

executiva, arrolam-se alguns outros pressupostos específicos da tutela executiva.

Cândido Rangel Dinamarco enumera oito pressupostos. São eles: a

possibilidade jurídica da demanda; legítimo interesse de agir; legitimidade ad causam ativa

e passiva; propositura de uma demanda regular perante um órgão investido de jurisdição;

capacidade do demandante; personalidade jurídica do demandado; não ocorrência de certos

76 DINAMARCO. Instituições. v. IV, Op. Cit. p. 79. 77 Idem. 78 DINAMARCO. Instituições. v. IV, Op. Cit. p. 80.

fatos obstativos como a litispendência, confusão ou morte da parte (direitos

personalíssimos); e, em geral, a realização regular e ordenada de todos os atos do

procedimento. 79

Numa análise geral, verifica-se que estes pressupostos amoldam-se também

dentro da sistemática da teoria geral das condições da ação e dos pressupostos processuais.

Da mesma forma, Dinamarco diz que os dois “requisitos necessários para

realizar qualquer execução”, ditados pelo CPC, que são inadimplemento e título executivo,

amoldam-se de forma sistemática no contexto de uma das condições da ação executiva,

que é o legítimo interesse processual. 80

Em suma, essa numeração dos pressupostos pode assim ser definida: os

pressupostos de existência do processo executivo são, de uma forma geral, a propositura da

demanda executiva e a qualidade do juiz regularmente investido, no destinatário dessa

demanda. Já os pressupostos de validade são: a regularidade da demanda proposta; a

tríplice capacidade do exeqüente (capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e

capacidade postulatória); a personalidade jurídica do executado (capacidade de ser parte, e

esta basta) e a inexistência de fatores externos, impeditivos, com a litispendência. 81

Humberto Theodoro Júnior classifica os requisitos em elementos subjetivos e

objetivos da execução. Diz que os elementos subjetivos são as partes e o órgão judicial,

além dos sujeitos secundários que participam do processo como auxiliares de seu

desenrolar, a exemplo dos escrivães, oficiais de justiça, dentre outros. Já os elementos

objetivos são formados pelo título executivo judicial dotado de certeza e liquidez, o objeto

da atividade executiva ou os bens exeqüíveis e os títulos executivos extrajudiciais,

79 Idem, p. 82. 80 Idem, p.82. 81 Idem, p. 90.

igualmente dotados de certeza e liquidez que, para fins de execução, devem ser exigíveis,

ou exeqüíveis da mesma forma que o título judicial, compreendendo também as provas. 82

Uma extensão nos comentários acerca de cada um desses pressupostos,

dissecando-os de maneira a tentar exaurir as observações necessárias traria óbice à

continuação do presente estudo acerca de seu objeto central, a execução de obrigações

específicas de fazer e não fazer. Portanto, serão analisados, de forma sucinta, apenas os

aspectos genéricos acerca dos títulos judiciais e extrajudiciais para fins de delimitação

temática, excluindo-se os demais temas que dilatariam o foco da análise de forma

imprópria.

2.3. O título executivo:

Para que se possa promover o processo de execução é indispensável que exista

um título no qual esteja plenamente assegurado o direito pleiteado pelo exeqüente.

O primeiro e mais importante dos elementos para definir o crédito a ser

executado é o título executivo. Esse título é a própria materialização do direito do credor e,

ao mesmo tempo, o grilhão que compromete o devedor, vinculando-o a satisfazer a

obrigação devida por ele ao possuidor do título, desde que este não esteja eivado de vícios

que comprometam sua validade.

A definição de título executivo é feita por diversos autores, dentre os quais

devem se destacar os posicionamentos abaixo descritos.

Para Dinamarco, o título executivo “é um ato ou fato jurídico indicado em lei

como portador do efeito de tornar adequada a tutela executiva em relação ao preciso direito

a que se refere”. 83

82 THEODORO JÚNIOR. Op. Cit. pp. 25-122. 83 DINAMARCO. Instituições, v. IV, Op. Cit. p. 191.

Já Humberto Theodoro Júnior prefere não conceituar o título executivo,

trazendo à baila apenas citações que redirecionam as definições feitas por Liebman,

Zanzucchi, Carnelluti, Furno, Couture e Rocco. 84

Na obra Curso Avançado de Processo Civil, coordenada por Luiz Rodrigues

Wambier, a conceituação encontrada é a de que o título executivo é “cada um dos atos

jurídicos que a lei reconhece como necessários e suficientes para legitimar a realização da

execução, sem qualquer nova ou prévia indagação acerca da existência do crédito”. 85

Na visão do professor Carlos Alberto Carmona, o título executivo conceitua-se

como “o ato ou fato ao qual a lei atribui (às vezes até mesmo de forma arbitrária) tamanho

grau de certeza que permite ao autor desde logo pleitear medidas satisfativas”. 86

Em recente obra, José Miguel Garcia Medina diz que são insuficientes as

teorias que atribuem ao título executivo a natureza de ato ou documento, exclusivamente.

Em decorrência disso surgiu a teoria de que o título é, além de ato, documento. Então não

são figuras autônomas o ato e o documento, como as teorias anteriores entendiam, mas se

completam. Segundo a nova teoria, o título executivo é ato e documento; tais elementos,

representam o título executivo em sentido substancial e em sentido formal ou processual.

Em sentido substancial, “o título é o ato pelo qual o responsável se sujeita voluntariamente

ou o provimento que sujeita o responsável à sanção executiva”. Em sentido formal, o título

seria “um documento dotado de requisitos formais particulares (documentação

específica)”. 87

Segue o mesmo autor afirmando que a noção moderna de título executivo

surgiu com o fenômeno consistente no afastamento da possibilidade de qualquer discussão,

84 THEODORO JÚNIOR. Op. Cit. p. 28. 85 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, v. 2: processo de execução. 3ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 46. 86 CARMONA, Carlos Alberto. Títulos Executivos Extrajudiciais no Código de Processo Civil Brasileiro. In

Processo de Execução e Assuntos Afins. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 58. 87 MEDINA, José Miguel Garcia. Op. Cit. p. 167-168.

no curso da execução, acerca da existência ou inexistência do direito encerrado no título

executivo. 88

Por fim, o último destaque deve ser feito na conceituação trazida por Sérgio

Shimura, que também estuda o título executivo sob seus aspectos substanciais e

instrumentais (ou formais). O autor, da mesma forma que Humberto Theodoro Júnior,

procura não conceituar o título executivo, apenas afirmando que é pressuposto de qualquer

execução, na forma do art. 58, fazendo alusão à idéia de que não há execução sem título.

Para explicar, faz citação dos pensamentos clássicos de Carnelutti e Liebman. Separou

Shimura os pontos nodais da questão relativa à definição dos títulos segundo Carnelutti e

Liebman. Para Liebman, o título é principalmente o ato jurídico que faz nascer a execução,

pois sublinha a sua eficácia constitutiva. Já para Carnelutti, o título executivo é o

documento que prova a existência do crédito, já que lhe assinala a eficácia probatória. Por

fim, faz referência a uma minoritária visão eclética que diz que não se trata de uma

combinação de fato jurídico e de prova, porque na estrutura do título executivo é possível

vislumbrar, ao mesmo tempo, a presença do ato jurídico e do documento. 89

Assim, para que o título seja exeqüível, deve ser dotado de características

essenciais, sem as quais não pode ser exigido judicialmente através do processo de

execução. Para que o cumprimento do direito garantido no título possa ser pleiteado

judicialmente na forma do que permite o procedimento de execução, o título deve ser

líquido, certo e exigível.

A certeza do título vincula-se à sua existência. Tal característica existe nas

hipóteses em que não há controvérsia sobre sua existência, isso sob o seu aspecto formal.

Leva ao entendimento de que é indispensável a existência de um título executivo para que

seja aplicada a sanção legal relacionada ao ato ou fato jurídico.

88 Idem, p. 223-224. 89 SHIMURA, Sérgio. Título Executivo. 2ª ed. ampl. e atual. São Paulo: Método, 2005, pp. 26-58.

A liquidez do título executivo é representada quando nele consta a

determinação da importância da prestação, o quantum. A dívida é considerada líquida

quando ela se acha determinada em todos os seus elementos de quantidade (dinheiro),

qualidade, peso, volume, espécie e quantidade (coisas diversas do dinheiro). No que tange

às obrigações de fazer e não fazer, surge controvérsia acerca da existência ou não desse

requisito devido à sua dificuldade de detalhamento, pois nessas espécies de obrigações o

credor deve simplesmente indicar o modo de execução que prefere, à luz do que prescreve

o art. 615, inciso I. do CPC. 90

Para Dinamarco, tal requisito não existe nessas espécies de obrigação, dizendo

que o predicado da certeza bastaria, uma vez não admite a liquidez nas obrigações cujo

objeto não seja suscetível de quantificação pela medida, peso, volume, quantidade, etc. –

ou seja, no caso de dívidas fulcradas em coisas fungíveis. 91

Já Humberto Theodoro Júnior sustenta que os requisitos da certeza, liquidez e

exigibilidade dizem respeito não apenas aos títulos de dívida de dinheiro, mas àqueles que

envolvem obrigações específicas de entregar coisa, de fazer e de não fazer. 92

A exigibilidade do título não pode ser considerada um elemento intrínseco do

título executivo, a exemplo da liquidez e da certeza, mas concerne à necessidade concreta

da jurisdição; o título executivo, à adequação da via procedimental. A exigibilidade advém

do vencimento da dívida. Não basta a simples existência do título executivo e a

identificação nele, da obrigação devida, do credor, do devedor e das condições para seu

cumprimento. É indispensável que essas condições para o cumprimento da obrigação

tenham sido desrespeitadas. É imprescindível que o direito não tenha sido efetivado no

prazo estipulado ou na exata forma do que fora determinado no título.

90 SHIMURA. Op. Cit. p. 197. 91 DINAMARCO. Instituições. v. IV. Op. Cit. p. 214. 92 THEODORO JÚNIOR. Processo de execução. 15ª. ed. São Paulo: Leud. 1991, pp. 61-82.

Em face da diversidade de títulos executivos admitida por lei, extrai-se um

único requisito formal relativo a todos os títulos, que é o da instrumentalidade do

documento escrito. Já os requisitos inerentes à certeza, liquidez e exigibilidade são

considerados requisitos substanciais dos títulos executivos. 93

A título de esclarecimento, cite-se que o inadimplemento, em sentido estrito, é

o não cumprimento da obrigação no prazo e forma estipulados, acompanhado da

impossibilidade definitiva de ela ser cumprida ou da inutilidade da prestação. Mas, no caso

do inadimplemento, como pressuposto da execução, o conceito que se melhor amolda às

técnicas executivas é o inadimplemento que se resolve em simples mora e não no

inadimplemento em si. Para atender à melhor forma, seria mais adequado que o termo

“inadimplemento”, nos casos de execução, fosse substituído pelo termo “não

cumprimento” da obrigação.

Tal diferenciação relativa à mora e ao inadimplemento em sentido estrito

necessita de simples explicação, uma vez que o inadimplemento implica a definitiva

impossibilidade ou a absoluta inutilidade do cumprimento da obrigação ao passo que a

mora pode ser purgada, já que existe a possibilidade de ser satisfeita futuramente. Para isso

o credor pode contar, no processo de execução, com os meios coativos e de sub-rogação

colocados à sua disposição para forçar o cumprimento da obrigação; pode contar ainda

com a própria vontade do obrigado em cumprir voluntariamente o que é por ele devido e,

finalmente, pode contar com atos de terceiros interessados no cumprimento da obrigação.

Então, em termos mais acertados, não há que se falar em inadimplemento como

requisito para realizar qualquer execução, mas sim em “não cumprimento” da obrigação.

Em suma, diante do fato de exigir-se a existência de um título executivo onde

esteja estabelecido, dentre outros, os sujeitos que integram a obrigação, a própria obrigação

e a especificação do prazo e condições para seu cumprimento, a execução forçada é

93 DINAMARCO. Instituições. v. IV. Op. Cit. p. 204.

movida ainda pela possibilidade de ser a obrigação satisfeita de modo a suprir, em

momento futuro, as expectativas frustradas do credor pelo não cumprimento voluntário da

obrigação pelo obrigado.

Daí surge o princípio universalmente adotado acerca da execução, que é o

princípio nulla executio sine titulo, pelo qual nenhuma execução forçada é cabível

desprovida de um título que assegure o direito pleiteado, sem fornecer as bases sólidas

indispensáveis ao deslinde do processo de execução. Assim também prescreve o art. 583

do CPC que vincula a execução à existência de um título que lhe sirva de base.

Então, justamente com enfoque na impossibilidade de existência de execução

desprovida de título executivo, ele assume uma tríplice função que é a de autorizar a

execução, definir o fim da execução e fixar os limites da execução. 94

A primeira função é auto-explicável, pois não se concebe o processo de

execução sem título executivo, não se executa um nada.

A segunda função é da mesma forma de fácil entendimento, porque o título

revela qual foi a obrigação contraída pelo devedor e qual a sanção correspondente que

decorre do seu inadimplemento, identificando o fim do procedimento executivo.

A terceira função diz respeito às limitações objetivas e subjetivas da coação a

ser exercida pelo Estado-Juiz na execução da obrigação, por não se admitir que a execução

possa extrapolar o estritamente necessário e possível para o cumprimento da obrigação.

Feitas essas considerações, compete dizer que os títulos executivos podem ser

classificados em judiciais e extrajudiciais, devendo tal divisão ser analisada na sua forma

macroscópica, não se detalhando cada uma de suas possíveis subdivisões e espécies.

Entretanto, maior enfoque será dado ao título executivo judicial, porque o tema principal se

desenvolverá com base neste instituto.

94 Idem. p. 28.

2.3.1. Títulos executivos extrajudiciais:

De uma forma geral, o título executivo extrajudicial representa a materialização

de um negócio oriundo de um documento que registra os termos e condições desse negócio

jurídico realizado fora da esfera judicial, entre as partes, e, por este motivo, são expostos

aos vícios que podem contaminá-lo, a exemplo do vício de consentimento.

O principal conjunto que define as espécies de títulos executivos extrajudiciais

é o do art. 585 do Código de Processo Civil. Porém, além dele, uma variedade de outras

leis também instituem outras espécies de títulos executivos extrajudiciais.

Na definição de Dinamarco, títulos executivos extrajudiciais podem ser

conceituados sempre como aqueles atos jurídicos estranhos a qualquer processo

jurisdicional que a lei admite como mero fato jurídico, na medida em que a própria lei lhe

confere eficácia executiva não negociada pelas partes e não incluída no negócio jurídico,

apoiando-se essa eficácia sempre na vontade da lei, e não na vontade das partes. 95

Daí dizer-se que a execução fundada em título executivo extrajudicial é aquela

que tem por objeto a satisfação do crédito proveniente de um título que não passou sob o

crivo da jurisdição, uma vez que nenhum procedimento jurisdicional foi instaurado para

sua formação ou homologação, mas compõem-se da documentação de atos e negócios da

vida privada a que a lei confere eficácia executiva, desde que atendidos os pressupostos de

validade estabelecidos por ela.

Entretanto, a eficácia executiva dos títulos executivos extrajudiciais não é

inferior ou limitada se comparada à eficácia dos títulos judiciais, visto que a lei não faz

qualquer diferenciação entre ambas. A diferença elementar que se vislumbra, em termos

práticos, é a dificuldade de defesa do executado nos casos de execução fundada em título

executivo judicial, pois é um título que passou pela análise, apreciação e decisão de um

95 DINAMARCO. Instituições. v. IV. Op. Cit. p. 246.

órgão dotado de jurisdição, não podendo o executado alegar vícios e nulidades que

geralmente ocorreriam facilmente no caso de formação dos títulos executivos

extrajudiciais.

Os títulos executivos extrajudiciais distanciam-se dos títulos executivos

judiciais porque dispensam a atuação do poder jurisdicional para sua formação ou

homologação. Não passam por um processo de conhecimento prévio, já que são formados

de acordo com a vontade das partes na esfera da vida privada, o que os torna mais instáveis

juridicamente.

Uma característica elementar dos títulos executivos extrajudiciais é a sua

probabilidade razoável no sentido de dizer que o legislador empresta eficácia executiva a

um negócio jurídico realizado entre as partes no âmbito da vida privada, a fim de privar

pela efetividade do processo de execução, preferindo correr o risco de permitir a

instauração do processo de execução forçada a abarrotar o Judiciário de processos de

conhecimento para formação ou homologação de títulos executivos.

Tal fato ocorre em prol da celeridade do processo executivo, uma vez que as

vantagens obtidas na maioria das vezes têm muito mais significação social que eventuais

males sofridos em casos esparsos. A lei prefere correr riscos maiores, mas sabe-se que o

melhor serviço prestado, relativo ao processo de execução, na grande maioria das vezes

absorve alguns males que dele sobreviessem em alguns casos isolados. 96

Desta forma, os títulos executivos extrajudiciais podem ser considerados

documentos a que a lei empresta a eficácia da executividade, dos quais decorrerão os

benefícios inerentes ao processo de execução.

2.3.2. Títulos executivos judiciais:

96 SHIMURA. Op. Cit. p. 362.

Desde o Direito Romano, a sentença judicial era o passe livre de seu portador

para ingresso ao processo de execução, através da actia iudicati, que substituiu a antiga

manus injectio penal e privada. 97

O estatuto processual vigente trouxe a unificação das vias executivas que antes

eram as ações executória e executiva, sendo a ação executória aquela decorrente da

sentença e a executiva aquelas oriundas da extinta “assinação de dez dias“. 98

Os títulos judiciais eram elencados pelo art. 584 do CPC que descrevia

determinadas espécies de sentenças. Entretanto, tal dispositivo foi revogado pela Lei

11.232 de 22.12.2005 que deslocou o rol dos títulos executivos judiciais para o art. 475-N

com as devidas alterações.

O Código de Processo Civil não se refere mais à sentença condenatória, mas

sim àquela que reconheça a existência da obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou

pagar quantia, o que alarga a possibilidade de atribuição da eficácia executiva também à

sentença meramente declaratória. Portanto, possui eficácia executiva a sentença

declaratória que contenha a definição completa da norma jurídica individualizada.

Nesse sentido, traga-se à baila a interpretação do STJ acerca da possibilidade de

extensão da eficácia executiva às demais espécies de sentenças, além das condenatórias:

“No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias ‘jamais’ têm eficácia executiva. O art. 4º, § ún., do CPC considera ‘admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito’, modificando, assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como tipicamente preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória possa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser a relação jurídica concreta. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultante diferente da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado,

97 LIEBMAN, Execução e ação executiva. Pp. 33-78 apud HANADA, Nelson. Título executivo

extrajudicial. JTASP 59, São Paulo: LEX, 1980, p. 16. 98 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 9ª. ed. rev., atual e ampl. da 8ª ed. do livro Manual do Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 146.

representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber outro qualificativo, menos o de jurisdicional”. 99

No entanto, a inclusão do art. 475-N com alteração do conjunto dos títulos

executivos judiciais trouxe também, interpretações díspares acerca da possibilidade de

expansão da eficácia executiva às demais espécies de sentenças que não as condenatórias.

Carreira Alvim não concorda com essa possibilidade de atribuição da eficácia

executiva às sentenças declaratórias ao dizer que o art. 475-N trata, no fundo, de sentença

condenatória “sendo tal que imponha ao devedor o cumprimento de uma prestação (fazer,

não fazer e entregar coisa), sendo a única que admite execução forçada”. 100

O professor Araken de Assis vai mais adiante ao afirmar que a sentença não é o

único ato decisório a ensejar a execução. Na forma do que diz o art. 162, §2º do CPC,

entende que, a exemplo das liminares antecipatórias e, principalmente de acordo com o art.

163, os acórdãos também são atos decisórios distintos da sentença que comportam a

execução. Porém, apesar de tal observação, diverge ainda mais dos outros posicionamentos

anteriormente apresentados, dizendo que o art. 475-N, I, limitou ainda mais o campo da

incidência da execução, reservando cumprimento aos pronunciamentos mandamental e

executivo. 101

O importante é registrar que o título executivo judicial é decorrente de

julgamento da lide por órgão dotado de poder jurisdicional, seja em razão de homologação

de transação ou do reconhecimento jurídico do pedido. Neste ponto, é conveniente, para os

casos de cumprimento e execução das obrigações de fazer e não fazer, adotar o

posicionamento de Araken de Assis supracitado quanto à possibilidade de execução dos

atos decisórios distintos da sentença.

99 RSTJ 181/117, 1ª T. 100 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Cumprimento da sentença. Curitiba: Jaruá, 2006. p. 99. 101 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.204.

Sob essa ótica, há de se admitir também que um simples despacho que contenha

as expressões “defiro” ou “cumpra-se” possa conter em seu bojo toda força condenatória,

mandamental ou executiva necessária à sua execução, desde que contidas no requerimento

que motivou a decisão, todas as razões do requerente, especificados os termos e condições

exatos do cumprimento da obrigação, bem como a necessidade do cumprimento em face

do seu inadimplemento oriundo da falta de prestação voluntária da obrigação, do

pericullum in mora ou do fummus boni iuris latente.

Em termos clássicos em matéria de processo civil, o título judicial é aquele

oriundo de um processo, entendendo-se que são englobados neste rol os pronunciamentos

oriundos de atividade propriamente jurisdicional.

Numa ótica mais maleável e que melhor se amoldaria às execuções das

obrigações de fazer e não fazer em face da generalidade do disposto no art. 461, §5º do

CPC, Luiz Rodrigues Wambier define os títulos executivos judiciais como sendo aqueles

consistentes em provimentos jurisdicionais, ou equivalentes, que contêm a determinação a

uma das partes de prestar algo à outra, afirmando que, à falta de uma prestação espontânea,

o ordenamento jurídico confere a tais provimentos a eficácia de autorizar a utilização dos

atos executórios. 102

É sob esse enfoque mais permissivo de atribuição da eficácia executiva aos atos

decisórios e aos provimentos jurisdicionais que o tema relativo à execução das obrigações

de fazer e não fazer se desenvolverá.

2.4. A questão dos princípios do processo de execução:

A doutrina brasileira costuma apontar alguns princípios que regem a execução

forçada. Tais princípios serão abordados apenas de maneira expositiva, sem a análise

102 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. Cit. p. 50.

profunda de cada um deles. Então, os princípios da execução forçada serão relacionados de

acordo com o rol disponibilizado pelos principais autores e apresentadas algumas

divergências entre eles.

Humberto Theodoro Júnior apresenta um rol de oito princípios informativos do

processo de execução. 103

O primeiro é que toda execução é real, referindo-se à atividade jurisdicional

que recai direta e exclusivamente sobre o patrimônio do devedor, e não sobre a pessoa do

devedor, citando o art. 591 do CPC como fundamentação de tal idéia. O segundo é que

toda execução tende apenas à satisfação do direito do credor referindo-se à limitação da

atividade jurisdicional executiva que deverá incidir sobre o patrimônio do devedor

unicamente sobre o estritamente necessário para a satisfação do direito do credor. Cita o

art. 659 do CPC como fundamento dessa noção. 104

O terceiro é o princípio da utilidade, afirmando que a execução deve ser útil ao

credor, não devendo se configurar num instrumento de “simples castigo ou sacrifício do

devedor”. O quarto princípio é o da economia da execução significando que a execução

deve ser realizada de forma a satisfazer o direito do credor na forma menos prejudicial

possível ao devedor (art. 620, CPC). O quinto princípio é o da especificidade da execução,

devendo esta propiciar ao credor, na medida do possível, exatamente o direito que obteria

se a obrigação fosse cumprida voluntária e pessoalmente pelo devedor. 105

O sexto princípio é o do ônus da execução pelo qual o devedor deverá arcar

com o processo de execução a suas expensas, com o débito executado, e além deste, com

os prejuízos eventualmente causados, as demais custas e honorários advocatícios. O sétimo

princípio é o do respeito à dignidade humana pelo qual a execução não deverá ser levada a

uma situação incompatível com a dignidade humana; nesse sentido, foi instituída a

103 THEODORO JÚNIOR, Op. Cit., pp. 10-15. 104 Idem, p. 11. 105 Idem, pp. 11-12.

impenhorabilidade de alguns bens (art. 649, CPC). O último princípio é o da

disponibilidade da execução, pelo qual o credor não é obrigado a executar seu título, e nem

é obrigado a prosseguir na execução forçada por ele iniciada. 106

Araken de Assis tratou de analisar os princípios da função executiva,

distinguindo princípios informativos e os princípios fundamentais, dizendo que “aqueles

são de ordem técnica e universal, e, portanto, pouco suscetíveis a variações sócio-

econômicas; estes, ao contrário, carregados ideologicamente, comportam balanceamento

em cada ordenamento concreto”, podendo freqüentemente se opor uns aos outros. 107

Para o referido autor, os princípios podem ser reunidos num rol aberto e amplo,

a seguir citado.

O primeiro é o princípio do título, segundo o qual a ação executória sempre se

baseará no título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial, sendo que a ausência deste

elemento gera nulidade (art. 618, I e art. 586, CPC). O segundo é o princípio da

responsabilidade patrimonial igualando-se no que disse Humberto Theodoro Júnior

quando afirma que toda execução é real. Por este princípio, a execução é dotada de caráter

real e visa ao patrimônio do executado, ficando insubsistente tal afirmação no que diz

respeito a coerção pessoal. 108

O terceiro é o princípio do resultado pelo qual a execução deve buscar entregar

ao exeqüente rigorosamente o bem por ele perseguido. O quarto é o princípio da

disponibilidade: pode o credor desistir da execução a qualquer momento, arcando com os

honorários advocatícios se o executado constituiu advogado para oferecimento de bens à

penhora antes da oposição de embargos. 109

O quinto é o princípio da adequação, pelo qual o meio executório predisposto

se mostrará idôneo a atuar compulsoriamente o direito do reclamado, legitimando-se os

106 Idem, pp. 12-13. 107 ASSIS, Araken. Manual da Execução. Op. Cit., p. 89. 108 Idem, p. 93. 109 Idem, p. 94-95.

“meios e os atos executivos montados dentro de cada meio, haja vista a instrumentalidade

do processo, nessa obrigatória e íntima correlação”. E termina dizendo que: “Sem meio

hábil, o bem nunca será alcançado pelo credor”. 110

Autores como Luiz Rodrigues Wambier entendem ser o princípio do

contraditório um princípio perfeitamente aplicável no processo de execução uma vez que a

afirmação de que não seria aplicável reside na falta de percepção de que o que não existe é

a discussão quanto ao mérito do crédito do exeqüente. Tal discussão já teria ocorrido em

ação anterior, em que houve a condenação, ou acontecerá em sede de embargos à

execução, que se constitui como ação própria, geradora de um processo de conhecimento.

