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A FIRMAJohn Grisham

Não é muito vulgar ver-se um jovem bem-vestido, de pasta na mão, a correr pela ruafora como um animal acossado. Principal-mente se esse jovem for Mitch McDeere, omenino-bonito da mais próspera firma deadvogados da cidade.

Mas nem todos os empregos são o queparecem.

E Mitch McDeere tem razão para estarassustado.

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Ele foge para salvar a vida.

O sócio mais antigo analisou pela centésimavez o currículo e, mais uma vez, não encon-trou nada que lhe desagradasse em MitchellY. McDeere, pelo menos ali no papel. Tinhamiolos, ambição e bom aspecto. E estavaávido; com o seu passado, isso era inevitável.Era casado, o que era imprescindível. Afirma nunca contratara um advogadosolteiro e não via com bons olhos o divórcionem aventuras nem farras. Análises anti-droga constituíam uma das cláusulas do con-trato. Era formado em Contabilidade, pas-sara o exame de técnico oficial de contas logoà primeira e queria exercer advocacia na áreado direito fiscal, o que, obviamente, era es-sencial numa firma especialista na matéria.Era branco, e a firma nunca contratara umnegro. Conseguiam-no sendo discretos e clu-bistas e nunca solicitando candidaturas. Asoutras firmas faziam-no e contratavamnegros. Aquela firma permanecia branca

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como a cal. Além disso, a firma era em Mem-phis, e os negros mais qualificados preferiamNova Iorque, Washington ou Chicago.McDeere era homem, e não havia mulheresna firma. Tinham cometido esse erro emmeados dos anos 70, ao recrutarem o melhoraluno de Harvard, que por acaso era umamulher e uma barra em direito fiscal.Aguentara-se durante quatro turbulentosanos e morrera num acidente de automóvel.

O sócio-gerente, Royce McKnight, estudouum dossier grosso cuja etiqueta diziaMITCHELL Y. MCDEERE - HARVARD eque fora preparado por uns ex-agentes daCIA que recolhiam secretamente inform-ações. Tinham sabido que McDeere preferiasair do Nordeste, que recebera duas propos-tas de emprego em Nova Iorque e uma emChicago e que a oferta mais elevada fora desetenta e seis mil dólares por ano. Era solicit-ado. Quando andava no segundo ano deDireito, fora-lhe dada oportunidade de

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copiar num exame sobre seguros, mas de-clinara e tivera a melhor nota da turma. Hádois meses, haviam-lhe oferecido cocaínanuma festa, ele recusara e saíra quando osoutros começaram a "snifar". Bebia umacerveja de vez em quando, mas beber saíacaro e ele não tinha dinheiro. Precisava depagar um empréstimo de vinte e três mildólares que pedira para tirar o curso. Estavaávido. Royce McKnight sorriu. McDeere erao homem de que precisavam. Lamar Quintinha trinta e dois anos e ainda não era sócio.Haviam-no contratado para dar uma im-agem jovem da Bendini, Lambert & Locke,que, de facto, era uma firma jovem, uma vezque a maior parte dos sócios se reformavaaos quarenta e muitos ou cinquenta e poucoscom muito dinheiro no bolso. Com umrendimento de seis algarismos garantidopara o resto da vida, Lamar podia dar-se aoluxo de comprar fatos por mil e duzentosdólares, que caíam muito bem à sua figura

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alta e atlética. Atravessou despreocupada-mente a suite do Hotel Boston, que custavamil dólares por dia, e encheu outra chávenade descafeinado. Olhou para os dois sóciossentados à pequena mesa de reuniões juntoàs janelas.

Às 2.30 em ponto, bateram à porta. Os sóciosenfiaram o currículo e o dossier numa pasta.

Lamar foi abrir a porta.

- Mitchell McDeere? - perguntou com umgrande sorriso e de mão estendida.

- Sim.

Deram um vigoroso aperto de mão.

- Muito prazer em conhecê-lo, Mitchell. Euchamo-me Lamar Quin.

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- O prazer é todo meu. Por favor, trate-mepor Mitch. - Entrou e examinou rapidamentea sala espaçosa.

- Com certeza, Mitch. - Lamar conduziu-oaté junto dos sócios, que se apresentaram.

Ofereceram-lhe café. Sentaram-se e tro-caram amabilidades. McDeere desabotoou ocasaco e cruzou as pernas: descontraiu-se.Com ofertas de emprego de três das maisprestigiadas firmas do país, não necessitavadaquela entrevista, daquela firma. Estava alisó por curiosidade. Oliver Lambert, o sóciomais antigo, inclinou-se para a frente eencarregou-se da primeira parte da conversa.Era loquaz e simpático e tinha uma vozsuave, quase de barítono profissional. Aossessenta e um anos, ele era o avô da firma, oconselheiro, aquele a quem os colaboradoresmais jovens recorriam quando tinham algumproblema. Lambert também estava

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encarregado do recrutamento e tinha comomissão contratar Mitchell Y. McDeere.

- Está cansado de entrevistas? - perguntouLambert. - Nem por isso. Elas fazem parte daprocura de emprego.

Pois é, pois é, concordaram todos. Pareciaque ainda ontem andavam a mandar as suascandidaturas, com um medo de morte de nãoconseguirem arranjar emprego e de irem trêsanos de suor e tortura pelo cano abaixo.

- Posso fazer uma pergunta? - perguntouMitch. - Faça favor.

- Porque é que estão a entrevistar-me numasuite de hotel? As outras firmas fazem as en-trevistas na universidade através dos ser-viços de colocação.

- Talvez eu possa responder a essa pergunta,Mitch - disse Royce McKnight, o sócio-

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gerente. - Nós somos diferentes eorgulhamo-nos disso. Temos quarenta e umadvogados, por isso é uma firma pequenacomparada com as outras. Não contratamosmuita gente: mais ou menos uma pessoa,ano sim, ano não. Oferecemos os saláriosmais elevados e as maiores regalias sociaisdo país, por isso somos muito selectivos. Acarta que recebeu no mês passado foi envi-ada depois de termos apreciado mais de doismil finalistas de Direito das melhores fac-uldades. Só enviámos uma carta. Nunca soli-citamos candidaturas. Somos discretos. A ex-plicação é esta.

- Sim, senhor. Que tipo de firma é a vossa?

- Oitenta por cento do trabalho relaciona-secom direito fiscal. Foi por isso que o quise-mos conhecer, Mitch. Tem um conhecimentosólido da matéria.

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- Porque é que foi para a faculdade deWestern Kentucky? - perguntou Lambem.

- Muito simples. Eles ofereceram-me umabolsa de estudos para jogar futebol.

- Fale-nos da sua família.

- Porque é que isso é relevante?

- Para nós é importante, Mitch - disseMcKnight calorosamente. "Dizem todos amesma coisa", pensou McDeere.

- Está bem. O meu pai morreu numa mina decarvão quando eu tinha sete anos. A minhamãe voltou a casar e vive na Florida. Tinhadois irmãos, mas um, Rusty, morreu no Viet-name; o outro chama-se Ray.

- Onde é que ele está? - O dossier não diziaquase nada sobre Ray. - Creio que não têm

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nada a ver com isso. - Mitch encarouMcKnight com um ar de desafio.

- Desculpe - disse o sócio-gerente em vozbaixa.

- Mitch, a nossa firma é em Memphis - disseLamar. - Isso constitui problema para si?

- De maneira nenhuma. Eu não gosto muitodo frio. - Já foi alguma vez a Memphis?

- Não.

- Vamos convidá-lo a lá ir em breve. Vaiadorar.

Mitch sorriu, fez um aceno de cabeça e en-trou a fazer o seu papel. Os tipos estariam afalar a sério? Como é que ele poderia sequerconsiderar a oferta de uma firma pequenanuma cidade pequena quando a Wall Streetestava à sua espera?

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- Em que lugar da turma é que ficou? - per-guntou Lambert.

- Entre os cinco melhores. - Podia ter ditoque era o terceiro, mas não disse. Os fulanoseram de escolas menos conceituadas: Chica-go, Colúmbia e Vanderbilt, conforme se lem-brava de uma leitura-apressada da lista deadvogados da Ordem Não dariam grande im-portância às classificações académicas.

- Porque é que escolheu a Universidade deHarvard?

- Harvard oferecia a melhor ajuda financeira,e eu achava que era a melhor faculdade. Econtinuo a achar.

- Obteve excelentes resultados, Mitch-,comentou Lambem. - Obrigado. Esforcei-me para isso.

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- Fale-nos da sua mulher - disse`McKnight,preparado para outra recusa. Mas era umaárea explorada por todas as firmas.

- Chama-se Abby. Tem um curso de-profess-ora primária tirado na Westem Kentucky.Acabámos a faculdade e casámos na semanaseguinte. Nos últimos três anos,-tem trabal-hado numa escola infantil privada perto daFaculdade de Boston.

- E o casamento é ...

- Muito feliz. Conhecemo-nos desde os tem-pos do liceu. Oliver Lambert pigarreou edecidiu tornar-se mais pessoal.

- Mitch, a nossa firma não vê com bons olhosnem as farras nem as aventuras extra-mari-tais. Não somos puritanos, mas pomos o tra-balho à frente de tudo. Trabalhamos muito efazemos muito dinheiro.

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- Não será difícil adaptar-me. - Ótimo. Qual éa sua religião? - Sou metodista.

- Ótimo. Não temos nada com isso, é ver-dade, mas gostamos de saber. Queremosfamílias estáveis. Os advogados felizes sãoadvogados produtivos. Mitch sorriu e acenoucom a cabeça. Já ouvira aquilo. Olharam ostrês uns para os outros e depois para Mitch.Tinham chegado ao ponto em que o entrev-istado deveria fazer uma ou duas perguntasinteligentes. Mitch voltou a cruzar as pernas.O dinheiro era a grande questão. Mas elesabia que esta firma, tal como todas as out-ras que lhe tinham feito ofertas, iria contorn-ar a questão até dar a impressão de ter abor-dado todos os assuntos possíveis, excepto odinheiro. Por isso, seria melhor fazer-lhesprimeiro uma pergunta suave.

- Qual será o tipo de trabalho que começareipor fazer?

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Acenaram em sinal de aprovação da per-gunta. Lambert e McKnight olharam paraLamar: cabia-lhe a ele responder.

- Temos uma espécie de estágio de dois anos,embora não lhe chamemos isso. Irá parti-cipar em seminários sobre direito fiscal pelopaís inteiro. Se quiser fazer uma pós-graduação em Direito Fiscal, nós custeamos.Quanto ao exercício de advocacia propria-mentg dito, não será muito excitante duranteesses primeiros dois anos. Fará muitapesquisa e outras coisas geralmente muitoaborrecidas. Mas será pago condignamente.

- Quanto?

Lamar olhou para Royce McKnight, quedisse:

- Discutiremos o salário e as outras regaliasquando for a Memphis. - Quero ficar comuma ideia aproximada, pois posso até não ir

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a Memphis. - Mitch falava como um homemcom três ofertas de emprego no bolso. Os só-cios olharam uns para os outros, sorrindo, eLambert foi o primeiro a falar:

- O ordenado-base será de oitenta mil noprimeiro ano, mais bónus. Oitenta e cinco nosegundo ano. Um empréstimo a juros baixospara poder comprar uma casa. E um BMWnovo. Pode escolher a cor, é claro. Mitchtentou disfarçar um sorriso, mas era impos-sível. Soltou uma pequena risada.

- É incrível - murmurou ele. Oitenta mildólares em Memphis equivaliam a cento evinte mil em Nova Iorque. O homem disseraum BMW! O seu Mazda tinha milhares dequilómetros.

-Mais algumas regalias que teremos todo oprazer em discutir consigo em Memphis.

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Ficou de repente com uma enorme vontadede ir a Memphis. Olhou com firmeza paraLambert e disse, como se se tivesse esque-cido do dinheiro, da casa e do BMW.,

- Fale-me da vossa firma.

- Quarenta e um advogados. No ano passadoganhámos mais por advogado do quequalquer outra firma do mesmo tamanho oumaior. Só aceitamos clientes ricos: corpor-ações, bancos e pessoas ricas, que pagam osnossos elevados honorários e nunca sequeixam. Especializámo-nos em direito fiscalinternacional, que é simultaneamente em-polgante e muito lucrativo.

- Quanto tempo é preciso para se chegar asócio?

-Em média, dez anos, e são uns dez anosmuito duros. Não é fora do vulgar os nossossócios ganharem meio milhão por ano, e a

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maioria reforma-se antes dos cinquenta. Épreciso fazer por isso, trabalhando oitentahoras por semana, mas vale a pena quandose chega a sócio. .

Lamar inclinou-se para a frente.

- Não é preciso ser-se sócio para se ter umordenado com seis algarismos. Estou nafirma há sete anos e já ultrapassei os cem milhá quatro anos. Mitch reflectiu durante unssegundos e calculou que, quando tivessetrinta anos, poderia estar a ganhar bastantemais que cem mil, talvez perto de duzentosmil. Aos trinta anos!

Eles observaram-no e sabiam exactamente oque ele estava a pensar. - O que é

que uma firma especializada em direito fiscalinternacional faz em Memphis?

- perguntou ele.

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A pergunta fê-los sorrir. Oliver Lamberttirou os óculos e fê-los rodar nas mãos.

- Boa pergunta. Anthony Bendini fundou afirma em 1944. Ele exercera advocacia comoespecialista em direito fiscal em Filadélfia,arranjou alguns clientes abastados no Sul einstalou-se em Memphis. Durante vinte ecinco anos só contratou especialistas emdireito fiscal e a firma prosperou. Nenhumde nós é de Memphis, mas gostamos todosda cidade. É uma velha cidade do Sul muitoagradável. Por falar nisso, Mr. Bendini mor-reu em 1970.

- Quantos sócios tem a firma?

- Vinte. Mantemos uma relação de um sóciopor cada associado. O que é

elevado para o ramo de negócio, mas nós op-eramos de maneira diferente do habitual.

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- Todos os nossos sócios são multimilionári-os por volta dos quarenta e cinco anos -comentou Royce McKnight.

- É uma estatística impressionante.

- É uma firma impressionante, Mitch - disseOliver Lambert. - O nosso objectivo é que to-dos os novos colaboradores se transformemem sócios o mais cedo possível. Investimosimenso tempo e dinheiro nos nossos colabor-adores. Fazemos tudo para que tenham umabrilhante carreira. Pensamos que é amaneira de agir mais rentável.

- Tenho outra estatística impressionante -acrescentou McKnight. -No ano passado,para firmas do tamanho da nossa oumaiores, a taxa média de demissões de col-aboradores foi de vinte e oito por cento. NaBendini, Lambert

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& Locke foi zero. No ano anterior, zero. Já hámuito tempo que um advogado não aban-dona a nossa firma.

Observavam-no cuidadosamente para ver seestaria a assimilar tudo aquilo. Todos os ter-mos e todas as condições do emprego eramimportantes, mas o carácter permanente edefinitivo da aceitação ultrapassava todos osoutros itens da lista. Explicaram-lhe o mel-hor que podiam na altura. As outras ex-plicações viriam posteriormente.

É claro que sabiam muito mais do que lherevelaram. Por exemplo, a mãe dele vivianuma roulotte num parque de campismobarato em Pariama City Beach, na Florida, ecasára-se com um camionista reformadocom um grave problema de alcoolismo. Sa-biam que ela recebera e esbanjara os quar-enta e um mil dólares da indemnização pelaexplosão na mina de carvão que vitimara opai de Mitch e que depois enlouquecera

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quando o filho mais velho morrera no Viet-name. Sabiam que Mitch fora negligenciado,criado na pobreza pelo irmão Ray - que nãoconseguiam localizar - e por alguns parentes.A pobreza magoava, e eles supunham, acer-tadamente, que essa pobreza criara um in-tenso desejo de vencer.

- Gostaria de nos ir visitar? - perguntou Oliv-er Lambert.

- Quando? - perguntou Mitch, sonhando comum 3181 preto com tecto de abrir.

O VELHO Mazda de três portas, só com trêstampões de rodas e o pára-brisas rachado,encontrava-se estacionado junto ao passeio,com as rodas da frente viradas para a direitapara impedir que rolasse colina abaixo. Abbyenfiou a chave na ignição, carregou na em-braiagem e virou o volante. O Mazdacomeçou a deslizar lentamente. Enquanto ocarro ganhava velocidade, ela susteve a

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respiração, tirou o pé da embraiagem emordeu o lábio até o motor começar a sualamúria.

Com três ofertas de emprego na mesa, umcarro novo só daí a quatro meses. Aquelehavia de sobreviver. Tinham vivido durantetrês anos na pobreza, enfiados num aparta-mento de estudantes com duas divisõesperto de Harvard. Abby estacionou em trans-gressão na colina mais próxima do aparta-mento e percorreu dois quarteirões a pé. Emfrente à porta de casa, procurou as chaves nacarteira. A porta abriu-se de repente. Eleagarrou-a, puxou-a lá para dentro, atirou-apara o sofá e atacou-lhe o pescoço com os lá-bios. Ela gritou e riu-se. Beijaram-se,trocando um daqueles longos beijos de quetanto gostavam quando eram adolescentes,altura em que beijar era divertido, misteriosoe final.

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-Meu Deus! - disse ela quando terminaram. -O que é isto? - Cheira-te a alguma coisa?

Ela desviou o olhar e cheirou. - Cheira. O queé?

- Chow mein de frango e foo yung de ovo,dos Wong Boys. Mais uma garrafa muitocara de Chablis. Com rolha de cortiça e tudo.

- O que é que fizeste, Mitch? - Sorriu-lhe se-dutoramente, com aquelas covinhas perfeitasnas bochechas e os olhos castanhos e docescintilando. O

cabelo escuro era liso e passava-lhe unscentímetros dos ombros.

- Vem comigo. - Sobre a pequena mesapintada da cozinha, encontrava-se umagrande garrafa de vinho e um saco com com-ida chinesa. Mitch abriu o vinho, encheu doiscopos de plástico e sentaram-se.

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- Hoje tive uma entrevista óptima - disse ele.- Lembras-te daquela firma de Memphis, noTennessee, que me enviou uma carta no mêspassado?

- Lembro. Não ficaste lá muitoimpressionado.

- Exactamente. Mas agora estou muitíssimoimpressionado. É só trabalho relacionadocom direito fiscal e pagam bem.

- Quanto?

Ele deitou o chove mein da caixa para ospratos e depois rasgou os pequenos pacotesde molho de soja. Ela estava à espera da res-posta. Ele abriu a outra caixa e começou a di-vidir o foo yung de ovo. Experimentou ovinho e estalou os lábios.

- Mais do que em Chicago. Mais do que naWall Street. Abby deu um gole

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deliberadamente longo no vinho e olhou-ocom ar desconfiado.

- Quanto?

- Oitenta mil no primeiro ano, mais bónus.Oitenta e cinco no segundo ano disse-o comar indiferente, enquanto estudava o chovemein.

- Oitenta mil! - repetiu ela.

- Oitenta mil, querida. Oitenta mil em Mem-phis é quase equivalente a cento e vinte milem Nova Iorque.

- Quem é que quer Nova Iorque? - perguntouela.

- Mais um empréstimo a baixo juro paracomprar casa. Para estes tipos é

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muito importante que os colaboradoresaparentem prosperidade. - Queres dizer umacasa, com relva e arbustos?

- Sim. E uma garagem para estacionar oBMW.

A reacção demorou um ou dois segundos,mas finalmente ela indagou:

- BMW? O BMW de quem?

- Nosso, querida. A firma compra um emleasing e entrega-nos a chave. É

como uma espécie de bónus pela escolhacerta à primeira tentativa. Da cor que nósquisermos. Penso que preto seria uma boaescolha. O que é que achas?

- Acabou-se a chocolateira

disse ela, abanando lentamente a cabeça.

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Ele mastigou a massa que tinha na boca esorriu-lhe. Percebeu que ela estava a sonhar,provavelmente com mobília e papel deparede. E bebés - criancinhas de olhos pretose cabelo castanho-claro.

- Não percebo, Mitch. Porque é que são tãogenerosos?

- Fiz-lhes essa pergunta. Eles querem os mel-hores e não se importam de gastar os tostões.A taxa de demissões é zero. Além disso, achoque é mais caro atrair os melhores paraMemphis.

- Fica mais perto de casa - disse ela sem ol-har para ele.

- Eu não tenho casa. Fica mais perto dos teuspais, no Kentucky, e isso preocupa-me.

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Ela fingiu que não ouviu, como aconteciacom a maior parte dos comentários que elefazia à sua família.

- Ficavas mais perto de Ray.

Ele acenou, trincou um crepe de ovo e ima-ginou a primeira visita dos pais dela: o mo-mento em que entrariam no portão com ovelho Cadillac e olhariam em estado dechoque para a casa colonial com dois carrosestacionados na garagem. Ficariam roídos deinveja, sem perceberem como é que opobretanas sem posição social conseguiraaquilo tudo logo que saíra da faculdade dedireito. Não demoraria muito para que Mr.Sutherland se desmanchasse, perguntandoquanto é que custara a casa, e Mitch dir-lhe-ia para não se meter onde não era chamado.Partiriam após uma curta visita e regressari-am ao Kentucky, onde diriam aos amigos quea filha e o genro estavam a viver muito bemem Memphis. Abby ficaria desgostosa por

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eles não conseguirem dar-se bem, mas nãofalaria muito no assunto. Desde o princípioque os pais dela o tinham tratado como umleproso. Consideravam-no um partido tãomau para a filha que tinham boicotado apequena festa de casamento.

- Já alguma vez foste a Memphis? - pergun-tou ele.

- Fui uma vez quando era pequena. Só melembro do rio. - Querem que lá

vamos fazer uma visita.

Os dois? Queres dizer que também fuiconvidada?

- Foste. Vamos na quinta-feira à noite e pas-samos lá o fim-de-semana.

- Já começo a gostar da firma.

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O edifício de cinco andares, construído hácem anos por um comerciante de algodão epelos filhos, situava-se no meio de CottonRow, na Front Street, perto do rio. Nas suassalas e balcões tinham sido comprados mil-hões de meadas de algodão dos deltas doMississípi e do Arkansas, posteriormentevendidos por esse mundo fora. Abandonadoe degradado, o edifício fora comprado em1951 por um advogado agressivo, especialistaem direito fiscal, chamado Anthony Bendini,que renovara o prédio e começara a enchê-lode advogados. Chamara-lhe Edifício Bendini.

Contratou guardas armados para protegeremo edifício e os seus ocupantes. Instalou tam-bém um sistema electrónico de vigilância eum circuito fechado de televisão.

Em vinte anos, construiu a firma de ad-vogados mais próspera de Memphis e a maisdiscreta também. O secretismo era a suapaixão. Os jovens colaboradores eram

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avisados de que a divulgação de informaçõessobre os processos da firma podia adiar aconcessão do Santo Graal - a entrada parasócio. Nada transpirava da fortaleza da FrontStreet. Dizia-se às mulheres para não fazer-em perguntas ou mentia-se-lhes. Esperava-se que os colaboradores trabalhassem muito,mantivessem o silêncio e gastassem osavultados ordenados. O que todos faziam,sem excepção.

Os membros da firma não procuravam obterpublicidade. Não confraternizavam com out-ros advogados. As suas mulheres jogavamténis e bridge e faziam compras juntas. ABendini, Lambert & Locke era uma grandefamília comum. Uma família bastante rica.

Às DEz da manhã de sexta-feira, a limusinada firma parou na Front Street, e Mr.Mitchell Y. McDeere saiu lá de dentro eagradeceu delicadamente ao motorista. Era asua primeira viagem de limusina. Ficou

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parado no passeio a admirar a singular, massimultaneamente imponente, sede da firmaBendini. Contrastava bastante com as gi-gantescas estruturas de aço e vidro onde seencontravam as melhores firmas de NovaIorque. Mas ele sabia que ia gostar. Eramenos pretensiosa, era mais o seu estilo.

Lamar Quin saiu da porta principal e fez-lhesinal para entrar. Fora buscar os McDeere aoaeroporto na noite anterior e levara-os parao Peabody, conhecido como o Grande Hoteldo Sul.

- Bom dia, Mitch: Passou bem a noite? -Apertaram as mãos como se fossem amigosde longa data.

- Lindamente. O hotel é fantástico.

Lamar conduziu Mitch, atravessaram o átriode entrada e percorreram um corredor com-prido; foi sendo apresentado a várias

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secretárias e solicitadores pelo caminho. Nabiblioteca no segundo andar, um grupo deadvogados estava à volta de uma enormemesa de reuniões, comendo bolos e bebendocafé. Calaram-se quando o convidadoentrou:

Oliver Lambert cumprimentou Mitch eapresentou-o ao grupo. Eram cerca de vinteao todo - os colaboradores da'firma - e amaior parte deles pouco mais velhos que oconvidado. Os sócios, explicou Lamar, ser-lheiam apresentados posteriormente duranteum almoço particular. Lambert pediu que sefizesse silêncio.

- Meus senhores, este é Mitchell McDeere. Játodos ouviram falar nele: o finalista deDireito por nós escolhido este ano. Recebeuofertas de grandes firmas de Nova Iorque eChicago, por isso temos que o convencer aficar aqui na nossa pequena firma emMemphis.

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O sócio mais antigo prosseguiu num tommonocórdico, dizendo que a firma semprefora muito selectiva e que Mitch se enquad-rava muito bem. Mitch enfiou as mãos nosbolsos e deixou de ouvir, começando aestudar o grupo. Eram jovens, bem-suce-didos e ricos. O tipo de indumentária parecianão diferir de Nova Iorque e Chicago. Fatosde lã cinzentos ou azul-escuros, camisas dealgodão brancas ou azuis com botões no col-arinho - e colarinho duro - e gravatas deseda. Nenhum deles tinha barba, nem bi-gode, nem cabelo por cima das orelhas.Havia alguns franzinos, mas a boa figurapredominava. Lambert estava a terminar odiscurso.

- Lamar vai mostrar a Mitch as nossas in-stalações, por isso vão ter oportunidade defalar com ele. Vamos fazer que se sinta bem.- Sorriu e olhou para o convidado.

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Mitch apertou a mão a todos, à medida queiam saindo, e tentou fixar o maior númeropossível de nomes.

- Vamos começar a visita - disse Lamarquando a sala ficou vazia. - Isto, obviamente,é uma biblioteca, e temos uma em cada umdos quatro primeiros pisos. Também sãoutilizadas para as grandes reuniões. Os livrosvariam de andar para andar, por isso nuncase sabe onde é que a pesquisa que estamos afazer nos vai levar. Temos dois bibliotecáriosa tempo inteiro e utilizamos muito micro-filmes e microfichas. Existem para cima decem. mil volumes, incluindo relatórios de to-dos os serviços possíveis e imagináveis rela-cionados com impostos.

Caminharam ao longo de dúzias de filas delivros.

- Cem mil volumes! - murmurou Mitch. - Im-pressionante. Um dos bibliotecários

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apresentou-se e mostrou-lhe rapidamente asala dos computadores, onde se encontravauma dúzia de terminais preparados parafornecer dados sobre as pesquisas mais re-centes. Saíram da biblioteca, e enquantoavançavam, Lamar explicou-lhe a disposiçãodo edifício. Os primeiros quatro andareseram praticamente idênticos. Ao centro de.cada um deles, encontravam-se as secretári-as, as respectivas mesas, arquivos e fotocopi-adoras. A biblioteca situava-se num dos la-dos desta área aberta.

- Não vai ver secretárias bonitas - disseLamar baixinho, enquanto as observavam atrabalhar. - Oliver Lambert contrata as maisfeias que consegue encontrar. Faz parte daestratégia global para nos encorajar a manteras mãos dentro dos bolsos. É estritamenteproibido namoriscar. - Há uma secretáriapor advogado?

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- Sim, até se ser sócio. Nessa altura, passa-sea ter duas, o que é bem preciso. NathanLocke tem três, todas com vinte anos de ex-periência, e não lhes dá um instante desossego.

- Onde é o gabinete dele?

- No quarto andar. Não se pode lá ir. Mitch iaa perguntar porquê, mas desistiu.

Lamar explicou que os gabinetes do cantotinham sete metros e meio por sete metros emeio e eram ocupados pelos sócios maisantigos; chamou-lhes

"gabinetes do poder". Eram decorados se-gundo o gosto de cada um, sem olhar adespesas, e só ficavam livres por reforma oumorte dos seus ocupantes, e nessa alturaeram disputados pelos sócios mais novos.Lamar acendeu a luz de um deles eentraram.

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- Bela vista, hem - comentou ele enquantoMitch se aproximava das janelas e olhavapara o rio, que se movia tão lentamente paralá da Riverside Drive.

- De quem é este gabinete? - perguntouMitch enquanto admirava uma barcaça pas-sando devagar sob a ponte que levava aoArkansas.

- É de Victor Milligan. É o responsável pelodireito fiscal, um homem muito simpático.

- Onde é que ele está?

- Creio que está de férias. Já lhe falaram nasférias? - Não.

- Tem duas semanas por ano durante osprimeiros cinco anos. Depois, três semanasaté passar a sócio; depois disso, tem o tempode férias que quiser. A firma tem um chalé demontanha em Vail e dois apartamentos nas

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Caraíbas, na Seven Mile Beach, na ilha daGrande Cayman. Não se paga nada, mas têmque se reservar com antecedência. Os sóciostêm prioridade. As Caymans são muito pop-ulares aqui na firma. São um paraíso fiscalinternacional e muitas das nossas viagensnão entram nas contas. Creio que o Milliganestá lá agora, provavelmente a fazer mer-gulho e a dizer que está em serviço. Saíramdo gabinete de Milligan e continuaram a vis-ita às instalações. A zona ocupada pelassecretárias era circundada por um corredorrectangular comprido de acesso aos gabine-tes dos advogados, que davam para a rua: to-dos tinham janelas, luz e vista. Os gabinetesdos colaboradores eram mais pequenos,quatro metros e meio por quatro metros emeio, mas estavam magnificamente decora-dos. Os advogados mais jovens eram afáveise comunicativos, e a maioria deles fez brevesdeclarações sobre a grandeza da firma e deMemphis. Também eles haviam recebido

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ofertas das grandes firmas da Wall Street enão se tinham arrependido da escolha. UMAHORA depois, Kay Quin éncontrou-se comAbby para um pequenoalmoço tardio no Pe-abody. Kay era uma rapariga de uma cidadepequena, exactamente como Abby. Casara-secom Lamar depois de se formar e vivera emNashville durante três anos enquanto eleestudava Direito em Vanderbilt. Poucotempo depois de se ter formado, Lamar es-tava a ganhar tanto dinheiro que ela deixarade trabalhar e tivera dois filhos com catorzemeses de diferença. Apesar do dinheiro, eramodesta e despretensiosa. Depois de teremcomido croissants e ovos à beneditina,sentaram-se no átrio do hotel a beber café e aver os patos a nadarem em círculos à volta dafonte. Kay sugeriu que fossem dar uma voltarápida por Memphis.

- Eles falaram no empréstimo a juros muitobaixos? - Falaram. Logo na primeiraentrevista.

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- Vão querer que vocês comprem uma casaquando se mudarem para cá.

- Porque é que isso é tão importante?

- A firma é muito exigente, principalmenteem relação aos colaboradores. Pressão, ex-cesso de trabalho, oitenta horas por semanae muito tempo fora de casa. Não vai ser fácilpara nenhum de vocês, e a firma sabe disso.A teoria deles é a de que um casamentosólido significa um advogado feliz, e um ad-vogado feliz é um advogado produtivo. Setivermos tempo logo à tarde, eu mostro-te ascasas de alguns dos sócios. Quando as vires,não te importas com as oitenta horas porsemana.

- Já estou habituada a elas.

- Isso é bom, mas o curso de Direito não secompara com isto. Às vezes, trabalham cem

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horas por semana, na época da entrega dasdeclarações de impostos.

Abby sorriu e abanou a cabeça. - Tutrabalhas?

- Não. A maior parte de nós não trabalha. Hádinheiro que chegue, por isso não somosobrigadas a fazê-lo, e os maridos ajudam-nospouco a tratar das crianças. É claro que nãonos proíbem de trabalhar.

- Quem é que não proíbe? - A firma.

- Espero bem que não. - Abby repetiu a pa-lavra "proíbem" para si própria. Kay beber-ricou o café e olhou para os patos. Umrapazinho afastou-se da mãe e foi até á fonte.

- Tencionas ter filhos? - perguntou ela. -Talvez daqui a uns dois anos.

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- A firma encoraja-nos a ter filhos. Um novobebé é um acontecimento importante nafirma.

- Que bom, mas eu não quero ter ninguémque me diga quando é que devo trabalhar oudeixar de trabalhar, nem quando é que devoter filhos.

- Não te preocupes. A firma não se intro-mete. - Começo a duvidar.

- Calma, Abby. A firma é como uma família.São pessoas fantásticas, e Memphis é umacidade maravilhosa para se viver e criar osfilhos. - Vamos dar a tal volta?

- Foi para isso que cá vim. - Kay pagou oscafés, como aliás já tinha pago o pequeno-al-moço, e saíram do Peabody no novo Mer-cedes dos Quins. A SALA DE JANTAR, talcomo era simplesmente chamada, ocupava aextremidade ocidental do quinto andar. Ao

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longe via-se o rio. Uma fila de janelas de doismetros e meio fornecia uma vista fascinantede barcos de rodas, barcaças, docas e pontes.A sala era um refúgio onde os sócios se re-uniam todos os dias ao almoço, que era pre-parado por Jessie Frances, uma velha negracaprichosa, e servido pelo marido, Roosevelt,que usava luvas brancas e smoking, que lhefora oferecido pelo próprio Mr. Bendini pou-co antes de morrer. A sala destinava-se apen-as aos sócios e a convidados ocasionais,como algum cliente importante ou um col-aborador em perspectiva. Os colaboradorespodiam lá jantar duas vezes por ano, mas sómediante convite de um dos sócios.

Mitch sentou-se à mesa com Lamar Quin,Oliver Lambert e Royce McKnight. A entradaforam costeletas de vaca, servidas comquiabo frito e puré de legumes.

- Hoje, ela evitou gorduras - observou Lam-bert. - Está delicioso - disse Mitch.

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- Está habituado a gorduras?

- Estou. É característica da cozinha doKentucky.

- Eu entrei nesta firma em 1955 - disseMcKnight - e sou de Nova Mrsia. Evitava ospratos típicos do Sul o mais que podia. Étudo envolto em polme e frito, não é? De-pois, Mr. Bendini decidiu abrir este pequenorestaurante, contratou Jessie Frances e hávinte anos que eu sofro de azia. Tomates ma-duros fritos, tomates verdes fritos, beringelasfritas, quiabo frito, puré de legumes frito,tudo frito. Um dia, Victor Milligan disse: "Çhega." Ele é do Connecticut, compreende?E a Jessie Frances tinha feito um puré depickles fritos. Já imaginou? Pickles fritos!Milligan queixou-se a Roosevelt e ele foi falarcom a Jessie. Ela saiu porta fora e despediu-se. Não veio trabalhar durante uma semana,e Roosevelt queria trabalhar, mas ela não odeixava sair de casa. Finalmente, Mr.

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Bendini deitou água na fervura e ela disseque voltava se não houvesse mais queixas,mas cortou nas gorduras. Acho que ganhá-mos todos dez anos de vida.

- Está delicioso - disse Lamar enquantopunha manteiga no pão. - É sempre delicioso- acrescentou Lambert quando Roosevelt ia apassar. - A comida dela é alimentícia e en-gorda, mas é raro perdermos um almoço.Mitch comeu comedidamente enquanto con-versava nervosamente e tentava aparentarum à-vontade total. Era difícil. Rodeado poradvogados eminentemente famosos, todosmilionários, na sua sala de jantar exclusiva,prodigamente decorada, sentia-se como seestivesse. em terreno sagrado. Quando setornou evidente que Mitch acabara de comer,Oliver Lambert limpou a boca, levantou-selentamente e bateu com a colher no copo dechá

gelado.

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- Meus senhores, peço-vos uns minutos deatenção.

Vinte e tal sócios pousaram os guardanapose voltaram-se para o convidado. Dois mesesantes, tinham votado unanimemente nelecomo primeiro da lista.

- Como sabem, temos hoje entre nós um con-vidado muito especial, Mitch McDeere, queem breve terminará o curso, com excelentesclassificações, na Universidade de Harvard ...

- Viva! Viva! - disseram alguns oriundos deHarvard.

- Obrigado. Mitch e a sua encantadora es-posa, Abby, vieram cá passar o fimde-sem-ana e encontram-se instalados no Peabodycomo nossos convidados. Mitch recebeumuitas ofertas. Nós queremo-lo a trabalharconnosco, e sei que vão querer falar com eleantes de partir. Hoje à noite, vai jantar com

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Lamar e Kay Quin e amanhã à noite é ojantar em minha casa. Estão todos convida-dos. Mitch sorriu, embaraçado, aos sóciosenquanto Lambert falava da grandeza dafirma. Quando ele acabou, Roosevelt serviuum pudim e café. O GABINETE de RoyceMcKnight era no quarto andar, num doscobiçados cantos no corredor do de NathanLocke, mas na outra extremidade. O só-ciogerente pediu a Mitch que se sentasse napequena mesa de reuniões.

- Mitch, quero explicar-lhe bem as condiçõesda nossa oferta. O salário-base anual noprimeiro ano é de oitenta mil dólares.Quando passar o exame da Ordem do Ten-nessee recebe um aumento de cinco mildólares. O exame é em Agosto e receberá aorientação necessária por parte de algunsdos sócios. Nunca houve nenhum colabor-ador nesta firma que chumbasse no exame, eestamos convencidos de que você não vaiquebrar a tradição. No mês de Dezembro,

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receberá um bónus baseado nos lucros e noseu desempenho durante o ano antecedente.-Acho justo.

McKnight olhou para o seu bloco deapontamentos.

- Nós cobrimos todas as despesas médicas,incluindo dentistas, de toda a família. Temosum plano de reforma melhor que qualqueroutro. Por cada dólar que investir, a firmaacompanha com dois. Lamar falou-lhe dasférias?

- Falou.

- Ótimo. Reserve com antecedência, princip-almente para as Caymans. Você

paga a viagem, mas os apartamentos são deborla. Nós temos muitos assuntos a tratarnas Caymans e de -vez em quando irá lá

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passar dois ou três dias. Essas viagens nãocontam como férias.

Mitch acenou com a cabeça e viu-se deitadona praia, beberricando uma pina colada e aolhar para os biquinis reduzidos.

- Há alguma pergunta que queira fazer?

- Há. Nas grandes firmas, os colaboradorestêm de fazer imensas pesquisas e ficam enfi-ados numa biblioteca nos primeiros trêsanos. Não me importo de fazer pesquisas,mas gostava também de trabalhar com cli-entes. McKnight ouviu com interesse, masfez tardar um pouco a sua resposta.

- Eu percebo-o, Mitch. Durante as primeirasseis semanas, pouco mais fará do queestudar para o exame da Ordem. Depois, vaitrabalhar com um dos sócios, e os clientesdele serão seus clientes também. Fará amaior parte das pesquisas desse sócio e, é

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claro, as suas também. Se não se der bemcom esse sócio, indicamos-lhe outro. A firmavai investir muito dinheiro em MitchMcDeere e queremos que seja produtivo. -McKnight olhou para a sua agenda. - Maisalguma coisa?

- Não. Não me ocorre mais nada.

-Nós não queremos pressioná-lo, mas precis-amos de uma resposta rapidamente. Se fortrabalhar para outra firma, teremos que en-trevistar outras pessoas. É um processo mor-oso, e nós queríamos que o novo colaboradorcomeçasse a trabalhar no dia 1 de Julho.

- Darei uma resposta daqui a dez dias, podeser? - Pode. Até ao dia 30 de Março,digamos?

- Claro, mas entrarei em contacto convoscoantes disso. - Mitch despediu-se e encontrouLamar Quin à espera no corredor, à saída do

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gabinete de McKnight. Combinaram jantaràs 7.

Não havia gabinetes de advogados no quintoandar do Edifício Bendini. A sala de jantardos sócios e a cozinha ocupavam a alaocidental, ao centro havia umas arrecadaçõesvazias trancadas e uma parede de cimentoselava o outro terço do piso. Essa paredetinha uma pequena porta de metal com umbotão ao lado e uma câmara por cima, quedava acesso a uma pequena sala onde umguarda armado controlava uma parede re-pleta de ecrãs do circuito fechado de vigilân-cia. Um corredor ziguezagueava por entreum labirinto de minúsculos gabinetes, ondeum grupo de gente excêntrica cumpria a suamissão de recolha de informações secretas.As janelas tinham os vidros pintados e es-tavam tapadas com persianas.

DeVasher, chefe da segurança, ocupava ogabinete maior. O solitário diploma

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pendurado nas paredes nuas do gabinete eraum louvor aos trinta anos de dedicaçãodemonstrada enquanto inspector da Policiade Nova Orleães. Tinha estatura média,tronco largo e uma cabeça redonda enorme.Era raro sorrir. A sua camisa amarrotada es-tava misericordiosamente desabotoada nocolarinho, permitindo ao pescoço avantajadoexpandir-se livremente. Na manhã dasegunda-feira seguinte à visita de McDeere,Oliver Lambert parou do lado de fora dapequena porta metálica e olhou para a câ-mara que se encontrava por cima dela. Car-regou duas vezes no botão, esperou efinalmente deixaram-no passar. Entrouapressadamente no gabinete atravancado.DeVasher deitou uma baforada de fumo doseu charuto, pousou-o no cinzeiro vazio e ab-riu um dossier que se encontrava sobre asecretária.

- Bom dia, Ollie. Suponho que queiras falarsobre o McDeere. DeVasher era a única

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pessoa que se atrevia a chamar-lhe Ollie àsua frente.

- Sim. Entre outras coisas - disse Lambert,sentando-se.

- Bom, ele ficou impressionado com a firma egostou de Memphis. - Onde estavam os teushomens?

- No hotel, tínhamos os dois quartos ao lado.O quarto dele tinha microfones, a limusina eo telefone também. O costume, Ollie.

- Vamos aos factos.

- Está bem. Na quinta-feira à noite,chegaram tarde e foram para a cama. Nasexta-feira à noite, ele contou-lhe tudo sobrea firma: descreveu os gabinetes, as pessoas,disse que tu eras um tipo muito simpático.Achei que ias gostar de saber.

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Continua.

- Contou-lhe o almoço requintado com ossócios. Falou-lhe dos pormenores da pro-posta e ficaram em êxtase. Ela quer uma casacom carreiro de entrada, árvores e um pátio.Ele disse-lhe que ia tê-la. Ela gosta da cid-ade, e ela e a mulher do Quin deram-se bem.Na sexta-feira à tarde, andaram a ver casas eela viu uma de que gostou bastante. Tipo co-lonial: número 1231 na East Meadowbrook.É suficientemente razoável para um dos teusrapazes, Ollie.

- Achas que está no papo?

- Aposto que sim. Acho que vai aceitar. -Desconfia de alguma coisa?

- Nem por isso. Quin disse-lhe para ele semanter afastado do gabinete de Locke. Masacho que não suspeita de nada. A mulher

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disse que a firma parecia preocupar-se comcoisas que não lhe diziam respeito.

- Tais como?

- Assuntos pessoais. Filhos, mulheres quetrabalham, etc. Disse que por nada destemundo aceitava que um grupo de advogadoslhe dissesse quando é que devia trabalhar equando é que devia ter filhos. Mas não achoque ela venha a causar qualquer problema.

- Ele apercebeu-se do carácter permanentedeste emprego?

- Não falou em trabalhar aqui uns anos edepois pôr-se a andar. Quer tornar-se sócio,como todos os outros.

- E o jantar em minha casa?

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- Estavam nervosos, mas divertiram-se. Fi-caram muito impressionados com a tua casae gostaram muito da tua mulher.

- Sexo?

- Todas as noites. Parecia que estavam emlua-de-mel. - DeVasher apagou o charuto nocinzeiro e sorriu. - Em suma, é umcasamento sólido - disse ele.

- Qual é a opinião que tens do tipo?

- Muito boa, é um jovem decente e tambémmuito ambicioso. Acho que está

lançado e que não desiste até chegar láacima. Vai arriscar, transgredir algumas re-gras se for preciso.

Ollie sorriu.

- Era isso que eu queria ouvir.

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- Duas chamadas. Ambas para a mãe dela, noKentucky. - E a família dele?

- Nunca foi mencionada.

- Não descobriram mais nada sobre o Ray?

- Ainda estamos a investigar, Ollie. Dá-nostempo.

DeVasher fechou o dossier sobre McDeere eabriu outro, mais grosso.

- Quais são as últimas? - perguntou Lambertem voz baixa.

- Não são boas, Ollie. Estou convencido deque o Hodge e o Kozinski agora estão a tra-balhar juntos. Na semana passada o FBI rev-istou a casa do Kozinski e descobriu os nos-sos microfones. Disseram-lhe, mas obvia-mente não sabem quem foi. O Kozinski con-tou ao Hodge na sexta-feira passada na

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biblioteca do terceiro andar. Tínhamos ummicrofone lá perto e conseguimos apanharexcertos da conversa. Não muito. Têm tidomuito cuidado com os sítios onde falam.

- Qual é o agente do FBI?

- Tarrance. É ele quem está à frente da coisa,evidentemente. - É bom?

- Ultrazeloso, competente. Mas não se com-para aos nossos. Quantas vezes é

que já falou com Kozinski?

- Soubemos de quatro encontros este mês,mas suspeito que tenha havido mais.

- O que é que ele lhes contou?

- Espero que não tenha contado grandecoisa. Ainda andam às apalpadelas. Ele aindanão se decidiu a colaborar. Foram eles que oabordaram, ou pelo menos é o que

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pensamos. Apertaram-no bastante e ele es-tava prestes a entrar em acordo. Agora já nãoestá tão convencido.

- A mulher dele sabe?

- Acho que não. Reparou que ele anda es-tranho, mas ele justifica-se com a pressão dotrabalho.

