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1 A EXPEDIÇÃO DE YNGVAR AO LESTE (SÉC.XI): EMBATES ENTRE CULTURA MATERIAL VS. DOCUMENTAÇÃO ESCRITA E MOTIVAÇÕES RELIGIOSAS VS. ECONÔMICAS MUCENIECKS, André Szczawlinska (UNISA/SP) Introdução Esta comunicação refere-se a pesquisa desenvolvida para monografia de conclusão de curso no programa de pós-graduação em Arqueologia pela Universidade de Santo Amaro, São Paulo, referente às estelas rúnicas de Yngvar. Está inclusa também nas pesquisas envolvidas no nosso projeto de doutoramento em história sob orientação da profa. Ana Paula Magalhães, USP, que centraliza-se na análise do imaginário escandinavo medieval acerca das regiões de leste, mais especificamente Rus, regiões Báltica e Ártica. Tratamos aqui de um estudo da medievalística fundamentado numa comparação entre o registro fornecido pela Cultura Material com a documentação escrita tradicional. O contexto do registro material data do século XI, a documentação escrita data do século XIII, e os ocorridos tratados versam também acerca do século XI. Trata-se do relato acerca da expedição do viking Yngvar à Rus de Kiev, na qual pereceram muitos escandinavos, e sobre a qual possuimos uma saga, um Þáttr e pelo menos 26 estelas rúnicas. Por fim, nossa análise incorporará pontos de vista não apenas do campo de conhecimento histórico, mas também arqueológico, à medida em que leva em consideração os indícios fornecidos pela Cultura Material. Desenvolvimento, métodos e referenciais teóricos Nos séculos XI e XII há um florescimento 1 e grande difusão de estelas dotadas de escritas rúnicas na Escandinávia, em particular na Suécia, na região que engloba os lagos 1 Empregamos “florescimento” porque o uso da escrita rúnica é registrado desde o século III (SAWYER & SAWYER, 2004; pp.10ss.).

A EXPEDIÇÃO DE YNGVAR AO LESTE (SÉC.XI): EMBATES … · narrativa centraliza-se em Eymund, ... ou de reação à forma ideologizada da Saga de Yngvar – ainda que apresentando

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A EXPEDIÇÃO DE YNGVAR AO LESTE (SÉC.XI): EMBATES ENTRE

CULTURA MATERIAL VS. DOCUMENTAÇÃO ESCRITA E

MOTIVAÇÕES RELIGIOSAS VS. ECONÔMICAS

MUCENIECKS, André Szczawlinska (UNISA/SP)

Introdução

Esta comunicação refere-se a pesquisa desenvolvida para monografia de conclusão de

curso no programa de pós-graduação em Arqueologia pela Universidade de Santo Amaro, São

Paulo, referente às estelas rúnicas de Yngvar. Está inclusa também nas pesquisas envolvidas no

nosso projeto de doutoramento em história sob orientação da profa. Ana Paula Magalhães,

USP, que centraliza-se na análise do imaginário escandinavo medieval acerca das regiões de

leste, mais especificamente Rus, regiões Báltica e Ártica.

Tratamos aqui de um estudo da medievalística fundamentado numa comparação entre o

registro fornecido pela Cultura Material com a documentação escrita tradicional. O contexto

do registro material data do século XI, a documentação escrita data do século XIII, e os

ocorridos tratados versam também acerca do século XI. Trata-se do relato acerca da expedição

do viking Yngvar à Rus de Kiev, na qual pereceram muitos escandinavos, e sobre a qual

possuimos uma saga, um Þáttr e pelo menos 26 estelas rúnicas.

Por fim, nossa análise incorporará pontos de vista não apenas do campo de

conhecimento histórico, mas também arqueológico, à medida em que leva em consideração os

indícios fornecidos pela Cultura Material.

Desenvolvimento, métodos e referenciais teóricos

Nos séculos XI e XII há um florescimento1 e grande difusão de estelas dotadas de

escritas rúnicas na Escandinávia, em particular na Suécia, na região que engloba os lagos

1 Empregamos “florescimento” porque o uso da escrita rúnica é registrado desde o século III (SAWYER &

SAWYER, 2004; pp.10ss.).