Então, para ele, há contraditório no processo de execução em vários casos em que devem

ser respeitados os objetos de tal princípio, que seria: a observância dos pressupostos

processuais, condições da ação, validade dos atos do procedimento e observância do art.

620 do CPC. 111

Da mesma forma entendem Cândido Rangel Dinamarco 112 e Humberto

Theodoro Júnior 113, que aceitam a hipótese de contraditório no processo de execução.

Por fim, ressalte-se a argumentação de José Miguel Garcia Medina na sua obra

sobre os princípios fundamentais da execução civil. A observação por ele feita e que

merece destaque é em relação ao princípio nulla executio sine titulo ou princípio do título,

já acima abordado, no sentido de que toda execução deve ser realizada com base num título

executivo. No entanto, salienta que tal concepção principiológica se deu com base na

execução tradicional regulada pelo Livro II do CPC (arts. 566 e ss., CPC) e não se afeiçoa

perfeitamente ao sistema jurídico processual posterior às reformas legislativas que buscam

um processo mais célere e efetivo. Diz que esse princípio manifesta-se apenas e tão

110 Idem, p. 99. 111 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de processo civil, v. 2. 3ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 132-135. 112 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil, 3ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p. 166. 113 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução, 15ª ed., São Paulo: Leud, 1991, p. 13.

somente em relação ao título executivo que enseja o processo de execução propriamente

dito, não valendo em relação aos demais pronunciamentos judiciais criados pelas reformas

na busca pela tempestividade da tutela jurisdicional, relegando a um plano secundário a

cognição exaustiva sobre o direito discutido, argumentando que, por isso, é possível a

execução sine titulo permitida. 114

Por tudo que já foi citado, é facilmente identificável a confusão doutrinária no

sentido de organizar e definir as espécies de princípios da execução, sejam eles

fundamentais ou informativos. Por esta razão, deixou-se para o fim a análise do princípio

da autonomia, que é merecedor de comentários mais profundos.

2.4.1. Princípio da autonomia e o sincretismo:

Ainda na esteira das pertinentes e astutas observações de Medina, o princípio da

autonomia é muitas das vezes designado para identificar a independência do processo de

execução relacionado ao processo de conhecimento, em face da formação de um novo

vínculo jurídico processual. Na verdade, o mais sensato seria dizer que o processo de

conhecimento é que independe e se caracteriza como autônomo do posterior processo de

execução, uma vez que nada impede que o devedor possa cumprir voluntária e

satisfatoriamente a obrigação devida em relação à execução de sentenças condenatórias. A

noção de autonomia deve ser recíproca nos processos de conhecimento e de execução. 115

Sob esse foco, torna-se possível afirmar que as modificações recentes das

estruturas processuais, fruto das reformas do CPC, só vieram a fortalecer a idéia de que

existem situações em que cognição e execução se realizam na mesma relação jurídico-

114 MEDINA, Op. Cit., pp. 137-139. 115 Medina, Op. Cit., pp. 262-263.

processual, sendo que antes figuravam como mera exceção ao princípio da autonomia da

execução em face da cognição. 116

Há que se falar então no princípio do sincretismo como uma nova configuração

da relação entre cognição e execução, significando o poder de exigir o julgamento da

pretensão e, ao mesmo tempo, exigir a satisfação do direito reconhecido neste julgamento.

Tal figura ocorre freqüentemente nos casos em que, julgada procedente a pretensão, o

mesmo processo vai prosseguir e, naturalmente, sem que nova demanda seja proposta,

tampouco nova citação efetuada: os atos executivos adequados serão produzidos. O

processo é um só e uma só ação existe, possuindo conjuntamente, natureza cognitiva e

executiva.

Nessa espécie de processo, o que muda é o rito, é o procedimento. A prévia

tutela jurisdicional cognitiva devidamente prestada autorizará a execução imediata, sem a

necessidade de propositura de nova ação. Continua a correr o mesmo processo de

cognição, portanto, com uma nova fase dotada de atos executivos, configurando-se como

uma execução própria nos mesmos autos onde fora prestada a tutela cognitiva.

Essa modalidade de processo sincrético se concretizou e se fixou de forma

definitiva no ordenamento processual brasileiro após a entrada em vigor da já citada Lei

1.232 de 2005, que trouxe a nova regra nos arts. 475-I e ss. do CPC, que trata do

cumprimento da sentença. O que se nota é que, após a reforma, o art. 475-I estabelece que

o cumprimento da sentença será feito conforme os art. 461 e 461-A, ou, tratando-se de

obrigação por quantia certa, por execução na forma dos demais artigos do Capítulo X,

Título VIII do Livro I do CPC. Sob essa ótica, Carreira Alvim afirma que, afora a

execução sincretizada da sentença referente à obrigação por quantia certa, todas as demais

116 Idem, p. 264.

modalidades de sentença (de fazer, de não fazer e entregar coisa), “como títulos judiciais

que são, já não comportam mais execução, mas cumprimento”. 117

E o autor acima simplifica ainda mais dizendo que:

Segundo as novas regras, na execução de sentença por quantia certa: a) não há mais ação nem processo de execução, senão simples pedido (ou requerimento) e procedimento executório; b) não há mais embargos do devedor, senão impugnação ao pedido; c) não há mais sentença, senão simples decisão.

Nota-se, com os tais comentários, que a execução dos títulos executivos

judiciais se limita ao procedimento de cumprimento nos mesmos autos, ficando as

hipóteses de execução descrita no Livro III do CPC restrita às hipóteses de execução por

títulos executivos extrajudiciais.

Voltando à análise do princípio da autonomia do processo de execução em

relação ao processo de conhecimento, com as observações acima, é perfeitamente possível

se admitir o expurgo da existência de tal princípio no que tange à execução (ou

cumprimento) dos direitos fixados em títulos executivos judiciais, os quais são regidos

pela regra do sincretismo após sua instauração definitiva pela Lei 11.232 de 2005 no

estatuto processual civil em vigor.

117 CARREIRA ALVIM, Cumprimento... Op. Cit., pp. 58-61.

CAPÍTULO III

EXECUÇÃO ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER

A execução das obrigações de fazer e de não fazer é considerada específica

porque a regra tradicional que mais se vislumbra no meio forense é a da execução das

obrigações contra devedor solvente e insolvente oriunda de dívida pecuniária.

Nesse sentido, a tutela relativa às obrigações de fazer e de não fazer se

distingue da tutela relativa às obrigações pecuniárias desde o momento anterior à

propositura da execução, uma vez que as obrigações específicas de fazer e de não fazer

dependem muito mais da vontade do agente para a obtenção do resultado pretendido pelo

credor ou do resultado prático equivalente.

3.1. A tutela das obrigações de fazer e de não fazer:

Considera-se a obrigação de fazer aquela que tem por objeto a prática de um ato

pelo devedor. A execução da obrigação de fazer antes da Lei nº. 8.952 de 13.12.1994 só

era permitida com base em título executivo judicial.

Não era admitida a execução das obrigações de fazer e de não fazer fundada em

títulos extrajudiciais. Desde então, após a redação do art. 461 dada pela referida lei, a

sentença oriunda do processo de conhecimento que condene o vencido ao cumprimento de

uma obrigação de fazer ou de não fazer passariam a ter eficácia executiva no próprio

processo em que fora proferida, o que mais tarde se confirmou pela Lei 10.444 de

07.05.2002, cabendo a partir daí o art. 461 a disciplina dos títulos judiciais e os artigos 632

a 645 a reger a execução fundada em títulos executivos extrajudiciais.

Antes das grandes reformas acerca do processo de execução, que se iniciou

substancialmente pela Lei 8.952 de 1994, o dogma da intangibilidade da vontade humana

era amplamente respeitado e sustentava as decisões dos tribunais naquele tempo.

Aperfeiçoando este entendimento, passou-se a vislumbrar a resistência do obrigado como

óbice injusto ao cumprimento da obrigação devida. A partir de então, esse óbice

representaria uma barreira que deveria ser ultrapassada, ou, ao menos flexibilizada, para

que a efetivação das obrigações de fazer e de não fazer pudessem atingir sua finalidade

efetiva, a fim de que a prestação jurisdicional não ficasse submissa à simples vontade do

devedor.

Dessa forma, ao contrário dos que defendem a regra da nemo potest cogi ad

factum, em nada é arranhada a dignidade da pessoa humana que se vê compelida a cumprir

uma obrigação mediante da imposição de artifícios legais imperativos aplicados pelo

Estado-juiz para que se alcance o resultado que deveria ter sido alcançado pelo

cumprimento voluntário inadimplido pelo devedor obrigado.

O socorro da tutela jurisdicional deverá ser efetivo o quanto necessário e

possível. Se o devedor tem condições de cumprir a obrigação, na medida do possível e do

necessário, através do processo judicial, o Estado-juiz deverá forçá-lo a efetivar o direito

garantido ao credor, utilizando-se dos meios legais disponibilizados para tanto.

Observe-se que, apesar de estarem alocadas no Livro destinado ao Processo de

Conhecimento, as regras da matéria relativa à tutela específica são igualmente aplicáveis

tanto no processo de conhecimento, quanto no processo de execução oriunda de título

judicial ou cumprimento das sentenças, além de poderem ser utilizados na modalidade

cautelar. E mais, podem ainda ser perfeitamente aplicadas às execuções fundadas em

títulos executivos extrajudiciais.

Define Leonardo Greco que a principal distinção existente entre a execução em

processo autônomo e a execução no próprio processo que deu origem ao título é que “não

pode o título ser modificado no próprio processo em que corre a execução, enquanto nesta

isso pode ocorrer”. Sustenta ainda que ambos os regimes deveriam ser conciliados em

busca da mais efetiva prestação jurisdicional das obrigações de fazer, não fazer e de

entrega de coisa, sem que isso limite o pleno exercício do direito de defesa. 118

118 GRECO, Leonardo. “Tutela Jurisdicional Específica”. In Estudos. Op. Cit. p. 517.

Segue o douto processualista com a apresentação de um quadro elementar das

situações processuais possíveis de acordo com as regras do art. 461 do CPC. 119

A primeira hipótese apresentada é a de deferimento da tutela específica em

decisão interlocutória do processo de conhecimento em caráter assecuratório ou cautelar,

fundado na urgência, quando se exige o cumprimento imediato do direito do credor

levando-se em consideração o princípio da razoabilidade e respeitados os aspectos

humanísticos, assegurada a possibilidade de contra-cautela. Outra hipótese é a de

deferimento de tutela específica satisfativa numa das situações de tutela antecipada, através

de decisão interlocutória no processo de conhecimento. Uma terceira situação se identifica

quando ocorre o deferimento da tutela específica em sentença final no processo de

conhecimento, com ou sem alusão expressa aos meios coativos ou sub-rogatórios

destinados ao seu cumprimento. Por fim, mostra a hipótese da execução fundada em título

executivo extrajudicial para cumprimento das obrigações de fazer, não fazer ou de entrega

de coisa. 120

Enfim, para uma correta aplicação dos institutos legais postos à disposição do

credor e para uma análise adequada da tutela específica relativa às obrigações de fazer e de

não fazer, deve-se ter em mente o significado de cada uma dessas modalidades de

obrigações.

3.1.1. As obrigações de fazer:

Nas obrigações de fazer, o dever nelas inserido é o de agir quando o devedor se

mantém inerte contrariamente ao direito do credor, que necessita de uma conduta ativa do

devedor para efetivar seu direito restaurando-se assim uma condição preexistente

modificada pelo obrigado. São as obrigações em que o devedor é forçado a desempenhar

119 Idem. p. 518. 120 Idem. p. 518.

uma atividade positiva para a satisfação do interesse do credor de forma tão ampla quanto

o ordenamento jurídico permita que seja praticada, isto é, sempre que não se contrarie a lei,

a moral, os bons costumes ou a ordem pública.

É baseada nessa relação de agir e não agir que se sustenta o princípio diretivo

que rege a matéria das obrigações específicas de fazer e de não fazer, qual seja, a obrigação

deve ser satisfeita pelo devedor, ou às suas custas, na exata forma do que fora pactuado,

resultando em perdas e danos caso seja esta a opção expressa do credor ou se

absolutamente impossível seu cumprimento efetivo ou a obtenção do resultado prático

equivalente e satisfatório.

É também desse princípio diretivo que extraem as noções de fungibilidade e

infungibilidade das obrigações de fazer e de não fazer como sendo espécies de uma

classificação dúbia para efeitos de execução forçada. Essa classificação dúbia das

principais obrigações de fazer se divide em: a) obrigações fungíveis e infungíveis e; b)

obrigações de meio e de resultado.

Para que a execução das obrigações de fazer possa se desenvolver de maneira

adequada aos moldes prescritos em lei, primeiramente há que se identificar as

características peculiares dessa obrigação. Primeiramente, e de acordo com a classificação

dúbia acima apresentada, deve ser identificada a fungibilidade ou não da prestação.

As obrigações fungíveis são consideradas aquelas que, por sua natureza própria

ou por convenção entre as partes, puderem ser efetivadas por terceiros que não o devedor,

quando este a inadimplir. Se a prestação da obrigação devida for realizável por terceiros e

se o titular do direito nada tem a opor nesse sentido, dá-se por fungível a obrigação. 121

E mais, as obrigações de fazer fungíveis também podem ser chamadas de

obrigações não personalíssimas, porque independem da determinação do agente que irá

cumpri-la, podendo ser o próprio devedor ou outrem. Assim, são fungíveis as obrigações 121 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 101-102.

que admitem a sua realização pelo próprio obrigado ou por terceiros, à custa do devedor,

na forma do que dispõe o art. 634 do CPC.

Se as partes não convencionarem expressamente que a obrigação deva ser

satisfeita por determinada pessoa ela é fungível, pois tanto o devedor quanto outra pessoa

possuirão capacidade e legitimidade para cumprir a obrigação. Se a obrigação não for

cumprida pelo próprio devedor, este arcará com os custos de sua realização por terceiros.

Essa característica da fungibilidade gira em torno da possibilidade de ser a

obrigação igualmente satisfeita pelo devedor ou por outrem. A ênfase dada diz respeito ao

cumprimento da obrigação de maneira satisfatória, e não a quem irá cumpri-la, sendo

irrelevante para o credor que seja seu direito satisfeito pelo devedor ou por outrem às

custas daquele. Não se observam as características pessoais, dons ou quaisquer outras

qualidades do devedor que o tornem o único que possa efetivar o direito.

A fungibilidade jurídica se relaciona diretamente com a natureza da prestação e

com a índole da proteção que o ordenamento jurídico outorga à liberdade do devedor

inadimplente, sem desconsiderar, no entanto, o direito do credor.

O elemento da fungibilidade e o caráter genérico da obrigação são consideradas

idéias perfeitamente sinônimas que correspondem à função econômica deste tipo de

obrigação. Nesse sentido, para se determinar a fungibilidade de uma obrigação, há de se

observar o valor que representa para o credor, pois é irrazoável, senão ilógico, estabelecer

a fungibilidade ou infungibilidade de certo bem se este não for o objeto de uma concreta

relação jurídica obrigacional em questão. Uma mesma coisa poderá ser fungível ou

infungível, segundo as circunstâncias peculiares de cada caso.

Essa definição do caráter de fungibilidade ou infungibilidade da obrigação é

imprescindível, sobretudo na vertente do processo de execução das obrigações de fazer. Se

a obrigação é fungível o credor poderá sempre lograr a satisfação in natura de seu interesse

através da satisfação substitutiva a cargo de um terceiro à custa do devedor inadimplente,

conforme já dito.

A idéia de fungibilidade nas obrigações de fazer constitui, em boa parte, um

conceito jurídico com alto grau de indeterminação, caberia conceber tal característica como

sinônimo de substitutividade. As obrigações de fazer fungíveis são aquelas que podem ser

realizadas indistintamente mediante a substituição do agente que irá efetivá-la.

Mas, essa noção também carrega consigo um alto grau de indeterminação e

falta de precisão, e, em conseqüência, resulta uma forte necessidade de intentar estabelecer

com maior grau de concretude os critérios a partir dos quais serão identificadas e

diferenciadas as obrigações fungíveis e infungíveis.

Então, um critério de identificação plausível e mais concreto do que a simples

possibilidade de ser a obrigação cumprida pelo devedor ou por terceiros à sua custa é a

análise concreta do pacto que vincula a obrigação às partes.

Através desse critério, o que se leva em consideração para a distinção e

identificação da característica de ser fungível ou infungível a obrigação é a análise

concreta do acordo celebrado entre as partes. Se as partes não convencionaram

expressamente a exata forma do cumprimento da obrigação, tampouco determinaram de

forma indubitável o agente que irá efetivá-la. Pode-se admitir ser fungível a obrigação em

face da ausência desses elementos, desde que as expectativas do credor possam ser

supridas satisfatoriamente tanto pelo próprio devedor quanto por outrem à custa daquele.

Para identificação da fungibilidade ou não da obrigação há que se observar,

sobretudo, a natureza desse dever, as características essenciais do seu objeto e o valor

sentimental que ele representa para o credor.

Aliada a estas noções, há que se investigar o animus declarado pelas partes no

momento em que se formou a obrigação. Para tanto, deverá ser indagado se a figura do

devedor e suas características personalíssimas foram ou não critério decisivo e substancial,

que de modo preciso, levaram o credor a acertar com ele o vínculo.

Por outro lado, vem ganhando cada vez mais adeptos a configuração da

fungibilidade em função do interesse do sujeito ativo, ou mais precisamente, em atenção à

possibilidade de substituição do obrigado para satisfazer precisamente o interesse do

credor exeqüente, que decidirá ser possível ou não tal substituição. 122

Em outras palavras, será fungível a obrigação quando as partes não tomaram

em conta essas circunstâncias peculiares no momento da constituição da obrigação, e, em

conseqüência, o interesse pretendido pelo titular do direito de crédito poderá ser

perfeitamente satisfeito tanto pelo cumprimento da obrigação de fazer pelo devedor como

por um terceiro. Uma obrigação fungível é aquela que pode ser realizada por pessoa

distinta do devedor com o mesmo conteúdo e idêntico resultado, permitindo aos credores

obter a execução da mesma forma que se fosse cumprida pelo devedor. 123

De outro lado, posicionam-se as obrigações infungíveis, que se opõem ao

caráter de generalidade e substitutividade das obrigações fungíveis. Nesta espécie de

obrigação o devedor representa o foco principal e determinante para o cumprimento da

obrigação.

Então, dizem-se infungíveis aquelas prestações que somente poderão ser

satisfeitas pela pessoa do próprio obrigado, em razão de suas aptidões ou qualidades

pessoais ou porque assim se convencionou. 124

São também chamadas obrigações intuiuo personae ou personalíssimas porque

não admitem sua execução por pessoa diversa da pessoa do obrigado. Será infungível a

obrigação se for do interesse do credor que seja ela satisfeita por atos do próprio obrigado,

122 CATALÀ COMAS, Chantal. Ejecución de condenas de hacer y no hacer. Barcelona: Jose Maria Bosch Editor, 1998, p. 90. 123 TASCÓN LÓPEZ, Rodrigo. La ejecución de obligaciones de hacer y no-hacer em el orden social de la

jurisdición. Granada: Editorial Comares, 2005. p. 35. 124 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 359.

atendendo às suas aptidões e qualidades pessoais, existindo ou não cláusula que disponha

expressamente sobre a pessoalidade da obrigação, em que o meio de alcançá-la se define

na pessoa do obrigado, sobressaltando-se as feições peculiares deste na relação

obrigacional específica, ao próprio fim a ser alcançado. 125

As obrigações infungíveis, uma vez contraídas ressaltando-se o caráter intuito

personae do devedor, só poderão ser realizadas por este, não admitindo, pela sua natureza

infungível, que seja satisfeita por pessoa diversa da do obrigado; por tais motivos, quando

inadimplidas, resolvem-se em perdas e danos.

Em decorrência dessa pessoalidade, só poderão ser cumpridas de forma

específica, não admitindo o resultado prático equivalente, devendo ser executada

especificamente de forma a restaurar a idêntica situação jurídica violada, por meio de uma

restituição direta, esclarecida aqui a importância de sua identificação para fins de aplicação

do art. 461 do CPC e sua posterior execução.

Em suma, mesmo se a obrigação puder ser efetivada por qualquer outra pessoa,

mas as partes entenderam por bem convencionar que somente determinada pessoa poderá

cumpri-la, a obrigação é contratualmente infungível. Os exemplos são variados, mas o

mais citado pela doutrina é o do pintor contratado para pintar o quadro, no qual seu dote

artístico se caracteriza como a motivação substancial e elementar da formação do vínculo

obrigacional.

Só aquele determinado artista poderia desempenhar a função de executar a

pintura, o quadro desejado pelo credor na forma por ele esperada, uma vez que só o pintor

contratado, e tão somente ele, possui os dons e técnicas admirados pelo credor e que

satisfarão seu direito na materialização da obra de arte que constitui o objeto da obrigação

infungível.

125 CARREIRA ALVIM, Tutela Específica. Op. Cit. p. 39.

Além disso, não se pode perder de vista também o interesse do credor, muito

embora nessa modalidade de obrigação, todo seu modus operandi gravite em torno da

figura do devedor e de suas qualidades pessoais. Nessa modalidade de prestação,

sobressalta-se a pessoalidade do devedor à natureza do produto de sua atividade.

Caso não exista cláusula expressa no sentido de estabelecer a infungibilidade da

obrigação, a solução dependerá da análise detalhada e particular de cada caso, levando-se

em consideração, além das características pessoais do devedor, a vontade das partes no

momento da formação do vínculo obrigacional.

Para tanto deverão ser consideradas as aptidões do devedor, suas condições

pessoais e profissionais, sua qualificação, sua fama, reputação, antecedentes, modo de ser e

de agir, afinidades, enfim, todos os elementos que possam destacar o caráter de

pessoalidade do devedor para o cumprimento da obrigação em detrimento do próprio fim

pretendido.

Identificadas essas características pessoais do devedor, há de se analisar se

foram elas a motivação decisiva e substancial para que o credor pudesse elegê-lo, e não a

terceiros, como o responsável pelo cumprimento da prestação obrigacional pactuada.

Uma interessante observação em relação à infungibilidade foi feita por Gabriel

de Rezende Filho, que identifica dois graus de infungibilidade, um mais severo que o

outro. O primeiro deles é o da infungibilidade natural assim identificada aquela em que a

prestação da obrigação por terceiros é impossível em face exclusivamente da pessoalidade

do devedor, de suas aptidões personalíssimas, quando só este possui as qualidades

indispensáveis para a efetivação da prestação. Outro grau é o da infungibilidade

convencional, quando, por escolha do credor, ficar pactuado que só determinada pessoa, no

caso o devedor por ele eleito, poderá exercer atos que satisfarão o seu direito, muito

embora pudesse a obrigação ser igualmente cumprida por outrem. É o típico caso da

escolha de um determinado cirurgião plástico, dentre tantos outros que possuam a mesma

aptidão, numa mesma clínica, para o implante de uma prótese. Existe, portanto, um liame

frágil entre a fungibilidade e a infungibilidade de uma obrigação, entre seu caráter

personalíssimo ou não, devendo a hipótese do caso concreto ser decidida pela vontade do

credor do direito. 126

É sob esse último enfoque que se deve analisar a eventual hipótese de, num

caso concreto, transmutar-se a obrigação infungível em obrigação fungível, pois se um

terceiro puder satisfazê-la de modo a atender os anseios do credor e se este assim consentir,

mesmo que pactuado de forma contrária, não há porque convertê-la em perdas e danos em

face desses elementos que transformam a obrigação infungível essencialmente em

obrigação fungível.

Todavia, se a infungibilidade for natural e o cumprimento da obrigação se

tornar inviável ante a absoluta impossibilidade de seu cumprimento por terceiros, mesmo

que concorde o credor do direito, a obrigação não poderá ser convertida em fungível, pois

faltam aos terceiros as aptidões pessoais e qualidades que eliminam as possibilidades de

seu cumprimento satisfatório por terceiros. Nessas hipóteses as marcas identificadoras do

devedor (fama, técnicas próprias, dons especiais, etc.), que o destacam em relação a

terceiros no que se refere ao cumprimento exclusivo da obrigação, impedem a conversão

daquela determinada obrigação em fungível.

Por fim, equiparam-se às obrigações infungíveis aquelas em que o ato não

depende unicamente da vontade do devedor, mas também, da colaboração de um terceiro,

caso em que também se resolverá em perdas e danos caso inadimplidas. 127

Outra modalidade de classificação das obrigações de fazer são as de meio e as

de resultado. Em termos gerais, nas obrigações de fazer de meio, o devedor não se

compromete a atingir um resultado pré-estipulado, mas deve fazer de tudo para alcançá-lo

ou, ao menos aproximar o resultado obtido do resultado esperado pelo credor. 126 REZENDE FILHO, Gabriel de. Curso de direito processual civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 279. 127 ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil. v. 3. Buenos Aires: Ejea, 1955, p. 246.