- E Hodge?

- Tanto quanto sabemos, ainda não teve con-tactos com os tipos do FBI. Ele e Kozinskiconversam muito e Hodge está sempre adizer que morre de medo do FBI, que eles jo-gam sujo. Não vai fazer nada sem Kozinski.

- E se Kozinski for eliminado?

- Acho que ainda não chegámos a esse ponto.Bolas, Ollie, ele não é nenhum criminoso que

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se meteu no nosso caminho. É um jovemmuito simpático, com filhos, etc.

- A tua compaixão é comovedora. Devesachar que eu gosto disto. Ouve, eu quasecriei estes rapazes.

- Nós vamos metê-los na linha antes que acoisa vá longe demais. Chicago já

começa a desconfiar. Têm feito muitas per-guntas. - Quem? - Lazarov. - O que é que lhesdisseste, DeVasher?

- Tudo. É essa a minha missão. Eles queremsaber tudo. Querem respostas também. Eplanos preliminares para eliminar Kozinski,Hodge e Tarrance, caso se torne necessário.

- Tarrance! Estás doido? Não podemos elim-inar um chui.

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- O Lazarov é estúpido, Ollie. Tu sabes muitobem. É um perfeito idiota. Oliver Lambertsaltou da cadeira e avançou para a porta. -Vigia o McDeere mais um mês.

- Está bem, Ollie. Podes apostar: ele vaiaceitar. Não te preocupes. O MAZDA dosMcDeeres foi vendido por duzentos dólares,e a maior parte do dinheiro investido noaluguer de uma carrinha de mudanças. Nacarrinha puseram o frigorífico, a cama, a có-moda, a pequena televisão a cores, caixascom pratos, roupa e bugigangas e um velhosofá que não iria durar muito tempo na novacasa.

Abby levava Hearsay, o rafeiro, ao colo, en-quanto Mitch atravessava Boston e se dirigiapara sul, bem para sul, em direcção àpromessa de um futuro melhor. Durante trêsdias, percorreram estradas secundárias, goz-aram a paisagem, cantaram as músicas quedavam no rádio e falaram da casa colonial

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que tinham comprado, do BMW, da mobílianova, de filhos, de dinheiro. Chegaram aMemphis numa quinta-feira de manhã, e talcomo lhes fora prometido, o 3181 pretoencontrava-se estacionado à porta de casa.Ele ficou a olhar para o carro e ela para acasa. A relva era espessa, verde e estava bemaparada, tal como as sebes. Os malmequeresestavam em flor. Encontraram as chaves docarro e da casa debaixo de um balde na casadas ferramentas, como prometido. Descar-regaram rapidamente a carrinha antes queos vizinhos vissem os parcos pertences. En-tregaram a viatura no agente mais próximo eforam dar uma volta no BMW.

Uma decoradora - a mesma que iria decoraro gabinete de Mitch - chegou pouco depoisdo meio-dia e trouxe amostras de tapetes,tintas, cortinados e papel de parede. Depoisdo apartamento que tinham em Cambridge,Abby achava hilariante a ideia de uma decor-adora, mas desempenhou o seu papel. Mitch

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cansou-se, pediu desculpas e foi dar um pas-seio pelas ruas arborizadas do bairro. Sorriuquando os rapazes montados nas bicicletasparavam e assobiavam ao verem passar o seunovo carro. Acenou ao carteiro. Ali estavaele: Mitchell Y. McDeere chegara, vinte ecinco anos de idade, acabado de se formarem Direito há uma semana.

Às 3, foram com a decoradora a uma loja demóveis, onde o gerente os informou que Mr.Oliver Lambert já tratara de tudo relativa-mente ao crédito. Não estabeleceraquaisquer limites de quantidade nem depreço. Compraram tudo para a casa.

Ao FIM da tarde, partiram para casa dosQuins. Ficava numa zona da cidade chamadaChickasaw Gardens, com terrenos arboriza-dos e casas enormes. Estacionaram o carro àentrada.

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A empregada cumprimentou-os com umaceno de cabeça cordial, mas não sorriu.Conduziu-os até à sala de estar e foi-se em-bora. A casa estava escura e silenciosa - nãose ouviam crianças nem vozes, nada.Falaram baixinho: confirmaram entre si quetinham sido convidados para jantar naquinta-feira dia 25 de Junho, às 6 horas.Mitch olhou novamente para o relógio. KayQuin apareceu vinda do corredor, tentandosorrir. Tinha os olhos inchados e brilhantes,as lágrimas corriam-lhe livremente pela caraabaixo e apertava um lenço contra a boca.Abraçou Abby e sentou-se ao lado dela nosofá, mordendo o lenço.

Mitch ajoelhou-se à frente dela. - Kay, o queé que aconteceu?

- Uma tragédia - disse ela, soluçando baix-inho. - Dois membros da firma, Marty Kozin-ski e Joe Hodge, morreram hoje. Nós eramosmuito amigos deles. Mitch sentou-se em

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cima da mesa em frente do sofá. Lembrava-se de Marty Kozinski da segunda visita, emAbril, mas não conseguia lembrar-se de JoeHodge.

- Como é que foi? - perguntou. Kay limpou acara e olhou para ele.

- Não temos bem a certeza. Eles estavam naGrande Cayman a fazer mergulho. Houveuma explosão qualquer num barco e pensa-se que eles se afogaram. O Lamar disse queainda não se sabiam os pormenores. Houveuma reunião na firma há bocado, ondecomunicaram a toda a gente. O Lamar malconseguiu chegar a casa.

- Onde é que ele está?

- Ao pé da piscina. Está à tua espera.

Lamar estava sentado numa cadeira metálicade jardim pintada de branco, ao lado de uma

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pequena mesa perto da piscina. Junto a umcanteiro de flores, um irrigador de aspersãolançava em jacto um perfeito arco de água,que apanhava a mesa, a cadeira e Lamar. Eleestava encharcado: a água pingavalhe donariz, orelhas e cabelo; a camisa de algodãoazul e as calças estavam ensopadas. Nãotinha sapatos nem meias. Estava imóvel, semsequer se mexer, quando o jacto o atingia. Asua atenção parecia concentrada num ob-jecto distante na sebe lateral. Mitch inspec-cionou o relvado atrás da casa, depois deu avolta à pis

cina, parando no limite da zona seca. Lamarreparou nele, acenou-lhe e tentou sorrir,apontando para uma cadeira molhada. Mitchpuxou-a uns centímetros e sentou-se exacta-mente quando o jacto seguinte se abatia. -Lamar, lamento muito... - hesitou. - Eutambém.

- Gostava de poder dizer alguma coisa.

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Os olhos de Lamar abandonaram a sebe e eleinclinou a cabeça na direcção de Mitch. Osseus olhos estavam vermelhos e tristes. Es-perou até o jacto seguinte passar.

- Eu sei. Mas não há nada a dizer. Lamentoque tenha acontecido agora, hoje. Não tive-mos disposição para cozinhar.

- Isso é o menos.

- Lembras-te deles? - perguntou Lamar.

- Lembro-me de Kozinski, mas de Hodgenão.

- Marty Kozinski era um dos meus melhoresamigos. De Chicago. Entrou na firma trêsanos antes de mim e estava no topo da listapara se tornar sócio. Era um Ótimo ad-vogado, talvez o melhor negociador da firma.Sob pressão, mantinha-se muito frio e seco. -Olhou para o chão. - Três filhos. As gémeas

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são um mês mais velhas que o nosso filho. -Fechou os olhos, mordeu o lábio e começou achorar.

Mitch sentia vontade de se ir embora.

- Lamento muito, Lamar. Mesmo muito.

Passados uns minutos, Lamar parou de chor-ar, mas a água continuou a jorrar. Mitch ol-hou para o outro lado do relvado para ver sevia a torneira. Arranjou coragem para per-guntar se podia desligar o irrigador, masconcluiu que, se Lamar conseguia aguentar,ele também conseguia. Talvez fosse umaajuda.

- E como foi o acidente? - perguntou final-mente Mitch.

- Não nos disseram grande coisa. Estavam afazer mergulho e houve uma explosão nobarco. O instrutor também morreu, era um

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nativo das ilhas. Agora estão a tentar mandaros corpos para cá.

- Onde estavam as mulheres deles?

- Em casa, graças a Deus. Era uma viagem denegócios. - Não consigo lembrar-me doHodge.

- Joe era um tipo alto e louro que falava pou-co. O tipo de pessoa que não fica namemória. Era de Harvard, como tu.

- Quantos anos tinha?

- Ele e Marty tinham ambos trinta e quatroanos. Eram muito amigos. Acho que o somostodos, principalmente agora. - Lamar pôs-sede pé e dirigiu-se para terreno seco. -Estamos contentes por te ter cá, Mitch. Des-culpa as circunstâncias. Vais gostar disto.

- Não tens que pedir desculpa.

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- Estou entorpecido. Tremo só de pensar quevou ter de enfrentar a mulher e os filhos deMarty. Preferia ser açoitado com um chicotede couro a ter de lá

ir.

As mulheres chegaram e encaminharam-separa a piscina. Kay dirigiu-se à

torneira, e o irrigador foi finalmentesilenciado.

Mitch e Abby saíram de Chickasaw Gardensassim que puderam e seguiram para oeste,juntamente com o trânsito, em direcção aocentro da cidade e ao Sol, que se punha.Mitch abriu o tejadilho e as janelas. O arhúmido característico do Verão em Memphisinstalou-se com a penumbra. Mitch tentouesquecer o que acontecera a Kozinski eHodge; aliás, praticamente nem os conhecia.Na realidade, nem sequer chegara a conhecê-

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los. E ele, um pobretanas sem família, tinhamuito com que se alegrar: uma mulher bon-ita, uma casa nova, um carro novo, oitentamil dólares por ano. A única coisa que tinhade fazer era trabalhar noventa horas por se-mana. Facílimo. Atravessou cuidadosamentea cidade e, depois de ter virado duas vezes nosítio errado, descobriu a casa de Mr. e Mrs.Mitchell Y. McDeere.

QUATRO DIAS depois, no dia que deveriater sido o primeiro passado atrás da sua novasecretária, Mitch e a sua encantadora mulherjuntaram-se aos outros trinta e nove mem-bros da firma e às respectivas encantadorasmulheres para prestarem a última hom-enagem a Martin S. Kozinski. A catedral es-tava cheia. Oliver Lambert proferiu umelogio fúnebre tão eloquente e comovedorque nem o próprio Mitchell McDeere, que jáenterrara o pai e o irmão, conseguiu evitararrepios. Os olhos de Abby encheram-se delágrimas ao ver a viúva e os filhos.

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Voltaram a encontrar-se novamente à tardena igreja presbiteriana, na zona leste deMemphis, para se despedirem de Joseph M.Hodge. No dia seguinte, Mitch chegou aogabinete de Royce McKnight às 8.30 emponto, conforme combinado. Oliver Lamberte McKnight cumprimentaram-no eapresentaram-no a outros dois sócios: VictorMilligan e Avery Tolar. Milligan era o chefedo Departamento de Impostos, e Tolar, comquarenta e um anos de idade, era um dos só-cios mais jovens. Sentaram-se todos emtorno da pequena mesa de reuniões.

- Mitch, queríamos pedir desculpa por esteinício tão deprimente - disse McKnight. -Ficámos muito sensibilizados com a suapresença nos funerais.

- Achei que devia ir - afirmou Mitch.

- Acabámos de perder dois dos nossos mel-hores advogados, por isso teremos que exigir

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mais de si - disse Lambert. - Por favor, sejapaciente connosco. Todos eles acenaram efranziram o sobrolho, de olhos postos namesa. McKnight olhou para uns apontamen-tos que tinha num bloco.

- Mitch, acho que já falámos disto. Nestafirma, cada colaborador está afecto a um só-cio, o qual age como seu supervisor e ment-or. Você irá trabalhar com Avery Tolar.

Mitch sorriu embaraçado ao "seu sócio".

- Trabalhará sob a orientação dele. Os casose dossiers que lhe vão passar pelas mãos ser-ão os dele. Praticamente, todos estão rela-cionados com direito fiscal.

- Ótimo.

Antes que me esqueça, Mitch, gostaria de al-moçar consigo hoje - disse Tolar.

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- Com certeza - respondeu Mitch.

- I"evem a minha limusina - ofereceu Lam-bert. - Já estava a planear fazê-lo

-disse Tolar.

- Quando é que me dão uma limusina? - per-guntou Mitch. Sorriram e pareceram gostarda graça.

- Daqui a cerca de vinte anos - esclareceuLambert. McKnight voltou a olhar para obloco de apontamentos.

- Tal como já lhe disse, Mitch, o exame daOrdem é prioritário. Tem seis semanas paraestudar para ele, e nós prestamos-lhe toda aajuda possível. Temos cursos de revisão ori-entados pelos nossos membros e pelo menosmeio-dia será passado com isso. A suasecretária será Nina Huff, que trabalha na

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firma há oito anos. Não é bonita, mas émuito eficiente.

- Onde é o meu gabinete? - No segundoandar.

O gabinete de Lamar também era no se-gundo andar, e naquela altura isso era recon-fortante. Depois, lembrou-se dele sentadojunto à piscina, encharcado e a chorar.

AVERY TOLAR não parou de falar enquantoa limusina avançava lentamente por entre otrânsito do meio-dia. Tinha mulher e dois fil-hos, mas falou pouco da família. Falou dedinheiro. O primeiro milhão estava nobanco. O segundo viria daí a dois anos. A suaespecialidade era formar sociedades destin-adas à

compra de superpetroleiros. Era o espe-cialista número um na matéria e cobrava aosclientes trezentos dólares por hora e

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trabalhava sessenta horas, às vezes atésetenta, por semana.

Mitch começaria por cobrar cem dólares porhora, num mínimo de cinco horas por dia,até passar o exame e obter a licença de exer-cício de actividade. Depois disso, passaria acento e cinquenta dólares por hora, oito hor-as por dia. Avery afirmou que a cobrança erao sangue vital da firma. Promoções,aumentos, bónus, sobrevivência, sucesso,tudo girava em torno de como se estava afacturar. Principalmente em relação aos nov-os colaboradores. O

caminho mais rápido para se receber umarepreensão era negligenciar os registos dafacturação diária.

A média por colaborador era de cento esetenta e cinco dólares por hora. No caso dossócios, era de trezentos. Milligan cobravaquatrocentos a alguns dos clientes, e Nathan

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Locke uma vez cobrara quinhentos por umcaso de direito fiscal que envolvia permutade bens em vários países estrangeiros. Quin-hentos dólares por hora! Avery saboreava aideia. Era assim que se fazia dinheironaquela actividade. Arranjava-se um grupode advogados a trabalhar à hora e construía-se uma dinastia. Quanto mais advogados setem, mais dinheiro recebem os sócios.

Avery avisou-o novamente para não negli-genciar a facturação, que devia ser sempre aprimeira prioridade - depois do exame daOrdem, é claro. A limusina virou numatransversal e parou em frente a um pequenotoldo que ia da borda do passeio até umaporta de metal preta. Avery salientou que oManhattan Club, aonde se dirigiam, era orestaurante mais selecto da cidade. Ofereciaalmoços importantes a pessoas importantes -banqueiros, advogados, executivos, políticose aristocratas. Um elevador dourado levavadirectamente ao elegante décimo andar. O

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maitre-d'hotel dirigiu-se a Mr. Tolar pelonome e deu-lhe os sentimentos pela perda deMr. Kozinski e de Mr. Hodge. Averyagradeceu-lhe e apresentou o membro maisrecente da firma. A mesa preferida de Averyesperava-os a um canto.

- A firma não permite que se beba vinho aoalmoço - disse ele enquanto abria a ementa. -O que é que vai beber?

- Chá com gelo.

- Chá gelado para este senhor - disse Averyao empregado. - Traga-me um gin Bombaycom gelo e três azeitonas.

Mitch mordeu a língua e sorriu por detrás daementa.

- Temos regras a mais - murmurou Avery.Pediu para ambos um peixe grelhadoqualquer.

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Mitch foi depenicando a comida enquantoouvia o que o seu mentor dizia. As secretári-as chegavam ao escritório às 8.30. Mas nin-guém trabalhava oito horas por dia. Ele pess-oalmente chegava ao escritório por volta das8 e quase nunca saía antes das 6. A firma nãose importava que Mitch chegasse às 6 ou às9, desde que o trabalho aparecesse feito.

- A que horas é que abrem as portas? - per-guntou Mitch. Avery explicou que todos tin-ham chave, por isso podia entrar e sair àshoras que bem entendesse. A segurança eraapertada, mas os guardas estavam habitua-dos aos viciados no trabalho. Alguns hábitosde trabalho eram lendários. Victor Milligan,nos seus primeiros anos de actividade, tra-balhara dezasseis horas por dia, sete dias porsemana, até chegar a sócio. A seguir, deixarade trabalhar aos domingos. Nathan Lockedizia que não conseguia trabalhar conveni-entemente depois de as secretárias chegar-em, por isso entrava às 6. Ali estava um

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homem de sessenta e um anos que valia dezmilhões e que trabalhava das 6 da manhã atéàs 8 da noite, cinco dias por semana e meio-dia ao sábado.

Mitch disse que percebera a mensagem.Dezasseis horas por dia não era nada que lhefosse estranho.

Às 2 horas, os almoços importantes já ra-reavam e a multidão diminuíra. Avery assin-ou a factura e saíram do restaurante.

A DECORADORA encontrava-se à espera nogabinete de Mitch. Trazia catálogos cheios demobiliário de escritório. Ele pediu-lhe sug-estões, ouviuas, mostrando o máximo in-teresse que conseguiu, e acabou por lhe dizerque confiava nela para escolher o que fossemais apropriado. Ela gostava da sólidasecretária de madeira de cerejeira semgavetas, das poltronas de orelhas de couro ede um tapete oriental muito caro. Mitch

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achou tudo maravilhoso. Ela saiu, e elesentou-se à secretária antiga. O gabinetetinha duas janelas de um metro e oitentaviradas a norte que davam directamente parao segundo piso do velho edifício do lado. Avista não era grande coisa. Fazendo um es-forço, conseguia avistar o rio a noroeste.Aquele gabinete serviria por uns anos, depoismudava-se para um com melhor vista antesde passar finalmente para um dos do canto -um dos gabinetes do poder.

Miss Nina Huff bateu à porta e apresentou-se como sendo a secretária. Era uma mulherde quarenta e cinco anos, bastante forte, nãosendo portanto difícil compreender porqueera solteira. Informou-o logo que já trabal-hava na firma há oito anos e que sabia tudo oque era preciso saber sobre o expediente doescritório. Se ele tivesse alguma dúvida,bastava perguntar-lhe. Mitch agradeceu-lhe.

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- Como se chama a sua mulher? - perguntouela. - Porque é que pergunta? retorquiu ele.

- Quando ela lhe telefonar, gostaria de seramável com ela. - Abby.

- Como é que costuma tomar o café? Semnatas, mas eu próprio o farei.

- Bom... - Fez uma pausa e depois disse: - Jásei o nome da sua mulher e já

resolvemos a questão do café, acho queposso começar.

- Esteja cá todos os dias às oito e meia. - Comcerteza, Sr. Doutor. Ela saiu, e Mitch sorriu:seria divertido trabalhar com ela. ODESPERTADOR tocou às 5 da manhã e foiimediatamente silenciado. Mitch abriu aporta das traseiras para deixar sair o cão eentrou no duche. Vinte minutos depois, par-tia para o escritório. Decidira iniciar os seus

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dias às 5.30, a menos que alguémconseguisse ultrapassá-lo. Seria o primeiroadvogado a chegar ao Edifício Bendini todosos dias, até se transformar no sócio maisjovem na história da firma.

O terreno desocupado junto ao EdifícioBendini encontrava-se vedado por uma cor-rente de trinta metros de comprimento ehavia um guarda fardado ao portão. Oguarda aproximou-se do carro. Mitch baixouo vidro e mostrou-lhe o cartão com a suafotografia.

- Deve ser o novo colaborador - disse oguarda. - Exacto, chamo-me Mitch McDeere.E você? - Dutch Hendrix. Começa cedo, não?

Mitch sorriu.

- Não. Pensei que já cá estivessem todos.Dutch esboçou um sorriso.

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- O senhor é o primeiro. Mr. Locke nãotardará.

O portão abriu-se. Mitch encontrou o seunome pintado de branco no asfalto e esta-cionou o imaculado BMW. Olhou para orelógio: eram 5.30 em ponto. Ficou aliviadopor não ser necessário chegar mais cedo. Oresto da firma ainda estava a dormir.

Já no gabinete, acendeu a luz. A um doscantos encontravam-se três caixotes de pa-pelão cheios de livros, dossiers, blocos eapontamentos que acumulara nos últimostrês anos. Mitch pousou o primeiro caixoteem cima da secretária e começou a despejá-lo. Encontrou o material de revisão para oexame da Ordem no terceiro. Não reparou nasilhueta que surgiu repentinamente à

porta.

- Bom dia!

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Mitch voltou-se e olhou, boquiaberto. -Assustou-me - disse ele.

- Desculpe. Chamo-me Nathan Locke. Creioque ainda não fomos apresentados.

- Mitch McDeere, o novo colaborador. -Apertaram as mãos.

- Sim, eu sei. Peço desculpa por não o tercumprimentado ainda. Estava ocupadoquando cá veio das primeiras vezes. Julgoque o vi nos funerais. Mitch acenou, mastinha a certeza de que nunca estivera a cemmetros daquele homem, senão lembrar-se-ia. Eram os olhos: pretos e frios com cama-das de rugas à volta. Uns olhos inesquecíveis.O cabelo era branco e começava a rarear emcima, embora fosse denso. junto às orelhas, ea sua brancura contrastava vivamente com oseu rosto. Quando falava, semicerrava os ol-hos e as pupilas pretas brilhavam

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ferozmente. Uns olhos sinistros. Uns olhosastutos.

- Vejo que gosta de se levantar cedo. - Éverdade.

- Bom, muito prazer em tê-lo cá.

Nathan Locke afastou-se da porta e desa-pareceu. Mitch concluiu que não era de ad-mirar que o mantivessem afastado de toda agente. Já compreendia porque é que não lhetinham apresentado Nathan Locke antes deele ter aceitado o emprego. Era provável queo escondessem de todos os possíveis candid-atos. Locke tinha, sem dúvida, a presençamais sinistra e malévola que Mitch jamaisencontrara.

AVERY TOLAR estava à espera dele às 9horas no quarto andar, empunhando umdossier grosso que lhe entregou.

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- Este é o processo Sonny Capps, uma partedele. O nosso cliente vive em Houston. Pos-sui a maior empresa de rebocadores do rioMississípi. Tem navios espalhados por todo oMundo. Agora quer formar uma sociedadelimitada para adquirir uma frota de pet-roleiros, desta vez a uma família qualquer deHong Kong. É um negócio de cerca de ses-senta e cinco milhões. Esse dossier é umaparte da última sociedade que formei paraeste cliente. Contém um projecto, cartas deintenções, declarações e o contrato da so-ciedade propriamente dita. Lê-o. Depois,prepara um rascunho do contrato da so-ciedade para este negócio.

O dossier engordou. Começar às 5.30 damanhã talvez não fosse suficiente. O sóciocontinuou:

- Temos cerca de quarenta dias, por isso jáestamos atrasados. Marty Kozinski estava a

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ajudar-me, e logo que eu tiver revisto odossier dele, entrego-to. Alguma pergunta?

- E a pesquisa?

- Vais ter que a actualizar. Capps fez mais denove milhões no ano passado e pagou umaninharia de impostos. Ele não acredita nopagamento de impostos e responsabiliza-mepor todos os centavos gastos com eles. Étudo legal, mas o empreendimento vai ser in-speccionado pelos governos de pelo menostrês países. Por isso, tem cuidado.

Mitch folheou os documentos.

- Quantas horas por dia é que devo trabalharnisto?

- O máximo possível. Eu sei que o exame daOrdem é importante, mas no ano passadoSonny Capps pagou-nos quase meio milhãode dólares em honorários.

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- Vou tratar do assunto.

- Eu sei. Nina vai examinar contigo a relaçãodas horas. Lembra-te de que não podes ig-norar as horas a facturar.

- Como poderia esquecer-me?

OLIVER LAMBERT e Nathan Locke estavamem frente à porta metálica do quinto andar aolhar para a câmara por cima dela. A portaabriu-se e um guarda acenou-lhes. DeVasheraguardava-os no seu gabinete.

- Bom dia, Olhe - disse baixinho, ignorandoLocke.

=Quais são as últimas notícias de Chicago? -indagou Locke bruscamente.

- Estão muito ansiosos, Nat. Estão a fazerperguntas difíceis. - E o que é que lhes tensdito?

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- Que está tudo bem: que a grande firmaBendini é sólida, que a fuga de informaçõesfoi tapada. O negócio corre normalmente,sem problemas.

- Quais foram os estragos causados? - per-guntou Oliver Lambert. - Não creio que ten-ham chegado a falar. Soubemos de fonte se-gura que uns agentes do FBI iam a caminhoda ilha no dia do acidente, por isso achamosque tinham marcado o encontro para despe-jarem tudo. Calma. Foi um trabalho limpo,muito profissional, sem deixar rasto. -Istoenoja-me, DeVasher-disse Lambert.

- E achas que eu gosto, Ollie? O que é quequerias que fizéssemos? Que ficássemos debraços cruzados e os deixássemos falar? OLazarov deu-nos ordens. Se quiseres discutircom o Lazarov, eu não te impeço. Um destesdias, encontram-te para aí a boiar algures.Aqueles rapazes deviam ter mantido as bocasfechadas, continuado a conduzir os seus

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belos carrinhos e a brincar a advogadosfamosos. Mas não, quiseram armar-se emsantinhos. Lambert olhava para a parede.

- Porque é que nos chamaste aqui?

- Chicago quer pôr sob escuta os telefones detodos os colaboradores.

- De todos? - perguntou Lambert. - Até doMcDeere?

- Sim. Até do McDeere. Acho que o Tarrancevai tentar novamente, e desta vez é capaz decomeçar por baixo.

- Conheci o McDeere esta manhã - disseLocke. - Chegou cá antes de mim.

- Às cinco horas e trinta e dois minutos - es-clareceu DeVasher. Os APONTAMENTOS dafaculdade passaram para o chão, e o dossierCapps ocupou a secretária toda. Nina trouxe

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uma sanduíche de salada de frango quandovoltou do almoço, e ele comeu-a enquantolia. Pouco depois da 1, chegou Wally Hudsonpara dar início às revisões para o exame. Eraespecialista em contratos. Entregou a Mitchuma sebenta com três argolas e uns dezcentímetros de espessura.

Wally explicou que o exame durava quatrodias e era composto por três partes. Noprimeiro dia, havia um teste de escolha múl-tipla sobre ética com a duração de quatrohoras. Gill Vaughn era o perito em ética dacasa e iria orientar essa parte das revisões.No segundo dia, havia um exame de oito hor-as sobre quase todas as áreas da lei comuns atodos os estados. No terceiro e quarto dias, oexame cobriria quinze áreas dos direitos edeveres fundamentais. Todas as respostasseriam dadas sobre a forma de ensaio, e asperguntas iriam incidir especialmente sobrea legislação do estado do Tennessee. A firma

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tinha um plano de revisão para cada uma dasquinze áreas.

- São quinze assim como esta?! - Mitch le-vantou o bloco de apontamentos. Wallysorriu.

- São. Estude oitenta páginas dessa sebentapara a semana que vem. Vai encontrar algu-mas perguntas a que deverá responder emforma de ensaio.

- Tipo trabalho de casa?

- Exacto. Eu depois classifico.

Wally saiu. Menos de dez segundos depois,entrou Randall Dunbar, o chefe do Departa-mento de Bens Imobiliários, trazendo con-sigo outra sebenta grossa. Kendall Mahantrouxe outra sobre direito constitucional. Aprocissão continuou durante toda a tarde atémetade da firma ter passado por lá a deixar

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sebentas, a marcar trabalhos de casa e re-uniões semanais. Seis deles recordaram aMitch que nunca nenhum membro da firmachumbara no exame. Quando Nina se despe-diu, às 5 da tarde, Mitch limitou-se a sorrir-lhe para logo voltar a embrenhar-se na ver-são de lei contratual de Wally. Uma hora de-pois, sentiu fome. Então, pela primeira vezem doze horas, pensou em Abby. Telefonou-lhe.

- Ainda me demoro um bocado - disse ele. -Mas eu estou a fazer o jantar.

- Deixa-o no forno - disse ele um poucoapressado.

- A que horas vens? - perguntou ela, falandoincisivamente. - Passaste aí o dia todo.

- É verdade, e ainda tenho muita coisa parafazer. - Sentes-te bem?

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- Sinto. Vou chegar tarde a casa.

O BARULHO do motor acordou DutchHendrix, que se levantou de um salto. Oportão abriu-se, e ele aguardou ao seu ladoenquanto o último carro abandonava oparque. A viatura parou junto dele.

Dutch apontou o foco da lanterna para opulso e olhou para o relógio: 11.30.

- Só agora é que se vai embora?

- É verdade. Tive um dia muito ocupado. Atédaqui a pouco. O BMW afastou-se rapida-mente na noite. "Daqui a pouco", pensouDutch. Os novatos eram espantosos. Dezoito,vinte horas por dia, seis, sete dias por sem-ana. Todos eles planeavam ser os melhoresadvogados do Mundo e ganhar um milhão dedólares do dia para a noite. Às vezes,dormiam sentados à

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secretária, mas o corpo humano não foraconcebido para tais abusos. Passados seismeses, perdiam vapor: passavam a quinzehoras por dia, seis dias por semana; depois,doze horas por dia. Ninguém conseguia tra-balhar cem horas por semana durante maisde seis meses.

UMA DAS SECRETÁRIAS vasculhava oficheiro à procura de uma coisa de que AveryTolar necessitava urgentemente. A outra es-tava de pé em frente da secretária dele, comum bloco de apontamentos na mão, esteno-grafando as instruções que ele lhe davaquando parava de gritar ao telefone. Quandoele falava para o auscultador, as secretáriasfalavam rispidamente uma com a outra.Mitch entrou devagarinho no gabinete eficou à porta.

- Calem-se! - gritou Avery às secretárias.

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Passados minutos, desligou violentamente otelefone e fitou Mitch. - Era Sonny Capps. Oschineses querem setenta e cinco milhões, eele concordou. Temos vinte dias ou o negócioé cancelado. És capaz de acabar o rascunhodo contrato da sociedade até sábado de man-hã? - perguntou Avery quase com sarcasmo.

As secretárias entregaram a Mitch uma pilhade dossiers volumosos. Ele pegou-lhes eencaminhou-se para a porta.

- É claro que consigo. Mais alguma coisa?

-É tudo. Não quero que faças outra coisasenão trabalhar nesse dossier até

sábado, entendido?

- Sim, chefe.

De volta ao seu gabinete, Mitch retirou o ma-terial de revisão para o exame, ou seja as

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quinze sebentas, de cima da secretária ecolocou-as numa prateleira. Respirou fundoe começou a ler os dossiers do processoCapps. ÀS 11 HORAS da noite, não se ouvianada no gabinete do segundo andar, exceptoum leve ressonar. Mitch tinha os pés emcima da secretária e o resto do corpo con-fortavelmente recostado na cadeiravolumosa de couro. As mãos seguravam comfirmeza um documento de aspecto import-antíssimo contra o estômago.

O telefone tocou. Só depois de ter tocadouma dúzia de vezes é que ele se mexeu esaltou para o atender. Era a sua mulher.

- Porque é que não telefonaste? - perguntouAbby friamente, ainda que com um toque depreocupação na voz.

- Desculpa. Adormeci. Que horas são? - Es-fregou os olhos. - Onze. Vens para casa?

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- Não. Preciso de trabalhar a noite toda.

- Tu não podes trabalhar a noite toda, Mitch.O jantar ainda está no forno.

- Desculpa, mas estou cheio de prazos paracumprir e perdi a noção do tempo.

- Isto vai tornar-se um hábito, Mitch? Épossível.

- Compreendo. Quando é que achas que venspara casa? - Vou aí por volta das sete para to-mar um duche.

- Que bom! Se eu estiver a dormir, não meacordes. - Desligou. NA MANHA seguinte,bem cedo, Abby beberricava um café com ocão ao colo, enquanto ouvia os barulhos davizinhança a despertar. Passara a noite aacordar e o duche quente não lhe aliviara ocansaço. Envergava um roupão de turcobranco - um dos dele - sem nada por baixo.

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A porta de um carro bateu e, momentos de-pois, ela ouviu-o abrir a porta da cozinha.Pousou o casaco num banco e aproximou-sedela.

- Bom dia - disse ele.

Ela presenteou-o com um falso sorriso. --Bom dia.

Ele respirou fundo.

---Estás zangada por causa de ontem à noite,já vi. --Não. Estou-me nas tintas.

- Por favor, não peças o divórcio, Abby. Juroque não volta a acontecer. Não meabandones.

Ela conseguiu então esboçar um verdadeirosorriso.

- Estás com péssimo aspecto - disse ela. -Porque é que não passas pelas brasas?

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- Obrigado. Mas tenho uma reunião às novehoras com o Avery. - Estão a tentar matar-telogo na primeira semana?

- Estão, mas não vão conseguir. Sou demasi-ado homem para isso. Vamos tomar umduche.

-Se viesses para casa a horas decentes, não tesentirias depravado.

- Tenho a certeza de que deve haver imensosnoctívagos. É uma maratona. Aquele queresistir ganha a medalha de ouro.

-,E morre ao chegar à meta.

- Não acredito! Mudámo-nos para cá há umasemana e já estás preocupada com a minhasaúde. - Aproximou-se dela por trás e deu-lhe um beijo no rosto.

- Amo-te - sussurrou.

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Ela agarrou-lhe na mão.

- Vai tomar um duche. Eu faço o pequeno-almoço.

A mesa estava posta na perfeição. O serviçode porcelana da avó dela ia ser usado pelaprimeira vez na nova casa. As velas doscastiçais de prata estavam acesas. O sumo detoranja estava servido em copos de cristal.Quando ele acabou de tomar banho e de sevestir, entrou na casa de jantar e assobiou.

- O que é que vamos comemorar?

- É um pequeno-almoço especial para ummarido especial. Ele levantou a tampa de umprato coberto de prata.

- O que é isto?

- Piccata de vitela. Ele olhou para o relógio. -Pensei que eram horas do pequeno-almoço.

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- Fi-la para o jantar ontem à noite e sugiroque comas. - Piccata de vitela ao pequeno-almoço?

Ela sorriu e abanou ligeiramente a cabeça.Ele olhou novamente para a travessa e anali-sou a situação durante segundos. Por fim,disse:

- Cheira bem.

No Sábado de manhã, ele deixou-se dormir esó chegou ao escritório às 7. Não fez a barba,vestiu uns jeans, uma camisa com botões nocolarinho e calçou mocassins sem meias. In-dumentária da faculdade de direito. Mas apressão continuava. Mitch cancelara as re-uniões de revisão para o exame na quinta,sexta e sábado, e as quinze sebentas con-tinuavam na prateleira a apanhar pó e arecordar-lhe que seria sem dúvida o primeiromembro da firma a chumbar no exame.

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O contrato Capps fora impresso e reimpressona sexta-feira a altas horas da noite. Ninadissera que não se importava de fazer horasextraordinárias, por isso ele pedira-lhe parair trabalhar no sábado de manhã. Ela chegouàs 9, com umas calças de ganga que serviri-am a qualquer jogador de futebol. Mitchentregou-lhe o contrato, com duzentas e seispáginas, com as suas últimas alterações epediu-lhe para o imprimir pela terceira vez.Ia encontrar-se com Avery às 10 horas.

Às 10, a terceira versão do contrato estavapronta: tinha já duzentas e dezanove pági-nas. Mitch pousou-o na secretária do sócio aque estava adstrito. Uma das secretárias es-tava a encher uma enorme pasta enquanto opatrão falava ao telefone.

- Mas é impressionante - disse Avery quandodesligou o telefone. - É só um esboço?

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- Acho que não. Essa é a terceira revisãodesde ontem de manhã. - Veremos. Vou lê-lono avião para Houston. Depois, Capps lê-ocom uma lupa. Quantas horas estão aqui?

- Cinquenta e quatro e meia desde quarta-feira.

- Eu sei que te pressionei e peço desculpa porisso. Tiveste uma primeira semana muitodura. Mas não será a última vez que nos va-mos estafar por alguém que nos paga meiomilhão de dólares por ano.

- Não me importo. Estou atrasado nas re-visões para o exame, mas consigo recuperar.

Avery colocou o contrato na pasta.

- Onde é que estão os projectos e os outrosdocumentos? - Fiz apenas esboços. Disse-meque tínhamos vinte dias.

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- E temos, mas é melhor elaborá-los quantoantes. Capps começa a pedir as coisas muitoantes de os prazos expirarem. Trabalhasamanhã? - A minha mulher tem insistidopara irmos à igreja.

Avery abanou a cabeça.

- As mulheres podem mesmo tornar-se umempecilho - disse ele. - Vamos acabar o pro-cesso Capps até ao próximo sábado.

- Certo. Não há problema - disse Mitch, evoltou para o gabinete. A CRISE Capps dur-ou duas semanas e foi resolvida sem prob-lemas de maior, sobretudo graças a umhorário de dezoito horas por dia cumpridopelo membro mais recente da firma, mem-bro esse que ainda não tinha feito o exameda Ordem e que estava demasiado ocupadocom o exercício da profissão para se preocu-par com ele.

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Oliver Lambert manifestou a sua preocu-pação pelos hábitos de estudo de Mitch -faltavam menos de três semanas para o ex-ame. Avery disse-lhe para não se preocupar,pois o seu rapaz estaria preparado. EmJulho, Mitch facturou uma média de cin-quenta e nove horas por semana, um recordeda firma para um estagiário.

Quinze dias antes do exame, Mitch queixou-se finalmente a Avery. Precisava de tempopara estudar. Podia estudar sofregamentenas duas semanas seguintes e passar por umtriz, mas precisava que o deixassem em pazpara o fazer. Avery pediu-lhe desculpa eprometeu ignorá-lo durante essas duassemanas.

Na primeira segunda-feira de Agosto, foiconvocada uma reunião na biblioteca doprimeiro andar. Todos os membros estavampresentes, até

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Nathan Locke, que chegou atrasado. Nãocumprimentou ninguém e ninguém olhoupara ele. Mitch olhava de relance para os Ol-hos Negros sempre que podia.

A atmosfera estava pesada. Ninguém sorria.Beth Kozinski e Laura Hodge entraramescoltadas por Oliver Lambert e sentaram-sede frente para uma parede onde estavampendurados dois quadros tapados. Deram asmãos e tentaram sorrir. Lambert virou-separa a pequena audiência. Falou em vozbaixa, mas o poder da sua maravilhosa vozde barítono fez que todas as silabas pronun-ciadas fossem ouvidas pelos presentes. Ol-hando para as duas viúvas, falou do grandepesar que a firma sentia, acrescentando que,enquanto a firma existisse, nada lhes faltariaa elas nem aos filhos. Falou de Marty e Joe, edo grande vazio deixado pelas suas mortes.Falou do amor que eles sentiam pela família,da sua dedicação ao lar. Os negociadores dagrande Bendini, veteranos endurecidos e

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duros de roer, engoliram em seco e evitaramolhar uns para os outros. Só Nathan Lockepermanecia impassível. Quando Lambertchegou ao fim do seu discurso, destapou osretratos de Martin Kozinski e de Joe Hodge.Mitch ouvira dizer que Hodge fizera um se-guro de vida de dois milhões quatro mesesantes de morrer. Quando o discurso termin-ou, Nathan Locke desapareceu pela porta. Osadvogados acercaram-se das viúvas e pro-feriram palavras de conforto e abraçaram-nas. Mitch não as conhecia, por isso nãotinha nada para lhes dizer. Foi até à parede eexaminou os quadros. Ao lado dos de Kozin-ski e de Hodge encontravam-se três retratosmais pequenos, mas igualmente dignos. Oretrato de uma mulher chamou-lhe aatenção. A placa de latão dizia: ALICE

KNAUSS, 1948-1976.

- Ela foi um erro - disse Avery baixinho aoaproximar-se do seu colaborador.

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- O que quer dizer com isso?

- Uma típica advogada feminina. Veio paracá acabada de sair de Harvard, era a númeroum da turma e cheia de manias por ser mul-her. Passados seis meses, todos a detestáva-mos, mas não nos conseguíamos livrar dela.Milligan ainda a culpa pelo ataque cardíacoque teve. Era ele o sócio responsável por ela.

- O que é que lhe aconteceu?

- Um acidente de automóvel causado por umcondutor embriagado. Foi sem dúvida umatragédia.

Mitch acenou em direcção ao retrato ao lado.- Quem era ele?

- Robert Lamm. Era um grande amigo meuda Faculdade de Direito de Atlanta. Andavatrês anos à minha frente.

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- O que é que lhe aconteceu?

- Ninguém sabe. Em 1980, andava a caçarveados no Arkansas e desapareceu. Foi en-contrado numa ravina com um buraco nacabeça. A bala entrou-lhe pela nuca. Calcula-se que o tiro tenha sido disparado por umacarabina potente de uma grande distância.Provavelmente, foi um acidente, mas nuncaviremos a saber. Não consigo imaginar nin-guém que quisesse matar Bobby Lamm. Oúltimo retrato era de John Mickel,1950-1984.

- O que é que aconteceu a este? - sussurrouMitch.

- Talvez tenha sido a morte mais trágica detodas. Não era um homem forte e a pressãodeu cabo dele. Meteu-se na droga e a mulherdeixou-o. Gastámos uma pequena fortunaem tratamentos, psiquiatras, tudo. Nada res-ultou e ele entrou em grande depressão e

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depois suicidou-se. Escreveu uma carta desete páginas a explicar o suicídio e deu umtiro nos miolos.

- Que horror. Onde é que o encontraram?Avery pigarreou.

- No teu gabinete. Não és supersticioso, comum sorriso malicioso.

- Claro que não. Posso mudar de gabinete?

- Claro. Basta chumbares no exame que nósdamos-te um daqueles gabinetes dos solicit-adores na cave.

- Se eu chumbar, a culpa é sua.

- Pois é, mas não vais chumbar, pois não? -Se conseguiu passar, eu também consigo.

pois não? - perguntou

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DAS 5 ATÉ ÀS 7 da manhã, o EdifícioBendini estava vazio e calmo. Nathan Lockechegava por volta das 6, mas ia directamentepara o seu gabinete e fechava a porta. Mitchdava grande apreço à solidão das primeirashoras da manhã. Vagueava pelos corredoresacendendo luzes e inspeccionando o edifício.Mas não desperdiçava o seu tempo. Ditavacartas para um gravador, escrevia memoran-dos. Estudava para o exame.

Na manhã que se seguiu à cerimónia emhonra dos advogados mortos, estando nabiblioteca do primeiro andar à procura deum tratado, reparou novamente nos cincoretratos. Cinco advogados mortos em quinzeanos. Era um local perigoso para setrabalhar. Aproximou-se da parede e rabis-cou os nomes e as datas das mortes numbloco de apontamentos.

Algo se moveu no corredor. No meio da es-curidão, viu o Olhos Negros a observá-lo.

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- O que é que está a fazer? - perguntouLocke. Mitch encarou-o e tentou sorrir.

- Bom dia. Estou a estudar para o exame daOrdem.

Locke olhou para os retratos e depois fitouMitch.

- Ah ... Porque é que está tão interessado nosretratos?

- Apenas curiosidade. Esta firma tem tido oseu quinhão de tragédias.

- Eles estão todos mortos. Uma verdadeiratragédia será você não passar no exame. -Locke recuou e desapareceu.

Já no seu gabinete, Mitch escondeu osnomes e datas numa gaveta e abriu a sebentade direito constitucional.

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No Sábado a seguir ao exame, Mitch evitou irao escritório e entrar em casa e passou amanhã a cavar os canteiros do jardim, à es-pera. Completada a decoração da casa, estaencontrava-se agora apresentável, e, é claro,os primeiros convidados teriam que ser ospais de Abby. Ela prometeu que eles não sedemorariam muito, apenas umas horas, e eleprometeu que seria o mais simpáticopossível.

Mitch lavara e encerara o BMW e o novoPeugeot de Abby. A relva fora aparada porum miúdo que vivia ao fundo da rua.

O pai e a mãe de Abby chegaram ao meio-dia, e Mitch abandonou com relutância oscanteiros. Sorriu, saudou-os e desculpou-sedizendo que tinha de ir lavar-se. Percebeuque eles se sentiam pouco à vontade, e eramesmo isso que ele queria. Tomou um ducheprolongado enquanto Abby lhes mostrava to-das as peças de mobiliário e todos os

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centímetros de papel de parede. Aquelascoisas impressionavam os Sutherlands. Elesimpressionavam-se com pouco. Davam im-portância às coisas que os outros tinham ounão tinham. Ele era gerente de um pequenobanco à beira da falência há dez anos. Ela era

"fina" demais para trabalhar e passara toda asua vida de adulta à procura de promoçãosocial numa cidade onde ela não existia. Emconjunto, tinham encorajado incessante-mente a filha desde o berço a alcançar o mel-hor e, mais importante ainda, a casar com omelhor. A filha rebelara-se e casara com umpobretanas sem família, excepto uma mãemaluca e um irmão misterioso que ninguémparecia conhecer.

- Que bela casa que vocês têm, Mitch - disseMr. Sutherland, esforçando-se por melhoraro ambiente, enquanto se sentavam à mesa doalmoço.

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- Obrigado. - Não disse mais nada, a não serobrigado. Concentrou-se na comida. Nãofaria um sorriso durante o almoço. Queriaque se sentissem embaraçados, culpados, er-rados. Eles é que tinham decidido boicotar ocasamento. Eles é que tinham atirado aspedras, e não ele.

- É tudo tão bonito - disse-lhe a mãe delaefusivamente. - Obrigado.

