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7/18/2019 A Expressão No Rorschach Dos Fenômenos Transitivos e Do Espaço Potencial Na Personalidade Borderline http://slidepdf.com/reader/full/a-expressao-no-rorschach-dos-fenomenos-transitivos-e-do-espaco-potencial 1/16 INTRODUÇÃO Partindo de uma abordagem psicodinâmica, visamos compreender as características dos fenómenos transitivos e do espaço potencial no sujeito borderline, através do método Rorschach. Para o estudo destes conceitos, recorremos às teorias de Winnicott e de Ogden sobre a psico-  patologia dos fenómenos transitivos e do espaço  potencial, respectivamente. Dada a importância dos cuidados primários no desenvolvimento de uma autonomia física e  psíquica que permita ao sujeito construir as suas próprias experiências, procuramos articular o conceito de função materna com os conceitos em estudo. Para uma melhor compreensão destes conceitos no caso borderline , procuramos relacioná-los com o conceito de angústia branca de Green. Tendo em conta o objectivo do estudo, propo- mos uma leitura dos conceitos de fenómenos transitivos e de espaço potencial, procurando integrar e articular a revisão de literatura e os elementos Rorschach. Neste contexto, é aplicado o Rorschach a um sujeito do sexo feminino com o diagnóstico de perturbação borderline da  personalidade. A pertinência deste estudo reside no facto de o Rorschach permitir, através do apelo a um duplo modo de funcionamento (apelo ao real e ao imaginário), conhecer, numa dimensão simbólica, a dinâmica relacional entre o mundo interno do sujeito e o mundo externo e, por conseguinte, aferir sobre a capacidade do sujeito em aceder à área dos fenómenos transitivos. Reconhecida a dificuldade do sujeito border- line em aceder à área dos fenómenos transitivos, o Rorschach pode dar-nos conta das estratégias mobilizadas para estabelecer uma separação e um contacto mínimo com o Outro. 349 A expressão no Rorschach dos fenó- menos transitivos e do espaço potencial na personalidade borderline (*)  MARTA QUEIROZ GODINHO (**)  MARIA EMÍLIA MARQUES (***) CATARINA BRAY PINHEIRO (****) (*) Artigo elaborado a partir da dissertação com o mesmo título apresentada e defendida no ISPA, em 2009, no âmbito do Mestrado Integrado em Psicologia Clínica. (**) Psicóloga Clínica. (***) Psicóloga Clínica, Professora Associada do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. (****) Psicóloga Clínica, Hospital Fernando Fonseca.

A Expressão No Rorschach Dos Fenômenos Transitivos e Do Espaço Potencial Na Personalidade Borderline

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INTRODUCcedilAtildeO

Partindo de uma abordagem psicodinacircmicavisamos compreender as caracteriacutesticas dosfenoacutemenos transitivos e do espaccedilo potencial nosujeito borderline atraveacutes do meacutetodo RorschachPara o estudo destes conceitos recorremos agraves

teorias de Winnicott e de Ogden sobre a psico- patologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo potencial respectivamente

Dada a importacircncia dos cuidados primaacuteriosno desenvolvimento de uma autonomia fiacutesica e

psiacutequica que permita ao sujeito construir assuas proacuteprias experiecircncias procuramos articular o conceito de funccedilatildeo materna com os conceitosem estudo Para uma melhor compreensatildeo destes

conceitos no caso borderline procuramosrelacionaacute-los com o conceito de anguacutestia brancade Green

Tendo em conta o objectivo do estudo propo-mos uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando

integrar e articular a revisatildeo de literatura e oselementos Rorschach Neste contexto eacute aplicadoo Rorschach a um sujeito do sexo feminino como diagnoacutestico de perturbaccedilatildeo borderline da

personalidadeA pertinecircncia deste estudo reside no facto de

o Rorschach permitir atraveacutes do apelo a umduplo modo de funcionamento (apelo ao real eao imaginaacuterio) conhecer numa dimensatildeosimboacutelica a dinacircmica relacional entre o mundointerno do sujeito e o mundo externo e por conseguinte aferir sobre a capacidade do sujeitoem aceder agrave aacuterea dos fenoacutemenos transitivos

Reconhecida a dificuldade do sujeito border-line em aceder agrave aacuterea dos fenoacutemenos transitivoso Rorschach pode dar-nos conta das estrateacutegiasmobilizadas para estabelecer uma separaccedilatildeo eum contacto miacutenimo com o Outro

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983105983150983265983148983145983155983141 983120983155983145983139983151983148983283983143983145983139983137 983080983090983088983088983097983081983084 983091 983080983128983128983126983113983113983081983098 983091983092983097983085983091983094983091

A expressatildeo no Rorschach dos fenoacute-

menos transitivos e do espaccedilo potencial

na personalidade borderline ()

MARTA QUEIROZ GODINHO ()

MARIA EMIacuteLIA MARQUES ()

CATARINA BRAY PINHEIRO ()

() Artigo elaborado a partir da dissertaccedilatildeo com o

mesmo tiacutetulo apresentada e defendida no ISPA em2009 no acircmbito do Mestrado Integrado em PsicologiaCliacutenica

() Psicoacuteloga Cliacutenica

() Psicoacuteloga Cliacutenica Professora Associada doInstituto Superior de Psicologia Aplicada

() Psicoacuteloga Cliacutenica Hospital FernandoFonseca

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FENOacuteMENOS TRANSITIVOSE ESPACcedilO POTENCIAL

Winnicott (19711975) introduziu os concei-tos objecto transitivo e fenoacutemeno transitivo paradesignar a aacuterea intermediaacuteria entre o erotismo

oral e a verdadeira relaccedilatildeo de objectoA primeira possessatildeo ldquonatildeo-Eurdquo eacute designada por Winnicott como objecto transitivo Eacute atraveacutesde um holding adequado que o bebeacute comeccedila aconstruir a chamada ldquocontinuidade de serrdquo Afalta de um holding adequado conduz agrave inter-rupccedilatildeo da continuidade de ser (Winnicott 1986)De acordo com Davis e Wallbridge (1981) emtermos psicoloacutegicos o holding tem a funccedilatildeo desuporte do Eu

A caracteriacutestica essencial da aacuterea dos objectose fenoacutemenos transitivos eacute o paradoxo e aaceitaccedilatildeo do paradoxo o bebeacute cria o objectomas este jaacute laacute estava para ser criado e investidoQuando este paradoxo eacute aceite o objectotransitivo eacute gradualmente desinvestido(Winnicott 19711975) Segundo Pontalis(1999) ao perder gradualmente a suasignificaccedilatildeo o objecto transitivo eacute substituiacutedo nasua funccedilatildeo por uma difusatildeo de fenoacutemenostransitivos que natildeo precisam do suporte real deum objecto

Winnicott (19711975) refere que o objecto eos fenoacutemenos transitivos correspondem a umaaacuterea neutra de experiecircncia Segundo Davis e

Wallbridge (1981) Winnicott defende que eacuteapenas ao ser criativo que o indiviacuteduo descobre oSelf e ainda que para viver criativamente oindiviacuteduo tem que continuar a ser capaz dedescobrir a sua proacutepria realidade interna atraveacutesde uma forma pessoal de experienciar a reali-dade externa

O problema na patologia borderline eacute que a persistecircncia de inadequaccedilatildeo do objecto externoleva ao desvanecimento do objecto internoSegundo Green (1997) o desvanecimentogradual das representaccedilotildees internas estaacute rela-

cionado com a representaccedilatildeo interna do negativo ndash uma re prese ntaccedilatildeo da au secirc nc ia derepresentaccedilatildeo ndash a qual se expressa ou em termosde uma alucinaccedilatildeo negativa ou no campo doafecto por anulaccedilatildeo por vazio ou num graumenor por futilidade eou sem sentido Esteautor refere que a grande contribuiccedilatildeo de

Winnicott eacute mostrar que a certa altura estenegativo esta natildeo-existecircncia ou vazio torna-sena uacutenica coisa real para o sujeito

De acordo com as ideias defendidas por Green Pinheiro (2005) refere que perante a

perda sofrida o sujeito utiliza o desinvestimentodo objecto maternal e a identificaccedilatildeo incons-ciente agrave matildee morta Surge uma identificaccedilatildeo

primaacuteria agrave matildee sendo a relaccedilatildeo simeacutetrica auacutenica possibilidade de restabelecer a reuniatildeo Eacuteneste sentido que Green fala na existecircncia de umnarcisismo negativo isto eacute um retorno agrave inexis-tecircncia ao afecto branco ocorrendo uma aproxi-maccedilatildeo agrave morte psiacutequica Segundo Pinheiro (opcit) o afecto branco eacute a indiferenccedila entre o bome o mau o dentro e o fora o Eu e o objecto Aesta anguacutestia de perda do objecto Green daacute onome de anguacutestia branca porque o que existe eacute ovazio Pinheiro (op cit) defende que sem um

objecto constituiacutedo como continente natildeo eacute possiacutevel a construccedilatildeo do narcisismo positivoisto eacute natildeo eacute possiacutevel construir o espaccedilo

potencialDavis e Wallbridge (1981) referem que o

desenvolvimento de um espaccedilo potencialdepende do desenvolvimento de um sistemainterno de limite espaccedilo e de tempo Cadasujeito atraveacutes das experiecircncias vividas podeconstruir um sentido de continuidade

O fracasso precoce da fidedignidadeambiental que se verifica na patologia

borderline natildeo permite ao sujeito ser capaz defazer a distinccedilatildeo entre o seu mundo interno eexterno e consequentemente impossibilita acriaccedilatildeo de um espaccedilo potencial proacuteprio onde osujeito possa construir e reconstruir as suas

proacuteprias experiecircnciasPara explicar como a actividade psicoloacutegica

cria o espaccedilo potencial Ogden (1985) utiliza oconceito de processo dialeacutectico O processodialeacutectico encontra-se no centro da criaccedilatildeo dasubjectividade que corresponde aos diferentesgraus de conhecimento proacuteprio que vatildeo desde a

auto-reflexatildeo intencional ao mais subtil ediscreto ldquosentido do Eurdquo ( I-ness) Paradoxal-mente o ldquosentido do Eurdquo soacute se torna possiacutevelatraveacutes do Outro No iniacutecio o ldquoestado de doisrdquo(two-ness) eacute uma qualidade da relaccedilatildeo matildee--bebeacute A obtenccedilatildeo da capacidade de manter umadialeacutectica psicoloacutegica envolve a transformaccedilatildeo

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da unidade em ldquoestado de trecircsrdquo (three-ness) osiacutembolo o que este simboliza e o proacuteprio sujeitoA diferenccedila entre os trecircs cria a possibilidade detriangularidade dentro da qual o espaccedilo eacute criadoSegundo Ogden (1985) a funccedilatildeo simboacutelica eacuteuma consequecircncia directa da capacidade paramanter dialeacutecticas psicoloacutegicas

De acordo com Amaral Dias (2004) o problema nos sujeitos borderline eacute que elesestatildeo permanentemente a precisar de uma pelemental que organize ou pseudo-organize isto eacuteutilizam o objecto como uma segunda pele(mental) Para que o indiviacuteduo viva eacute necessaacuterioque ele esteja no mesmo tempo e no mesmoespaccedilo que o outro isto eacute tem de estar nadependecircncia do outro ndash condiccedilatildeo assimboacutelica Aidentificaccedilatildeo agrave funccedilatildeo continente natildeo fica feitade forma completa no borderline e eacute por estarazatildeo que Amaral Dias (2004) fala na existecircncia

de uma permeabilidade do pensamento porquenestes casos a pele rompe

Ogden (1985) refere que a psicopatologia dasimbolizaccedilatildeo que se verifica no sujeitoborderline eacute baseada em formas especiacuteficas defracasso em criar ou manter adequadamente um

processo dialeacutectico psicoloacutegico destacando asseguintes (a) a realidade eacute substituiacuteda pela

fantasia ndash a dialeacutectica da realidade e da fantasiacai na direcccedilatildeo da fantasia de tal forma que afantasia torna-se uma coisa em si proacutepria tatildeotangiacutevel poderosa perigosa e gratificante como

a realidade externa da qual natildeo pode ser diferenciada (b) a realidade como uma defesacontra a fantasia ndash a dialeacutectica da realidade efantasia pode tornar-se limitada ou cair nadirecccedilatildeo da realidade quando esta eacute usada

predominantemente como uma defesa contra afantasia Nestas circunstacircncias a realidade roubaa vitalidade da fantasia e a imaginaccedilatildeo eacuteexcluiacuteda (c) dissociaccedilatildeo dos poacutelos da realidadee da fantasia do processo dialeacutectico ndash adialeacutectica entre a realidade e a fantasia torna-serestrita quando ambas estatildeo dissociadas de

forma a evitar um conjunto especiacutefico designificados e (d) a exclusatildeo da realidade e da

fantasia ndash quando a constituiccedilatildeo da unidadematildee-bebeacute se torna difiacutecil a consciecircncia

prematura e traumaacutetica desta separaccedilatildeo torna aexperiecircncia tatildeo insuportaacutevel que as medidas dedefesa extrema satildeo instituiacutedas tomando a forma

de uma cessaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do significado da percepccedilatildeo A experiecircncia eacute excluiacuteda e talacontece natildeo tanto pelo facto de a fantasia e arealidade serem negadas mas sim pelo facto denem chegarem a existir Para Ogden este estadode natildeo-experiecircncia eacute visto como uma defesasuper-ordenada agrave qual se recorre quando todasas outras operaccedilotildees defensivas se mostraraminsuficientes para proteger a crianccedila contra osofrimento psicoloacutegico opressivo