2

Malaren. Diversas formas de catalogação e agrupamento de tais estelas são feitas, por critérios

via de regra contemporâneos; inclui-se aqui análise de estilo, critérios geográficos (referentes

ao lugar aonde são encontradas as estelas) e critérios geográficos relativos ao conteúdo.

Como em sua grande maioria as estelas contém textos comemorativos ou de

homenagem a algum morto, o último critério referido, acerca do conteúdo, é também

geográfico por trazer a localidade aonde o falecido morreu. Desta forma, as estelas possuem

grande valor informativo, não apenas sobre técnicas de construção, ideologia, mitologia e

religião, mas também a respeito de movimentos comerciais, expedições e expansões. Neste

último critério, as estelas podem ser divididas, por exemplo, em estelas “inglesas” (contendo

informações acerca de escandinavos mortos nas ilhas britânicas), estelas “gregas” (referindo-se

aos falecidos nas regiões do Império Bizantino), estelas de “leste” (geralmente contendo

referências aos varegues, os vikings na Rússia e adjacências), dentre outros. Também existem

alguns grupos de estelas que falam sobre o mesmo indivíduo, ou contém referências de

passagem a ele, como o grande grupo de estelas referentes à expedição do viking Yngvar às

regiões de Rússia e além, o grupo de Jarl Hakon, ou do viking Freygeirr.

O cruzamento dos dados contidos nas estelas com as fontes escritas também propicia

informações ricas, seja pela conssonância dos dados entre si quanto pela dissonância. Um

destes casos, que nos interessa aqui em particular, é o grupo de estelas que refere-se à

expedição de Yngvar. Em adição à Saga de Yngvar2 - “Yngvars saga víðförla” (Saga de

Yngvar, o “viajante3”) e ao þáttr4 de Eymund (Eymundar þáttr hrings), existem 26 estelas

rúnicas falando acerca de vikings mortos nesta expedição. Estas estelas encontram-se, em sua

totalidade, em território sueco.

Conquanto a Saga de Yngvar possua uma versão altamente ideologizada acerca do

ocorrido, com aspecto quase que hagiográfico no que toca a Yngvar, o þáttr correspondente

apresenta aspecto diverso, quase cômico, e quase que certamente crítico em relação à saga. As

estelas, por sua vez, em sua maioria contém fórmulas estereotipadas, mas duas delas contém

referências à expedição como um objeto de valor comercial, de “busca de ouro”.

2 Acerca do nome, referiremos conforme citados nas fontes empregadas. A tradução de Paulsson e grande

número de transcrições emprega “Yngvar”, enquanto algumas referências às estelas rúnicas citam “Ingvar”. Em casos onde a referência não seja direta a uma destas duas fontes, citaremos “Yngvar”.

3 Termo de tradução exata impossível para o português, significando um viajante que percorreu grandes distâncias e viajou muito longe.

4 Às vezes traduzido por “conto” - tratam-se de narrativas pequenas, normalmente explicativas ou de complemento à alguma saga, vindo frequentemente em conjunto com alguma.

3

Nossos objetivos são efetuar a contraposição do registro material acerca da expedição

de Yngvar com as fontes escritas, buscando extrapolar uma conclusão não apenas a respeito

dos móveis “factuais” da mesma, mas da forma como estes mesmos móveis factuais podem

revestir-se de inúmeros significados simbólicos e ideológicos, sendo que o registro – incluído

aqui o material – pode ser elemento-chave para tanto.

Como exposto rapidamente acima, há uma discordância entre duas das fontes escritas

que tratam da expedição de Yngvar, em particular acerca de seus objetivos. O documento mais

extenso é escrito, trata-se de Saga de Yngvar. Aparentemente, o documento existente hoje

consiste numa versão para o antigo nórdico de um documento mais antigo escrito em latim, da

parte do monge beneditino islandês Odd Snorrasson. Sua data de escrita varia de 12005 a

proximidades de 14006, sendo que a versão islandesa é de difícil datação. Seu conteúdo fala

sobre a expedição em um tom fortemente ideológico, colocando Yngvar de modo próximo ao

estereótipo de um missionário, repleto de virtudes, em busca de um objetivo, de certa forma,

abstrato: descobrir a nascente de um rio em meio à região além da Rússia dominada pelo

imaginário, pagãos e bestas selvagens.