- Estamos tão orgulhosos, mãe - disse Abby.

- Com que então arranjaste emprego... - disseMrs. Sutherland a 1 Abby.

- Pois é. Vou dar aulas à terceira classe naSaint Andrew's School. - Nunca se ganhougrande coisa a ensinar - deixou escapar o pai.- Não estou preocupada com dinheiro, pai.Eu sou professora, para mim é a profissãomais importante do Mundo.

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- As crianças na terceira classe estão numaidade tão engraçada - disse a mãe.

- Não tarda nada vais querer ficar grávida.

Mitch já pensara que, se havia alguma coisaque atraísse regularmente aqueles dois aMemphis, seriam os netos. E decidira quepodia esperar ainda muito tempo. Nunca lid-ara de perto com crianças e não sentiaqualquer afinidade com elas.

- Queres ter filhos, não queres, Mitch? - per-guntou Mrs. Sutherland.

- Talvez daqui a uns anos.

Mr. Sutherland acendeu um cigarro.

- Como é que correu o exame da Ordem?

°Aquilo podia ser interessante, pensouMitch. - Foi cansativo. Abby mastigavanervosamente. - Achas que passaste?

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- Espero bem que sim. -Quando é que sabes?- Daqui a quatro ou seis semanas.

- Ele não faz mais nada a não ser estudar etrabalhar desde que nos mudámos para cá.Quase não o vi este Verão - disse Abby.

- O que é que acontece se não passares? -perguntou o pai dela. - Não sei. Ainda nãopensei nisso.

Abby pressentiu perigo e começou a falar daigreja que frequentavam. Ela cantava no coroe ensinava catequese aos miúdos de oitoanos ao domingo. Mitch acompanhava-aquando não ia trabalhar, mas trabalhavaquase todos os domingos. Seguiu-se umsilêncio desagradável.

- E se fôssemos comer a sobremesa no pátio?- sugeriu Abby. Levantou-se e levou o bolo demorango lá para fora.

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- Têm uma casa muito bonita - disse o paipela segunda vez enquanto examinava oquintal.

Mitch percebeu que a curiosidade dele estavaa tornar-se quase insuportável. Quanto teriacustado a casa? Iria continuar a sondar atéconseguir formular a pergunta de algumamaneira.

- Em que ano é que foi construída? - pergun-tou ele.

Mitch pegou num prato de sobremesa e pi-garreou. Pressentia que a pergunta nãotardava.

Tem cerca de cinquenta anos - respondeu.

- Fizeste uma hipoteca nova ou assumisteuma antiga? - perguntou o pai dela.

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- Fiz uma nova - disse Mitch. Abby estava emexpectativa, rezando. O pai dela não con-seguiu esperar mais. - Quanto é que pagastepor ela?

Mitch respirou fundo e ia dizer "Um ex-agero", mas Abby antecipou-se-lhe.

- Não pagámos muito, pai - disse ela firm-emente. - Sabemos muito bem gerir o nossodinheiro.

Mitch conseguiu sorrir enquanto mordia alíngua. Mrs Sutherland já estava em pé.

- Vamos dar um passeio até ao rio. Anda,Harold. - E puxou-o pelo braço.

- Boa ideia - disse Abby.

Entraram no BMW, resplandecente, e foramver o rio. Mitch conduziu em silêncio etentou ser simpático.

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NnvA entrou de rompante no gabinete.

- São cinco horas. Vou-me embora. OliverLambert está à sua espera na biblioteca doprimeiro andar.

- Oliver Lambert! À minha espera?

- Exacto. E disse que era um assunto muitoimportante. Mitch endireitou a gravata, des-ceu as escadas a correr e entrou na bibliotecacom um ar despreocupado. Lambert, Avery equase todos os sócios estavam sentados àvolta da mesa de reuniões. Os colaboradoresestavam de pé atrás das cadeiras dos sócios.O lugar à cabeceira da mesa encontrava-sevazio, à

espera. A sala estava em silêncio, a atmosferaera quase solene. Lamar Quin estava ali aopé e recusou-se a olhar para ele.

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- Sente-se, Mitch - disse Lambert num tomgrave. - Queríamos falar consigo. Ele sentou-se e procurou algum indício que o pusessemais à vontade. Não encontrou nenhum. Ossócios viraram as cadeiras na sua direcção.Os colaboradores rodearam-no e olharamfixamente para baixo.

- O que é que se passa? - perguntou Mitchhumildemente, olhando desamparado paraAvery. O seu coração batia desenfreada-mente. Lambert franziu o sobrolho, como sefosse penoso o que tinha para dizer.

- Acabámos de receber uma chamada deNashville, Mitch. O exame da Ordem dos Ad-vogados. O exame da Ordem. Fizera-sehistória. Um colaborador da grande firmaBendini tinha finalmente chumbado. Olhoufixamente para Avery cheio de vontade degritar: "A culpa é toda sua!" Lambert olhoudesconfiado para os outros sócios e voltou aolhar para McDeere.

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- Receávamos que isto acontecesse, Mitch.

Queria falar, explicar que merecia só maisuma hipótese, que haveria novamente umexame daí a seis meses e que ele tiraria amelhor nota, que não tornaria a embaraçá-los.

- Sim - disse humildemente, completamentederrotado. Lambert preparou-se para des-ferir o último golpe.

- De Nashville disseram-nos que tinha obtidoa nota mais alta do exame da Ordem dos Ad-vogados. Parabéns, Sr. Doutor.

A sala explodiu com risos e vivas. Rodearam-no e deram-lhe apertos de mão. Kendall Ma-han pousou três garrafas de champanhe namesa e começou a fazer saltar as rolhas.Mitch conseguiu finalmente respirar e sor-riu. Bebeu o champanhe de um trago eencheram-lhe novamente a taça. DEZ DIAS

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depois, Mitch encontrava-se sentado numamesa ao fundo de um restaurante, a trêsquarteirões do escritório, a comer um ca-chorro com chili. O

restaurante estava vazio. O dono, que eragrego, estava a dormir atrás da caixaregistadora.

Um desconhecido aproximou-se da sua mesae parou a alguns centímetros. Desembrulhouum Juicy Fruit, fazendo o máximo barulhopossível. Quando se tornou óbvio que nin-guém reparara nele, avançou para a mesa esentou-se. Mitch ergueu os olhos eperguntou:

- Deseja alguma coisa?

- Você é o McDeere, não é? - perguntou-lhe odesconhecido. Falava com uma acentuadapronúncia de Brooklyn. Mitch examinou-ocuidadosamente. Tinha cerca de quarenta

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anos, o cabelo muito curto dos lados e, àfrente, uma farripa de cabelo grisalho quelhe chegava quase às sobrancelhas. O fatoera de polyester azul-marinho, a gravata erauma imitação barata de seda, mas o homemnão deixava de ter bom aspecto, para alémde um ar petulante.

- Sou. E quem é o senhor? - perguntouMitch. O homem puxou de um distintivo.

- Wayne Tarrance, agente especial do FBI. -Arqueou as sobrancelhas e esperou areacção.

- Esteja à vontade - disse Mitch.

- Obrigado. Li no jornal que você passou noexame da Ordem dos Advogados e soube queera a nova aquisição da Bendini, Lambert &Locke.

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- Que interesse é que isso tem para o FBI? -Vigiamos essa firma muito atentamente.

Mitch perdeu o interesse pelo cachorro comchili e empurrou o prato para o centro damesa.

- E porquê?

- Nós temos as nossas razões, mas não foipara falar disso que aqui vim. Vim para oconhecer e para o avisar.

- Para me avisar?!

- Sim. Para o avisar em relação à firma.Mitch manteve uma expressão impassível. -Sou todo ouvidos.

- Três coisas. Em primeiro lugar, não confieem ninguém. Nunca se esqueça de que nãohá uma única pessoa naquela firma em quemse possa confiar. Vai ser importante mais

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tarde. Em segundo lugar, tudo aquilo que vo-cê disser, em casa, no seu gabinete ou emqualquer outro sítio do edifício, provavel-mente estará a ser gravado. Até no seu carropodem estar a ouvi-lo. Mitch ouvia atenta-mente e Tarrance apreciava isso.

- Em terceiro e último lugar, o dinheiro nãocai do céu. - Não se importa de explicar?!

- Agora não posso. Acho que nos vamos en-tender os dois muito bem. Quero que confieem mim, e sei que vou ter que ganhar a suaconfiança. Por isso, não quero avançar de-pressa demais. Não podemos encontrar-nosnem no seu escritório nem no meu, e não po-demos comunicar através do telefone. Porisso, de vez em quando, encontro-me con-sigo. Entretanto, não se esqueça das tais trêscoisas e seja prudente. Tarrance levantou-see tirou a carteira do bolso.

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- Aqui tem o meu cartão. O número deminha casa está na parte de trás. Se o quiserutilizar, deverá fazê-lo de um telefonepúblico. Mitch examinou o cartão.

- Porque havia eu de lhe telefonar?

- Durante uns tempos, não vai necessitar.Mas guarde o cartão. Mitch guardou-o nobolso da camisa.

- Outra coisa - disse Tarrance. - Vimo-lo nosfunerais de Hodge e de Kozinski. La-mentável, muito lamentável mesmo. As mor-tes deles não foram acidentais. - Olhou paraMitch e sorriu.

- Não compreendo.

- Telefone-me um dia destes, mas tenhacuidado. Eles estão à escuta concluiuTarrance, encaminhando-se para a porta. Às

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8 DA MANHÃ do dia seguinte, Mitch entrouno gabinete de Lamar Quin.

- Precisamos de falar - disse Mitch, fechandoa porta. A acreditar em Tarrance, o gabinetetinha microfones e a conversa seria gravada.Não sabia em quem acreditar.

- Parece grave - disse Lamar:

- Já ouviste falar num tipo do FBI chamadoWayne Tarrance? Lamar fechou os olhos.

- FBI - murmurou ele.

- Isso mesmo. Tinha distintivo e tudo. - Ondeé que o conheceste?

- Foi ter comigo ao Lansky. Sabia quem euera. Diz que sabe tudo sobre a firma. Que es-tão a vigiar-nos atentamente.

- Já contaste a Avery?

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- Não. Só a ti. Não sei bem o que fazer.Lamar pegou no telefone.

- Temos que contar a Avery.

- O que é que se passa, Lamar? - perguntouMitch.

Lamar falou com a secretária de Avery edisse que era urgente. Passados segundos,Avery atendia.

- Temos um pequeno problema, Avery. OMitch foi contactado por um agente do FBI.

Lamar escutou e depois disse a Mitch: - Elevai falar a Lambert.

- Pelos vistos, a coisa é grave - disse Mitch. -É, mas não te preocupes. Há

uma explicação.

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Lamar aproximou mais o auscultador daorelha e ouviu as instruções, a seguirdesligou.

- Querem-nos no gabinete de Lambert daquia dez minutos. Avery Tolar, Royce McKnight,Oliver Lambert e Nathan Locke esperavam-nos. Estavam todos de pé à volta da mesa dereuniões, muito nervosos e tentando apar-entar calma.

- Sentem-se - disse Nathan Locke. - Conte-nos tudo.

- Certo. Eu estava a almoçar no Lansky, naUnion, quando o tipo apareceu. Sabia o meunome, mostrou-me um distintivo e disse queera Wayne Tarrance, agente especial do FBI.Contou-me que estavam a vigiar esta firma eavisou-me de que não devo confiar emninguém. Perguntei-lhe porquê e ele re-spondeu que me explicaria mais tarde.Depois, disse-me que as mortes de Kozinski

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e Hodge não tinham sido acidentais e foi-seembora. A conversa durou menos de cincominutos.

O Olhos Negros olhava fixamente paraMitch, absorvendo todas as palavras.

-Já alguma vez tinha visto esse homem? -Nunca.

- A quem mais é que contou isto?

- Só a Lamar. Contei-lhe logo hoje de manhã.- Não contou à sua mulher?

- Não.

- Ele deu-lhe algum número de telefone parao contactar? - Não.

- Conte-me a conversa tintim por tintim - or-denou Locke.

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- Deixe-me pensar. - Havia algumas coisasque queria manter em segredo. Sabia queLocke suspeitava de mais alguma coisa. - Eledisse que tinha visto o meu nome no jornal esabia que eu era novato aqui. Mais nada. Foiuma conversa muito breve.

Os sócios pareciam ligeiramente menostensos. Locke encaminhou-se para a janela.

- Mitch, há já alguns anos que temos prob-lemas com o FBI e também com o IRS. Al-guns dos nossos clientes são gente muito ricaque ganha milhões e quer pagar poucos ounenhuns impostos. Pagam-nos milhares dedólares para fugirem legalmente aos impos-tos. Temos a reputação de sermos muitoagressivos. Alguns dos subterfúgios e can-celamentos nos livros de contas são postosem causa pelo IRS. Nem todos os nossos cli-entes se regem pelos mais elevados padrõesde ética e têm sido investigados e perseguid-os pelo FBI. E

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nós também temos sido perseguidos nos últi-mos três anos. Tarrance esteve aqui hámenos de um ano e anda à procura de caçagrossa. Não pode voltar a falar com ele. Avossa conversa provavelmente foi gravada.Ele é extremamente perigoso. O jogo delenão é limpo, e você não tardará a aprenderque, na maior parte, os agentes do FBI jogamsujo.

- Quantos desses clientes é que foram con-denados? - Nem um sequer.

- E relativamente a Kozinski e Hodge?

-Boa pergunta-respondeu Lambert. -Nãosabemos o que aconteceu. Ao princípio,parecia um acidente, mas agora já não temosa certeza. Estava um nativo da ilha a bordocom Marty e Joe. As autoridades locais sus-peitam agora de que ele era um elo import-ante numa rede de tráfico de droga e quetalvez a explosão se destinasse a ele.

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- Não conte nada disto a ninguém-instruiuLocke. - Se Tarrance voltar a contactá-lo,informe-nos imediatamente.

- Com certeza.

- Não contes sequer à tua mulher - disseAvery. Mitch acenou com a cabeça. A cordi-alidade de avô voltou ao rosto de Lambert.Sorriu e fez girar os óculos que utilizava paraler.

- Mitch, sabemos que isto é assustador, masjá nos acostumámos. Deixe-nos tratar do as-sunto e confie em nós. Nós não temos medode Mr. Tarrance, nem do FBI, nem do IRS,porque não fizemos nada de errado. AnthonyBendini criou esta firma à custa de muitotrabalho, talento e respeito pela ética profis-sional. Não queremos que se preocupe maiscom isto. Mantenha-se afastado desse tipo.Se o encorajar, ele fica mais ousado e torna-

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se maçador. Locke esticou um dedo em dir-ecção a Mitch.

- Qualquer outro contacto com Tarranceporá em perigo o seu lugar nesta firma.

- Compreendo - disse Mitch.

- É tudo por agora, Mitch - disse Lambert. -Seja prudente. Mitch e Lamar transpuserama porta e dirigiram-se às escadas maispróximas.

- Telefona ao DeVasher - disse Locke aLambert.

Minutos depois, já os dois sócios se encon-travam sentados em frente à

secretária atulhada de DeVasher.

- Ouviste? - perguntou Locke.

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- É claro que ouvi, Nat. Trataste muito bemdo assunto. Acho que o rapaz ficou assustadoe vai fugir do Tarrance.

- E Lazarov?

- Vou ter que lhe contar. O patrão é ele. Nãopodemos fingir que não aconteceu nada.

- O que é que eles farão?

- Nada de grave. Vamos vigiar o rapaz e es-cutar todas as suas chamadas. Não vai ser elea dar o primeiro passo, a iniciativa partirá doTarrance. Um dia irá

novamente ter com ele e dessa próxima veznós estaremos lá. Acho que a coisa não é tãomá como parece.

- Porque é que teriam escolhido McDeere? -perguntou Locke. - Nova estratégia, pensoeu. Kozinski e Hodge foram ter com eles,

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certo? Talvez lhes tenham dito mais do queimaginámos. Não sei. Talvez achem queMcDeere é

o mais vulnerável, porque acabou de sair dauniversidade e está cheio do idealismo dosnovatos. E de ética, como aqui o nosso amigoOllie. Bom, agora sugiro que mantenham oMcDeere tão ocupado que nem sequer tenhatempo para pensar no Tarrance. Digam aoLamar Quin para se tornar amigo íntimo deMcDeere, pois pode ser que ele desabafe selhe passar alguma ideia pela cabeça.

Locke olhou para Ollie.

- Boa ideia. Vamos ter uma longa conversacom Quin. É ele quem está mais próximo deMcDeere e talvez possa aproximar-se aindamais.

- Sim, acho que tens razão. Tens falado coma mãe? - Já há algum tempo que não falo.

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- Ela ainda mora na Florida? - Acho que sim.

Calaram-se e pensaram na mãe. Eram, nasua maioria, recordações tristes. Tinhahavido uma época mais feliz quando erampequenos e o pai ainda era vivo. Ela nunca serecompusera depois da morte do marido.

- Vamos falar de outra coisa - disse Ray.Mitch acenou em concordância.

- Disseste numa carta que um dos teus ex-companheiros de cela é detective particularem Memphis.

- Eddie Lomax. Foi chui em Memphis dur-ante nove anos, até ter sido preso porviolação.

- Violação?

- Sim. Passou um mau bocado aqui. Toda agente odeia os chuis. Quase o mataram, até

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que eu intervim. Já saiu há três anos.Dedica-se principalmente a investigaçõesrelacionadas com divórcios. Para que é queprecisas dele?

- A mulher de um amigo meu anda a saircom outro. O tipo é bom? - Muito bom, se-gundo ele próprio diz. Tem feito algum din-heiro. - Posso confiar nele?

- Estás a gozar ou quê? Diz-lhe que és meuirmão e ele é capaz de matar por tua causa.Ele vai ajudar-me a sair daqui, só que aindanão sabe. Podes falarlhe nisso. Ambos sorri-ram, depois calaram-se. Esperaram que oguarda dissesse que o tempo terminara.Mitch olhou para a cicatriz na testa de Ray epensou nos inúmeros bares e nas inúmerasbrigas que tinham levado ao inevitável hom-icídio. Legítima defesa, chamara-lhe Ray.Durante anos, Mitch sentira vontade deamaldiçoar o irmão por ser tão burro. Agora,

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sentia vontade de abraçá-lo, levá-lo para casae ajudá-lo a arranjar um emprego.

- Tenho que me ir embora - disse Mitch.

- Faz-me um favor. Procura a mãe, só para seter a certeza de que ainda está

viva. Agora que já acabaste a faculdade, seriasimpático ires visitá-la.

- Já pensei nisso.

- Então volta a pensar, está bem? - Está bem.Até à vista, Ray. DEVASHER puxou uma fu-maça do seu charuto e expeliu uma grandebaforada.

- Descobrimos Ray McDeere - anunciou ele,orgulhoso.

- Onde? - perguntou Lambert.

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- Na Prisão Estadual de Brushy Mountain.Foi condenado por homicídio de segundograu em Nashville há oito anos e apanhoupelo menos quinze. Tem trinta e um anos.Não tem família. Esteve três anos noExército.

- Como é que o descobriste?

- Recebeu uma visita ontem: a do seu irmãomais novo. - Com que então quinze anos?Quem é que ele matou?

- O costume. Uma luta entre bêbados numbar por causa de uma mulher. Mas nãoutilizou arma. Deu dois murros na vítima erachou-lhe' o crânio. Parece ter uma person-alidade sórdida.

- Não interessa. O que é que descobristemais?

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- Nada de relevante. Temos o rapazinho sobescuta dia e noite e não falou no Tarrance aninguém.

Lambert acenou em sinal de aprovação.Tinha orgulho em McDeere. - E a vida sexualcomo é que vai?

- Nós limitamo-nos a ouvir, Ollie. Mas achoque já há duas semanas que não há nada. Épreciso não esquecer que ele passa cá dezas-seis horas por dia. Ela telefona muito à mãe,chamadas a cobrar no destinatário para elenão ficar a saber. Ela disse à mãe que eleainda se matava a trabalhar. Lambert olhavapara a parede, mas não disse nada.

- Ouve, Ollie, acho que devíamos mandar orapaz com Avery à Grande Cayman em ser-viço. Vê lá se consegues arranjar isso.

- É fácil, mas posso saber porquê? - Agoranão. Mais tarde saberás. O EDIFíCio situava-

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se na zona de casas de renda barata nocentro de Memphis. Uma tabuleta pen-durada numa porta atraía a atenção para oprimeiro andar, onde Eddie Lomax, detect-ive particular, tinha um escritório. Mitchfizera uma marcação para as 5 e chegou unsminutos adiantado. Uma loura platinadacheia de curvas, com uma saia de cabedalmuito justa e botas pretas a condizer,perguntou-lhe o nome e indicou-lhe uma ca-deira junto à

janela. Eddie não se demorava nada. A lour-aça retomou o seu lugar em frente à máquinade escrever. Mitch olhou lá para fora.

Passados dois minutos, deixou de se ouvir amáquina de escrever. - O senhor é advogado?

Mitch desviou os olhos da janela e olhoupara a secretária. Ela estava sentada naborda da mesa, com as pernas cruzadas e asaia preta de cabedal bem acima dos joelhos.

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- Sou.

- Bem me parecia. Vi logo pelo fato, pelacamisa janota de colégio particular combotões no colarinho e pela gravata de sedacom cornucópias. Mitch examinou as pernas,a saia, a camisola justa e tentou pensar emqualquer coisa para dizer. Ela parecia apre-ciar aquele exame minucioso. Quando se far-tou, apontou a porta de Eddie e disse: - Podeentrar. O Eddie está à sua espera.

Lá dentro, o detective indicou-lhe uma ca-deira de madeira, e Mitch sentou-se. Eddietinha umas botas azuis bicudas de pele delagarto, umas Levi's, uma camisa cor depêssego cheia de goma, aberta até aos pêlospretos do peito, expondo dois grossoscordões de ouro.

- Com que então é o Mitchell McDeere - disseele. - É um prazer conhecê-lo. Apertaram as

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mãos por cima da secretária. - O prazer é to-do meu - disse Mitch.

- Você é muito parecido com o seu irmão. Elejá me tinha dito, falou-me muito de si. Achoque também lhe deve ter falado de mim.Devo-lhe a vida. Quase me mataram naprisão quando descobriram que eu era chui.

- Ele é a única família que me resta.

- Pois é, eu sei. O Ray falava de si durantehoras a fio. Quando eu saí em liberdade con-dicional, você estava a pensar em ingressarna faculdade de direito.

- Acabei o curso em Junho e estou a trabal-har na Bendini, Lambert & Locke. É umafirma de advogados, especializada em direitofiscal, na Front Street.

- Nunca ouvi falar. Faço muitos trabalhinhosrelacionados com divórcios para advogados.

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Vigilância, fotografias. - Falava depressa,utilizando palavras pequenas e frases curtas.

- Trabalha à hora? - perguntou Mitch.

-Trinta dólares mais despesas. Ontem ànoite, passei seis horas enfiado no carro àporta de um hotel à espera que o marido daminha cliente saísse do quarto com a namor-ada para tirar fotografias.

A secretária loura espreitou para dentro dogabinete, disse que se ia embora e bateu coma porta.

- Tammy é uma tipa porreira - disse Eddie. -Então, qual é o seu problema?

Alguma coisa relacionada com a sua mulher?

- Não. Não é nada disso. Preciso de umas in-formações sobre quatro pessoas. Três jámorreram.

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- Parece interessante. Sou todo ouvidos.

- Parto do princípio de que é tudo confiden-cial. - Claro que é. Quem são essas pessoas?

- As três que morreram exerciam advocaciana nossa firma. Robert Lamm morreu em1980 num acidente de caça nas montanhasdo Arkansas. Encontraram-no com uma balana cabeça. Alice Knauss morreu em 1976num acidente de automóvel aqui em Mem-phis. Ao que parece, um condutor em-briagado chocou contra ela. John Mickelsuicidou-se em 1984. O seu corpo foi encon-trado no gabinete juntamente com a arma euma carta.

- Não sabe mais nada? - Não.

- O que é que procura?

- Quero obter o maior número de inform-ações possível sobre a forma como estas

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pessoas morreram. Quais as circunstânciasque rodearam cada uma das mortes? Quem éque fez as investigações? Todas as questõespor responder ou suspeitas existentes.

- De que é que suspeita?

- Por enquanto, de nada. Apenas tenho curi-osidade. - Não se trata só de curiosidade.

- Está bem. Não é só curiosidade. Mas, poragora, é melhor não adiantar mais nada.

- Certo. Quem é o quarto?

- Um agente do FBI aqui de Memphis cha-mado Wayne Tarrance. - FBI!

Cobro quarenta à hora para chuis.

- Não faz mal.

- O que é que quer saber?

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- Investigue-o. Há quanto tempo é que cá es-tá? Há quanto tempo é que é

agente? Qual é a reputação que tem?.

- Não é difícil.

- Quanto tempo é que isto demorará?

- Cerca de um mês. Ouça lá, qual é o nomeda sua firma? Aqueles dois tipos que mor-reram no Verão passado ...

- Trabalhavam lá. - Algumas suspeitas? -Não.

- Era só para saber.

- Olhe, Eddie, não me fale nem para casanem para o escritório. Eu telefonolhe maisou menos daqui a um mês. Suspeito que es-tou a ser vigiado.

- Por quem?

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- Quem me dera saber.

- AVERY sorriu ao olhar para a folha im-pressa pelo computador.

-No mês de Outubro, facturaste uma médiade sessenta e uma horas por semana. Seráverdade? Quantas horas por semana é quetens trabalhado?

-Entre oitenta e cinco e noventa.

-A tua mulher não fica irritada por chegarestarde?

- Mitch fitou Avery e recordou durante se-gundos a discussão da noite anterior, quandochegara a casa à meia-noite.

-Não precisa de se preocupar com o que sepassa em minha casa - disse ele. Desde queeu aqui continue a produzir, acho que devemficar contentes.

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-Muito bem. Agora que isto está resolvido, tue eu partimos para a Grande Cayman deamanhã a oito dias. Tenho uma reunião comalguns banqueiros da Cayman por causa deSonny Capps e de outros três clientes. Trata-se de uma viagem de negócios, masconsegue-se sempre fazer um pouco de mer-gulho. Eu disse a Royce McKnight que pre-cisava de ti e ele aprovou a viagem. Queresir?

-Claro que quero. Quanto tempo é que lá va-mos estar?

-Uns dias. Vamos para um dos apartamentosda firma. Estou a tentar arranjar o avião daempresa, mas, se calhar, vamos ter de ir numavião comercial.

-Por mim, não há problema.

- Só Dois dos passageiros a bordo do 727 daCayman Airways em Miami estavam de

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gravata, e, depois do primeiro ponche derum oferecido pela companhia, Avery tirou adele. O ponche foi servido por lindas hos-pedeiras das Caymans, morenas de olhosazuis e sorrisos graciosos. As mulheres eramfantásticas nas ilhas, disse Avery mais deuma vez.

- Mitch ia no lugar da janela e tentava escon-der o entusiasmo que sentia pela suaprimeira viagem ao estrangeiro. Tinha en-contrado um livro sobre as ilhas Caymans nabiblioteca. Eram território dependente daGrã-Bretanha, com um governo invulgar-mente estável. As ilhas eram três - a GrandeCayman, a Pequena Cayman e a CaymanBrac. As duas mais pequenas eram escas-samente povoadas e raramente visitadas. AGrande Cayman tinha cerca de dezoito milhabitantes, doze mil empresas registadas etrezentos bancos. Vinte por cento da popu-lação era branca, vinte por cento negra e os

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outros sessenta por cento não sabiam nem seralavam com isso.

- A Grande Cayman tinha cerca de trinta esete quilómetros de comprimento e dozequilómetros de largúra nalguns sítios, masvista do ar parecia muito mais pequena. Eraum pequeno rochedo rodeado de água límp-ida cor de safira. A aterragem quase que tevelugar numa lagoa, mas no último segundouma pequena faixa de asfalto surgiu no hori-zonte e apanhou o avião. Desembarcaram epassaram rapidamente pela alfândega.

-Seven Mile Beach! - ordenou Avery ao rapaznegro, que atirou as malas deles para oporta-bagagem de um Ford LTD de 1972.

-Está bem, amigo - disse o condutor ar-rastando as palavras, e acelerou o táxi.

- O ar tropical quente e húmido aflorou orosto de Mitch. Era uma sensação agradável.

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- A ilha era plana, e a estrada para GeorgeTown, a capital, estava repleta de pequenos epoeirentos carros europeus, motocicletas ebicicletas. As casas eram térreas, pequenas,tinham telhados de chapa metálica e estavampintadas de cores garridas. À medida que seaproximavam da cidade, as casas iamaumentando de tamanho. A seguir a umacurva em cotovelo, ficaram subitamente nocentro da cidade, atulhado de modernos edi-fícios de bancos.

- Avery assumiu o papel de guia turístico.

-Há bancos de toda a parte do Mundo: Ale-manha, França, Grã-Bretanha, Canadá,Espanha, Japão, Dinamarca, Arábia Sauditae Israel. Eram mais de trezentos da últimavez que os contei. Isto é um paraíso fiscal. Osbanqueiros aqui são extremamente discretos.Os suíços ao pé deles parecem unsfalabaratos.

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- O táxi abrandou devido ao trânsito intensoe a brisa cessou. - Estou a ver muitos bancoscanadianos - comentou Mitch.

-Aquele ali é o Royal Bank de Montreal.Vamos lá passar amanhã de manhã. Namaior parte, os nossos negócios serão combancos canadianos.

-Alguma razão especial?

-São muito seguros e muito discretos.

- A rua cheia de trânsito descrevia uma curvae desembocava noutra. Do outro lado docruzamento, o azul-brilhante do mar dasCaraíbas prolongava-se até

ao horizonte. Estava um barco de cruzeiroancorado na baía.

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-Seven Mile Beach é uma das praias maisbonitas e mais famosas do Mundo disseAvery. - Não é?

-É, amigo.

-Vai haver um bufete cá fora hoje à noite noPalms? - Sim, amigo. Às seis horas.

-É mesmo ao lado do nosso apartamento. OPalms é um hotel muito popular cuja anim-ação é a mais intensa aqui da praia.

Os apartamentos da firma situavam-se nocentro de Seven Mile Beach. Como seria deesperar, eram espaçosos e encontravam-sericamente decorados. Eram um refúgio paraos exaustos advogados da Bendini, Lambert& Locke. E para alguns, muito raros, clientes.

Da varanda do seu quarto, situado no se-gundo andar, Mitch olhou para os pequenos

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barcos flutuando ao sabor da maré naquelaságuas reluzentes. O

ritmo cadenciado da música das Caraíbaschegava até ele vindo do Palms. Avery foi tercom ele, com uns calções às flores cor de lar-anja e amarelas fosforescentes. Era magro erijo, sem sinais de flacidez. Mitch ficouimpressionado.

- Já cá vim uma dúzia de vezes e ainda ficoempolgado - confessou Avery. Já pensei emvir viver para cá quando me reformar. Jogardominó e beber cerveja Red Stripe da Ja-maica. Já alguma vez provaste uma RedStripe?

- Que me lembre, não.

- Então, vamos lá beber uma.

O bar ao ar livre do Palms chamava-se Rum-heads. Estava a abarrotar de turistas e de

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alguns nativos sentados em torno de umamesa de madeira a jogar dominó. Averyembrenhou-se na multidão e voltou comduas garrafas. Encontraram um lugar juntoao jogo de dominó. Avery ficou a olhar dur-ante uns minutos e depois disse:

- Acho que é isto que vou fazer quando mereformar. Venho para cá viver à

custa do dominó. E quando me cansar dodominó, sabe-se lá o que farei. Volto já. -Levantou-se e dirigiu-se a uma mesa no pá-tio onde uma rapariga com um biquini re-duzido acabara de se sentar. Apresentou-se,e ela convidouo a sentar-se. Mitch pediuoutra Red Stripe e sentou-se a uma mesanum canto escuro do pátio. A praia à suafrente estava deserta. As luzes de uma dúziade barcos deslocavam-se lentamente naságuas. "É agradável", pensou, "mas seriaainda mais agradável com Abby." Talvez pas-sassem ali as férias no Verão seguinte.

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Precisavam de passar tempo juntos, longe decasa e do escritório. Criara-se uma distânciaentre eles - distância essa que ele não sabiadefinir e que o assustava.

- Para onde é que está a olhar? - A voz a seulado sobressaltou-o. Era uma rapariga nativade pele escura e olhos cor de avelã. Uns olhoslindos, quentes e desinibidos. O cabeloescuro e encaracolado estava penteado paratrás e chegava-lhe quase à cintura. Estavacom a parte de cima de um biquini branco euma saia comprida e de cores garridas, comuma racha até á cintura. Não tinha sapatos.

- Para lado nenhum - respondeu Mitch.

Ela era jovem e tinha um sorriso infantil querevelava uns dentes perfeitos.

- De onde é? - perguntou ela no inglês suave,brando, exacto e confiante das Caraíbas.

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- Estados Unidos, de Memphis. Vives aqui?

- Vivo. Vivi sempre aqui. A minha mãe nas-ceu cá. O meu pai é de Inglaterra. Já cá nãoestá, voltou para o sítio de onde veio.

- Queres tomar alguma coisa? - perguntouele. - Quero. Rum com soda. Ele ficou de péao balcão à espera da bebida. Tinha umasensação nervosa e palpitante no estômago.Podia deslizar na escuridão, desaparecer porentre a multidão e enfiar-se na segurança doapartamento. Podia trancar a porta e ler umlivro. Um bocado maçador. Além disso,Avery muito provavelmente já lá

estava com a pequena com quem meteraconversa. A rapariga era inofensiva, dizia-lhea Red Stripe. Bebiam uns copos e depoisdespediam-se.

- Que idade tens? - perguntou ele. - Vinte, echamo-me Eilene.

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- Eu sou Mitch. - O seu estômago dava voltase ele sentia-se leviano. Beberricou a cervejaapressadamente. Olhou para o relógio. Elaobservava-o com um sorriso sedutor.

- És muito bonito. Pareces um atleta. Ésmuito musculado. As coisas estavam a irmuito depressa. "Mantém a calma", disse elepara consigo, "mantém a calma." Admirou ocorpo dela e tentou lembrar-se de um elogioque não fosse sugestivo. Era melhoresquecer.

- Onde é que trabalhas? - perguntou ele,tentando abordar áreas menos sensuais.

- Sou empregada numa joalharia na cidade.Onde é que estás hospedado?

- Num apartamento aqui ao lado. - Acenouna direcção do apartamento. Ele percebeuque ela queria ver o apartamento.

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- Gostas da praia? - perguntou ela. - É linda.

- É mais bonita vista ao luar. - O tal sorrisonovamente. - Vamos dar um passeio.

- Não sei ... devia ir-me embora. Tenho quetrabalhar. Ela riu-se e agarrou-lhe na mão, eele seguiu-a até à praia. Caminharam emsilêncio até deixarem de ver o Palms e pas-sarem a ouvir a música só em surdina. A Luaestava mais brilhante, e a praia encontrava-se deserta. Ela desapertou qualquer coisa etirou a saia, ficando apenas com o biquinimuito reduzido. Enrolou a saia e colocou-a àvolta do pescoço dele. Algo lhe dizia que fu-gisse. "Atira a saia para a areia. Foge! Foge!"E algo lhe dizia que se descontraísse. Trata-se apenas de uma brincadeira inofensiva. Seacontecer alguma coisa, diverte-te. Nuncaninguém saberá. Já acontecera uma vezquando andava na faculdade, antes de se cas-ar, mas depois de estar noivo. Deitara as cul-pas ao excesso de cerveja e sobrevivera. O

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tempo encarregavase de apagar tudo. A Abbynunca viria a saber.

"Foge! Foge! Foge!"

Ela chapinhou com os pés na água. - Vamosnadar um bocado.

- Bom, hum, não me está a apetecer. - Andalá, Mitch. Eu adoro a água. - Vai tu. Eu ficoaqui a ver.

Ela avançou, dando a impressão de o estar afazer em câmara lenta, até ficar com águapelos joelhos, depois voltou-se para a praia.

- Anda lá, Mitch. A água está maravilhosa.

Lançou-lhe um sorriso radioso. Ele sabia queseria a sua última oportunidade de fugir,mas sentia-se tonto e fraco. Fugir requeriaforças que sabia não conseguir reunir. Quer-ia que ela se fosse embora. Talvez a maré se

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materializasse repentinamente e a levassepara o alto mar.

- Anda lá, Mitch.

Ele tirou a camisa e avançou com dificuldadeágua adentro. Quando chegou junto dela, elapôs-lhe os braços em volta do pescoço ebeijaram-se. Beijaramse novamente. Elaparou abruptamente e, sem proferir palavra,começou a caminhar em direcção à praia. Eledeu um mergulho e susteve a respiração dur-ante uma eternidade. Quando voltou à tona,ela estava deitada de costas na areia, apoiadanos cotovelos. Ele examinou a praia e, claro,não viu ninguém. Não se avistava nenhumbarco, ninguém a nadar, nada.

- Não posso fazer isto - murmurou ele dedentes cerrados. - Mas eu quero-te. Anda lá,Mitch. Nunca ninguém vai saber. Nunca nin-guém vai saber. Nunca ninguém vai saber.

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Avançou lenta mente na direcção da ra-pariga. Nunca ninguém vai saber.

O siLÊNcio era total no banco de trás do táxique levou os advogados ao centro de GeorgeTown. Estavam atrasados. Não tinhamacordado a tempo e não haviam podido to-mar o pequeno-almoço. Nenhum deles sesentia bem. Avery parecia muito perturbado.Tinha os olhos vermelhos e não fizera abarba.

No Royal Bank de Montreal, Randolph Os-good, o banqueiro, um típico britânico en-fadonho, cumprimentou Avery como umamigo de longa data e apresentou-se a Mitch.Foram conduzidos a um amplo gabinete nosegundo andar onde eram aguardados pordois funcionários.

- Do que é que precisa exactamente, Avery? -perguntou Osgood.

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- Comecemos por beber um café. Depois,preciso dos extractos dos últimos seis mesesde todas as contas de Sonny Capps, AI Cos-cia, Dolph Hemmba, Ratzlaff Partners e doGreene Group.

Osgood estalou os dedos. Um dos funcionári-os saiu para ir buscar o café. O

outro tomou notas.

- Claro, Avery. Arranjamos-lhe os extractos.E que mais?

- Preciso de formar três sociedades. Duaspara Sonny Capps e uma para o GreeneGroup. Vamos utilizar o processo normal. Obanco servirá de agente registado, etc.

O funcionário voltou com o café.

- Vamos tratar dos documentos necessários -disse Osgood. - De que é que precisa mais?

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- F tudo por agora.

- Muito bem. Teremos os extractos em breve.Almoça comigo? - Desculpe, Randolph. Eu eo Mitch já temos outro compromisso. Talvezamanhã.

- Talvez - respondeu Osgood. Ele e os fun-cionários abandonaram a sala. Avery fechoua porta, tirou o casaco e pegou numachávena de café. - Ouve, Mitch, desculpa euter desaparecido ontem à noite. A sério.Embebedei-me e deixei de pensar. Mas o quefazemos fora de Memphis fica fora de Mem-phis. Percebeste?

- Ora, Avery. Sabe muito bem que eu nuncairia contar nada. - Eu sei. Eu sei. Osgood eum grupo de funcionários entraram na salacom folhas de computador e pilhas dedocumentos.

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- Isto deve mantê-los ocupados durante umdia ou coisa parecida - disse Osgood. Estalouos dedos e os funcionários desapareceram. -Estou no meu gabinete, se precisarem de al-guma coisa.

- Está bem, obrigado - disse Avery enquantose debruçava sobre a primeira pilha dedocumentos.

Mitch tirou o casaco e aliviou o nó dagravata.

- O que é que nós viemos cá fazer exacta-mente? - perguntou ele. - Duas coisas. Emprimeiro lugar, vamos analisar os movimen-tos destas contas, com especial incidêncianos juros obtidos. Vamos fazer um relatóriopor alto de cada uma das contas. Segundo,temos de formar três companhias sob a juris-dição das Caymans. É uma tarefa razoavel-mente fácil. Mitch folheou as cópias do com-putador. - Quem é este Hemmba?

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- Um grande fazendeiro do Arkansas, um dosmaiores proprietários daquele estado.

-Doze milhões de dólares? É muito algodão erebentos de soja. - Digamos que faz outrosinvestimentos.

-Legais ou ilegais?

-Digamos simplesmente que está a esconderdo IRS vinte milhões e respectivos juros emvários bancos das Caraíbas.

-E nós estamos a ajudá-lo?

- Avery começou a examinar os movimentos.Mitch ficou à espera da resposta, mas osilêncio adensou-se, e tornou-se óbvio quenão a obteria. Arregaçou as mangas e lançou-se ao trabalho.

- AO MEIO-DIA, Mitch ficou a saber qual erao compromisso de Avery. A mulher da noite

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anterior estava à espera dele no apartamentopara um pequeno rendez-vous. Avery sug-eriu que se separassem durante umas horas eindicou um café no centro da cidade ondeMitch poderia ir passar o tempo.

- Em vez do café, Mitch foi à procura da bib-lioteca de George Town, a quatro quarteirõesdo banco. Na biblioteca encontrou umaprateleira cheia de antigos exemplares doDaily Caymanian. Examinou-os e tirou o de26 de Junho. Colocou-o numa pequena mesajunto a uma janela que dava para a rua. Ol-hou de relance lá para fora, mas depoisvoltou a olhar com mais atenção. Estava umChevette amarelo já velho estacionado dooutro lado da rua em frente à

biblioteca. Vira o mesmo carro estacionadoem frente da loja ao lado do banco.

- Mitch leu cuidadosamente o artigo do jor-nal sobre os dois advogados americanos e o

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seu guia de mergulho, que tinham morridonum acidente misterioso no dia anterior.Fixou alguns detalhes, voltou a colocar o jor-nal no sítio e saiu da biblioteca.

- O Chevette continuava a vigiar. Ele passouà frente do carro e prosseguiu na direcção dobanco. As ruas eram estreitas e estavam aabarrotar de turistas. Entrou rapidamentenum beco, atravessou a correr as sombrasescuras até à

rua seguinte e mandou parar um táxi.

- -Escola de Mergulho Abanks, BoddenTown-disse ao motorista. - Certo, amigo - re-spondeu o homem.

- Mitch foi sentado encolhido enquanto otáxi avançava pela zona comercial, dirigindo-se para leste, para fora da cidade.

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- Segundo o jornal, o guia de mergulho mor-rera no acidente com o barco. Chamava-sePhilip Abanks, era filho de Barry Abanks, odono da escola de mergulho. Tinha dezanoveanos. Tinham-se afogado os três com a ex-plosão repentina do barco. Os corpos haviamsido encontrados, com o equipemento com-pleto de mergulho, a duas milhas da costa,em águas com vinte e cinco metros de pro-fundidade. O artigo dizia que ainda haviamuitos pontos por esclarecer.

- Bodden Town era uma aldeola a vinteminutos de George Town. A escola de mer-gulho ficava a sul, numa área isolada dapraia. O edifício principal era uma casa dedois andares com telhado de chapa. De cadaum dos lados, havia uma dúzia de choupanasde telhado de colmo onde os mergulhadoresdormiam. Um labirinto de passadeiras demadeira ligava as choupanas a um bar ao arlivre junto à água.

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- Mitch dirigiu-se ao bar, de onde vinha obarulho de reggae e de risos. - Onde estáBarry Abanks? - perguntou ao empregado debalcão. O homem fez um sinal com a cabeçaem direcção ao mar. A uns oito centos met-ros da praia, um barco avançava lentamenteem direcção à escola. Mitch bebeu umacerveja e aguardou.

- Quando o barco atracou, um homem baixoe magro vociferou ordens aos empregados docais. Tinha um boné de basebol branco epouco mais. A julgar pela pele castanha ecurtida, pouco mais que isso usara nos últi-mos cinquenta anos. Dirigiu-se ao bar, foiaté ao frigorífico e tirou uma cerveja.

- O empregado de balcão disse-lhe qualquercoisa e acenou na direcção de Mitch. Abanksabriu a cerveja, deu um grande gole e foi atéà mesa de Mitch. Não sorriu.

-Anda à minha procura? - Mr. Abanks?

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-Sim. O que é que quer?

-Gostava de falar uns minutos consigo.Abanks engoliu a cerveja e olhou para o mar.

-Estou muito ocupado. Tenho um barco demergulho a partir daqui a quarenta minutos.

-Chamo-me Mitch McDeere. Sou advogadoem Memphis. Abanks olhou-o fixamentecom os seus minúsculos olhos castanhos. - Edaí?

-Os dois homens que morreram com o seufilho eram meus amigos. Abanks sentou-senum banco.

-Esse assunto não é dos meus preferidos. -Eu sei. Desculpe.

-O que é que quer saber? - perguntou ele emvoz baixa. - Não podemos falar noutro sítioqualquer?

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-Claro. Vamos dar um passeio. - Deu umgrito ao empregado e falou com uns mergul-hadores sentados a uma mesa. Depois, foramdar um passeio pela praia.

-Gostava de lhe fazer algumas perguntassobre o acidente - disse Mitch.

-Pode fazê-las, mas eu também posso não re-sponder. - O que é que provocou a explosão?

- Não sei. Talvez um compressor de ar.Talvez o combustível. A maior parte das pis-tas desapareceu com as chamas.

- Onde é que os corpos foram encontrados?

- A vinte e cinco metros de profundidade.Não havia nada de suspeito nos corpos, a nãoser não apresentarem queimaduras nemquaisquer outros ferimentos que indicassemque tinham sido vítimas da explosão.

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- As autópsias revelaram que se tinhamafogado.

- Sim, afogaram-se. Mas os seus amigos es-tavam com o equipemento completo de mer-gulho, que foi mais tarde examinado por umdos meus instrutores. Estava tudo em per-feitas condições e eles eram bonsmergulhadores.

- E o seu filho?

- Não estava com o equipemento completo,mas nadava como um peixe.