Já nas obrigações de resultado, o devedor se vincula ao exato cumprimento

daquilo que fora prometido ao credor. Cria-se uma expectativa que deverá ser fiel e

estritamente cumprida na exata forma do acordado entre as partes.

A distinção dessas espécies de obrigação de fazer é de suma importância para

que se possa definir o grau de exigibilidade a ser imposto sobre o devedor no caso de seu

descumprimento.

Obrigação de fazer de meio é aquela em que o devedor se compromete tão

somente a buscar o resultado pretendido realizando apenas o que está ao seu alcance. É um

vínculo obrigacional mais maleável que não obriga o devedor à exata satisfação dos

anseios do credor, mas o obriga a buscar fazê-lo utilizando-se de todos os meios possíveis

para tanto, sendo que se, não possível, deverá atingir o resultado mais próximo possível.

Deve, sim, o devedor utilizar-se de todos os meios possíveis que estão a seu

dispor para conseguir a satisfação do que espera o credor. É que o grau de exigência

requerido do devedor poderá ser mais ou menos severo, e, nas obrigações de meio há certa

flexibilização da satisfação do credor em relação do resultado alcançado, limitada, porém,

ao implemento de todas as medidas à disposição do devedor para satisfazê-la.

Nas obrigações de meio, há de se aferir se o devedor empregou todas as

necessárias diligências que estavam à sua disposição para o cumprimento da obrigação. O

devedor se compromete a utilizar os meios disponíveis para, possivelmente, alcançar

determinado resultado, o que permite que o credor tenha esperanças de um cumprimento

satisfatório, podendo ocorrer que esse resultado bom não venha a acontecer. A

identificação do inadimplemento dependerá exclusivamente da análise da conduta do

devedor, se este empregou os meios necessários e possíveis para o alcance do resultado. 128

Da mesma forma que se identifica no caso concreto a existência do caráter de

fungibilidade ou não das obrigações de fazer, na falta de convenção das partes sobre a

128 VENOSA, Op. Cit., p. 77.

natureza obrigacional de meio ou de resultado, deve ser analisado o animus contrahendi

das partes bem como o resultado esperado pelo credor.

Ao passo que nas obrigações de fazer de meio existe certa flexibilização da

satisfatoriedade do credor em relação a seu direito, na outra modalidade agora abordada, a

obrigação de fazer de resultado, o resultado deve ser estritamente o convencionado entre as

partes. Não se admite qualquer modificação do que fora previamente ajustado entre as

partes.

O devedor se encontra compelido a obter um resultado concreto que represente

o exato cumprimento do dever assumido, independentemente de esforço ou tempo

necessário para consegui-lo, representando este resultado uma determinada alteração da

realidade física ou jurídica preexistente na construção do vínculo obrigacional.

Trata-se de uma obrigação na qual o devedor assume a integral

responsabilidade pela satisfação plena do credor, na exata medida daquilo que se

comprometeu a cumprir. Cite-se aqui também o exemplo de um cirurgião plástico que se

compromete a obter um resultado estético estritamente fiel ao que fora prometido ao seu

paciente. 129

Nestas espécies de obrigação de fazer, o seu não cumprimento fiel e plenamente

satisfatório do direito do credor implica conseqüências mais gravosas ao devedor, que é

considerado presumidamente culpado.

Ao contrário das obrigações de meio, nas obrigações de resultado o

inadimplemento se dará pela não satisfação do credor, que teve suas expectativas

frustradas pelo não cumprimento integral e fiel do que lhe fora prometido pelo devedor.

Independe de prova de culpa do devedor pelo não alcance do resultado por ele ofertado.

3.1.2. As obrigações de não fazer:

129 Idem, p. 78.

Nesta espécie de obrigação o dever é negativo, a obrigação devida é a de não

praticar um ato, é a de se manter inerte o devedor quando este pretendia agir

contrariamente ao direito do credor. A lei, o contrato ou a sentença pode obrigar alguém a

uma abstenção ou tolerância, como ocorre nas servidões. Ocorrendo a impossibilidade da

abstenção sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação.

Em relação às obrigações negativas ou de não fazer, não há muito que se

relatar, bastando a ciência de que se trata de imposições negativas ao devedor, que deveria

se manter inerte quando não o fez. Agiu quando não deveria agir, e daí decorre o

inadimplemento dessas obrigações.

Um conceito interessante é retirado da doutrina espanhola, em que a obrigação

de não fazer, ou obrigação negativa, é definida como aquela em que uma determinada

pessoa deve observar um comportamento negativo, uma omissão, isto é, impõem ao

devedor o dever de não realizar algo que do contrário poderá livremente fazer. Consiste,

portanto, numa conduta de abstenção. 130

Praticado o ato, o credor pode exigir que o devedor o desfaça, sob pena de

desfazimento à sua custa, com perdas e danos. Não sendo possível desfazer o ato,

converte-se em perdas e danos.

Trata-se, na realidade, e essencialmente, de uma obrigação de fazer negativa,

qual seja, o devedor só poderá efetivar tal espécie de obrigação acaso se mantenha inerte,

abstêmio, numa situação em que a efetivação do direito do credor dependa exatamente

dessa inamovibilidade do devedor tentado a agir. A obrigação é inadimplida quando o

devedor age, praticando algo que o vínculo obrigacional o impedia de praticar.

130 IRANZO PARDO, Virginia. Ejecución de sentencias por obligaciones de hacer y no hacer. Valencia: Tirant lo blanch, 2001, pp. 371-318.

Nesta espécie de obrigação, o devedor se compromete a uma abstenção que

pode ou não ser limitada no tempo, mas é fácil compreendê-la, uma vez que se apresenta

como uma pura e simples abstenção.

Pode ainda surgir na forma de um simples dever de tolerância no sentido de não

praticar atos que possam eventualmente obstar ou invadir a esfera de direitos de outrem.

Pode consistir na tolerância ou consentimento de uma conduta do credor a qual poderia ser

negada caso inexistisse o compromisso da obrigação de não fazer.

Em suma, nessa espécie de obrigação, o devedor é compelido a não realizar

algo que normalmente poderia fazer se ausente a proibição, convencionada ou legalmente

imposta. O seu objeto é uma omissão e caracteriza-se por atribuição da qualidade de

juridicamente proibido a algum ato inicialmente lícito. Consiste em evitar toda resistência

e oposição possivelmente existente no animus do devedor que pretende agir.

Importante observação é a de que a obrigação de não fazer terá sempre o caráter

da infungibilidade, pois o adimplemento desta espécie de obrigação só poderá ser

alcançado pela figura do próprio obrigado, o único capaz de efetuar este comportamento

omissivo.

Não é razoável aceitar que alguém possa abster-se de fazer algo em nome de

outros, a não ser no caso de expressa e formal representação ou substituição, a exemplo de

um diretor de uma empresa que é obrigado a manter em seu quadro de funcionários uma

cota racial ou social, não podendo demiti-los a fim de extinguir seus cargos. A alteração no

quadro pessoal da direção da referida empresa não possui o condão de extinguir tal

obrigação.

Esse exemplo apresenta-se como exceção à maioria das doutrinas que entendem

ser sempre personalíssima a obrigação de não fazer, sobre a assertiva de que a

infungibilidade dessas obrigações se apresenta como uma transcendência no plano da

execução forçada, pois como resulta de um simples deduzir, não caberia nenhum meio de

execução processual direta ou por substituição encaminhada ao cumprimento do direito por

terceiros à custa do devedor.

No caso de inadimplemento da obrigação de não fazer, nas hipóteses em que o

obrigado age, praticando o ato que não poderia ter praticado, quando não for possível a

restituição do exato status quo ante, a obrigação se converterá em perdas e danos em favor

do credor.

As obrigações de não fazer podem ser instantâneas ou permanentes. As

instantâneas são aquelas que não admitem seu desfazimento por absoluta impossibilidade

e só se torna possível o ressarcimento pelo equivalente em dinheiro, pelo qual se resolvem

estas em perdas e danos. Em contraposição, as permanentes são aquelas em que, praticado

o ato proibido, admite-se o seu desfazimento, sendo possível o retorno ao status quo ante.

No caso de inadimplemento desta última espécie de obrigação de fazer, o credor possui o

direito de exigir seu desfazimento além das perdas e danos. 131

Há os que defendem ainda a existência de obrigação de não fazer periódica,

assim consideradas aquelas em que a obrigação de não fazer deverá ser respeitada em

certos intervalos de tempo. 132

Em todos os casos de obrigação de não fazer, comporta-se a execução

específica, desde que não resulte violência física contra a pessoa do devedor em respeito à

intangibilidade da integridade física. Todavia, admite-se livremente o uso dos meios

coercitivos e de outras medidas necessárias disponibilizadas pela lei.

Por fim, no caso de impossibilidade da prestação sem que esta advenha de culpa

do devedor, extingue-se a obrigação de fazer, seguindo-se o preceito do ad impossibilia

nemo tenetur. A situação jurídica das partes regressa ao status quo ante sem aplicação de

sanções ao devedor, que inadimpliu sem qualquer culpa. Todavia, e para tanto, a causa

excludente de culpa do devedor deverá ser cabalmente comprovada. 131 CAREIRA ALVIM. Tutela Específica. Op. Cit., p. 44. 132 TASCÓN LÓPEZ. Op. Cit., p. 40.

3.2. O sistema do art. 461 do CPC:

O amparo jurídico para o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer é

modalidade de tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material que,

de outro modo, estaria absolutamente comprometida pela demora natural decorrente do

desgastante trâmite processual até sua conclusão. 133

E mais, o art. 461 do CPC não faz qualquer distinção entre obrigações de fazer

e de não fazer formal (convencional) ou imediata (legal), sendo exeqüível por aquele

sistema qualquer uma das duas modalidades de obrigações, desde que subsidiariamente no

que tange ao processo de execução específica formal dessas obrigações quando

inadimplidas.

Neste ponto, é crucial ressaltar o ensinamento de Leonardo Greco, dizendo que,

além dessas possibilidades, pode ser aplicado tal sistema a outras modalidades de tutela

jurisdicional:

“A tutela específica pode ser concedida ao autor em caráter cautelar ou antecipatório, liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu, se concorrerem os requisitos da relevância do fundamento da demanda (fumus

boni iuris) e do justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum

in mora), nos termos do §3º do art. 461 do CPC”. 134

O processualista José Miguel Garcia Medina, referindo-se às alterações

processuais, diz que o raciocínio de renovação dos pensamentos no sentido de tornar

maleáveis as rígidas regras e princípios processuais permitindo-se a aplicação do art. 461

do CPC a outros procedimentos, em especial no que pertine à execução das obrigações de

fazer e não fazer após as alterações sofridas pelos arts. 84 do Código de Defesa do

Consumidor e 461 e 461-A do Código de Processo Civil, chega à conclusão de que as

133 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tutela Específica das Obrigações de Fazer, Não Fazer e Entregar

Coisa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 22. 134 GRECO, Leonardo. “Tutela jurisdicional específica”. In. Estudos de direito processual. Campos dos Goytacazes: Ed.: Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 515.

normas que antes tratavam do tema somente devem ser aplicadas naquilo em que não

forem incompatíveis com a lei nova, o que equivale dizer que os arts. 632 e seguintes do

Código de Processo Civil incidem residualmente nos casos que não for possível a

aplicação do sistema instituído pelas novas normas jurídicas, e não ao contrário. 135

A preocupação essencial do mecanismo de tutela jurisdicional do art. 461 é a de

abrir, sempre que possível, uma gama de opções que permita, de acordo com as

conveniências da parte e do caso in concretu, contar com mais de uma via processual à sua

disposição.

Além disso, procura possibilitar dentro de um mesmo procedimento, inserir

elementos de aceleração e reforço de eficácia, visando à obtenção da mais plena tutela do

direito material da parte em conformidade com as características de cada caso.

Trata-se de tutela diferenciada que tem como preceito elementar a valorização

do moderno processo de resultados, em que se identifica que o compromisso primordial da

jurisdição é a busca da efetividade da prestação à disposição ao litigante.

Nos dizeres de Arruda Alvim, quando se vislumbrar a possibilidade de dano ou

perigo de perecimento do direito, tal situação deve ser, o quanto antes e especificamente

protegida, o que é, exatamente a hipótese do art. 461 do CPC no que diz respeito às

obrigações de fazer e não fazer. 136

O ideal da tutela diferenciada surgiu de maneira lenta e gradual, mas foi na

década de 90 que o CPC sofreu a primeira das mais importantes reformulações na matéria

relativa às tutelas diferenciadas, dentre elas a consagração das garantias da tutela específica

para as obrigações de fazer e não fazer estipuladas pelo art. 461.

Em relação às obrigações de fazer e de não fazer, importantes inovações foram

feitas pelas reformas do CPC a fim de que, no âmbito processual, seja reforçada a

135 MEDINA. Op. Cit. p. 473. 136 ARRUDA ALVIM. “Obrigações de fazer e de não fazer – Direito material e processo”. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Estudos em homenagem ao Ministro Adhemar Ferreira Maciel. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 70.

possibilidade de cabimento de execução específica, sempre que possível, como para

protegê-la por mecanismos diversos de antecipação de tutela, de coerção e de sub-rogação.

137

Desta forma, o art. 461, caput coloca em último plano a conversão do direito do

credor em perdas e danos, e dá garantia ostensiva ao seu direito de exigir em juízo o

cumprimento in natura da prestação devida ou de algo que lhe seja praticamente

equivalente.

As regras do art. 461 não vieram transformar ou modificar as regras materiais

das obrigações de fazer e não fazer, estando o grande plus da reforma alocado justamente

na facilitação e efetivação do uso da execução específica de tais obrigações.

Como dito, o art. 461 sub-alocou a conversão do direito em perdas e danos em

relação às demais hipóteses de atendimento do direito do credor, sendo utilizável a

mutação somente quando por manifesta preferência do titular do direito ou por

impossibilidade absoluta de satisfazer a obrigação em sua forma específica ou da obtenção

do resultado prático equivalente.

O mecanismo coercitivo do art. 461 do CPC deve ser utilizável sempre que sua

aplicação possibilite o alcance da eficácia pretendida, o que não afronta normas ou demais

princípios processuais que acabam tendo suas forças mitigadas ante a viabilidade e

necessidade de consumação da eficácia processual.

A intenção precípua do legislador no texto do art. 461 foi de assegurar ao

credor a possibilidade de um julgamento que lhe oferecesse, na medida do possível, a

prestação in natura, para que, ainda no âmbito do processo de conhecimento possa obter

medidas de tutela diferenciada que, diante das peculiaridades de cada caso concreto,

tivessem o condão de reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, essencialmente,

se necessário, abreviar o acesso à satisfação integral de seu direito material.

137 Idem. p. 72.

Na grande maioria das vezes, a função das medidas preconizadas pelo art. 461

do CPC será justamente a de afastar o procedimento da execução específica formal de

acordo com os arts. 632 e seguintes. Já em outras vezes, o uso das faculdades estabelecidas

no sistema em comento servirá tão somente para determinar o objeto de uma futura

execução com base nos art. 632 e seguintes e a forma de sua aplicação a posteriori.

Desta forma, é possível concluir que o processo que correr apoiado pelas regras

do art. 461 continuará a existir, devendo o juiz definir o direito da parte e assegurar-lhe, de

forma conveniente, a execução específica formal para depois da sentença, caso não

cumprida voluntariamente a obrigação determinada no título judicial.

Em relação à tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, o

ordenamento processual, através das reformas por ele sofridas, vem buscando cada vez

mais meios imperativos capazes de alcançar o resultado desejado, quer seja motivando o

obrigado a cumprir a obrigação por atos próprios através dos meios de pressão psicológica

(ou coerção) e as astreintes, quer seja substituindo sua vontade através do cumprimento

específico da obrigação por intermédio de meios sub-rogatórios que levam ao atingimento

do resultado prático equivalente.

Em suma, o referido artigo disponibiliza meios coativos ou sub-rogatórios que

podem ser aplicados pelo Estado-juiz ex officio ou a requerimento do credor, além da

imposição de outras medidas necessárias não previstas em lei que tenham o objetivo de

cumprir especificamente a obrigação inadimplida. Daí se falar em um sistema que pode ser

típico, se as providências que o compõem forem tipificadas em lei. Pode ainda ser atípico

nas hipóteses em que o juiz determinar outras medidas necessárias não tipificadas e, por

fim, pode ser misto, quando é constituído tanto por providências típicas e atípicas. 138

138 GUERRA, Marcelo Lima. “Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 305.

Cabe então neste momento, explicitar as peculiaridades de cada uma das

medidas possíveis oferecidas pelo art. 461 do CPC para viabilizar o cumprimento

específico das obrigações de fazer e não fazer.

3.2.1. As formas de tutela do art. 461 do CPC:

Pode-se considerar que os objetivos elementares do art. 461 são: a resguarda de

um direito, a prevenção de um ilícito ou a interrupção de sua prática, ao invés de

simplesmente ressarcir o mal causado. Através dos estudos do professor Luis Guilherme

Marinoni é possível extrair um elenco exemplificativo das formas de tutela fundamentais

para a proteção do direito que poderão ser prestadas pelo texto do art. 461 do CPC. 139

O rol apresentado pelo referido autor é, de forma sintetizada, o seguinte: tutela

inibitória, tutela ressarcitória específica, tutela do adimplemento da obrigação na forma

específica, tutela da remoção do ilícito e a tutela preventiva executiva, que serão

sucintamente citadas a seguir, devendo ser ressaltado que estas são apenas algumas das

técnicas disponibilizadas pelo art. 461 ao detentor de um direito que pretende vê-lo

saciado, especialmente em sua forma específica.

A primeira espécie de tutela identificada por Marinoni no art. 461 é a tutela

inibitória, que tem por fim impedir a prática, a perpetuação ou a repetição de um ilícito

objetivando a prevenção deste. A prevenção do ilícito é o fim buscado pela tutela

inibitória, sendo evidente que ela deve ocorrer antes da prática do ato que se quer repelir.

Não obstante, poderá essa modalidade de tutela ordenar um fazer ou um não fazer,

conforme seja a tutela pretendida um ato omissivo ou comissivo. Nos dizeres do referido

professor encontra-se delimitação da importância da tutela inibitória:

139 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

“... o seu objetivo é, através da ordem de um fazer ou não-fazer, que age com a finalidade de persuadir o réu ao adimplemento da obrigação, impedir a prática de um ilícito, bem como a sua continuação ou repetição, não figurando entre os seus pressupostos, porém, o dano ou mesmo a sua probabilidade”. 140

Em grande parte das vezes, o interesse maior é que o ilícito não

possa sequer surgir, ao invés de vê-lo reprimido tardiamente pela prática

simplista e ineficaz da conversão do direito pretendido em perdas e danos,

levando-se em consideração que, com freqüência, a proteção e intangibilidade

do bem da vida não coincidem com o valor econômico estipulado deste

mesmo bem.

Assim, fica latente que nestes casos, o interesse de agir não decorre

do prejuízo, mas da ameaça de prejuízo jurídico, da ameaça de lesão ou em

face de sinais inequívocos de sua incidência. 141

Frise-se também que tal modalidade de tutela poderá perfeitamente recair sobre

ilícitos já praticados, mantendo, contudo, sua finalidade preventiva nos casos em que a

tutela inibitória visar à continuação ou à repetição de um ilícito já praticado.

Por fim, fica evidenciado que a tutela inibitória não perde seu caráter

preventivo, pois seu objetivo precípuo é de não deixar que o ilícito, na iminência de ser

concretizado, ocorra, restando a conversão em perdas e danos como última hipótese, de

acordo com o § 1º do art. 461 do CPC, no caso de absoluta impossibilidade de obtenção da

tutela específica ou por opção expressa do credor.

Outra modalidade é a tutela ressarcitória específica, que se trata, na realidade,

da já citada tutela específica, pela qual a efetivação do direito ofendido deve ser dada em

sua forma específica. O fim buscado por esta modalidade de tutela é o atingimento da

140 Idem, pp. 82-89. 141 GRINOVER, Ada Pellegrini. Apud ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória na vida privada. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 100.

situação jurídica exatamente na forma preexistente antes do dano ao direito, devendo-se

restaurar a situação jurídica anterior de forma a eliminar os vestígios do dano.

Para tanto, é imprescindível a existência de uma sentença que ordene um fazer

ou um não fazer com a potencialidade de propiciar uma situação equivalente àquela

preexistente antes da ofensa ao direito.

O mesmo professor Marinoni destaca uma peculiar diferença entre a tutela

ressarcitória na forma específica e a tutela de obrigação de fazer, deixando claro que estes

artigos, ao se referirem à “ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer

ou não fazer”, não afastam a possibilidade da tutela ressarcitória que dependa de um ato

comissivo. 142

Há aí evidente alusão ao art. 461 do CPC, que além de condenar a um fazer ou

a um não fazer, ainda prescreve a possibilidade de aplicação de multa para que o

inadimplente seja compelido a cumprir a ordem judicial.

Na modalidade de tutela ressarcitória específica ora abordada, o dano já

ocorreu, e o que se busca não é o adimplemento da obrigação, mas a restauração de uma

situação jurídica modificada pela ofensa ao direito. Essa é a peculiar diferença entre essa

modalidade e a que será apresentada a seguir.

Já numa outra modalidade de tutela, a do adimplemento da obrigação na sua

forma específica, o que se busca é a efetivação de um direito inadimplido, mas ainda

intocado pelo ilícito. O que se pretende é o cumprimento específico de uma obrigação

inadimplida e que ainda não foi maculada pela prática de algum ilícito. Visa quebrar o

status de inércia do devedor, motivando-o a cumprir a obrigação devida, podendo, nestes

casos, um terceiro cumpri-la caso o devedor não o faça, arcando este com os custos

relativos ao cumprimento.

142 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade no processo e tutela antecipatória. O processo civil

contemporâneo (obra coletiva). Coord. Luiz Guilherme Marinoni. Curitiba: Juruá, 1994. p. 167.

Geralmente esta modalidade de tutela é buscada pelo titular do direito nos casos

em que “a obrigação, apesar de inadimplida, ainda pode ser cumprida, e o seu

cumprimento é de interesse do credor, podemos pensar na tutela do adimplemento da

obrigação contratual na forma específica”. 143

Outra modalidade de tutela é a da remoção do ilícito, de aplicação possível pelo

teor do art. 461 do CPC tem por fim a remoção do próprio ilícito na hipótese em que

existam atos contrários ao direito que, muito embora não tenham produzido danos, devam

ser eliminados.

Um exemplo destes casos é a construção de uma fábrica em área de preservação

ambiental, num local proibido pela legislação ambiental. Neste caso, quando é removida a

causa do dano ou do possível dano, não há tutela ressarcitória. A tutela capaz de interditar

o funcionamento de uma fábrica construída em local proibido reprime um ato contrário ao

direito. Contudo, se o funcionamento da fábrica provocou danos, não há dúvida quanto ao

cabimento da tutela ressarcitória. 144

Outra mínima diferença entre esta e as duas outras modalidades de tutela

anteriormente abordadas é que nesta, o ilícito já ocorreu, mas ainda não produziu danos

capazes de alterar a esfera jurídica de modo que devam ser ressarcidos na forma específica.

Nesta modalidade de tutela, pleiteia-se, através de uma ação para desfazimento do

ilícito, que o próprio agente do ato contrário ao direito remova o ilícito ou, ainda, que um

terceiro o faça às suas custas, podendo o juiz optar por uma das opções, ou aplicar esta

última subsidiariamente à primeira.

Uma última modalidade de tutela é distinguida pelo referido autor. É a tutela

preventiva executiva, na qual a prevenção ocorre independentemente da vontade do agente

inadimplente, através da utilização dos recursos disponíveis no art. 461 para que o autor

possa forçar o cumprimento da obrigação. 143 Idem, p. 183. 144 MARINONI, Luiz Guilherme. Questões do novo direito processual civil. Curitiba: Jaruá, 1999, p. 149.

Em outros termos, a realização do ato contrário ao direito é impedida por uma

medida judicial. E, para que seja a ordem judicial cumprida, a fim de impedir a realização

do ilícito, pode ser utilizado o uso de força policial, se preciso for. A efetividade será

alcançada se o ilícito não se repetir, fazendo ou não o uso dos meios necessários.

3.3. Breves considerações sobre as alterações no art. 461 do CPC advindas da Lei 10.444 de 07 de maio de 2002:

A redação do parágrafo quinto do art. 461 do CPC foi alterada pela Lei

10.444/2002 que, além disso, acrescentou o parágrafo sexto ao artigo. A essencial alteração

sofrida pelo parágrafo quinto do art. 461 foi que este passou então a prever a possibilidade

de imposição de multa por tempo de atraso para o cumprimento da obrigação.

Observe-se, porém, que antes da referida reforma, tal previsão de multa por tempo

de atraso já existia no CPC em alguns artigos esparsos, a exemplo do artigo 287, acerca da

possibilidade de pedido na petição inicial de cominação de pena pecuniária para o caso de

descumprimento de sentença; no artigo 644, hipótese em que a multa seria fixada por dia

de atraso ex oficio pelo juiz, caso omissa a sentença; e no artigo 465 do CPC nos casos de

multa por tempo de atraso ex officio pelo juiz já ao despachar a inicial.

Evidenciou-se que o objetivo maior do legislador foi o de prover a disponibilidade

de mais um meio do qual possa o juiz se valer para tentar atingir o cumprimento “in

natura” da obrigação.

Outra alteração sofrida pelo art. 5º do art. 461, CPC com a entrada em vigor da

referida lei reformadora foi o acréscimo de uma expressão conclusiva para que seja dada

mais efetividade às demais regras de caráter coativo. A expressão “se necessário com

requisição de força policial” veio dar maior respaldo às demais faculdades disponibilizadas

pelo referido parágrafo.

Por último, foi acrescido o parágrafo sexto ao art. 461, CPC, possibilitando ao juiz

alterar o valor ou a periodicidade da multa nos casos em que ela se tornar insuficiente ou

demasiado excessiva. Tal faculdade configura-se, na realidade, como a possibilidade legal

que tem o juiz de revisar o quantum aplicado com a finalidade maior de adequá-la à

situação fática existente e à realidade da causa, sempre com o fito principal de prover a

viabilidade do cumprimento efetivo.