OBJECTIVO DE ESTUDO

Apesar da dificuldade do sujeito borderlineem se situar na aacuterea dos fenoacutemenos transitivos

poderia utilizar estrateacutegias que possibilitassem acomunicaccedilatildeo com o Outro Partindo do princiacutepio

que os objectos servem a funccedilatildeo de suporteestes poderiam ser investidos como se deobjectos transitivos se tratassem Tendo em contao conceito de permeabilidade do pensamentode Amaral Dias (2004) a utilizaccedilatildeo do Outrocomo um objecto de suporte evidenciariaa possibilidade de um contacto miacutenimo com arealidade o Outro podendo haver umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute--potencial

As ideias supramencionadas poderiamtraduzir-se no Rorschach das seguintes formas

(1) os sujeitos poderiam relacionar-se com asimagens Rorschach ou com os cartotildees como seestes fossem objectos reais (2) as imagens oucartotildees seriam transformados em objectos desuporte e (3) seriam atribuiacutedos qualidadesespeciacuteficas dos objectos transitivos sendo estesobjectos convertidos em objectos reconfortantes

PROCEDIMENTOS DE ANAacuteLISE

Dadas as caracteriacutesticas do meacutetodo

Rorschach propomos uma leitura dos conceitosde fenoacutemenos transitivos e espaccedilo potencial no

protocolo Rorschach de um sujeito borderlineatraveacutes da anaacutelise cartatildeo a cartatildeo e dos traccedilossalientes do psicograma Os elementos usados naanaacutelise estatildeo sintetizados na tabela que a seguir apresentamos

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

k a n

k o b e k p

M o b i l i z a ccedil atilde o d a s p u l s otilde e s p a r a c o n t e uacute d o s n

atilde o

M o v i m e n t o a s s o c i a d o a c o n t e uacute d o s d e

s t r u t i v o s

h u m a n o s o u p a r t e s h u m a n a s n atilde o c o m p r o m

e t e

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a c

a i n a d i r e c ccedil atilde o

a d a p t a ccedil atilde o agrave r e a l i d a d e ndash c o m p r o m i s s o e n t r e

d a f a n t a s i a q u e s e t o r n a n a uacute n i c a r e a l i d a d e

p e r c e p ccedil atilde o e p r o j e c ccedil atilde o

a m e a ccedil a d o r a

C ( v e r m e l h o )

I m a g e n s d e d e s t r u i ccedil atilde o d e s i n t e g r a ccedil atilde o

I m p o s s i b i l i d a d e d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a

e n t r e r e a l i d a d e

e p u l s atilde o a f e c t o

R e a l i d a d e s u b s t i t u iacute d a

p e l a

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C ( c o r e s p a s t e l )

C o n t e uacute d o s r e l a c i o n a d o s c o m i n s e g u r a n ccedil a

f a l t a d e

C o n t e uacute d o s a c o n c h e g a n t e s

c a l o r o s o s ndash p r o c u r a d e

e q u i l iacute b r i o ndash i n v a s atilde o p e l o s a f e c t o s p r i m aacute r i o s

a p o i o

O b j e c t o s c o m o o b j e c t o s d e s u p o r t e

I n c a p a c i d a d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

i n t e r i o r e e x t e r i o r

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C rsquo ( c i n z e n t o )

C o n t e uacute d o s a m e a ccedil a d o r e s a n g u s t i a n t e s

d e s v i t a l i z a n t e s ndash f a l t a d e c o n t e n ccedil atilde o d o m u n d o

f a n t a s m aacute t i c o

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a

c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

E s b a t i m e n t o d e t e x t u r a

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e

s

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e s e o u

P r o c u r a d e a p o i o ndash c o n t e uacute

d o s a c o n c h e g a n t e s

e o u a f e c t o s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s

a f e c t o s d e s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s p o

u c o

r e c o n f o r t a n t e s ndash f u n ccedil atilde o ( s

u p o r t e ) e q u a l i d a d e s

c o n t e n t o r e s s a t i s f a t oacute r i o s D i f e r e n c i a ccedil atilde o e

c o n t e n t o r e s c r u s

F a l t a d e l i m i t e f iacute s i c o e p s iacute q u i c o

t r a n q u i l i z a n t e s d e u m o b j e c t o t r a n s i t i v o

c o m u n i c a ccedil atilde o e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

s u j e i t o e o b j e c t o

E s b a t i m e n t o d e p e r s p e c t i v

a

I m a g e m t r i d i m e n s i o n a l c o

m o m e d i d a d e

s e c u r i z a ccedil atilde o T w o - n e s s d aacute

c o n t a d e d i s t acirc n c i a

e s p a c i a l e t e m p o r a l m iacute n i m

a e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

A p r o x i m a ccedil atilde o a o e s p a ccedil o p

o t e n c i a l

A

C a p a c i d a d e d e r e l a ccedil atilde o c o m o m u n d o d a

A e l e v a d o ndash d e f e s a c o n t r a r e l a ccedil atilde o 1 ) C o l a g e m agrave

r e a l i d a d e p a r t i l h a d a D i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e

c o n f i g u r a ccedil atilde o d a m a n c h a D i a l eacute c t i c a e

n t r e r e a l i d a d e e

i n t e r n o e e x t e r n o

C a p a c i d a d e d e m a n t e r

f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a r e a l i d a d e

q u e r e t i r a t o d a a

d i a l eacute c t i c a d e u n i d a d e e s e p a r a ccedil atilde o

v i t a l i d a d e d a f a n t a s i a 2 ) R e g i s t o p r o j e c t i v o r e g r e s s i v o

e a r c a i c o ndash c o n t e uacute d o s p e r s e c u t oacute r i o s

D i a l eacute c t i c a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

c o n t

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

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Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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FENOacuteMENOS TRANSITIVOSE ESPACcedilO POTENCIAL

Winnicott (19711975) introduziu os concei-tos objecto transitivo e fenoacutemeno transitivo paradesignar a aacuterea intermediaacuteria entre o erotismo

oral e a verdadeira relaccedilatildeo de objectoA primeira possessatildeo ldquonatildeo-Eurdquo eacute designada por Winnicott como objecto transitivo Eacute atraveacutesde um holding adequado que o bebeacute comeccedila aconstruir a chamada ldquocontinuidade de serrdquo Afalta de um holding adequado conduz agrave inter-rupccedilatildeo da continuidade de ser (Winnicott 1986)De acordo com Davis e Wallbridge (1981) emtermos psicoloacutegicos o holding tem a funccedilatildeo desuporte do Eu

A caracteriacutestica essencial da aacuterea dos objectose fenoacutemenos transitivos eacute o paradoxo e aaceitaccedilatildeo do paradoxo o bebeacute cria o objectomas este jaacute laacute estava para ser criado e investidoQuando este paradoxo eacute aceite o objectotransitivo eacute gradualmente desinvestido(Winnicott 19711975) Segundo Pontalis(1999) ao perder gradualmente a suasignificaccedilatildeo o objecto transitivo eacute substituiacutedo nasua funccedilatildeo por uma difusatildeo de fenoacutemenostransitivos que natildeo precisam do suporte real deum objecto

Winnicott (19711975) refere que o objecto eos fenoacutemenos transitivos correspondem a umaaacuterea neutra de experiecircncia Segundo Davis e

Wallbridge (1981) Winnicott defende que eacuteapenas ao ser criativo que o indiviacuteduo descobre oSelf e ainda que para viver criativamente oindiviacuteduo tem que continuar a ser capaz dedescobrir a sua proacutepria realidade interna atraveacutesde uma forma pessoal de experienciar a reali-dade externa

O problema na patologia borderline eacute que a persistecircncia de inadequaccedilatildeo do objecto externoleva ao desvanecimento do objecto internoSegundo Green (1997) o desvanecimentogradual das representaccedilotildees internas estaacute rela-

cionado com a representaccedilatildeo interna do negativo ndash uma re prese ntaccedilatildeo da au secirc nc ia derepresentaccedilatildeo ndash a qual se expressa ou em termosde uma alucinaccedilatildeo negativa ou no campo doafecto por anulaccedilatildeo por vazio ou num graumenor por futilidade eou sem sentido Esteautor refere que a grande contribuiccedilatildeo de

Winnicott eacute mostrar que a certa altura estenegativo esta natildeo-existecircncia ou vazio torna-sena uacutenica coisa real para o sujeito

De acordo com as ideias defendidas por Green Pinheiro (2005) refere que perante a

perda sofrida o sujeito utiliza o desinvestimentodo objecto maternal e a identificaccedilatildeo incons-ciente agrave matildee morta Surge uma identificaccedilatildeo

primaacuteria agrave matildee sendo a relaccedilatildeo simeacutetrica auacutenica possibilidade de restabelecer a reuniatildeo Eacuteneste sentido que Green fala na existecircncia de umnarcisismo negativo isto eacute um retorno agrave inexis-tecircncia ao afecto branco ocorrendo uma aproxi-maccedilatildeo agrave morte psiacutequica Segundo Pinheiro (opcit) o afecto branco eacute a indiferenccedila entre o bome o mau o dentro e o fora o Eu e o objecto Aesta anguacutestia de perda do objecto Green daacute onome de anguacutestia branca porque o que existe eacute ovazio Pinheiro (op cit) defende que sem um

objecto constituiacutedo como continente natildeo eacute possiacutevel a construccedilatildeo do narcisismo positivoisto eacute natildeo eacute possiacutevel construir o espaccedilo

potencialDavis e Wallbridge (1981) referem que o

desenvolvimento de um espaccedilo potencialdepende do desenvolvimento de um sistemainterno de limite espaccedilo e de tempo Cadasujeito atraveacutes das experiecircncias vividas podeconstruir um sentido de continuidade

O fracasso precoce da fidedignidadeambiental que se verifica na patologia

borderline natildeo permite ao sujeito ser capaz defazer a distinccedilatildeo entre o seu mundo interno eexterno e consequentemente impossibilita acriaccedilatildeo de um espaccedilo potencial proacuteprio onde osujeito possa construir e reconstruir as suas

proacuteprias experiecircnciasPara explicar como a actividade psicoloacutegica

cria o espaccedilo potencial Ogden (1985) utiliza oconceito de processo dialeacutectico O processodialeacutectico encontra-se no centro da criaccedilatildeo dasubjectividade que corresponde aos diferentesgraus de conhecimento proacuteprio que vatildeo desde a

auto-reflexatildeo intencional ao mais subtil ediscreto ldquosentido do Eurdquo ( I-ness) Paradoxal-mente o ldquosentido do Eurdquo soacute se torna possiacutevelatraveacutes do Outro No iniacutecio o ldquoestado de doisrdquo(two-ness) eacute uma qualidade da relaccedilatildeo matildee--bebeacute A obtenccedilatildeo da capacidade de manter umadialeacutectica psicoloacutegica envolve a transformaccedilatildeo

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da unidade em ldquoestado de trecircsrdquo (three-ness) osiacutembolo o que este simboliza e o proacuteprio sujeitoA diferenccedila entre os trecircs cria a possibilidade detriangularidade dentro da qual o espaccedilo eacute criadoSegundo Ogden (1985) a funccedilatildeo simboacutelica eacuteuma consequecircncia directa da capacidade paramanter dialeacutecticas psicoloacutegicas