- Onde é que se deu a explosão?

- O barco foi encontrado em chamas a duasmilhas da costa, muito afastado de todos osnossos locais de mergulho.

- O barco pode ter andado à deriva?

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- Impossível. Nunca teria derivado duas mil-has naquelas águas. E os corpos não estavamno barco, não se esqueça. Suponhamos que obarco derivou ... Como é que se explica queos corpos, a vinte e cinco metros de pro-fundidade, tivessem derivado do mesmomodo? Foram encontrados muito perto dobarco.

- Eu sei que é difícil falar disto.

Abanks acabou a cerveja e atirou a garrafapara uma caixa de madeira.

- Pois é. Porque é que está tão interessado noassunto? - As famílias estão cheias dedúvidas.

- Lamento o que lhes aconteceu. Eram boaspessoas.

- É possível que estivessem apenas a explorarnovo território quando ocorreu o acidente?

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- É possível, mas não é provável. O meu filhoera o melhor capitão desta ilha. Nunca deix-aria de comunicar as suas manobras no mar.

- Terá sido um acidente? - Acho que não.

Deram a volta e regressaram na direcção daescola. A conversa tinha terminado.

- Vou pedir-lhe um favor - disse Abanks. -Não conte nada disto às famílias. Eu nãoposso provar o que sei ser a verdade, por issoé melhor que ninguém saiba. Principalmenteas famílias.

- Não vou contar a ninguém. E vou pedir-lheque nunca mencione esta nossa conversa. Al-guém pode ter-me seguido até aqui e podevir fazer-lhe perguntas sobre a minha visita.Diga que estivemos simplesmente a falar demergulho.

- Como queira.

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- A minha mulher e eu vimos cá passar fériasna Primavera. Pode ter a certeza de quevenho ter consigo.

- ESTOU muito ocupado - disse Oliver Lam-bert ao sentar-se no gabinete de DeVasher. -O que é que tens assim de tão importantepara me dizer?

DeVasher sorriu de esguelha maliciosamentee, com uma expressão de orgulho, atirou umgrande envelope de papel pardo por cima dasecretária para o colo de Lambert.

- Dos melhores trabalhos que jamaisfizemos.

Lambert abriu o envelope e olhou embas-bacado para as fotografias quinze por vinte apreto e branco.

- São incríveis.

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- Pois é. Também achámos.

- Quem é a rapariga? - perguntou Lambertsem desviar os olhos. - Uma prostitutanativa. Não tem nada mau aspecto, pois não?- Onde estavam os teus homens?

--Um pouco por todo o lado. Essas foramtiradas por detrás de uma palmeira, a unsvinte e cinco metros de distância.

Lambert levantou bem alto uma dasfotografias, colocando-a em frente aos olhos.

- Fizeste-me uma cópia? - perguntou por de-trás da fotografia. É claro, Ollie. Sei comogostas destas coisas.

- Pensei que o McDeere fosse mais forte.

- É forte, mas é humano. E também não éburro nenhum. Não temos a certeza, masachamos que percebeu que o estávamos a

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vigiar no dia seguinte à hora do almoço.Desapareceu e chegou uma hora atrasado aoencontro com Avery no banco.

- Onde é que teria ido?

- Não sabemos. Até pode ter estado num bar.

- Vigiem-no cuidadosamente. Ele preocupa-me. DeVasher acenou-lhe com outro envel-ope de papel pardo.

- Deixa-te de preocupações, Ollie. Ele agoraestá nas nossas mãos! - E o Tarrance?

Nem sinal. O McDeere não falou nele aninguém.

- Mantenham os olhos bem abertos. Como éque vão as coisas lá em casa dele?

- Não vão muito bem. É óbvio que o nossorapaz e os pais dela não morrem de amores,e isso preocupa-a muito. Ela quer ir passar o

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Natal ao Kentucky e receia não conseguirconvencê-lo a ir. Tem havido muita fricção.Ela diz à

mãe que ele trabalha muito, e a mãeresponde-lhe que é porque querimpressioná-los. Não me agrada nada, é mausinal.

- Continua à escuta - disse Oliver Lambert, eretirou-se. DeVasher trancou as fotografiasnum armário-ficheiro. "Mitchell McDeere",disse para consigo com um enorme sorriso,"agora estás nas nossas mãos." O PARQUEera pequeno e situava-se numa elevação ín-greme acima do rio. Mitch encontrava-se depé, ao lado da estátua de um general e do seucavalo, a olhar para o rio e para as pontesque levavam ao Arkansas. Apertou a gabar-dina e levantou a gola, protegendo as orel-has. Estava escuro e muito frio.

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Quase que conseguia avistar o EdifícioBendini, a seis quarteirões dali. Tinha deix-ado o carro estacionado numa garagem nocentro da cidade e apanhara um táxi de re-gresso à zona ribeirinha. Tinha a certeza deque não fora seguido. Esperou.

Ouviu passos e depois viu um vulto aaproximar-se.

- Mitch? - Era Eddie Lomax, de jeans, umcasaco comprido de pele de coelho e umchapéu de cowboy branco.

- Sim, sou eu. Foste seguido? - Não, acho quenão. E tu? - Não. Lomax enfiou as mãos nosbolsos.

- Tens falado com o Ray ultimamente? - per-guntou ele.

- Não. - A resposta foi curta, como que quer-endo indicar que ele não estava

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propriamente ali ao frio para falar detrivialidades.

- O que é que descobriste? - perguntouMitch. Lomax acendeu um cigarro.

- Sobre os três advogados, não descobri lágrande coisa. O relatório policial diz que oacidente de Alice Knauss foi causado por umcondutor embriagado, mas, por estranho quepareça, esse condutor nunca foi apanhado.Ela trabalhara até tarde e ia a caminho decasa. A cerca de quilómetro e meio do seuapartamento, choca de frente com uma car-rinha aberta grande. Não houve testemun-has. Quando os chuis lá chegaram, a carrinhaestava vazia. Através da matrícula, descobri-ram que fora roubada em St. Louis três diasantes. Não encontraram impressões digitaisnem qualquer outra coisa. Havia uma gar-rafa de whisky no chão, por isso acharam queo condutor estava embriagado e arquivaramo processo.

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- Parece-me suspeito.

- Suspeito e não é pouco. Aliás, são os trêssuspeitos. Robert Lamm era caçador de vea-dos no Arkansas. Ia com uns amigos para osmontes Ozarks duas ou três vezes por anodurante a época da caça. Depois de passaremuma manhã na mata, todos eles voltarampara a cabana menos o Lamm. Fizeram-sebuscas durante semanas a fio e acabaram porencontrá-lo numa ravina parcialmentecoberto de folhas. Tinha levado um tiro nacabeça, e não se sabe mais nada. Puseram departe a hipótese de suicídio.

- Então, foi assassinado?

- Aparentemente. Podia ter apanhado comuma bala destinada a um veado, mas os ami-gos disseram que não viram nem ouviramoutros caçadores na manhã em que ele desa-pareceu. O xerife está convencido de que foi

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assassínio. Mas não há provas para abrir uminquérito.

- E o Mickel?

- Uma história muito triste. Suicidou-se em1984, com trinta e quatro anos. Deu um tirona têmpora direita. Deixou uma longa cartade despedida na qual dizia à ex-mulher queesperava que ela o perdoasse. Muitocomovente.

- O que é que há de suspeito nisso?

- A arma. Ele nunca comprou uma arma navida. Ninguém sabe de onde é

que ela veio. Não estava registada, não tinhanúmero de série, nada. O Mickel tinha alega-damente dito a um amigo que comprara umaarma para se proteger. É óbvio que estava ater problemas emocionais.

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- O que é que achas?

Lomax atirou a beata para o passeio.

- Não sei. Se um tipo daqueles quisesse umaarma, teria pura e simplesmente ido a umarmeiro e comprado uma pistola nova e re-luzente. A arma utilizada tinha pelo menosdez anos e fora limpa por profissionais.

- Então, o que é que pensas da nossafirmazita? - perguntou-lhe Mitch.

- É um sítio perigoso para se trabalhar. Per-deram cinco advogados nos últimos quinzeanos. Não é uma estatística que inspiremuita segurança.

- Cinco?

- Se incluirmos Hodge e Kozinski. Soube defonte segura que ainda há

alguns pontos por esclarecer.

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- Não te contratei para investigares essesdois casos.

- E eu não tos vou cobrar. Só que fiqueicurioso. Estás com problemas, não estás, pá?Desconfio que sabes muito mais do que mecontas. Estamos aqui ao frio porque nãoqueres encontrar-te comigo nem no teu es-critório nem no meu e não podemos falarpelo telefone. Há cinco advogados naquelafirma que morreram em circunstânciasmuito suspeitas, e tu estás a agir como sepudesses vir a ser o próximo. Pois é, cá paramim estás com problemas. Grandes prob-lemas mesmo.

- E o Tarrance?

- É dos melhores agentes do FBI; veio trans-ferido de Nova Iorque para cá há

cerca de um ano. De quem é que andas a fu-gir? - perguntou Lomax.

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- Quem me dera saber.

Lomax examinou-lhe o rosto cuida-dosamente. - Acho que sabes. Mitch nãodisse nada.

- Ouve, Mitch, tu precisas de um amigo. Euera capaz de me atirar ao rio pelo RayMcDeere e posso muito bem ajudar o seuirmão mais novo. Mitch fez um ligeiro acenode cabeça, mas não disse nada. Lomaxacendeu outro cigarro.

- Contacta-me sempre que precisares e temcuidado contigo. Eles andam à

solta e não são para brincadeiras.

MITCH e Abby entraram no Bombay BicycleClub, um bar de solitários com boa comida eblues ao vivo. Mitch olhou para o chefe demesa, depois examinou as duas salas de

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jantar e apontou para uma mesa a um doscantos ao fundo.

- Ali - disse ele.

Mitch sentou-se de costas para a parede e defrente para a porta de entrada. O

canto estava escuro. Pediram vinho.

Telefonara a Abby à tarde a perguntar sepodia encontrar-se com ele às 7. Ela pergun-tara porquê e ele respondera que lhe expli-caria depois. - A que é que se deve isto? -perguntou ela agora.

- É preciso uma razão para jantar fora com aminha mulher?

- É. São sete da tarde de segunda-feira e tunão estás no escritório. É sem dúvida umaocasião especial.

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- Lembras-te de Rick Acklin, da WestemKentucky? - Não - respondeu ela.

- Jogava basebol, vivia no dormitório. Umtipo com bom aspecto, bom aluno. Nãoéramos amigos, mas conhecíamo-nos.

Ela abanou a cabeça e esperou.

- Bom, ele agora trabalha no FBI, aqui emMemphis. - Ele observou-a para ver se FBItinha algum impacte. Não teve. - E hoje es-tava eu a almoçar no Obloe, um sítio de ca-chorros quentes, quando Rick apareceu,caído do céu, e me disse olá. Outro agente doFBI, um tipo chamado Tarrance, apareceutambém inesperadamente e sentou-se àmesa. É a segunda vez que o Tarrance mecontacta desde que passei o exame daOrdem.

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- E são agentes do FBI? O que é que elesquerem? O vinho chegou, e Mitch olhou emvolta.

- Não sei. - Bebeu um gole do vinho e contoudetalhadamente o seu primeiro encontrocom Tarrance, o aviso contra certas pessoasem quem não devia confiar, os locais ondenão devia falar, a reunião com Locke, Lam-bert e os outros sócios. Explicou a versãodeles dos motivos que levavam o FBI ainteressar-se pela firma e disse que con-versara com Lamar e que acreditara em tudoo que Locke e Lambert haviam dito.

Abby absorveu tudo, mas aguardou antes decomeçar a fazer pergun tas.

-E então hoje, o tal Acklin, meu colega dafaculdade, aparece e diz-me que o FBI tem acerteza de que os meus telefones estão sobescuta, a minha casa está

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cheia de microfones e que alguém naBendini, Lambert & Locke sabe semprequando é que espirro ou vou à casa debanho.

- Mas o que é que eles querem?

- Não dizem. Mas escolheram-me a mim poralguma razão. - Contaste esse encontro aoLamar?

- Não. Não contei a ninguém, a não ser a ti. Enão tenciono fazê-lo. Ela saboreou o vinho.

- Os nossos telefones estão sob escuta?

- Segundo o FBI, estão. Eu não sei. Queroacreditar em Locke e Lambert, mas há muitacoisa que não bate certo. Vejamos a coisa as-sim: se a firma tivesse um cliente duvidoso,digno de ser investigado pelo FBI, porque éque o FBI me escolheria a mim, o novato,aquele que menos sabe, e começaria a

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seguirme? Porque não abordarem um dossócios?

- Já testemunhaste algum negócio ilegal? Ovinho estava a surtir efeito.

- Eu não devia responder a essa pergunta,nem mesmo a ti, Abby. Mas a resposta é não.Talvez uma ou duas fugas aos impostos.Tenho álgumas dúvidas sobre os extractos decontas que vi nas Caymans, mas nada demuito grave.

O empregado vagueou ali por perto e olhoupara as ementas. - Mais vinho - pediu Mitch,apontando para os copos. Abby inclinou-separa a frente e perguntou:

- Muito bem, quem é que pôs os nossos tele-fones sob escuta?

- No'primeiro encontro, em-Agosto, oTarrance disse-me para não confiar em

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ninguém da firma e que tudo o que eu diziapodia estar a ser ouvido e gravado. Parti doprincípio de que queria dizer que era a firmaque estava a fazê-lo.

- E o que é que Mr. Locke disse a esse re-speito? - Nada. Eu não lhe contei, omiti algu-mas coisas.

-Acreditas nisso, Mitch? Porque é que umafirma de advogados iria fazer isso?

- Acho que se passa alguma coisa. A histórianão acaba aqui. Abby olhou para ele comuma expressão de medo. Ele contou-lhe ahistória de Hodge e de Kozinski, começandopelo que Tarrance lhe dissera e passando de-pois às Caymans: o ter sido seguido e o en-contro com Abanks. Contou-lhe tudo o queAbanks dissera. Depois falou-lhe de EddieLomax e das mortes de Alice Knauss, deRobert Lamm e de John Mickel.

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- Porque é que só agora é que estás a contar-me tudo isso? - perguntou ela quando Mitchterminou.

- Tinha esperanças de que a coisa passasse.Tinha esperanças de que Tarrance medeixasse em paz, mas Acklin veio transferidopara Memphis para se dedicar a mim. Fui se-leccionado pelo FBI para uma missão daqual nada sei.

- Sinto-me fraca.

- Temos que ter cuidado, Abby. Temos quecontinuar a viver como se não suspeitásse-mos de nada.

- Isto não pode estar a acontecer, Mitch.Queres que eu viva numa casa cheia de mi-crofones; onde alguém está a ouvir tudo oque dizemos? - Tens alguma ideia melhor?

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- Tenho. Porque é que não contratamos essetal Lomax para revistar a nossa casa?

- Já pensei nisso. Mas, e se ele estraga algumdispositivo que lá foi posto?

Eles, sejam lá quem forem, ficariam a saberque nós sabemos. É demasiado perigoso,pelo menos por agora. Talvez daqui a unstempos.

- Isto é uma loucura, Mitch. Quando quiser-mos conversar, temos de ir para o pátio dastraseiras, não?

- É claro que não. Podemos ir para o dafrente.

- Neste momento, não estou em condições deapreciar o teu sentido de humor.

- Desculpa. Ouve, Abby, temos de ter paciên-cia por uns tempos. Tarrance convenceu-me

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de que está determinado e eu não possodetê-lo. É ele que vem ter comigo, não te es-queças. Por enquanto, é importante agirmosnormalmente.

- Normalmente? Pensando bem, não temhavido muitas conversas lá por casa ultima-mente. Quase que chego a ter pena deles sepretendem ouvir alguma coisa deinteressante. -Falo muito com o Hearsay.

NO DIA DE NATAL, de manhã bem cedo,Abby telefonou aos pais a dizer que ia, masque ia sozinha. Eles disseram que ficavamdesapontados e sugeriram que ela talvezdevesse ficar em casa para não criar prob-lemas. Ela insistiu. Era uma viagem de dezhoras. O trânsito não devia ser muito e elachegaria ao fim da tarde.

Mitch, sentado ao lado da árvore, fingia estarconcentrado a ler o jornal enquanto elapunha a bagagem no carro. O cão estava

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escondido ali perto, debaixo de uma cadeira.Tinham aberto os presentes e haviam-nosdisposto no sofá. Roupa, perfumes e álbuns,e para ela um casaco de raposa comprido.Pela primeira vez na curta vida do casal,tinha havido dinheiro para gastar no Natal.

- Vou-me embora - disse Abby em voz baixa,mas firme. Ele levantou-se lentamente efitou-a. - Gostava que viesses comigo - acres-centou ela. Ele pura e simplesmente não con-seguia ir.

- Talvez para o ano - disse. Era mentira, eambos o sabiam. Mas caía bem, era encora-jador. - Vai com cuidado, por favor.

Ele agarrou-lhe nos ombros e deu-lhe umbeijo. Ela era linda, ainda mais bonita aosvinte e quatro anos do que quando se tinhamcasado. Saíram lá para fora, e ele ajudou-a aentrar no carro. Voltaram a beijar-se, e elafez marcha atrás.

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"Feliz Natal", disse Mitch para si próprio.Depois de passar uma hora a olhar para asparedes, atirou duas mudas de roupa paradentro do BMW, colocou Hearsay no bancoda frente e saiu da cidade. Dirigiu-se parasul, para o Mississípi. A estrada encontrava-se deserta, mas ele não tirava os olhos do ret-rovisor. O cão gania exactamente de hora ahora, e Mitch parava na berma - se possível,no topo de uma colina. Procurava umasárvores onde pudesse esconder-se a observaro trânsito enquanto Hearsay fazia as suas ne-cessidades. Após cinco paragens, teve a cer-teza de que não estava a ser seguido. Era ób-vio que tinham tirado folga no dia de Natal.

Pôs-se em Mobile em seis horas, e duas hor-as depois atravessava a baía em Pensacola,rumando para a Costa Esmeralda, na Flor-ida. A Auto-Estrada n.<> 98 passava pelascidades costeiras de Navarre, Fort WaltonBeach, Destin e Sandestin. Ao lusco-fusco,passou por uma elevação onde uma placa

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indicava que Panama City Beach ficava atreze quilómetros. A auto-estrada bifurcava eele escolheu a marginal chamada MiracleStrip - vinte e cinco quilómetros de aparta-mentos, motéis baratos, parques de camp-ismo, casas de férias, pequenos restaurantese lojas de T-shirts.

Em Panama Beach, a maior parte dos mil-hares de apartamentos encontravamsevazios, mas havia alguns carros estacion-ados, e Mitch supôs que algumas famíliaspassavam o Natal na praia. Um Natal cheiode calor. "Pelo menos estão todos juntos",disse para com os seus botões. Hearsay ol-hou lá para fora e pôs-se a apreciar a vista.

Mitch parou numa bomba de serviço per-manente para meter gasolina.

- Onde fica a San Luis Street? - perguntouele.

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- É muito fácil - disse o empregado. - Vire àdireita nos segundos semáforos. O bairro eraum subúrbio desorganizado de velhas cara-vanas, mas era evidente que não saíam dalihá décadas. Viam-se motocicletas e bicicletasencostadas aos reboques e cabos de máqui-nas de cortar relva saindo de debaixo dascaravanas. Era um bairro de lata sobre rodas.Encontrou a San Luis Street e sentiu-se re-pentinamente nervoso. O n .O 486

era uma das caravanas mais velhas epequenas, pouco maior que uma tenda. Atinta original estava a descascar. Uma dasjanelas por cima do reboque estava muitorachada e colada com fita isoladora cinzenta.Na única entrada que havia, a portaantitempestades encontrava-se aberta, eMitch viu a silhueta de um homem a passar.

Não era isto que ele queria. Por opção, nuncaconhecera o segundo marido da mãe, e agora

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não era altura para o fazer. Seguiu caminho,desejando não ter lá

ido.

Na Miracle Strip, encontrou a familiar tabu-leta de um Holiday Inn. Estava vazio, masaberto. Estacionou o BMW de modo a nãoser visto da estrada e fez a reserva em nomede Eddie Lomax, de Danesboro, no Ken-tucky. Pagou em dinheiro um quarto indi-vidual com vista para o mar. Uma vez ládentro, deitou-se na cama e adormeceu.

NA LISTA telefónica de Panama City Beachvinham três creperias, todas elas na MiracleStrip. Ligou para o primeiro número. Azar.Ligou o segundo e voltou a perguntar por IdaAinsworth. Disseram-lhe para aguardar ummomento, e ele desligou. Eram 11 da noite.Dormira duas horas. A creperia era umpequeno edifício em forma de caixote comuma dúzia de mesas. Uma das paredes

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estava forrada de enormes janelas espelha-das para que os clientes pudessem ver a mar-ginal à distância enquanto saboreavam oscrepes com nozes e bacon. O pequeno parquede estacionamento encontravase quase re-pleto, e Mitch estacionou num lugar vaziojunto às janelas. Chegou-se para a frente eexaminou os clientes que estavam lá dentro.No canto, junto à máquina dos cigarros,havia uma mesa de turistas gordos com cam-isas compridas, pernas brancas e meiaspretas que estavam a beber café e a falar to-dos ao mesmo tempo enquanto olhavampara

a ementa. O líder, um homem com a camisadesabotoada e um boné de uma equipe debasebol, olhou várias vezes para o grelhadosa ver se via uma empregada.

Ela surgiu não se sabe de onde e parou juntoà mesa, com a caneta e o bloco na mão. Olíder disse uma piada e todos os gordos

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desataram a rir. Ela não sorriu, limitou-se acontinuar a assentar. Tinha um ar frágil e es-tava muito mais magra. A farda preta ebranca aconchegava-lhe o corpo e apertava-lhe o peito pequeno. O cabelo grisalho estavaapanhado atrás e escondido por baixo doboné da farda. Tinha cinquenta e um anos, eà distância aparentava a idade que tinha. Po-dia ser pior. Parecia atenta. Quando termin-ou de anotar o pedido, tirou as ementas dasmãos dos clientes, disse uma amabilidade equase sorriu. Mitch descontraiu-se e seguiuos movimentos dela: serviu um café a umhomem sentado sozinho a uma mesa, eledisse qualquer coisa e ela sorriu. Um sorrisomaravilhoso e gracioso. Um sorriso queMitch vira milhares de vezes na escuridãoenquanto olhava para o tecto. O sorriso dasua mãe. Era quase meia-noite do dia deNatal. "Não, agora não", disse Mitch com osseus botões.

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AO ROMPER da aurora, vestiu uns jeans euma sweatshirt e levou Hearsay a dar umpasseio pela praia. O cão correu cora-josamente para o mar, recuando depois,furioso, quando uma onda de espuma brancase aproximou. Percorridos uns três quiló-metros, chegaram a um pontão que entravacerca de sessenta metros pelo mar dentro.Mitch foi até à extremidade deste, encost-ouse ao corrimão e observou o mar. Ao olharpara sudeste, pensou nas Caymans e emAbanks. E, por instantes, na rapariga; de-pois, ela desvaneceu-se. Voltaria às ilhas emMarço para passar férias com a mulher. Iriafazer mergulho e amizade com Abanks. Be-beriam umas cervejas no bar dele e falariamde Hodge e Kozinski. Havia de seguir quemquer que o seguisse. Agora que Abby era suacúmplice, ela ajudá-lo-ia. EDDIE Lomax, de-tective particular, estacionou cuida-dosamente o seu Lincoln Town Car nummotel em Memphis Sul. Pegou numa

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máquina fotográfca, pôslhe um rolo e encaix-ou o flash. Não reparou na carrinha castanhaestacionada uns dez metros atrás dele. Umhomem de camisola de gola alta preta e luvaspretas abriu a porta da carrinha devagar e si-lenciosamente. Esperou até o parque deixarde ter movimento, saltou da carrinha, escan-carou a porta de trás do lado esquerdo doLincoln e disparou três tiros na nuca de Ed-die. Os tiros, abafados por um silenciador,não se ouviram fora do carro.

Eddie caiu para cima do volante, morto. Acarrinha afastou-se rapidamente, levando oassassino.

Após três dias sem facturação, semprodutividade, de exílio do seu santuário, deperu, fiambre e molho de groselha e de brin-quedos novos para montar, os descansados erejuvenescidos advogados da Bendini, Lam-bert & Locke regressaram à fortaleza naFront Street cheios de vigor. O parque de

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estacionamento já se encontrava repleto às7.30. Beberam café aos litros, resmungaramfuriosamente para os ditafones, berraram or-dens às secretárias, aos funcionários e aossolicitadores. Oliver Lambert vagueou peloscorredores, sorrindo e ouvindo os barulhosda riqueza facturada à hora. Ao meio-dia,Lamar entrou no gabinete de Mitch einclinou-se sobre a secretária. Mitch estavaembrenhado num negócio de petróleo e gásna Indonésia.

- Vamos almoçar? - perguntou-lhe Lamar. -Não, obrigado. Estou atrasado.

- E não estamos todos? - Lamar inclinou-seainda mais, como se quisesse partilhar umanovidade extraordinária. - Sabes que dia éhoje? Mitch olhou para o relógio.

- Dia 28.

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- Pois é. E sabes o que é que acontece no dia28 de Dezembro todos os anos?

- Desisto. O que é?

- Neste preciso momento, os sócios estão to-dos reunidos na sala de jantar a comer patoassado e a beber vinho francês.

- Vinho ao almoço?

- Sim. É um dia especial. Depois de teremcomido durante uma hora, Lambert vai dis-tribuir o relatório financeiro deste ano. Temos nomes de todos os sócios e ao lado o quefacturaram durante o ano. Na segunda pá-gina, vem um relatório dos lucros líquidos,deduzidas as despesas. A seguir, com base naprodutividade, dividem o bolo!

Mitch ouvia com muita atenção. - E?

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- E no ano passado a fatia foi em média detrezentos e trinta mil. E, é claro, todos osanos sobe.

- Trezentos e trinta mil - repetiu Mitchdevagar.

- Sim. E é só a média. Locke vai aproximar-se do milhão. Victor Milligan vem logo aseguir.

- E nós?

- Nós também vamos ganhar algum. No anopassado, andou à volta dos nove mil.Depende do tempo de casa e do que seproduz.

Podemos lá ir ver?

- Não venderiam um bilhete nem sequer aopresidente dos Estados Unidos. O BAR do

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Ernie situava-se bem perto do aeroporto.Mitch descobriu-o à

terceira tentativa e estacionou entre duasautocaravanas com tracção às quatro rodas.Eram quase 11 horas.

Olhou novamente para o bilhete para secertificar.

Caro Mr. McDeere

Por favor, venha ter comigo ao Bar do Emie,em Winchester, hoje à noite bem tarde. Ésobre Eddie Lomax. Muito importante.Tammy Hemphill, a secretária.

O bilhete estava pendurado na porta da co-zinha quando ele chegara a casa. Lembrava-se dela da única vez que fora ao escritório deEddie, em Novembro. Lembrava-se da saiade cabedal justa e do cabelo pintado. Entroudisfarçadamente no bar. O lado esquerdo da

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sala era preenchido por mesas de bilhar e àdireita havia um balcão comprido cheio degente. Ninguém pareceu dar pela suapresença.

- Uma imperial - pediu ele ao empregado dobar.

Tammy chegou antes da cerveja. Tinha es-tado sentada à espera num banco cheio degente junto às mesas de bilhar. Trazia unsjeans justos, uma camisa de ganga desbotadae sapatos de salto alto encarnados.

- Obrigada por ter vindo - disse ela junto aorosto dele. - Estou à sua espera há

quatro horas. Não consegui pensar noutromodo de me encontrar consigo. Mitch fez umaceno de cabeça e sorriu.

- O que é que aconteceu? - perguntou ele.

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- Preciso de falar consigo. Será que podemosdar uma volta de carro por aí?

- É claro, mas não no meu. Pode não ser lámuito boa ideia. - Eu tenho carro. É velho,mas acho que serve.

Mitch pagou a cerveja e seguiu-a. Ela abriu aporta de um Volkswagen já

muito velho, e Mitch enfiou-se a custo nolugar do passageiro. Ela carregou cinco vezesno acelerador e rodou a chave. Mitch sustevea respiração até o carro pegar.

Tammy seguiu em direcção ao aeroporto. Se-gurava com força o volante.

- Qual é a sua ideia? - perguntou Mitch. -Bom, soube o que aconteceu ao Eddie? -Soube.

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- Eu e o Eddie, bom, éramos muito amigos.Percebe? Ele contava-me coisas que achoque não deveria contar. Disse-me que unsadvogados da sua firma tinham morrido emcircunstâncias duvidosas. E que

você estava convencido de que andava a serseguido e de que escutavam as suas conver-sas. Isso é muito esquisito num escritório deadvogados. "Lá se foi a confidencialidade",pensou Mitch.

- Lá esquisito é.

- E depois de ter acabado o que andava afazer para si, um dia disse-me que achavaque estava a ser seguido. Isto passou-se trêsdias antes do Natal. Perguntei-lhe quem éque andava a segui-lo e ele respondeu quenão sabia, mas que provavelmente eram asmesmas pessoas que o seguiam a si.

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- Quem mais é que havia de o seguir? - per-guntou Mitch. - Ninguém. Ele era um bomdetective que não deixava rasto. - Então,quem é que o matou?

- Quem andava a segui-lo. No jornal notici-aram a coisa como se ele andasse a bisbil-hotar a vida de um ricaço qualquer e estetivesse mandado matá-lo. Não é verdade.Bom, seja como for, estou assustada, porqueas pessoas que o mataram podem pensar queeu sei alguma coisa. Não vou ao escritóriodesde o dia em que ele morreu e não ten-ciono lá voltar.

- Se fosse a si, não voltava mesmo. Como éque o mataram?

- Três tiros na nuca, de muito perto, comuma pistola de calibre .22 Um trabalho per-feito de profissional.

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- Não há nenhuns papéis no escritório rela-cionados comigo?

- Duvido. Nunca vi nada escrito. Ele disseque você queria assim. - É verdade

- disse Mitch, aliviado.

- Estou francamente assustada, Mitch. Achoque o mataram por causa do trabalho que elefez para si. O que é que acha?

- Eu não me arriscaria.

- Talvez seja melhor eu desaparecer por unstempos. - Para onde é que vai?

- Litfe Rock, St. Louis, Nashville ... - As pa-lavras dela foram deixando de se ouvir.

Mitch reparou numa pequena lágrima norosto dela. Não era feia, mas os anoscomeçavam a manifestar-se. As linhas dorosto eram acentuadas, e se não fosse o

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cabelo pintado e a maquilhagem exagerada,ela devia ser atraente para a idade. Cerca dequarenta, imaginou ele.

- Creio que estamos os dois no mesmo barco,não acha? - perguntou ela. - Isto é, eles an-dam atrás de nós dois. Mataram aqueles ad-vogados todos e agora o Eddie, e nós deve-mos ser os próximos. "Não te controles,querida, deita tudo cá para fora."

- Ouça, temos que nos manter em contacto.Não me pode telefonar e não podemos servistos juntos. A minha mulher está a par detudo e vou contar-lhe este nosso encontro.Não se preocupe com ela. Escreva-me umavez por semana a dizer onde está. Como éque se chama a sua mãe? - Doris.

- Ótimo. Vai ser esse o seu nome de código.Assine Doris em tudo o que me escrever.

- Eles também lêem o seu correio?

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- É muito provável, Doris, muito provável.

Às 5 DA TARDE, Mitch apagou a luz dogabinete, agarrou na pasta e na mala e paroujunto à secretária de Nina. Ela abriu umagaveta para tirar um envelope.

- Esta é a sua reserva no Capital Hilton.

- Até segunda-feira. - Subiu as escadas até aogabinete de Avery. - Tens um grande sentidode oportunidade, McDeere. Enorme - disseAvéry. - Estou dois meses atrasado, e agoradecides ir quatro dias a Washington a umseminário sobre direito fiscal. Levas os pro-cessos contigo?

- É claro, Avery. Assisto por dia a oito horasde conferências sobre direito fiscal para ficara par das últimas revisões fiscais impostaspelo Congresso e facturo cinco horas nostempos livres.

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- Seis, se puderes. Estamos atrasados, Mitch.

As inscrições começaram às 8 à porta doCentury Room, no piso intermédio do Capit-al Hilton. Mitch chegou cedo, inscreveu-se,agarrou na pesada pasta com documentoscom o seu nome gravado na capa e entrou.Sentou-se no centro da grande sala.

A sala encheu-se lentamente de advogadosde todo o país. Poucos minutos antes das 9,um advogado jovem, com bom aspecto,sentou-se à esquerda de Mitch. Quando asala estava repleta, o moderador deu asboas-vindas a todos e apresentou o primeiroorador. O congressista fulano de tal, do Ore-gon. Quando este subia para o estrado, o ad-vogado à esquerda de Mitch virou-se para elee estendeu-lhe a mão.

- Olá, Mitch - sussurrou ele. - Chamo-meGrant Harbison, FBI. - Entregou-lhe um en-velope branco.

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O congressista iniciou o seu discurso comuma piada que Mitch não ouviu. Mitch abriuo envelope junto ao peito. O bilhete escrito àmão dizia: Caro Mr. McDeere

Gostava muito de falar uns minutos consigodurante o almoço. Por favor, siga as in-dicações do agente Harbison. Não lhe to-marei muito tempo. Agradecemos a suacolaboração.

Obrigado.

F. Denton Voyles Director, FBI

Mitch colocou o bilhete no meio do seu blocode apontamentos. Apercebeu-se de como eraimportante manter a compostura, massentia-se tonto. O director do FBI e quemmais? Tarrance devia estar por perto.

A sala encheu-se subitamente de gargalhadascom uma graça do congressista. Harbison

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inclinou-se rapidamente na direcção deMitch e sussurrou:

- O táxi número oito seis seis sete estará láfora em frente à porta principal. Tenhamuito cuidado. Foi seguido até aqui por doishomens de Memphis. O MODERADORagradeceu ao segundo orador, professor deDireito Fiscal da Universidade de NovaIorque, e anunciou o intervalo para o al-moço. Mitch saiu para a rua e encontrou otáxi 8667. Não disse nada ao motorista, enão tardaram a embrenhar-se no meio dotrânsito. Quinze minutos depois, esta-cionavam perto do Monumento aos Veter-anos do Vietname. O motorista olhou emfrente e disse:

- Muito bem. Vá até ao monumento. Irão terconsigo daqui a mais ou menos cincominutos.

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Mitch saiu para o passeio, e o táxi foi-se em-bora. Enfiou as mãos nos bolsos do sobre-tudo de lã e dirigiu-se lentamente para omonumento. Estava lá um peregrinosolitário sentado, muito hirto, numa cadeirade rodas a olhar para a laje. Encontrava-secoberto com uma manta grossa. Sob odescomunal boné

de camuflado, um par de óculos de aviadorescondia-lhe os olhos. Estava sentado próx-imo da extremidade da laje, junto aos nomesdos que tinham morrido em 1972. Mitch foiseguindo os anos ao longo do passeio atéparar junto à cadeira de rodas.

Leu os nomes, e lá estava quase no fim.Muito bem gravado, tal como os outros.Mitch ajoelhou-se e tocou nas letras grava-das: Rusty McDeere. Dezoito anos de idade,para sempre. Estava há sete semanas no Vi-etname quando pisou uma mina.

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- Mitch, estão à sua espera.

Ele voltou-se e olhou para o homem da ca-deira de rodas, o único ser humano à vista.Os óculos de aviador continuavam voltadospara a pedra.

- Descontraia-se, Mitch. Temos o local cer-cado. Confie em nós, Mitch. O

director tem coisas importantes para lhedizer que podem salvar-lhe a vida.

- Onde é que ele está?

O homem voltou a cabeça.

- Comece a andar. Eles irão ter consigo.

Mitch olhou novamente para o nome doirmão e depois caminhou lentamente,aguardando. Wayne Tarrance saiu de trás deuma árvore e caminhou a seu lado.

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- Continue a andar - disse ele -, masdescontraia-se. Ninguém está a vigiá-lo paraalém dos nossos vinte agentes.

- Vinte?

- Sim. Queremos ter a certeza de que aquelesmercenários de Memphis não aparecem poraqui.

Tarrance apontou para a direita, para umbanco de cimento junto a uma ponte parapeões que ia dar a um pequeno bosque.

- Sente-se - ordenou-lhe.

Sentaram-se. Dois homens atravessaram aponte. Mitch reconheceu imediatamente omais baixo como sendo F. Denton Voyles,director do FBI durante o mandato de trêspresidentes. Um feroz e severo combatentedo crime.

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Mitch levantou-se por respeito. Apertaramas mãos e apresentaram-se. Voyles apontoupara o banco. Tarrance e o outro agente cam-inharam até à ponte e puseram-se a per-scrutar o horizonte.

Voyles sentou-se junto a Mitch; as pernas deambos tocavam-se. Tinha um chapéu sóbriocastanho inclinado para um dos lados. Deviater pelo menos setenta anos, mas os olhosverdes bailavam cheios de vida e nãodeixavam escapar nada.

- Agradeço-lhe o facto de ter vindo -começou Voyles. Mitch respirou fundo.

- Faz uma pequena ideia de como me sintoconfuso e assustado? Gostava de umaexplicação.

- Certo. O que vou contar-lhe vai chocá-lo,mas asseguro-lhe que é tudo verídico, e com

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a sua ajuda podemos salvar-lhe a vida. Mitchpreparou-se e aguardou.

- Nenhum advogado jamais saiu da sua firmacom vida. Três tentaram e foram mortos.Dois iam fazê-lo e morreram no Verão pas-sado. Quando um advogado entra naBendini, Lambert & Locke, nunca mais de lásai, a não ser que se reforme e mantenha aboca fechada. E na altura em que eles se re-formam, fazem parte da conspiração e nãopodem falar. Como vê, Mitch, a firma é maisdo que uma simples firma. Faz parte de umgrande negócio: um negócio muito lucrativo,um negócio muito ilícito. A firma não é pro-priedade dos sócios.

O director tocou com força no joelho deMitch e olhou fixamente para ele.

- A firma de advogados Bendini, Lambert &Locke pertence à familia do crime Morolto,de Chicago. À Mafia. À Camorra. Eles dão as

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ordens lá de cima. E é por isso que nós aquiestamos.

- Não acredito - disse Mitch, gelado de medo.O director sorriu.

- Acredita, sim, senhor, Mitch. Acredita,acredita. Há já algum tempo que tem as suassuspeitas. Foi por isso que falou com Abanksnas Caymans. Foi por isso que contratouaquele pobre detective que acabou por mor-rer. Você sabe que a firma é suja, Mitch.

Mitch esfregou as têmporas e começou atremer.

- Ouça, Mitch, sei que deve ter mil pergun-tas. Muito bem, eu vou contar-lhe aquilo quesei. Todos os sócios estão envolvidos. Kozin-ski descobriu isso depois de lá ter estado seteanos e contou a Hodge. Vieram ter connoscoe encontrámo-nos várias vezes. Eles to-maram a decisão fatal de saírem da firma.

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Mandámos Wayne Tarrance para Memphispara os trazer. Tarrance é

um especialista no crime organizado. Ele eaqueles dois estavam quase a conseguir.

Depois de Hodge e Kozinski terem morrido,resolvi deitar a mão à firma. Se conseguir-mos apanhar a firma, poderemos condenartodos os membros importantes da famíliaMorolto. Fuga aos impostos, branqueamentode dinheiro, extorsão, aquilo que se quiser.Seria o golpe maior e mais devastador contrao crime organizado dos últimos trinta anos.E está tudo nos arquivos da pequena e tran-quila firma Bendini, em Memphis.

- Quer dizer que todos os sócios ... - As palav-ras de Mitch desvaneceram-se.

- Sim, todos os sócios sabem e entram najogada. Há muitas coisas que nós nãosabemos, Mitch. Eu não sei explicar como é

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que a firma funciona, mas trata de todos osimpostos do grupo Morolto. Preparam anu-almente as declarações das contribuições fis-cais, muito bonitas, limpas e com bom as-pecto, e declaram apenas uma fracção dosrendimentos. Branqueiam dinheiro comoloucos: fazem negócios legais com dinheirosujo. Os Moroltos recebem cerca de trezentosmilhões por ano do jogo, droga, apostas,tudo. Tudo em notas, percebe? A maior partedo dinheiro vai para aqueles bancos nas Cay-mans. Como é que sai de Chicago para as il-has? No avião da firma, pensamos nós.Aquele Lear dourado vai pelo menos uma vezpor semana a George Town.

Mitch observava Tarrance, que se encontravaagora na ponte para peões.

- Então, porque é que não faz as acusações erebenta com tudo? - Havemos de o fazer,garanto-lhe. Pus cinco agentes a trabalharemno projecto em Memphis e três aqui, em

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Washington, mas precisamos da ajuda de ummembro da firma. Precisamos de cópias dosprocessos, de extractos bancários, de docu-mentos que só podem vir lá de dentro.

- E escolheram-me a mim.

- E escolhemo-lo a si. Se declinar, podeseguir o seu caminho e ganhar muito din-heiro, mas nós vamos continuar a tentar. Umdia havemos de encontrar o nosso homem,Mitch, e quando isso acontecer, condenamo-lo a si juntamente com os outros e man-damos o seu abastado e bem-sucedido tra-seiro para trás das grades. E isso há-deacontecer, meu filho, acredite em mim. Ali,naquele momento, naquele local, Mitchacreditou.

- Mr. Voyles, estou com frio. Não podemosandar um pouco? - Claro, Mitch. Camin-haram lentamente em direcção ao memorial.

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- Quem era Anthony Bendini? - perguntouMitch.

- Era genro de Morolto. Nos anos quarenta,por qualquer razão que desconheço,mandaram-no para Memphis para abrir un.escritório. Era um excelente advogado.

- E Oliver Lambert?

- O perfeito sócio mais novo. Da próxima vezque vir Mr. Lambert lá pelo escritório, tentelembrar-se de que ele é um assassino cruel. Éclaro que não tem outra opção. Se não co-operasse, seria encontrado a boiar no rio.

- E Nathan Locke? O director sorriu.

- Locke é outra história. Aos dez anos, eramoço de recados do velho Morolto em Chica-go. Foi um farsante toda a vida. Conseguiufazer o curso de Direito, e o velho mandou-o

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para o Sul para trabalhar com AnthonyBendini. Foi sempre um protegido do velho.

- Quando é que Morolto morreu?

- Há onze anos, com oitenta e oito. Tem doisfilhos repugnantes, Mickey, o Bocas, e Joey,o Padre. Joey é o chefe.

Mitch falou em voz baixa.

- Não percebo como é que a firma conseguefazer tanta coisa ilegal mantendo segredo.Aquilo está cheio de secretárias, funcionáriose solicitadores.

- Bem visto. Achamos que funciona comoduas firmas. Uma é legal, com os novos col-aboradores, a maior parte das secretárias epessoal de apoio. Os colaboradores mais an-tigos e os sócios fazem o trabalho sujo.Hodge disse um dia a Tarrance que havia um

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grupo de solicitadores na cave sobre os quaisnão sabia quase nada.

- Diga-me o que é que esperam que eu faça -perguntou Mitch. - Primeiro, boca fechada.Se começar a fazer perguntas, a sua vidapode correr perigo e a da sua mulher tam-bém. Faça papel de burro, como se tudofosse maravilhoso e ainda estivesse a planearser o melhor advogado do Mundo. Em se-gundo lugar, tem que decidir rapidamente sevai ou não cooperar. Se decidir ajudarnos, éclaro que trataremos de fazer que isso lheseja proveitoso. Protegemolo, Mitch, e nuncamais precisará de trabalhar na vida.

- Que vida? Se escapar, viverei aterrorizadopara sempre. Ouvi histórias de testemunhasque o FBI supostamente escondera. Dez anosdepois, o carro explode quando estão a fazermarcha atrás para sair da garagem. A Mafianunca esquece.

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- Eles nunca esquecem, Mitch, mas euprometo-lhe que você e a sua mulher serãoprotegidos. - O director olhou para o relógio.- É melhor voltar senão começam a desconfi-ar. O Tarrance entra em contacto consigo.Dei-lhe carta branca: tem poderes paranegociar.

- Negociar o quê?

- As condições, Mitch. O que lhe vamos dar atroco daquilo que nos der. Nós queremosapanhar a família Morolto. Você diz o seupreço, e o Governo, através do FBI, dá-lho.Desde que seja razoável, é claro. - Voylestirou a mão do bolso. - Está um táxi à sua es-pera no sítio onde ficou, é o número dezsetenta e três. O motorista é o mesmo. Nósnão voltaremos a encontrar-nos, mas Tar-rance vai entrar em contacto consigo dentrode dias.

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- Não percebi o que é que querem que eufaça.

- Tarrance apresenta-lhe o plano quando setiver comprometido a cooperar.

- Comprometido?

- É esse o termo, Mitch. Depois, já não podevoltar atrás. - Porque é que me escolheram amim?

- Você tem coragem para abandonar tudo.Não tem família, a não ser a sua mulher. Nãotem laços afectivos nem raízes. E é sufi-cientemente esperto para se safar, não vaiser apanhado. Foi por isso que o escolhemosa si. Obrigado por ter vindo.

Voyles afastou-se. Tarrance esperava-o naextremidade do muro e saudou-o rapida-mente, como se dissesse: "Adeus ... poragora." NO AEROPORTO Internacional de

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Memphis, Mitch avistou Abby junto às cabi-nas telefónicas. Atirou a pasta para o chão eabraçou-a com força. Os quatro dias emWashington mais tinham parecido um mês. -Vamos sair os dois? - perguntou ele.

- Tenho o jantar na mesa e vinho no frig-orífico - disse ela. - Bom, precisamos de falare não podemos fazê-lo em casa. Ela apertou-lhe mais a mão. ...?

