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Do ponto de vista científico, os polimorfos sempre deveriam ser identificados a partir dos seus dados cristalográficos. Mas a velocidade requerida nos trabalhos de P&D muitas vezes impossibilitam esta abordagem. Aliado a esta dinâmica, a expansão da definição formal de polimorfismo pelo setor farmacêutico dificulta ainda mais a harmonização na nomenclatura de polimorfos. Por isso, os profissionais que se dedicam ao estudo do polimorfismo sempre devem avaliar de forma crítica toda a literatura disponível. Apenas desta forma, será possível minimizar identificações erradas dos sólidos estudados e conclusões equivocadas a respeito de suas características. A FALTA DE HARMONIZAÇÃO NA NOMENCLATURA DE POLIMORFOS: UMA DIFICULDADE PARA O SETOR FARMACÊUTICO Altivo Pitaluga Jr * e Rafael Cardoso Seiceira Laboratório de Estudos do Estado Sólido, Complexo Tecnológico de Medicamentos – Farmanguinhos / Fiocruz, Av. Comandante Guaranys, 447, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ, 22775-903 – Email: [email protected] INTRODUÇÃO CONCLUSÕES O tema polimorfismo vem sendo investigado com mais ênfase nas últimas décadas, principalmente, pela sua importância no setor farmacêutico. Entretanto, o seu estudo é dificultado pela falta de harmonização na nomenclatura de polimorfos. Não é raro encontrar na literatura o mesmo estado sólido de uma substância sendo identificado por dois ou mais nomes distintos. Além disso, diversos textos 1,2 expandem o conceito de polimorfismo e aceitam como polimorfos diversos estados sólidos de uma substância, inclusive os sólidos amorfos. Apesar desta abordagem não estar em consonância com a definição formal de polimorfismo, ela é aceita pelo setor farmacêutico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em 2003, Grzesiak e colaboradores 3 compilaram as nomenclaturas utilizadas para quatro polimorfos verdadeiros da carbamazepina, extraídas de 18 textos publicados entre 1968 e 2002. Como pode-se observar na Figura 1, além dos quatro polimorfos citados estarem identificados de diversas formas, algumas nomenclaturas foram utilizadas para mais de uma fase cristalina. 1 Test Procedures and Acceptance Criteria for New Drug Substances and new drug Products: Chemical Substances Q6A, ICH, 6 Oct. 1999. 2 ANDAs: Pharmaceutical Solid Polymorphism – Chemistry, Manufacturing and Controls Information, FDA, July 2007. 3 A. L. Grzesiak, M. Lang, K. Kim, A. J. Matzger; J. of Pharm. Sciences, vol. 92, n° 11, p.2260, 2003. 4 Y. Kobayashi, S. Ito, S. Itai, K. Yamamoto; International J. of Pharmaceutics, 193, p.137, 2000. 5 N. Kaneniwa, T. Yamaguchi, N. Watari, M. Otsuka; Yakugaku Zasshi, 104, p.184, 1984. 6 T. Umeda, N. Ohnishi, T. Yokohama, K. Kuroda, T. Kuroda, E. Tatsumi, Y. Matsuda; Yakugaku Zasshi; 104, P.786, 1984. 7 The United States Pharmacopeia, XXIII revision, United States Pharmacopeial Convention, Rockville, MD, 1994. 8 A. S. Raw, M. S. Furness, D. S. Gill, R. C. Adams, F. O. Holcombe Jr., L. X. Yu; Advanced Drug Delivery Reviews, 56, p.397, 2004. REFERÊNCIAS Palavras Chave: harmonização, nomenclatura, polimorfismo. Figura 1 – Nomenclatura de quatro polimorfos verdadeiros da carbamazepina compilada por Grzesiak et al. 3 em 2003. O levantamento realizado ajudou a minimizar os efeitos da falta de harmonização na nomenclatura da carbamazepina. Mas nem mesmo este artigo ficou imune a falhas: Em 2000, o artigo de Kobayashi et al. 4 (referência 30 da Figura 1) informa que a partir dos difratogramas de pó das suas amostras A, B’ e C (Figura 2) identificou-se, respectivamente, os polimorfos I, III e o solvato diidrato, citados por Kaneniwa Raw et al. 8 utilizou como referência o artigo Kobayashi et al. 4 . Logo, esta falha pode ter ocorrido porque, na prática, o setor farmacêutico identifica o polimorfo P-monoclínico como polimorfo III ou , seguindo a tendência observada na literatura (Figura 1). Devido a grande importância do FDA no cenário farmacêutico mundial, o referido artigo pode ter acarretado (e ainda estar acarretando) diversos problemas na produção de medicamentos, uma vez que existem amostras comerciais de carbamazepina que possuem misturas dos polimorfos Triclínico e P-monoclínico. Também cabe ressaltar que para ilustrar o problema em questão, utilizou-se como exemplo o fármaco carbamazepina. Porém, a falta de harmonização na nomenclatura de polimorfos ocorre para diversos insumos e permeia por toda a área farmacêutica. AGRADECIMENTOS A Dra. Silvia Cuffini pelas discussões realizadas sobre a nomenclatura da carbamazepina. A = I B’ = III C = dihydrate Figura 2 – Difratograma apresentado por Kobayashi et al. 4 em 2000. et al. 5 e Umeda et al. 6 . Entretanto, verifica-se na Figura 1 que a nomenclatura utilizada por Kobayashi et al. 4 (ref. 30) para os polimorfos Triclínico e P-monoclínico está invertida, pois não corresponde a nomenclatura adotada por Kaneniwa et al. 5 (ref. 17) e Umeda et al. 6 (ref. 18). Esta inversão também pode ser demonstrada comparando-se os difratogramas de pó apresentados nos artigos Kobayashi et al. 4 (Figura 2) e Grzesiak et al. 3 (Figura 3). Triclinic Form I Trigonal Form II P-monoclinic Form III C-monoclinic Form IV Figura 3 – Difratograma apresentado por Grzesiak et al. 3 em 2003. A United States Pharmacopeia (USP) estipulou o uso do polimorfo P-monoclínico nos comprimidos de carbamazepina, no mínimo, desde 1995 7 . O Food and Drug Administration (FDA) também tem enfatizado o uso deste polimorfo para a produção de medicamentos. Entretanto, em um artigo 8 de 2004, o próprio FDA identificou de forma equivocada os polimorfos Triclínico e P-monoclínico (Figura 4). Figura 4 – Difratograma apresentado por Raw et al. 8 em 2004. dihydrate -form -form