De acordo com Amaral Dias (2004) o problema nos sujeitos borderline eacute que elesestatildeo permanentemente a precisar de uma pelemental que organize ou pseudo-organize isto eacuteutilizam o objecto como uma segunda pele(mental) Para que o indiviacuteduo viva eacute necessaacuterioque ele esteja no mesmo tempo e no mesmoespaccedilo que o outro isto eacute tem de estar nadependecircncia do outro ndash condiccedilatildeo assimboacutelica Aidentificaccedilatildeo agrave funccedilatildeo continente natildeo fica feitade forma completa no borderline e eacute por estarazatildeo que Amaral Dias (2004) fala na existecircncia

de uma permeabilidade do pensamento porquenestes casos a pele rompe

Ogden (1985) refere que a psicopatologia dasimbolizaccedilatildeo que se verifica no sujeitoborderline eacute baseada em formas especiacuteficas defracasso em criar ou manter adequadamente um

processo dialeacutectico psicoloacutegico destacando asseguintes (a) a realidade eacute substituiacuteda pela

fantasia ndash a dialeacutectica da realidade e da fantasiacai na direcccedilatildeo da fantasia de tal forma que afantasia torna-se uma coisa em si proacutepria tatildeotangiacutevel poderosa perigosa e gratificante como

a realidade externa da qual natildeo pode ser diferenciada (b) a realidade como uma defesacontra a fantasia ndash a dialeacutectica da realidade efantasia pode tornar-se limitada ou cair nadirecccedilatildeo da realidade quando esta eacute usada

predominantemente como uma defesa contra afantasia Nestas circunstacircncias a realidade roubaa vitalidade da fantasia e a imaginaccedilatildeo eacuteexcluiacuteda (c) dissociaccedilatildeo dos poacutelos da realidadee da fantasia do processo dialeacutectico ndash adialeacutectica entre a realidade e a fantasia torna-serestrita quando ambas estatildeo dissociadas de

forma a evitar um conjunto especiacutefico designificados e (d) a exclusatildeo da realidade e da

fantasia ndash quando a constituiccedilatildeo da unidadematildee-bebeacute se torna difiacutecil a consciecircncia

prematura e traumaacutetica desta separaccedilatildeo torna aexperiecircncia tatildeo insuportaacutevel que as medidas dedefesa extrema satildeo instituiacutedas tomando a forma

de uma cessaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do significado da percepccedilatildeo A experiecircncia eacute excluiacuteda e talacontece natildeo tanto pelo facto de a fantasia e arealidade serem negadas mas sim pelo facto denem chegarem a existir Para Ogden este estadode natildeo-experiecircncia eacute visto como uma defesasuper-ordenada agrave qual se recorre quando todasas outras operaccedilotildees defensivas se mostraraminsuficientes para proteger a crianccedila contra osofrimento psicoloacutegico opressivo

OBJECTIVO DE ESTUDO

Apesar da dificuldade do sujeito borderlineem se situar na aacuterea dos fenoacutemenos transitivos

poderia utilizar estrateacutegias que possibilitassem acomunicaccedilatildeo com o Outro Partindo do princiacutepio

que os objectos servem a funccedilatildeo de suporteestes poderiam ser investidos como se deobjectos transitivos se tratassem Tendo em contao conceito de permeabilidade do pensamentode Amaral Dias (2004) a utilizaccedilatildeo do Outrocomo um objecto de suporte evidenciariaa possibilidade de um contacto miacutenimo com arealidade o Outro podendo haver umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute--potencial

As ideias supramencionadas poderiamtraduzir-se no Rorschach das seguintes formas

(1) os sujeitos poderiam relacionar-se com asimagens Rorschach ou com os cartotildees como seestes fossem objectos reais (2) as imagens oucartotildees seriam transformados em objectos desuporte e (3) seriam atribuiacutedos qualidadesespeciacuteficas dos objectos transitivos sendo estesobjectos convertidos em objectos reconfortantes

PROCEDIMENTOS DE ANAacuteLISE

Dadas as caracteriacutesticas do meacutetodo

Rorschach propomos uma leitura dos conceitosde fenoacutemenos transitivos e espaccedilo potencial no

protocolo Rorschach de um sujeito borderlineatraveacutes da anaacutelise cartatildeo a cartatildeo e dos traccedilossalientes do psicograma Os elementos usados naanaacutelise estatildeo sintetizados na tabela que a seguir apresentamos

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

k a n

k o b e k p

M o b i l i z a ccedil atilde o d a s p u l s otilde e s p a r a c o n t e uacute d o s n

atilde o

M o v i m e n t o a s s o c i a d o a c o n t e uacute d o s d e

s t r u t i v o s

h u m a n o s o u p a r t e s h u m a n a s n atilde o c o m p r o m

e t e

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a c

a i n a d i r e c ccedil atilde o

a d a p t a ccedil atilde o agrave r e a l i d a d e ndash c o m p r o m i s s o e n t r e

d a f a n t a s i a q u e s e t o r n a n a uacute n i c a r e a l i d a d e

p e r c e p ccedil atilde o e p r o j e c ccedil atilde o

a m e a ccedil a d o r a

C ( v e r m e l h o )

I m a g e n s d e d e s t r u i ccedil atilde o d e s i n t e g r a ccedil atilde o

I m p o s s i b i l i d a d e d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a

e n t r e r e a l i d a d e

e p u l s atilde o a f e c t o

R e a l i d a d e s u b s t i t u iacute d a

p e l a

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C ( c o r e s p a s t e l )

C o n t e uacute d o s r e l a c i o n a d o s c o m i n s e g u r a n ccedil a

f a l t a d e

C o n t e uacute d o s a c o n c h e g a n t e s

c a l o r o s o s ndash p r o c u r a d e

e q u i l iacute b r i o ndash i n v a s atilde o p e l o s a f e c t o s p r i m aacute r i o s

a p o i o

O b j e c t o s c o m o o b j e c t o s d e s u p o r t e

I n c a p a c i d a d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

i n t e r i o r e e x t e r i o r

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C rsquo ( c i n z e n t o )

C o n t e uacute d o s a m e a ccedil a d o r e s a n g u s t i a n t e s

d e s v i t a l i z a n t e s ndash f a l t a d e c o n t e n ccedil atilde o d o m u n d o

f a n t a s m aacute t i c o

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a

c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

E s b a t i m e n t o d e t e x t u r a

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e

s

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e s e o u

P r o c u r a d e a p o i o ndash c o n t e uacute

d o s a c o n c h e g a n t e s

e o u a f e c t o s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s

a f e c t o s d e s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s p o

u c o

r e c o n f o r t a n t e s ndash f u n ccedil atilde o ( s

u p o r t e ) e q u a l i d a d e s

c o n t e n t o r e s s a t i s f a t oacute r i o s D i f e r e n c i a ccedil atilde o e

c o n t e n t o r e s c r u s

F a l t a d e l i m i t e f iacute s i c o e p s iacute q u i c o

t r a n q u i l i z a n t e s d e u m o b j e c t o t r a n s i t i v o

c o m u n i c a ccedil atilde o e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

s u j e i t o e o b j e c t o

E s b a t i m e n t o d e p e r s p e c t i v

a

I m a g e m t r i d i m e n s i o n a l c o

m o m e d i d a d e

s e c u r i z a ccedil atilde o T w o - n e s s d aacute

c o n t a d e d i s t acirc n c i a

e s p a c i a l e t e m p o r a l m iacute n i m

a e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

A p r o x i m a ccedil atilde o a o e s p a ccedil o p

o t e n c i a l

A

C a p a c i d a d e d e r e l a ccedil atilde o c o m o m u n d o d a

A e l e v a d o ndash d e f e s a c o n t r a r e l a ccedil atilde o 1 ) C o l a g e m agrave

r e a l i d a d e p a r t i l h a d a D i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e

c o n f i g u r a ccedil atilde o d a m a n c h a D i a l eacute c t i c a e

n t r e r e a l i d a d e e

i n t e r n o e e x t e r n o

C a p a c i d a d e d e m a n t e r

f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a r e a l i d a d e

q u e r e t i r a t o d a a

d i a l eacute c t i c a d e u n i d a d e e s e p a r a ccedil atilde o

v i t a l i d a d e d a f a n t a s i a 2 ) R e g i s t o p r o j e c t i v o r e g r e s s i v o

e a r c a i c o ndash c o n t e uacute d o s p e r s e c u t oacute r i o s

D i a l eacute c t i c a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

c o n t

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

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RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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da unidade em ldquoestado de trecircsrdquo (three-ness) osiacutembolo o que este simboliza e o proacuteprio sujeitoA diferenccedila entre os trecircs cria a possibilidade detriangularidade dentro da qual o espaccedilo eacute criadoSegundo Ogden (1985) a funccedilatildeo simboacutelica eacuteuma consequecircncia directa da capacidade paramanter dialeacutecticas psicoloacutegicas

De acordo com Amaral Dias (2004) o problema nos sujeitos borderline eacute que elesestatildeo permanentemente a precisar de uma pelemental que organize ou pseudo-organize isto eacuteutilizam o objecto como uma segunda pele(mental) Para que o indiviacuteduo viva eacute necessaacuterioque ele esteja no mesmo tempo e no mesmoespaccedilo que o outro isto eacute tem de estar nadependecircncia do outro ndash condiccedilatildeo assimboacutelica Aidentificaccedilatildeo agrave funccedilatildeo continente natildeo fica feitade forma completa no borderline e eacute por estarazatildeo que Amaral Dias (2004) fala na existecircncia

de uma permeabilidade do pensamento porquenestes casos a pele rompe

Ogden (1985) refere que a psicopatologia dasimbolizaccedilatildeo que se verifica no sujeitoborderline eacute baseada em formas especiacuteficas defracasso em criar ou manter adequadamente um

processo dialeacutectico psicoloacutegico destacando asseguintes (a) a realidade eacute substituiacuteda pela

fantasia ndash a dialeacutectica da realidade e da fantasiacai na direcccedilatildeo da fantasia de tal forma que afantasia torna-se uma coisa em si proacutepria tatildeotangiacutevel poderosa perigosa e gratificante como

a realidade externa da qual natildeo pode ser diferenciada (b) a realidade como uma defesacontra a fantasia ndash a dialeacutectica da realidade efantasia pode tornar-se limitada ou cair nadirecccedilatildeo da realidade quando esta eacute usada

predominantemente como uma defesa contra afantasia Nestas circunstacircncias a realidade roubaa vitalidade da fantasia e a imaginaccedilatildeo eacuteexcluiacuteda (c) dissociaccedilatildeo dos poacutelos da realidadee da fantasia do processo dialeacutectico ndash adialeacutectica entre a realidade e a fantasia torna-serestrita quando ambas estatildeo dissociadas de

forma a evitar um conjunto especiacutefico designificados e (d) a exclusatildeo da realidade e da

fantasia ndash quando a constituiccedilatildeo da unidadematildee-bebeacute se torna difiacutecil a consciecircncia

prematura e traumaacutetica desta separaccedilatildeo torna aexperiecircncia tatildeo insuportaacutevel que as medidas dedefesa extrema satildeo instituiacutedas tomando a forma

de uma cessaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do significado da percepccedilatildeo A experiecircncia eacute excluiacuteda e talacontece natildeo tanto pelo facto de a fantasia e arealidade serem negadas mas sim pelo facto denem chegarem a existir Para Ogden este estadode natildeo-experiecircncia eacute visto como uma defesasuper-ordenada agrave qual se recorre quando todasas outras operaccedilotildees defensivas se mostraraminsuficientes para proteger a crianccedila contra osofrimento psicoloacutegico opressivo

OBJECTIVO DE ESTUDO

Apesar da dificuldade do sujeito borderlineem se situar na aacuterea dos fenoacutemenos transitivos

poderia utilizar estrateacutegias que possibilitassem acomunicaccedilatildeo com o Outro Partindo do princiacutepio

que os objectos servem a funccedilatildeo de suporteestes poderiam ser investidos como se deobjectos transitivos se tratassem Tendo em contao conceito de permeabilidade do pensamentode Amaral Dias (2004) a utilizaccedilatildeo do Outrocomo um objecto de suporte evidenciariaa possibilidade de um contacto miacutenimo com arealidade o Outro podendo haver umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute--potencial