O modelo de personagem criado encontra ecos em outras sagas como, por exemplo, a

Olafs saga helga (Saga de Olaf, o santo), e está de acordo com o contexto dos séculos XIII

em diante, no qual o estereótipo padrão do guerreiro viking é ampliado de forma a incorporar

aspectos coerentes com a Cristandade. Em particular, encontramos uma associação do modelo

de viking ao cruzado escandinavo e prestígio às temáticas de cruzada, peregrinação e martírio7.

Quanto ao Þáttr de Eymund, normalmente incorporado à Saga de Yngvar, data-se

provavelmente do período mais posterior, e levantamos anteriormente a possibilidade que sua

autoria tenha a ver com o versor/tradutor da Saga de Yngvar para o antigo nórdico8. Sua

narrativa centraliza-se em Eymund, em período similar ao de Yngvar, e com o qual são

apresentadas relações de família. Sua ação, entretanto, é mais ligada ao campo do “factual”,

abstendo-se de narrativas míticas, de bestas e terras míticas. Ocorre na Rus kievita, e apresenta

dados tais quais nomes de reis e localidades com relativa precisão. Relativa porque, conforme

5 PAULSSON, 08. 6 apud COOK in: PAULSSON, p.08. 7 FORTE, Angelo, ORAM, Richard & PEDERSEN, Frederik. Viking Empires. Cambridge, 2005; pp.375Ss,

385ss, 397; HILL, J. Pilgrimage and prestige in the Icelandic Sagas. In: FAULKES, A. et alii (eds). Saga-Book. London: Viking Society/ University College, 1993. Vol. XXIII.

8 MUCENIECKS, A.S. O Rei Burislaf: ligeira concessão ao cientificismo e considerações acerca do cômico, do factual e do fictício. In: Nuntius Antiquus. UFMG: 2009, 3V, 2 semestre.

4

argumentamos previamente, o uso dos nomes de reis aparenta tratar-se de reconstrução do

autor, ou de reação à forma ideologizada da Saga de Yngvar – ainda que apresentando outra

ideologia. Os aspectos nobres e admiráveis de Yngvar são trocados por estereótipos negativos,

e um grande interesse em riquezas e aspectos materiais da parte dos personagens, a um ponto

próximo da avareza. Esta possível crítica encontrada no Þáttr à Saga de Yngvar pode ser

justificada analisando-se o próprio estilo e gênero das composições em questão.

É necessário levar-se em consideração que os Þáttir são espécies de anedotas.

Normalmente ocorrem em coleções de Sagas maiores de reis, contendo algum tipo de encontro

cômico, ilustrando o caráter de um soberano, desenvolvendo algum detalhe específico ou

oferecendo algum registro mais detalhado de parte de uma saga. Por vezes, a distinção de uma

fonte como saga ou þáttr pode parecer arbitrária, sendo que as categorias às vezes apresentam

intersecções.9 Desta forma, é possível que o Þáttr de Eymund complemente a Saga de Yngvar

de forma crítica e mesmo anedótica.

Quanto ao registro material, a questão requer uma análise mais aprofundada. Uma das

26 estelas que possuem referências sobre a expedição de Yngvar possui referências que dão

suporte à idéia “material” da expedição, a saber: a estela Sö 179. De um dos falecidos diz-se

que viajou para o leste com Yngvar “em busca de ouro”10. Em suporte a esta idéia, o registro

material acusa uma diminuição das relações comerciais no período anterior a Yngvar, em

relação ao século IX, quando ocorreu grande abundância de achados – em particular, moedas e

prata de origem do mundo muçulmano – na Suécia11.

Baseado nestas referências, as publicações apresentam simples e puramente a

expedição de Yngvar como uma tentativa de reabertura das rotas comerciais escandinavas com

o mundo muçulmano. Consideramos necessário, entretanto, levar em consideração a

abundância de referencial cristão nas estelas – tanto na generalidade dos achados quanto nas

próprias estelas de leste e nas de Yngvar em específico. No próprio caso de Yngvar, quase que

a totalidade das estelas (23 – discutidas adiante) contém fórmulas explícitas (“que Deus

9 Cf. introdução de R. Kellogg a Smiley, J.; Kellogg, R. The saga of Icelanders. New York: Penguin, 2000, p.

20. 10 A transcrição para o antigo nórdico é a seguinte: “Tola let ræisa stæin þennsa at sun sinn Harald, broður

Ingvars. ÞæiR foru drængila fiarri at gulli ok austarla ærni gafu, dou sunnarla a Særklandi”. Tradução aproximada: “Tóla fez esta pedra ser erigida para seu filho Harald, irmão de Yngvar. Eles viajaram valentemente longe por ouro, e no leste, deram (comida) à águia. Morreram ao sul em Serkland”(Sö 179).