A falta de harmonizaçao na nomenclatura de polimorfos - uma dificuldade para o setor farmacêutico

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A FALTA DE HARMONIZAÇÃO NA NOMENCLATURA DE POLIMORFOS: UMA DIFICULDADE PARA O SETOR FARMACÊUTICOAltivo Pitaluga* Jre Rafael Cardoso SeiceiraLaboratório de Estudos do Estado Sólido, Complexo Tecnológico de Medicamentos – Farmanguinhos / Fiocruz, Av. Comandante Guaranys, 447, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ, 22775-903 – Email: [email protected] Chave: harmonização, nomenclatura, polimorfismo. A United States Pharmacopeia (USP) estipulou o uso do polimorfo P-monoclínico nos com

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Page 1: A falta de harmonizaçao na nomenclatura de polimorfos - uma dificuldade para o setor farmacêutico

Do ponto de vista científico, os polimorfos sempre deveriam ser identificados a partir dos seus dados cristalográficos. Mas a velocidade requerida nos trabalhos de P&D muitas vezes impossibilitam esta abordagem. Aliado a esta dinâmica, a expansão da definição formal de polimorfismo pelo setor farmacêutico dificulta ainda mais a harmonização na nomenclatura de polimorfos.

Por isso, os profissionais que se dedicam ao estudo do polimorfismo sempre devem avaliar de forma crítica toda a literatura disponível. Apenas desta forma, será possível minimizar identificações erradas dos sólidos estudados e conclusões equivocadas a respeito de suas características.

A FALTA DE HARMONIZAÇÃO NA NOMENCLATURA DE POLIMORFOS:

UMA DIFICULDADE PARA O SETOR FARMACÊUTICO

Altivo Pitaluga Jr* e Rafael Cardoso Seiceira

Laboratório de Estudos do Estado Sólido, Complexo Tecnológico de Medicamentos – Farmanguinhos / Fiocruz, Av. Comandante Guaranys, 447, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ, 22775-903 – Email: [email protected]

INTRODUÇÃO

CONCLUSÕES

O tema polimorfismo vem sendo investigado com mais ênfase nas últimas décadas, principalmente, pela sua importância no setor farmacêutico. Entretanto, o seu estudo é dificultado pela falta de harmonização na nomenclatura de polimorfos.

Não é raro encontrar na literatura o mesmo estado sólido de uma substância sendo identificado por dois ou mais nomes distintos. Além disso, diversos textos1,2 expandem o conceito de polimorfismo e aceitam como polimorfos diversos estados sólidos de uma substância, inclusive os sólidos amorfos. Apesar desta abordagem não estar em consonância com a definição formal de polimorfismo, ela é aceita pelo setor farmacêutico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em 2003, Grzesiak e colaboradores3 compilaram as nomenclaturas utilizadas para quatro polimorfos verdadeiros da carbamazepina, extraídas de 18 textos publicados entre 1968 e 2002. Como pode-se observar na Figura 1, além dos quatro polimorfos citados estarem identificados de diversas formas, algumas nomenclaturas foram utilizadas para mais de uma fase cristalina.