- Calma. Continua a sorrir. Estamos a ser ob-servados. Mitch e Abby atravessaram a ondade tráfego humano e entraram num barescuro cheio de homens de negócio à esperados voos. Acabara de vagar uma pequenamesa e sentaram-se de costas para a parede,de frente para o balcão e para o movimento.

Ele beijou-lhe os lábios e sorriram, olhando-se nos olhos. Um dos empregados veiolimpar a mesa e eles pediram vinho.

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- Como é que foi a viagem?

- Bastante maçadora. - Olhava-a com ar son-hador. - Tive saudades tuas, Abby. Nuncatinha tido tantas saudades de ninguém navida. Amo-te. E tenho uma coisa horrívelpara te dizer.

Ela parou de sorrir.

Mitch olhou lentamente em volta.

- Mas há fortes probabilidades de estar aquialguém a observar-nos. Sorri de vez emquando, mesmo que te custe.

O vinho chegou, e Mitch começou a suahistória. Não omitiu nada. Abby beberricavanervosamente o vinho, tentando pareceruma vulgar esposa apaixonada que ouvia orelato do seminário sobre impostos. Sentia ocorpo dorido de medo, mas ouvia e

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representava. Ao fim de uma hora, Mitch ter-minou a história num sussurro:

- E Voyles disse que Tarrance me iria con-tactar daí a uns dias para saber se vou ou nãocooperar. Despediu-se e foi-se embora.

- Nem quero acreditar, Mitch.

- Mas bem podes. Senão porque é que o dir-ector do FBI iria encontrar-se com um insig-nificante advogado novato de Memphis numbanco de cimento com dez graus abaixo dezero? Se eu mantiver a boca fechada e os ig-norar, um dia eles aparecem com mandadosde captura e enfiam todos na prisão. E se de-cidir cooperar, tu e eu saímos de Memphispela calada da noite, depois de eu ter en-tregue a firma à Polícia, e vamos viver osdois para Boise, no Idaho. Teremos montan-has de dinheiro, mas viveremos todas as hor-as do dia apavorados com medo de sermosdescobertos.

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- Que maravilha, Mitch, que maravilha! - Elaesforçava-se por não chorar.

- Ou podemos comprar dois bilhetes paraSan Diego, passamos ilegalmente a fronteirae comemos tortilhas o resto da vida.

-Vamos a isso.

- Mas com a sorte que tenho, Oliver Lambertestaria à nossa espera em Tijuana com umbatalhão de valentões. Não resulta. Eraapenas uma ideia como outra qualquer.

- E Lamar?

- Não sei. Já cá está há seis ou sete anos, porisso já deve saber. Avery está por dentro detudo. - E Kay?

- Sabe-se lá. É muito provável que nenhumadas mulheres saiba. Abby mordeu o lábio.

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- E a firma ouve tudo o que nós dizemos -disse ela. - Estou tão assustada, furiosa econfusa que nem sequer sei para onde mevirar. Tenho medo de dizer seja o que for naminha própria casa. Meço todas as palavrasque digo ao telefone, mesmo quando é en-gano. E agora isto. Mitch agarrou-lhe nopulso e apertou-o com força.

- Espera lá. Estou a ver um rosto familiar.Não te vires. Sentado num banco do bar, abeber uma garrafa de cerveja, estava umhomem louro muito bronzeado com umacamisola azul e branca espalhafatosa de ski.Como se tivesse acabado de chegar dasmontanhas. Mas Mitch já vira aquelebronzeado, aquela franja e aquele bigodelouros algures em Washington.

- Vamos embora. - Mitch deixou uma nota devinte dólares na mesa e saíram do aeroporto.

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TARRANCE não esperou muito tempo. Umasemana depois de se ter despedido de Mitchno monumento, avistou-o a sair apressadodo Federal Building, na North Main.Tarrance aproximou-se dele rapidamente. -Olá, Mitch. Importa-se que o acompanhe?

- Importo. Não acha que é perigoso?

Caminharam apressadamente, sem olhar umpara o outro.

- Está a ver aquela loja? - perguntou Tar-rance, apontando para a direita. Preciso decomprar um par de sapatos. - Entraram nasapataria e pararam ao fundo da loja, que eraestreita. Mitch pegou num par de Reeboksfalsos. Observavam a porta por entre os ex-positores de sapatos.

- O director telefonou-me ontem - disse Tar-rance sem mexer os lábios. - Disse que já eraaltura de você tomar uma decisão.

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- Diga-lhe que ainda estou a pensar.Tarrance baixou-se repentinamente. - O

que foi? - perguntou Mitch.

- Acho que fomos apanhados. Acabei de verum dos mercenários passar à'porta e olhar cápara dentro. Ouça, Mitch. Vamos sair daquijuntos agora. Logo que chegarmos lá fora,dá-me um grito, diz-me para desaparecer edáme um empurrão. Eu finjo que quero an-dar à pancada e você foge.

- Ainda me matam por sua causa, Tarrance.

- Logo que chegar ao escritório, conte opequeno incidente aos sócios. Digalhes que oencurralei e que fugiu assim que pôde. Láfora, Mitch deu-lhe um empurrão com maisforça do que era preciso e gritou:

- Desapareça da minha frente! Deixe-me empaz! - Percorreu dois quarteirões a correr até

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à Union Avenue e fez o resto do caminho empasso normal até ao Edifício Bendini.

AVERY, LAMBERT, Nathan Locke e RoyceMcKnight estavam de pé junto à pequenamesa de reuniões no gabinete de Lambert. OOlhos Negros falou com o sobrolhoameaçadoramente carregado.

- Mitch, alguma vez voltou a ser contactadopor Tarrance ou por qualquer outra pessoado FBI desde o primeiro encontro emAgosto? - Não, Mr. Locke.

- Tem a certeza?

Mitch deu um murro na mesa. - Bolas! Eudisse que não!

Locke ficou espantado. Ficaram todosespantados.. Seguiu-se um silêncio pesadoque durou trinta segundos. Mitch olhavafixamente para o Olhos Negros, que recuou

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ligeiramente com um movimento descon-traído da cabeça.

- Conte-nos tudo o que aconteceu.

- Tive uma audiência com o juiz Kofer porcausa do caso Malcolm Delaney. Saí doFederal Building, e um quarteirão ou dois aseguir a norte da Union o tal Tarranceapareceu, agarrou-me no braço e arrastou-me para dentro de uma loja. Tenteidesembaraçar-me dele, mas apesar de tudoele é agente do FBI e eu não quis fazer umacena. Lá dentro, disse-me que queria falarcomigo, mas eu consegui libertar-me e correrpara a porta. Ele seguiu-me, tentou agar-rarme e eu dei-lhe um empurrão. Depois,corri até aqui, fui falar com Avery e aqui es-tamos nós.

- Sobre que é que ele queria falar?

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- Nem lhe dei oportunidade de começar, Mr.Locke. Não faço tenções de falar com nen-hum agente do FBI, a menos que tenha umaintimação.

- Tem a certeza de que era o mesmo agente?- Acho que sim. Não o via desde Agosto.

O Olhos Negros pigarreou.

- A coisa é grave, Mitch. Mas nós não fizemosnada de mal. Isto é muito desconcertante.

Mitch sorriu e abriu as mãos.

- O que é que querem que eu faça? - pergun-tou com sinceridade. - Não pode fazer nada,Mitch - disse Lambert. - A não ser manter-seafastado desse tipo e fugir quando o vir. Seele voltar nem que seja só a olhar para si,conte-nos imediatamente.

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- Foi isso que ele fez - disse Avery na defens-iva. Mitch pôs o ar mais deplorável possível.

- Pode ir, Mitch - disse Lambert. - Emantenha-nos informados. Mitch saiu soz-inho do gabinete.

DEVASHER andava de um lado para o outroatrás da secretária, ignorando os sócios.

- Ele está a mentir, é o que lhes digo. Eu seique está a mentir. - O que é que o teuhomem viu? - perguntou Locke.

- O meu homem viu uma coisa diferente. Elediz que McDeere e Tarrance entraram nor-malmente na sapataria. Não houve qualquerintimidação física por parte de Tarrance.Desapareceram no fundo da loja durantetrês, talvez quatro minutos. A seguir, outrodos nossos homens passou à porta, olhou lá

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para dentro e não viu nada. É óbvio que elesviram o nosso homem, porque passados se-gundos saíram a correr da loja, comMcDeere aos empurrões e aos gritos. Háqualquer coisa que não bate certo, garanto-vos.

- Soubeste de algum contacto entre elesdesde Agosto? - perguntou McKnight.

- Não soubemos de nenhum, mas isso nãoquer dizer que não tenha havido. Só

soubemos dos outros dois quando já eratarde demais. É impossível vigiar todos osmovimentos. - DeVasher continuava a andarde um lado para o outro.

- Tenho de falar com ele - declarou por fim. -Acho um pouco prematuro comentou Locke.

- E eu quero lá saber da tua opinião. Sefossem vocês, seus paspalhões, que

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estivessem encarregados da segurança, a estahora já estavam todos presos.

~Mitch estava sentado no gabinete a olharpara as paredes. Sentia-se enjoado. Averyentrou.

- E se fôssemos almoçar?

- Não, obrigado. Não tenho fome.

- Ouve, Mitch. Sei que estás preocupado.Vamos almoçar calmamente e conversamos.A limusina está lá fora à uma menos umquarto. Mitch conseguiu sorrir, como setivesse ficado comovido.

- Está bem.

À 1 menos um quarto, Mitch dirigiu-se àlimusina. O motorista abriu-lhe a porta eMitch deixou-se cair no assento. Estava umhomem, com uma cabeça redonda enorme e

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um pescoço de touro, sentado confortavel-mente na outra ponta do banco. Estendeu-lhe a mão.

- Chamo-me DeVasher, Mitch. É um prazerconhecê-lo.

- Será que não me enganei na li musina? -perguntou Mitch.

- Não, não. Calma. - O motorista afastou-sedo passeio e dirigiu-se à Ponte Hemando DeSoto.

- Onde vamos? - perguntou Mitch.

- Vamos dar um passeio. Precisamos deconversar.

"Com que então sou o número seis", pensouMitch. " É agora. Não, espera lá. Eles forammuito mais imaginativos com as outras mor-tes." - Sou o chefe da segurança da firma, e,

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para ser franco, estamos muito preocupadoscom esta coisa do FBI.

- Eu também.

- Pois. Achamos que o FBI pretende infiltrar-se na nossa firma na esperança de recolherinformações sobre certos clientes.

Mitch acenou. Estavam agora no Arkansas,com a cidade de Memphis desaparecendo nohorizonte. DeVasher fez uma pausa. Eraevidente que os silêncios desconfortáveis nãoo incomodavam. Alguns quilómetros mais à

frente, o motorista deixou a estrada principale meteu por uma estrada municipal que re-gressava para leste. Depois, enfiou por umcaminho de gravilha e fizeram um quiló-metro por entre campos de feijão junto aorio.

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- Onde é que vamos? - perguntou Mitch, umtanto alarmado. Calma. Quero mostrar-lheuma coisa.

"Um cemitério", pensou Mitch. A limusinaparou num rochedo com três metros de al-tura que partia de um banco de areia lá embaixo na margem.

- Vamos dar um passeio - disse DeVasher.Abriu a porta e foi até à parte de trás docarro. Mitch seguiu-o devagar.

- Como eu ia dizendo, Mitch, estamos muitoaborrecidos com os contactos do FBI. Se lhesder conversa, eles tornam-se mais ousados.É crucial que não volte a falar com eles.Entendido?

- Sim. Percebi-o desde o primeiro contactoem Agosto. DeVasher sorriu maliciosamente.

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- Tenho aqui uma coisa que o vai ajudar amanter-se na linha. - Enfiou a mão no casacoe tirou um envelope de papel pardo. - Oraveja lá isto - disse ele, e afastou-se.

Mitch abriu o envelope. Tinha quatro foto-grafias a preto e branco, quinze por vinte,muito nítidas. Na praia. A rapariga. - Quem éque tirou isto?

- gritou-lhe Mitch.

- Que diferença é que faz? É você, não é?

Não havia dúvida de que era. Rasgou as foto-grafias em pedacinhos e atirou-os na dir-ecção de DeVasher.

- Temos lá muitas no escritório - disse estecalmamente. - Não queremos utilizá-las, masbasta mais uma conversa com Mr. Tarranceou com qualquer outro agente do FBI e nósmandamo-las pelo correio à sua mulher. Da

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próxima vez que você e Tarrance decidiremir comprar sapatos, pense em nós, Mitch.Porque nós estaremos a vigiar.

Mitch sentou-se em cima da mala da limus-ina e esfregou as têmporas. DeVasheraproximou-se.

- Ouça, você é um rapaz inteligente e está acaminho de ganhar umas massas valentes.Não deite tudo a perder. Trabalhe muito,cumpra as regras do jogo, compre carrosnovos, etc. Como os outros. Não se arme emherói. Eu não quero recorrer às fotografias.

- Certo, certo.

DURANTE dezassete dias e dezassete noites,a vida conturbada de Mitch e Abby McDeereprosseguiu calmamente, sem interferênciasde Wayne Tarrance ou de qualquer dos seuscolegas. A rotina reinstalou-se. A cada diapacato que passava, Mitch ficava mais

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esperançado de que talvez o episódio da sap-ataria tivesse assustado Tarrance ou provo-cado o seu despedimento. Talvez Voylessimplesmente esquecesse toda a operação.Mas Mitch sabia que isso não passava deuma ilusão.

Abby movia-se silenciosamente na sua pró-pria casa, sentindo-se violada e sabendo quenão conseguiria aguentar muito mais tempo.Ambos sabiam como era importante agiremnaturalmente, falarem natural mente. Ospasseios à meia-noite à volta do quarteirãotornaram-se um hábito: todas as noites, de-pois de uma sanduíche comida à pressa, pro-feriam o diálogo ensaiado sobre como erasaudável fazer exercício e saíam. Davam asmãos e caminhavam ao frio, falando da firmae do FBI e para que lado é que haviam devoltar-se. Chegavam sempre à mesma con-clusão: não havia saída. Dezassete dias edezassete noites.

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No décimo oitavo dia, houve uma revira-volta. Às 9 da noite, Mitch estava exausto edecidiu ir para casa. Abby não o esperava tãocedo e estava na cama. No pequeno vestíbulohavia uma escrivaninha onde ela costumavadeixar o correio. Ele pousou a pasta nasecretária e viu um enorme envelopecastanho endereçado a Abby McDeere, quedizia em letras pretas: FOTOGRAFIAS - ÉFAVOR NÃO DOBRAR. O envelope já estavaaberto.

"Ela está na cama", pensou ele, "magoada emal disposta." Com o envelope na mão,tentou ordenar as ideias. "Encara a coisacomo um homem", disse para consigo, e ab-riu a porta do quarto.

Ela estava a ler um livro, olhou para cima edisse:

- Mitch! - Não estava com cara de choro. Osolhos pareciam normais: sem vestígios de

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sofrimento'nem de ira. - O que é que estásaqui a fazer? perguntou ela com um sorriso.

- Eu vivo aqui - disse ele baixinho. Ela estavaóptima!

Ele debruçou-se sobre a cama, beijou-a eentregou-lhe o envelope. - O que é

isto? - perguntou-lhe num tom casual.

- Isso gostava eu de saber. Não tinha nadadentro. Absolutamente nada. Absolutamentenada! Ele beijou-a novamente.

- --Estás à espera de algumas fotografias? -perguntou ele, fingindo completa ignorância.

- Que eu saiba, não. Devem ter-se enganado.

Ele quase ouviu DeVasher a rir naquele pre-ciso momento, com os auscultadores enfia-dos na sua cabeça descomunal.

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- Que estranho - comentou Mitch.

Abby vestiu uns jeans e apontou para o pátiodas traseiras. Mitch acenou com a cabeça.

Pousou o envelope na secretária. Estava a vero sorriso maldoso de DeVasher. Provavel-mente, as fotografias tinham passado de mãoem mão durante o almoço na sala de jantardos sócios. Imaginava Lambert e McKnight eaté

Avery a admirá-las, boquiabertos.

"Bem podem admirar as fotografias", pensouele. "Bem podem gozar os últimos meses dasvossas abastadas e felizes carreiras de ad-vogados." Abby passou por ele, e ele agarrou-lhe na mão. Saíram pela porta das traseiras,atravessaram o pátio e embrenharam-se naescuridão.

- O que foi? - perguntou Mitch.

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- Recebeste hoje uma carta da Doris. Diz queestá em Nashville, mas regressa a Memphisno dia 27 de Fevereiro. Precisa de falar con-tigo. É importante. Era uma carta muitopequena.

- Dia 27! Isso foi ontem.

Eu sei. Calculo que já cá esteja.

- Então, há-de contactar-nos - disse Mitch.

NATHAN LocKE fechou a porta do seugabinete e indicou a DeVasher a pequenamesa de reuniões junto à janela. Os doishomens odiavam-se mutuamente e nãofaziam qualquer esforço para serem cordiais.Mas serviço é

serviço, e ambos recebiam ordens do mesmopatrão.

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- Lazarov quis que eu falasse a sós contigo -disse DeVasher. - Sou todo ouvidos.

- O McDeere está a mentir. Sabes como oLazarov sempre se gabou de ter um espiãono FBI. Eu nunca acreditei, mas, segundoLazarov, a sua fonte diz que houve um en-contro entre McDeere e uns mandões do FBIquando o rapaz foi a Washington emJaneiro. Os nossos homens não viram nada,mas é

impossível seguir alguém vinte e quatro hor-as por dia. Pode ter-se escapado por umashoras sem darmos por isso. De qualquermaneira, Lazarov disse-me para fazer planospreliminares para lhe limpar o sebo.

- Bolas, DeVasher! Não podemos continuar aeliminar pessoas. - São apenas planos pre-liminares, nada de sério. Mas eles estãomuito preocupados. É

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óbvio que os do FBI mudaram de estratégia,e Lazarov quer resolver as coisas e pôr fim àfuga de informações.

O AGENTE imobiliário encostou-se à parededo fundo do elevador e admirou a mini-saiade cabedal preta por trás. Era uma mulherque gostaria de ter no prédio. Ela apenasqueria um pequeno escritório. A renda eranegociável. O elevador parou. A porta abriu-se, e ele saiu para o hall atrás dela. - Poraqui.

- Apontou, depois passou-lhe à frente e met-eu a chave numa porta de madeira bastantevelha.

- São só duas divisões - disse ele, carregandonum interruptor. Tammy foi até

à janela.

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- A vista é boa - disse ela, olhando paralonge. - Como é que este edifício se chama?

- É o Cotton Exchange Building. Um dosmais antigos de Memphis. É um sítio muitoprestigiante.

- E a renda também é muito prestigiante?

- Bom, o escritório é pequeno. Disse que iautilizá-lo para ... - Trabalho de secretariado.Sou secretária free-lancer.

- Estou a ver. Por quanto tempo é que vaiprecisar do escritório? - Seis meses, comopção de um ano.

- Está bem. Durante seis meses, podemosalugá-lo por trezentos e cinquenta por mês.

- Pago trezentos, mobilado. Preciso de umasecretária, três arquivos e umas cadeiras.Vou pôr uma fotocopiadora na outra divisão.

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- Está bem - disse ele. Tirou um contrato dapasta, pousou-o numa mesa desmontável ecomeçou a escrever.

Nome?

- Doris Greenwood. - Residência?

Não é da sua conta.

- Está bem, está bem. Não faz mal. Vamosver. O arrendamento terá início hoje, dia 2de Março, e durará seis meses. Exigimosuma caução de trezentos dólares e a primeirarenda, pagas à cabeça.

Ela tirou um rolo de notas de um bolso dasaia preta e justa de cabedal. Contou seisnotas de cem dólares e colocou-as em cimada mesa. - O recibo, se faz favor - pediu ela.

- Com certeza. - Ele continuou a escrever.

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- Em que andar estamos? - perguntou ela,encaminhando-se novamente para a janela.

- No nono. Tem direito a um lugar no parquede estacionamento do outro lado da rua.

Tammy assinou o contrato como DorisGreenwood. Trancaram a porta e ele seguiu-a de perto até ao elevador.

Ao meio-dia do dia seguinte, a mobília e a fo-tocopiadora com verificador e carregadorautomático, capaz de fazer noventa cópiaspor minuto, já tinham sido entregues a DorisGreenwood, da Greenwood Services. Ela pôsa máquina de escrever e o telefone um aolado do outro em cima da secretária. Sentadade frente para a máquina, olhava de esguelhapara a esquerda, lá para fora, e via o trânsitona Front Street. Dois quarteirões acima, dooutro lado da rua, avistavam-se o quarto equinto pisos do Edifício Bendini. ELEMANTEVE-SE intencionalmente isolado dos

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outros, com o nariz enterrado nos livros enas pilhas de papéis. Talvez não suspei-tassem dele se facturasse vinte horas por dia.

Nina deixou-lhe uma caixa com uma pizaquando saiu depois do almoço. Ele comeu-aenquanto arrumava a secretária. Telefonou aAbby e disse-lhe que ia visitar Ray e que re-gressava a Memphis no domingo à noite.Saiu pela porta lateral e dirigiu-se ao parquede estacionamento.

Percorreu durante três horas e meia aEstrada Nacional n.° 40 em direcção a leste,sem tirar os olhos do retrovisor. Nada. Nãoos viu. Provavelmente, telefonavam parauma localidade mais à frente, pensou ele, eestavam à espera dele algures. Em Nashville,desviou repentinamente para o centro dacidade. Tentou escapar ao trânsito, fazendoinversões de marcha sempre que possível.Estacionou num grande complexo hab-itacional e trancou o BMW. A cabina

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telefónica junto à piscina coberta funcionava.Chamou um táxi.

- Para o terminal de autocarros Greyhound -disse ele ao motorista quando o táxi chegou.

No terminal, comprou um bilhete para oautocarro das 4.30 para Atlanta.

- Autocarro número quatrocentos e cin-quenta e quatro - disse o empregado. O mo-torista do autocarro pediu o bilhete a Mitch eentrou atrás dele. Mitch percorreu lenta-mente o corredor, olhando para todos os ros-tos sem reconhecer ninguém. Sentou-se numlugar junto à janela na quarta fila a contar detrás. O

autocarro embrenhou-se rapidamente notrânsito. Iam parar em Knoxville. Talvez oseu contacto lá estivesse.

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Quando já estavam na estrada nacional e omotorista já atingira a velocidade decruzeiro, um homem de blue jeans e camisade algodão apareceu de repente e deslizoupara o lugar ao lado de Mitch. Era Tarrance.

- Onde é que estava? - perguntou-lhe Mitch.- Na casa de banho. Conseguiu despistá-los?

- Eu nunca os vejo, por isso não sei se os des-pistei. Mas teriam que ser superhomens parame terem seguido. E o meu carro?

- Nós vamos buscá-lo, não se preocupe.Estará em Knoxville quando precisar dele.

- Peço desculpa por parecer preocupado.Mas depois do fiasco na sapataria, descobrique vocês não são imunes à estupidez.

- Foi um erro, tem razão. Nós ...

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- Um grande erro. Um erro que me poderiater colocado na lista negra. Prometa-me quenunca mais serei abordado em público.

- Está bem, está bem. Não volta a acontecer.Prometo.

- Obrigado - disse Mitch. - Bom, Voyles disseque você tinha uma estratégia de jogo.

- E tenho. Só preciso de um avançado. - Osbons são muito caros.

- Nós estamos dispostos a pagar. Quanto éque quer? - Para fazer o quê?

Tarrance abriu uma brochura grossa e fingiuestar a ler.

- É uma boa pergunta - comentou em vozbaixa. - O que é que queremos que faça?Muito bem. Primeiro, tem que desistir da suacarreira de advogado. Vai ter de divulgar

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segredos e documentos que pertencem aosseus clientes. Isso, é

claro, já é suficiente para ser expulso da Or-dem. Depois, e mais importante de tudo, vaidar-nos documentos suficientes para incrim-inar todos os membros da firma e a maioriados manda-chuvas do clã Morolto. Os docu-mentos estão no edifício lá na Front Street.

- Como é que sabe? Tarrance sorriu.

- Porque gastamos milhões de dólares a com-bater o crime organizado. Porque temosfontes de informação dentro da famíliaMorolto. Porque Hodge e Kozinski já nos tin-ham fornecido elementos quando foram as-sassinados. Não nos menospreze, Mitch.

- E acham que eu vou conseguir tirar de látodas essas informações? Achamos, sim, Sr.Doutor. Estando lá dentro, poderá prepararum processo que irá dar cabo da firma e

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desmembrar uma das maiores famílias decriminosos do país. Tem de nos dizer comofunciona a firma: os nomes de todas assecretárias, empregados, solicitadores; quemé que está a trabalhar nos diversos pro-cessos; a quem pertencem os clientes; ondeestão guardados os documentos; quais as in-formações que estão computorizadas, e, maisimportante ainda, vai ter de passar os docu-mentos cá para fora e entregar-nos tudo. Te-mos de elaborar um processo muito consist-ente antes de começarmos a distribuirmandados de busca. - É só isso que querem?

- Não. Terá de testemunhar contra todos osseus colegas nos julgamentos. Pode demoraranos.

Mitch respirou fundo e fechou os olhos.Testemunhar nos julgamentos!

Aquilo nunca lhe ocorrera. Com milhõespara pagar aos melhores advogados de

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direito criminal, os julgamentos podiamarrastar-se indefinidamente. Tarrancecomeçou a ler a brochura. Percorridos cin-quenta quilómetros sem trocarem palavra,Mitch olhou para ele e disse:

- O que é que me acontece a mim?

- Vai ter muito dinheiro, se é que isso servepara alguma coisa. Se tem algum sentido dehonestidade, vai poder olhar para o espelhotodos os dias. Poderá

viver onde quiser neste país, com uma novaidentidade, é claro. Arranjamoslhe umemprego, fazemos-lhe uma operação ao nar-iz, faremos tudo aquilo que quiser.

Mitch olhou furioso para Tarrance.

- Honestidade? Não volte a repetir-me essapalavra. Eu sou uma vítima inocente, e vocêsabe-o muito bem.

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Tarrance emitiu um som semelhante a umgrunhido. Percorreram mais alguns quiló-metros em silêncio.

- E a minha mulher?

- Ela terá tudo o que quiser. Ela está a par dealguma coisa? - De quase tudo.

- Arranjamos-lhe um emprego onde quiser.E a si também. Onde quiserem.

- Que maravilha! Até um de vocês deixar es-capar alguma coisa à frente de quem não de-ve. A Mafia nunca se esquece, Tarrance.Vocês já deixaram morrer algumas pessoas,não vale a pena negar.

- Não o nego. E tenho de admitir que elessabem ser engenhosos quando decidemmatar.

- Obrigado. Então, para onde é que eu vou?

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- Isso é consigo. Neste momento, temoscerca de duzentas testemunhas que vivemespalhadas pelo país com novos nomes enovos empregos. As hipóteses de ser apan-hado são bastante reduzidas.

- E quanto dinheiro?

- Meio milhão de dólares.

Qualquer advogado que se preze sabe que aprimeira oferta tem de ser sempre recusada.Sempre.

- Isso é ridículo, Tarrance. Não podem estarà espera que eu abandone uma mina de ouropor meio milhão de dólares. Depois dedescontados os impostos, fico com trezentosmil; na melhor das hipóteses.

- E se nós fecharmos a mina de ouro e man-darmos todas as luminárias com indu-mentárias Gucci para a prisão?

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- Se. Se. Se. Pensei que estivessémos a nego-ciar, não a ameaçar. - Eu fiz-lhe uma oferta.

- Estão à espera que eu prepare um processoque vai pôr à vossa mercê um grupo dospiores criminosos da América, um processoque poderá muito facilmente custar-me avida, e oferecem-me uma miséria. Três mil-hões, pelo menos.

Tarrance não pestanejou nem franziu osobrolho, e Mitch percebeu que não estavafora de questão.

- É muito dinheiro - disse Tarrance quasepara os seus botões. - Vou ter de falar com odirector.

- Pensei que tinha carta branca. - E que maisé que quer?

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- Tenho algumas coisas em mente, mas nãovamos discuti-las antes de chegarmos aacordo sobre a quantia.

Tarrance voltou a concentrar-se na brochura.

Uma hora e meia depois, o autocarro entrouno terminal de Knoxville e parou. Mitch pôs-se de pé no corredor.

- Três milhões, nem um centavo a menos. Etenho uma terceira opção, Tarrance. Possodesaparecer no escuro, eclipsar-me no ar.

- Os Moroltos encontram-no numa semana.E nós não estaremos lá para o proteger. Até àvista, amigo.

Mitch saltou do autocarro e saiu a correr doterminal. ERAM apenas um casal de pom-binhos de mãos dadas passeando inocente-mente pelo parque, apesar da brisa fria deFevereiro. Pararam e olharam para o

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majestoso rio, que avançava muito lenta-mente em direcção a Nova Orleães.

- Sabes, Abby - disse Mitch. - Eu sempre quistrabalhar nos Correios. Ser carteiro numaaldeia deve ser agradável.

Não passava de uma brincadeira esta tent-ativa de fazer humor com a situação, masresultou. Ela riu-se um pouco, e ele percebeuque ela realmente achava engraçado.

- Pois é, e eu posso limpar o chão num centrode saúde. Ele abraçou-a.

- Acreditas no Tarrance? - perguntou Abby. -Acreditas que eles um dia acabarão porconseguir infiltrar-se na firma?

- Tenho medo de não acreditar.

- Então, pegamos no dinheiro e fugimos?

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- Para mim é fácil, Abby. Não deixo nadapara trás. No teu caso é diferente. Nuncamais vais voltar a ver a tua família.

- Para onde iríamos?

- Eu não quereria ficar nos EUA. Não se podeconfiar no FBI. Sentir-me-ia mais seguronoutro país, mas não digo isso ao Tarrance.

- Qual é o próximo passo?

- Chegamos a acordo, depois reunimos rapi-damente as informações suficientes paraafundar o barco. Quando o Tarrance ficarsatisfeito, pegamos no nosso dinheiro edesaparecemos.

- E eles pagam?

- Pagam, mas o problema não é esse. O prob-lema é: queres pegar no dinheiro e fugir?

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Ela estava com frio, e Mitch pôs-lhe o seucasaco sobre os ombros. - É um péssimoacordo, Mitch - disse ela -, mas pelo menosficamos juntos. Vamos pegar no dinheiro efugir.

- Está combinado.

TAMMY Greenwood Hemphill, da Green-wood Services, estacionou o seu Volkswagensujo atrás do Peugeot reluzente no parque deestacionamento da St. Andrew's School.Deixou o motor ligado. Deu quatro passos,enfiou uma chave no porta-bagagem doPeugeot e tirou uma pesada pasta preta.Fechou o porta-bagagem regressou ao seucarro e partiu a toda a velocidade. De umajanela da sala de professores, Abby obser-vava por entre as árvores o parque de esta-cionamento. Via bem o seu carro. Sorriu e ol-hou para o relógio. Meio-dia e meia hora,como planeado.

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Tammy estacionou o carro no lugar que lhepertencia, em frente ao Cotton ExchangeBuilding, do outro lado da rua. Desta vez,eram nove dossiers. Fez duas cópias de todasas páginas e voltou a arrumá-las. Escreveu adata, hora e o nome de cada um dos dossiersnum livro de registos. Havia agora vinte enove títulos. Mitch dissera que no fim seriamuns quarenta. Ela colocou uma cópia de cadaum numa gaveta fechada à chave no armário,depois pôs os originais e a outra cópia dentroda pasta.

Seguindo as instruções que ele lhe dera háuma semana, ela alugara uma arrecadaçãocom dois metros e meio por dois metros emeio num edifício de pequenas arrecadaçõesda Summer Avenue. Passados trintaminutos, ela chegou lá e abriu o n.° 38C. Co-locou as outras cópias dos noves dossiersnuma pequena caixa de papelão e rabiscou adata na extremidade da aba. Colocou a caixajunto às outras três que se encontravam no

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chão. Às 3 horas em ponto, entrou no parquede estacionamento da St. Andrew's, parou at-rás do Peugeot, abriu o porta-bagagem edeixou a pasta onde a encontrara.

Segundos depois, Mitch saiu da porta prin-cipal do Edifício Bendini e espreguiçou-se.Respirou fundo e olhou para a Front Street.Um dia maravilhoso. Reparou que num edi-fício dois quarteirões a norte dali no nonoandar as persianas estavam fechadas. Era osinal: correra tudo bem. Sorriu e voltou parao seu gabinete.

ÀS 3 DA MANHA do dia seguinte, Mitch saiusorrateiramente da cama e vestiu em silênciouns jeans desbotados, uma camisa de flanela,meias grossas brancas e um par de botas deborracha velhas. Queria parecer um cami-onista. Fez quarenta quilómetros para sul naEstrada Nacional n.° 55 em direcção a Sen-atobia, no Mississípi, e entrou num local de

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paragem de camiões aberto toda a noite echeio de gente.

A sala barulhenta estava repleta de homenscorpulentos de meia-idade a beberem café ea comerem empadas compradas no super-mercado. O advogado avançou pouco à vont-ade em direcção ao fundo da sala, até ver umrosto conhecido escondido atrás de uns ócu-los de aviador. Nessa altura, o rosto sorriu.

-Olá, amigo - disse Tarrance. - Então, comovai a vida de camionista?

Mitch sentou-se à mesa.

- Acho que prefiro o autocarro.

Uma empregada passou lentamente por elese perguntou-lhes o que queriam. Pediramambos apenas café.

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- Como é que vai o meu velho amigo Voyles?- perguntou Mitch. - Aguarda ansiosamenteuma resposta sua. Eu falei-lhe do nosso en-contro hoje à noite, e ele ficou muito entusi-asmado. Disse que podíamos pagar um mil-hão, nem mais um tostão. O dinheiro serádepositado num banco suíço, e ninguém,nem sequer o IRS, saberá da sua existência.

- Um milhão de dólares não chega, Tarrance.Quero um milhão agora e um milhão depois.Já comecei a copiar todos os meus processose devo acabar dentro de poucos dias. Pro-cessos legais, penso eu. Se os der a alguém,serei expulso para sempre da Ordem dos Ad-vogados. Por isso, quando lhos der, quero re-ceber o primeiro milhão.

A empregada deixou cair duas chávenas emcima da mesa, salpicando tudo de café.

- Eu trago outro de graça - grunhiu ela, e foi-se embora.

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- E o segundo milhão? - perguntou Tarrance,ignorando o café. - Quando você, eu e Voylesdecidirmos que já vos dei documentos sufi-cientes para os incriminar, recebo metade.Depois de testemunhar pela última vez, re-cebo a outra metade. É mais que justo,Tarrance.

- Sem dúvida. Está combinado.

Mitch respirou fundo e sentiu-se enjoado.Um acordo. Um contrato. Um contrato quenunca poderia ser escrito, mas que, apesarde tudo, era terrivelmente definitivo. O jogoiniciara-se, era preciso continuar.

- Vou pedir-lhe mais uma coisa, Tarrance.Não vos custa um centavo e vocêsconseguem-no sem grande esforço. Estábem?

- Sou todo ouvidos.

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- O meu irmão Ray está na Prisão de BrushyMountain. Faltam-lhe sete anos para a liber-dade condicional. Quero que o tirem de lá.

- Isso é ridículo. Nós podemos fazer muitacoisa, mas não podemos dar liberdade condi-cional aos presos. Nem pensar.

- Ouça, Tarrance. Se eu tiver de me pôr a an-dar daqui com a Mafia atrás de mim, o meuirmão vai comigo. Faz parte do acordo. E eusei que, se o director Voyles o quiser cá fora,ele sai cá para fora. É só uma questão deplanearem a coisa.

- Fazemos um assalto à prisão com coman-dos e salvamo-lo. - Não se faça de parvo, Tar-rance. Isto não é negociável.

- Está bem, está bem. Vou ver o que se podefazer. Mais alguma surpresa?

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- Não, apenas perguntas. O que é que Hodgee Kozinski vos disseram?

- O que eles disseram não foi suficiente. Nóstemos um dossier no qual escrevemos tudo oque sabemos sobre os Moroltos e a firma.Organização, pessoas-chave, actividades ile-gais, etc. Precisa de lê-lo antes de começar-mos a trabalhar. Quando é que podemos veros seus processos?

- Daqui a uma semana. Já consegui copiarquatro processos que pertencem a outraspessoas. Sou capaz de conseguir mais.

- Quem é que os está a fotocopiar? - Isso nãointeressa. Tarrance deixou passar. - Quantossão?

- Entre quarenta e cinquenta. Passo-os cápara fora aos poucos e poucos. Nalguns tra-balhei durante oito meses, noutros apenas

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uma semana ou coisa parecida. Tanto quantome parece, são todos clientes legítimos.

- Quantos deles é que conheceu pessoal-mente? - Dois ou três.

- É melhor não apostar que são todos legíti-mos. - Tarrance beberricou o café. Quando éque você e Abby partem para as férias nasCaymans?

-No domingo de manhã. Porquê? Quantosgrupos é que vão seguir-nos?

Francamente, esperávamos gozar um poucode privacidade.

- Vão para um dos apartamentos da firma?Esqueçam a privacidade. É

provável que tenha mais fios que um quadrode electricidade. Até talvez câmaras defilmar.

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- Mas que animador! Talvez passemos umaou duas noites na Escola de MergulhoAbanks. Passe lá para bebermos um copo.

- Que engraçadinho! - Tarrance deixou umdólar e meio na mesa e saíram.

- Vou falar com Voyles daqui a umas horas -disse Tarrance. - Boa viagem. Apertaram asmãos.

- Não é negociável, Tarrance - disse Mitchnovamente. - Pode-me tratar por Wayne. Atébreve.

As nuvENS pretas e a forte chuvada tinhamafugentado os turistas da Seven Mile Beachquando os McDeeres, encharcados e exaus-tos, chegaram ao duplex luxuoso. Mitch fezmarcha atrás com o jipe Mitsubishi alugadoaté à

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porta principal do lote B. Aquando da suaprimeira visita, ficara no lote A. Pareciam osdois idênticos.

Uma vez lá dentro, depois de secos, desfizer-am as malas no quarto principal no primeiroandar e vasculharam todas as divisões earmários. O frigorífico estava vazio, mas obar estava muito bem abastecido. Mitch pre-parou duas bebidas, rum e coca-cola, emhonra das ilhas. Sentaram-se na varanda aolhar para o mar agitando-se violentamentee salpicando a areia. Abby afundou-se na ca-deira de plástico e fechou os olhos.

- Fantástico, Abby! A nossa primeira viagemao estrangeiro, a nossa primeira lua-de-mel asério, e tu adormeces dez minutos depois deaterrarmos.

- Estou cansada, Mitch. Passei a noite a fazeras malas enquanto tu dormias. E

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está escuro e a chover.

Mitch sorriu e começou a massajar-lhe aspernas.

- Eu até gosto da chuva. Para dizer a ver-dade, espero que chova a semana toda. Fi-caremos fechados em casa, na cama.

- Pensei que querias fazer mergulho a sem-ana toda.

O vento tornou-se mais forte, e a varandacomeçou a ficar encharcada.

- Vamos lá para dentro - disse Mitch.

ABBY conduzia com muito cuidado o jipe nomeio do trânsito matinal da Baixa de GeorgeTown. Ela nunca conduzira pela esquerda.Mitch ia dando indicações e olhando para oespelho retrovisor. Apontou para uma rualateral escondida, e o jipe disparou por entre

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dois grupos de turistas. Ele deu-lhe um beijoe disse:

- Encontramo-nos aqui às cinco. - Tem cuid-ado - disse ela. Ele bateu com a porta esaltou para o banco de trás de um táxi que iaa passar.

- Para o aeroporto - ordenou -, e depressa.

Dez minutos depois, o táxi parava em frenteao terminal. Mitch pagou ao motorista e en-trou rapidamente. O voo das linhas das Cay-man Airways para a Cayman Brac partia às9. Tinha reservado uma passagem no trimo-tor Trislander. No último segundo, saiu doterminal a correr, atravessou a pista e entroua bordo. Os dez passageiros admiravam omar azul-brilhante e pouco falaram durantea viagem de vinte minutos.

Na Cayman Brac, Rick Acklin, agente espe-cial, observava o desembarque dos turistas.

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O suor pingava-lhe do nariz. Deu um passoem frente.

- Mitch - disse ele quase inaudivelmente.Mitch hesitou. - O carro está lá fora

- disse Acklin.

Percorreram uma rua poeirenta até chegar-em a um sítio chamado Mergulhadores deBrac. Via-se uma centena de barcos de váriostamanhos, ancorados, protegidos por umpontão já velho que entrava pelo mar aden-tro. Junto ao pontão, havia uma esplanadaonde Wayne Tarrance se encontrava sozinhonuma mesa a beber uma coca-cola e a obser-var um grupo de mergulhadores que estavama carregar um barco com botijas amarelas.Apontou com a garrafa para duas cadeirasvazias.

Um empregado que andava ali perto ficou àespera que eles pedissem. Acklin pediu uma

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coca-cola, e Mitch, uma coca com um poucode rum.

- O Lear saiu de Memphis no sábado à noitee veio para a Grande Cayman. Desconfiamosque vinham três mercenários a bordo - disseTárrance.

- Com que então estão cá e estão a seguir-nos?

- É claro, Mitch. Dois deles já nós recon-hecemos. Um estava em Washington quandovocê lá esteve, é Aaron Rinuner: um tipolouro, na casa dos quarenta, com cerca deum metro e noventa de altura, cabelo muitocurto, quase à

recruta, bigode louro e feições nórdicas.Desloca-se rapidamente. Vimo-lo ontem aovolante de um Escort vermelho.

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- Vi-o no Aeroporto de Memphis na noite emque voltei de Washington. Achei na alturaque já o tinha visto lá.

- É esse. Está cá. - Quem é o outro?

- Tony Verkler, ou Tony Duas-Toneladas,como nós lhe chamamos. Já esteve preso.Pesa cento e trinta quilos e é Ótimo a vigiarpessoas porque ninguém desconfia dele.

- Quantos homens é que vocês têm nas ilhas?

- Quatro homens, duas mulheres - disseTarrance.

- E pode saber-se exactamente o que é queestão cá a fazer? - perguntou Mitch.

- Em primeiro lugar, estamos cá para selar-mos o acordo. Em segundo lugar, paratentarmos identificar os mercenários. A ilhaé um bom local de observação.

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- E em terceiro lugar, querem trabalhar parao bronze?

Acklin deu uma pequena gargalhada. Tar-rance sorriu e depois franziu o sobrolho.

- Não. Nós estamos cá para o proteger. A úl-tima vez que me sentei nesta mesa foi a falarcom Joe Hodge e Marty Kozinski, há novemeses. Na véspera de eles morrerem.

- E acha que eu também estou prestes a mor-rer? - Não. Ainda não. Mitch fez sinal aoempregado do bar para lhe trazer outra be-bida. - Fico muito sensibilizado: com que en-tão eles vieram atrás de mim. Vá lá, Tar-rance. Enquanto estamos aqui a falar, osmercenários, como você lhes chama, devemestar a seguir a minha mulher por toda ailha. Não vou sossegar enquanto não voltar.Bom, quanto ao acordo? - Concordamos comos dois milhões. Pagamos-lhe o primeiro

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milhão quando nos entregar todos os seusprocessos.

- E o meu irmão?

- Vamos tentar. Não podemos prometernada.

- Se me querem a mim, Tarrance, vão ter queo libertar.

- Não há nenhuma maneira legítima, formalou legal de o tirar de lá, por isso vamos ter detentar por outros meios. E se ele for alvejadodurante a fuga?

- Tirem-no de lá, Tarrance. - Vamos tentar.

- Vocês vão usar todos os poderes e meios aodispor do FBI para ajudarem o meu irmão afugir da prisão, entendido, Tarrance?

- Dou-lhe a minha palavra de honra.

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Mitch recostou-se na cadeira. Agora o acordoera definitivo. -Então, quando é

que nos dá os nossos processos?-perguntou-lhe Tarrance.

- Daqui a dez, quinze dias.

- E como é que se propõe fazer a entrega?

- Muito simples. Depois de os ter copiado atodos e de o milhão de dólares estar onde euquero, dou-lhe a chave de uma pequena ar-recadação na área de Memphis e vocês po-dem ir buscá-los numa carrinha.

- Eu disse-lhe que íamos depositar o dinheirona Suíça.

- Não. Eu estou a pensar noutro banco. Eutrabalho para tipos que fazem lavagem dedinheiro, certo? Por isso sou perito emesconder dinheiro.

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- Claro, claro. Um tipo que vale dois milhõespode escolher o banco que quiser.

- Eu não vou viver o tempo suficiente para ogozar, Wayne. E você bem o sabe.

MITCH viu-o a cinco quilómetros de GeorgeTown, na estreita e sinuosa estrada paraBodden Town. Ele estava agachado atrás deum velho Volkswagen carocha com o capôaberto, como se tivesse parado por causa deproblemas no motor. Era o nórdico, AaronRimmer.

Mitch passou, depois abrandou para os cin-quenta quilómetros à hora, à espera dele.Abby virou-se e ficou a observar a estrada.Passados minutos o Volkswagen do nórdicosaiu à desfilada de uma ligeira curva. O jipedos McDeeres estava muito mais perto doque o nórdico previra. Apercebendo-se deque fora visto, abrandou bruscamente evirou para um carreiro. Mitch acelerou e

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dirigiu-se para o parque de estacionamentoda Escola de Mergulho Abanks.