11 KENWARD, Paul & KRIST, Bob. Os Viquingues: Origens da Cultura Escandinava (Vol. II). Madrid: Edições Del Prado, 1997. pp.197s.

5

guarde/salve/proteja”), cruzes entalhadas ou localização em igrejas, ainda que estas

característcias tratem-se de certa forma de lugares-comuns no Cristianismo.

A popularidade de estudos ligados à mitologia e paganismo escandinavos somada à

considerações positivistas acerca de um predomínio dos aspectos “mundanos” e da

materialidade sobre o mental têm relegado a um papel secundário em um grande número de

estudos as referências à Cristandade e cristianização; sob o ponto de vista “pagão”, pela

tendência a procurar um escandinavo exclusivamente “pagão”, e sob o ponto de vista

positivista, pela tendência a se ignorar o aspecto religioso. Desta forma, duas abordagens de

ciências diversas resultam num problema similar.

É necessário ter-se conta, entretanto, o estreito vínculo que há entre o fênomeno da

difusão das estelas rúnicas com o Cristianismo. Conquanto as opiniões possam divergir acerca

das nuances e do grau de relevância que o processo de cristianização possuiu na questão, há

unanimidade (evidenciada pela própria observação estatística das inscrições) acerca do vínculo

e entrelaçamento que os circundam12. Desta forma, a existência de simbologia e fórmulas de

conteúdo cristão nas estelas rúnicas de Yngvar precisa ser inserida num próprio contexto mais

amplo de tradição, no qual tais simbologias são recorrentes numa quantidade ampla de estelas.

Consideramos necessária uma análise de todas as estelas, colocando em igual peso as

referências de interesses “espirituais” e “materiais” contidas na expedição de Yngvar. Em

substituição à uma abordagem de cunho positivista, empregamos referenciais teóricos mais

ligados a correntes pós-processualistas e de abordagem cognitiva, dando devida consideração à

explicações que não descartem o papel do pensamento, da mentalidade e do religioso, e

procurando somar os campos do conhecimento arqueológico e histórico. Ainda assim,

procuraremos não colocar todo o peso nas considerações religiosas, nem descartar as

explicações relativas às rotas comerciais em Yngvar.

A metodologia de pesquisa empregada vem consistindo em levantamento bibliográfico,

leitura e análise da documentação, e comparação das fontes escritas com as estelas em si,

tendo em vista as hipóteses já discutidas aqui acerca da natureza da expedição de Yngvar. As

fontes escritas, Saga de Yngvar e o Þáttr de Eymund, encontram-se em Antigo Nórdico, com

traduções inglesas disponíveis feitas por PAULSSON e listadas nas referências, bem como 12 ZILMER, Kristel. 'He drowned in Holmr's Sea - His cargo-ship drifted to the sea-bottom, only three came

out alive'. Records and representations of Baltic traffic in the Viking Age and the Early Middle Ages in early Nordic sources. Universidade de Tartu, 2005. Dissertação de Mestrado. p.43.

6

originais disponíveis via Internet pela Universidade da Islândia. As estelas rúnicas são

disponíveis pelo projeto on-line RUNDATA13, que cataloga transcrições e traduções para o

inglês de todas as inscrições rúnicas encontradas em toda a Escandinávia, desde estelas rúnicas

a vestígios de outras natureza, como simples inscrições em materiais móveis ou locais.

Seguindo a catalogação adotada pelo RUNDATA e largamente empregada em contextos

acadêmicos, proveniente do Sveriges runinskrifter, que incorpora a localidade de origem dos

achados e um número, as estelas referentes a expedição de Yngvar são as seguintes: em

Uppland, as estelas U439, U644, U654, U661, U778, U837, U1143, U Fv1992; 157. Em

Södermanland, Sö9, Sö96, Sö105, Sö107, Sö108, Sö131, Sö173, Sö179, Sö254, Sö277,

Sö279, Sö281, Sö287, Sö320, Sö335. Em Västmanland, a Vs19, e em Östergötland, as

catalogadas como Ög145, Ög155, perfazendo um total de 26.