As ideias supramencionadas poderiamtraduzir-se no Rorschach das seguintes formas

(1) os sujeitos poderiam relacionar-se com asimagens Rorschach ou com os cartotildees como seestes fossem objectos reais (2) as imagens oucartotildees seriam transformados em objectos desuporte e (3) seriam atribuiacutedos qualidadesespeciacuteficas dos objectos transitivos sendo estesobjectos convertidos em objectos reconfortantes

PROCEDIMENTOS DE ANAacuteLISE

Dadas as caracteriacutesticas do meacutetodo

Rorschach propomos uma leitura dos conceitosde fenoacutemenos transitivos e espaccedilo potencial no

protocolo Rorschach de um sujeito borderlineatraveacutes da anaacutelise cartatildeo a cartatildeo e dos traccedilossalientes do psicograma Os elementos usados naanaacutelise estatildeo sintetizados na tabela que a seguir apresentamos

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

k a n

k o b e k p

M o b i l i z a ccedil atilde o d a s p u l s otilde e s p a r a c o n t e uacute d o s n

atilde o

M o v i m e n t o a s s o c i a d o a c o n t e uacute d o s d e

s t r u t i v o s

h u m a n o s o u p a r t e s h u m a n a s n atilde o c o m p r o m

e t e

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a c

a i n a d i r e c ccedil atilde o

a d a p t a ccedil atilde o agrave r e a l i d a d e ndash c o m p r o m i s s o e n t r e

d a f a n t a s i a q u e s e t o r n a n a uacute n i c a r e a l i d a d e

p e r c e p ccedil atilde o e p r o j e c ccedil atilde o

a m e a ccedil a d o r a

C ( v e r m e l h o )

I m a g e n s d e d e s t r u i ccedil atilde o d e s i n t e g r a ccedil atilde o

I m p o s s i b i l i d a d e d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a

e n t r e r e a l i d a d e

e p u l s atilde o a f e c t o

R e a l i d a d e s u b s t i t u iacute d a

p e l a

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C ( c o r e s p a s t e l )

C o n t e uacute d o s r e l a c i o n a d o s c o m i n s e g u r a n ccedil a

f a l t a d e

C o n t e uacute d o s a c o n c h e g a n t e s

c a l o r o s o s ndash p r o c u r a d e

e q u i l iacute b r i o ndash i n v a s atilde o p e l o s a f e c t o s p r i m aacute r i o s

a p o i o

O b j e c t o s c o m o o b j e c t o s d e s u p o r t e

I n c a p a c i d a d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

i n t e r i o r e e x t e r i o r

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C rsquo ( c i n z e n t o )

C o n t e uacute d o s a m e a ccedil a d o r e s a n g u s t i a n t e s

d e s v i t a l i z a n t e s ndash f a l t a d e c o n t e n ccedil atilde o d o m u n d o

f a n t a s m aacute t i c o

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a

c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

E s b a t i m e n t o d e t e x t u r a

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e

s

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e s e o u

P r o c u r a d e a p o i o ndash c o n t e uacute

d o s a c o n c h e g a n t e s

e o u a f e c t o s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s

a f e c t o s d e s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s p o

u c o

r e c o n f o r t a n t e s ndash f u n ccedil atilde o ( s

u p o r t e ) e q u a l i d a d e s

c o n t e n t o r e s s a t i s f a t oacute r i o s D i f e r e n c i a ccedil atilde o e

c o n t e n t o r e s c r u s

F a l t a d e l i m i t e f iacute s i c o e p s iacute q u i c o

t r a n q u i l i z a n t e s d e u m o b j e c t o t r a n s i t i v o

c o m u n i c a ccedil atilde o e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

s u j e i t o e o b j e c t o

E s b a t i m e n t o d e p e r s p e c t i v

a

I m a g e m t r i d i m e n s i o n a l c o

m o m e d i d a d e

s e c u r i z a ccedil atilde o T w o - n e s s d aacute

c o n t a d e d i s t acirc n c i a

e s p a c i a l e t e m p o r a l m iacute n i m

a e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

A p r o x i m a ccedil atilde o a o e s p a ccedil o p

o t e n c i a l

A

C a p a c i d a d e d e r e l a ccedil atilde o c o m o m u n d o d a

A e l e v a d o ndash d e f e s a c o n t r a r e l a ccedil atilde o 1 ) C o l a g e m agrave

r e a l i d a d e p a r t i l h a d a D i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e

c o n f i g u r a ccedil atilde o d a m a n c h a D i a l eacute c t i c a e

n t r e r e a l i d a d e e

i n t e r n o e e x t e r n o

C a p a c i d a d e d e m a n t e r

f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a r e a l i d a d e

q u e r e t i r a t o d a a

d i a l eacute c t i c a d e u n i d a d e e s e p a r a ccedil atilde o

v i t a l i d a d e d a f a n t a s i a 2 ) R e g i s t o p r o j e c t i v o r e g r e s s i v o

e a r c a i c o ndash c o n t e uacute d o s p e r s e c u t oacute r i o s

D i a l eacute c t i c a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

c o n t

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

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RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

k a n

k o b e k p

M o b i l i z a ccedil atilde o d a s p u l s otilde e s p a r a c o n t e uacute d o s n

atilde o

M o v i m e n t o a s s o c i a d o a c o n t e uacute d o s d e

s t r u t i v o s

h u m a n o s o u p a r t e s h u m a n a s n atilde o c o m p r o m

e t e

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a c

a i n a d i r e c ccedil atilde o

a d a p t a ccedil atilde o agrave r e a l i d a d e ndash c o m p r o m i s s o e n t r e

d a f a n t a s i a q u e s e t o r n a n a uacute n i c a r e a l i d a d e

p e r c e p ccedil atilde o e p r o j e c ccedil atilde o

a m e a ccedil a d o r a

C ( v e r m e l h o )

I m a g e n s d e d e s t r u i ccedil atilde o d e s i n t e g r a ccedil atilde o

I m p o s s i b i l i d a d e d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a

e n t r e r e a l i d a d e

e p u l s atilde o a f e c t o

R e a l i d a d e s u b s t i t u iacute d a

p e l a

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C ( c o r e s p a s t e l )

C o n t e uacute d o s r e l a c i o n a d o s c o m i n s e g u r a n ccedil a

f a l t a d e

C o n t e uacute d o s a c o n c h e g a n t e s

c a l o r o s o s ndash p r o c u r a d e

e q u i l iacute b r i o ndash i n v a s atilde o p e l o s a f e c t o s p r i m aacute r i o s

a p o i o

O b j e c t o s c o m o o b j e c t o s d e s u p o r t e

I n c a p a c i d a d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

i n t e r i o r e e x t e r i o r

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C rsquo ( c i n z e n t o )

C o n t e uacute d o s a m e a ccedil a d o r e s a n g u s t i a n t e s

d e s v i t a l i z a n t e s ndash f a l t a d e c o n t e n ccedil atilde o d o m u n d o

f a n t a s m aacute t i c o

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a

c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

E s b a t i m e n t o d e t e x t u r a

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e

s

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e s e o u

P r o c u r a d e a p o i o ndash c o n t e uacute

d o s a c o n c h e g a n t e s

e o u a f e c t o s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s

a f e c t o s d e s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s p o

u c o

r e c o n f o r t a n t e s ndash f u n ccedil atilde o ( s

u p o r t e ) e q u a l i d a d e s

c o n t e n t o r e s s a t i s f a t oacute r i o s D i f e r e n c i a ccedil atilde o e

c o n t e n t o r e s c r u s

F a l t a d e l i m i t e f iacute s i c o e p s iacute q u i c o

t r a n q u i l i z a n t e s d e u m o b j e c t o t r a n s i t i v o

c o m u n i c a ccedil atilde o e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

s u j e i t o e o b j e c t o

E s b a t i m e n t o d e p e r s p e c t i v

a

I m a g e m t r i d i m e n s i o n a l c o

m o m e d i d a d e

s e c u r i z a ccedil atilde o T w o - n e s s d aacute

c o n t a d e d i s t acirc n c i a

e s p a c i a l e t e m p o r a l m iacute n i m

a e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

A p r o x i m a ccedil atilde o a o e s p a ccedil o p

o t e n c i a l

A

C a p a c i d a d e d e r e l a ccedil atilde o c o m o m u n d o d a

A e l e v a d o ndash d e f e s a c o n t r a r e l a ccedil atilde o 1 ) C o l a g e m agrave

r e a l i d a d e p a r t i l h a d a D i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e

c o n f i g u r a ccedil atilde o d a m a n c h a D i a l eacute c t i c a e

n t r e r e a l i d a d e e

i n t e r n o e e x t e r n o

C a p a c i d a d e d e m a n t e r

f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a r e a l i d a d e

q u e r e t i r a t o d a a

d i a l eacute c t i c a d e u n i d a d e e s e p a r a ccedil atilde o

v i t a l i d a d e d a f a n t a s i a 2 ) R e g i s t o p r o j e c t i v o r e g r e s s i v o

e a r c a i c o ndash c o n t e uacute d o s p e r s e c u t oacute r i o s

D i a l eacute c t i c a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

c o n t

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

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RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

k a n

k o b e k p

M o b i l i z a ccedil atilde o d a s p u l s otilde e s p a r a c o n t e uacute d o s n

atilde o

M o v i m e n t o a s s o c i a d o a c o n t e uacute d o s d e

s t r u t i v o s

h u m a n o s o u p a r t e s h u m a n a s n atilde o c o m p r o m

e t e

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a c

a i n a d i r e c ccedil atilde o

a d a p t a ccedil atilde o agrave r e a l i d a d e ndash c o m p r o m i s s o e n t r e

d a f a n t a s i a q u e s e t o r n a n a uacute n i c a r e a l i d a d e

p e r c e p ccedil atilde o e p r o j e c ccedil atilde o

a m e a ccedil a d o r a

C ( v e r m e l h o )

I m a g e n s d e d e s t r u i ccedil atilde o d e s i n t e g r a ccedil atilde o

I m p o s s i b i l i d a d e d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a

e n t r e r e a l i d a d e

e p u l s atilde o a f e c t o

R e a l i d a d e s u b s t i t u iacute d a

p e l a

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C ( c o r e s p a s t e l )

C o n t e uacute d o s r e l a c i o n a d o s c o m i n s e g u r a n ccedil a

f a l t a d e

C o n t e uacute d o s a c o n c h e g a n t e s

c a l o r o s o s ndash p r o c u r a d e

e q u i l iacute b r i o ndash i n v a s atilde o p e l o s a f e c t o s p r i m aacute r i o s

a p o i o

O b j e c t o s c o m o o b j e c t o s d e s u p o r t e

I n c a p a c i d a d e m a n t e r d i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

i n t e r i o r e e x t e r i o r

d i m e n s atilde o p u l s i o n a l a f e c t i v a

C rsquo ( c i n z e n t o )

C o n t e uacute d o s a m e a ccedil a d o r e s a n g u s t i a n t e s

d e s v i t a l i z a n t e s ndash f a l t a d e c o n t e n ccedil atilde o d o m u n d o

f a n t a s m aacute t i c o

D i a l eacute c t i c a e n t r e r e a l i d a d e e f a n t a s i a

c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

E s b a t i m e n t o d e t e x t u r a

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e

s

Q u a l i d a d e t aacute c t i l a s s o c i a d a a r e p r e s e n t a ccedil otilde e s e o u

P r o c u r a d e a p o i o ndash c o n t e uacute

d o s a c o n c h e g a n t e s

e o u a f e c t o s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s

a f e c t o s d e s a g r a d aacute v e i s ndash c o n t e uacute d o s p o

u c o

r e c o n f o r t a n t e s ndash f u n ccedil atilde o ( s

u p o r t e ) e q u a l i d a d e s

c o n t e n t o r e s s a t i s f a t oacute r i o s D i f e r e n c i a ccedil atilde o e

c o n t e n t o r e s c r u s

F a l t a d e l i m i t e f iacute s i c o e p s iacute q u i c o

t r a n q u i l i z a n t e s d e u m o b j e c t o t r a n s i t i v o

c o m u n i c a ccedil atilde o e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