Barry Abanks estava encostado ao bar a ob-servar dois dos seus barcos de mergulho adesaparecerem na extremidade da ilha. OsMcDeeres aproximaram-se, e Mitch ap-resentou discretamente a mulher a Abanks,que não foi amável nem grosseiro.Dirigiram-se ao pequeno cais, onde um dosempregados preparava um barco de pesca denove metros. Depois de terem entrado abordo, o empregado afastou o barco do caisfazendo marcha atrás. Abby sentou-se numbanco almofadado e olhou para o horizonte.Num saco a seus pés estavam dois pares debarbatanas e máscaras de mergulho novin-has em folha. Era obviamente uma viagempara fazer mergulho e talvez um pouco depesca. Abanks concordara em acompanhá-los depois de McDeére lhe ter dito que pre-cisavam de discutir uns assuntos pessoais:assuntos particulares que diziam respeito à

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morte do filho. DE UMA VARANDA en-vidraçada no segundo andar de uma casa depraia, o Nórdico viu as duas cabeças commáscaras e tubo a balouçarem na água e adesaparecerem do outro lado do barco denove metros. Passou os binóculos a TonyDuas-Toneladas, que depressa se aborreceue lhos devolveu.

- É raro Abanks passar horas num barco depesca - comentou o Nórdico. - Ele gosta demergulhadores a sério. Deve haver uma boarazão para perder um dia com dois mergul-hadores sem botija novatos. Alguma coisa sepassa. ERA MUITO raro as mulheres apare-cerem na pequena e tranquila fortaleza daFront Street. Eram sem dúvida bem-vindas,diziam-lhes, mas raramente eram convida-das. Por isso, Abby McDeere decidiu apare-cer sem ser convidada. Insistiu que queriaver o marido. A recepcionista ligou paraNina, e esta apareceu passados segundospara saudar carinhosamente a mulher do seu

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chefe. Explicou-lhe que Mitch estava numareunião.

- Ele está sempre em reuniões - replicouAbby. - Tire-o de lá! - Levaram-na rapida-mente para o gabinete dele, onde Abbyfechou a porta e ficou à espera. Mitch estavaa observar outra das partidas caóticas deAvery. Ele ia passar dois dias na Grande Cay-man. O dia 15 de Abril aproximava-se nocalendário como a data marcada para umpelotão de fuzilamento, e os bancos na ilhatinham algumas contas em estado crítico.Avery iria no Lear,,que, segundo a secretária,já estava à espera.

"À espera e provavelmente carregado de not-as", pensou Mitch. Quando Avery estava aagarrar no casaco, Nina entrou.

- Dr. McDeere, a sua mulher está cá. Diz queé muito urgente. Ele desceu as escadas atrás

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de Nina sem dizer palavra. Abby estava sen-tada à

secretária. Ele fechou a porta e observou-acautelosamente. - Mitch, o meu pai acaboude me telefonar para a escola. Descobriramum tumor num dos pulmões da minha mãe.Vai ter que ser operada amanhã. Ele respiroufundo. - Lamento muito. - Tenho de ir paralá. Pedi licença sem vencimento na escola.

- Por quanto tempo? - A pergunta foi feitanum tom de voz nervoso. Ela fixou o olharalgures por detrás dele.

- Não sei, Mitch. Precisamos de passar algumtempo longe um do outro. Acho que nos vaifazer bem a ambos.

- Precisamos de conversar.

- É o que tenho tentado fazer nestes últimosseis meses, mas tu não me ouves.

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- Quanto tempo é que lá vais ficar, Abby?

- Depende da minha mãe. Não, depende demuita coisa. - Estás a assustar-me, Abby.

- Eu prometo que volto. Talvez uma semana,talvez um mês. Preciso de tempo e preciso deestar com a minha mãe.

- Espero que ela fique bem. A sério.

- Eu sei. Vou para casa fazer as malas. Partodaqui a uma hora mais ou menos.

- Está bem. Tem cuidado. - Amo-te, Mitch.

Ele fez um aceno de cabeça enquanto ela ab-ria a porta. Não se beijaram. No QUINTOandar, um técnico rebobinou a fita e car-regou no botão de emergência para chamarDeVasher. Ele apareceu imediatamente,colocou os auscultadores na cabeça e escutoudurante uns segundos.

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- Ela vai deixá-lo, não vai? - perguntou ele aotécnico. - Nunca tinham falado de separaçãonem de divórcio?

- Não, senão ter-lho-íamos dito. Discutiramsobre o exagero de horas que ele passa a tra-balhar e ele odeia os pais dela, mas nada quese parecesse com isto.

- Está bem. Ouve novamente as fitas para ocaso de nos ter escapado alguma coisa.

ABBY partiu para o Kentucky, mas uma horaantes de chegar a Nashville deixou a EstradaNacional n.° 40 è virou para norte pela Auto-Estrada n.° 13. Não vira ninguém a segui-la.Por vezes, ia a cento e trinta, depois a oit-enta. Nada. Na pequena vila de Clarksville,voltou para leste pela Auto-Estrada n.°

12. Uma hora depois, estava no parque de es-tacionamento do Aeroporto de Nashville, nazona destinada a estacionamento

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prolongado. Numa das casas de banhomudou de roupa, vestindo calções de caqui,mocassins e uma camisola de lã azul-escura.Prendeu o cabelo que lhe dava pelos ombrosnum rabo-de-cavalo e depois enfiou-o dentroda gola.

Quase cinco horas depois de ter saído deMemphis, dirigiu-se para a porta de em-barque da Delta. Duas horas depois, aterrouem Miami. O voo para a Grande Caymanpartia daí a meia hora.

AVERY passou sete horas na dependência doRoyal Bank of Montreal, na Grande Cayman.Saiu às 5 horas e acabava o trabalho no diaseguinte. Precisava de McDeere, mas as cir-cunstâncias tinham afectado seriamente osseus planos para a viagem. Naquele mo-mento, Avery estava exausto e cheio de sede.

Pediu uma cerveja no bar do Rurnheads eembrenhou o seu corpo bem bronzeado no

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meio da multidão até chegar a uma mesa nopátio. Quando passou com um ar confiantepela mesa de dominó, Tammy GreenwoodHemphill penetrou calmamente por entre amultidão e sentou-se num banco ao balcão.Observou-o. O bronzeado dela fora compra-do nas lojas de produtos de beleza. O seu ca-belo estava pintado, mas não oxigenado, deum tom de louro suave, cor de areia, e tam-bém reduzira a maquilhagem. A parte decima do biquini estava esticada ao máximo.Tinha quarenta anos, mas vinte pares de ol-hos esfomeados seguiram-na até ao bar,onde pediu uma soda e acendeu um cigarro.Fumou-o enquanto o observava.

Ele era um lobo. Tinha bom aspecto e sabia-o. Examinou lentamente todas as mulheresque se encontravam num raio de cinquentametros. Tammy pediu outra soda, desta vezcom um pouco de sumo de lima, e dirigiu-seao pátio. O

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lobo observava-a.

- Importa-se que me sente? - perguntou ela.Ele soergueu-se.

- Faça favor. - Foi um momento de vitóriapara ele: de entre todos os lobos que sepavoneavam pelo Rumheads, ela escolhera-oa ele.

- Chamo-me Avery Tolar. Sou de Memphis.

- Muito prazer. Eu chamo-me Libby. LibbyLox, de Birmingham. - O que a traz aqui? -perguntou Avery.

- Estou em férias. Cheguei esta manhã. Estouno Palms. E você? - Eu sou advogado espe-cialista em direito fiscal e, por incrível quepareça, vim em serviço.

- Onde é que está instalado? Ele apontou.

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- A minha firma é proprietária daqueles doisapartamentos ali. - O lobo não hesitou. -Gostaria de os ver?

Ela deu uma gargalhadinha de ingénua. -Talvez mais logo. Ele sorriu. Não seria difícil.- O que é que está a beber? - Um gin tónico.Com umas gotas de lima.

Ele foi até ao balcão e voltou com as bebidas.Aproximou a cadeira da dela.

- Tem planos para o jantar?

- Não propriamente.

- Ótimo. Há um bufete ao ar livre no Palms.

Aproximaram-se mais um do outro. Ela pen-sou que aquilo não era desagradável de todo,mas tinha uma missão a cumprir. Um con-junto começou a tocar reggae. O cheiro amarisco cozido, peixe grelhado e tubarão na

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brasa enchia a praia. Os pombinhos, Avery eLibby, entraram de mãos dadas no pátio doPalms. Durante três horas, comeram edançaram, beberam e dançaram. Quando elecomeçou a ficar bêbado, ela voltou nova-mente à soda. Às 10 horas, ela levou-o dapista de dança para o apartamento, queficava ao lado. Ele conseguiu abrir a porta eentraram.

- Só mais uma bebida - disse ela, continu-ando a farsa. Ele dirigiu-se ao bar e arranjou-lhe um gin tónico. Ele estava a beber whiskycom água lisa. Sentaram-se na varanda doquarto principal e observaram a meia-luaque decorava o mar calmo.

Ela acompanhara-o em todas as bebidas,pensou ele, e se ela era capaz de aguentaroutra, ele também o seria. Mas a Naturezafoi mais forte, e ele teve que se ausentar. Owhisky ficou pousado numa mesa de verga, eela sorriu ao olhar para ele: muito mais fácil

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do que esperara. Deitou dois comprimidosde hidrato de cloral na bebida e continuoubeberricando o seu gin.

- Vamos lá a acabar a bebida, seu rapagão -disse ela quando ele voltou. Estou prontapara ir para a cama. Ele agarrou no whisky eengoliu-o quase de um só trago. As suaspapilas gustativas já estavam dormentes hávárias horas. A sua cabeça balançou de umombro para o outro e finalmente o queixoacabou por cair-lhe sobre o peito.

"Dorme bem, engatatão", disse ela para comos seus botões. Num homem com oitentaquilos, dois comprimidos de hidrato de cloralprovocariam um sono profundo durante dezhoras. "Oito horas", pensou ela,

"será mais seguro." Fê-lo rolar para fora dacadeira e arrastou-o até à cama. Tapou-o eaconchegou-lhe os lençóis. Deu-lhe um beijode boa noite. Encontrou dois porta-chaves na

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cómoda, onze chaves ao todo. No hall do pisode baixo, encontrou a porta misteriosa queMitch dissera ter visto em Novembro. Erasuspeita porque era de metal, estavatrancada e tinha uma pequena placa que diz-ia ARRECADAÇÃO. Era a única porta complaca no apartamento.

Ao experimentar a quarta chave, a portaabriu-se. Não sentiu nenhum choque eléc-trico, não ouviu nenhum alarme, nada.Mitch especulara que o lote A era utilizadopelos sócios e convidados de confiança e queo lote B o era pelos colaboradores e outraspessoas que necessitavam de vigilância con-stante. Por isso, ele tinha esperança de que olote A não estivesse cheio de microfones, câ-maras de filmar, gravadores e alarmes. Elaacendeu a luz. Contou doze arquivos detamanho regulamentar à prova de fogo.Aproximou-se lentamente de um deles e ab-riu a primeira gaveta. Não estava fechada àchave. Apagou a luz, fechou a porta e voltou

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para o quarto lá em cima, onde Averyressonava alto. Eram 10.30. Iria trabalharcomo louca até às 6 da manhã. Junto àsecretária a um canto, encontravam-se trêspastas grandes muito bem arrumadas. Elaagarrou nelas, apagou a luz e saiu.

A distância até ao Palms era curta, mas aspastas estavam muito mais pesadas quandochegou ao quarto 188. Estava ofegante esuada quando bateu à porta. Abby abriu aporta de rompante. - Houve algumproblema?

- Ainda não. Acho que está morto. - Tammyenxugou o rosto.

- Onde é que ele está? - Abby estava com umar profissional, nada de sorrisos.

- Está na cama. Acho que temos até às seis.

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- Entrou na tal divisão? - perguntou Abbyenquanto entregava a Tammy uns calções euma camisa larga de algodão.

- Entrei. Há doze arquivos e nenhum delesestá fechado. São todos do tamanho regula-mentar. Só com muita sorte é que acabamosàs seis. Tinham encostado o sofá, a mesa decafé e a cama do quarto à parede e colocadono centro da divisão uma fotocopiadora Can-on modelo 8580, com carregador e verific-ador automáticos, alugada, que já se encon-trava ligada naquele momento. Abriram aprimeira pasta e tiraram seis dossiers muitofinos.

- Os dossiers são do mesmo tipo - murmurouTammy. - Mitch diz que eles são muito es-quisitos com os dossiers - explicou ela en-quanto desagrafava um documento de dezpáginas. - Parece que os advogados quaseconseguem detectar pelo cheiro quando umasecretária andou a mexer num dossier. Por

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isso, trabalhe com calma. Copie um docu-mento, e quando voltar a pôr o agrafo, tentealinhar as páginas de modo a fazer que osburacos do antigo agrafo coincidam.

Com o carregador automático, o documentocom dez páginas levou oito segundos a serfotocopiado. A primeira pasta ficou prontaem vinte minutos. Tammy entregou os doisporta-chaves a Abby e pegou em duas malasSamsonite de lona novas e vazias e partiupara o apartamento. Abby saiu atrás dela e,no Nissan Stanza, alugado por Tammy,dirigiu-se a George Town. Numa rua estreitaladeada de casas de madeira muito bem ar-ranjadas, encontrou a que pertencia ao únicoserralheiro da Grande Cayman, ou pelomenos o único que ela conseguira localizarsem ajuda e que concordara em fazer o ser-viço à noite. Conduziu Abby às traseiras dacasa até a um pequeno barracão cheio de fer-ramentas e pequenas máquinas. Ela

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entregou-lhe as onze chaves, que ele pousoucuidadosamente numa bancada atravancada.

- Isto é fácil - disse ele.

Trabalhou com um par de óculos grossos,furando e moldando cada uma das réplicas.Fez o trabalho em vinte minutos. Entregouos dois molhos de chaves originais e as cópi-as a Abby.

- Obrigada. Quanto é que lhe devo?

- Foi muito fácil - disse ele, arrastando as pa-lavras. - Um dólar por cada uma. Ela pagou-lhe rapidamente e foi-se embora.

TAmmy encheu as duas malas pequenas como conteúdo da primeira gaveta do primeiroarmário-arquivo. Cinco gavetas, dozearmários, sessenta viagens de ida e volta. Erapossível. Tinham dossiers, blocos de aponta-mentos, folhas de computador. Mitch dissera

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para copiar tudo. Não tinha bem a certeza doque andava à procura, por isso queria tudocopiado.

Ela apagou a luz e correu até lá acima paraver o engatatão. Ele nem sequer se mexera.O ressonar era lento.

As Samsonites pesavam treze quilos cadauma; doíam-lhe os braços quando chegou aoquarto 188. A primeira de sessenta viagens.Abby ainda não voltara de George Town, porisso Tammy colocou o conteúdo das malasbem arrumado em cima da cama e regressouao apartamento. A segunda gaveta era igual.Estava ofegante. Subiu as escadas para vercomo é que ele estava: não se mexera desde aúltima viagem.

A fotocopiadora estava a zumbir quando elavoltou da segunda viagem. Abby estava aacabar a segunda pasta.

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- Conseguiu as chaves? - perguntou Tammy.

- Consegui. O que é que o seu homem está afazer?

- Se a fotocopiadora não estivesse a trabal-har, conseguia ouvi-lo a ressonar. Tammytirou os papéis das malas e partiu para oapartamento. Abby acabou as pastas ecomeçou a copiar as pilhas de documentosdos arquivos. Ela depressa apanhou a cadên-cia do carregador automático e começou amover-se com a graciosidade eficiente deuma empregada experiente da sala defotocópias.

Tammy chegou da terceira viagem completa-mente ofegante.

- Terceira gaveta - disse ela. Abriu o fechodas malas e fez outra pilha em cima da cama.Recuperou o fôlego e colocou numa dasmalas os documentos já fotocopiados da

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primeira gaveta. E dali em diante passaria air e a vir carregada.

À meia-noite, o conjunto de reggae tocou aúltima música, e o Palms sossegou. Ninguémreparou na senhora cansada que entrava esaía do quarto 188 sempre com as mesmasmalas.

Tammy ia sempre verificar como estavaAvery, mas depois da vigésima quintaviagem convenceu-se de que ainda faltavamvárias horas para ele recobrar a consciência.Por isso, só lá ia acima viagem sim, viagemnão. Depois, de duas em duas viagens.

Às 2 horas, já tinham copiado o conteúdo decinco arquivos. Mais de quatrocentas cópiasencostadas à parede, formando sete pilhasque chegavam quase à cintura.

Às 5.30, o primeiro lampejo de luz do Solviu-se a leste. Tammy esfregou as cãibras na

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barriga das pernas e voltou rapidamente aoapartamento. Ou era a quinquagésimaprimeira viagem ou a quinquagésima se-gunda. Seria a última durante um bocado.Ele estava à espera dela.

Quando ela entrou no quarto, Avery estavasentado na borda da cama, de frente para avaranda. Ouviu-a entrar e voltou-se. Tinhaos olhos inchados e vítreos e estavacarrancudo.

- Então, rapagão - disse ela, aproximando-seda cama. - Levantaste-te cedo. Vamos ládormir mais um bocadinho.

Ele não disse nada. Tammy sentou-se a seulado e ele não se mexeu. - Estás acordado?

Não obteve resposta. Ele caiu de lado emcima da almofada e depois fechou os olhos.Ela pôs-lhe as pernas em cima da cama etapou-o. Ficou sentada junto dele dez

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minutos, e quando ele recomeçou a ressonarcomo anteriormente, ela foi a correr até aoPalms.

- Ele acordou, Abby! - disse ela em pânico. -Ele acordou e depois passou-se outra vez.

Abby parou e ficou a olhar para ela. Ambasolharam para a cama, que estava repleta dedocumentos ainda por copiar.

- Muito bem - disse Abby num tom frio. -Meta-se na cama com ele e espere. Telefone-me quando ele acordar e for tomar duche. Euvou continuar a fotocopiar o que resta etentamos pôr tudo no lugar depois de ele irtrabalhar.

- É muito arriscado.

- É tudo muito arriscado. Despache-se.

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Cinco minutos depois, Tammy fez outraviagem, sem as malas, até ao apartamento.Trancou a porta da arrecadação, dirigiu-separa o quarto, voltou a colocar as chaves deAvery no sítio e enfiou-se debaixo doslençóis.-O ENGATATÃO mexeu-se às 9.03.Gemeu em voz alta e rolou até à beira dacama. A sua cabeça balançava desajeitada-mente da direita para a esquerda,chocalhando-lhe violentamente o cérebro acada movimento. Olhou durante trinta se-gundos para o relógio digital até conseguirdecifrar os números vermelhos: 9.05.Estavam à espera dele no banco às 9. Gemeu.A mulher!

Ela estava deitada muito quieta, de olhosfechados, rezando para que ele não lhetocasse.

Aquele aventureiro profissional já tiveramuitas ressacas, mas nenhuma como aquela.Olhou para ela e tentou lembrar-se. Fosse

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qual fosse a intensidade da ressaca, con-seguia sempre lembrar-se da mulher. Olhoupara ela durante uns segundos e acabou pordesistir.

- Acorda, querida - disse ele, qual cavalheiro.Ela presenteou-o com o melhor dos sorrisos.

- Bom dia, rapagão - arrulhou ela de olhosfechados. Apesar de a cabeça lhe andar àroda, ele sorriu.

- Ouve, Libby, acordámos tarde e já estou at-rasado. Tenho que ir tomar um duche.

- Acorda-me quando saíres.

Ele levantou-se, murmurou qualquer coisa,foi para a casa de banho e trancou a porta.Ela deslizou para o outro lado da cama,pegou no telefone e ligou para Abby.

- Ele está no chuveiro. - Você está bem?

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- Estou óptima.

- Ele suspeita de alguma coisa?

- Não. Não se lembra de nada. Acho que estáatarantado demais. - Quanto tempo é que vaificar aí?

- Despeço-me quando ele sair do chuveiro. -Está bem. Despache-se. - Abby desligou.

No sótão por cima de Tammy, um gravadordeu um estalido e preparou-se para a cha-mada seguinte.

Às 10.30, estavam a preparar-se para o as-salto foral ao apartamento. Três raides ousa-dos à luz do dia. Tammy enfiou as chavesnovas e reluzentes no bolso e foi-se emboracom as duas malas.

As chaves entraram, e cinco minutos depoisela saía do apartamento. Quando saiu da

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arrecadação pela terceira e última vez, estavatudo em ordem, tal como o encontrara.Fechou a porta do apartamento e levou asduas Samsonites bastante usadas para o seuquarto.

Às 2.30, um nativo com chapéu de palha esem camisa bateu à porta do quarto 188 doPalms e anunciou que era da empresa Cay-man Storage. Abby apontou para as caixas, eele levou-as uma a uma para a sua carrinha.Seguiram-no no Stanza até a um armazémem George Town. Abby inspeccionou a sala epagou em dinheiro a renda de três meses.Wayne TArrance estava sentado na últimafila de trás do autocarro das 11.40

que vinha de Louisville e seguia para Indi-anapolis e Chicago. Era sexta-feira à

noite, e o autocarro ia cheio. Estava conven-cido de que alguma coisa correra mal. Não

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recebera nenhum sinal nem nenhum recado.Talvez McDeere tivesse mudado de ideias.

Ouviu-se o autoclismo do outro lado docorredor e a porta abriu-se. Ela sentou-se nolugar junto ao corredor e pigarreou.

- Mr. Tarrance? - Tinha uns jeans, umas sap-atilhas de algodão brancas e uma camisolagrossa de malha verde. Estava de óculosescuros.

- Sou. Quem é você?

Ela agarrou-lhe na mão e apertou-lha comforça. - Abby McDeere.

- Eu esperava encontrar-me com o seumarido.

- Eu sou uma espécie de agente. Queremosum milhão de dólares. - Nós queremos osprocessos primeiro. Foi isso que

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combinámos. - Não, Mr. Tarrance. O quecombinaram foi que o milhão de dóla

res deverá ser depositado por transferênciabancária numa determinada conta numbanco em Freeport, nas Baamas. Nós sere-mos imediatamente informados, e o dinheiroserá então transferido por nós para outrobanco. Quando estiver onde nós o queremos,os processos serão vossos.

- Onde é que eles estão?

- Numa pequena arrecadação em Memphis.Há cinquenta e um dossiers ao todo, todosmuito bem embalados. Vai ficar impression-ado. Nós trabalhamos bem.

-Nós? Você viu os dossiers?

- Claro. Ajudei a embalá-los. Vão ter umasurpresa na oitava caixa ...

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- Muito bem, e pode saber-se qual é asurpresa?

- Mitch conseguiu copiar três processos deAvery Tolar e parece que são duvidosos. Doisdeles relacionados com uma companhia cha-mada Dunn Lane, Ltd., que é uma firma con-trolada pela Mafia.

- Como é que sabe? Isso com certeza que nãoestá escrito nos processos.

- Não, não está. Temos outros documentos.

Tarrance ficou a pensar nos "outros docu-mentos" durante nove quilómetros.

- E para quando é que é? - perguntoufinalmente.

- Os processos estão prontos. Quanto tempoé que demoram a arranjar um milhão?

- Até amanhã.

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Abby olhou lá para fora.

- Hoje é sexta-feira. Na próxima terça-feira,às dez da manhã, vocês transferem o milhãode dólares para uma conta no Ontario Bank,em Freeport.

- Certo - disse Tarrance. - E quando é que re-cebemos os processos?

- Na quarta-feira de manhã receberá no seugabinete em Memphis uma embalagem doFederal Express com a chave da mini-ar-recadação. Precisamos do número da contade Freeport.

- Eu dou-lho quando o autocarro parar. Al-guma dúvida?

- Sim. Onde é que estão os tais outros docu-mentos de que falou? - Boa pergunta. O com-binado foi nós recebermos a próxima fatia,meio milhão, em troca de provas suficientes

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para vocês conseguirem incriminações. Ostais outros documentos fazem parte da próx-ima fatia. - Quer dizer que já

obtiveram esses documentos?

- Já temos quase tudo o que precisamos. Éverdade. Gostaria de ver alguns deles?

Ele olhou para ela. - É evidente.

- Mitch disse que lhes daríamos uma mão-cheia de documentos sobre a Dunn Lane,Ltd.: cópias de extractos bancários, mapascorporativos, minutas, regulamentos inter-nos, funcionários, accionistas, registos detransferências bancárias, cartas de NathanLocke para Joey Morolto. Mitch diz que vo-cês provavelmente conseguem trinta acus-ações só com os documentos da Dunn Lane.

Tarrance ouviu atentamente, palavra a pa-lavra, e acreditou nela.

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- Quando é que posso vê-los? - perguntou elenum tom calmo, mas ansioso.

- Quando o Ray sair da prisão. Faz parte doacordo, lembra-se? - Ah, sim. Ray.

- Ah, sim. Ou ele sai de dentro daquelasparedes ou podem esquecer a firma Bendini.Mitch e eu pegamos no nosso desprezívelmilhão e desaparecemos.

- Eu estou a esforçar-me.

- É melhor esforçar-se bastante. - Era maisdo que uma ameaça, e ele percebeu.

Abby tirou um cartão da Bendini, Lambert &Locke do bolso. Nas costas, ela escrevera onúmero da conta: 477DL-19584, OntarioBank, Freeport.

- Vou voltar para o meu lugar, lá à frente.Estamos entendidos quanto à

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próxima terça-feira?

- Certíssimo. Vai sair em Indianapolis? -Vou.

- Para onde vai?

- Vou para casa dos meus pais, no Kentucky.Mitch e eu estamos separados. Ela foi-seembora.

TAmmy estava numa das inúmeras longasfilas na alfândega do Aeroporto Internacion-al de Miami. Atrás dela, encontravam-seduas malas de couro novinhas em folha con-tendo documentos suficientes para incrimin-ar quarenta advogados. Uma hora depois deter chegado à fila, atingiu o ponto decontrole.

O agente fez um sinal com a cabeça na dir-ecção das enormes malas de couro.

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- O que é que têm lá dentro? Documentos.Sou advogada.

- Sim, sim. - Olhou lá para dentro. - Muitobem. A seguir! Tammy dirigiu-se à

porta de embarque da Delta para apanhar oavião seguinte. Chegou a Nashville à meia-noite de sábado. Arrumou as malas no Volk-swagen e, nos subúrbios de Brentwood,levou-as para um apartamento de uma as-soalhada. Aí deu início ao processo de organ-ização das provas. Mitch queria uma lista detodos os documentos, todos os extractosbancários, todas as firmas. Disse que um diapassaria por lá à pressa e queria tudo organ-izado. Ela trabalhou durante duas horas noinventário. Depois de três viagens de um diaà Grande Cayman, o apartamento começavaa ficar cheio. Na segundafeira, partirianovamente. Sentia-se como se só tivesse dor-mido três horas durante a semana toda. Mas

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ele dissera que era urgente: uma questão devida.ou de morte.

TARRY Ross, aliás Alfred, estava sentado nocanto mais escuro da sala do Hotel Washing-ton Phoenix Park. A reunião seria terrivel-mente curta. Pedira um café e esperava peloseu convidado. A chávena tremeu quandotentou beber o café.

O assassino surgiu do nada e sentou-se decostas para a parede. Chamava-se VinnieCozzo.

Vinnie reparou na chávena que tremia e nocafé entornado. - Calma, Alfred. Este sítio ésuficientemente escuro.

- O que é que queres? - sibilou Alfred. Sóuma pequena informação.

- Custa dinheiro.

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- Como sempre. - Passou um empregado eVinnie pediu um Chivas com água.

- Como é que vai o meu amigo DentonVoyles? - perguntou Vinnie.

- Vou-me embora, Cozzo. Vou pôr-me a an-dar daqui para fora. - Está bem, pá, temcalma. Só preciso de uma informaçãozinha. -Despacha-te. - Alfred perscrutava a sala.

O Chivas chegou e Vinnie deu um grandegole.

- Surgiu um problemazito em Memphis. Al-guns dos rapazes andam um pouco preocu-pados. Já ouviste falar da firma Bendini? In-stintivamente, Alfred abanou a cabeça. Ésempre melhor começar por dizer que não. Efinalmente, depois de umas investigaçõescautelosas, voltar com um pequeno relatórioe dizer que sim. Sim, já ouvira falar na firmaBendini e no seu cliente privilegiado.

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Operação Lavandaria fora o nome escolhidopelo próprio Voyles.

Vinnie deu outro gole.

- Há um tipo chamado Mitchell McDeere quetrabalha na dita firma Bendini, e nós suspeit-amos de que anda a vender informações aoFBI. Só precisamos de saber se é verdade ounão.

Alfred ouviu com uma expressão impassível,embora não fosse fácil. Sabia o tipo desangue de McDeere. Sabia que McDeeretinha falado com Tarrance meia dúzia devezes e que no dia seguinte, terça-feira,McDeere ia ficar milionário. Era canja.

- Vou ver o que posso fazer. Vamos discutir opagamento. - É um assunto sério, Alfred.Duzentos mil em dinheiro. Alfred deixou caira chávena.

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- Duzentos mil?! Em dinheiro?!

- Foi o que eu disse. Quanto é que te pagá-mos da última vez? - Setenta e cinco mil.

- Percebeste agora? É um assuntomuitíssimo sério. Achas que consegues?

- Acho. - Quando? - Dá-me duas semanas.

UMA SEMANA antes do dia 15 de Abril, osadvogados da Bendini, Lambert

& Locke atingiram o limite do stress eproduziam a toda a velocidade à força de ad-renalina. E de medo. Medo de deixarem per-der uma dedução nos impostos que custariaaos clientes abastados cerca de um milhão amais. O parque de estacionamento estavacheio a partir das 6 da manhã. As secretáriastrabalhavam doze horas por dia.

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Sonny Capps insultara Avery por ter depagar quatrocentos e cinquenta mil dólaressobre um rendimento de doze milhões. Averyamaldiçoara Mitch, e embrenharam-se nova-mente ambos no processo Capps, prague-jando e vasculhando para desenterraremmais deduções possíveis. Capps exigiu umareunião com Avery em Houston. À meia-noite, Mitch levou-o ao aeroporto e foi re-cebendo instruções pelo caminho.

Pouco depois da 1.30 da manhã, Mitchvoltou para o escritório e dirigiu-se ao quartoandar. Avery trancara a porta como de cos-tume. Ao fundo do corredor, Victor Milligan,director do Departamento Fiscal, estava sen-tado à secretária, praguejando com o com-putador. Os outros gabinetes estavam às es-curas. Mitch enfiou uma chave na porta deAvery, a maçaneta rodou e ele entrou.Acendeu as luzes e dirigiu-se à pequenamesa de reuniões onde ele e o sócio tinhampassado o dia e a maior parte da noite.

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Sentou-se e continuou a pesquisa paraCapps. Segundo as informações do FBI,Capps era um empresário legítimo. O FBInão estava interessado em Sonny Capps.Passada uma hora, Milligan fechou à chave aporta do seu gabinete e saiu. Mitch passourapidamente revista ao quarto andar e de-pois ao terceiro: estavam desertos.

Voltou ao gabinete de Avery. Encostados auma das paredes, encontravam-se quatroarmários-arquivos de carvalho maciço. Mitchnunca vira ninguém mexer-lhes. Os pro-cessos em que trabalhavam estavam guarda-dos em arquivos metálicos. Foi até aos arqui-vos de carvalho; estavam trancados, claro.Tinha duas chaves pequenas no porta-chavesque Abby lhe dera. A primeira entrou nafechadura do primeiro arquivo e abriu-o. Elefolheou os dossiers.

Estava principalmente interessado na DunnLane, Ltd., e na Gulf-South, Ltd. O

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inventário feito por Tammy em Nashvillecontinha um número significativo de docu-mentos destas duas companhias.

Pegou num dossier da Gulf--South cheio deregistos de transferências bancárias. Dirigiu-se a uma fotocopiadora situada no centro doquarto piso e ligou-a. A luz referente aonúmero de acesso acendeu-se. Aquelenúmero cobrava automaticamente ao clienteo número de fotocópias feitas. Ele digitou onúmero do processo de Mrs. Lettie Plunk,cuja declaração de impostos se encontravasobre a sua secretária no segundo andar.Três minutos depois, o dossier da Gulf-Southestava totalmente copiado. Cento e vinte eoito fotocópias tinham sido cobradas a LettiePlunk.

Mitch tinha dezoito declarações de impostosno seu gabinete à espera de serem assinadase arquivadas. Naquela noite, os respectivosdezoito clientes tiveram a cobrança

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automática das fotocópias das provas contraa Gulf-South e a Dunn Lane.

Partia um cabo da fotocopiadora até ao ter-ceiro andar, à sala de cobranças, onde umcomputador registava e cobrava todas as fo-tocópias feitas na firma. Outro cabo partia docomputador para o quinto andar, onde outrocomputador registava o código de acesso, onúmero de cópias e a localização da máquinaonde eram feitas.

Às 5 DA TARDE do dia 15 de Abril, aBendini, Lambert & Locke encerrou asportas. Às 6, o parque de estacionamentoficou vazio, e os dispendiosos automóveisreuniram-se a três quilómetros dali, por de-trás de uma marisqueira respeitável cha-mada Anderton's. Uma pequena sala de ban-quetes fora reservada para a comemoraçãoanual de 15 de Abril. As severas regras devida sã e moderada seriam esquecidasnaquela noite. Outra regra da firma proibia

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todos os advogados e secretárias de trabal-harem no dia 16 de Abril. Por volta da meia-noite, duas carrinhas Ford azul-escuras, coma palavra LIMPEZA pintada em cor brilhantedos dois lados, fizeram marcha atrás até à

porta das traseiras do Edifício Bendini, e oitomulheres, com camisas da cor das viaturas,começaram a descarregar aspiradores ebaldes. Conversavam animadamente en-quanto avançavam pelo edifício, limpandoum andar de cada vez. Os guardas vigiavam-nas atentamente.

A nova rapariga era mais lenta que as outras.Reparava nas coisas. Abria as gavetas dassecretárias e dos arquivos quando os guardasnão estavam a olhar. Prestava atenção. Era aterceira noite que executava aquele trabalhoe começava a conhecer os cantos à casa. En-contrara o gabinete de Tolar logo naprimeira noite.

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Vestia uns jeans velhos e sapatos de ténis emmau estado. A camisa azul da empregada delimpeza era XL, para esconder a sua figura efazê-la parecer gorda como as outras. Porcima do bolso, estava escrito DORIS.Quando a equipe ia a meio do segundo an-dar, um dos guardas disse a Doris e a outrasduas mulheres para o seguirem. Enfiou umachave no painel do elevador e desceram até àcave. Ele destrancou uma porta de metal eentraram numa grande sala dividida numadúzia de cubículos. As secretárias eram todaspequenas, estavam a abarrotar eencontravam-se todas dominadas por umenorme computador. As paredes estavamforradas de armários-arquivos pretos. Nãohavia janelas.

- O material de limpeza está ali - disse oguarda, apontando para um armário. Nãomexam nas secretárias. MITCH apertou osatacadores dos sapatos de corrida. Fechou aporta da cozinha e correu rua abaixo no meio

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da escuridão. A West Junior High Schoolficava seis quarteirões a leste dali. A pista decinza que circundava o campo de futebol eraum local eleito dos praticantes de jogging.Mas, às 11 da noite, a pista encontrava-sedeserta. Mitch fez o primeiro quilómetro emeio em oito minutos e iniciou a segundavolta a passo. Pelo canto do olho, viu que seencontrava alguém nos lugares descobertosda bancada. Continuou a andar.

- Pssssssst. Mitch parou. - Quem está aí?

Uma voz rouca e ríspida respondeu: - JoeyMorolto.

- Que engraçadinho, Tarrance.

Subiram até ao topo da bancada e entrarampara a cabina da imprensa, que não estavafechada.

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- É um local suficientemente discreto parasi? - perguntou Mitch. - Serve. Quem é arapariga?

- Uma empregada minha. Porque é que estásempre a fazer perguntas irrelevantes?

- Irrelevantes? Hoje, recebo uma chamadade uma mulher que nunca vi na vida que mediz que precisa de falar comigo sobre um as-sunto relacionado com o Edifício Bendini.Que me diz para estar aqui às onze menosum quarto para mandar cercar a pista, poisvocê vai aparecer a fazer jogging.

- Resultou, não resultou?

- Sim, até agora. Mas você envolveu outrapessoa nisto, e isso preocupa-me bastante.Quem é ela e o que é que ela sabe?

- Confie em mim, Tarrance. Ela é minhaempregada e está a par de tudo. Para dizer a

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verdade, se você soubesse o que ela sabe, es-taria a distribuir intimações, em vez de estaraqui a divagar por causa dela. Tarrancesuspirou.

- Está bem. Então, diga-me o que é que elasabe.

- Na cave, há uma sala enorme com dozecubículos, doze secretárias completamenteatravancadas com enormes computadores emilhares de arquivos. Arquivos protegidoselectronicamente. Acho que é o centro opera-cional. Ela viu nas paredes dos cubículosnomes e números de telefones de dúzias debancos nas Caraíbas. De um dos lados, háuma divisão trancada a sete chaves.

- Deve ser aí.

- Pois é, mas só estou a ver uma maneira detrazer a mercadoria cá para fora. Ummandado de busca.

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- Esqueça. Não há um motivo plausível.

- Ouça, Tarrance. Tenho em meu poder maisde dez mil documentos e sei que, se est-ivessem em seu poder, podia mostrá-los aum juiz e obter um mandado de busca naFront Street. Quando tiver todos os docu-mentos na mão, a sua teoria de conspiraçãomaterializa-se e pode incriminar toda agente.

- Onde é que foi buscar os documentos?

- Tive sorte. Imaginei que a firma seria sufi-cientemente sensata para não guardar os ex-tractos dos bancos das Caymans no país etinha razão. Estavam nas Caymans e foi láque nós copiámos os documentos. Nós?

- A rapariga. E uma amiga.

- Dez mil documentos! - exclamou Tarrance.

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- No mínimo, dez mil. Extractos bancários,registos de transferências bancárias, memor-andos, correspondência trocada entre todo otipo de pessoas. Coisas interessantes,Tarrance. Entrego-lhe tudo logo que o Raysair cá para fora.

Tarrance olhou para o outro lado do campomergulhado na escuridão.

- Vou ver o que posso fazer. Já recebeu o seumilhão de dólares? - Obrigado, Tarrance.

- Examinámos os processos que já nos deu.Bom material. Quanto tempo é

que vai demorar a entregar-nos o resto?

- Daqui a duas semanas, no dia 1 de Maio,entrego-vos mais de dez mil documentos queirão afectar gravemente uma das maioresfamílias do crime organizado do Mundo in-teiro e que é possível que me venham a

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custar a vida. Mas prometi fazê-lo, e vocêsprometeram tirar o meu irmão da prisão.Tem uma semana até ao dia 24 de Abril. Senada acontecer, eu desapareço, e o mesmoacontece ao seu processo e à sua carreira. - Oque é que ele vai fazer quando estiver cáfora?

- Lá vem você com as suas perguntas estúpi-das. Vai desatar a fugir, é isso que ele vaifazer. Tem um irmão com um milhão dedólares que e perito em branqueamento dedinheiro e em operações bancárias electrón-icas. Estará fora do país em doze horas e vaibuscar o milhão de dólares.

- Mr. Voyles não gosta de prazos, fica muitoenervado. Já teve que mexer todos os cor-delinhos que podia. Acha que estou a brin-car? Falou com os dois senadores do Ten-nessee e eles foram pessoalmente a Nashvillepara falarem com o governador. Tudo porcausa do seu irmão.

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- Ele agradece muito. Diga a Mr. Voyles paraarranjar o próximo meio milhão, porque eujá tenho quase tudo pronto. Diga-lhe paratirar o meu irmão da cadeia, senão lá se vai oacordo. Diga-lhe o que quiser, Tarrance, masou Ray sai cá para fora dentro de uma sem-ana ou eu desapareço.

Mitch abriu a porta e começou a descer osdegraus da bancada. Tarrance seguiu-o.

- Quando é que voltamos a encontrar-nos? -gritou ele. Mitch já se encontrava na pista...

- A minha empregada chama-se Doris. Elatelefona-lhe. Siga as instruções dela.

AS FÉRIAS de três dias em Vail gozadas anu-almente por Nathan Locke após o 15 de Abriltinham sido canceladas por DeVasher,cumprindo ordens de Lazarov. Locke e Oliv-er Lambert estavam sentados no gabinete do

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quinto andar e escutavam DeVasher a tentarencaixar as peças do puzzle.

- A mulher dele foi-se embora. Detectámosalguns problemas durante os últimos mesespor causa das horas a que ele chegava a casa,mas nada assim tão grave. Então, ela vaipara casa da mãezinha. A mãezinha estádoente, certo? Teve de tirar um pulmão,certo? Mas não conseguimos encontrar nen-hum hospital que tenha sequer ouvido falarde Maxine Sutherland. É

estranho, não acham?

- Ora bolas - disse Lambert. - Talvez elatenha dado outro nome para passardespercebida.

Locke acenou com a cabeça.

- Ele tem falado com a mulher?

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- Ela telefona-lhe mais ou menos uma vezpor dia. Têm tido longas conversas sobrevárias coisas: o cão, a mãe dela, o escritório.Ontem à noite, ela disselhe que ia lá ficarpelo menos mais dois meses.

- Onde é que queres chegar, DeVasher? -perguntou Lambert. - Suponhamos que étudo mentira, só para a manter longe daqui.Longe de nós e do que se avizinha.Percebem?

- Não é lá muito provável - disse Lambert. -Não me parece nada provável. DeVasher nãoparava de andar de um lado para o outro at-rás da secretária.

- Há cerca de dez dias, alguém fez uma datade fotocópias, às 3 da manhã, no quarto an-dar. Os dezoito códigos de acesso utilizadospertencem aos processos de McDeere. VictorMilligan saiu do escritório por volta das duase meia, e McDeere ficou a trabalhar no

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gabinete de Avery. Tinha levado Avery aoaeroporto. Avery diz que fechou o gabinete àchave, mas ou ele se esqueceu de o fazer ou oMcDeere tem uma chave. De facto, não é as-sim tão esquisito como isso, porque eles tin-ham passado o dia todo a trabalhar na de-claração de impostos de Capps. A fotocopi-adora era a que ficava mais perto do gabinetede Avery. Creio que é garantido que foi oMcDeere que fez as fotocópias.

- Quantas?

- Duas mil e doze.

- Quais foram os códigos de acesso?

- Pertenciam todos a processos fiscais. Eu seique a explicação que ele daria era que tinhaacabado as declarações e estivera apenas acopiar tudo. Seria uma explicação bastanteplausível, não é verdade? Só que falta umpequeno detalhe. Cinco dias depois, a

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secretária dele introduziu os mesmos códigosde acesso na fotocopiadora do segundo an-dar. Fez cerca de trezentas fotocópias, o que,apesar de eu não ser advogado, me pareceum número mais apropriado. Não?

Ambos acenaram com a cabeça, mas não dis-seram nada. DeVasher continuou a andar deum lado para o outro.

- Portanto, a questão é esta: o que é que elecopiou? Eu não sei. Todos os gabinetes es-tavam fechados à chave, à excepção do deAvery, é claro. Por isso, perguntei a Avery.Tal como todos os advogados do quarto an-dar, ele tem aqueles quatro arquivos demadeira com o material secreto. Ninguémlhes toca, não é? Vocês trancam-nos melhorque eu tranco os meus ficheiros. Por isso, oMcDeere não lhes pode mexer sem ter umachave. O Avery já

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examinou os processos e parece que estátudo em ordem. Mas será que vocês con-seguem olhar para um dos vossos processose dizer se foi ou não fotocopiado? Não, nãoconseguem. Eu também não. Por isso, fuibuscar os processos hoje de manhã e voumandá-los para Chicago para eles analisar-em as impressões digitais. Demoram cercade uma semana.

- Achas então que ele fez cópias das chavesde Avery - disse Locke. - Como?

- Boa pergunta. O Avery anda sempre comelas atrás. É uma das regras da firma, não é?Quando está acordado, tem as chaves nobolso. Quando está a dormir fora de casa,põe-nas debaixo do colchão.

- Onde é que ele esteve neste último mês? -perguntou o Olhos Negros.

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-Foi a Houston falar com o Capps, mas isso émuito recente. Esteve na Grande Caymandois dias. Perguntei-lhe o que é que fizeranas duas noites e ele jurou que dormiu soz-inho. - DeVasher carregou num botão de umgravador. - Mas mentiu. Esta chamada tele-fónica foi feita às nove e meia, no dia 2 deAbril, do quarto principal do lote A.

A cassete começou:

- Ele está no chuveiro. - Primeira voz de mul-her. - Você está bem? - Segunda voz demulher.

- Estou óptima.

- Ele suspeita de alguma coisa?

- Não. Não se lembra de nada. Acho que estáatarantado demais. - Quanto tempo é que vaificar aí?

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- Despeço-me quando ele sair do chuveiro. -Está bem. Despache-se. DeVasher carregounoutro botão.

- Não faço a menor ideia de quem são e nãoperguntei ao Avery, por enquanto. Elepreocupa-me, anda descontrolado. Andasempre a meter-se em aventuras. Isto é umabrecha muito grande na segurança, e cá paramim o Lazarov vai atirar-se ao ar.

- Pelo que ela diz, parece que foi umaenorme ressaca. - É evidente.

- Achas que ela fez uma cópia das chaves? -perguntou Lambert. DeVasher encolheu osombros e perdeu toda a insolência.

- Pensei nisso durante horas. Partindo doprincípio de que era uma mulher que ele en-controu num bar e que se embebedaram am-bos, então já devia ser bastante tarde quandoforam para a cama. Onde é que ela ia

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mandar fazer uma cópia das chaves a meioda noite naquela ilha minúscula? Não meparece possível.

- Mas ela tinha uma cúmplice - insistiuLocke.

- Pois é. Talvez estivessem a tentar roubar-lhe a carteira e o plano não desse certo. Eleanda com uns milhares de dólares no bolso,mas ela não o roubou. Não sei. Mas é especu-lação a mais achar que as duas mulherespegaram nas chaves, conseguiram de algumamaneira copiá-las a meio da noite sem elesaber e depois a primeira voltou a enfiar-sena cama com ele. E que isto está

de alguma maneira relacionado comMcDeere e com o facto de ele ter utilizado afotocopiadora do quarto andar. Não encaixa,rapazes. Acho que ela era uma simplescarteirista.