Apresentamos a seguir as estelas que possuem fórmulas cristãs, com suas respectivas

transliterações, transcrições para o antigo nórdico e versões para a língua portuguesa:

Vs 19:

Transliteração: khu[nal-](r) * [(l)it ... stain * þinsa ef]tir * horm * stob sen * trek| |ku-...n * auk * uas *

farin * (o)(s)-r * miþ * ikuari * hiolbi k[-þ * salu h...ns *]

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Gunnval[d]r lét [reisa] stein þenna eptir Orm, stjúp sinn, dreng gó[ða]n, ok var farinn

aus[t]r með Ingvari. Hjalpi G[u]ð sálu h[a]ns.

Versão: Gunnvaldr teve esta rocha erigida para Ormr, seu genro, um homem bom e valoroso. E

viajou para o leste com Yngvar. Que Deus ajude sua alma.

U 644(contém cruz entalhada):

Transliteração: an(u)(i)(t)r : auk * kiti : auk * kar : auk * blisi * auk * tiarfr * þir * raistu * stain þina *

aftiR * kunlaif * foþur : sin han : fil * austr : miþ : ikuari kuþ heabi ontini

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Andvéttr ok <kiti> ok Kárr ok Blesi ok Djarfr þeir reistu stein þenna eptir Gunnleif, fôður

sinn. Hann fell austr með Ingvari. Guð hjalpi ôndinni.

Versão: Andvéttr e <Kiti> e Kárr e Blesi e Djarfr, eles erigiram esta rocha em memória de

Gunnleifr, seu pai. Ele caiu no leste com Yngvar. Que Deus ajude (seu) espírito.

13 Samnordisk runtextdatabas (http://www.nordiska.uu.se/forskn/samnord.htm).

7

U 654 (contém cruz entalhada):

Transliteração: + a--itr : auk * ka(r) auk : kiti : auk : -[l]isi : auk * tiarfr : ris[t]u : stain : þena : aftir :

kunlaif : foþur sin is u[a]s nus(t)(r) * m[i](þ) ikuari : tribin kuþ : hialbi : o(t) þaira al-ikr|

|raistik * runar is kuni + ual * knari stura

Transcrição

para o antigo

nórdico:

A[ndv]éttr ok Kárr ok <kiti> ok [B]lesi ok Djarfr reistu stein þenna eptir Gunnleif, fôður

sinn. Er var austr með Ingvari drepinn. Guð hjalpi ônd þeira. Al[r]íkr(?) reist-ek rúnar. Er

kunni vel knerri stýra.

Versão: Andvéttr e Kárr e <kiti> e Blesi e Djarfr erigira, esta rocha em memória de Gunnleifr, seu

pai. Ele foi morto no leste com Yngvar. Que Deus ajude seus espíritos.Eu,Alríkr(?), entalhei

as runas. Ele podia conduzir bem um “navio de carga” (knarr).

U 661 (contém uma cruz entalhada; localizada a 500 metros da igreja de Råby)

Transliteração: kairui * auk * kula * ristu * stain þina * aftir * onunt * foþur sia is uas * austr * tauþr *

miþ * ikuari * kuþ * hialbi ot * onutar

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Geirvé ok Gulla reistu stein þenna eptir Ônund, fôður sinn. Er var austr dauðr með

Ingvari. Guð hjalpi ônd Ônundar.

Versão: Geirvé e Gulla erigiram esta rocha em memória de Ônundr, seu pai. Ele foi morto no leste

com Yngvar. Que Deus ajude o espírito de Ônundr.

U 778 (contém cruz entalhada; localizada no alpendre da igreja de Svinnegarn)

Transliteração: þialfi * auk * hulmnlauk * litu * raisa * staina þisa * ala * at baka * sun sin * is ati * ain

* sir * skib * auk * austr * stu[rþi *] i * ikuars * liþ * kuþ hialbi * ot * baka * ask(i)l *

raist

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Þjalfi ok Holmlaug létu reisa steina þessa alla at Banka/Bagga, son sinn. Er átti einn sér

skip ok austr stýrði í Ingvars lið. Guð hjalpi ônd Banka/Bagga. Áskell reist.