Nesse sentido, Allan Helber Oliveira entende que a segunda fase de reformas,

mais especificamente pela lei em comento, possibilitou que a variação do valor da multa

tanto nas ações cognitivas, na sentença ou na tutela específica liminar, quanto na ação de

execução, dependendo da apuração, caso a caso, da insuficiência ou da onerosidade

excessiva do valor atribuído à multa. 145

3.4. Tutela específica no processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer:

Uma vez analisados de forma breve o conceito e algumas peculiaridades das

obrigações de fazer e de não fazer, bem como feitos os breves e pertinentes comentários

acerca da modificação sofrida pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos pela Lei

10.444/2002, convém efetuar uma exposição acerca das vias através das quais se é possível

levar a efeito a execução forçada dessas obrigações.

Remonta-se aqui a noção de tutela jurisdicional para solucionar conflitos não

resolvidos na esfera privada entre dois ou mais sujeitos. Já explanadas tais considerações,

inclusive no que tange ao processo de execução, desnecessário é aprofundar os

comentários acerca dos efeitos da inadimplência de uma obrigação.

Exposta ainda a problemática que envolve a eficácia das sentenças, deve ser

lembrado que a simples declaração judicial de um direito nem sempre produz os efeitos

145 OLIVEIRA, Allan Helber. A Segunda reforma do CPC. 1ª ed. São Paulo: Mandamentos, 2002, p. 122.

pretendidos pelo seu credor, sendo necessária uma condenação; um mandamus ou a

produção de um efeito capaz de impulsionar a efetivação da ordem judicial pronunciada

pela decisão a ser executada, motivo pelo qual se recorrerá ao processo de execução caso

inadimplida.

Cumpre primeiro identificar e conceituar a noção de execução específica. Em

apertada síntese, execução específica seria aquela cujo objetivo reside em obter por esta via

exatamente o cumprimento da mesma obrigação ignorada pelo devedor e contida no título

executivo, tratando assim de satisfazer o interesse concreto perseguido pelo credor.

Distingue-se da noção de execução genérica ou substitutiva, que tem a finalidade de atingir

uma obtenção em dinheiro do valor equivalente à obrigação devida, que seria

satisfatoriamente substituída.

Para que não haja confusão ou qualquer outro fato impeditivo da plena

efetivação da obrigação através do processo de execução, os termos e condições para seu

cumprimento deverão ser estritamente detalhados no título executivo.

Nessa esteira, Carreira Alvim faz importante distinção entre a hipótese do art.

461 e as hipóteses do art. 632, que rege à execução das obrigações de fazer e do art. 642,

relativo à execução das obrigações de não fazer, porque estas últimas hipóteses prescindem

de um título executivo formal, seja ele judicial ou extrajudicial, na forma do art. 583, uma

vez que estão alocadas no Livro II do CPC. No sistema do art. 461 a exigência do título

executivo é dispensada, pois a obrigação poderá ser resultante de convenção, escrita ou

verbal, ou até mesmo legal, dispensando o formalismo do título. 146

Há de se distinguir, então, a diferença entre a ação para cumprimento de

obrigação de fazer e de não fazer (art. 461) e a execução de obrigações de fazer e de não

fazer. As ações para cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer são tipicamente

consideradas ações de preceito. Pode o juiz na medida antecipatória liminar ou na

146 CARREIRA ALVIM. Op. Cit., p. 45.

sentença, impor multa diária ao réu, ex officio, bastando que seja ela compatível com a

obrigação inadimplida, na forma do que prescreve o art. 461, §4º do CPC.

Essa é justamente uma das características da execução (significando

cumprimento) dessas obrigações, na qual o legislador procura atuar incisivamente sobre a

vontade do devedor para que dele se obtenha o cumprimento in natura da obrigação.

Assim, as ações do art. 461 se distinguem das ações dos artigos 632 a 645, e dos artigos

466-B; 466-C e 466-A, atual alocação dos artigos 369 a 641 revogados pela Lei 11.232 de

22.12.2005.

A confusão causada pelo emprego desvairado do termo “execução” para se

referir tanto ao processo de execução quanto ao cumprimento da obrigação em fase

cognitiva deve ser amenizada. Nota-se que os autores se referem à “execução específica”

ora para se referir à tutela específica (imediata, ou cumprimento da obrigação) do art. 461

do CPC, ora para se referir ao processo de execução formal na ritualística do Livro II do

CPC.

A título de demonstração, cite-se o exemplo de Humberto Theodoro Júnior, que

entende ser a execução específica o processo de execução forçada que invade o campo

patrimonial do devedor na busca pela exata devolução ao credor do mesmo bem que,

segundo a obrigação contraída, deveria ter-lhe sido entregue ou restituído por meio do

cumprimento voluntário da prestação devida. Pode também ser denominada como

execução in natura. Diverge da execução substitutiva, uma vez que esta se funda na

responsabilidade patrimonial genérica do devedor, podendo ele ser expropriado de seus

bens para satisfazer o direito do credor, transformando-os em dinheiro suficiente para

indenizar a parte pelo equivalente à prestação devida. 147

147 THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer”. In Revista de

Processo. Ano 27. nº. 105. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, janeiro-março de 2002. p. 15.

Voltando-se a uma análise macroscópica do processo de execução, o Código de

Processo Civil distingue duas espécies executivas diferenciadas entre si: é a execução

formal ou tradicional se distinguindo da execução imediata.

A execução tradicional é aquela que se realiza mediante um processo judicial

formalmente instaurado pelo ajuizamento de uma petição inicial do exeqüente, com a

posterior citação do executado e suas fases organizadamente estruturadas, e assim por

diante, como no exemplo da execução por quantia certa. Já a execução imediata seria

aquela que se faz em continuidade ao procedimento cognitivo, sem a necessidade de

maiores formalidades e rigores, como o exigido no processo de execução tradicional. É

imediata a execução que possibilita a conjugação dos meios de coação psicológica com os

meios de sub-rogação. Os meios de coação psicológica são aqueles que consistem em

modos de persuadir o devedor a adimplir a obrigação por atos próprios. Já os meios de sub-

rogação são os artifícios de que o Estado-juiz se utiliza para procurar satisfazer o credor

em sua pretensão ao bem, nesse caso, prescindindo da vontade do devedor. 148

Por tais motivos, convencionou-se na doutrina aplicar a denominação tutela

específica para esse sistema peculiar oferecido pelos arts. 461 e 461-A do CPC, que visam

proporcionar ao credor o direito a que faz jus, com a obtenção do resultado por ele

esperado ou o mais próximo disso possível, disponibilizando uma série se opções

destinadas a impulsionar o cumprimento voluntário. Procura forçar o devedor para que

cumpra voluntariamente a obrigação na exata medida daquilo a que o credor tem direito.

Execução específica. É assim denominada a execução que consiste na

restauração direta do interesse sacrificado, mediante oferta ao titular de um direito, da

exata situação que o obrigado deveria haver produzido e não produziu, ou que o obrigado

alterou sem ter o direito de alterá-la, ou mesmo impediu que se produzisse quando deveria

148 DINAMARCO. Instituições, v. IV. Op. Cit. p. 406.

ser permitido. Tem por objetivo restaurar direta e especificamente o próprio direito

sacrificado ou transgredido pelo obrigado. 149

A terminologia execução específica aplica-se tanto ao sistema dos arts. 461 e

461-A do CPC, que independem de instauração de um processo de execução formal,

quanto ao momento posterior para executar essas mesmas obrigações quando inadimplidas

naquela fase sistemática do referido artigo, caso em que seria necessária a instauração

formal do processo de execução mediante a apresentação de uma petição inicial.

Torna-se oportuno diferenciar as execuções específicas possíveis. Considera-se

execução específica imediata aquela proporcionada pelo sistema do art. 461 e 461-A do

CPC, sendo aqui o termo “execução” sinônimo de “cumprimento” e se dá em momento

anterior à instauração formal de um processo de execução. E execução específica formal é

considerada aquela que se dá mediante a formalização e distribuição de um processo

autônomo, através de apresentação petição inicial de execução forçada que tem por objeto

a efetivação de uma obrigação que não foi adimplida de forma específica.

No entanto, deverão ser ressalvadas as observações já feitas acerca do

sincretismo dos processos de conhecimento e de execução trazido pela entrada em vigor da

Lei 11.232/2005 no que tange à execução dos títulos executivos judiciais.

Em termos genéricos, tem-se a execução específica (no sentido de cumprimento

específico da obrigação) sempre que realizada com o objetivo de propiciar ao titular do

direito o preciso bem a que ele tiver direito, independentemente de se processar em

continuação ao processo de conhecimento ou mediante a instauração de um processo

executivo formal autônomo. O que caracteriza a execução específica, genericamente, não é

a imediatidade inerente ao sistema do art. 461, mas a especificidade do resultado a obter.

Há que se fixar tal noção a fim de evitar maiores confusões.

149 MANDRIOLI, Cristiano. Corso di diritto processuale civile. 9ª. ed. Torino: Giappichelli, 1993, p. 15.

É pacífico na doutrina que, tanto como referência ao sistema do art. 461 quanto

do processo de execução formal do Livro II, que a execução específica tem por objetivo a

restauração da situação jurídica violada ao seu status quo ante, ou a obtenção de seu

equivalente mais próximo possível. Tal fenômeno é viabilizado através de uma atividade

direta, uma restauração que outorga ao credor o bem da vida a que tem direito, como se a

obrigação tivesse sido satisfeita de forma voluntária, na forma pactuada ou imposta na

sentença.

O sistema processual civil brasileiro admite que a execução específica formal

das obrigações positivas de fazer e negativas de não fazer se fundem tanto nos títulos

executivos judiciais quanto em títulos executivos extrajudiciais. No estudo em questão, a

análise se dará com ênfase na execução específica das obrigações de fazer e de não fazer

oriundas de títulos executivos judiciais.

As obrigações de dar - subgênero das obrigações específicas - descritas no art.

461-A, não serão objeto de análise, podendo ser, uma vez ou outra, apenas citadas

exemplificativamente, por pertencerem ao mesmo gênero obrigacional que as obrigações

de fazer e de não fazer, estas sim representando o foco temático de estudo.

Já no enfoque das execuções específicas formais, é certo que as ações dos arts.

632 e seguintes aliados ao disposto nos arts. 466-A, 466-B e 466-C do CPC podem ser

intentadas tanto com base em título executivo judicial ou extrajudicial, uma vez que dizem

respeito ao processo de execução específico formal das obrigações de fazer e de não fazer,

e não à ação para cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer.

Para que se possa alcançar o resultado pretendido no processo de execução

específico formal das obrigações de fazer e de não fazer devem ser se utilizados

preliminarmente todos os meios colocados à disposição pelo art. 461, além das demais

hipóteses legalmente previstas nos arts. 632 e seguintes do CPC. É o que prescreve o art.

644 do CPC, redação dada pela Lei reformadora nº. 10.444 de 7.05.2002.

Esse é o principal liame teórico, processual e prático existente entre ambos os

procedimentos, o que acaba por gerar a citada confusão no uso do termo “execução

específica”, problema este que deve ser superado através do correto entendimento da

solução apresentada pelo art. 644 do CPC.

As obrigações de fazer e de não fazer são as que mais dependem da vontade do

devedor para que sejam cumpridas de forma integral, específica e satisfatória, pois o

preceito contido no art. 461, caput do CPC no sentido de autorizar o juiz a impor medida

capaz de produzir o mesmo resultado prático que o adimplemento voluntário teria

cumprido constitui uma remoldagem do sistema dos meios executivos (art. 461, CPC), ao

concentrar a atenção no resultado a obter, preferindo este às atividades a que o sujeito

estava obrigado a produzir.

A reforma processual relativa às obrigações de fazer e de não fazer adequou o

CPC na esfera do raciocínio processual tão buscado pelos sistemas contemporâneos, que é

o da busca por um processo civil efetivo, um processo civil de resultados.

Assim, deve ser frisado que o uso dos meios disponibilizados pelo art. 461 do

CPC deverá ser efetivado também ao tramitar processo de execução específica formal das

obrigações de fazer e de não fazer na sistemática do art. 632 e seguintes do mesmo

diploma.

Como já sabido, o art. 461 abriu caminho para o reconhecimento de que

existem no sistema processual dois sistemas executivos, ou duas espécies de execução. O

primeiro deles é o sistema da execução forçada regida pelo Livro II do CPC, sendo

composta por meios de sub-rogação que dispensam qualquer concurso da vontade do

devedor. O segundo sistema é o da execução por coerção, que consiste na pressão

psicológica do devedor para que sua vontade de cumprir a obrigação seja impulsionada.

Desta forma, antes de tecer especificamente os comentários acerca dos meios

executivos disponibilizados pelo sistema do art. 461 do CPC, há de se ressaltar a

subsidiariedade da aplicação do sistema do art. 632 e ss. do CPC, porque a instituição do

sistema da execução específica regido pelo art. 461 e seus parágrafos, legou ao processo

autônomo (ou formal) de execução específica por obrigações de fazer e de não fazer uma

esfera de aplicabilidade bastante restrita.

Após as subseqüentes reformas advindas da Lei nº. 8.952/94; Lei nº. 10.444 de

2002 e Lei nº. 11.232 de 2005, o processo de execução autônomo ficou limitado a poucas

espécies de execução. A primeira delas diz respeito à execução de obrigação consagrada

em sentença penal condenatória transitada em julgado, na forma do que dispõe o art. 475-

N, II do CPC. A segunda pertine à sentença arbitral (CPC, art. 475-N, IV). A terceira

espécie de execução autônoma possível é a de sentença estrangeira, de acordo com o art.

475-N, VI, CPC. A quarta execução autônoma possível é a do formal e certidão de partilha

(art. 475-N, VII, CPC) e a última é a execução de títulos executivos extrajudiciais.

Então, para esses casos é cabível aplicar o disciplinado pelo tradicional (formal

ou autônomo) processo de execução de obrigações de fazer e não fazer do art. 632 e ss. do

CPC. Esse é o teor da regra estipulada pelo art. 644 e da subsidiariedade nele contida. 150

As demais espécies de direitos deverão ser executadas em uma nova fase

procedimental subseqüente no mesmo processo que os reconheceu através de sentença

judicial cível, a exemplo do já citado art. 461, que trata das obrigações de fazer e não-fazer,

bem como a obrigação de entregar coisa (art. 461-A) e pagar quantia certa (art. 475-I). É o

que se depreende da leitura do art. 475-N, incisos I, III e V, estabelecidos pela Lei nº.

11.232 de 2005.

Dinamarco denomina esse novo processo como sincrético, a fim de identificar

as ações cognitivas que se transmutam em execução direta dos direitos reconhecidos na

150 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 267-268.

fase de cognição, independentemente de outro processo autônomo. Um processo que

possui funções cognitiva e executiva, que declara e satisfaz o direito. 151

Foi adotado o princípio do sincretismo entre a fase de cognição e a executiva.

Ressalte-se, porém, que o princípio da autonomia só foi ultrapassado no que tange aos

títulos executivos judiciais, que a partir da Lei 11.232 de 2005, deverão ser executados em

nova fase procedimental do mesmo processo. Há quem alegue que deve a autonomia do

processo de execução coexistir com o princípio do sincretismo, que visou dar maior

efetividade e maior alcance à economia e à celeridade processual, ressaltando que essa

colocação é anterior à entrada em vigor da Lei 11.232/2005. 152

A questão conflitante a respeito da coexistência entre o sincretismo e autonomia

diz respeito à execução por título judicial, e já foi anteriormente abordada no que ficou

disposto sobre os princípios da execução, sendo oportuno neste ponto tratar dos meios

executivos disponibilizados pelo sistema do art. 461 do CPC.

151 DINAMARCO. Cândido Rangel. Execução Civil. 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 138-139. 152 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 9ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 860.

CAPÍTULO IV

MEDIDAS EXECUTIVAS PARA EFETIVAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER

Devido à peculiaridade de dependerem da vontade do executado, a efetivação

dos direitos relativos às obrigações de fazer e de não fazer, o art. 461 do CPC previu uma

série de medidas possíveis e necessárias à efetivação da tutela específica.

O texto do art. 461 do CPC ampliou a discricionariedade judicial na condução

do procedimento executório, permitindo maior flexibilidade à atuação jurisdicional na

tutela das obrigações de fazer e de não fazer. Todavia, muito embora exista essa amplitude

da possibilidade de escolha entre os meios disponíveis para atender a um caso em concreto,

a opção por uma delas está adstrita à legalidade dos instrumentos escolhidos, devendo

moldar-se também à adequação e à necessidade em face da situação jurídica fática, não

podendo ser arbitrária. 153

As medidas executivas são consideradas aquelas que tendem a produzir

resultados práticos, correspondentes ao objetivo da tutela jurisdicional. Na clássica

definição de Giuseppe Chiovenda, os meios executivos podem ser entendidos como “as

medidas que a lei permite aos órgãos jurisdicionais pôr em prática para o fim de obter,

153 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 284.

praticamente o bem a que tem direito”, e podem ser divididos em meios de coação e meios

de sub-rogação. 154

Em sintetizadas colocações iniciais, a fim de oferecer uma noção prévia, com o

emprego dos meios executivos de coação, o que se busca é a efetivação do direito

reclamado com a participação do obrigado. Nos meios executivos de sub-rogação, a

prestação jurisdicional é obtida independentemente da participação do obrigado.

No primeiro caso, levando-se em consideração a natureza da obrigação

executada, a atividade jurisdicional implica a persuasão do obrigado, de forma a compeli-

lo ao cumprimento pessoal da obrigação. Na outra hipótese de meio executivo, a sub-

rogação, a medida é essencialmente substitutiva da atividade do obrigado, a envolver

atividades promovidas pelo juízo para obter o cumprimento da obrigação. Nesse último

caso, de acordo com as lições de Dinamarco, “estando presentes os requisitos impostos

pela lei, o Estado-juiz substituir-se-á ao obrigado”. 155

Desta forma, pelo fato de a tutela das obrigações de fazer e de não fazer ser

efetivada in personam, sua execução específica deverá valer-se dos meios de coerção ou de

sub-rogação, sempre de acordo com a necessidade ou conveniência da participação do

devedor na realização da providência satisfativa objeto da execução.

Tem-se então uma classificação das medidas executivas em coativas ou

coercitivas e sub-rogatórias ou substitutivas. Antes de comentar especificamente acerca de

cada uma delas, note-se por fim que a execução das obrigações de fazer e de não fazer

requer a combinação de medidas de diferentes espécies, mais comumente nos casos mais

complexos, por isso a amplitude dos meios colocados à disposição pelo legislador.

4.1. Meios de coerção:

154 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1942, pp. 402-403. 155 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 103-106.

Sob a influência das idéias do comptempt of court americano, o legislador

brasileiro tratou de prever medidas executivas de coerção a fim de servirem de elemento

central para efetividade dos mandamentos judiciais, requisito fundamental para tutela

jurisdicional das obrigações de fazer e de não fazer. 156

De forma sintetizada e superficial, o sistema do comptempt of court consiste na

aplicação de sanção ao agente que desobedece a uma ordem judicial. Pode consistir, ainda,

na imposição de medidas coercitivas para garantir o cumprimento da obrigação que fora

determinada, podendo ser aplicada até que se cumpra a ordem judicial.

Acerca da origem do instituto do comtempt of court, Joel Dias Figueira Júnior

entende ser remota, e não moderna, como alguns entendem. Diz que não é de origem

anglo-americana, mas sim romana, a qual deixou de ser preservada em razão da forte

influência do direito francês, mais fortemente durante o movimento liberal do século

XVIII. 157

Sobre o instituto, também acrescenta José Rogério Cruz e Tucci que a

expressão comptempt of court refere-se, em termos gerais, à recusa em cumprir a ordem

emanada de uma corte de justiça, e, em conseqüência desse comportamento contrário à

efetivação da ordem, o obrigado ao seu cumprimento poderá sofrer sanções de cunho

pecuniário ou mesmo sanção restritiva de liberdade, de acordo com a gravidade do

comptempt, sempre com o intuito de forçar o obrigado a cumprir a determinação judicial.

158

René David completa o entendimento acerca do instituto ao citar que:

Àquele, de má-fé ou por má vontade, não executa uma decisão da Corte torna-se culpado por contumácia e, como sanção, corre o risco de ser preso. O comptempt of court aumenta o prestígio das Cortes superiores e contribui,

156 SALLES, Op. Cit., pp. 286-287. 157 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à novíssima reforma do CPC. Lei 10.444, de 07 de maio

de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 77. 158 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lineamentos da nova reforma do CPC, Leis 10.352 e 10.358. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17.

desta maneira, para consolidar fortemente na Inglaterra a idéia de que existe de fato um poder judiciário. 159

Foi nesse espírito que o legislador brasileiro procurou se aproximar da

sistemática processual americana nesse ponto, em especial como se nota na redação do art.

461 do CPC, o qual permite ao juiz a adoção de medidas necessárias para o cumprimento

da obrigação de fazer ou para obter o resultado prático equivalente. Outro exemplo, fora da

esfera processual civil, que poderia ser citado como influência do instituto do comtempt of

court no Brasil é a previsão da punição criminal estipulada pelo art. 330 do Código Penal

nos casos de desobediência à ordem judicial.

Muito embora a punição criminal estipulada pelo art. 330 do Código Penal não

seja dirigida contra o inadimplemento da obrigação discutida no juízo cível, é

perfeitamente visível sua influência simbólica na confirmação da autoridade judicial,

acabando por produzir inegáveis efeitos persuasórios na esfera da jurisdição cível, podendo

ser considerada como uma forma de coerção indireta, uma vez que não se dirige a compelir

ao cumprimento da ordem judicial emitida na jurisdição cível, mas objetiva punir sua

desobediência, configurando-se como figura adicional para a persuasão do executado à

efetivação da obrigação devida. 160

Entretanto, o processualista Leonardo Greco diverge dessa possibilidade de se

aceitar a ameaça de punição criminal como medida de coerção indireta, embora na prática

seja mais efetiva do que qualquer outro meio coativo. Considera não ser cabível tal

providência por falta de previsão legal no diploma processual civil; além disso, destaca a

inexistência de qualquer vínculo de subordinação entre o credor e o devedor, sendo que

159 DAVID, René. Le droit anglais. Presses Universitaries de France, 1987. Tradução de Eduardo Brandão, O direito inglês, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 19. 160 SALLES, Op. Cit., p. 288.

não constitui desobediência o fato de o devedor deixar de submeter-se voluntariamente ao

interesse daquele. 161

Embora concordando com o fato de inexistir qualquer relação de hierarquia ou

subordinação entre as figuras do devedor e credor, ouse-se aqui emendar o entendimento

acima no sentido de ser visível o fato de que a desobediência não se caracterizaria pela

negativa do devedor em se sujeitar à satisfação do interesse do credor, mas no fato de o

devedor desrespeitar um mandamus emanado por um juiz investido do poder jurisdicional,

sujeitando-se desta forma, também à referida norma penal que, ressalte-se, não faz

qualquer restrição ao seu campo de aplicabilidade, seja na esfera processual, civil ou

criminal.

O tema é alvo de discussão acirrada, sendo o próprio STJ vacilante a respeito,

entendendo por vezes ser possível a prisão por descumprimento de ordem judicial, ora

entendendo ser tal medida ilegal. Acatando a legalidade da prisão, cite-se o acórdão a

seguir:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, PELO PRESIDENTE DO IPERGS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. APLICABILIDADE DA LEI N.º 9.099/95. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário

da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de

cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia. Precedente

da Turma.

Cuidando-se de delito de menor potencial ofensivo, aplicam-se os ditames da Lei dos Juizados Especiais, inclusive o parágrafo único do art. 69 da Lei n.º 9.099/95, que veda a prisão em flagrante nos casos em que o agente, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (d.n.). 162

161 GRECO, Leonardo. “Tutela Jurisdicional Específica”. In Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes, Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 523. 162 BRASIL, STJ, REsp. 442.035/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, julgado em 02.09.2003, pub. DJ 29.09.2003 p. 309.

Em outro entendimento, a mesma Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça decidiu no sentido de conceder a ordem de habeas corpus, entendendo ser tal

espécie de prisão eivada de ilegalidade:

HABEAS CORPUS. DETERMINAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE PARA O CASO DE DESOBEDIÊNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL RELATIVA À RESTITUIÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM FUNDOS DE INVESTIMENTOS. JUÍZO CÍVEL. INADMISSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A decisão proferida por Juízo Cível, no sentido de que se efetue a prisão em flagrante da pessoa responsável pela agência bancária, caso ainda persista o descumprimento da determinação judicial relativa à restituição de valores depositados em fundos de investimentos, por crime de desobediência, constitui constrangimento ilegal. 2. Essa modalidade prisional – prisão em flagrante – é incompatível com a prévia determinação por escrito da autoridade judicial. Inteligência dos arts. 301 e 304 do CPP e art. 5º, inc. LXII, da CF. 3. Embora compreensível a vontade do magistrado, no exercício da jurisdição cível, de querer ver satisfeita em sua plenitude a prestação jurisdicional, a ameaça efetiva de prisão, quando não se tratar das hipóteses de depositário infiel e devedor de alimentos, configura ilegalidade, por ausência de previsão legal. 4. Ordem concedida. 163

A par dessa discussão que foi apenas aventada, volte-se novamente à análise

das medidas de coerção expressamente previstas pelo CPC.

Há de se frisar que a fixação e a aplicação das medidas de coerção ocorrem no

próprio juízo em que tramita o processo no qual se deu seu descumprimento, baseando-se

em diferenciadas espécies de sanção, sendo a mais comum delas a fixação e aplicação de

multa pecuniária.