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A TEORIA da carteirista foi exposta a Laz-arov, que lhe pôs mil defeitos, mas não foicapaz de imaginar nenhuma melhor. Orden-ou que mudassem todas as fechaduras doterceiro e quarto pisos, da cave e dos doisapartamentos na Grande Cayman. Mandouexecutar uma busca na ilha para se descobrirse algum serralheiro tinha feito cópias dechaves na noite do dia 1 de Abril. Ordenoutambém que Avery Tolar fosse suspenso dur-ante sessenta dias.

- Digam-lhe para dar entrada no hospitalqueixando-se de dores no peito. Dois mesesde baixa por ordens do médico. TransfiramMcDeere Para Victor Milligan.

- Disseste que tinhas um bom plano paraeliminar o McDeere - disse DeVasher.

Lazarov riu-se.

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- Pois é. Vamos utilizar o avião. Mandamo-lopara as ilhas em serviço e o avião explodemisteriosamente.

- Perder dois pilotos? - perguntou DeVasher.- E aquele avião tão caro?

- Pois é. Vou perguntar primeiro ao Joey.Começa a pensar nisso. - E o teu homem emWashington? - perguntou DeVasher.

- Temos a resposta daqui a uma semana. Sefor afirmativa, teremos de eliminar McDeereem vinte e quatro horas.

ERA ALTURA de visitar Ray. Mitch percor-reu durante cinco horas a Estrada Nacionaln.° 40 em direcção a leste. Tanto ia a setentaà hora como a cento e quarenta. Entrava emtodas as zonas de repouso e saía repentina-mente pela faixa da esquerda. Parou numtúnel e olhou. Não viu uma única vez, dur-ante toda a viagem, um carro, camião ou

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carrinha com aspecto suspeito. Uma vez naprisão, o embrulho que levava com livros ecigarros foi inspeccionado na guarita eindicaram-lhe a cabina 9.

- Por onde é que tens andado? -perguntouRay, um pouco irritado. - És a unica pessoano Mundo que me vem visitar, e esta é apen-as a segunda vez em seis meses.

-Eu sei. Estamos na época das declarações deimpostos. Mas eu escrevi-te.

- Pois é. Recebo uma carta com dois parágra-fos uma vez por semana. "Olá, Ray. Como éque vai o beliche? Como é que vai a comida?Como é que vão as paredes? Como é que vaio grego ou o italiano? Eu cá vou indo. Abbyestá

óptima. O cão está doente. Irei visitar-te embreve. Um abraço, Mitch." Escreves cá umascartas, irmãozinho. Como é que está a mãe?

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- Não sei. Não voltei lá desde o Natal.

- Pedi-te para ires ver como é que ela estava,Mitch. Se aquele estupor lhe anda a bater, euquero que isso pare. Se eu pudesse sair da-qui, eu próprio tratava do assunto.

- E é isso que vais fazer.

Era uma afirmação, e não uma pergunta. Rayinclinou-se para a frente, apoiando-se noscotovelos. Mitch falou baixinho:

- Espanol. Habla despacio. Ray fez um ligeirosorriso. - Cuándo?

- La semana próxima. - Mitch pensou um se-gundo. - Martes o miércoles. (Terça ouquarta.)

-A quê hora?

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Mitch sorriu, encolheu os ombros e olhou emredor. - Como é que está a Abby? - perguntouRay.

- Foi passar umas semanas ao Kentucky. Amãe dela está doente. - Olhou fixamente paraRay e disse com os lábios: "Confia em mim."- O que é que ela tem?

- Tiraram-lhe um pulmão. Cancro. Ela fu-mou sempre como uma chaminé. Tu deviasdeixar de fumar.

- E deixo se algum dia sair daqui. - Tens pelomenos mais sete anos.

- Pois é, e a fuga é impossível. Há quem tentede vez em quando, mas ou são mortos ouapanhados.

- Vamos falar de outra coisa - disse Mitch.

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Estavam dois guardas junto à janela por de-trás da fila das cabinas de visitas. Do ladodos presos, havia só um guarda, que andavainofensivamente de um lado para o outro,meio a dormir, com um cassetete na mão. -Adónde voy?

-perguntou Ray rapidamente.

- Panama City Beach. Abby e eu fomos às il-has Caymans no mês passado. Foram umasférias óptimas.

- Nunca ouvi falar. Onde é que fica?

- Nas Caraíbas, um pouco abaixo de Cuba.

- Quê es mi nombre? (Como é que me vouchamar?) - Lee Stevens.

- Arranja-me um livro. Gostava de ler sobreas ilhas. Pasaporte? Mitch fez um aceno decabeça, sorrindo. O guarda passou por detrás

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de Ray e parou. Os irmãos falavam dos vel-hos tempos no Kentucky.

Ao Fim da tarde, Mitch estacionou o BMWna zona mais escura de um centro comercialnos subúrbios de Nashville. Misturou-se namultidão de pessoas que entrava para fazeras suas compras da Páscoa. Lá dentro,descobriu uma cabina telefónica e chamouum táxi. Chegaria dentro de dez minutos. Jáestava escuro, era o anoitecer frio e prema-turo da Primavera no Sul. Ficou a observar aporta de entrada do centro comercial sen-tado num bar. Tinha a certeza de que nãofora seguido. Aproximou-se despreocupada-mente do táxi.

- Brentwood - disse ele ao motorista. -Apartamentos Savannah Creek. O motoristapercorreu o complexo habitacional em ex-pansão e encontrou o número 480E. Mitchatirou uma nota de vinte dólares para obanco da frente. Por detrás de uma escada

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exterior encontrou a porta do 480E. Estavatrancada. Bateu devagar.

- Quem é? - perguntou uma voz nervosa demulher que o fez sentir-se enfraquecer.

- Barry Abanks - respondeu ele.

Abby escancarou a porta e beijaram-se viol-entamente. Ele pegou nela ao colo, entrou eempurrou a porta com o pé. O divã barato efrágil era muito curto; o colchão eram apenascinco centímetros de espuma enrolados numlençol, e as molas por baixo dele estavam sa-lientes e eram perigosas. Mas os McDeeresnão repararam.

Depois de uma hora no divã, já tinham es-quecido a dor da solidão. Andaram pelopequeno apartamento de mãos dadas, eMitch viu pela primeira vez o que passara aser conhecido pelos três como os PapéisBendini. Ele vira os apontamentos e resumos

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de Tammy, mas nunca os documentos em si.Tammy tinha pendurado em duas dasparedes do quarto enormes folhas de papel edepois enchera-as de apontamentos, listas egráficos. Um dia, muito em breve, ele iriapassar horas ali naquele quarto a estudar ospapéis e a preparar o seu processo.

Mas não naquela noite. Daí a uns minutos,ele ia partir para o centro comercial, deixan-do Abby sozinha. Ela levou-o novamentepara o divã. NA TERÇA-FEIRA de manhã,toda a gente no escritório estava muito pre-ocupada com Avery Tolar. Tinham-lhe feitoexames e os danos não eram irreparáveis: ex-cesso de trabalho, stress. A culpa era deCapps. Ele ficava de baixa.

Nina trouxe uma pilha de cartas para seremassinadas.

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- Mr. Lambert gostaria de falar consigo senão estiver muito ocupado. Acabou detelefonar.

- Está bem - disse Mitch.

Oliver Lambert apontou para o sofá duro eofereceu-lhe um café. - Estou preocupadocom os clientes de Avery - disse ele. - Eletinha uns assuntos pendentes nas Caymans,estava para partir amanhã e passar lá uns di-as. Ele disse-me hoje de manhã que estás fa-miliarizado com os clientes e com as contas,por isso vais ter de lá ir.

O apartamento, a arrecadação, as contas.Passaram milhares de coisas pela cabeça deMitch. Algo não batia certo.

- Às Caymans? Amanhã?

- Sim. É bastante urgente. Avery disse queestavas habilitado a tratar dos assuntos.

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- Claro, é claro que estou.

- Pronto, vais no Lear. Partes por volta domeio-dia e voltas num avião comercial nasexta à noite. Alguma objecção?

Sim, muitas: Ray ia sair da prisão, Tarrancequeria os documentos, tinha que recebermeio milhão de dólares e podia ter de desa-parecer a qualquer momento.

- Nenhuma.

Foi para o seu gabinete e fechou a porta àchave. Atirou os sapatos ao ar, deitou-se nochão e fechou os olhos.

O ELEVADOR parou no sétimo andar, eMitch subiu a correr as escadas até

ao nono. Tammy tinha estado à janela àespera. Abriu-lhe a porta e trancou-a atrásdele.

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- Está com um ar cansado - comentou ele.

- Cansada?! Estou morta. Nas últimas trêssemanas, fui porteira, secretária, advogada,banqueira, pega, pombo-correio e detectiveparticular. Fui nove vezes de avião à GrandeCayman e trouxe uma tonelada de docu-mentos roubados. Fui quatro vezes aNashville de carro e dez de avião. Li tantosextractos bancários que estou quase vesga. Equando são horas de ir para a cama, ponho aminha camisa de empregada de limpeza ebrinco às criadas durante seis horas.

- Pode desistir das limpezas. É inútil.

- Eu disse-lhe isso há uma semana. Nem oHoudini conseguia tirar de lá

aqueles dossiers.

- Falou com Abanks? Ele recebeu o dinheiro?- Recebeu. Foi transferido na sexta-feira.

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- Ele está pronto? - perguntou Mitch. - Eledisse que sim.

- Ótimo. E o falsificador?

- Vou encontrar-me esta tarde com um ex-preso chamado Doc. Eddie Lomax dizia queele era o melhor do país. Bilhetes de iden-tidade, passaportes, cartas de condução evistos.

- Quanto tempo é que ele demora?

- Não sei. Quando é que precisa deles? Mitchtentou raciocinar.

- O mais depressa possível. Pensei que tinhauma semana. Agora já não sei. Pode ir aNashville de carro hoje à noite?

- Posso. Estou morta por lá ir. Já lá não vouhá dois dias.

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- Quero que fique lá junto ao telefone nospróximos dias. Revê novamente os PapéisBendini. Quero uma câmara de filmar Sonycom tripé. Compre uma caixa de cassetes.Quanto dinheiro tem?

- Ainda bem que pergunta. Comecei com cin-quenta mil, não foi? Gastei dez mil em bil-hetes de avião, hotéis, bagagem e aluguer deautomóveis; e continuo a gastar. Agora queruma câmara de vídeo e bilhetes de iden-tidade falsos. Detestava perder dinheironisto.

- E se eu lhe der mais cinquenta mil? -Aceito.

Ele piscou-lhe o olho e encaminhou-se para aporta, interrogando-se se algum dia voltariaa vê-la.

A CELA tinha dois metros e meio por doismetros e meio e um lavatório ao canto. Ray

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estava deitado no beliche. Ouviam-se aindavozes em surdina ao longo do corredor, masa maioria das luzes estavam apagadas. 11 danoite de terça-feira.

O guarda dirigiu-se silenciosamente à celadele.

- McDeere - chamou em voz baixa por entreas grades. Ray sentou-se na beira do belichee fitou-o.

- O director quer falar contigo. Calça os sapa-tos e anda comigo. O guarda enfiou umagrande chave na porta, abriu-a e apagou aluz. - Segue-me e não te armes em esperto.Não sei quem tu és, pá, mas tens uns amigosde peso. Enfiou outras chaves noutras portase pouco depois estavam no exterior.

- Continua a seguir-me - disse o guarda.

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Os olhos de Ray examinaram o recintoescuro. O muro elevava-se como umamontanha à distância. Tinha cinco metros dealtura à luz do dia, mas parecia muito maiorà noite. As torres dos guardas ficavam aquatro metros e meio umas das outras e es-tavam bem iluminadas, assim como muitobem armadas. O guarda passou, confiante,entre dois blocos de edifícios cinzentos,dizendo a Ray para o seguir e manter acalma. Ray tentava manter a calma. Pararame olharam para o muro, a vinte e cinco met-ros de distância. Os holofotes varreram rot-ineiramente o pátio.

O guarda apontou para um sítio no muro.

- Vão atirar uma escada para ali. O aramefarpado lá em cima já foi cortado. Vais en-contrar uma corda grossa do outro lado.

- E estas luzes todas?

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Vão ser desviadas. A escuridão vai ser total. -E aquelas armas lá em cima?

- Não te preocupes. Eles vão estar a olharpara o outro lado. - Tem a certeza?

- Ouve, pá, eu já vi algumas fugas preparadaspor nós cá dentro, mas esta bateu o recorde.Foi o próprio Lattemer, o director, quem aplaneou. Ele está

ali em cima. - O guarda apontou para a torremais próxima.

- O director?

- Sim. Para ter a certeza de que nada corremal.

- Quem é que vai atirar a escada? - Doisguardas.

Ray enxugou a testa com a manga. Tinha aboca seca.

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- Vai estar um tipo à tua espera do outrolado. Chama-se Bud. Faz o que ele te disser -sussurrou o guarda.

Os holofotes varreram novamente o pátio edepois apagaram-se. - Prepara-te!

- disse o guarda.

Ouviram-se dois apitos curtos provenientesda torre mais próxima. Ray viu silhuetas acorrerem em direcção ao muro. Pegaramnuma coisa que estava na relva e içaram-na.

- Corre, pá! - disse o guarda. - Corre!

Ray desatou a correr com a cabeça baixa. Aescada artesanal estava no seu lugar.Balançou enquanto ele se apressava a subiros pequenos degraus. O

topo do muro tinha sessenta centímetros delargura. Tinham feito um buraco avantajado

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no arame farpado enrolado. Passou peloburaco sem tocar no arame. A corda estavaexactamente onde devia estar, e ele escor-regou pelo lado de fora do muro. A dois met-ros e meio do chão de terra batida, largou-se.Caiu de cócoras e olhou à sua volta. Aindaestava escuro. A clareira terminava a unstrinta metros, dando lugar a uma densamata.

- Por aqui - disse uma voz calma.

Ray correu na direcção dela. Bud esperava-oatrás de uns arbustos. Depressa! Segue-me.Ray seguiu-o até perder o muro de vista.Pararam numa pequena clareira junto a umcarreiro poeirento.

- Chamo-me Bud Riley. Foi engraçado, nãofoi? - Estendeu-lhe a mão.

- Inacreditável. Ray McDeere.

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Bud era um homem corpulento, com barbapreta e uma boina preta. Tinha umas botasda tropa, calças de ganga e um casaco decamuflado. - Para quem é que trabalhas? -perguntou-lhe Ray.

- Para ninguém. Limito-me a fazer uns tra-balhos em free-lance para o director.Normalmente, chamam-me quando alguémsalta o muro. É claro que isto hoje foi umpouco diferente. Geralmente, trago os meuscães. As sirenes começaram a uivar, e Raydeu um salto.

- Temos muito tempo, Ray - disse Bud. - Nãose vão esforçar muito por te encontrar.

- Muito?

- Sim. Têm que fazer uma grande cena,acordar toda a gente, como se se tratasse deuma verdadeira fuga, mas não vão perseguir-te.

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- Vamos embora - disse Ray, e começou aandar.

- O meu camião está lá em cima na estrada ànossa espera. Trouxe-te umas roupas. Odirector disse-me os tamanhos. Espero quegostes. Quando chegaram ao camião, Rayvestiu umas calças de sarja cor de azeitona euma camisa grossa de algodão azul-escura.

- São giras, Bud - comentou.

- Atira a roupa da prisão para os arbustos. -Onde é que me vais deixar?

- Tenho a noite toda, Ray. Sugiro que vamosaté a uma grande cidade com um terminal decamionetas. Depois, ficas por tua conta.

- Gostava de fazer uns bons quilómetrosantes de começar a passear por um terminalde camionetas. Que tal Knoxville?

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- Seja. Para onde é que vais depois? - Nãosei. Preciso de sair do país.

- Com os amigos que tens, isso não deve serproblema. Mas é melhor teres cuidado.Amanhã, já a tua fotografia vai estar pen-durada nos gabinetes dos xerifes de dezestados.

Apareceram três carros com luzes azuis apiscarem por cima do monte à frente deles.Ray deitou-se no chão.

- Calma, Ray. Eles não te vêem. - Bud enfioua mão num dos bolsos e atirou um maço denotas para o assento. - Quinhentos dólares.Entregues em mão pelo director. Tens ami-gos muito poderosos.

QUARTA-FEIRA de manhã. Tarry Rosssubiu as escadas até ao quarto piso do HotelWashington Phoenix Park. O suor formavagotas nas suas sobrancelhas. Tirou os óculos

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e limpou a cara. Sentiu-se enjoado e encost-ouse ao corrimão. O enjoo passou."Coragem, homem. Estão duzentos mildólares à tua espera ao fundo do corredor.Podes entrar e ir.lá buscá-los." Conseguiupercorrer o corredor até à oitava porta dolado direito e bateu. Os segundos passaram.

- Sim - disse uma voz lá de dentro.

- É o Alfred. - "Que nome tão ridículo", pen-sou ele. De onde teria vindo? A porta rangeue abriu-se de par em par. Ele entrou.

-Bom dia, Alfred-disse Vinnie Cozzocalorosamente. -Queres um café?

- Não vim cá para tomar café - disse Alfredabruptamente.

- Porque é que não te descontrais? Não há amínima possibilidade de seres apanhado.

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- Cala-te, Cozzo. Onde é que está o dinheiro?Vinnie apontou para uma pasta de couro.

- Conta-me coisas, Alfred.

- Está bem. Já pagaram um milhão dedólares ao vosso McDeere. E outro milhão jáestá a caminho. Ele já fez uma entrega dedocumentos da Bendini e diz ter mais dezmil. - Voltou a sentir-se enjoado e sentou-sena beirinha da cama.

- Continua - ordenou-lhe Cozzo.

- McDeere falou muitas vezes com a nossagente nos últimos seis meses. Vai testemun-har nos julgamentos e depois desaparecer naqualidade de testemunha protegida. Ele e amulher.

- Onde é que estão os outros documentos?

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- Não sei. Ele não diz, mas estão prontos aser entregues. Eu quero o meu dinheiro,Cozzo.

Vinnie atirou a pasta para cima da cama.Alfred abriu-a com as mãos a tremer.

- Duzentos mil? - perguntou, desesperado.

- Foi isso que combinámos, Alfred. Em breveterei outro trabalho para ti.

- Nem pensar, Cozzo. Não aguento mais. -Fechou violentamente a pasta e correu para aporta. Parou, tentou acalmar-se e perguntou:- O que é que vocês vão fazer ao McDeere?

- O que é que te parece, Alfred?

Ele mordeu o lábio e saiu do quarto. Vinniesorriu e fez uma chamada para Chicago paracasa de Mr. Lou Lazarov.

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Tarry Ross percorreu o corredor em pânico.Sete portas à frente, uma mão enorme saiuda escuridão e puxou-o para dentro de umquarto. A mão agrediu-o com força e o outropunho atingiu-o no estômago. A pasta foi es-vaziada em cima da cama.

Ele foi atirado para uma cadeira e a luzacendeu-se. Três agentes do FBI seus ca-maradas - fitavam-no. Voyles, o director,aproximou-se dele, abanando a cabeça deincredulidade.

- És um traidor, Ross. A pior das escumal-has. Não posso acreditar. Ross mordeu o lá-bio e começou a soluçar.

- Quem foi? - perguntou Voyles muito atentoà resposta. - Vinnie Cozzo deixou Ross es-capar entre dois soluços. - Eu sei que foiCozzo! Mas o que é

que lhe contaste? Não houve resposta.

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Voyles deu-lhe uma bofetada.

- Diz-me o que é que o Cozzo queria. -Apoiou um joelho no chão e quase sussur-rou: - É o McDeere, Ross? Por favor, oh, porfavor, diz-me que não é

McDeere.

Tarry Ross forcou os cotovelos nos joelhos eolhou para o chão. "Acabou-se, Tarry. Nãovais conseguir ficar com o dinheiro. Estás acaminho da cadeia. Não passas de um ver-mezinho nojento, e acabou. O que é quepoderás ganhar em manter segredo?Acabou-se, Tarry."

Voyles implorava baixinho.

- Por favor, diz que não é McDeere.

Tarry endireitou-se, olhou de frente paraVoyles e fez um aceno de cabeça afirmativo.

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DEVASHER não tinha tempo de esperar peloelevador. Desceu as escadas a correr até aoquarto andar e irrompeu no gabinete deLocke. Metade dos sócios já lá estavam. Aoutra metade tinha sido convocada. Pairavaum pânico silencioso na sala. DeVasher es-tava sentado à cabeceira da mesa dereuniões.

- Muito bem, rapazes. Ainda não chegou a al-tura de partir para o Brasil. Pelo menos porenquanto. Confirmámos esta manhã que oMcDeere teve longas conversas com o FBI,que lhe pagaram um milhão de dólares, quelhe prometeram outro milhão e que tem nasua posse certos documentos que se crê ser-em fatais. Soubemos tudo isto através deuma fonte do FBI. Lazarov vem a caminhode Memphis, neste preciso momento, comum pequeno exército. Mas é evidente quedescobrimos a coisa a tempo. Embora o FBIjá

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tenha alguns documentos, é óbvio que nãotem os suficientes, senão já cá

tinha vindo com mandados de busca.

DeVasher estava perante uma audiência eisso dava-lhe imenso prazer. Olhou paracada um dos rostos preocupados.

- Bom, onde está McDeere? Foi Milliganquem respondeu.

- No gabinete dele. Acabei de falar com ele.Não suspeita de nada. - Ótimo. Vai partirpara a Grande Cayman daqui a três horas.Não é verdade, Lambert?

- É. Por volta do meio-dia.

- Bom, rapazes, o avião não chegará ao des-tino. Quando tiver sobrevoado o Golfo dur-ante cerca de meia hora, o pequeno bip desa-parecerá do radar ... para sempre. Os

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destroços irão espalhar-se num raio de cin-quenta quilómetros, e os corpos nunca serãoencontrados. É triste, mas necessário.Lazarov disse-nos para o fazermos ir pelosares.

- Porque é que o Lazarov vem cá? - pergun-tou um dos sócios, que pronunciou o nomeLazarov como se fosse o de uma estrela decinema que ia lá jantar.

- Mas que pergunta tão estúpida! - vociferouDeVasher, olhando em volta à

procura do idiota que a fizera. - Primeiro,temos que limpar o sebo a McDeere e esper-ar que os estragos tenham sido mínimos. De-pois, vamos examinar bem este espaço efazer as alterações necessárias. Lockelevantou-se e olhou furioso para OliverLambert.

- Vê lá se McDeere não perde o avião.

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TARRANCE e Acklin ouviam, boquiabertos,a voz no amplificador do telefone que estavaem cima da mesa. Era Voyles, em Washing-ton, explicando exactamente o que se pas-sara e dizendo que ia partir imediatamentepara Memphis. Estava quase desesperado.

- Tens que o ir buscar, Tarrance. E depressa.Cozzo não sabe que nós sabemos do TarryRoss, mas Ross disse-lhe que McDeere es-tava prestes a entregar os documentos.Podem agarrá-lo a qualquer momento. Sabesonde ele está?

- Está no escritório - disse Tarrance.

- Ótimo. Vai buscá-lo. Quero falar com ele.Adeus. Tarrance deu um murro no telefone edepois marcou o número. - Para onde é queestás a telefonar? perguntou Acklin.

- Para a Bendini, Lambert & Locke, escritóriode advogados. -Estás doido, Wayne?

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- Ouve.

A recepcionista atendeu o telefone.

- Ligue-me ao Dr. Mitch McDeere, por favor- disse Tarrance. - Um momento, por favor -disse ela.

Depois, apareceu a secretária: - Gabinete doDr. McDeere. - Preciso de falar com o Sr.Doutor.

- Lamento muito, mas o Sr. Doutor estánuma reunião.

- Ouça, minha senhora, daqui fala o juizHenry Hugo, e ele deveria estar na minhasala de audiências há quinze minutos atrás.Estamos à espera dele. É

um assunto urgente.

- Bom, não vejo aqui nada para hoje de man-hã na agenda dele. - É a senhora quem

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assenta os compromissos dele na agenda? -Bom, sou, sim, Sr. Doutor Juiz.

- Então, a culpa é sua. Agora vá chamá-lo.

Nina atravessou o corredor a correr e entrouno gabinete dele.

- Sr. Doutor, está um juiz chamado Hugo aotelefone. Diz que o Sr. Doutor devia estar notribunal a esta hora. É melhor falar com ele.Mitch levantou-se de um salto e agarrou notelefone. Estava pálido. - Estou - disse ele.

- Mr. McDeere - disse Tarrance. - Daqui falao juiz Hugo. Está atrasado para o julga-mento. Venha imediatamente para cá.

- Sim, Sr. Dr. Juiz. - Agarrou na pasta e fran-ziu o sobrolho ao passar por Nina.

- Desculpe - disse ela. - Não estava na suaagenda.

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Mitch percorreu o corredor, desceu as esca-das, passou pela recepcionista e saiu portafora, tudo isto a correr. Chegado à rua, viroupara norte e atravessou a correr o átrio doCotton Exchange Building. Saiu, virou paraleste e correu para o Centro Comercial Mid-America.

Ver-se um jovem bem-vestido, de pasta namão, a correr pela rua como um animalacossado pode ser comum nalgumas cidades,mas não em Memphis. As pessoas olhavam.

Escondeu-se atrás de uma bancada de frutatentando recuperar o fôlego. Não viu nin-guém a correr atrás de si. Comeu uma maçã.

Nunca admirara Wayne Tarrance. O incid-ente na sapataria fora um fiasco, os aponta-mentos que tinha sobre os Moroltos fariamadormecer uma criança. Mas a ideia sobre ocódigo de emergência - um alerta não-faças-perguntasdesata-a-fugir-tinha sido

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brilhante. Há um mês que Mitch sabia que,se o juiz Hugo telefonasse, tinha que sairporta fora e desatar a fugir. Algo correra mal,e os rapazes do quinto andar estavam pron-tos a agir. "Onde estará Abby?", pensou.

Dois quarteirões à frente, entrou calma-mente no átrio do Hotel Peabody e procurouum telefone. Viu um no terraço que davapara o átrio. Ligou para o FBI em Memphis.

Wayne Tarrance, por favor. Fala MitchMcDeere. Tarrance atendeu segundosdepois.

- Onde é que está?

- Eu estou bem, Tarrance?! o que é que sepassa? - Onde é que está?

- Já não estou no edifício, juiz Hugo. Estou asalvo por enquanto. - Mitch, tem de vir paracá.

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- Eu não tenho de fazer coisa nenhuma, Tar-rance. E não faço nada até me responder. Oque é que aconteceu?

- Bom, nós, hum ... Houve uma pequena fugade informações. Você tem

- Uma pequena fuga é coisa que não existe,Tarrance. É melhor contar-me tudo antesque eu desligue o telefone e desapareça. Vocêestá a localizar a chamada, não está, Tar-rance? Vou desligar.

- Não! Ouça, Mitch, eles já sabem. Já sabemque estamos em contacto e sabem do din-heiro e dos documentos.

Seguiu-se um longo silêncio.

- Uma pequena fuga, Tarrance?! Parece maisum dilúvio. Diga-me como é que a coisa sepassou, e depressa.

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- Isto é muito doloroso para nós, Mitch.Voyles está arrasado. Um dos nossos agentesmais antigos vendeu a informação. Estamosem estado de choque.

- Oh, Tarrance, estou tão comovido com ovosso choque e sofrimento.

- Voyles chega aqui por volta do meio-dia,Mitch, com os melhores agentes. Quer falarconsigo. Levamo-lo para fora da cidade.

- Pois é, agora querem que eu vá a correrpara os vossos braços à procura de pro-tecção. Você é um idiota, Tarrance. Voyles éum idiota. Vocês são todos uns idiotas. E eusou um imbecil por ter acreditado em vocês.Vou desligar, Tarrance. Fique aí sentado, nãose mexa, que eu volto a ligar daqui a trintaminutos doutro sítio qualquer.

Mitch largou o auscultador. Foi até à balaus-trada e espreitou para o átrio do hotel lá em

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baixo. Os patos nadavam à volta da fonte. Obar estava deserto. Uma das mesas estavaocupada por senhoras idosas ricas tomandochá e tagarelando.

De repente, o Nórdico saiu de trás de umvaso com uma árvore e olhou para ele.

- Lá em cima! - gritou ele a um cúmplice quese encontrava do outro lado do átrio.

O empregado do bar olhou para cima paraMitch e depois para o Nórdico e o amigo. Assenhoras idosas ficaram a olhar em silêncio.

- Chamem a Polícia! - gritou Mitch,afastando-se da balaustrada. Os dois homensatravessaram o átrio de um salto e desatar-am a correr escada acima. Mitch esperoucinco segundos e aproximou-se novamenteda balaustrada. O

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empregado não se mexera. As senhoras es-tavam paralisadas. Vinham vários ruídos dasescadas. Mitch sentou-se em cima do cor-rimão, largou a pasta, passou as pernas parao outro lado e saltou de uma altura de seismetros para o tapete do átrio. Caiu comouma pedra, mas em pé. Sentiu uma dormuito forte nos tornozelos e nos joelhos.

Por detrás dele, ao lado dos elevadores, haviauma pequena loja com as montras cheias dasúltimas novidades de Ralph Lauren. Ele en-trou a coxear. Estava um rapaz, que não de-via ter mais de dezanove anos, com um ar ex-pectante atrás do balcão. A loja não tinha cli-entes. A porta exterior dava para a Union.

- Aquela porta está fechada à chave? - per-guntou Mitch calmamente.

- Está.

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- Queres ganhar mil dólares? Sem fazeresnada de ilegal? - Mitch tirou rapidamentedez notas de cem dólares da algibeira.

- Claro. Acho que sim.

- Não é nada ilegal, percebes? Juro-te. Abreaquela porta, e quando entrarem aqui doishomens a correr, daqui a vinte segundos,diz-lhes que eu saí por ela e que entrei numtáxi.

O rapaz sorriu e pegou avidamente no din-heiro. - Claro. Não se preocupe.

- Onde é o gabinete de provas? - Ali. Juntoao armário.

- Abre a porta - disse Mitch, entrando nogabinete e sentando-se. Massajou os joelhose os tornozelos.

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O empregado estava a endireitar as gravatasquando o Nórdico e o seu parceiro entrarama correr.

- Bom dia - cumprimentou ele alegremente.

- Viste um homem entrar aqui? Estatura mé-dia, fato cinzento, gravata vermelha?

- Vi. Acabou de sair a correr por aquela portae entrou num táxi. - Gaita! - A porta abriu-see fechou-se e a loja ficou em silêncio. O rapazaproximou-se do armário.

- Já se foram embora.

Mitch estava a esfregar os joelhos.

- Ótimo. Vai até à porta e espreita doisminutos lá para fora, depois vem dizerme seos viste. O rapaz voltou passados doisminutos. - Foram-se embora. Mitch continu-ou sentado.

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- Ótimo. Quero um daqueles casacos verdesdesportivos compridos, número quarenta equatro, e uns sapatos de cabedal brancosnúmero dez D. Trá-los para aqui, está bem?,e continua de olho alerta.

- Está bem. - Assobiou enquanto andava àsvoltas pela loja à procura do casaco e dossapatos, depois enfiou-os por baixo da porta.Mitch arrancou a gravata e mudou-serapidamente. Sentou-se de novo.

- Quanto é que te devo? - perguntou Mitch láde dentro. -Bom, vejamos. Que talquinhentos?

--Está bem. Chama-me um táxi e avisa-mequando chegar. TARRANCE andou cincoquilómetros à volta da secretária. Quarentaminutos depois da primeira chamada, Mitchvoltou a ligar do aeroporto. Tarrance atirou-se ao telefone.

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- Onde é que está?

- Aqui na cidade. Mas não por muito tempo.

- Mitch, você, sozinho, não sobrevive nemdois dias. Eles vão mandar vir homens sufi-cientes para começar uma guerra. Tem quenos deixar ajudá-lo.

- Não sei, Tarrance. Por qualquer razão queme escapa, eu neste momento não confio emvocês. Não sei porquê. Deve ser apenas ummau pressentimento.

- Por favor, não cometa esse erro. - Seguiu-seuma longa pausa. - E os documentos?Pagámos-lhe um milhão por eles.

- Está a ficar senil, Tarrance. Pagaram-meum milhão pelos meus processos. Já os têm eeu já recebi o milhão. Mas isso era só umaparte do acordo. A minha protecção tambémfazia parte do acordo.

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- Entregue-nos a segunda parte, Mitch. Essesdocumentos estão escondidos algures aquiperto, foi você quem mo disse. Vá-se emborase quiser, mas deixe-os cá.

- Não resulta, Tarrance. Neste momento, euposso desaparecer. e os Moroltos podem ounão vir atrás de mim. Se vocês não tiveremos documentos, não podem incriminar nin-guém, e se os Moroltos não forem incrimina-dos, talvez um dia acabem por se esquecer demim.

- Está completamente doido, Mitch. Eles sãocapazes de mandar assassinos montados emcamelos à sua procura no deserto, se for pre-ciso. E se não nos der os documentos, nóstambém o iremos perseguir. É tão simplescomo isso, Mitch.

- Então, vou apostar nos Moroltos. Adeus,Wayne. Desligou. Tarrance atirou o telefone

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contra a parede. Mitch fez outra chamada.Tammy atendeu.

- Olá, querida. Desculpa ter-te acordado.

- Não te preocupes. O divã manteve-meacordada. O que é que se passa?

- Uma coisa muito grave. Pega num lápis eouve com toda a atenção. Não posso perderum único segundo. Tive de fugir e eles vêmatrás de mim.

- Põe-te a milhas.

- Primeiro, telefona a Abby, que está em casados pais. Diz-lhe para largar tudo e fugir.Não tem sequer tempo para se despedir damãe nem para fazer malas. Diz-lhe para des-ligar o telefone, meter-se no carro e fugirsem sequer olhar para trás. Que siga pelaEstrada Nacional 64 até Huntington, WestVirginia, e vá para o aeroporto. De

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Huntington vai de avião para Mobile. EmMobile, aluga um carro e segue para PanamaCity Beach. Hospeda-se no Holiday Inn sob onome de Rachel James e fica à espera.Percebeste?

- Sim.

- Segundo, preciso que vás de avião atéMemphis buscar os passaportes, etc.

- Sim, senhor.

- Terceiro, regressas ao apartamento deNashville e não sais de ao pé do telefone.Não largues o telefone por nada destemundo.

- Já percebi.

- Quarto, telefona ao Abanks.

- Está bem. Quais são os teus planos deviagem?

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- Vou a Nashville. Ouve, Tammy, diz a Abbyque pode morrer a qualquer momento se nãofugir. Por isso, ela que fuja já!

- Certo, chefe.

Ele dirigiu-se a passos largos à porta 22 e en-trou a bordo do voo Delta n.° 100-4 paraCincinnati. Levava na mão uma revista cheiade bilhetes de ida, todos eles pagos comcartão Visa em nome de Mitch McDeere: umpara Tulsa, um para Chicago, um para Dallase um para Atlanta.

O bilhete para Cincinnati fora pago em din-heiro e estava em nome de Sam Fortune.

LAZARov entrou no gabinete do poder, situ-ado no quarto andar, e todos os presentes in-clinaram a cabeça. DeVasher olhou para elecomo uma criança assustada e açoitada. Ossócios puseram-se a olhar para osatacadores.

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- Não conseguimos encontrá-lo - disseDeVasher.

Lazarov tinha muito orgulho em conseguirmanter a calma nas situações de tensão.

- Onde está o carro dele? - perguntou fria-mente. - No parque de estacionamento.

- Que maravilha! Quer dizer que ele fugiu davossa pequena fortaleza a pé. Telefonempara todas as empresas de aluguer deautomóveis. Depois, agrupem-se em pares edirijam-se para os aeroportos de Miami,Nova Orleães, Houston, Atlanta, Chicago,LA, São Francisco e Nova Iorque. Não saiamdos aeroportos e vigiem os voosinternacionais. Mandamo-vos reforçosamanhã. E

lamento ter de lhes dizer, rapazes, que nãopoderão facturar estas horas. Bom, e ondeestá a mulher dele?

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- Em Danesboro, no Kentucky. Em casa dospais.

- Vão lá buscá-la. Não lhe façam nada,limitem-se a trazê-la para cá. Agora,despachem-se.

O gabinete do poder ficou vazio.

VoYLEs andava em passos pesados à volta dasecretária de Tarrance, vociferando ordens.Uma dúzia de agentes ia tomando notas, en-quanto ele gritava.

- Cubram o aeoroporto. Vão a todas as com-panhias aéreas. Avisem todas as nossas del-egações nas principais cidades. Contactem aalfândega. Temos alguma fotografia dele?

- Não conseguimos descobrir nenhuma.

- Pois descubram-na, e depressa! Quero umaem todas as delegações do FBI e da

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alfândega ainda esta noite. A partir de agora,ele é um fugitivo da justiça O AUTOCARROpartiu de Birmingham pouco depois das 2 datarde de quarta-feira. Ray ia sentado lá atráse observava todas as pessoas que entravam.Estava com ar desportivo: comprara um parde Levi's desbotadas, uma camisa de golfeaxadrezada de mangas curtas e um par deReeboks vermelhos e brancos. Tinha óculosescuros de aviador e um boné acastanhado.Atrás do autocarro, seguiam os agentes Jen-kins e Jones num Dodge Aries. A viagemtornara-se aborrecida dez minutos depois deterem saído de Knoxville. Tinham-lhes ditoque se tratava apenas de uma vigilância rot-ineira. Se o perdessem, não tinha grande im-portância. Mas que tentassem não o perder.FALTAVAM duas horas para o voo de Hunt-ington para Mobile, e Abby sentou-se numcanto isolado de uma sala de espera escura aobservar as chegadas e partidas. Apenas aobservar. Na cadeira a seu lado, encontrava-

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se um pequeno saco. Ignorando as in-struções de urgência, enfiara a escova dedentes, os produtos de maquilhagem e umasroupas num saco. Tinha também deixado umbilhete aos pais dizendo que precisava de ir acorrer para Memphis encontrar-se comMitch, mas que não se preocupassem que es-tava tudo bem.

Não sabia se ele estava morto ou vivo.Tammy dissera que ele estava assustado,mas controlado. "Vai para Panama CityBeach e espera." A bordo, Abby sentou-senum lugar da coxia. Apertou o cinto edescontraiu-se. Rolaram para fora do ter-minal e levantaram voo em direcção aMobile. EM CINCINNATI, Mitch apanhouum avião para Nashville. Chegou às 6 datarde de quarta-feira, muito depois de osbancos terem fechado. Encontrou uma agên-cia de aluguer de camionetas de carga ealugou um dos modelos mais pequenos.Pagou em dinheiro, mas foi obrigado a

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utilizar a carta de condução e um cartão decrédito para o depósito. Se DeVasherconseguisse seguir-lhe o rasto até à agênciade aluguer em Nashville, paciência. Comprouvinte caixas de papelão e partiu para oapartamento. Sentou-se no divã e fez aprimeira chamada para o Holiday Inn dePanama City Beach. Perguntou por LeeStevens, o nome utilizado por Ray, mas eleainda não chegara. Mitch pensou em in-úmeras coisas que podiam acontecer a Abby,com esperança de que ela estivesse no avião.Sozinha. Quando entrou no quarto, ficoumaravilhado com a quantidade de docu-mentos. Tammy construíra em cima do ta-pete colunas perfeitas de papéis, todas elasminuciosamente divididas em bancos eempresas das Caymans. Em cima de cadauma dessas pilhas, encontrava-se um blocoamarelo com o nome da firma, seguido devárias páginas com datas e títulos. Até Tar-rance conseguiria perceber a sequência. O

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grande júri iria devorá-los. E os júris nos jul-gamentos iriam condenar, e condenar, econdenar.

O AGENTE Jenkins bocejou com o ausculta-dor na mão e ligou para o escritório de Mem-phis. Apenas um "picar o ponto" rotineiro.

- FBI, agente Acklin - respondeu uma vozmasculina. - Olá, Rick. É Jenkins. Nós ...

-Jenkins! Onde é que estão?

- Estamos no terminal de autocarros emMobile. Acabámos de o perder.

- O quê? Como é que aconteceu uma coisadessas? Jenkins despertou repentinamente.

- O que é que se passa? Outra voz.

- Daqui fala o director Voyles. O que é queaconteceu?

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Jenkins susteve a respiração e olhou deses-peradamente em volta. - Nós perdemo-lo, Sr.Director. Seguimo-lo durante vinte horas, equando saiu do autocarro aqui em Mobile,perdemo-lo na multidão. - Muito bem, filho.Ouve: nós precisamos desesperadamente deo encontrar. O irmão dele apanhou-se com onosso dinheiro e desapareceu. Telefona paraa Polícia aí de Mobile e diz-lhes que anda umassassino fugido à solta. Eles provavelmentejá têm a fotografia de Ray pendurada naparede. A mãe dele vive em Panama CityBeach, por isso avisa todas as autoridadespoliciais entre Mobile e Panama City Beach.Eu vou mandar as nossas tropas.

Às 10 HORAS, Mitch telefonou pela segundavez para o Holiday Inn. Perguntou porRachel James: não tinha chegado. Perguntoupor Lee Stevens. Um momento. Depois de otelefone ter tocado uma dúzia de vezes, al-guém atendeu.

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- Estou? - Foi rápido.

- Lee? - perguntou Mitch. Uma pausa.

- Sim, sou eu.

- É o Mitch. Parabéns.

Ray deixou-se cair em cima da cama.

- Foi tão fácil, Mitch. Como é queconseguiste?

- Depois, conto-te tudo. Neste momento, es-tou a ser perseguido por uns tipos que mequerem matar e à Abby também. Andamosfugidos. Assenta este número: seis um cincooito nove nove quatro três oito zero. Estounum apartamento em Nashville. Se eu cá nãoestiver, atende uma rapariga chamadaTammy.

- Tammy?

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- É uma história muito longa. Abby deve es-tar a aparecer por aí com o nome de RachelJames. Vai chegar num carro alugado.

- Ela vem para aqui?!

- Ouve, Ray. Os canibais vêm atrás de nós,mas nós temos um passo de avanço sobreeles.

- Avanço sobre quem? - Sobre a Mafia e oFBI. - Só? Tenho umas perguntinhas a fazer-te, maninho.

- E eu tenho todas as respostas para te dar,mas não agora. Toma conta da minha mulh-er e telefona-me quando ela aí chegar.

- Está descansado. E, ... olha, Mitch,obrigado. -Adiós. O ED¢foo do SoutheasternBank, no centro de Nashville, era um cilindrode vidro com trinta andares com a configur-ação de uma caixa de bolas de ténis. Mitch

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entrou pelas portas giratórias ao mesmotempo que uma multidão de empregados quese apressavam a ocupar os postos de tra-balho. Subiu as escadas rolantes até ao ter-ceiro andar, abriu uma porta de vidro e en-trou numa enorme sala circular.

- Posso falar com Mr. Mason Laycook, porfavor? - pediu ele a uma secretária.

Mr. Laycook surgiu de um dos cantos dasala. - Posso ajudá-lo? - perguntou.

- Pode. Preciso de fazer uma pequena trans-ferência. - Diga-me o seu nome.

- Eu tenho cá conta. - "Por outras palavras,não lhe digo o meu nome, Mr. Laycook. Nãoprecisa do nome para nada."

- Muito bem. Queira acompanhar-me, porfavor. - No seu gabinete, havia uma fila de

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teclados e monitores em cima de uma ban-cada. - O número da conta, por favor.

- Dois um quatro três um três cinco. - Sabia-o de cor. Layçook carregou num teclado e fit-ou o monitor.

- É uma conta código três, aberta por T.Hemphill, que só pode ser movimentada porela e por um determinado indivíduo com aseguinte descrição física: um metro e oitentae oito de altura, aproximadamente quilos, ol-hos azuis, cabelo castanho, cerca de vinte ecinco anos de idade. O senhor corresponde àdescrição. - Laycook examinou o ecrã. - E osúltimos números do seu cartão da SegurançaSocial são? - Oito cinco oito cinco.

- Muito bem. Tem acesso à conta. Agora,diga-me, por favor, o que pretende fazer.

Mitch sentou-se.

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- Quero fazer uma transferência de uma con-ta do Royal Bank de Montreal na GrandeCayman para esta conta.

- Calculo que saiba o número.

- Quatro nove nove DFH dois um dois dois.Laycook escreveu o número e levantou-se.

- Só um momento. - Saiu da sala e regressoucom o seu superior hierárquico, Mr. Nokes,um dos vice-presidentes. Pareciam ambosmuito nervosos. Foi Nokes quem falou.Trazia na mão uma pequena folha decomputador.

- Esta conta é de acesso restrito. Terá quenos dar certas informações antes de iniciar-mos a transferência.

Mitch acenou, confiante.

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- As datas e quantias dos últimos três depósi-tos. - Olharam atentamente para ele,sabendo que iria falhar.

Também as sabia de cor. Não tomara nen-huns apontamentos.

- 3 de Fevereiro deste ano, seis milhões emeio. 14 de Dezembro do ano passado, novevírgula dois milhões. E 8 de Outubro do anopassado, onze milhões.

Laycook e Nokes ficaram a olhar, pasmados,para a folha que tinham nas mãos.

Nokes conseguiu esboçar um ligeiro sorrisoprofissional. - Muito bem. Tem acesso. Qualé o seu PIN?

Mitch sorriu e cruzou as pernas. - Sete doiszero oito três.

- E as condições da transferência?

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-Dez milhões de dólares para a conta daqui,número dois um quatro três um três cinco.Quando tiverem completado esta transferên-cia, gostaria de fazer algumas outras.

- É só um instante. Quer um café? - pergun-tou Nokes. -Não, obrigado. Têm algumjornal?

- É claro - disse Laycook. - Ali naquela mesa.

Saíram apressadamente do gabinete, e oritmo das pulsações de Mitch começou aabrandar. Abriu o Tennessean de Nashville eteve de ler três colunas até encontrar umanotícia de um parágrafo sobre a fuga daPrisão de Brushy Mountain; não tinha foto-grafia e dava poucos pormenores. Mitch es-perava que Ray e Abby estivessem a salvo noHoliday Inn na Marginal de Panama CityBeach.