C o m u n i c a ccedil atilde o t eacute n u e e n t r e

s u j e i t o e o b j e c t o

E s b a t i m e n t o d e p e r s p e c t i v

a

I m a g e m t r i d i m e n s i o n a l c o

m o m e d i d a d e

s e c u r i z a ccedil atilde o T w o - n e s s d aacute

c o n t a d e d i s t acirc n c i a

e s p a c i a l e t e m p o r a l m iacute n i m

a e n t r e s u j e i t o e o b j e c t o

A p r o x i m a ccedil atilde o a o e s p a ccedil o p

o t e n c i a l

A

C a p a c i d a d e d e r e l a ccedil atilde o c o m o m u n d o d a

A e l e v a d o ndash d e f e s a c o n t r a r e l a ccedil atilde o 1 ) C o l a g e m agrave

r e a l i d a d e p a r t i l h a d a D i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e

c o n f i g u r a ccedil atilde o d a m a n c h a D i a l eacute c t i c a e

n t r e r e a l i d a d e e

i n t e r n o e e x t e r n o

C a p a c i d a d e d e m a n t e r

f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a r e a l i d a d e

q u e r e t i r a t o d a a

d i a l eacute c t i c a d e u n i d a d e e s e p a r a ccedil atilde o

v i t a l i d a d e d a f a n t a s i a 2 ) R e g i s t o p r o j e c t i v o r e g r e s s i v o

e a r c a i c o ndash c o n t e uacute d o s p e r s e c u t oacute r i o s

D i a l eacute c t i c a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a

c o n t

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

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Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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F e n oacute m e n o s T r a n s i t i v o s E s p a ccedil o P o t e n c i a l ( c o n t )

E l e m e n t o s

A c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

I m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a t r a n

s i t i v a

O b j e c t o e x t e r n o i n v e s t i d o

c o m o o b j e c t o t r a n s i t i v o

R o r s c h a c h

E x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

E s p a ccedil o p r eacute - p o t e n c i a l

H

I m a g e m h u m a n a d e f i n i d a ndash c a p a c i d a d e d e

D i f i c u l d a d e d e r e c o n s t r u ccedil atilde o n o c o n t a

c t o c o m m a n c h a

r e c o n h e c e r a s u a i d e n t i d a d e s u b j e c t i v a

ndash a u s ecirc n c i a o u p r e s e n ccedil a r e d u z i d a d e H

ndash d i f i c u l d a d e

r e p r e s e n t a ccedil atilde o d e s i p r oacute p r i o n u m s i s t e m a d

e

i m p o s s i b i l i d a d e d e a c e s s o agrave aacute r e a e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

r e l a ccedil otilde e s o o u t r o eacute i n t e g r a d o

E s p a ccedil o p o t e

n c i a l

o n d e c o n s t r u i e r e c o n s t r u i e x p e r i ecirc n c i a s

( H )

N atilde o c o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s

C o n s t i t u e m m a i o r i a d e r e s p o s t a s h u m

a n a s ndash r e t i r a d a d a

ndash m u n d o f a n t a s m aacute t i c o r i c o

C a p a c i d a d e e

m

r e a l i d a d e c o n c r e t a e r e l a c i o n a l r e f u g i a n d o - s e n o

c r i a r m a n t e n d o c o n t a c t o c o m a r e a l i d a d e

ndash

m u n d o i r r e a l I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o e n t r e r e a l e i m a g i n aacute r i o

a c e s s o agrave aacute r e a t r a n s i t i v a

H d

A n a t e S g

A u s ecirc n c i a d e l i m i t e e n t r e d e n t r o e f o r a D i a l eacute c t i c a e n t r e

r e a l i d a d e e f a n t a s i a c a i n a d i r e c ccedil atilde o d a f a n t a s i a q u e s e

t o r n a n u m a r e a l i d a d e t atilde o t a n g iacute v e l e p e r i g o s a c o m o

a r e a l i d a d e e x t e r n a

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

A g r e s s i v i d a d e m a n i f e s t a d a p o r p a s s i v i d a d e ndash

D i m e n s atilde o s i m b oacute l i c a a g r e s s o r a ndash t e n t a t i v a d e

d e v a l ecirc n c i a a g r e s s i v a

c o n t e uacute d o s m u t i l a d o s d e s i n t e g r a d o s I n d i f e r e n c i a ccedil atilde o

d i f e r e n c i a ccedil atilde o d o o u t r o ndash c

o n t e uacute d o s c o r t a n t e s

e n t r e i n t e r n o e e x t e r n o

I n e x i s t ecirc n c i a d e u m

e x p l o s i v o s ldquo E s b o ccedil a r rdquo d e

u m e s p a ccedil o p o t e n c i a l

e s p a ccedil o p o t e n c i a l

C o n t e uacute d o s s i m b oacute l i c o s

d e v a l ecirc n c i a r e g r e s s i v a

F a l h a s n o h o l d i n g

A s s o c i a ccedil atilde o a t e m a s d e aacute g u a ndash

P r o c u r a d e a p o i o ndash a s s o c i a ccedil atilde o a o E t e x t u r a ndash

aacute g u a s t u r b u l e n t a s a f o g a m e n t o e a s s o c i a ccedil atilde o

c o n t e uacute d o s d e s u p o r t e

a o E t e x t u r a ndash i m p r e s s otilde e s t aacute c t e i s d e s a g r a d aacute v e i s

7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

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Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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PARTICIPANTE

O protocolo foi recolhido no Hospital deSanta Maria onde Joana se encontra eminternamento parcial no Hospital de Dia doServiccedilo de Psiquiatria

Da avaliaccedilatildeo psicoloacutegica realizada concluiu--se tratar-se de uma patologia borderline destacando-se (1) emergecircncia em processo

primaacuterio (2) permeabilidade da pele psiacutequica e(3) clivagem de objecto e identificaccedilatildeo

projectiva patoloacutegica

ANAacuteLISE DO PROTOCOLO

Anaacutelise cartatildeo a cartatildeo

No cartatildeo I a abordagem aparentementeglobal e adaptativa da realidade (ldquoum morcegordquo)

pode ser entendida como uma defesa contra osurgimento do mundo fantasmaacutetico do sujeitoDe acordo com a teoria da psicopatologia doespaccedilo potencial de Ogden a dialeacutectica entre arealidade e a fantasia cai na direcccedilatildeo da realidaderetirando-se toda a vitalidade agrave fantasia Face auma nova experiecircncia sentida como ameaccediladoraJoana natildeo eacute capaz de estabelecer uma relaccedilatildeodinacircmica entre o interno e o externo o real e oimaginaacuterio de forma a construir novos objectosA relaccedilatildeo ao real eacute marcada pela procura de

neutralidade Na busca do neutro o outro eacuteeliminado

Tendo em conta o simbolismo materno docartatildeo I num segundo momento o conteuacutedoldquotaracircntulardquo pode remeter-nos para uma imagomaterna ameaccediladora persecutoacuteria e destrutiva

No inqueacuterito a apreensatildeo global da manchaatraveacutes do recurso ao esbatimento de perspec-tiva reflecte a procura de um apoio permitindoao sujeito manter uma certa distacircncia espacial etemporal em relaccedilatildeo ao objecto (ldquopodia estar avecirc-la de um aviatildeordquo) A ldquotaracircntulardquo eacute sentida

como ameaccediladora mas natildeo constitui um perigo para o sujeito natildeo pode ldquoferi-lordquo Na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da

possibilidade de comunicaccedilatildeo teacutenue entre osujeito e objecto e por conseguinte os movi-mentos de Joana evidenciam uma aproximaccedilatildeoao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

Na anaacutelise global do cartatildeo observamos doisregistos de funcionamento distintos De acordocom a teoria de Ogden num primeiro momentoa realidade eacute utilizada como defesa contra afantasia natildeo sendo possiacutevel o acesso ao mundofantasmaacutetico do sujeito num segundo momentoa dialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia Esta situaccedilatildeo revela aimpossibilidade do sujeito mobilizar simultanea-mente mecanismos perceptivos e projectivosna construccedilatildeo de um ldquonovo objectordquo Joana natildeoconsegue aceder agrave aacuterea transitiva embora sesocorra de estrateacutegias para amortecer o impactofantasmaacutetico

No cartatildeo II a abordagem global da manchaevidencia um conteuacutedo mutilado (ldquo animal morto vecirc-se o pecirclo de animal e sanguerdquo) oque daacute conta da destrutividade da relaccedilatildeo Joana

procura centrar-se no recorte perceptivo da

mancha (ldquo animal natildeo sei se eacute um catildeo ou um gatordquo) mas acaba por ser invadida pelo seumundo fantasmaacutetico (ldquo vecirc-se o pecirclo do animal e sanguerdquo) A sensibilidade agrave cor vermelha(ldquoporque estaacute cheio de sanguerdquo) contribui para ainvasatildeo dos afectos na medida em que osmovimentos pulsionais agressivos reforccedilam avivecircncia destrutiva da relaccedilatildeo Tambeacutem areferecircncia agrave qualidade taacutectil (ldquopecirclordquo) evidencia aassociaccedilatildeo a uma representaccedilatildeo eou afecto desa-gradaacutevel atraveacutes da relaccedilatildeo ldquopecirclordquorarr

ldquosanguerdquo e por conseguinte a sensibilidade ao esbatimento

natildeo permite amortecer o impacto fantasmaacuteticoTendo em conta que este eacute um cartatildeo bilateral

a apreensatildeo do todo pode ser encarada como umdefesa contra a relaccedilatildeo sentida como perigosa edestrutiva A utilizaccedilatildeo do todo contra a

bilateralidade daacute conta da impossibilidade dosujeito em manter um compromisso entre osmovimentos de integraccedilatildeo e os de desestabi-lizaccedilatildeo e dispersatildeo suscitados pela simetria docartatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden esta falta decompromisso eacute entendida como o fracasso emmanter uma dialeacutectica de unidade e de sepa-

raccedilatildeo Esta situaccedilatildeo potildee em evidecircncia a impossi- bilidade de Joana desenvolver a sua proacutepriasubjectividade pois soacute na relaccedilatildeo com o outro eacuteque o sujeito pode construir as suas proacutepriasexperiecircncias e assim possuir um espaccedilo

potencial proacuteprio constitutivo do sentimento deser

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

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RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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No inqueacuterito Joana revela uma perda dedistacircncia face agrave imagem Rorschach (ldquoquando

passo de carro vejo um animal no chatildeo earrepia-merdquo) o que indica que a imagem eacuteexperimentada como um objecto ldquorealrdquo sendoincorporada na experiecircncia actual do sujeito Aimagem Rorschach eacute justificada pela experiecircncia

passada do sujeito criando a ilusatildeo de que esta eas experiecircncias passadas do sujeito satildeo

permutaacuteveis permitindo desta forma negar adistacircncia temporal e espacial que existerelativamente ao objecto A indiferenciaccedilatildeo entreo sujeito e o objecto daacute conta da impossibilidadedo sujeito se situar na aacuterea dos fenoacutemenostransitivos

Na abordagem do cartatildeo III Joana comeccedila por realizar um movimento de separaccedilatildeo entre asduas figuras No entanto estas natildeo se encontramem relaccedilatildeo (ldquo uma pessoa de cada ladordquo) A

abordagem global e perceptiva da mancha podeser entendida como um defesa contra o mundoimaginaacuterio que ameaccedila irromper No inqueacuterito aatribuiccedilatildeo de movimento agraves duas figuras (ldquoestatildeo tatildeo zangados que tecircm vontade de arrancar o coraccedilatildeo um do outro de matar um ao outrordquo)

bem como a associaccedilatildeo de um movimento pulsional a um conteuacutedo anatoacutemico (ldquoestatildeo tatildeo zangados que o coraccedilatildeo ateacute saltardquo) datildeo contada emergecircncia de um mundo fantasmaacuteticodestrutivo e arcaico Ao centrarmo-nos nosimbolismo do conteuacutedo anatoacutemico o

ldquocoraccedilatildeordquo implica um menor controlo do pensamento e neste sentido a expressatildeo ldquoocoraccedilatildeo ateacute saltardquo traduz a impossibilidade deJoana conter a pulsatildeo ocorrendo uma invasatildeodos afectos O contacto com o Outro eacute vividocomo algo destrutivo e invasivo Podemosconsiderar a impossibilidade da cinestesiamobilizar simultaneamente movimentos

perceptivos e projectivos e por conseguinte aimpossibilidade de Joana aceder agrave aacutereatransitiva