Versão: Þjalfi e Holmlaug tiveram todas estas rochas erigidas para Banki/Baggi, seu filho. Ele

sozinho possuía um barco, e navegou para o leste com a tropa de Yngvar. Que Deus ajude

o espírito de Banki's/Baggi's. Áskell entalhou.

U 837:

Transliteração: ... ...k * hulmk... ... ...(r)s + liþ * kuþ * hialb(i) ...

Transcrição para o

antigo nórdico:

... [o]k Holmg[eirr](?) ... [Ingva]rs(?) lið. Guð hjalpi ...

8

Versão: ... e Holmgeirr(?) ... tropa de Ingvar(?). Que Deus ajude...

U 1143 (encontrada na igreja de Tierp):

Transliteração: [klintr auk blikr * ristu stin * þinsi * iftiR kunu(i)þ] * faþur * sin + han [* foR bort miþ

(i)kuari + kuþ trutin hialbi ont ...](r)[a *] kristin[a þuriR + t]r(o)(n)[i * ri]s[ti +]

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Klettr(?) ok Bleikr reistu stein þenna eptir Gunnvið, fôður sinn. Hann fór burt með Ingvari.

Guð dróttinn hjalpi ônd [all]ra kristinna. Þórir Trani risti.

Versão: Klettr(?) e Bleikr erigiram esta rocha em memória de Gunnviðr, seu pai. Ele viajou longe

com Yngvar. Que o Senhor Deus ajude os espíritos de (todos) os cristãos. Þórir Trani

(Þórir, “o grou”) entalhou.

Sö 9 (contém uma cruz entalhada):

Transliteração: barkuiþr * auk * þu : helka * raistu * stain * þansi : at * ulf : sun * sint * han *

entaþis + miþ : ikuari + kuþ + hialbi + salu ulfs *

Transcrição para o

antigo nórdico:

Bergviðr/Barkviðr ok þau Helga reistu stein þenna at Ulf, son sinn. Hann endaðist

með Ingvari. Guð hjalpi sálu Ulfs.

Versão: Bergviðr/Barkviðr e Helga, eles erigiram esta rocha para Ulfr, seu filho. Ele

encontrou seu fim com Yngvar. Que Deus ajude a alma de Ulfr.

Quanto à estela que indica as razões comerciais, trata-se da Sö 179. Não possui cruz

entalhada e se encontra no castelo de Gripsholm:

Transliteração: * tula : lit : raisa : stain : þinsa| |at : sun : sin : haralt : bruþur : inkuars : þaiR furu :

trikila : fiari : at : kuli : auk : a:ustarla| |ar:ni : kafu : tuu : sunar:la : a sirk:lan:ti

Transcrição

para o antigo

nórdico:

Tóla lét reisa stein þenna at son sinn Harald, bróður Ingvars. Þeir fóru drengila fjarri at

gulli ok austarla erni gáfu, dóu sunnarla á Serklandi.

Versão: Tóla teve esta rocha erigida para seu filho Haraldr, irmão de Yngvar. Eles viajaram

valentemente longe por ouro, e no leste deram (comida) à águia. Morreram no sul em

Serkland.

As estelas Sö 96, Sö 277, Sö 279 e Sö 281 foram encontradas em igrejas. A primeira

em Jader, as três últimas na catedral de Strängnäs, tendo sido usadas na construção e estando

fragmentadas, mas não é possível saber se possuíram fórmulas cristãs ou cruzes.

A Sö 173 foi encontrada juntamente com a Sö 374 (que não contém referência a

9

Yngvar). Ambas falam da mesma família, sendo que a última possui uma cruz. A Sö 320 não

possui fórmula cristã ou cruz entalhada e não se encontra em território eclesiástico.

As seguintes estelas não possuem fórmulas cristãs, mas apresentam cruzes entalhadas:

U Fv1992;157

Ög 145

Sö 107

10

Sö 108

Sö 131

Sö 254

Sö 335, detalhe. Localizada nas ruínas da igreja de

Årja

Ög 155, detalhe

11

Sö 287. Localizada em Hunhammar, mas desaparecida. Desenho do século 17Fonte: BRATE, Erik & WESSEN, Elias, PL02.