4.1.1. A multa:

É a forma mais usual de coerção direta prevista no CPC, e se encontra tipificada

nos seus artigos 287 e 461, § 4º e 644, passando, após as subseqüentes reformas a ser

consideradas medidas instrumentais de exercício da jurisdição, podendo ser fixada ex

163 BRASIL, STJ, HC 42.896/TO, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 28.06.2005, pub. DJ 22.08.2005 p. 323.

officio e até mesmo de forma prévia na sentença, tamanha a relevância que lhe fora

conferida pelo legislador na busca da efetividade do processo.

Por ser a multa pecuniária uma medida coercitiva de aplicabilidade e

constitucionalmente plenamente viáveis, sem dúvida foi a preferida pelo CPC brasileiro, a

fim de estimular, impulsionar e coagir o agente devedor a adimplir a obrigação a que fora

condenado.

A multa foi prevista nos artigos 287, 644 e 645 para estimular o cumprimento, e

também, a contrario sensu, desestimular o inadimplemento da decisão. Foi também, da

mesma forma, preferida pela reforma processual trazida pela lei 8.952/1994 ao art. 461

que, em seu §4º, faculta ao juiz, na medida liminar ou na sentença, impor multa diária ao

vencido ex officio, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo

razoável para satisfazer a conduta a que fora obrigado a adimplir.

Só no sistema do art. 461, a multa é prevista em quatro hipóteses, no sentido de

que deve ser imposta no caso de inadimplemento da obrigação específica. A primeira

previsão é a do §2º do art. 461 ao estabelecer a regra da possibilidade de cumulação da

multa com possíveis perdas e danos; outra situação é prevista no §4º do mesmo dispositivo,

ao autorizar ao juiz a impô-la e estabelecer normas para sua aplicação. Uma terceira

previsão no mesmo artigo encontra-se no seu parágrafo quinto ao ratificar o poder do juiz

em fixar a multa por tempo de atraso (astreintes). A última referência a respeito da multa

no art. 461 encontra-se no §6º no que tange à possibilidade que tem o juiz de alterar a

periodicidade ou o valor das multas.

Verifica-se então que o legislador pátrio adotou essa modalidade de medida

coercitiva, dando amplas possibilidades de ser ela aplicada, como forma mais eficaz de

coerção ao cumprimento da determinação judicial e satisfação do direito do credor.

Essa medida coercitiva no Brasil tem suas principais origens na construção

jurisprudencial francesa acerca das astreintes, termo francês do verbo astreinde, do qual

procede do latim astringo, composto de ad y stringo, que significa apertar, pressionar,

obrigar. Criou-se, pela jurisprudência francesa, uma nova via processual de coação

assentada no poder de comandar dos juízes e no imperium. 164

Dessa explicação pode-se entender o seu conceito. Na visão da autora

espanhola Chantal Català Comas, a astreinte, ou no sistema brasileiro multa pecuniária, “é

uma medida cominatória imposta pelo julgador a um sujeito para forçar-lhe o cumprimento

da atividade ordenada na resolução judicial”. 165

Em outras palavras, pode ser considerada como uma condenação ao pagamento

de determinado valor em dinheiro por dia ou por período de atraso. O transcurso do tempo

sem que se produza o cumprimento in natura seja obtido ou a ameaça de descumprimento

do preceito no prazo estipulado justificam sua imposição pelo juiz.

Ressalte-se, por oportuno, que a multa consiste numa sanção processual

imposta como meio de pressão psicológica destinado a ultrapassar a resistência do

obrigado para que ele cumpra o preceito. Registre-se também que o termo preceito é

utilizado para definir a indicação da conduta a ser observada. 166

Dessas noções basilares extrai-se o conceito da astreinte. Na lição de Leonardo

José Carneiro da Cunha, a astreinte “consiste em meio coercitivo, direcionado a forçar o

cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer pela parte demandada”. Todavia, esse é

um conceito que deve ser completado pelas noções a seguir que envolvem as

características peculiares dessa medida. 167

Em síntese, a multa pecuniária se presta a atuar sobre a vontade do devedor

para incitá-lo a cumprir o preceito por ele devido e do qual se esquiva a adimplir. Dessa

164 CATALÀ COMAS, Chantal. Ejecución de condenas de hacer y no hacer. Barcelona: Jose Maria Bosch Editor, 1998, p. 112-115. 165 Idem, p. 113. 166 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tutela Específica das Obrigações de Fazer, Não Fazer e Entregar

Coisa. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 91-96. 167 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. “Ausência de limitação ao valor da multa prevista no art. 461, §4º do CPC”. In Repertório IOB de Jusriprudência. nºs 16/2000, 3/17100, 2ª quinzena de agosto de 2000, São Paulo: IOB, 2000, p. 345.

forma, deve revelar-se idônea para atingir tal objetivo, pois, de forma contrária, não

produziria qualquer efeito prático, “atuaria no vazio”. 168

Não deve ser aplicada pelo juiz caso sua força coercitiva seja inofensiva ao

devedor, pelo qual o art. 641 disponibiliza ao juiz outras medidas necessárias no parágrafo

5ª do mesmo art. 461 do CPC, ampliando ao abstrato as medidas possíveis de serem

adotadas, porém, essas outras medidas sofrerão análise pormenorizada em momento

adequado.

Carreira Alvim observa com muita propriedade que, embora aparentemente a

multa vise à realização do direito do credor, é, essencialmente, meio de obtenção do

cumprimento do mandado judicial, uma vez que não resulta do atraso do cumprimento da

obrigação, mas da obediência ao mandamus judicial. Em suas palavras, “funciona como

um castigo por uma desobediência e não a reparar um prejuízo”. 169

Talvez, por esse enfoque, outros autores relacionem a multa ao instituto

supracitado do comptempt of court. 170 Mas essa não é a condição elementar que deve ser

abordada, pois servirá tão somente como subsídios para identificação da natureza jurídica

da medida coercitiva em comento, a multa.

Antes, porém devem ser levantadas algumas de suas principais características,

que numa visão geral e ampla, podem ser identificadas de acordo com a análise de seus

elementos peculiares. 171

A primeira das características é que se trata de uma medida coercitiva de cunho

eminentemente econômico ou patrimonial. A segunda característica é que a multa deve ser

aplicada para se conseguir o cumprimento da decisão judicial que condena o obrigado a

cumprir o preceito. A terceira característica é que, pela identificação do sujeito ativo da

168 CARREIRA ALVIM, Tutela Específica, Op. Cit., p. 96. 169 Idem, p. 96. 170 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade. Op. Cit. pp. 19-65. 171 PARDO IRANZO, Virginia. Ejecución de sentencias por obligaciones de hacer y de no hacer. Valencia: tirant lo blanch, 2001, pp. 133-136.

multa como sendo o órgão jurisdicional, quer seja representado por um juiz ou por um

órgão colegiado, trata-se de uma medida que tem caráter judicial. Uma outra importante

característica é a discricionariedade do juiz limitada tão somente em relação ao quantum

aplicado, e não em relação à oportunidade ou à adequação de sua aplicação, que deve ser

justificada, como já citado. Outra característica é sua cominatoriedade, uma vez que

consiste numa ameaça de agravamento da condição econômica do devedor, motivando-o a

cumprir o não cumprido, uma vez que essa seria a opção menos gravosa. A acessoriedade

também é característica da multa porque deve servir de acessório a uma decisão judicial

que deve ser cumprida. 172

Para que seja aplicada, a multa deve impulsionar o cumprimento de uma

obrigação possível, já que não se justifica sua manutenção caso seja impossível o

cumprimento da obrigação ou, já tendo sido aplicada, deve ser revogada, pois perdeu seu

sentido de existir. Daí também se extrai outra característica: a de vincular-se a uma

obrigação possível de ser cumprida. Sua aplicabilidade ex officio, independentemente de

requerimento da parte é outro elemento caracterizador da multa. 173

Neste ponto em especial, registre-se que a possibilidade de aplicação ex officio

da multa justifica-se pelo fato de ser matéria de ordem pública a obediência a uma decisão

judicial, muito além do mero interesse do credor na satisfação de seu direito. Essa é uma

posição que não pode ser desconsiderada e que relaciona sim, de forma íntima, a multa (ou

astreinte) ao instituto do comptempt of court.

Voltando às características peculiares da multa, tem-se a possibilidade de

modificação do valor fixado, característica esta que será abordada de forma mais completa

adiante. Por fim, característica relevante que a distingue de outras multas tipificadas no

processo é que as astreintes do sistema do art. 461 são revertidas em benefício do credor,

ingressando a quantia obtida no patrimônio da parte prejudicada, mas não há que se 172 Idem, pp. 134-135. 173 Idem, p. 136.

confundir com a indenização (que também será abordada a seguir) ou com a multa

cominada ao sujeito que deixar de cumprir ou embaraçar o cumprimento de decisões

judiciárias (art. 14 do CPC, inc. V e § único), pois esta tem caráter puramente repressivo e

reverte-se sempre ao Estado, que teve a jurisdição atentada pelos atos de embaraço e de

descumprimento.

Fixadas essas características, e, por meio de um ajuste interpretativo de cada

uma delas num conjunto único, torna-se menos árdua a tarefa de identificar a natureza

jurídica da astreinte como sendo uma medida processual coercitiva indireta e patrimonial

de execução.

Da mesma forma, Eduardo Talamini define a natureza jurídica da multa do art.

461 como medida indutiva negativa (coercitiva). É meio de processual coercitivo de

execução indireta. 174

Identificada a natureza jurídica e conceituada a multa do art. 461 do CPC,

cumpre agora inclinar os comentários para o campo das hipóteses possíveis para sua

aplicabilidade. A expressão “poderá” na redação do §4º do CPC não significa a descrição

de uma faculdade do juiz, mas serve para identificar e limitar as hipóteses de seu

cabimento. Na realidade, a multa deve ser aplicada sempre que necessário para o

“adequado desempenho das tarefas que a função jurisdicional lhe impõe”, estando

presentes os elementos que a justificam. 175

Nesse sentido, toda vez que ficar evidenciada sua utilidade, a multa deverá ser

cominada a fim de influenciar a vontade do obrigado, sempre que for adequada in casu,

verificada sua suficiência e sua compatibilidade com a obrigação.

A multa pode ser aplicada de forma fixa ou de periodicidade definida, podendo

ser diária ou com base em outra lacuna temporária que se amolde melhor ao caso concreto.

174 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de

entrega de coisa (CPC, arts. 461ª 461-A, CDC, art. 84). 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 240. 175 Idem, p. 241.

A multa cominada de forma fixa é aplicável nas hipóteses em que se faz necessária sua

definição em caráter preventivo, e incidirá somente uma vez, se e quando houver a

violação ao preceito, a exemplo das obrigações de não fazer cuja violação produza efeito

instantâneo. Exemplifique-se o caso da iminente realização de reformas para modernizar a

fachada de um imóvel tombado historicamente, onde a realização da obra produzirá efeitos

imediatos e, possivelmente irreversíveis, procura-se cominar de forma fixa e preventiva a

multa nesses casos.

Também pode ser aplicada a multa periódica (ou diária) nos casos em que,

cominada a multa de forma preventiva e fixa, a violação tenha caráter continuado.

Como dito, deve restar confirmada também a possibilidade de ser fixada com

base em outro período de tempo, que não a periodicidade diária, se esta outra forma melhor

atender os anseios do mandamus em relação à efetividade da prestação jurisdicional dado o

caso concreto. A periodicidade diária pode ser tanto majorada para semanas, quinzenas,

meses quanto minoradas para horas, minutos, dada a urgência da situação. O caso em

concreto e o bom senso do julgador, pautado pela razoabilidade são os fatores que

determinarão a ampliação ou redução da periodicidade da aplicação da multa.

Um ponto peculiar que merece destaque dentre os outros é a questão da

inexistência de limites para o valor da multa.

No que se refere à suficiência e compatibilidade da multa com a obrigação, o

legislador ofereceu parâmetros ao juiz não só para definir as hipóteses de cabimento da

multa, mas também para estipular o cálculo do valor a ser aplicado. Todavia, frise-se que

não se trata de limitação do valor da multa ao valor da obrigação, tampouco aos danos

decorrentes da violação.

Então, não existe limite máximo ou mínimo para a fixação do valor da multa.

Não existe na lei processual qualquer dispositivo nesse sentido, tanto que o parágrafo

segundo do art. 461 possibilita a cumulação da multa com as perdas e danos, dando à multa

uma esfera de aplicação autônoma e restrita tão somente ao que dispõe o art. 461 e seus

parágrafos.

O juiz, portanto, deve pautar-se pela razoabilidade, fixando-a num valor capaz

de influenciar o comportamento do demandado, levando em consideração, dentre outros

fatores, as peculiaridades do caso em concreto, a situação econômica do obrigado, o grau

de sua resistência ao cumprimento da obrigação, as possíveis vantagens por ele obtidas

com o descumprimento e outras mais, podendo ultrapassar o valor do próprio bem jurídico

pretendido.

Em suma, a multa deve se configurar medida mais gravosa e prejudicial ao

obrigado inadimplente que o descumprimento da obrigação, caso contrário, se tornaria

inócua. No entanto, a fixação de seu valor não é discricionária, devendo o julgador pautar-

se pelos critérios da suficiência e compatibilidade definidos pelo art. 461, sempre

reforçado pela noção de razoabilidade e observância das peculiaridades do caso em

concreto.

O valor da multa poderá ser alterado para que se amolde de forma a cumprir sua

finalidade no caso em concreto. Alteradas as condições peculiares do momento em que foi

fixada, que influam na suficiência e na compatibilidade com a obrigação, o julgador

poderá de igual forma alterar o valor da multa a fim de que não se torne insuficiente ou

excessiva, trazendo um desequilíbrio indesejado na questão de sua finalidade coercitiva.

De igual forma e pelos mesmos motivos a periodicidade da multa também pode ser

alterada, devendo ser observada para definição do seu termo final, a hipótese de se tornar

jurídica ou materialmente impossível o cumprimento do resultado específico, pelo que só

então, caso não haja pedido do credor, se se converterá em perdas e danos.

Em relação à exigibilidade da multa, para que esta seja executada ou

compensada, necessária se faz a preclusão da sentença ou da decisão interlocutória que a

concede, pois antes é sempre possível a supressão das astreintes ou do próprio preceito

pelas instâncias superiores de jurisdição, ou no caso de fixação em antecipação de tutela, se

o juiz revogá-la.

No que pertine às multas fixadas em sentença ou acórdão que julgou o mérito,

podem ser exigidas a partir do trânsito em julgado do preceito mandamental, uma vez que,

antes disso, o julgado poderá ser reformado.

Todavia, questão controvertida assenta-se sobre a exigibilidade das multas

periódicas definidas em título judicial ainda não transitado em julgado. Nesse ponto, o

intérprete, por absoluta falta de previsão legal expressa, deverá valer-se do bom senso para

analisar a própria finalidade da multa aliada aos demais fatores peculiares que a circundam.

No caso de uma multa periódica ainda não transitada em julgado, para que esta possa ser

executada ou exigida, a compatibilidade e a suficiência de sua aplicação em relação à

obrigação devem estar ameaçadas pelo iminente perigo de concretização da absoluta

impossibilidade de cumprimento específico.

Carreira Alvim cita que:

“a multa somente poderá ser exigida (cobrada) na medida em que a decisão possa ser efetivada (atuada) ou a sentença (provisoriamente) executada, pois, de outro modo, a sua eficácia estará suspensa, não produzindo efeitos até que transite em julgado”. 176

Por fim, cite-se que a execução da multa será feita nos moldes previstos no

Título II do CPC sob a forma de execução por quantia certa. No caso de multas fixadas em

decisão judicial transitada em julgado, a execução fundar-se-á em título executivo judicial,

limitando-se a matéria dos embargos às hipóteses do art. 741 do CPC.

4.2. Meios de sub-rogação e outras medidas necessárias:

176 CARREIRA ALVIM, Tutela Específica. Op. Cit., p. 101.

São também conhecidas como medidas executivas de substituição e

consideradas completas e perfeitas em virtude de independerem da atuação de vontade do

devedor para sua consumação. 177

Nessa modalidade de medida executiva, a tutela jurisdicional não será prestada

mediante a coerção, e sim mediante a substituição da conduta do obrigado por providências

do próprio juízo ou por outras providências determinadas pelo juiz da causa, para que

sejam cumpridas por terceiros.

No que tange às obrigações de fazer ou não fazer, quando se tornar impossível a

coerção da vontade do devedor para que cumpra, por ele próprio, a obrigação, a medida

será caracterizada por providências que satisfaçam a prestação devida ou assegurem o

resultado prático equivalente. É o que se depreende pelo art. 461, caput do CPC; a título de

exemplificação, cite-se o caso de realização do ato ou desfazimento de suas conseqüências

por meio de terceiro, às custas do devedor.

Todavia, a substituição e nomeação de terceiro para a realização do ato pode

não ser a espécie de medida executiva que melhor satisfaça o interesse do credor, a

exemplo do caso das obrigações de fazer infungíveis onde o próprio devedor é quem

deverá adimplir a obrigação. Nestes casos, sendo impossível o cumprimento por terceiros,

deverá a obrigação ser convertida em perdas e danos.

Tais medidas geralmente são aplicadas nos casos de obrigações fungíveis, em

que a atividade em que o devedor deveria ter cumprido é substituída pelas medidas de sub-

rogação, a fim de satisfazerem o direito do credor.

Nesses casos, o juiz não depende da vontade do devedor para efetivar a

obrigação por outros meios, sendo que a amplitude dos meios sub-rogatórios que podem

177 SALLES, Carlos Alberto de. Execução em matéria ambiental. Op. Cit. P. 291.

ser utilizados se limitam ao “respeito aos direitos da personalidade e demais direitos

indisponíveis”. 178

4.2.1. Medidas nominadas ou tipificadas no §5º do CPC:

Por serem essas medidas tipificadas expressamente no dispositivo, conhecidas e

comumente utilizadas em outros procedimentos, não sofrerão análises pormenorizadas,

sendo desnecessário o dispêndio de maiores esforços para descrevê-las.

Serão, portanto, apenas citadas e brevemente delineadas suas principais

características. A aplicação da medida de busca e apreensão se faz justificável quando

existe a necessidade de subtração de determinada coisa da posse do réu, aplicável nos

casos de obrigação de fazer e não fazer.

A remoção de coisas ou pessoas destina-se à tomada física de um bem corpóreo

que compõe a produção do resultado específico ou de pessoa que impeça a produção do

resultado pretendido, na sua forma específica. Aplica-se nos casos em que a pessoa, se não

removida, impedirá a satisfação do direito.

O desfazimento de obras tem por fim a eliminação dos resultados materiais de

uma atividade indevida. Na hipótese de impedimento de atividade nociva, maiores

dificuldades também não são encontradas, uma vez que se prestam a, preventivamente,

evitar a impossibilidade de cumprimento da obrigação.

Por fim, a requisição de força policial destina-se a “enfatizar a força de que se

reveste o provimento concessivo da tutela ex art. 461”. 179

4.2.2. Outras medidas necessárias, atípicas ou inominadas:

178 GRECO, Leonardo. “Tutela Jurisdicional Específica”. In Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 520. 179 TALAMINI, Op. Cit. p. 275.

Existem hipóteses em que a multa revela-se insuficiente ou inadequada, sendo

necessário recorrer a outros meios de pressão.

O rol das medidas executivas não se restringe aos meios de coerção e de sub-

rogação, sendo ampliado in abstrato na hipótese do art. 461, §5º, onde a amplitude de

medidas possíveis de serem adotadas não fica limitada ao texto normativo.

A norma do art. 5º, portanto, confere ao juiz tantos quantos meios bastem para

que a obrigação seja adimplida na sua forma específica, sempre que for possível a

aplicação de tais medidas e respeitados certos limites a seguir expostos.

Logo, para a obtenção da tutela específica e do resultado prático equivalente, o

juiz poderá adotar as medidas necessárias no mesmo processo onde foi proferida decisão

deferindo o preceito pretendido.

Aplicam-se as hipóteses do parágrafo quinto do art. 461 do CPC tanto nos casos

de tutela antecipada quanto nos casos de tutela final, uma vez que as medidas autorizadas

pelo dispositivo destinam-se à própria realização da tutela pretendida. São mecanismos

para a efetivação do resultado específico, colaborando ou não o obrigado. 180

Um destaque deve ser dado em relação à figura do comissário ad acta, uma

espécie de auxiliar do juiz que, em sede de execução, pode determinar a nomeação de um

leigo ou um profissional com formação específica, confiando a essa pessoa a administração

de situações em que a atuação do juízo ficaria mitigada devido a fatores peculiares que

podem ser supridos pela atuação de um comissário ad acta, podendo inclusive administrar

órgãos públicos, sob orientação da corte que o nomeou dentro dos limites por ela

estipulados. Deve prestar contas da sua atuação, que é suscetível de revisão judicial.

Conforme já analisado, com as constantes reformas no CPC, em que se busca o

oferecimento de medidas mais efetivas com a finalidade de se alcançar o resultado em si, o

que ocorre no caso das obrigações de fazer fungíveis em geral, ou outro resultado prático

180 TALAMINI, Op. Cit., p. 270.

equivalente ao original no caso de obrigações de fazer infungíveis, é possível e viável ao

juízo assumir a gerência do órgão público ou privado, podendo valer-se da figura do

“administrador judicial”.

A influência do direito francês, que possibilita ao juiz administrativo a adoção

de todos os meios úteis em vista da decisão de mérito, sendo a nomeação do comissario ad

acta um aspecto processual que tem pouco tempo de existência no Brasil. Sua natureza é a

de auxiliar do juiz, sendo seus atos atribuídos ao órgão judiciário como um todo e são

dotados de aspecto jurisdicional em sentido amplo e não administrativo, a priori. 181

Seguindo os comentários acerca do §5º do art. 461 do CPC, é bom que se fixe

que o rol nele existente não é exaustivo, mas meramente exemplificativo, oportunizando ao

juiz a adoção das medidas ali descritas sem prejuízo de outras que poderão melhor se

amoldar à necessidade requerida pelo caso concreto.

A amplitude de adoção dessas medidas é, sem dúvida, um marco no

ordenamento processual, pois ofereceu ao julgador um rol aberto de medidas que deverão

ser adotadas em busca pela eficiência plena da prestação jurisdicional específica.

Todavia, a cautela se faz sempre necessária nesses casos, pois o julgador não

foi dotado de poderes ilimitados. Em primeiro lugar as outras medidas a serem adotadas

devem ser lícitas e não proibidas por lei, a exemplo da impossibilidade de prisão civil.

Além disso, as demais providências possíveis de serem adotadas devem pautar-

se sempre pelos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, não sendo justificável a

adoção de medidas extremas.

Não obstante, devem resguardar a absoluta adequação com o fim pretendido,

devendo limitar-se exatamente ao estritamente necessário, não podendo exigir do obrigado

sacrifício além dos limites exigidos pela situação concreta, o que fica ratificado no art. 620

do CPC nos casos de execução. 181 GRECO, Leonardo. “Execução de liminar em sede de mandado de segurança”. In Estudos de Direito

Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 143.

A aplicação dessas espécies de medidas coercitivas atípicas é tarefa a que o

julgador deve ficar muito atento para que não venha a cometer atrocidades jurídicas em

face da tênue relação entre a possibilidade de aplicação de medidas não tipificadas em lei e

a falta de proporcionalidade e razoabilidade.

Os limites então, são fixados com base nos critérios da legalidade,

proporcionalidade e razoabilidade, devendo sempre atingir o fim a que se destina. O meio

de coerção não pode implicar a impossibilidade de cumprimento da obrigação, o que, por

óbvio, desvirtuaria sua finalidade e por fim, o bem jurídico pretendido não pode ser

sacrificado.

Um fator essencial para a legitimidade da adoção das medidas atípicas é a oitiva

das partes sempre que possível e não trouxer riscos ao cumprimento da obrigação, como

por exemplo, nos casos de antecipação de tutela.

O contraditório prévio à adoção de tais medidas restará assegurado desde que,

nos casos de antecipação de tutela, o periculum in mora seja preliminarmente respeitado.

Nos casos em que o periculum in mora seja tão grave a ponto de se tornar impossível a

satisfação do direito, tais medidas deverão ser previamente aplicadas e, por conseguinte,

abre-se oportunidade para manifestação.

Por fim, e como em todas as demais decisões, as que decidem pela aplicação

das medidas atípicas devem ser devidamente fundamentadas, com muito mais ênfase pelo

fato de não estarem definidas em lei.

4.3. Limites naturais e políticos da execução:

Em vista da vastidão de meios executivos colocados à disposição do juiz para

que se possa perseguir a satisfação específica do direito do credor, além da observância dos

fatores acima expostos, a doutrina identificou certas limitações à aplicabilidade desses

meios executivos.

Essas limitações podem ser subdivididas em naturais e políticos, além dos

limites práticos que obviamente existirão em alguns casos, dependendo das peculiaridades

exigidas.

São fatores que impedem ou limitam a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

Araken de Assis adota a nominação desses fatores como sendo limites políticos e limites

práticos. 182

Por sua vez, Dinamarco adota a nominação de limites naturais e políticos,

sendo adotada essa nominação nos comentários a seguir. 183

4.3.1. Limites naturais:

Os limites naturais decorrem das leis físicas, referentes a bens ou à vontade das

pessoas. No caso das obrigações de dar, torna-se impossível a execução específica

atendendo à satisfação do credor se o bem se perdeu ou se destruiu. Nas hipóteses de

obrigação de fazer o mesmo ocorre em relação à não colaboração do executado. Se o

executado não quiser cumprir a obrigação, não existem meios aptos a interferir na sua

vontade. Dinamarco definiu de forma abrupta, porém explícita ao extremo, a

impossibilidade de forçar o executado a adimplir, devido às limitações naturais existentes:

Se a obrigação de faze não é cumprida e o obrigado insiste em não cumprir, não é materialmente possível pôr-se o juiz no comando de seu centro nervoso e assim determinar os movimentos corporais destinados à obtenção dos resultados desejados pelo exeqüente e pela ordem jurídica. 184

182 ASSIS, Araken. Manual da Execução, 9ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 68. 183 DINAMARCO, Execução Civil. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 159. 184 DINAMARCO, Instituições, vol. IV, Op. Cit., p. 57.