1 Test Procedures and Acceptance Criteria for New Drug Substances and new drug Products: Chemical Substances Q6A, ICH, 6 Oct. 1999. 2 ANDAs: Pharmaceutical Solid Polymorphism – Chemistry, Manufacturing and Controls Information, FDA, July 2007. 3 A. L. Grzesiak, M. Lang, K. Kim, A. J. Matzger; J. of Pharm. Sciences, vol. 92, n° 11, p.2260, 2003. 4 Y. Kobayashi, S. Ito, S. Itai, K. Yamamoto; International J. of Pharmaceutics, 193, p.137, 2000. 5 N. Kaneniwa, T. Yamaguchi, N. Watari, M. Otsuka; Yakugaku Zasshi, 104, p.184, 1984. 6 T. Umeda, N. Ohnishi, T. Yokohama, K. Kuroda, T. Kuroda, E. Tatsumi, Y. Matsuda; Yakugaku Zasshi; 104, P.786, 1984. 7 The United States Pharmacopeia, XXIII revision, United States Pharmacopeial Convention, Rockville, MD, 1994. 8 A. S. Raw, M. S. Furness, D. S. Gill, R. C. Adams, F. O. Holcombe Jr., L. X. Yu; Advanced Drug Delivery Reviews, 56, p.397, 2004.

REFERÊNCIAS

Palavras Chave: harmonização, nomenclatura, polimorfismo.

Figura 1 – Nomenclatura de quatro polimorfos verdadeiros da carbamazepina compilada por Grzesiak et al.3 em 2003.

O levantamento realizado ajudou a minimizar os efeitos da falta de harmonização na nomenclatura da carbamazepina. Mas nem mesmo este artigo ficou imune a falhas:

Em 2000, o artigo de Kobayashi et al.4 (referência 30 da Figura 1) informa que a partir dos difratogramas de pó das suas amostras A, B’ e C (Figura 2) identificou-se, respectivamente, os polimorfos I, III e o solvato diidrato, citados por Kaneniwa

Raw et al.8 utilizou como referência o artigo Kobayashi et al.4. Logo, esta falha pode ter ocorrido porque, na prática, o setor farmacêutico identifica o polimorfo P-monoclínico como polimorfo III ou , seguindo a tendência observada na literatura (Figura 1).

Devido a grande importância do FDA no cenário farmacêutico mundial, o referido artigo pode ter acarretado (e ainda estar acarretando) diversos problemas na produção de medicamentos, uma vez que existem amostras comerciais de carbamazepina que possuem misturas dos polimorfos Triclínico e P-monoclínico.

Também cabe ressaltar que para ilustrar o problema em questão, utilizou-se como exemplo o fármaco carbamazepina. Porém, a falta de harmonização na nomenclatura de polimorfos ocorre para diversos insumos e permeia por toda a área farmacêutica.

AGRADECIMENTOS

A Dra. Silvia Cuffini pelas discussões realizadas sobre a nomenclatura da carbamazepina.

A = I

B’ = III

C = dihydrate

Figura 2 – Difratograma apresentado por Kobayashi et al.4 em 2000.

et al.5 e Umeda et al.6. Entretanto, verifica-se na Figura 1 que a nomenclatura utilizada por Kobayashi et al.4 (ref. 30) para os polimorfos Triclínico e P-monoclínico está invertida, pois não corresponde a nomenclatura adotada por Kaneniwa et al.5 (ref. 17) e Umeda et al.6 (ref. 18). Esta inversão também pode ser demonstrada comparando-se os difratogramas de pó apresentados nos artigos Kobayashi et al.4 (Figura 2) e Grzesiak et al.3 (Figura 3).

Triclinic Form I

Trigonal Form II

P-monoclinic Form III

C-monoclinic Form IV

Figura 3 – Difratograma apresentado por Grzesiak et al.3 em 2003.

A United States Pharmacopeia (USP) estipulou o uso do polimorfo P-monoclínico nos comprimidos de carbamazepina, no mínimo, desde 19957. O Food and Drug Administration (FDA) também tem enfatizado o uso deste polimorfo para a produção de medicamentos. Entretanto, em um artigo8 de 2004, o próprio FDA identificou de forma equivocada os polimorfos Triclínico e P-monoclínico (Figura 4).

Figura 4 – Difratograma apresentado por Raw et al.8 em 2004.

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