Em seguida a focalizaccedilatildeo de Joana numa

par te da mancha indica uma dif iculdade deinserccedilatildeo no real devido agrave intensidade da

projecccedilatildeo pulsional e fantasmaacutetica O conteuacutedoldquosapateirardquo revela que o contacto com o outro eacutesentido como destrutivo e ameaccedilador (ldquo Daacute aimpressatildeo que esta sapateira feriu algueacutemrdquo) Avivecircncia destrutiva e invasiva da relaccedilatildeo daacute

conta da indiferenciaccedilatildeo entre o dentro e o foraentre a realidade e a fantasia natildeo sendo possiacutevelJoana situar-se na aacuterea transitiva Esta situaccedilatildeo eacutetraduzida na linguagem de Ogden por umfracasso em manter um processo dialeacutectico emque a dialeacutectica entre a realidade e a fantasia caina direcccedilatildeo da fantasia tornando-se tatildeo realcomo a realidade exterior da qual natildeo se podediferenciar

Por fim a centraccedilatildeo no recorte perceptivo damancha (ldquo patas de um boi ou de uma vacardquo)revela que a adaptaccedilatildeo ao real natildeo permite oemergir do mundo fantasmaacutetico A realidade eacuteutilizada como defesa contra a fantasia Joananatildeo eacute capaz de se situar na aacuterea transitiva natildeoconseguindo integrar na mesma respostamovimentos perceptivos e projectivos

Na passagem para o cartatildeo IV deparamo-noscom uma perda de distacircncia relativamente ao

objecto evidenciada pela expressatildeo directa deum sentimento de perigo ou ameaccedila face agraveimagem Rorschach (ldquoUi aqui estou a ver ummonstrordquo) Esta situaccedilatildeo representa uma perdade simbolizaccedilatildeo na qual Joana reage afectiva-mente agrave imagem como se esta fosse realmente o

proacuteprio objecto (o monstro) negando a diferen-ciaccedilatildeo entre o interno e o externo

A abordagem global da mancha daacute conta de umconteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo monstrordquo)que potildee em evidecircncia uma invasatildeo fantasmaacuteticaA dificuldade de separaccedilatildeo entre o real e o ima-

ginaacuterio eacute de igual modo demonstrada pelo factode o monstro figura irreal ter uma caracteriacutesticahumana (ldquo com enormes pernasrdquo) Noinqueacuterito a atribuiccedilatildeo de movimento ao monstroevidencia por um lado este conteuacutedo ameaccedilador e terriacutefico (ldquo por um lado pode meter medordquo)mas por outro daacute conta de um conteuacutedo recon-fortante acolhedor (ldquo mas por outro () podeabraccedilar ou acarinhar algueacutem natildeo eacute tatildeo mons-truoso assimrdquo) Esta situaccedilatildeo revela a presenccedilade um mecanismo de defesa caracteriacutestico do

borderline ndash a clivagem ndash o objecto eacute mau mas

tambeacutem eacute bom A incapacidade de integrar as boas e maacutes imagens do objecto remete para aimpossibilidade de separaccedilatildeo e comunicaccedilatildeoentre o interno e o externo o sujeito e o objectoApesar desta realidade a referecircncia a umconteuacutedo reconfortante indica que este pode ser utilizado como um objecto de suporte adqui-

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

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RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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rindo a funccedilatildeo de um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A cinestesia permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue com o Outro embora agrave custade um modo de funcionamento menos evoluiacutedo

Na passagem para o cartatildeo invertido ocorreum movimento regrediente em que a restriccedilatildeo auma parte da mancha daacute conta de uma dificul-dade de inserccedilatildeo no real revelando a dificuldadedo sujeito diferenciar a parte (ldquo a cabeccedila de umalulardquo) do todo (ldquo tambeacutem parece uma criaturavoadorardquo) A presenccedila de um conteuacutedo que

pode ser tanto inteiro como parcial potildee emevidecircncia a dificuldade do sujeito se ver comoum todo inteiro completo e separado do mundoexterno e por conseguinte a impossibilidade dosujeito aceder agrave aacuterea transitiva A dificuldade deJoana se adequar ao estiacutemulo perceptivo revelade acordo com Ogden que esta natildeo conseguemanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre o real e

o imaginaacuterio sendo a realidade substituiacuteda pelafantasia ocorrendo uma invasatildeo do mundofantasmaacutetico

A expressatildeo de um sentimento de estranhezano cartatildeo V daacute conta de uma perda de distacircnciarelativamente ao objecto na qual Joana reageafectivamente ao cartatildeo como se este fosse o proacute-

prio objecto (ldquoIsto eacute soacute criaturas estranhasrdquo)Deste modo a apreensatildeo global da mancha eacuteutilizada como defesa contra um mundofantasmaacutetico sentido como ameaccedilador Por outrolado o recurso agrave globalidade da mancha soacute eacute

possiacutevel atraveacutes de uma imagem pouco definida(ldquoparece-me um insecto visto numa grandelupardquo) Esta dificuldade do sujeito se representar como um todo definido no contacto com amancha evidencia a falta de diferenciaccedilatildeo entreo dentro e o fora e por conseguinte indica adificuldade do sujeito aceder agrave aacuterea transitivaApesar desta realidade Joana consegue alcanccedilar a unidade (ainda que mal definida) utilizando aldquolupardquo como um objecto de suporte o que

permite a comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o internoe o externo Joana utiliza a ldquolupardquo como se esta

fosse um objecto transitivo ao lhe atribuir afunccedilatildeo deste objecto

Em seguida a restriccedilatildeo a uma parte da mancha bem como a ambiguidade do conteuacutedo (ldquo parece pernas patas de um animalrdquo) datildeo conta daimpossibilidade do sujeito se ver como um todointeiro e completo ( Parece que soacute tem patasrdquo)

Nesta linha de pensamento o eixo simeacutetricoindica que a uniatildeo das duas patas ( parecem

juntasrdquo) potildee em evidecircncia uma relaccedilatildeo de fusatildeoentre o sujeito e o outro Esta situaccedilatildeo traduz aimpossibilidade em aceitar a diferenccedila natildeo sendo

possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro Deacordo com a teoria de Ogden a dialeacutectica entre aunidade e a separaccedilatildeo cai na direcccedilatildeo da unidade

ndash sujeito e objecto satildeo o mesmo A indiferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e objecto revela falhas no

processo de simbolizaccedilatildeo e por conseguinte osujeito natildeo eacute capaz de se situar na aacuterea interme-diaacuteria entre o real e o imaginaacuterio entre o dentroe o fora Natildeo eacute possiacutevel a constituiccedilatildeo do ldquoestadode doisrdquo (two-ness) nem do ldquoestado de trecircsrdquo(three-ness)

No cartatildeo VI a imagem global traduz umaimagem de suporte (ldquo pele de animal pendu-radardquo) Tendo em conta que a sensibilidade

taacutectil (ldquopelerdquo) nos remete para os cuidados primaacuterios o esbatimento de textura daacute conta por um lado da existecircncia de falhas no holding e

por outro daacute conta da procura de apoio sendo aimagem investida como se se tratasse de umobjecto transitivo na medida em que adquire asua funccedilatildeo de suporte A utilizaccedilatildeo do outrocomo um objecto anacliacutetico permite umacomunicaccedilatildeo teacutenue entre o interno e o externoentre o sujeito e o objecto A possibilidade dosujeito estabelecer uma relaccedilatildeo miacutenima entre odentro e o fora permite-lhe aceder agrave aacuterea

transitiva ainda que agrave custa de um modo defuncionamento mais arcaico

No cartatildeo invertido a sensibilidade de Joana agravesimetria daacute conta de uma tentativa de separaccedilatildeoque falha devido agrave referecircncia agrave imagem especular (ldquo um pulmatildeo de cada ladordquo) A linha meacutedia(ldquoa coluna vertebralrdquo) representa a linha quesepara duas entidades que satildeo a repeticcedilatildeo domesmo Esta situaccedilatildeo traduz na acepccedilatildeo deOgden a impossibilidade do sujeito manter um

processo dialeacutectico de unidade e de separaccedilatildeocaindo a dialeacutectica na direcccedilatildeo da unidade Esta

impossibilidade representa falhas no processo desimbolizaccedilatildeo natildeo sendo o sujeito capaz de nocontacto com o Outro se reconhecer como um ser iacutentegro coeso e diferenciado A impossibilidadede Joana distinguir entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo daacuteconta da inexistecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio constitutivo do sentimento de ser

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

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Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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Em seguida ocorre um movimento progre-diente em que a sensibilidade aos tons esbatidosda mancha daacute conta da possibilidade de Joanamanter uma certa distacircncia face ao objecto (ldquouma estrada e de cada lado da estrada haacute umalagoardquo) A possibilidade de uma distacircnciamiacutenima entre o sujeito e o objecto natildeo eacute apenasespacial mas tambeacutem temporal (inqueacuterito ndash ldquo

Parece aquelas viagens ao lado do rio e depoishaacute cursos de aacuteguardquo) A referecircncia ao ldquocurso daaacuteguardquo remete-nos para a ideia de continuidadeno tempo Deste modo o movimento impliacutecitoda aacutegua tambeacutem evidencia a possibilidade deuma comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o dentro e ofora O eixo de simetria (a estrad a) representa aseparaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito e o Outro Apesar da impossibilidade de uma relaccedilatildeo intersub-

jectiva entre o dentro e o fora a construccedilatildeotridimensional da imagem daacute conta de uma

aproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial Falamos deespaccedilo preacute-potencial na medida em que osmovimentos de Joana apenas permitem umldquoesboccedilarrdquo deste espaccedilo

No cartatildeo VII a atribuiccedilatildeo de movimento aum conteuacutedo inanimado desvitalizado (ldquo umboneco de cada lado a olhar um para o outrordquo)

bem como a referecircncia a duas figuras femininasque natildeo se encontram num cenaacuterio relacional(ldquo parece duas meninas com um totoacuterdquo) datildeoconta da impossibilidade de relaccedilatildeo Contudo areferecircncia ao conteuacutedo ldquobonecordquo e ao conteuacutedo

infantilizado ldquomeninas com totoacuterdquo poderepresentar uma procura de conforto e nestesentido estes conteuacutedos adquirem o valor de umobjecto transitivo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectiva entre o interno e oexterno o que traduz a impossibilidade de Joanase situar na aacuterea transitiva No entanto estautiliza estrateacutegias arcaicas para estabelecer umcontacto com o Outro procurando transformar aimagem Rorschach num objecto confortaacutevel

Na passagem para o inqueacuterito ocorre ummovimento progrediente na medida em que a

referecircncia ao ldquobaloiccedilordquo permite a relaccedilatildeo entreas duas figuras femininas (ldquo duas meninas numbaloiccedilo para cima e para baixordquo) O caraacutecter instaacutevel e desequilibrado do ldquobaloiccedilordquo revela queeste apenas permite um contacto fraacutegil com oOutro sendo utilizado como um objecto desuporte A imagem Rorschach eacute investida como

se fosse um objecto transitivo servindo a suafunccedilatildeo Joana consegue fazer uso do objectotransitivo ainda que de uma forma inadequada

A resposta seguinte situa-se no mesmo registoem que a ldquorochardquo tal como o ldquobaloiccedilordquo serve desuporte agrave relaccedilatildeo permitindo apenas uma comu-nicaccedilatildeo precaacuteria com o outro (ldquo podia ser um

gato () estatildeo a fazer equiliacutebrio em cima de umarochardquo) No entanto o ldquobaloiccedilordquo poderaacute constituir um suporte mais evoluiacutedo que a ldquorochardquo uma vezque serve de suporte a uma relaccedilatildeo humana

Atendendo agrave inversatildeo figura-fundo a ldquoilhardquo pode constituir um conteuacutedo isolado que natildeo permite o contacto com o outro Tendo em contaque o branco remete para o vazio o neutro o pre-enchimento da lacuna extramacular (ldquo o brancoeacute o marrdquo) no inqueacuterito representa uma procurade apoio que traduz a tentativa de Joana pararestabelecer o contacto com o outro O ldquomarrdquo

representa um limite mais vasto e deste modo pode constituir um elo de ligaccedilatildeo fraacutegil entre osujeito e o outro A imagem Rorschach eacute utilizadacomo um objecto de suporte adquirindo a funccedilatildeode um objecto transitivo O movimento impliacutecitodo mar (pela presenccedila da tendecircncia kob) poderepresentar a ameaccedila que a relaccedilatildeo constitui