A limitação natural existirá nas hipóteses em que a execução se torna

impossível, o que pode ocorrer pelo desaparecimento ou deterioração do objeto do direito

nas execuções para entrega de coisa; pela recusa da colaboração do executado que se faz

imprescindível nas execuções de obrigação de fazer infungível, levando-se em

consideração que a vontade humana poderá no mínimo, ser motivada ou induzida, pois é

incoercível.

Em suma, na execução de obrigação de fazer personalíssima, os limites naturais

impedem que o executado seja obrigado ao cumprimento manu militari da obrigação. 185

Ninguém será obrigado a agir forçadamente, até porque, se isso fosse permitido,

a obrigação não seria cumprida de forma ideal e específica atingindo sua finalidade, pois

faltando a vontade do executado no sentido de cumprir a obrigação, quem na realidade a

cumpriria de forma insatisfatória e não-personalíssima seria o coator que, sobrepondo-se às

características e aptidões individuais do executado, transmutaria ilegitimamente uma

obrigação infungível em obrigação fungível, contrariando a vontade inicial do credor desse

direito. Seria uma verdadeira prática de sub-rogação, o que não satisfaz os verdadeiros

anseios do credor de um direito decorrente de obrigação personalíssima.

A título de exemplificação, cite-se o caso de um famoso cirurgião plástico que

se obrigou a efetivar determinada intervenção estética numa paciente. Não se pode aceitar

que, no caso de descumprimento desta obrigação de fazer, ou no caso de cumprimento

insatisfatório (seja porque foi tardiamente cumprida ou porque não atingiu o resultado

pretendido), o referido cirurgião fique obrigado a cumprir ou a refazer seu trabalho de

forma satisfatória, justamente porque sua vontade é incoercível. Nesses casos o óbice

decorre da própria situação fática e não de limites impostos por normas.

185 COSTA, Dilvanir José da. “As obrigações de dar, fazer e não fazer e as formas de sua execução”. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais nº. 38. Belo Horizonte: Gráfica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2000, p. 127.

Tais situações fáticas que impedem ou limitam a efetivação da prestação plena

da tutela jurisdicional são chamadas por Leonardo Greco de limites intransponíveis, os

quais escapam ao domínio do legislador, que não pode prever todas as situações ou

eventualidades possíveis de ocorrer. 186

Existirá limite prático quando o cumprimento da obrigação é materialmente

impossível, por ineficácia dos meios ou inviabilidades técnicas ou científicas. A diferença

entre limite prático e limite natural é ínfima, porque o primeiro decorre do âmbito material

e o segundo decorre da natureza da situação fática.

4.3.2. Limites políticos:

Diferentemente dos limites naturais e práticos, os limites políticos decorrem da

existência de normas que protegem determinados bens e/ou pessoas, constituindo-se

verdadeira opção do legislador a proteção desses bens ou pessoas.

Os limites políticos decorrem de normas legais ou de conduta previamente

existentes. O que se pretende mostrar é que, a exemplo dos bens indisponíveis como a

vida, a honra, o próprio corpo humano e suas partes separadas, entre outros direitos

relacionados precipuamente à personalidade, são indissociáveis do ser humano, de forma

que uma execução que incidisse sobre algum deles ultrapassaria o patrimônio essencial da

pessoa humana, atingindo-a diretamente em seu âmago.

Existe limitação política também nos casos de proteção ao patrimônio mínimo

necessário para uma existência digna do executado. O legislador, respeitando o princípio

da dignidade da pessoa humana, entendeu por bem excluir a responsabilidade executiva

sobre certos bens patrimoniais sem os quais não seria possível a sobrevivência digna do

executado nos mínimos moldes sociais.

186 GRECO, Leonardo. O processo de Execução, vol. II, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000, pp. 3 e ss.

Exemplifique-se aqui a impossibilidade absoluta de penhora dos vencimentos, o

soldo, o salário, o imóvel residencial da família e os bens que o guarnecem, conforme

artigo 659 do CPC e art. 1º da Lei 8.009/90.

Da mesma forma, por expressa vontade legislativa (política), é absolutamente

inadmissível aplicar a pena de prisão ao devedor, devendo ser ressalvadas, nesse caso, as

hipóteses constitucionalmente previstas de possibilidade de prisão do devedor de alimentos

e do depositário infiel. Excluídas todas as demais hipóteses de prisão civil, não se pode

cogitar a aplicação deste tipo de coação ao devedor inadimplente de uma obrigação de

fazer ou não fazer, sendo cabível tão-somente a imposição dos meios executivos

legalmente previstos.

Cite-se ainda a inadmissibilidade de execução por quantia certa contra a

Fazenda Pública, que evidencia o reconhecimento legal de outra limitação política à

execução. O legislador neste caso privilegiou a proteção às pessoas jurídicas de direito

público, tutelando-se o interesse público em detrimento dos interesses privados.

Na ocorrência dessas hipóteses de limitações, sejam naturais, práticas ou

políticas, e, caso não seja possível a obtenção do resultado prático equivalente, as soluções

possíveis são meramente paliativas, devendo a obrigação ser convertida em perdas e danos,

indenizando o credor de acordo com o que prescrevem os artigos 627, 633 e 638, parágrafo

único, do CPC.

4.4. Obtenção do resultado prático equivalente:

Caso não seja possível a exata obtenção do direito pretendido pelo credor-

exeqüente na sua forma específica, o caput do art. 461 do CPC e seus parágrafos primeiro e

quinto permitem que se considere satisfeita a prestação devida com a obtenção de

resultados práticos equivalentes conseguidos através dos meios executivos previstos no

mesmo artigo.

Configura-se pela não satisfação do direito na exata forma originalmente

pretendida pelo exeqüente-credor, mas pela configuração de situações semelhantes que

atendam aos mesmos fins que seriam atendidos se a obrigação fosse obtida na sua forma

específica.

O resultado prático equivalente confere igual grau de eficácia à pretensão

original, não porque foi atendida em sua plenitude e forma, porém porque, através de

meios distintos, tornou-se possível obter os mesmos efeitos esperados do cumprimento do

preceito na sua forma específica.

Carreira Alvim definiu o resultado prático equivalente de acordo com a

equiparação da eficácia obtida por meios diversos à eficácia que seria obtida pelo

cumprimento da obrigação na sua forma específica original. Se o resultado prático

equivalente obtido pelo uso dos meios alternativos previstos no art. 461 do CPC, sem ser o

original, atender com igual eficácia a pretensão do exeqüente, configurado estará o

cumprimento da prestação, porém pelo uso de meios legais alternativos diversos dos

originais. 187

É correto afirmar que só se considerará satisfeita a prestação se assim se

manifestar o credor do direito, sendo que a atuação do juiz no sentido de utilizar os meios

alternativos de cumprimento da obrigação deverá ser limitada se, de outra forma, não for

possível obter a satisfação do credor ou se este se manifestar pela possibilidade de adoção

dessas medidas para satisfazer sua pretensão. Não pode o juiz discricionariamente preferir

os meios alternativos de obtenção do resultado prático equivalente, devendo respeitar e

motivar a mínima possibilidade de cumprimento da obrigação na sua forma específica.

187 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma

processual. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1997, pp. 184 e ss.

Nesse sentido, Leonardo Greco, com muita argúcia, defende a impossibilidade

de aplicação da obtenção do resultado prático equivalente às obrigações de fazer fungíveis

diante da possibilidade de satisfazer a obrigação na sua forma específica pelo uso dos

meios de sub-rogação que deve ser previamente determinados pelo juiz, afirmando que se

aplica este instituto apenas às obrigações infungíveis. 188

4.5. Conversão da obrigação em perdas e danos:

Como última medida, o legislador, em defesa da máxima efetividade possível

da prestação da tutela jurisdicional, possibilitou que, caso todos os outros meios executivos

se tornem infrutíferos à satisfação do direito do exeqüente na forma específica, seja ele

convertido em perdas e danos, indenizando-o pecuniariamente pela não obtenção de seu

direito na forma específica a que faz jus.

Tal medida encontra-se prevista nos parágrafos primeiro e segundo do art. 461

do CPC.

A conversão da obrigação em perdas e danos é aplicável nas hipóteses em que

se configurar absolutamente impossível a tutela específica ou de obtenção do resultado

prático equivalente que satisfaça o credor. É aplicável também nos casos em que o

exeqüente assim preferir, devendo se manifestar expressamente nesse sentido, assim

prescreve o parágrafo primeiro.

O parágrafo segundo, reforçando a possibilidade de aplicação desse meio de

satisfação da prestação, possibilitou que seja concomitantemente aplicado outro meio

executivo acima citado, a multa.

Assim, e contrariando o que defende Leonardo Greco, parece ser plenamente

razoável a possibilidade de escolha dessa forma de satisfação da prestação pelo credor,

188 GRECO, Leonardo. “Tutela jurisdicional específica”. In Estudos. Op. Cit., p. 521.

uma vez que se trata de direito disponível, ficando sua vontade logicamente submetida à

regra de que a execução se dará da forma menos gravosa para o executado. Se pouco

importa ao executado adimplir sua obrigação de forma específica ou convertê-la em perdas

e danos, deve-se privilegiar a vontade do credor. O que não pode ocorrer (e aí deve ser

enobrecido o entendimento do processualista supracitado), é que o devedor seja obrigado a

se submeter à escolha unilateral do credor pela conversão da obrigação em perdas e danos,

se de forma menos prejudicial puder o executado cumpri-la na sua forma específica, o que

será de averiguação possível através da manifestação expressa ou inércia do executado

nesse sentido. 189

Nesse ponto, se não se manifestar o executado nesse sentido, defendendo seu

melhor interesse, deverá ser privilegiada a opção do credor.

Por fim, ressalte-se que nos casos de execução de obrigação de fazer e não

fazer, só será necessária a liquidação do julgado se houver a conversão em perdas e danos,

que deve ser realizada na forma do que prescrevem os artigos 475-A ao 475-H, redação

dada pela Lei 11.232/2005 que revogou todo o Capítulo VI, Título I do Livro II do CPC.

Depois de liquidadas, as perdas e danos devem ser executadas nos mesmos

autos com fulcro na estimativa ou no valor exato dos prejuízos oriundos na inadimplência

da prestação específica, sendo dispensável a liquidação nos casos em que prevista no pacto

entre credor e devedor a cláusula penal substitutiva da prestação específica. 190

189 Idem, p. 530. 190 Idem, p. 531.

CAPÍTULO V

EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER

E NÃO-FAZER EM FACE DO ESTADO

Com fulcro nas idéias que envolvem a noção de Estado Democrático de Direito

como sendo aquele que se submete à lei, regendo-se pelos princípios da

constitucionalidade, da garantia dos direitos fundamentais, da justiça social, da igualdade,

da divisão dos poderes e da segurança jurídica, identificam-se dois elementos

característicos essenciais. O primeiro é que o Estado Democrático de Direito deve reger-se

em respeito à legalidade, atendendo à lei emanada da vontade do povo e realizadora do

bem viver social e o segundo é que deve submeter-se ao controle do Poder Judiciário. 191

191 AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 116ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 108.

Relembrando o tema, as relações jurídicas entre o cidadão e o Estado alteraram-

se substancialmente com a transmutação de um Estado Liberal, caracterizado pelo

garantismo passivo e não-interveniente para um Estado Social, ou Democrático Social, um

Estado promotor, ativo e interveniente.

Com esse novo paradigma, surge um vasto rol de direitos que anteriormente

não eram tutelados, que têm como seus titulares o cidadão, de forma determinada ou não,

tendo, no outra extremidade, como obrigado, principalmente a figura do Estado promotor,

democrático.

É desse contexto que advém a tão debatida crise de eficácia da tutela

jurisdicional, crise esta que tem origens no fato de que o enfoque privatista do Direito, em

especial o Direito Processual Civil, não foi estabelecido com o fim precípuo de regular e

possibilitar a solução de conflitos que envolvam o cidadão comum e o Estado.

Por isso, e com base também no que prescreve o art. 5º, inc. XXXV da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os indivíduos têm garantido o

acesso à jurisdição a fim de obter tutela reparatória ou preventiva de um direito seu,

inclusive contra o próprio Poder Público.

Então, nos casos em que o Estado se insere no pólo passivo de uma demanda

judicial, recebe a denominação de Fazenda Pública, uma vez que o CPC assim estipulou da

disciplina de diversas situações do Poder Público em juízo. Afirma-se com isso ser

perfeitamente possível a execução contra o Estado, ao contrário do que se poderia pensar

se aprofundada a questão da separação de poderes.

Desta forma, figura como sujeito passivo da execução contra a Fazenda Pública

a pessoa jurídica de direito público, seja ela a União, os Estados, os Municípios, suas

respectivas autarquias, os Territórios, o Distrito Federal ou as fundações públicas. 192

192 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1998, p. 86.

Mas existe o preceito de que a denominação Fazenda Pública envolve

inevitavelmente a idéia de erário público, referindo-se então à responsabilidade patrimonial

do Estado nas questões que envolvem obrigações pecuniárias. Por isso será adotado o

termo genérico Estado no seu sentido mais amplo para se referir aos entes públicos acima

citados no que tange às execuções de obrigações não pecuniárias.

E, ao contrário das execuções pecuniárias, principalmente por ser dotada de

peculiaridades próprias, a satisfação das obrigações de fazer e de não fazer encontra nos

limites naturais e políticos, óbices à obtenção do direito do exeqüente, conforme já

abordado, por não afetarem a esfera patrimonial do devedor, a não ser nos casos de

aplicação da multa e da conversão da obrigação em perdas e danos.

É por isso que, em relação à execução dessas obrigações em face do Estado, a

possibilidade de satisfação do direito do credor na sua forma específica fica ainda mais

restrita, uma vez que existem certos privilégios e outros limites políticos que atravancam

efetividade da prestação da tutela jurisdicional plena, pelo que devem ser analisados os

meios existentes e possíveis de coerção contra o Estado no caso de inadimplemento de

obrigações específicas, como as de fazer e de não fazer.

Contudo, à parte da existência de privilégios e características próprias que

envolvem a administração pública e que acabam refletindo na esfera judicial quando o

Estado é parte, vários autores de renome entendem que os créditos não pecuniários devidos

por pessoa jurídica de direito público, bem como as ordens emitidas por órgão judiciário

devam ser executadas pelas vias executórias comuns a todos os devedores, ou seja, através

dos meios porventura aplicados aos particulares.

Assim entendem os autores Juvêncio Vasconcelos Viana 193, Vicente Greco

Filho 194, Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva 195 e outros.

193 VIANA, Juvêncio Vasconcelos, Execução contra a Fazenda Pública. Op. Cit. p. 34. 194 GRECO FILHO, Vicente. Da execução contra a Fazenda Pública, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 34. 195 MENDES DA SILVA, Op. Cit. p. 111.

Dessa forma, sem ignorar a expressa e legal existência de certos privilégios a

favor do Estado em juízo, e também em vista das características peculiares que envolvem a

administração pública, diferenciando-a do cidadão comum, o processo contra os entes

públicos também é naturalmente diferenciado em decorrência dessa diferenciação política

existente, mitigando ainda mais a possibilidade de ser o cidadão satisfeito na sua pretensão

de obter a tutela específica que lhe é devida pelo Estado, agravando substancialmente a

crise da efetividade do processo de execução sob o ponto de vista unilateral do credor.

Por isso, deve ser feita a análise do princípio da isonomia processual nas lides

que envolvam o Estado no pólo passivo como devedor e o particular como credor no pólo

ativo.

5.1. A relação efetividade x isonomia nos processos contra o Estado:

O que buscam incessantemente as reformas no CPC é a efetividade da prestação

da tutela jurisdicional àqueles que a pleiteiam. Porém, o legislador infraconstitucional peca

pela timidez e falta de substancialidade nas hipóteses em que as reformas deveriam tratar

de promover maior efetividade nos processos que envolvam pretensão judicialmente

resistida entre cidadão e Estado, figurando este no pólo passivo da lide.

Uma das indagações que inevitavelmente surge é sobre a questão do respeito ao

tratamento isonômico das partes no processo. Seria a Fazenda Pública realmente

privilegiada formal e materialmente na relação processual pelas regras políticas que a

envolvem? Essa é uma questão que deve ser respondida a posteriori, levando-se em

consideração o espírito das últimas reformas do Código de Processo Civil.

O certo é que as recentes reformas possibilitaram a identificação de quatro

tendências principais: a busca da simplificação das formalidades, de esclarecimento de

divergências, de aumento de ônus das partes (a exemplo do preparo dos recursos) e o

reforço dos poderes do juiz (como nos casos da adoção dos meios do parágrafo quinto do

art. 461 do CPC).

Mas no que tange ao Estado em juízo, o legislador reformador mantém-se

tímido e muitas vezes o privilegia ainda mais, gerando, em contrapartida, significativa

redução das possibilidades de se obter a tutela jurisdicional pretendida pelo cidadão

comum, que não dispõe das mesmas armas oferecida pelo legislador ao Estado na lide,

submetendo o credor de uma obrigação devida pela entidade estatal demandada a uma via

crucis procedimental diferenciada.

Esse trato diferenciado do Estado em juízo acaba, muitas vezes, por contrariar

os anseios da busca por efetividade tão almejada pelas constantes reformas a que se

submeteu o CPC em vista da satisfação dos direitos dos particulares.

É nesse ponto que deve ser retomada a discussão acerca da isonomia, para que

seja possível o entendimento dos motivos que levam o legislador a favorecer o Estado em

detrimento dos interesses do cidadão comum em juízo, para que não sejam feitas críticas

parciais tendentes a privilegiar o particular sem que sejam observadas as complexas

peculiaridades que envolvem a atividade da administração pública.

A Constituição Brasileira de 1988 consagra explicitamente o princípio da

isonomia no caput do seu art. 5º e o assegura em outros princípios esculpidos nos incisos

do próprio artigo, a exemplo dos incisos LIV (devido processo legal), LX (publicidade dos

atos processuais), LVI (proibição da prova ilícita), LVII (presunção da inocência) e art. 93,

IX (motivação das decisões).

A própria Constituição brasileira de 1988 procurou assegurar a igualdade entre

todos perante a lei, é o princípio da isonomia constitucional. Daí decorre o princípio da

isonomia processual que assegura que as partes sejam tratadas da mesma forma na relação

processual. A regra infraconstitucional que rege esse princípio é o art. 125, inciso I do

CPC, impondo o tratamento igualitário entre as partes como um dever do juiz, não como

uma faculdade.

Há de se frisar, porém, que o princípio da igualdade das partes não permite que

o juiz iguale as partes quando a própria lei estabelece a desigualdade. Mencione-se aqui

que tais desigualdades criadas pelo legislador afetam diretamente o deslinde das questões

entre o cidadão comum e o Estado dotado de prerrogativas peculiares, o que poderia gerar,

num primeiro momento, certa perplexidade, especialmente no que tange à questão dos

prazos, conforme dispõe o art. 188 do Código de Processo Civil.

Porém, a questão deve ser analisada com muita atenção e em respeito à máxima

jurídica de Rui Barbosa de que se devem ser tratados desigualmente os desiguais, na

medida em que se desigualam. 196

Desta forma, buscar o tratamento igualitário tão somente no plano legal não

basta, uma vez que deve ser incessantemente buscado no plano material, isso porque, nesse

momento, tratar os desiguais de forma desigual, na verdade estaria sendo respeitado o

princípio da isonomia processual e não o ferindo, como num primeiro momento poderia

pensar-se.

Na realidade, o tratamento diferenciado conferido ao Estado na relação

processual se deve ao fato de que, se ao contrário fosse, estaria sendo ignorada a realidade

concreta e, contrariamente ao que se pretende com o princípio da isonomia, haveria

observância tão somente da igualdade no plano formal, sendo inobservada a realidade

material, comprometendo num todo a realização do contraditório do Poder Público no

processo. 197

Se não fossem tais prerrogativas do Estado, em especial a dos prazos dilatados

para defesa, o risco de comprometimento do contraditório seria tamanho que as pessoas de

196 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 18 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 55. 197 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do Processo em face da Fazenda Pública. Op. Cit., p. 39.

direito público que fossem processadas pereceriam, perdendo a possibilidade de servir para

cumprir as finalidades a que estão destinadas.

Na realidade, essas prerrogativas nada mais são do que medidas paliativas que

acabam por explicitar a falta de aparelhagem, de pessoal e de recursos para o cumprimento

da função estatal de forma eficaz e em tempo razoável, oferecendo munição para a defesa

radical da isonomia em sua forma pura, em que deveria ser o Estado igualado nas exatas

condições do particular, uma vez que a “missão do Poder Judiciário é declarar relações

jurídicas e não suprir as deficiências dos representantes da Fazenda”. 198

No entanto, não se pode deixar de aceitar que o Estado enquanto organização é

certamente uma estrutura gigantesca coberta de complexidades, o que torna possível a

ocorrência de situações imprevisíveis que merecem especial tratamento, pois, admita-se, o

mesmo não ocorre com o particular.

Essas complexidades não decorrem da vontade do ente estatal demandado, mas

das próprias funções que lhes foram atribuídas, para sua tutela e execução. A

fundamentação para as prerrogativas do Estado provém da própria característica dos

interesses por ele defendidos e não apenas dos problemas de ordem burocrática.

O que se privilegia in casu com as prerrogativas é a supremacia do interesse

público, que não pode ser confundido com o interesse social e geral, uma vez que estes –

social e geral – são ligados a uma idéia mais ampla, de coletividade, ao passo que o

interesse público evoca imediatamente a figura do Estado que, na suas funções legislativas

e administrativas, definirá o que é (ou não) interesse público dentre os interesses sociais,

por lhe serem diretamente ligados à própria sobrevivência. O interesse público seria, para

alguns, a própria razão de ser da Administração Pública. 199

198 TUCCI, Rogério Lauria e TUCCI, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e Processo, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 55. 199 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed., ref., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 28 e ss.

Em conclusão, sob esse prisma de que a isonomia em face do Estado se

desenvolve e é aplicado no processo se deve às situações complexas que freqüentemente

lhe são impostas, e que certamente não ocorre o mesmo com o particular. Não há que se

falar na existência de prejuízos materiais para o cidadão que ajuíza uma ação em face do

Estado, tampouco em prejuízo à efetividade do processo, pois um princípio de valor

constitucional deve ser sobreposto a um princípio de valor infraconstitucional.

5.2. A questão das prerrogativas do Estado em juízo e a execução por obrigações de fazer e não fazer:

Convém ressaltar neste ponto que as prerrogativas que possui o Estado em juízo

diferenciando-o do particular só existem nos casos de execução pecuniária. Deverá assim,

a execução das obrigações de fazer seguir as formas prescritas pelo art. 738, inc IV; pelos

arts. 632 a 638 e pelos arts. 466-A; 466-B e 466-C. 200

Para se atender uma correta delimitação e compreensão do tema em questão, os

seguintes comentários acerca da execução por obrigações de fazer e não fazer em face do

Estado serão enfocados tão somente nos casos em que essas execuções forem fundadas em

título executivo judicial, muito embora possam ser tais execuções igualmente fundadas em

título executivo extrajudicial, conforme a Súmula 279 do STJ. 201

Nesse sentido Ricardo Perlingeiro diz que, nas execuções por obrigação de

fazer, as quais deverão seguir o procedimento do art. 621 e ss. do CPC, inexistem os

privilégios em favor da Fazenda Pública, mesmo porque desnecessários, já que nessas

hipóteses, quando ocorre o inadimplemento por impossibilidade de cumprimento

específico, será a obrigação específica de fazer ou não fazer sempre convertida em perdas e

200 RT 509/94. 201 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Súmula 279. Julgado em 21.05.2003. Pub. DJ 16.06.2003, p. 415.

danos, sujeitando-se, a partir de então, seu pagamento ao regime do precatório judicial,

uma vez que a execução originária será convertida em execução por quantia certa. 202

Destaque especial deve ser dado exatamente a essa possibilidade de conversão

da execução por obrigação específica em obrigação por quantia certa, situação em que

reside lamentável lacuna para a prática de atos protelatórios por parte do Estado, a fim de

não cumprir a obrigação devida na forma específica.

Esse lamentável lapso se agrava pela existência de certos limites políticos que

facilitam a transmutação da execução por obrigação específica em execução por obrigação

pecuniária, podendo incidir daí por diante, além da dilatação do prazo prescrita em lei,

todas as demais prerrogativas garantidas ao Estado em juízo na execução pecuniária.

Certamente estas hipóteses causam injustos prejuízos ao exeqüente portador de um título

executivo judicial que passou pelo crivo de um juízo de cognição prévio, o qual lhe

assegurou o direito ao cumprimento de sua pretensão na forma específica.

Não convém aprofundar aqui os comentários numa análise pormenorizada de

cada uma das prerrogativas de que dispõe o Estado em juízo nas execuções pecuniárias,

uma vez que não incidirão nas execuções por obrigação específica.

Apesar da necessidade de serem utilizados contra o Estado todos os meios

coativos e sub-rogatórios disponibilizados por lei para impulsionar a execução

(cumprimento) da obrigação na sua forma específica, a fim de forçá-lo a adimplir o que por

ele é devido, existem certos limites políticos que legitimam o inadimplemento por parte do

ente público executado, facilitando a transmutação da execução por obrigação de fazer ou

não fazer em execução por quantia certa, limites estes que não existem em favor do

particular.

202 MENDES DA SILVA, Ricardo Perlingeiro. Execução contra a Fazenda. Op. Cit., pp. 113-114.

O principal desses limites políticos é a existência e aplicação do princípio da

reserva do possível à Administração Pública que, não raro, se apóia também na falácia de

que a separação de poderes é fato impeditivo da atuação do Judiciário sobre o Executivo.