U 439, Copiada por Johannes Bureaus em 1595, no palácio de Steninge, e desaparecida 50 anos depois.

Sö 105 (ao lado), entalhe

cruciforme bastante desgastado na parte superior

Estado atual da pesquisa e conclusões preliminares

O procedimento de pesquisa adotado até então vem requerendo a comparação das

versões inglesas com os originais, ao menos das estelas, a fim de se poder obter versões

fidedignas na língua portuguesa, que possam ser apresentadas sempre que possível, em

conjunto com fotos ou cópias dos desenhos das estelas originais. Há grande abundância de

fotos das estelas rúnicas na internet, tanto por meio de meios de divulgação e popularização

como por projetos ligados à universidades escandinavas.

Outras informações disponíveis pelo registro da cultura material, em particular as que

fundamentam as idéias acerca das rotas de escandinavos com o mundo muçulmano (i.e.

Numismática) também fornecem informações adicionais para análise das hipóteses e suporte

das conclusões.

Presentemente, constatamos que, a despeito das propensões contemporâneas que

12

priorizam os aspectos materiais da expedição de Yngvar, o conteúdo ideológico encontrado no

próprio registro das estelas é, ao menos em termos estatísticos, muito mais abundante que os

indícios apontando uma simples motivação econômica para a mesma. Quase que a totalidade

das estelas (23 de 26) possui ou fórmula, simbologia ou localização cristianizados, sendo que

algumas possuem mais de uma destas características ou todas. Uma possui ligação

circunstancial com simbologia cristã (a Sö 173), sendo que apenas a Sö 179 e a Sö 320 não

possuem fórmula cristã, cruz ou localidade eclesiástica. Tratam-se obviamente de exceções, e

como tais devem ser consideradas.

A inserção de tais vestígios num contexto maior de simbologia generalizada cristã na

totalidade das estelas rúnicas aparentemente diminui em parte o peso desta consideração, mas

somando-se o contexto de escrita no qual a temática do Cristianismo e o estereótipo do viking

associado ao de cruzado e missionário são abudantes, torna-se evidente que um argumento

fundamentado exclusivamente em aspectos econômicos não pode ser sustentado.

O peso dado à consideração levantada na Sö 179 acerca do propósito material precisa

ser diminuído. A seu favor pesa a possível conexão que contém com a própria família de

Yngvar e as evidências numismáticas acerca da diminuiçao do comércio que houve, de fato, no

período anterior a Yngvar, mas tratam-se de evidências circunstanciais.

13

Referências

1 Documentos: - ESTELAS referentes à expedição de Yngvar (Ingvarsstenarna). Transcrições e traduções para o

inglês disponíveis no projeto RUNDATA, Universidade de Uppsala: Samnordisk runtextdatabas

(http://www.nordiska.uu.se/forskn/samnord.htm)

Uppland: U439, U644, U654, U661, U778, U837, U1143, U Fv1992; 157

Södermanland, Sö9, Sö96, Sö105, Sö107, Sö108, Sö131, Sö173, Sö179, Sö254, Sö277, Sö279,

Sö281, Sö287, Sö320, Sö335

Västmanland: Vs19

Östergötland: Ög145, Ög155

- Yngvars Saga & Eymundar þáttr hrings em:

PALSSON, Hermann & EDWARDS, Paul (trads). Vikings in Russia: Yngvar's Saga and Eymund's

Saga. Edinburgh: Polygon, 1990 [1989].

2 Fontes Secundárias:

ARBMAN, Holger. Os Vikings. Lisboa: Editorial Verbo, 1967.

BEREND, Nora (ed.). Christianization and the Rise of Christian Monarchy: Scandinavia, Central Europe and Rus' c. 900-1200. New York: Cambridge University Press, 2007.

BEYER, Harald. Literatura Noruega. Barcelona: Editorial Labor, 1931.

BRATE, Erik & WESSEN, Elias (1924-1936). Sveriges runinskrifter: III. Södermanlands runinskrifter. Stockholm: Kungl. Vitterhets Historie och Antikvitets Akademien. ISSN 0562-8016.

BRØNDSTED, Johannes. Os Vikings: História de uma fascinante civilização. São Paulo: Hemus, S.D.

CHRISTIANSEN, Eric. The Norsemen in the Viking Age. Oxford: Blackwell, 2002.

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