Por fim ocorre um movimento regrediente namedida em que a sensibilidade ao branco daacuteconta do sentimento de incompletude (ratilde semestocircmago) O branco eacute claramente representadocomo a ausecircncia o que nos remete para o

conceito de anguacutestia branca de Green na medidaem que o que se encontra no lugar do objecto eacute ovazio Na linguagem de Ogden esta situaccedilatildeoevidencia a impossibilidade do sujeito manter um processo dialeacutectico entre o dentro e o foradevido agrave invasatildeo do mundo fantasmaacutetico dosujeito e por conseguinte daacute conta da inexis-tecircncia de um espaccedilo potencial

Na abordagem do cartatildeo VIII os dois animaisnatildeo satildeo colocados em relaccedilatildeo (ldquo uma fera umanimal selvagem de cada ladordquo) A ldquoferardquo

pode constituir um sinal de perigo revelando a

ameaccedila destrutiva que a relaccedilatildeo representa Arestriccedilatildeo a uma parte da mancha constitui umadefesa contra a relaccedilatildeo que eacute sentida como peri-gosa e destrutiva No inqueacuterito Joana procurarestabelecer o contacto com o outro mas estatentativa falha (ldquo dois animais duas feras elesestatildeo a querer subir mas estatildeo com algum

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

space An introduction to the work of D WWinnicott New York BrunnerMazel

Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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receiordquo) A impossibilidade de relaccedilatildeo eacute eviden-ciada pela busca de neutralidade as duas feras

procuram estabelecer o contacto uma com aoutra mas estatildeo ldquoparalisadasrdquo Esta ldquoparalisiardquo

potildee em evidecircncia a vivecircncia ameaccediladora edestrutiva do contacto (ldquoNatildeo sei se eacute o receio de

subir ou de se magoaremrdquo) A impossibilidade derelaccedilatildeo daacute conta da inexistecircncia de um espaccedilointersubjectivo ndash o espaccedilo potencial ndash que permitaa comunicaccedilatildeo entre o dentro e o fora Na acepccedilatildeode Ogden esta situaccedilatildeo traduz o fracasso dosujeito em manter um processo dialeacutectico entre arealidade e a fantasia Num primeiro contactocom a mancha a dialeacutectica cai na direcccedilatildeo darealidade impedindo a invasatildeo do mundo fantas-maacutetico Num segundo momento a dialeacutectica caina direcccedilatildeo da fantasia remetendo para ummundo imaginaacuterio ameaccedilador e perigoso

A focalizaccedilatildeo de Joana no contorno das cores

(ldquo uma blusa uns calccedilotildeesrdquo) indica que esta procura refugiar-se na realidade perceptiva docartatildeo de forma a impedir a emergecircncia domundo fantasmaacutetico O vestuaacuterio pode representar uma procura de apoio Este conteuacutedo poucocontentor constitui uma segunda pele A utili-zaccedilatildeo do Outro como uma segunda pele mentaldaacute conta da ausecircncia de um espaccedilo potencial

pr oacuteprio Cont udo a dim ens atildeo pr ote cto raassociada ao vestuaacuterio revela que a imagemRorschach toma o valor de um objecto transitivo

Por fim a atribuiccedilatildeo de movimento aos dois

animais referidos anteriormente daacute conta darelaccedilatildeo destrutiva e saacutedica (ldquo assim continuo aver os animais agrave mesma os dois Daacute-me a sensa-ccedilatildeo que eles estatildeo a pisar alguma coisa quecusta a ferirrdquo) A emergecircncia da fantasia revelaque a relaccedilatildeo eacute vivida como algo que destroacutei

Neste cartatildeo eacute posto em evidecircncia um ciclovicioso em que perante a impossibilidade darelaccedilatildeo Joana procura restabelecer o contacto

No entanto este falha sempre devido ao caraacutecter destrutivo da relaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel estabelecer um compromisso entre o real e o imaginaacuterio e

por conseguinte Joana natildeo se pode situar na aacutereatransitiva

A sensibilidade ao branco remete de acordocom Chabert (19971998) para a dialeacutecticarelacional primaacuteria Deste modo a interpretaccedilatildeodo branco (ldquo uma criatura escondida por traacutesde um quadrordquo) no cartatildeo IX remete para as

falhas no holding A atribuiccedilatildeo de movimento agraveimagem (ldquo criatura com os olhinhos a esprei-tarrdquo) no inqueacuterito daacute conta da relaccedilatildeo comuma imago materna persecutoacuteria Os ldquoolhos queespreitamrdquo pode dar conta da falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o ldquoEurdquo e o ldquonatildeo-Eurdquo A cinestesiaassociada a um conteuacutedo irreal e persecutoacuterioevidencia a invasatildeo do mundo fantasmaacuteticorevelando que natildeo eacute possiacutevel a expressatildeo doimaginaacuterio sem que seja posta em causa aadaptaccedilatildeo ao real Na linguagem de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia cai nadirecccedilatildeo da fantasia que se transforma na uacutenicacoisa real e ameaccediladora para o sujeito A dificul-dade em discriminar real e imaginaacuterio traduz aincapacidade do sujeito aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar de representar uma dinacircmica regressivao movimento de ldquopocircr em quadrordquo (ldquo nesta

pintura ve jo uma cr ia tura com uns olhos

escondida por traacutesrdquo) constitui um movimento progrediente na medida em que permite manter uma certa distacircncia em relaccedilatildeo ao objecto acriatura torna-se menos ameaccediladora ao estar inserida numa pintura A cor (ldquouma pinturardquo)

permite estabelecer um compromisso miacutenimoentre o real e o imaginaacuterio ou na acepccedilatildeo deOgden o ldquoestado de doisrdquo (two-ness) que daacuteconta da possibilidade de uma comunicaccedilatildeoteacutenue entre o sujeito e o objecto

O preenchimento do branco (ldquo do lago saiuma fonte luminosardquo) no cartatildeo invertido daacute

conta da tentativa para colmatar as carecircnciasnarciacutesicas atraveacutes de uma dinacircmica regressiva

pela referecircncia a um tema de aacutegua De acordocom Chabert (19971998) Traubenberg considerao cartatildeo IX como o ldquocartatildeo uterinordquo Nestesentido a imagem pode remeter para o tema donascimento em que a ldquo fonte luminosardquo poderaacuterepresentar a fonte de vida e o ldquolagordquo o uacuteteromaterno A imagem ldquocalorosardquo do uacutetero maternodada quer pela atribuiccedilatildeo de movimento ao lagoquer pela sensibilidade agrave cor pode constituir uma imagem de suporte que permite ldquocamuflarrdquo a

falha narciacutesica A imagem Rorschach eacute investidacomo se fosse um objecto transitivo ao adquirir asua funccedilatildeo de suporte Eacute este apoio que permiteuma comunicaccedilatildeo fraacutegil entre o dentro e o foraentre o real e o imaginaacuterio

A uacuteltima resposta potildee em evidecircncia afragilidade identitaacuteria e narciacutesica de Joana quer

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

httpslidepdfcomreaderfulla-expressao-no-rorschach-dos-fenomenos-transitivos-e-do-espaco-potencial 1416

forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

space An introduction to the work of D WWinnicott New York BrunnerMazel

Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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pela referecircncia a uma imagem cujos contornos satildeo pouco definidos (ldquo nuvens escurasrdquo) quer pelo preenchimento do branco (ldquo parece () umtornadordquo) O ldquotornadordquo pode dar conta deuma relaccedilatildeo ameaccediladora e destrutiva Apesar do

perigo que a relaccedilatildeo representa a capacidade demanter o ldquotornadordquo agrave distacircncia (ldquo parece queele eacute um tornado aacute distacircnciardquo ) indica autilizaccedilatildeo do esbatimento de difusatildeo como umsuporte que possibilita a manutenccedilatildeo de umacerta distacircncia espacial e temporal entre osujeito e o objecto Na acepccedilatildeo de Ogden oldquoestado de doisrdquo (two-ness) daacute conta da possibi-lidade de comunicaccedilatildeo precaacuteria entre o sujeito eo objecto

Tendo em conta que o cartatildeo X eacute o ldquocartatildeo datransferecircnciardquo o elevado nuacutemero de associaccedilotildeesdispersas (dez respostas em D) pode ser umindicador da desorganizaccedilatildeo do sujeito face agrave

situaccedilatildeo de separaccedilatildeo A referecircncia aoldquoesqueletordquo revela que Joana se vecirc como um ser ldquosem pelerdquo (ldquo uma espeacutecie de esqueleto ()

Parece que lhe foi retirado tudordquo) eviden-ciando o sentimento de perda face agrave separaccedilatildeoTal como eacute defendido por Amaral Dias (2004) osujeito utiliza o objecto como uma segunda pelemental e por conseguinte a perda do objecto eacutevivida como a perda de si proacuteprio A imagemdesvitalizada e destruiacuteda (ldquo uma aacutervore secaqueimadardquo) que marca o fim da relaccedilatildeo daacuteconta atraveacutes da sensibilidade ao cinzento de

um sentimento de anguacutestia associado agrave sepa-raccedilatildeo A impossibilidade do sujeito se ver comoum todo inteiro e separado do outro revela ainexistecircncia de um espaccedilo intersubjectivo entre ointerno e o externo

Ao longo deste cartatildeo verificamos essencial-mente a alternacircncia entre respostas de maacute quali-dade formal que datildeo conta da tentativa falhada dosujeito em adaptar-se agrave realidade (eg ldquo doisratos rdquo) e respostas cuja sensibilidadecromaacutetica e cinesteacutesica despertam fantasmasameaccediladores e destrutivos (eg ldquo vampiro

() Parece que atacou algueacutem e ficou com asasas ensanguentadasrdquo) o que evidencia aimpossibilidade de um compromisso entre o reale o imaginaacuterio Na acepccedilatildeo de Ogden adialeacutectica entre a realidade e a fantasia caisempre na direcccedilatildeo da fantasia sendo o sujeitoinvadido pelo seu mundo fantasmaacutetico Joana

natildeo consegue utilizar estrateacutegias arcaicas para sedefender do impacto fantasmaacutetico

Anaacutelise dos traccedilos salientes do psicograma

A anaacutelise dos modos de apreensatildeo daacute conta de

um mundo interno pouco delimitado e coeso Aimpossibilidade do sujeito estabelecer umcompromisso entre o interno e o externo o real eo imaginaacuterio natildeo lhe permite aceder agrave aacutereatransitiva O sujeito natildeo pode construir ldquonovosobjectosrdquo a partir de novas relaccedilotildees entre odentro e o fora

A anaacutelise dos determinantes evidencia ndash quer pela baixa percentagem de F quer pela intensaexpressatildeo cinesteacutesica do protocolo ndash a dificul-dade de Joana em apreender a realidade externaTendo em conta a intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicasK e k podem representar F dinacircmicos e projec-tivos o que reflecte esta dificuldade do sujeitoem adaptar-se agrave realidade A falta de diferen-ciaccedilatildeo entre o sujeito e o objecto revela a impos-sibilidade de se estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o interno e o externo que

permita a existecircncia de um espaccedilo potencial proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

A anaacutelise dos conteuacutedos revela a enormedificuldade de Joana em aceder agrave representaccedilatildeode si num sistema de relaccedilotildees devido ao caraacutecter

destrutivo e invasivo da relaccedilatildeo A dificuldade emse reconstruir no contacto com a mancha e com ooutro indica que natildeo eacute capaz de reconhecer a suasubjectividade e por conseguinte natildeo se podesituar na aacuterea intermediaacuteria entre o interno e oexterno

As observaccedilotildees de simetria tambeacutem datildeo contada dificuldade do sujeito se reconhecer nocontacto com o Outro A sensibilidade agrave simetriado cartatildeo indica que o sujeito procura fazer aseparaccedilatildeo entre ele e o Outro No entanto estarevela-se sempre inoperante quer pelo

desdobramento do mesmo em relaccedilatildeo ao eixo desimetria quer pelo caraacutecter destrutivo e invasivoda relaccedilatildeo

Relativamente ao TRI identificamos um predomiacutenio do poacutelo C sobre o poacutelo K (extrover-sivo misto) Atendendo agrave intensidade pulsional efantasmaacutetica associada agraves respostas cinesteacutesicas