5.3. Reserva do Possível e Máxima Efetividade das normas:

Levando-se em consideração a visível falibilidade do Estado na prestação dos

direitos mínimos existenciais garantidos aos cidadãos pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, os governados desamparados só encontram socorro no seio

da Justiça, que é a verdadeira guardiã constitucional da harmonia social.

Sabedores da inexistência desse mínimo essencial em termos de serviços

públicos, o cidadão se vê obrigado a utilizar uma garantia constitucional que ainda se

mostra possível: a do acesso à Justiça para pleitear direito ameaçado ou lesado. A falta de

escolas em número e nível adequados, a saúde pública sucateada e a segurança quase

inexistente são fatores que demonstram o inadimplemento do Estado no cumprimento de

suas obrigações básicas determinadas constitucionalmente.

Vislumbra-se no Brasil uma situação quase caótica que aumenta ainda mais a

demanda da sociedade pela prestação dos serviços públicos, que, ao não serem prestados,

ou quando prestados, realizam-se de forma inadequada ou tardia, a provocação do Poder

Judiciário para tutelar tais situações acaba sendo a única esperança do cidadão

desamparado.

O óbice ao cumprimento das obrigações estatais é agravado ou incentivado por

um Executivo inerte, escandalosamente corrupto e totalmente descomprometido com o

bem-estar social e com a adequada destinação dos gastos inerentes às prestações positivas

mínimas por ele devidas que são impostas pela Carta Magna.

Além dessa real falibilidade estrutural e administrativa do Estado na prestação

dos serviços mínimos garantidos ao cidadão, existe ainda outro limite político que é

reconhecidamente legítimo para a isenção do Estado ao cumprimento das obrigações por

ele devidas.

É o princípio financeiro da reserva do possível que se mostra como outra faceta

do aumento contínuo da inadimplência das obrigações estatais a serem minimamente

atendidas, e que devem, sempre que possível, ser satisfeitas por meio de provocação do

Poder Judiciário que deve atuar incisivamente na esfera do Poder Executivo para obrigá-lo

a cumprir o que é por ele constitucionalmente devido.

A atuação do Poder Judiciário na esfera do Poder Executivo deve pautar-se

sempre respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, conjugando

normas, princípios e regras financeiras de modo a dar a máxima efetividade às normas

constitucionais.

É no art. 167 da Constituição Federal que reside a nascente desse princípio da

reserva do possível ao vedar, em seus incisos e artigos, a prática de atos que extrapolem a

reserva da lei orçamentária que, na lição de Ricardo Lobo Torres, é a submissão dos

direitos sociais e da ação governamental ao princípio da reserva do possível, ou seja, da

arrecadação dos ingressos previstos nos planos anuais e plurianuais. 203

A autora Ana Paula de Barcellos justifica a adoção do princípio da reserva do

possível da seguinte forma:

... a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. No que importa no estudo aqui empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que é esta que o sustenta -, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos. Em suma: pouco adiantará, do ponto de vista prático, a previsão normativa ou a refinada técnica

203 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, 2ª ed., vol. V, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 61.

hermenêutica se absolutamente não houver dinheiro para custear a despesa gerada por determinado direito subjetivo. 204

A justiça brasileira com certa constância aceita a adoção do princípio da reserva

do possível como fundamentação legítima para o inadimplemento de ordens judiciais que

obrigam o Estado ao cumprimento de uma obrigação, como segue exemplo do julgado

abaixo, que faz menção ainda à falida argumentação de que a separação de poderes é fator

impeditivo da atuação do Judiciário na esfera Executiva:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos. 2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano. 3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas. 4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes. 5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. 6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração depende de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente. 7. Recurso provido. 205

A atuação do Poder Judiciário, portanto, tem sido às vezes, guiada pelo

princípio constitucional da reserva do possível (art. 167 da CF) para, legitimamente,

expurgar do Estado o cumprimento das prestações positivas de bem-estar mínimas por ele

devidas e que são previstas em outras normas de igual hierarquia constitucional.

204 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Rio de Janeiro: Renovar ,2002, pp. 236-237. 205 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp. 169876/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 16.06.1998, DJ 21.09.1998 p. 70, disponível em < http://www.stj.gov.br>, acesso em 05.08.2006.

De acordo com o art. 167 da Constituição Federal e com a Lei nº. 4.320/64 que

institui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e

balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, torna-se possível a

criação e reforço das dotações orçamentárias, diminuindo as possibilidades de o Estado

alegar insuficiência econômica que o princípio da reserva do possível ampara como meio

legítimo e eficaz de frustração das obrigações devidas pelos entes públicos.

Existem relatos no meio forense de que o Executivo foi obrigado a remanejar

suas dotações diante da obrigação de fazer derivada de prestação positiva a ele imposta,

conforme julgado a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA NO SETOR DE NAVEGAÇÃO AEROPORTUÁRIA. CONSTRUÇÃO DE ATERRO OU USINA DE LIXO. NECESSIDADE. ABERTURA DE CRÉDITO SUPLEMENTAR. DOTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUBORDINAÇÃO. PRAZO E MULTA JUDICIAIS. - Com o aparecimento de “lixões” em torno de aeroporto, torna-se premente a construção de aterro sanitário ou usina de compostagem de lixo, questão em que se encontra envolvida a segurança aeroportuária. A dotação orçamentária para este fim é a providência de abertura de crédito suplementar por parte da autoridade municipal que, em se tratando de ação civil pública e caso não queira adotar essa providência, decorrido o prazo fixado de trinta dias, se subordinará à multa judicial. - Agravo parcialmente provido. 206

No âmbito do Direito Econômico, em respeito ao que define a Lei nº. 4.320/64,

bem como das normas específicas que regem a lei orçamentária anual, torna-se possível o

remanejo das dotações orçamentárias para o afastamento da reserva do possível fática

relativa à ausência de recursos e da reserva do possível jurídica relativa à legalidade

orçamentária.

Sob esse enfoque o Executivo não poderá se esquivar de suas obrigações

utilizando-se do apelo ao princípio da reserva do possível diante dos casos em que se

pleiteia judicialmente o cumprimento da prestação positiva ligada ao mínimo existencial de

206 BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AG. 980506588-0, Rel. Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, j. 05.11.1998, disponível em <http://www.trf5.gov.br.>, acesso em 04.08.2006.

bem estar, devendo exarar o ato administrativo normativo para o rearranjo das contas

públicas, a fim de cobrir aquela despesa, quanto mais nas situações em que o bem da vida

in casu pleiteado deve se sobrepor às questões de ordem meramente financeira.

Em julgado muito recente, o Superior Tribunal de Justiça rechaçou as alegações

de insuficiência financeira como meio possível de descumprimento de obrigação de fazer

por parte de ente público, coagindo-o a cumpri-la, inclusive por meio do bloqueio de

verbas públicas para o custeio da obrigação devida, conforme a seguir se evidencia:

PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Precedentes. 2. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis. 3. Todavia, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do demandante, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente. 4. Recurso especial a que se dá provimento. 207

Diante de todo o exposto em relação à argumentação fulcrada no princípio da

reserva do possível como meio utilizado pelo Estado no descumprimento de suas

obrigações, vislumbra-se que não é razoável que deixe de promover as prestações mínimas

e básicas da população previstas nas normas constitucionais, sujeitando-as à

207 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 827.133/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18.05.2006, disponível em <http://www.stj.gov.br.>, acesso em 04.08.2006.

discricionariedade relativa à tomada da decisão financeira no sentido de cumprir ou não

certas obrigações, sob pena de validação de um repudiado processo legislativo oblíquo que

suprime direitos fundamentais por via de omissão regulamentar.

Os elementos norteadores relativos à aplicação legítima e constitucional do

princípio da reserva do possível são a razoabilidade e a proporcionalidade, no sentido de

que deverão ser balanceados os interesses confrontantes, bem como deve ser feita

minuciosa análise da conveniência e da adequação de seu atendimento quando o devedor

da obrigação for o Estado, devendo ser resolvida a questão na esfera do Poder Judiciário,

que é o responsável pela solução nos casos de dúvida nesse sentido.

Conclui-se, com base no exposto, que o frágil argumento de impossibilidade de

desorganização das finanças públicas deve ser diretamente confrontado com o princípio da

dignidade da pessoa humana que não tolera uma sociedade impotentemente submissa à

primazia de finanças públicas “organizadas” em inobservância às escandalosas práticas de

corrupção em flagrante desrespeito aos direitos humanos e às garantias constitucionais

relativas ao mínimo existencial digno da população.

5.4. A separação de poderes entre o Executivo e o Judiciário como óbice ao cumprimento das decisões judiciais:

Não se buscará aqui detalhar os conceitos teóricos da separação de poderes.

Imprescindível, entretanto, relatar que a teoria da separação dos poderes surgiu em época

muito remota e que será apenas demonstrada na forma de um sintetizado perfil histórico. A

teoria começa a ganhar sentido nas idéias de Platão com seus comentários acerca da

separação de funções na polis perfeita por ele idealizada 208, passando posteriormente pela

208Platão. Diálogos III - A República. Tradução de Leonel Vallandro. Rio de Janeiro, Ediouro, p. 39 e ss.

ideologia de Aristóteles, com a primeira manifestação acerca da tripartição de poderes

constitutivos do Estado. 209

Em época posterior Montesquieu surge como grande sistematizador da idéia de

separação dos poderes, ao afirmar que se houvesse a concentração de mais de um dos três

poderes constitutivos do Estado nas mãos de uma só pessoa, a liberdade daquela nação

estaria ameaçada por essa concentração de poderes. 210

Nessa linha de pensadores que contribuíram para o desenvolvimento e

aperfeiçoamento da teoria da separação de poderes, não se poderia excluir o nome de Hans

Kelsen como sendo um das mais importantes contribuições do século para a elucidação do

estudo da teoria da separação dos poderes e o Estado. Kelsen idealizou o Estado como

sendo uma corporação, e essa corporação seria considerada uma pessoa porque para ela

existem direitos e deveres jurídicos estipulados. 211

Tendo relatado de forma brevíssima a delineação histórica da teoria da

separação dos poderes, seja dito então que os países democráticos, dentre eles o Brasil,

adotaram os ensinamentos dessa teoria como forma de estruturação moderna do Estado.

Por isso, antes de serem levantados quaisquer comentários acerca da separação dos poderes

e de cada um dos poderes em si, na forma do que prescreve o art. 2º da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), há de se tecer alguns comentários acerca

do Direito Administrativo, que é o ramo do Direito que faz necessária coligação com o

direito processual acerca das questões levantadas no presente estudo.

Com vistas ao descumprimento das obrigações impostas pelo Poder Judiciário

ao Poder Executivo, exponham-se aqui algumas sucintas noções introdutórias acerca do

Direito Administrativo, para que se possa iluminar o caminho.

209 Cf. Aristóteles. A Política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro, Tecnoprint, Livro Sexto, pp. 21 e ss. 210 Cf. Do Espírito das Leis. Título original: De l’Esprit des Lois. Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Rio de Janeiro, Ediouro, Livro Décimo Primeiro, Capítulo VI. 211 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Título original: General Theory of Law and State. Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Numa definição restrita e fruto da análise sistemática das funções estatais, o

Direito Administrativo pode ser considerado o ramo do direito que regula a atividade da

Administração Pública na sua tarefa de assumir os serviços necessários à promoção do

bem comum à sociedade. Surgiu com o fim precípuo de organizar o Estado e suas

atividades, bem como estabelecer parâmetros que velem pela sua efetividade, a fim de

proporcionar o bem comum social.

É espécie pertencente ao gênero do Direito Público, pois regula as relações em

que surge o interesse público e social, como, por exemplo, a manutenção da ordem

econômica ou social. As regras de interpretação das normas administrativas sugerem que

os atos administrativos têm presunção juris tantum de legitimidade, sendo que o interesse

público deve prevalecer sempre sobre o interesse individual devendo ser respeitadas as

garantias constitucionais. A administração pública também poderá agir com certa

arbitrariedade, desde que respeitado o princípio da legalidade.

Nesse ínterim, o art. 2º da CR/88 é taxativo em estabelecer a independência e

harmonia dos poderes da União ao deixar claro que: “São Poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. 212

A questão da teoria da separação de poderes como fator impeditivo no qual se

ampara o Estado para o descumprimento das decisões proferidas na esfera do Poder

Judiciário tem levantado debates acalorados, devendo ser adotada uma nova concepção

acerca da teoria da separação dos poderes, a fim de impedir que este seja um argumento

favorável ao agravamento da díspar situação estatal em face de seus administrados.

Ressalte-se que, a priori o Poder Judiciário não foi estruturado e desenvolvido

para dispor sobre recursos ou planejar políticas públicas. Entretanto, deve ser o guardião da

justiça e que deve prover a pacificação das relações sociais conflitantes.

212 BRASIL, Constituição federal, código civil, código de processo civil / organizador Yussef Said Cahali; obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais, com a coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. 6ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista os Tribunais, 2004.

Deve ser enaltecido o valor político de uma decisão judicial que declara que o

Estado se encontra inadimplente com as obrigações constitucionais econômicas, sociais e

culturais.

Tais sentenças, equiparando-as também com a sentença proferida em favor do

particular no caso concreto, assumem o papel principal para viabilizar a propositura da

execução que tenha por fim a satisfação da obrigação específica descrita no título judicial e

devida pelo Estado, uma vez que servem de canal para as reivindicações da sociedade,

ainda mais porque são necessariamente abalizadas pelo crivo do duplo grau de jurisdição

obrigatório nas causas em que o Estado é vencido. 213

O retrógrado entendimento do princípio da separação dos poderes acaba por

causar um efeito negativo, retardante e paralisante das reivindicações de cunho social,

quanto mais nos casos já decididos na esfera jurisdicional. Por isso, precisa ser submetido a

uma releitura pelos constitucionalistas, processualistas e administrativistas, para que possa

continuar a servir à sua finalidade precípua de garantir direitos fundamentais contra o

arbítrio, sendo configurada também nas hipóteses de omissão estatal. O Estado

Democrático de Direito contemporâneo requer uma reformulação funcional dos poderes a

fim de se garantir um sistema eficaz de “freios e contrapesos”. 214

Para o atingimento de tal finalidade, os juízes devem controlar e exigir o

cumprimento do dever do Estado de satisfazer a obrigação decorrente da sentença judicial

transitada em julgado que constitui o título executado.

Não há motivos para se adotar como legítima a alegação de que o princípio da

separação de poderes constitui óbice ao Estado legitimando o descumprimento das

decisões proferidas em sede do Poder Judiciário, o que na realidade não passa de uma

falácia.

213 FARIA, José Eduardo. (org.). “O Judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico”. In: Direitos

Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo : Malheiros, 1998. p. 12, 24. 214 SANTOS, Ana de Fátima Queiroz de Siqueira. Ação Civil Pública: função, deformação, e caminhos

para uma jurisdição de resultados. Recife: Dissertação de Mestrado, UFPE, 1999.

Primeiro pelo próprio teor do art. 2º da Constituição Federal ao estabelecer, ao

mesmo tempo, a independência e a harmonia dos poderes da União, propiciando uma

conclusão elementar de que os Poderes se completam na medida em que deixam de

cumprir seus preceitos quando puderem ser supridos através da atuação de outra esfera de

Poder.

Segundo, não há que se suscitar o princípio da separação dos poderes para

justificar os casos que Estado descumpre ordem judicial transitada em julgado pelo fato de

ter sido a decisão submetida automaticamente ao duplo grau de jurisdição obrigatório nos

casos em que o Estado sucumbe no processo.

Em suma, nos casos de sentença judicial transitada em julgado, constituindo

título executivo judicial em favor do credor do direito pleiteado, a matéria de defesa do

Estado-executado na execução por uma obrigação de fazer imposta judicialmente não deve

sequer aventar os pseudo-limites políticos supracitados, seja a reserva do possível ou a

separação dos poderes.

5.5. A discricionariedade e o cumprimento das obrigações devidas pelo Estado:

Levando-se em consideração que a lei por si é incapaz de traçar exaustivamente

todas as condutas de um agente público, a própria lei oferece ao administrador uma

possibilidade de agir considerando a valoração de sua conduta. Porém, antes de agir, deve

o administrador avaliar a conveniência e a oportunidade de seus atos na defesa dos

interesses coletivos.

É justamente nessa possibilidade de avaliar valorativamente o seu ato que o

administrador possui o chamado poder discricionário. Trata-se de uma prerrogativa que

possuem os administradores de escolherem a melhor, mais conveniente e oportuna conduta

dentre várias possíveis na defesa do interesse público.

É exatamente no campo da discricionariedade que reside a possibilidade de

desvio de conduta do agente administrativo. Nesse sentido a doutrina contemporânea tem

aceitado maior influência do poder judiciário no controle da legalidade dos atos

discricionários, bem como dos seus efeitos.

Assim sendo, o poder discricionário deve sofrer limitações. Celso Antônio

Bandeira de Mello critica o sentido dado à noção de poder discricionário. Entende ele ser

discricionariedade uma opção atribuída por lei de modo falho, reconhecendo a

impossibilidade de a legislação prever todas as hipóteses de agir do administrador. Faz

correlação entre essa impossibilidade de previsão legal exaustiva à falibilidade do

comportamento e da natureza humana, nos quais também reside o problema da

discricionariedade. Diz o autor:

Ora, o ser humano não é omnisciente. Sua aptidão para desvendar a solução que satisfaria idealmente a finalidade legal é limitada, é finita. Uma vez que a inteligência humana é finita – e, portanto, não pode desvendar tudo – também não pode identificar sempre, em todo e qualquer caso, a providência idônea para atender com exatidão absoluta a finalidade almejada pela regra aplicanda, dado que pelo menos dois pontos de vista divergentes seriam igualmente admissíveis. Disto resulta a impossibilidade de eliminar o subjetivismo quanto à superioridade e algum deles em relação aos outros.215

Com essa pertinente observação torna-se plenamente visível que os atos

administrativos devem sofrer intervenção judicial sempre que não se coadunarem com o

sentido que a lei define para o ato. Se a conduta do agente ou os efeitos dela decorrentes

destoarem do que a lei previu como finalidade, mesmo tendo agido o administrador

prudentemente ao tentar adequar a prática do ato à mens legis, deve este ato ser objeto de

controle judicial devido à falibilidade humana.

O que não se pode aceitar é que a prática de atos legais, atuando o

administrador com discricionariedade, venha a provocar efeitos que contrariem a

215 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª. ed., 7ª tir. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.

finalidade do ato, devendo, nestes casos, atuar o judiciário no controle dos atos

administrativos.

Tendo sido brevemente apresentadas as características da discricionariedade

dos atos na administração pública, volte-se agora o enfoque para a esfera jurídico-

processual, em que também produzirá efeitos.

A execução das obrigações de fazer, negativa ou positiva, movida em face do

Estado possibilita o surgimento de duas situações distintas que devem ser observadas com

cautela no que tange à discricionariedade.

A primeira pertine à execução das obrigações de fazer quando estas forem

fungíveis. Nessas hipóteses, havendo uma variabilidade de meios para a satisfação do

credor, a discricionariedade deve ser utilizada pelo Estado, a fim de respeitar a melhor

conveniência e adequação às suas possibilidades, desde que não seja impossibilitada,

retardada ou limitada a satisfação da obrigação devida.

A segunda situação pertine à execução das obrigações de fazer infungíveis, nas

quais o Estado deve obedecer à exatidão dos meios e requisitos necessários para o

adimplemento específico da obrigação, satisfazendo-a integral e plenamente, devendo

atingir o fim dela pretendido na sua forma a que faz jus o exeqüente. Nesses casos, a

discricionariedade estará abolida, uma vez que o administrador não poderá escolher os

meios que melhor lhe convierem, mas sim deverá atender o comando na sua forma

específica, dentro dos exatos moldes estipulados pelo título judicial.

Conclui-se então que todos os atos administrativos, discricionários ou não,

podem ser objetos de apreciação pelo Poder Judiciário, que estará zelando pelo respeito aos

princípios que regem a administração pública, em especial o da legalidade.

5.6. Meios de coerção na execução contra a Fazenda Pública:

Nos casos de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública inexistem

maiores complicações, pois em observância ao artigo 100 da Constituição Federal de 1988,

salvo exceções expressas, o procedimento a ser adotado é o do artigo 730 do CPC, através

do sistema dos precatórios.

Apesar disso, nos casos em que as execuções são fundadas em títulos

executivos que determinam a satisfação de obrigações de fazer, deve ser adotado

procedimento diverso, qual seja, o do art. 632 e ss. do CPC, procedimento este que, de

acordo com o art. 644, possibilita a adoção dos meios de execução previstos no art. 461 e

ss. do CPC, mesmo que na execução em face do Estado, pois nas execuções dessa espécie,

os privilégios comumente existentes nas execuções pecuniárias não incidem.

Uma peculiaridade reside no fato de que a execução das obrigações de fazer por

terceiro, às expensas do Estado, esbarra na necessidade de licitação e de dotação

orçamentária específica, ressalvadas as hipóteses anteriormente citadas em que se torna

possível a reorganização das finanças públicas.

No mais, o artigo 632 do CPC prevê a possibilidade de execução por terceiros

nos casos de obrigação de fazer, aludindo também à alternativa final de conversão da

obrigação em perdas e danos, o que é indesejável para o credor de um direito que deve ser

satisfeito na forma específica, ainda mais pelo fato de que será convertida a execução

específica em execução pecuniária, incidindo todos os privilégios que tem o Estado em

juízo nesses casos. A conversão em perdas e danos, sem dúvida deve ser a última de todas

as tentativas de coagir o Estado a cumprir a obrigação na sua forma específica.

Mas, se de todas as formas o Estado se mantiver inerte e a obrigação for

inadimplida, restam algumas medidas possíveis de serem aplicadas. São elas: as astreintes,

a pena de desobediência e o bloqueio de valores.

No que tange às astreintes, cumpre dizer que têm sido largamente aplicadas

contra a Fazenda Pública. Entretanto, surgem algumas situações específicas inevitáveis.

Certo é que a multa diária visa atuar psicologicamente sobre o obrigado, e se reverte em

benefício do credor prejudicado pelo atraso, compelindo o devedor a cumprir mediante a

ameaça do prejuízo de cunho patrimonial. Por este motivo, o quantum a ser determinado

não se relaciona em nada a obrigação descumprida, podendo extrapolar seu valor. Inexiste

um limite, como dito anteriormente.

Nas execuções em que o Estado figura no pólo passivo a eficácia das astreintes

exige que sejam estipuladas em valoração elevada, uma vez que não atinge pessoalmente a

ninguém, a uma pessoa particular em especial, mas sim à administração pública, e através

de uma análise fria, esse valor acaba sendo ônus da própria sociedade que paga as

contribuições e pretende vê-las revertidas em seu favor.

Em oposição, se a multa aplicada for de valor baixo, tornar-se-á ineficaz para

forçar o Estado a cumprir o preceito devido. E se o valor é extremamente elevado, gera-se,

em alguns casos em concreto, flagrante expectativa no credor de uma obrigação específica

de que seu direito não seja cumprido na forma específica, pois, se convertida a obrigação

em perdas e danos, lhe será muito mais vantajoso o crédito pecuniário do que o

cumprimento específico da obrigação, esbarrando ainda nas reais impossibilidades

financeiras do Estado em arcar com o ônus exacerbado, justificando nestes casos, a

alegação da reserva do possível.

Portanto, antes de aplicar as astreintes, o juiz deve identificar, estudar, analisar,

detalhar e apreciar cada uma das peculiaridades existentes e possíveis no caso em concreto,

pautado pela razoabilidade e pela proporcionalidade, sob pena de deturpação da natureza

medida executiva em comento. A multa é meio de coerção secundário e não pode ser

admitido como fim principal do processo, o que pode ocorrer nos casos em que o crédito

decorrente da multa diária supera em muito o valor da obrigação específica executada. Em

tais condições, ocorre verdadeiro enriquecimento ilícito da parte.

Voltando à fria análise de que a multa acaba se tornando ônus da sociedade

pagadora de suas contribuições e levando-se em consideração também que a multa atinge

diretamente ao erário, conclui-se que a multa atinge a todos e ao mesmo tempo, a ninguém.

Sua força coercitiva é sentida indiretamente pelo Estado devedor principal da obrigação e

diretamente pelo restante da sociedade que nada tem a ver com o litígio decorrente do

inadimplemento de uma obrigação específica in concreto.

Sob esse enfoque, no caso da aplicação das astreintes em face do Estado, a

força coercitiva de sua aplicação é relativizada, uma vez que não existe um indivíduo em

especial que possa subjetivamente ser atingido.

É de se esperar que os agentes públicos procurem impedir a invasão patrimonial

do erário público, presumivelmente. Mas é muito comum que a multa se aplique em face

da ineficiência da prestação de atos pela entidade estatal executada, incidindo as astreintes

por dias ou meses, já que ninguém é subjetivamente atingido pela coação.

Como dito, a aplicação das astreintes atinge sua finalidade de maneira mais

eficaz nos casos de litígio entre particulares, ao contrário de quando incidem contra o

Estado, quando o prejuízo é pulverizado na coletividade.

Outra medida que possivelmente poderia ser aplicada é a pena de desobediência

criminal, podendo ser invocado o mesmo raciocínio. Apesar de ser a mais eficaz e

freqüentemente utilizada, não é a mais adequada pelo constrangimento e humilhação a que

se submete o funcionário público.

Leonardo Greco também entende que podem existir entraves para o juiz que

aplicar tal medida, pois deverá prestar informações precisas e completas “em um habeas

corpus, com o risco de sofrer algum procedimento disciplinar ou até criminal por abuso de

poder”. E conclui afirmando que, em geral, a prisão não passa realmente de uma ameaça,

“não chegando normalmente a consumar-se”. 216

Outro elemento que deve ser observado nesses casos é que, para que o delito se

configure, é necessária a existência do dolo de descumprir a determinação judicial, o que é

quase impossível de se provar, esvaindo-se tal elemento e mitigando ainda mais a

aplicação da ameaça de prisão.