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a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

space An introduction to the work of D WWinnicott New York BrunnerMazel

Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

363

7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

httpslidepdfcomreaderfulla-expressao-no-rorschach-dos-fenomenos-transitivos-e-do-espaco-potencial 1616

Page 13: A Expressão No Rorschach Dos Fenômenos Transitivos e Do Espaço Potencial Na Personalidade Borderline

7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

httpslidepdfcomreaderfulla-expressao-no-rorschach-dos-fenomenos-transitivos-e-do-espaco-potencial 1316

a atribuiccedilatildeo de movimento agraves figuras humanas natildeoconstitui um processo criativo e evoluiacutedo mas sima ausecircncia de uma relaccedilatildeo dinacircmica entre internoe externo A predominacircncia do poacutelo C (75C)revela tambeacutem uma falta de controlo afectivouma invasatildeo dos afectos A falta de equiliacutebrioentre os poacutelos K e C daacute conta da impossibilidadedo sujeito estabelecer uma relaccedilatildeo intersubjectivaentre o interno e o externo

A foacutermula complementar atesta um predomiacuteniodas cinestesias menores sobre o esbatimento(6kgt35E) variando no sentido contraacuterio ao TRIAtendendo a que kgtK k daacute conta de umadinacircmica regressiva em que perante a dificuldadeem suportar o conflito Joana desloca osmovimentos pulsionais destrutivos para conteuacutedosnatildeo humanos ou partes humanas o que traduz aimpossibilidade de contacto com o outro e por conseguinte a impossibilidade de aceder agrave aacuterea

transitiva Embora agrave custa de estrateacutegias poucoevoluiacutedas o esbatimento permite um contacto

precaacuterio com o outro O esbatimento daacute conta deuma procura de apoio em que a imagemRorschach eacute investida como se fosse um objectotransitivo adquirindo a sua funccedilatildeo

A percentagem de RC situa-se acima do valor estimado A extrema sensibilidade agrave cor pastelevidencia uma invasatildeo dos afectos Aimpossibilidade de manter uma dialeacutectica entre arealidade e os afectos indica que Joana natildeo eacutecapaz de aceder agrave aacuterea transitiva

CONCLUSOtildeES

Numa perspectiva psicodinacircmica procuraacutemoscompreender as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no protocoloRorschach de um sujeito borderline

Da anaacutelise do protocolo pudemos constatar aimpossibilidade do sujeito estabelecer umarelaccedilatildeo intersubjectiva entre o interior e oexterior e deste modo aceder agrave aacuterea transitiva

Apesar desta realidade o sujeito eacute capaz demobilizar estrateacutegias de forma a estabelecer umcontacto miacutenimo com o outro A imagemRorschach eacute transformada num objecto realsendo-lhe atribuiacutedo a funccedilatildeo (de suporte) e asqualidades (reconfortantes calmantes) de umobjecto transitivo Este funcionamento revela a

falta de internalizaccedilatildeo das propriedades cal-mantes e securizantes do objecto transitivo nodecurso do desenvolvimento O movimento de

procurar estabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenuecom o objecto daacute conta de uma aproximaccedilatildeo aoespaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-potencial

A leitura proposta nos procedimentos dosconceitos de fenoacutemenos transitivos e de espaccedilo

potencial revelou-se extremamente uacutetil noestudo destes conceitos no protocolo Rorschachda Joana Nos procedimentos procuraacutemos dotar os elementos Rorschach de valores interpreta-tivos que possibilitassem a leitura dos conceitosem estudo o que serviu de base agrave compreensatildeodestes conceitos na anaacutelise do protocolo

Na situaccedilatildeo Rorschach Joana natildeo eacute capaz deestabelecer um compromisso entre a percepccedilatildeo(a realidade) e a projecccedilatildeo (o imaginaacuterio) ou (1)apega-se agrave realidade concreta e objectiva

procurando defender-se do contacto com oOutro ou (2) deixa-se invadir pelo seu mundofantasmaacutetico reflectindo o caraacutecter destrutivo einvasivo da relaccedilatildeo Na acepccedilatildeo de Ogden estasituaccedilatildeo daacute conta do fracasso do sujeito emmanter uma dialeacutectica psicoloacutegica entre arealidade e a fantasia o que traduz uma incapa-cidade de simbolizaccedilatildeo No primeiro registo defuncionamento a realidade eacute usada como defesacontra a fantasia retirando toda a vitalidade dafantasia no segundo registo a realidade eacutesubstituiacuteda pela fantasia que se transforma numa

realidade tatildeo tangiacutevel e perigosa como a reali-dade externa da qual natildeo se pode diferenciar

Joana natildeo eacute capaz de no contacto com um estiacute-mulo desconhecido construir e reconstruir novasrelaccedilotildees entre o dentro e o fora A impossibilidadede uma relaccedilatildeo dinacircmica entre o interno e oexterno impedem-na de se situar na aacuterea transitiva

O natildeo reconhecimento da proacutepria subjectivi-dade reflecte-se no Rorschach por uma incapaci-dade de Joana construir imagens com o cunho dasua originalidade e unicidade sem que seja

posta em causa a sua adaptaccedilatildeo ao real De

acordo com as ideias de Winnicott esta situaccedilatildeorevela a ausecircncia de um espaccedilo potencial

proacuteprio onde o sujeito possa construir as suas proacuteprias experiecircncias

Apesar da ausecircncia de um espaccedilo intersub- jectivo entre o real e o imaginaacuterio o dentro e ofora Joana eacute capaz de mobilizar estrateacutegias de

361

7182019 A Expressatildeo No Rorschach Dos Fenocircmenos Transitivos e Do Espaccedilo Potencial Na Personalidade Borderline

httpslidepdfcomreaderfulla-expressao-no-rorschach-dos-fenomenos-transitivos-e-do-espaco-potencial 1416

forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

space An introduction to the work of D WWinnicott New York BrunnerMazel

Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

Green A (1997) The intuition of the negative in playing and real ity Internat iona l Journal of Psycho-analysis 78(6) 1071-1084

Ogden T (1985) On potential space International Journal of Psycho-analysis 66 (2) 129-141

Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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ABSTRACT

This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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forma a estabelecer um contacto com o Outro A procura de apoio de amortecimento de vivecircnciasmais angustiantes ao longo do protocolo indicaque a imagem Rorschach criada pelo sujeito eacutetransformada num objecto de suporte sendoinvestida como se fosse um objecto transitivo naacepccedilatildeo de Winnicott A fragilidade e precarie-

dade do suporte (eg ldquobaloiccedilo ldquorochardquo) queremete para a carecircncia do holding permiteapenas uma comunicaccedilatildeo teacutenue entre o sujeito eo outro Na acepccedilatildeo de Amaral de Dias (2004) oobjecto eacute utilizado como uma segunda pele(mental) e neste sentido fala na existecircncia deuma pele ou permeabilidade do pensamentoEsta daacute conta por um lado da falta de umlimite claro entre o sujeito e o objecto mas por outro permite manter uma distacircncia miacutenima emrelaccedilatildeo ao objecto Podemos acrescentar atendecircncia de Joana para transformar a imagem

Rorschach num objecto reconfortante de formaa ldquomascararrdquo o sentimento de vazio sentimentoassociado agrave anguacutestia branca de Green (eg IX ndash ldquo do lago sai uma fonte luminosardquo)

As estrateacutegias utilizadas por Joana de forma aestabelecer uma comunicaccedilatildeo teacutenue com oobjecto datildeo conta de uma aproximaccedilatildeo ao espaccedilo

potencial Neste sentido falamos na existecircncia deum espaccedilo preacute-potencial

Os comentaacuterios de Joana ao longo da provaatestam uma ldquoperda de distacircnciardquo face ao objectosendo a imagem Rorschach incorporada na

experiecircncia actual do sujeito (eg V ndash ldquo Isto eacute soacutecriaturas estranhasrdquo) De acordo comWinnicott a dificuldade de Joana em distinguir osiacutembolo do objecto simbolizado potildee em evidecircnciaa natildeo-aceitaccedilatildeo do paradoxo winnicottiano oobjecto natildeo estava laacute para ser criado pelo sujeitomas antes eacute fruto da proacutepria criaccedilatildeo do sujeito

REFEREcircNCIAS

Chabert C (19971998) O Rorschach na cliacutenica doadulto ndash Interpretaccedilatildeo psicanaliacutetica Lisboa

ClimepsiDavis M amp Wallbridge D (1981) Boundary and

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Dias C A (2004) Costurando as linhas da ps ic op at ol og ia bo rd er la nd (e st ad os -l im it e) Lisboa Climepsi

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Pinheiro C B (2005) Criaccedilotildees sobre Leonardo DaVinc Arte e Psicanaacutelise Lisboa Climepsi

Pontalis J-B (1999) Entre o sonho e a dor LisboaFenda

Winnicott D W (1986) The theory of the parent-infant relationship In M D Peter Buckley (Ed) Essential papers on object relations (pp 233-253) New York University Press

Winnicott D W (19711975) O brincar e a realidadeRio de Janeiro Imago

RESUMO

Pretendemos compreender agrave luz do meacutetodoRorschach as caracteriacutesticas dos fenoacutemenostransitivos e do espaccedilo potencial no sujeito borderlineO estudo destes conceitos eacute desenvolvido tendo por

ba se as teor ia s de Winn icot t e Og den so bre a psicopatologia dos fenoacutemenos transitivos e do espaccedilo po te nc ia l re spe cti va me nt e Par a um a me lh or compreensatildeo destes conceitos no caso borderline

procuramos articulaacute-los com os conceitos de funccedilatildeomaterna e de anguacutestia branca de Green

O meacutetodo Rorschach eacute perspectivado na suadimensatildeo intersubjectiva e dinacircmica em que o apelo aum duplo modo de funcionamento (perceptivo e

pr oj ec ti vo ) pe rmi te um a co mp reen satildeo ma isaprofundada da dinacircmica relacional entre o interno e oexterno no espaccedilo psiacutequico do sujeito borderline Eacuteelaborada uma leitura dos conceitos de fenoacutemenostransitivos e de espaccedilo potencial procurando integrar e articular a revisatildeo de literatura e os elementosRorschach Neste contexto eacute aplicado o Rorschach aum sujeito do sexo feminino com o diagnoacutestico de

perturbaccedilatildeo borderline da personalidadeDa anaacutelise do protocolo destacamos que apesar da

impossibilidade de estabelecer uma relaccedilatildeointersubjectiva entre o real e o imaginaacuterio o interno eo externo o sujeito eacute capaz de mobilizar estrateacutegiasarcaicas que lhe permitem um contacto miacutenimo com o

outro A imagem Rorschach eacute experimentada como umobjecto real adquirindo a funccedilatildeo (suporte) e asqualidades (reconfortantes) de um objecto transitivoOs movimentos do sujeito datildeo conta de umaaproximaccedilatildeo ao espaccedilo potencial ndash espaccedilo preacute-

potencial

Palavras chave Borderline Espaccedilo potencialFenoacutemeno transitivo Funccedilatildeo materna Rorschach

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This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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This study uses the Rorschach method in order tounderstand the characteristics of both transitional

phenomena and potentia l space in patients withBorderline Personality Disorder (BPD) The approachto the aforementioned concepts follows respectivelyWinnicott and Ogdenrsquos theories about transitional

phenomena and potential space psychopathology For a better understanding of both concepts in the contextof BPD we have articulated them with motherhoodfunction and Greenrsquos white anguish

Inter-subjective and dynamic features of theRorschach Method both of which call for a doubleworking mode (perceptive and projective) areherewith used eventually leading to a deeper understanding of the existing relational dynamicsldquointernal-externalrdquo in the psychic space of borderline

patients Thus the main concepts under analysis are

interpreted in the light of a literature review which isduly articulated with Rorschach elements In thiscontext we have applied the Rorschach method to afemale individual who had been previously diagnosedBPD

The analysis performed to the protocoldemonstrates the patientrsquos ability to apply very basicstrategies in order to enter into a minimum contact

with external objects though she is not capable of establishing an inter-subjective relation betweenfantasy and reality or between the internal world andthe external world The patient with BPD experiencesthe Rorschach image as if it was a real object that

bears the function (holding) and the (cheer ing)characteristics of a transitional object These strategies

points to an approximation to a potential space ie a pre-potential space

Key words Borderline Motherhood functionPotential space Rorschach Transitional phenomena

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