Existe também a possibilidade de bloqueio de valores, conforme já verificado

em jurisprudência anteriormente citada. Tal medida se figura, razoavelmente, como a saída

mais efetiva, devendo ser bloqueados os valores que garantam a execução da obrigação

inadimplida, impondo-se sobre tal valor a correção e os juros permitidos.

Nas situações de urgência, poderá ocorrer, além do bloqueio, a liberação

imediata do valor para a satisfação do desígnio pretendido, a exemplo de um tratamento

médico urgente em flagrante situação de risco de morte. Se inadimplida a obrigação devida

pelo Estado, é mais que razoável determinar o bloqueio e a liberação do valor no erário

para que seja destinado ao custeio do tratamento mediante comprovação. Essa medida

apresenta vantagens que devem ser enaltecidas: a de evitar o enriquecimento ilícito da

parte credora e a de evitar a ineficácia da mera advertência do risco de prática de crime de

desobediência.

Observa-se que o bloqueio das quantias, com ou sem sua liberação, pode ser

sim a solução mais adequada à necessidade de utilização de mecanismos eficazes de

coerção que atendam às peculiaridades existentes nas demandas judiciais contra o Estado.

Para o fechamento da análise, cite-se mais uma vez Leonardo Greco, que

entende que devem ser utilizados todos os meios de coerção e sub-rogação disponíveis e

aplicáveis ao Estado, quando este figure como devedor de obrigação de fazer ou de não

fazer.

216 GRECO, Leonardo. “Tutela jurisdicional específica”. In Estudos. Op. Cit. p. 527.

Segundo as razões do referido autor, devem ser aplicadas as medidas que se

fizerem necessárias ao cumprimento satisfatório da obrigação “pelo próprio administrador

ou por quem o juiz designar” de acordo com o §5ª do art. 461 do CPC, “sem prejuízo das

sanções políticas e penais previstas em outra sede”. 217

Arremata citando a possibilidade de ser aplicada a sanção prevista na Lei 10.

358/2001 que deu nova redação ao caput do art. 14 do CPC em relação ao descumprimento

de ordens judiciais, que prevê a possibilidade de aplicação de multa ao funcionário público

recalcitrante. 218

5.7. A defesa do Estado na execução por obrigação de fazer ou de não fazer:

Este último tópico abordará os meios de defesa possíveis do Estado executado,

abordagem esta que será feita de uma forma genérica e despretensiosa, uma vez que no

presente trabalho, deve se restringir aos casos de execução por obrigação de fazer e não

fazer.

5.6.1. Embargos à execução:

A oposição de embargos, antes das reformas, era o meio procrastinatório mais

comumente usado para que o devedor pudesse, sob o pretexto de se manifestar, esquivar-se

de forma legal e legítima do cumprimento de sua obrigação. Por isso, o legislador, atento

às práticas forenses que muitas vezes retirava qualquer possibilidade de se efetivar de

forma específica a obrigação contida no título, tratou de aparar as arestas remanescentes

reformando o modo de cumprimento das sentenças.

217 GRECO, Leonardo. “Tutela jurisdicional específica”. In Estudos. Op. Cit., p. 529. 218 Idem.

Exemplo da aludida procrastinação era a da oposição de embargos à execução

de título judicial obtido através do lento tramitar de uma exaustiva ação cognitiva, que, em

face do Estado, ainda deve ser obrigatoriamente remetida para instância superior para

reapreciação necessária do mérito, sendo o julgado dotado de uma força executiva que se

identifica na sua quase absoluta presunção de certeza.

Na execução imediata, após a Lei 10.444/2002 que trouxe a

desprocessualização da execução dos títulos executivos formados em juízo relativos às

prestações de fazer e de não fazer, bem como a de entrega de coisa, o devedor perdeu a

possibilidade de oposição de embargos com a suspensão da execução a fim de fortalecer a

posição do credor e facilitar o recebimento do direito que lhe é devido. 219

Leonardo Greco diz que, pelas características próprias da execução imediata, a

defesa do executado se limita à simples argüição de matéria relevante por meio de petição

endereçada ao próprio juiz ou através de impugnação às medidas coativas devendo valer-se

do competente recurso. 220

Assim, na modalidade de tutela específica de obrigações de fazer e não fazer

fundada em título judicial, não existe defesa específica prevista em lei, nada impedindo

que o Estado alegue em seu favor nulidades relativas no que tange à forma da execução

(cumprimento), pois as outras matérias de defesa previstas no art. 741 do CPC são

cognoscíveis ex officio.

Ou então, em relação ao mérito, pode ainda o Estado alegar incidentalmente,

por meio de simples petição, fatores impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação,

desde que tais fatores advenham ulteriormente a formação do título executado.

219 Expressão utilizada por GRECO, Leonardo. “A Defesa na Execução Imediata”, In Estudos. Op. Cit., p. 495. 220 Idem, p. 496.

O certo é que, antes das últimas reformas, logo após a instauração do processo

executivo autônomo, os embargos eram opostos com fins quase sempre procrastinatórios,

retirando a efetividade do provimento jurisdicional.

Assim, a Lei nº. 10.444/2002 e a Lei nº. 11.232/2005 foram muito além e, para

repararam as possibilidades de procrastinação e redução da efetividade do provimento

jurisdicional em relação aos títulos executivos judiciais, extinguindo o próprio incidente

dos embargos à execução do título judicial, devendo ser cumprida a sentença na forma que

prescreve o art. 461 do CPC no que diz respeito às condenações por obrigações de fazer ou

de não fazer.

As oportunidades comumente utilizadas de oposição de embargos às outras

espécies de execução encontram-se descritas nos arts. 736 e ss. do CPC. A peculiaridade

em relação ao Estado, mais especificamente em relação às execuções por obrigações de

fazer e não fazer encontra-se no art. 737 do CPC, que diz que não são admissíveis os

embargos do devedor antes de seguro o juízo pela penhora, na execução por quantia certa

ou pelo depósito na execução para entrega de coisa, sendo inaplicável tal artigo por ser

absolutamente desnecessária qualquer segurança do juízo no caso das execuções por

obrigações de fazer e não fazer, já que a matéria alegável em defesa é restrita a poucas

situações e a obrigação específica nada tem a ver com dívidas pecuniárias.

Há quem defenda que, após a Lei nº. 11.232/2005, o instituto dos “embargos”

estará substituído pela nova figura processual da impugnação ao requerimento executivo

de título judicial, tanto nas hipóteses de execução pecuniária quanto nas execuções por

obrigações específicas. 221

No entanto esse é um entendimento que depende de cautela, pois de acordo com

a opinião aqui defendida, é possível a ulterior propositura de execução do título executivo

judicial nos moldes dos arts. 632 e seguintes do CPC, aplicados subsidiariamente caso não

221 CARREIA ALVIM, José Eduardo. Cumprimento. Op. Cit., pp. 60-72.

seja cumprida a decisão que condene a uma prestação de obrigação de fazer ou não fazer

na forma do art. 461 do CPC, antes que seja convertida em perdas e danos, e nesses casos,

existe a possibilidade de oposição de embargos (vide art. 738, inciso IV).

Atenção especial é requerida neste ponto, pois o entendimento de Carreira

Alvim gera hipótese intrigante a ser resolvida.

Analise-se a questão com base nas certezas: considerando que a Lei

10.444/2005 determina o cumprimento específico da decisão, sentença ou acórdão

conforme as regras do art. 461; considerando que esta decisão, sentença ou acórdão

constitui o título executivo judicial que contém a obrigação de fazer ou de não fazer a ser

cumprida especificamente e, por fim, considerando que a execução subsidiária, após o

infrutífero cumprimento sine intervallo, pelo rito do art. 632 e seguintes pode se

desenvolver tanto com fulcro em títulos judiciais quanto com fulcro em títulos executivos

extrajudiciais, levanta-se a seguinte questão se adotado o entendimento de Carreira Alvim.

222

Existe incoerência entre o artigo 461 que determina a forma de cumprimento

das decisões judiciais condenatórias que determinem a prestação de obrigações de fazer e o

artigo 632 e seguintes do CPC que se destinam à execução dessas mesmas obrigações?

Parece que não, pois o legislador previu vários meios de oferecer ao credor a

possibilidade de obter seu direito cumprido na exata forma pretendida por ele sem que seja

convertido em perdas e danos.

Para tanto, existe a ação para cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer

no procedimento cognitivo; existe a fase de cumprimento dessas mesmas obrigações

subseqüente ao procedimento cognitivo no mesmo processo, para efetivação da prestação

da tutela específica, que permite uso dos meios executivos do at. 461 e, por fim, se mesmo

assim não for adimplida a obrigação na forma específica pretendida pelo credor, poderá

222 Idem, p. 60.

ele, subsidiariamente, executar o julgado na forma do art. 632 e seguintes do CPC, assim

dispôs o legislador (art. 644). Tudo para que não seja a obrigação específica convertida em

perdas e danos.

Nesse ponto, com as devidas escusas, parece equivocar-se Carreira Alvim ao

afirmar em sua obra “Cumprimento da Sentença” que a execução das obrigações de fazer e

não fazer já não comportam mais “execução”, mas sim “cumprimento”, retirando do credor

a possibilidade de, conforme o que dispõem os arts. 632 e seguintes do CPC, obter seu

direito na forma específica, antes da sua conversão em perdas e danos. E segundo esse

mesmo entendimento, afirma não existir mais “embargos” do devedor, senão simples

“impugnação” ao pedido. 223

Se a construção ideológica de Carreira Alvim fosse indiscutivelmente correta,

qual seria, então, a finalidade da existência dos artigos 632 e seguintes (execução), do art.

738, IV (prazo para oposição dos embargos) e do art. 741 (embargos à execução contra a

Fazenda Pública) do CPC? Por que o legislador reformador não os expurgou do CPC, uma

vez que não existem mais execução das obrigações de fazer ou de não fazer, tampouco

seus embargos?

O entendimento endossado no presente trabalho é o de que não existem

palavras desnecessárias na lei, por isso, de acordo com os artigos 632 e seguintes,

perfeitamente possível a “execução” de tais obrigações, bem como o que prescreve o art.

738, IV, aliado ao artigo 741, todos do CPC, perfeitamente possível também os

“embargos” à execução por obrigações de fazer ou de não fazer após tornar-se infrutífera a

modalidade de cumprimento da decisão, sentença ou acórdão com fulcro no art. 461 do

CPC que faz menção à adoção dos meios executivos nele descritos. Portanto, existem a

“execução” e os “embargos” à execução forçada por obrigação de fazer ou de não fazer, ao

contrário do que assegura o autor supracitado.

223 CAREIRA ALVIM, José Eduardo. Cumprimento da Sentença. Op. Cit., p. 60.

Ultrapassada essa questão, o prazo para a apresentação dos embargos à

execução por obrigações de fazer ou de não fazer no rito do art. 632 e ss. encontra-se

estabelecido no art. 738 do CPC, e é de dez dias a partir da data da juntada do mandado de

citação nas execuções por obrigações de fazer ou de não fazer, não existindo qualquer

privilégio ou dilatação de prazo para favorecer o Estado executado, uma vez que a

oportunidade de opor embargos não deve ser confundida com a manifestação nos mesmos

autos. Então, opor embargos não é contestar, pelo que não se aplica a regra do art. 188 do

CPC.

Nesse sentido, o STJ já decidiu nos seguintes termos:

“Os embargos à execução, como ação incidente e especial, seguem a regra específica do art. 730 do CPC, não sendo aplicável a regra do art. 188 do diploma processual, próprio para as contestações e recursos”. 224

E mais, o prazo de 30 (trinta) dias, estabelecido pela Medida Provisória nº.

2.180-35 descrito no art. 730 do CPC refere-se tão somente nas hipóteses de execução por

quantia certa contra a Fazenda Pública.

Então, no caso em comento, a análise é feita com enfoque no caso de execução

subsidiária não pecuniária que tenha por objeto uma prestação de obrigação de fazer ou de

não fazer contra o Estado, fundada em título executivo judicial de acordo com os artigos

632 e seguintes do CPC, porque não foi a obrigação cumprida através do art. 461, assim

prevê o diploma processual no seu art. 644, pelo qual deverão ser aplicadas

subsidiariamente as regras do Título II do mesmo diploma.

Assim, se o credor exigir o cumprimento da obrigação na forma específica e se

a obrigação constante no título judicial não for cumprida de acordo com o art. 461, deverão

ser aplicadas subsidiariamente as disposições do art. 632 e ss. do CPC para a execução do

224 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 485.935, rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.5.04, DJU 20.9.04, p. 237, disponível em <http://www.stj.gov.br>, acesso em 04.08.2006.

título judicial não cumprido, possibilitando então a oposição de embargos (art. 738, inciso

IV).

E só a partir de então, caso absolutamente impossível o adimplemento na forma

específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, após a utilização do art. 461 e

dos artigos 632 e seguintes do CPC, poderá ser a obrigação convertida em perdas e danos,

devendo ser essa medida a última das hipóteses de satisfação do direito do credor, se por

ela o mesmo não optar antes.

Dessa maneira, nos casos em que se faz necessária a execução na forma do art.

632 e ss. do CPC, existe a possibilidade de manifestação do Estado na forma do art. 738,

IV cumulada com o art. 741, incisos e parágrafo único também do CPC.

Fica claro finalmente, que a obrigação de fazer ou não fazer constante no título

judicial executado deve ser cumprida no prazo nele estipulado ou que for fixado pela

Turma no caso de execução de contra o Estado, já que, para a formação do título executivo

judicial, necessária se fez a remessa obrigatória ao grau de jurisdição superior ao que

proferir a sentença condenatória. Não cumprida a obrigação, pode ainda o credor dispor da

modalidade subsidiária de execução do Título II do CPC, nos moldes dos arts. 632 e

seguintes.

Executada a obrigação nos moldes do art. 632 e seguintes do CPC, o Estado

poderá cumprir a obrigação especificamente ou simplesmente se esquivar do cumprimento

da obrigação por lhe ser mais vantajosa nessa situação de executado, em grande maioria

das vezes, a conversão da obrigação específica em perdas e danos, que nesses casos figura-

se como último recurso para obtenção do direito devido em forma de crédito pecuniário,

fato este que transmutará a execução específica em execução pecuniária, alterando-se os

prazos para defesa do Estado, sujeitando-se ainda o direito originalmente executado, que

foi convertido em crédito pecuniário, ao pantanoso regime dos precatórios.

No Título III do CPC destinado aos embargos à execução, encontra-se o prazo

de 10 (dez) dias descritos no caput do art. 738, para que o devedor possa discordar da

execução por obrigações de fazer ou de não fazer (inciso IV), sendo conveniente aqui

relembrar o entendimento de Ricardo Perlingeiro de que “não existem privilégios a favor

da Fazenda Pública no que se refere ao cumprimento dessas obrigações”. 225

Conclui-se sem maiores dúvidas que o prazo para que o Estado oponha

embargos a essas espécies de execução é de 10 (dez) dias, embargos estes que terão

natureza jurídica de ação autônoma conforme entendimento do autor supracitado. 226

Da mesma forma Araken de Assis assim afirma, dizendo que o prazo para

oposição de embargos nesse caso é o comum, de 10 (dez) dias, e não o de 30 (trinta) dias

do caput do art. 730, alterado pela MP 2.180-35 de 2001, ao citar que este prazo de trinta

dias se aplica somente no procedimento que visa satisfazer pretensão pecuniária contra a

Fazenda Pública, devendo ser executados pelo rito comum os créditos de natureza diversa,

dentre eles as obrigações de fazer ou de não fazer, sendo aplicável também o prazo comum

de 10 (dez) dias para embargar. 227

Ultrapassadas as questões da possibilidade de oposição de embargos à execução

e a questão do prazo para tanto, seja a apresentação do tema voltada agora para a

observância de algumas notas relativas às matérias alegáveis nos embargos à execução

contra o Estado, que estão descritas no art. 741 do CPC, in verbis:

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; II - inexigibilidade do título; III - ilegitimidade das partes; IV - cumulação indevida de execuções; V – excesso de execução;

225 PERLINGEIRO, Ricardo. Execução contra a Fazenda Pública. Op. Cit., pp. 111-112. 226 Idem, p. 112. 227 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 9ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 1086.

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença; Vll - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz. Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”. 228

Os embargos à execução contra a Fazenda Pública poderão versar tão somente

sobre as matérias arroladas no art. 741 do CPC por ser expressa a determinação legal nesse

sentido. Qualquer matéria que não se amolde àquelas elencadas no rol do art. 741 não

poderá ser apreciada em sede de embargos.

Anote-se por oportuno que o art. 741 foi recentemente alterado pela já citada

reformadora Lei nº. 11.232/2005, restringindo sua aplicação tão somente nos casos de

execução contra a Fazenda Pública, pois antes da reforma, aplicava-se a todas as execuções

fundadas em títulos judiciais, que após entrada em vigor dessa lei reformadora passa a ser

regulada pelo sistema de cumprimento das sentenças, art. 475-I, CPC e ss., e, nos casos das

obrigações de fazer e não fazer, seu cumprimento já era regulado pelo art. 461 do CPC.

Observando essa anotação, a taxatividade do rol do art. 741 do CPC é capaz de

gerar controvérsias quanto à possibilidade de seu alargamento, apesar de parecer ser fixada

rigidamente pela expressa limitação que se vislumbra no teor da redação do caput. Essa

controvérsia quanto à taxatividade do rol do art. 741 é demonstrada nas anotações da obra

de Theotônio Negrão, na qual é citado que “a enumeração não exaure todas as hipóteses de

cabimento de embargos à execução”, sendo que poderia ser alegado, por exemplo, a

litispendência ou extinção da execução. 229

228 BRASIL, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, D.O.U. de 17.1.1973, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>, acesso em 04.08.2006. 229 NEGRÃO, Theotônio, Op. Cit., p. 849.

Conclui-se assim que as matérias argüíveis na defesa do Estado quando este

figurar no pólo passivo de uma execução por obrigação de fazer e de não fazer, tramitando

subsidiariamente no rito do art. 632 e seguintes do CPC, uma vez não cumprida a

obrigação no rito do art. 461 do CPC, não podem ser alargadas ab infinito como era

anteriormente aceito antes das reformas.

A possibilidade de oposição de embargos por terceiros interessados ou afetados

pela execução da obrigação de fazer ou de não fazer continua sendo direito assegurado

com base nos artigos 1.046 e seguintes do CPC, inclusive com a suspensão dos atos

executórios, de acordo com o que prescreve os arts. 1.050 a 1.052.

5.6.2. A exceção de pré-executividade:

As matérias relativas à nulidades podem também ser suscitadas em defesa à

execução através da exceção de pré-executividade, outro meio de defesa que será aqui

abordado somente de maneira genérica e superficial devido a uma inevitável e

desnecessária dilatação temática, acaso fosse exaustivamente analisado o tema.

Trata-se de um meio de defesa destinado à argüição de nulidade no processo de

execução. É também chamado de objeção de pré-executividade esse meio de defesa para a

impugnação da executividade do título, sem necessidade de nomeação de bens à penhora,

nos casos de execução pecuniária, para o fim de extinção do processo.

Funda-se em motivos que poderiam ser conhecidos de ofício pelo juiz e traz

porção de conhecimento ao processo de execução, não possuindo nem forma, nem figura

de juízo, uma vez que não possui previsão legal específica.

Não possui definição legal expressa. Trata-se de construção que os

processualistas pátrios maquinaram para propiciar ao coagido pela execução irregular

resistir aos atos executórios, trazendo à apreciação do juízo as nulidades que maculam o

procedimento executivo. Funda-se no art. 618 do CPC.

De acordo com as lições de Nelson Rodrigues Neto, não suspende o processo

de execução, portanto, não enseja dilação probatória, já que não impede o prosseguimento

dos atos executivos. 230

O autor Luiz Peixoto de Siqueira Filho conceitua o instituto, e, ao contrário do

posicionamento supracitado, entende pela suspensão da execução, dizendo que a exceção

de pré-executividade é:

Argüição de nulidade feita pelo devedor, terceiro interessado, ou credor, independente de forma, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, referente aos requisitos da execução, que suspende o curso do processo até o seu julgamento, mediante procedimento próprio, e que visa à desconstituição da relação jurídica processual executiva e conseqüente sustação dos atos de constrição material. 231

Serve para atacar matéria de ordem pública, independentemente de

oferecimento de embargos, provocando o juiz a conhecer matéria apreciável de ofício pelo

juízo da execução e pode ser oferecida para concomitantemente com os embargos, desde

que tratem de matéria distinta.

No entanto, essa é mais uma das artimanhas que pode se valor o devedor para

esquivar-se de adimplir a obrigação, contrariando as tão buscadas celeridade e efetividade

do processo.

Nesses casos, Alberto Camiña Moreira entende que a exceção deve ser

apreciada antes dos embargos, equivalendo-se a uma preliminar destes, desde que tratem

de objetos distintos. Todavia, a matéria não será aprofundada porque neste ponto a

230 RODRIGUES NETTO, Nelson. “Exceção de Pré-executividade”. In: Revista de Processo. Ano 24. nº. 95. Jul./Set. de 1999. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp. 36-37. 231 SIQUEIRA FILHO, Luiz Peixoto de. Exceção de Pré-executividade. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, pp. 40-56.

inevitável seria dilatação do tema, o que prejudicaria a conclusão final no enfoque

pretendido. 232

De igual forma, no que tange à defesa do Estado relativa às execuções

pecuniárias, assim constituídas pela da conversão da obrigação específica de fazer ou de

não fazer em perdas e danos, ou à defesa do Estado na execução pecuniária das multas

aplicadas em sede de cumprimento no rito do art. 461 também não serão abordadas, porque

se afastam por completo do tema objeto de estudo, cabendo deixar aposto no estudo em

tela tão somente as referências e comentários já feitos, uma vez que também não prejudica

o entendimento dos institutos analisados.

232 MOREIRA, Alberto Camiña. Defesa sem Embargos do executado: Exceção de Pré-Executividade. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 25-56.

CONCLUSÃO

Em suma, extrai-se das hipóteses suscitadas e da análise dos institutos

abordados no presente estudo que o legislador através das constantes reformas tenta

atribuir maior efetividade à prestação da tutela jurisdicional.

Entretanto, no que tange à tutela específica das obrigações de fazer e de não

fazer, a satisfação do direito que possui o credor dependerá diretamente da vontade do

devedor para que o cumprimento se dê na forma específica pretendida.

Muitas das vezes o devedor dessas obrigações específicas é o Estado, na figura

de um ou mais de seus entes. O que ocorre nesses casos é que as alegações de falta de

aparelhamento, de pessoal e de recursos financeiros vêm sendo aceitas como argumentos

válidos e legítimos para o que mesmo não cumpra a obrigação por incapacidade.

Mas, o Código de Processo Civil prevê no seu artigo 461 um sistema para o

cumprimento dessas espécies de obrigações, que deve ser utilizado para forçar o Estado

devedor a adimplir a obrigação por ele devida.

Dentro desse rol encontram-se as medidas executivas de coerção que tendem a

forçar a motivação do devedor para que satisfaça a obrigação in natura.

Existem ainda os meios de sub-rogação, que, no caso das obrigações de fazer

fungíveis, poderão se prestadas por terceiro, à custa do devedor principal. Se mesmo após

o uso dos meios executivos possíveis a obrigação restar inadimplida, pode o credor ver seu

direito originário convertido em perdas e danos, obtendo a satisfação do seu direito

mediante recebimento do valor da indenização pelo inadimplemento da obrigação.

No que tange à execução dessas obrigações contra o Estado, as falaciosas

argumentações comumente utilizadas em sua defesa, por vias legítimas e legais, e que

geralmente são reconhecidas pelos tribunais pátrios, acabam trazendo óbice à efetividade

da prestação da tutela jurisdicional específica, contrariando os anseios do legislador e dos

credores.

Mas, de acordo com o que se extrai das notas acima feitas acerca dos temas

abordados, a efetividade encontra ao mesmo tempo, óbices legais e legítimos e uma

amplitude de meios executivos típicos ou atípicos para que seja cumprida.

Em apertada síntese, o que se pretendeu no presente estudo foi justamente

identificar, delimitar e analisar cada uma dessas peculiaridades acerca da efetividade da

prestação da tutela jurisdicional executiva relativa às obrigações de fazer e de não fazer em

face do Estado.

As prerrogativas a que faz jus o Estado nas execuções pecuniárias não são

aplicáveis às execuções por obrigação de fazer ou de não fazer, igualando-o a qualquer

outro devedor dessas espécies de obrigações.

No entanto, apesar desse nivelamento, a efetividade da prestação jurisdicional

fica comprometida pelas diversas artimanhas políticas e processuais cometidas pelo Estado

devedor, que se valendo das precárias situações funcionais e da corrupção publicamente

anunciada de seus gestores, acomoda-se e, geralmente não cumpre a obrigação específica

por lhe ser mais favorável a conversão da obrigação específica em perdas e danos, o que

coloca o credor a uma situação de inferioridade porque, depois de convertida a obrigação

específica em perdas e danos, obrigatoriamente será a execução específica convertida em

execução pecuniária.

A conversão da obrigação específica em perdas e danos deve ser a última das

hipóteses de satisfação do direito do credor, até mesmo porque não será satisfeito, mas sim

indenizado pelo não cumprimento in natura da obrigação.

O Estado se favorece, e muito, dessa conversão, pois irá fazer uso de todas as

prerrogativas que o desnivela do credor na execução pecuniária, e é justamente nas amplas

possibilidades e meios executivos utilizáveis para se efetivar a prestação da tutela

específica que se busca através dos despretensiosos comentários feitos, elaborar um estudo

que torne possível a análise dos aspectos relevantes que contribuem, e dos entraves que

impedem a prestação efetiva da tutela jurisdicional específica executada contra o Estado.

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