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Até ali, supunha que não tinham deixadorasto. Assim o esperava. Laycook regressousozinho, com uma expressão afável.

- Já completámos a transferência. O dinheirojá cá está. Em que podemos serlhe úteisagora?

- Quero fazer três transferências. Um milhãode dólares para o Coast National Bank emPensacola para abrir uma conta de acesso ex-clusivo a uma senhora com aproximada-mente cinquenta anos de idade. Eu depoisdou-lhe a ela o PIN. Segundo, um milhão dedólares para o Dane County Bank em Danes-boro, no Kentucky, para qualquer conta queesteja em nome de Harold ou Maxine Suth-erland. Terceira, sete milhões para oDeutsche Bank em Zurique, conta númerosete sete dois zero três BL seis zero zero. Orestante dinheiro é para ficar aqui.

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- Vai levar cerca de uma hora - informouLaycook enquanto escrevia.

- Obrigado, Mr. Laycook.

No ÚLTIMO piso da dependência do RoyalBank de Montreal na Grande Cayman, umasecretária pôs uma folha de computador de-baixo do nariz de Randolph Osgood. Tinhafeito um círculo em torno de uma invulgartransferência de dez milhões de dólares. In-vulgar porque o dinheiro daquela conta nãocostumava regressar aos Estados Unidos einvulgar porque fora feita para um bancocom o qual nunca tinham trabalhado. Os-good analisou a folha e telefonou para Mem-phis. Mr. Tolar encontrava-se de baixa, in-formouo a secretária. Então, Nathan Locke.Mr. Locke estava fora. Victor Milligan?

Mr. Milligan também estava fora.

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Osgood colocou a folha na pilha de coisasque tinha de fazer no dia seguinte. FORAMprecisas dezassete viagens entre o aparta-mento e a camioneta, mas por volta do meio-dia já os Papéis Bendini se encontravamprontos para serem transportados. Mitchsentou-se no sofá e escreveu as instruçõespara Tammy. Descreveu detalhadamente astransferências bancárias e disse-lhe para es-perar uma semana antes de entrar em con-tacto com a mãe dele, que em breve seriamilionária.

Colocou o telefone no colo e preparou-separa executar uma tarefa desagradável. Tele-fonou para o Dane County Bank, perguntoupor Harold Sutherland e disse que era umassunto urgente.

- Estou - respondeu-lhe o sogro.

--Mr. Sutherland, daqui fala Mitch. Já ... -Aconteceu alguma coisa à minha filha?

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- Não, ela está bem. Nós vamos ausentar-nosdo país por uns tempos.

- Aconteceu alguma coisa, Mitch?

- Aconteceu. Aconteceu uma coisa muitograve, mas agora não posso explicar-lhe.

- Estás a correr perigo?

- Mais ou menos. Recebeu alguma transfer-ência pouco usual hoje? - Alguém mandoupara cá um milhão de dólares há cerca deuma hora.

- Esse alguém fui eu, e o dinheiro é seu.Seguiu-se um longo silêncio.

- Mitch, acho que mereço uma explicação.

- Com certeza, mas eu não lha posso dar. Senós conseguirmos sair do país sem prob-lemas, virá a sabê-lo daqui a uma semana

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mais ou menos. Goze o dinheiro. Tenho queir andando.

Mitch esperou um minuto e ligou para o Hol-iday Inn de Panama City Beach. Perguntoupor Rachel James.

- Estou. - Era Abby.

- Olá, querida. Como é que estás?

- Péssima, Mitch. A fotografia do Ray vem naprimeira página de todos os jornais daqui.Alguém o viu em Mobile.

- Onde é que ele está agora?

- Está deitado na praia a tentar bronzear acara.

- Ouve, Abby. Esperem até ser quase noite edepois saiam do hotel a pé. A uns oitocentosmetros para leste encontram um pequenomotel chamado Sea Gull's Rest. Arranjem

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dois quartos um ao lado do outro. Paguemem dinheiro e dizlhes que te chamas JackieNagel. Percebeste o nome? Quando for noiteescura, tenta ir a uma loja comprar tinta parao cabelo. Corta o cabelo muito curto e pinta-o de louro.

Louro!

- Diz ao Ray para não sair do quarto. Nãocorram riscos. - Amo-te, Mitch. Estou tãoassustada!

- Vai correr tudo bem, querida, vais ver. Elesnão sabem onde é que vocês estão e não vãoconseguir apanhá-los se continuaremsempre a fugir. Chego aí

por volta da meia-noite.

Os QUARTOS n.° 38 e 39 do Sea Gull's Resteram estreitos e pouco asseados, as colchas

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até tinham queimadelas de cigarros, mas oluxo não era importante.

Na quinta-feira, depois de anoitecer, Raypôs-se atrás de Abby com uma tesoura eaparou-lhe delicadamente o cabelo em tornodas orelhas. Era um corte arrapazado, muitocurto, acima das orelhas e com franja. - Nadamal disse ele, e apagou as luzes. Ela entrouna casa de banho, fechou a porta e saiu umahora depois, loura. Ray tinha adormecido emcima da colcha.

Bateram à porta. Abby ficou petrificada, à es-cuta. Deu uma palmada nos pés de Ray. Bat-eram novamente. Ray saltou da cama.

- Quem é? - sussurrou ela junto à janela. -Sam Fortune - respondeu Mitch baixinho.

Ray destrancou a porta, e Mitch entrou.Agarrou em Abby e deu um grande abraço aRay. Sentaram-se na cama às escuras. Mitch

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apertava Abby com força. Com tanto que tin-ham para dizer ficaram todos calados.

- Abby contou-me tudo - disse Rayfinalmente.

- Eu não sei tudo - disse ela. - Não sei quem éque nos está a perseguir.

- Presumo que andem todos por aí - disseMitch. - DeVasher e o seu bando. Tarrance eos seus agentes do FBI. Temos que arranjaruma maneira de sair daqui. Todos juntos eem segurança.

- O que é que se segue? - perguntou Abby.

- Existem milhares de motéis baratos comoeste ao longo da marginal. São vinte e cincoquilómetros de motéis, apartamentos e lojasde T-shirts. O que implica muita gente, umadata de turistas de calções e sandálias, eamanhã

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também nós seremos turistas: calções,sandálias, tudo o que for preciso. Calculoque, mesmo que tenham posto cem homensatrás de nós, temos ainda dois ou três dias.

- Em que carro é que vieste, Mitch? - pergun-tou Ray. - Numa camioneta de carga.

-Porque é que não nos enfiamos já na cami-oneta e zarpamos daqui? - Ouve, Ray, confiaem mim. Eu não consegui tirar-te da prisão?Ouviram uma sirene a uivar na Marginal. Fi-caram petrificados e ouviram-na afastar-se.

- Bom, malta - disse Mitch. - Agora vamosdescarregar a camioneta. Depois,abandonamo-la para aí.

Só foram necessários alguns minutos para acamioneta se tornar numa dor de cabeça.Billy Weaver, o gerente da empresa dealuguer de Nashville, ao ler o jornal na sexta-feira de manhã, viu a notícia sobre Ray

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McDeere e a busca que andavam a fazer pelacosta. Mencionavam o nome de MitchMcDeere, irmão do foragido. O nome não lheera estranho. Billy folheou os registos dosalugueres mais recentes. Claro, Mitchell Y.McDeere alugara uma camioneta pequena naquarta-feira ao fim da tarde. Billy ligou parao FBI em Nashville, e quinze minutos depoisTarrance recebia uma chamada no rádio docarro. Era Acklin quem ia a conduzir eVoyles ia no banco de trás. Uma camionetade carga? Para que é que McDeere precisavade uma camioneta de carga? Saíra de Mem-phis sem carro, sem roupa, sem sapatos esem escova de dentes. Deixara o cão em casa.Não levara nada com ele, então para que éque quereria uma camioneta?

Os documentos da Bendini, é claro. Das duasuma: ou saíra de Nashville já

com os documentos na camioneta ou estavaa caminho para os ir buscar. MITCH

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levantou-se ao nascer do Sol. Caminhou aolongo da praia até

encontrar uma loja de conveniência. Com-prou um saco cheio de coca-colas, bolos,batatas fritas, óculos escuros, bonés e trêsjornais. Quando voltou, abriu os jornais emcima da cama de Ray. A coisa estava pior doque pensavam. As primeiras páginas dosmatutinos de Mobile, Pensacola e Mont-gomery traziam notícias com retratos-robôde Ray e Mitch. Os artigos estavam repletosdas declarações iradas de Wayne Tarrance,agente especial do FBI. Ray McDeere foravisto pela última vez em Mobile. Ele e Mitchestavam armados e eram extremamenteperigosos; tinham jurado que não seriamapanhados vivos. Se alguém visse uma pess-oa parecida com algum dos irmãos McDeere,deveria comunicá-lo imediatamente à Polí-cia. Ray e Mitch comeram os bolos e con-cluíram que os retratos-robô não estavammuito parecidos com eles. Foram até ao

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quarto ao lado e acordaram Abby.Começaram a desempacotar os PapéisBendini e montaram a câmara de vídeo. Às 9horas, Mitch fez uma chamada para Tammy,a cobrar no destinatário. Ela tinha os bil-hetes de identidade e os passaportes novos.Ele disse-lhe para os enviar por correio ex-presso para Sam Fortune, Motel Sea Gull'sRest, Panama City Beach, Florida, e para de-pois sair de Nashville, ir de carro atéKnoxville, instalar-se num grande motel etelefonar-lhe para o quarto n.° 39 do SeaGull's Rest. Deu-lhe o número de telefone.

SExTA-FERA à tarde, explodiu a bomba. Umagente da Polícia parou o carro num motelbarato e reparou numa pequena camionetade carga muito bem escondida por detrás deum contentor de lixo. Assentou todos osnúmeros de identificação da camioneta ecomunicou à esquadra. Era aquela! Cincominutos depois, o motel estava cercado poruma dúzia de polícias. Apenas sete quartos

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se encontravam ocupados, explicou o donoabrindo as portas. Era uma época baixa doano no Beachcomber Inn. Esclareceu que to-dos os pequenos motéis tinham dificuldadesaté Junho. ANDY PATRICK fora condenadopela primeira vez quando tinha dezanoveanos e cumprira quatro meses de prisão porter passado cheques sem cobertura. Cata-logado como criminoso, nos vinte anos quese segui ram apenas conseguira sobreviver,sem grande sucesso, como gatuno. Vaguearapelo país roubando artigos das lojas, pas-sando cheques sem cobertura e arrombandocasas ali e acolá. Aos vinte e sete anos, sendoum jovem não-violento, frágil e pequeno,levara uma valente sova de um agente daPolícia gordo e arrogante no Texas. Perderaum olho e todo o respeito pela lei.

Em Panama City Beach, arranjara umemprego de recepcionista no Motel SeaGull's Rest, a ganhar quatro dólares porhora. Na sexta-feira, às 9 da noite, estava ele

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a ver televisão quando um agente da Políciagordo e arrogante entrou porta dentro comum ar superior.

- Estamos à procura de uns foragidos - anun-ciou ele, pousando cópias dos retratos-robôno balcão sujo. - Andamos atrás destes ho-mens. Achamos que andam por estasbandas.

Andy olhou para os retratos. A cara deMitchell Y. McDeere parecia-lhe conhecida.O mecanismo do seu cérebro de gatuno detrazer por casa começou a ranger.

- Eu cá não os vi - disse ele -, mas vou ficarde olho. São perigosos - disse o agente. -Prega os retratos na parede. "Tu é que ésperigoso", pensou Andy.

Viam-se luzes vermelhas a passar e ouviam-se sirenes a apitar na Marginal, a poucosmetros dali. O agente virou costas e saiu

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porta fora com um ar petulante. Andy deitoufora os retratos, depois atravessou o parquede estacionamento até ao edifício das traseir-as. Bateu à porta do quarto n. 39.

- Quem é? - perguntou uma voz de mulher. -É o gerente - respondeu Andy. A porta abriu-se, e o homem que se parecia com o retratode Mitchell Y. McDeere saiu cá para fora.

- Diga. O que é que se passa? - perguntou.Andy percebeu que ele estava nervoso.

- Os chuis acabaram de sair daqui.

- O que é que eles queriam? - perguntouMitch inocentemente. "Querem-te a ti", pen-sou Andy.

- Limitaram-se a fazer perguntas e a mostrarfotografias. Eu estive a ver as fotografias,sabe?

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- Hum, hum - disse Mitch, e olhou fixamentepara Andy.

- O chui disse que um deles tinha fugido daprisão. Eu já estive na prisão e acho que todaa gente deve fugir de lá, sabia?

- Como é que se chama? - perguntouMcDeere, sorrindo. - Andy.

- Tenho um negócio para lhe propor, Andy.Dou-lhe mil dólares agora; e amanhã, se con-tinuar a não conseguir reconhecer ninguém,dou-lhe outros mil. E o mesmo se passarádepois de amanhã.

"Um grande negócio", pensou Andy. Mas seele podia dar-lhe mil dólares por dia, comcerteza que também poderia dar-lhe cincomil por dia. Era a grande oportunidade dasua carreira.

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- Calculo que também queira que eumantenha as empregadas longe daqui in-sinuou ele. Boa ideia. Isso seria Ótimo.

- Está bem - disse Andy com firmeza. - Cincomil por dia. McDeere nem hesitou.

- Está combinado. Vou buscar o dinheiro. -Entrou no quarto e voltou com um maço denotas.

Andy pegou no dinheiro. Contá-lo-ia maistarde. Foi-se embora sem dizer nada, e Mitchentrou no quarto n.° 38.

- Quem era? - perguntou Ray rispidamente.Mitch sorriu.

- Eu sabia que precisávamos de um golpe desorte para nos safarmos desta. E

acho que vamos tê-lo.

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MR. MOROLTO, de fato preto e gravata en-carnada, estava sentado à

cabeceira da mesa na sala de reuniões doBest Western da Marginal. Sentados à suavolta, encontravam-se os seus melhores emais inteligentes homens. Embora fossemtodos assassinos sem escrúpulos, pareciamuns palhaços envergando camisas coloridas,calções extravagantes e uma espantosa var-iedade de chapéus de palha que Lazarov lhestinha arranjado. Mr. Morolto normalmenteteria sorrido com a figura deles, mas apremência da situação impedia-o de o fazer.Escutava Lazarov e DeVasher enquanto osdois davam deixas um ao outro.

- Eles estão cá. Eu sei que estão - disseDeVasher dramaticamente, batendo na mesacada vez que pronunciava uma silaba. Ohomem tinha ritmo. Era a vez de Lazarov:

- Concordo. A Polícia encontrou a camioneta.

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DeVasher:

- Mas porquê aqui, em Panama City Beach?Lazarov:

- Primeiro, ele já cá tinha estado, veio cá noNatal, lembras-te? Ele deve achar que comtodos estes motéis baratuchos sobre a praia éum Ótimo lugar para se esconder por unstempos.

- E a mãe dele? - perguntou Mr. Morolto.Lazarov:

- É uma mulher muito simples, empregadanuma creperia e não sabe de nada. Estamosa vigiá-la desde que cá chegámos.

DeVasher:

- Não houve qualquer contacto. Mas nóssabemos que eles estão cá, e o FBI e a Políciatambém sabem.

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Mr. Morolto fez um sinal de frustração com amão.

- Pronto, está bem. Eles estão cá. Vocês sãouns génios. E agora? DeVasher:

- O FBI atravessou-se-nos no caminho. Temo controle da busca e nós não podemos fazernada senão ficar à espera.

Lazarov:

- Primeiro, vamos livrar-nos do FBI e daPolícia. Eles ainda não sabem, mas estãoprestes a continuar as buscas noutro sítio.Depois, começamos nós a bater a todas asportas dos pequenos motéis. DeVasher:

- É impossível bater a todas as portas, mastemos de tentar. Mr. Morolto levantou-se eolhou em redor.

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- E a água? - perguntou, olhando na direcçãode Lazarov. Todos os olhos percorreramdesesperadamente a mesa e fixaram-se rapi-damente em Lazarov.

- Desculpe. Mas creio que não estou a en-tender. Mr. Morolto inclinou-se sobre o rostode Lazarov.

- E a água, Lou? Estamos numa praia, não éverdade? Há terra, auto-estradas, caminhosde ferro e aeroportos de um lado, e há água ebarcos do outro. Se as estradas estão blo-queadas e os aeroportos e caminhos de ferrofora de questão, parece-me óbvio que elesvão tentar arranjar um barco e fugir pelacalada da noite.

Todas as cabeças na sala se apressaram aacenar. DeVasher foi o primeiro a falar:

- Para mim, isso faz muito sentido.

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- Que maravilha! - comentou Mr. Morolto. -Então, onde é que estão os nossos barcos?

Lazarov levantou-se de um salto e começou avociferar ordens aos seus subordinados.

- Vão para as docas! Aluguem todos os bar-cos de pesca que conseguirem encontrar.Não respondam a perguntas nenhumas;paguem o que for preciso. Ponham os nossoshomens nesses barcos e comecem a patrul-har. Mantenhamse a cerca de quilómetro emeio da costa. Pouco antes das 11 da noite desexta-feira, o Nórdico parou numa bomba degasolina em Tallahassee e telefonou para aPolícia local.

- Ouçam - gritou ele. - Parei aqui na bombada Texaco e vi há cinco minutos os foragidosde que vocês andam à procura!

- Quais foragidos? - perguntou o agente.

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- Os McDeeres. Dois homens e uma mulher.Eu vi-os.

Ele explicou onde estava e esperou trinta se-gundos até chegar o carro-patrulha com asluzes azuis a piscarem. Levaram-no logopara a esquadra e escoltaramno até ao gabin-ete do graduado de serviço, onde os doisretratos-robô se encontravam à espera deleem cima da secretária.

- São esses mesmo - gritou ele. - Estavamnuma carrinha Ford verde com matrícula doTennessee, com um reboque de carga. Pas-saram a um metro de mim. Iam com umamulher.

- Em que direcção seguiam? - perguntou oagente. Leste. Naquele preciso momento, acerca de seis quilómetros dali, TonyDuasToneladas desligou um telefonepúblico. Um agente de patrulha entrou a cor-rer no gabinete do chefe.

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- Acabámos de receber outra chamada de umBurger King a leste da cidade. Viram dois ho-mens e uma mulher numa carrinha Fordverde com um reboque de carga.

- Têm que ser eles - disse o chefe com umenorme sorriso. F. DENTON VOYLES, dir-ector, do FBI, estava sentado na sala de re-uniões do Holiday Inn de Panama City Beacha estudar uma planta das ruas com três dosseus subalternos. Entrou um agente derompante na sala.

- Acabámos de receber uma chamada de Tal-lahassee. Receberam duas denúncias nos úl-timos quinze minutos! Identificaram-nos aostrês numa carrinha Ford verde.

Voyles largou a planta e apontou paraTarrance.

- Estamos a perder o nosso tempo aqui.Quero todos os polícias do centro da Florida

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nas auto-estradas dentro de uma hora. Mon-tem barricadas à volta de Tallahassee. Todasas carrinhas Ford verdes têm de ser revista-das, entendido?

- Entendido - respondeu Tarrance com umsorriso cansado. A notícia das identificaçõesem Tallahassee espalhou=se pela Costa Es-meralda. Panama City Beach descontraiu-se.Os McDeeres tinham-se ido embora. Porrazões que lhes eram desconhecidas, as bus-cas tinham sido desviadas para leste.

SÁBADO, às 9 da manhã, Andy Patrick at-ravessou rapidamente o parque deestacionamento, dirigindo-se ao quarto n.39. Bateu à porta ao de leve. Passado um bo-cado, a mulher perguntou: - Quem é?

- O gerente - respondeu ele.

Foi o homem que se parecia com o retrato deMitchell Y. McDeere quem abriu a porta.

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- Bom dia, Andy.

- Bom dia. Não sabia se vocês ainda cá estari-am. - McDeere acenou com a cabeça. - Bom,... é que, segundo a televisão, esta manhã,vocês estiveram em Tallahassee ontem ànoite.

- Pois é. Nós estávamos a ver. Eles são unsbrincalhões, não são? McDeere estava ameditar. Andy observou-lhe o rosto e disse:

- Não parece lá muito satisfeito. Os políciasvão-se embora e desistem da busca aqui. Issoé bom, não é?

- A coisa agora ficou mais perigosa quenunca, Andy. Andy pensou naquilo e depoisperguntou:

- Como é que isso é possível?

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- Os polícias só queriam prender-me. Masandam para aí uns tipos que querem matar-me: assassinos profissionais. E esses con-tinuam cá. Andy semicerrou o olho bom. As-sassinos profissionais! Na Marginal? Recuouum passo. Apetecia-lhe perguntar quemeram eles e porque é que queriam matá-lo,mas sabia que não obteria resposta.

- Mantenha os olhos bem abertos, Andy.Agora que os polícias se foram embora, osassassinos vão entrar em acção. O dia de ho-je pode ser muito perigoso, e eu preciso dasua ajuda. Se vir alguém suspeito a rondarpor aqui, telefone imediatamente para cá.Nós não vamos sair dos quartos, está bem?

Poucos minutos depois de Andy se ter idoembora, Mitch desligou a televisão e voltouao seu lugar no chão, no meio das caixas decartão. Pegou numa pilha de documentos eacenou a Abby, o operador de câmara.Prosseguiu com as declarações.

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Lazarov espalhou as suas tropas pelospequenos motéis ao longo da Marginal. Tra-balhavam aos pares. Dera-lhes instruçõespara começarem por interrogar as emprega-das e depois baterem às portas. Deviam en-trar pelo lado da praia, sem se aproximaremdas recepções. Fingiriam ser polícias, e se osencontrassem, matavam imediatamente osMcDeeres e agarravam num telefone.

Lamar Quin, Kendall Mahan, Wally Hudsone Gill Vaughn tinham chegado a meio danoite, num avião particular, com dez outroscolaboradores da Bendini, Lambert & Lockë.Os ex-colegas de Mitch McDeeremisturaram-se com os turistas nas lojas ecafés, desejando secretamente não o encon-trarem. Tinham chamado os sócios que es-tavam espalhados pelos aeroportos de todo opaís, e a meio da manhã já eles se encon-travam a passear pela praia e a revistar aspiscinas e os átrios dos hotéis. Contando comos advogados, Mr. Morolto tinha quase cem

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homens a participar naquela pequena caçaao homem.

ANDY assinou o recibo do correio expressoàs 10 horas e inspeccionou o pacote dirigidoa Sam Fortune. O remetente era uma DorisGreenwood, de Memphis. Saiu do escritóriocom o pacote.

Quando atravessava o parque de estaciona-mento, viu dois homens a baterem à

porta do quarto n. 21. Achou imediatamenteque tinham um ar suspeito. Vestiam amboscalções brancos que lhes chegavam quase aosjoelhos e não lhes assentavam bem. Umdeles tinha meias escuras e uns mocassinsgastos; o outro, sandálias baratas. Traziampanamás brancos enfiados nas cabeças. Apósseis meses na Marginal, Andy conseguia per-feitamente distinguir à

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distância um falso turista. O que estava abater à porta voltou a fazê-lo, e Andy viu aforma de uma enorme pistola enfiada naparte de trás dos calções. Voltou rapida-mente para o gabinete e telefonou para oquarto n.° 39. - Fala Andy. Não olhem lápara fora, mas andam dois homens com umar muito suspeito a bater às portas do outrolado do parque de estacionamento.

- São chuis?

- Acho que não. Não passaram por aqui.

- Vamos apagar as luzes. Volte a telefonarquando eles se forem embora. Andy viu-os abaterem de porta em porta, conseguindo porvezes que alguém abrisse. Não obtiveram re-sposta nos quartos 38 e 39. Regressaram àpraia é

desapareceram. Assassinos profissionais!Naquele motel!

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Telefonou para o quarto n.° 39.

- Ouça, eles já se foram embora. Mas isto es-tá cheio de gente daquela laia. É

melhor vocês fugirem.

- Calma, Andy. Já não nos demoramos muitopor cá. E o pacote?

- Está aqui.

- Ótimo. Preciso dele. Ouça, Andy, e que talqualquer coisita para comer?

Podia atravessar a rua e ir comprar algumacoisa quente?

Por cinco mil dólares por dia, o Sea Gull'sRest podia providenciar serviço aos quartos.

-Claro. Vou já aí.

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WAYNE TARRANCE deixou-se cair em cimada cama no seu quarto do Ramada Inn, emTallahassee. Estava furioso, confuso e ex-austo. Era 1.30 da manhã de sábado. Nãoaparecera nenhuma carrinha Ford verde commatrícula do Tennessee. McDeere eclipsara-se outra vez.

O telefone tocou uma vez. Tarrance levantoulentamente o auscultador.

- Wayne, querido! - disse Tammy, soltandouma gargalhadinha. - É a Doris.

- Onde é que está McDeere?

- Bom, Wayne, vocês quase que o encon-traram, mas depois desataram a correr atrásde uma pista falsa. Mitch disse-me háminutos que nunca esteve em Tallahassee,que nunca conduziu uma carrinha Fordverde. Vocês engoliram tudo, Wayne: anzol,linha e chumbada.

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Tarrance beliscou a cana do nariz. - Onde éque ele está?

- Wayne, Wayne, calma, querido. Vais rece-ber os documentos. Tarrance sentou-se.

- Muito bem, e quando?

- Bom, podíamos insistir em receber o restodo dinheiro, mas não somos gananciosos.Vais receber os documentos dentro de vinte equatro horas. Eu telefono-te quando Mitchme disser onde é que eles estão. Por isso,mantém-te por aí. Dorme uma soneca.

A BUSCA abrandou um pouco no sábado àtarde, quando a Polícia de Panama CityBeach recebeu a quarta queixa vinda de pro-prietários de motéis. Tiveram de mandaragentes para o Breakers Motel, onde um pro-prietário irado contou que andavam homensarmados a molestar os seus hóspedes.Mandaram mais agentes para a Marginal, e

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pouco depois andavam a revistar os motéis àprocura de homens armados que andavam àprocura dos McDeeres. A Costa Esmeraldaestava à beira de uma guerra. No quarto n.°39, Ray inspeccionou pela centésima vez osnovos passaportes, vistos, cartas de con-dução e certidões de nascimento. Doc tinhafeito um bom trabalho, e Ray sorria aoexaminá-los um por um.

Abby arrumou a câmara de vídeo Sony nacaixa. O testemunho demorara dezasseishoras a gravar. Mitch olhara de frente para acâmara, levantara a mão direita e juraradizer toda a verdade. Utilizando os aponta-mentos, sumários e gráficos de Tammy, ex-aminou primeiro metodicamente os extrac-tos bancários. Identificou mais de duzentas ecinquenta contas secretas em onze bancosdas Caymans. Após os documentosbancários, esmerou-se em encaixar as peçasda estrutura do império. Em vinte anos, osMoroltos e os seus incrivelmente corruptos e

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incrivelmente ricos advogados tinhammontado mais de quatrocentas corporaçõesnas Caymans. Fez um depoimento de seishoras sobre os vários métodos utilizadospelos Moroltos e os seus advogados paratransformarem dinheiro sujo em dinheirolimpo. O método de eleição era, obviamente,transportar o dinheiro num avião particularda Bendini. À medida que as corporaçõesiam sendo formadas, o dinheiro era trans-ferido para as contas dessas corporações einiciava-se o branqueamento. O métodomais simples e mais comum era a companhiaadquirir bens imobiliários e outros bens"limpos" nos Estados Unidos. Dezasseis hor-as de depoimento eram suficientes. Não seriaaceite em tribunal, mas surtiria efeito. Tar-rance e os seus compinchas poderiammostrar a gravação ao grande júri e incrim-inar pelo menos trinta advogados da firmaBendini. Poderiam mostrar as cassetes a um

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magistrado federal e obter os mandados debusca.

Mitch cumprira a sua parte do contrato. Em-bora não fosse testemunhar pessoalmente,só lhe tinham pago um milhão de dólares e iaentregar mais material do que fora com-binado. Estava física e moralmente exausto,e sentou-se à beirinha da cama com as luzesapagadas. Abby estava sentada numa cadeirade olhos fechados.

Ray espreitou lá para fora através das per-sianas. - Precisamos de uma cerveja fresca.

- Esquece - disse Mitch rispidamente.

- Calma, maninho. Está escuro, e a loja ficamesmo ali na praia. Eu sei o que faço.

- Esquece, Ray. Não há necessidade nen-huma de corrermos riscos. Vamos embora

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daqui a umas horas, e, se tudo correr bem,vais ter o resto da vida para beber cerveja.

Ray não estava a ouvir. Enterrou um boné debasebol na cabeça e escapou-se pela porta.Caminhou apressado sobre a areia, por de-trás dos pequenos motéis e lojas,escondendo-se nas sombras, morto por be-ber uma cerveja fresca. Parou atrás da loja deconveniência, olhou rapidamente em volta ecertificouse de que ninguém estava a olhar;então, dirigiu-se à porta da frente. A arcacom as cervejas estava ao fundo.

Lamar Quin estava no parque de estaciona-mento, com o rosto oculto por um grandechapéu de palha, a conversar com um grupode jovens de Indiana. Viu Ray entrar na lojae pensou que aquele passo descuidado lhefazia vagamente lembrar alguém. Lamar foiaté à montra principal e olhou lá para den-tro. O

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homem estava de óculos de sol, mas o nariz eas maçãs do rosto eram sem dúvida famili-ares. Lamar entrou e pegou num saco debatatas fritas. Esperou na caixa e ficou frentea frente com o homem: não era MitchellMcDeere, mas era muito parecido: a mesmaestatura, o mesmo peso, o mesmo andar. EraRay. Tinha de ser.

- Como é que vai isso? - perguntou-lheLamar. - Vai bem. E tu, pá? - A voz eraparecida.

Lamar pagou as batatas e regressou aoparque de estacionamento. Deitou calma-mente o saco num caixote de lixo junto auma cabina telefónica e dirigiu-se apressadoà loja de recordações ao lado para continuara procurar os McDeeres.

O CAIR da noite trouxe uma brisa fresca quesoprou pela praia ao longo da Marginal. OSol desapareceu rapidamente, e a Lua não

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veio substituí-lo. No Pontão Dan Russell, nocentro da Marginal, os pescadoresencostavam-se calmamente à balaustrada,gozando a brisa e a tranquilidade. Vinhamtodas as noites ao pontão pescar e admirar omar.

De vez em quando, alguém que não era pes-cador ou um par de pombinhos aventurava-se pelo pontão e percorria os cem metros atéà extremidade. Os pescadores não repara-vam neles. Não repararam em Aaron Rim-mer, o Nórdico, quando passou calmamentepor detrás deles por volta das 11 horas. Fu-mou um cigarro no fundo do pontão e atiroua beata para o mar. Olhou para a praia e pen-sou nos milhares de quartos de motéis eapartamentos. O pontão ficava a uns oito-centos metros para leste do Sea Gull's Rest.Às 11.30, Abby saiu do quarto n.° 39 ecomeçou a caminhar pela praia em direcçãoa leste. Envergava calções, um chapéu depalha branco e um blusão com a gola

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levantada até às orelhas. Caminhava devag-ar, com as mãos enterradas nos bolsos, comoum experiente e contemplativo vagabundoda praia. Cinco minutos depois, Mitchseguiu-lhe os passos. Tinha um apito pen-durado numa guita ao pescoço, escondidosob a camisa de algodão preta, para o caso deser necessário. Enfiara sessenta mil dólaresnos bolsos. Quando ele tinha percorridoduzentos metros de areia, Ray saiu pela úl-tima vez do quarto n.° 38. Enrolada aotronco, levava uma corda de nylon preta comdoze metros de comprimento, muito bemtapada pelo blusão volumoso. Andy cobraramais dois mil dólares pela roupa e acessóri-os. Ray passou pela piscina e dirigiu-se àpraia. Via Mitch e mal conseguiu avistarAbby. A praia estava deserta.

Era quase meia-noite de sábado. Abbyavançou até à extremidade do pontão, ondese encostou à balaustrada de cimento, ol-hando a vastidão negra do Golfo. As luzes

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encarnadas de bóias abundavam até perderde vista. As luzes azuis e brancas do canalformavam uma linha recta em direcção aleste. Viu uma luz amarela a piscar numbarco que se afastava no horizonte. Estavasozinha na extremidade do pontão.

Mitch, sentado numa cadeira de praia juntoao início do pontão, não conseguia vê-la, mastinha uma óptima panorâmica do mar. A ummetro e meio dali, estava Ray, sentado numarocha cor de tijolo. Esperaram. Olharampara os relógios.

À meia-noite em ponto, Abby abriunervosamente o fecho do blusão e tirou umapesada lanterna. Escondeu-a com o blusão,apontou para o mar e carregou no botão:acendeu-a e apagou-a, acendeu-a e apagou-a, acendeu-a e apagou-a. A lâmpada verdebrilhou três vezes. Ela olhava fixamente parao mar.

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Nada. Esperou dois minutos e voltou aacender a lanterna. "Calma, Abby. Ele estáalgures por ali", disse para consigo. Acendeue apagou a lanterna mais três vezes e ficou àespera. Nada.

Mitch observava ansiosamente o mar. Pelocanto do olho, viu um vulto aproximar-se,quase a correr, das escadas do pontão: era oNórdico. Mitch lançou-se praia fora atrásdele.

Aaron Rimmer observava a mulher com ochapéu branco que estava na extremidade dopontão. Ela estava curvada, segurandoqualquer coisa que se acendeu novamentetrês vezes. Aproximou-se silenciosamentedela.

- Abby.

Ela virou-se bruscamente e tentou gritar.Rimmer deu um salto na direcção dela e

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atirou-a contra a balaustrada. Mitch emergiuda escuridão e lançou-se de cabeça às pernasdo Nórdico, e caíram os três com força no ci-mento. Mitch sentiu uma arma no cós dascalças do Nórdico. Quis dar-lhe um murro,mas falhou. Rimmer rodopiou e acertou emcheio no olho esquerdo de Mitch. Abby deu-lhe uns pontapés e arrastou-se para longe.Mitch estava cego e atordoado. Rimmerlevantou-se rapidamente e deitou a mão àarma, mas Ray atirou-se a ele qual aríete elançou o. Nórdico contra a balaustrada, des-ferindo em seguida quatro socos, semel-hantes a tiros, nos olhos e nariz, cada um dosquais fez jorrar sangue. Habilidades aprendi-das na prisão. O Nórdico gemeu e caiu decara no chão.

Ray tirou-lhe a pistola e estendeu-a a Mitch,que tentava focar o olho bom. Abby per-scrutava o pontão: ninguém.

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- Começa a acender a laterna - disse Ray en-quanto desenrolava a corda que trazia aopeito.

Abby voltou-se para a água e começou aacender e apagar a lanternadesenfreadamente.

- O que é que vais fazer? - sussurrou Mitch,olhando para Ray. - Lamento, mas nãotemos outra alternativa - murmurou Ray.Agarrou numa pequena parte da corda,torceu-a à volta do pescoço do Nórdico epuxou. Passados três minutos, anunciou: -Está morto. - Atou a outra extremidade dacorda ao poste, fez deslizar o corpo sob abalaustrada e fê-lo baixar silenciosamenteaté

à água.

- Eu desço primeiro - disse Ray, começandoa passar por entre os pilares da balaustrada e

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deslizando corda abaixo. Dois metros e meioabaixo da plataforma do pontão havia umaviga de ferro entre dois pilares de betão: umÓtimo esconderijo. Abby desceu a seguir.Ray agarrou-lhe nas pernas enquanto ela seagarrrava à corda e descia lentamente.Mitch, a ver só de um olho, desequilibrou-see quase foi parar à água.

Mas conseguiram. Sentaram-se na viga, trêsmetros acima da água escura e fria, três met-ros acima dos peixes e do corpo do Nórdico.Ray cortou a corda para o cadáver ir para ofundo.

Pareciam três corujas num galho à espreita,aguardando. Os únicos barulhos que seouviam eram o suave bater das ondas lá embaixo e o clique da lanterna a acender e aapagar.

Então, ouviram vozes lá em cima no pontão.Vozes nervosas, ansiosas, em pânico, à

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procura de alguém. Depois, foram-seembora. Passou-se uma hora. A viga de ferronão era confortável.

- Já viram aqueles dois barquitos ali? - per-guntou Ray. Os barcos encontravam-se acerca de uma milha da costa, e há já umahora que andavam lentamente, de forma sus-peita, de um lado para o outro, sempre àvista da praia.

- Acho que são barcos de pesca - disse Mitch.

- Quem é que anda a pescar à uma da man-hã? - perguntou Ray. Nenhum dos três en-controu uma explicação plausível.

Foi Abby quem o viu primeiro.

- Olhem - disse ela, apontando para um ob-jecto escuro que, a uns cinquenta metros,avançava lentamente na direcção deles.Observaram-no atentamente. Depois,

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ouviram um barulho semelhante ao de umamáquina de costura.

- Continua a acender a lanterna - disseMitch.

O objecto aproximava-se cada vez mais: eraum homem num bote. - Abanks sussurrouMitch. O zumbido extinguiu-se.

- Onde diabo estão vocês?

- Aqui. Por baixo do pontão. Despache-se,bolas!

Abanks parou o barco de borracha de doismetros e meio por baixo do pontão. Elesatiraram-se da viga e aterraram alegrementeem monte. Abraçaram-se silenciosamenteuns aos outros e depois abraçaram Abanks.Ele acelerou o motor de cinco cavalos e ru-mou ao mar alto.

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- Onde é que está o barco? - perguntouMitch.

- A cerca de uma milha da praia - respondeuAbanks. - O que é que fez à sua lanterna?

Abanks apontou para uma lanterna junto domotor. - Não tem pilhas. O BARCO era umaescuna de doze metros de comprimento queAbanks descobrira na Jamaica por apenasduzentos mil dólares. Um amigo ajudou-os asubirem a bordo. Chamava-se George - apen-as George - e falava inglês com sotaque.Abanks disse que ele era de confiança.

- Se quiserem, há whisky na cabina - disseAbanks.

Ray encontrou o whisky. Abby deitou-senum pequeno sofá. Mitch deixou-se ficar noconvés a admirar o seu barco novo. QuandoAbanks e George puseram o zebro a bordo,Mitch disse:

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- Vamos embora daqui.

- Como queira - replicou George, bem-educado.

Mitch olhou para as luzes ao longo da praia edespediu-se. Desceu lá para baixo e serviu-sede um whisky.

TARRANCE estava a dormir vestido em cimada cama. Não se mexera desde a última cha-mada, recebida há seis horas. O telefonevoltou a tocar.

,

- Estou. - A voz saiu-lhe lenta e arroucada. -Wayne, querido. É a Doris. Acordei-te? -Claro.

- Já podes ir buscar os documentos. Estão noquarto número trinta e nove do Motel SeaGull's Rest, Auto-Estrada 98, Panama City

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Beach. E dezasseis horas de gravações devídeo. O recepcionista é um tipo chamadoAndy e deixa-te entrar no quarto.

- Tenho uma pergunta para te fazer - disseTarrance. - Com certeza, rapaz. Diz lá.

- Onde é que ele te desencantou? Isto teriasido impossível sem ti. - Céus, obrigadinha,Wayne. Desencantou-me em Memphis, ficá-mos amigos e ele ofereceu-me uma pipa demassa. Nunca mais vou ter de trabalhar navida. Agora, tenho que desligar. Foidivertidíssimo.

- Onde é que ele está?

- Neste preciso momento, está a bordo de umavião a caminho da América do Sul. Mas, porfavor, não percas tempo a tentar apanhá-lo.Eu gosto muito de ti, mas tu nem sequerconseguiste apanhá-lo em Memphis. Adeus.- Desligou. MADRUGADA de domingo. A

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escuna de doze metros rumava a sul a todo opano sob um céu límpido. Mitch estava sen-tado no convés, ouvindo George expor osprincípios básicos da navegação à vela. Tinhacinquenta e muitos anos, era baixo e magro ea sua pele estava queimada pelo sol como ade Abanks. Nascera na Austrália, mas hávinte e oito anos fugira de lá após o maior as-salto a um banco da história do seu país.

Descobrira as Caraíbas no fim dos anos 60 e,depois de ter visto os milhares de pequenasilhas primitivas de língua inglesa, decidiuque encontrara um lar. Depositou o dinheiroem bancos das Baamas, Belize, Panama e,obviamente, na Grande Cayman. Construiuum pequeno complexo numa extensão depraia deserta na Pequena Cayman e passaraos últimos vinte e um anos a passear pelasCaraíbas na sua escuna de nove metros.

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- Existem milhares de ilhas - explicou ele. - Eeles nunca o encontrarão se você andarsempre a saltar de ilha em ilha.

- Quando é que deixa de se preocupar com oser perseguido?

- Oh, eu ainda penso nisso, mas já não mepreocupo. Quanto é que conseguiu sacar?

- Oito milhões, mais coisa menos coisa -disse Mitch.

- Que bom! Tem dinheiro suficiente parafazer o que lhe apetecer, por isso esqueça-os.Arranja uma pequena ilha algures, talvez aPequena Cayman ou a Brac, constrói umacasa e passa o resto da vida a passear pelasilhas. Há coisas bem piores, sabia?

Durante dias a fio, observaram George eouviram as suas instruções. Ray, o linguista,ouvia e memorizava palavras como

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spinnaker, mastro, proa, popa, ré, cana deleme, molinetes das adriças, ferragens detopo de mastro, brandais, balaustrada,molinetes das escotas e boom vang. Georgeinstruiu-os sobre a inclinação do barco,navegar à bolina, à popa, aquartelar as velas,virar de bordo, pôr o barco de capa, caçar eafinar as velas e orçar. Ray assimilava a lin-guagem da navegação; Mitch estudava atécnica.

Abby permanecia na cabina, falando muitopouco e sorrindo apenas quando era ne-cessário. Tinha saudades da sua casa etentava imaginar o que lhe aconteceria.Tinha saudades das ruas cheias de sombras edos grupos de crianças a andarem de bi-cicleta. Pensou no cão e rezou para que umvizinho o adoptasse. Estava preocupada comos pais: com a segurança deles e com o medoque sentiriam. Quando voltaria a vê-los?Mitch observava-a atentamente, mas nãotentava aproximar-se. No fundo, não tinha

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nada para lhe dizer. Talvez dali a uns diaspudessem conversar.

Ao fim do quarto dia, quarta-feira, avistarama Grande Cayman. Barry Abanks despediu-seao cair da noite. Os McDeeres limitaram-se aagradecerlhe, e ele foi-se embora no barco deborracha. Desembarcaria num clube de mer-gulho a uns cinco quilómetros de BoddenTown e telefonava a um dos capitães dosseus barcos de mergulho para o ir buscar. Fi-caria a saber se alguém com ar suspeito an-dara a rondar pelas redondezas. Abanks nãoesperava vir a ter qualquer problema.

O COMPLEXO de George na Pequena Cay-man consistia numa pequena casa principalde madeira pintada de branco e em dois an-exos mais pequenos ainda. Fay, uma nativada ilha, vivia no anexo mais pequeno etratava-lhe da propriedade. Os McDeeresinstalaram-se na casa principal e tentaraminiciar uma vida nova.

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Fay ia duas vezes por semana à cidade fazeras compras e buscar o correio. Um dia,trouxe uma encomenda de Barry Abanks. Ládentro, encontrava-se um envelope grossoenviado por Doris Greenwood, de Miami,contendo três jornais: dois de Atlanta e umde Miami.

Os cabeçalhos falavam da incriminação emmassa da firma de advogados Bendini, deMemphis. Tinham sido incriminados cin-quenta e um membros actuais e reformadosda firma juntamente com trinta e umalegados membros da família de criminososMorolto, de Chicago. Citavam F. DentonVoyles, director do FBI, que dissera tratar-sede um rude golpe para o crime organizado naAmérica. Voyles dissera também que isto de-via ser encarado como um aviso aos profis-sionais e homens de negócios honestos quese deixam tentar a manusear dinheiro de ori-gens duvidosas. Mitch dobrou os jornais e foidar um grande passeio pela praia. Depois,

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sentou-se à sombra de umas palmeiras. Ojornal de Atlanta trazia os nomes de todos osadvogados da Bendini que tinham sido in-criminados. Mitch via os rostos de todos eles.Olhando para o oceano brilhante, pensou emLamar e Kay Quin: amava-os e odiava-os.Tinham ajudado a seduzi-lo a entrar, para afirma e não estavam inocentes, mas eramseus amigos. Que desperdício!

Talvez Lamar passasse apenas um par deanos na cadeia e saísse em liberdade condi-cional. Talvez Kay e os miúdos se aguen-tassem. Talvez.

- Amo-te, Mitch. = Abby estava de pé atrásdele. Trazia um jarro de plástico e doiscopos.

Ele sorriu-lhe.

- O que é que trazes aí dentro?

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- Ponche com rum. Fay fê-lo para nós. - Estáforte?

Abby sentou-se ao lado dele na areia.

- Quase só tem rum. Eu disse à Fay que pre-cisávamos de nos embebedar, e elaconcordou.

Ele abraçou-a com força e bebeu um gole doponche. Olharam para um pequeno barco depesca avançando lentamente na água límp-ida. - Estás com medo, Mitch?

- Estou aterrorizado.

- Eu também. Isto é uma loucura.

-Mas conseguimos, estamos vivos, estamossãos e salvos e estamos juntos.

- Mas, e amanhã? E depois de amanhã?

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- Não sei, Abby. Podia ser pior: o meu nomepodia vir no jornal ao lado daqueles queacabaram de ser incriminados e atépodíamos estar mortos. Há

coisas piores do que navegar pelas Caraíbascom oito milhões de dólares no banco.

- Achas que os meus pais não correm perigo?

- Acho que não. O que é que o Morolto gan-hava fazendo alguma coisa aos teus pais?Não lhes vai acontecer nada, Abby.

Ela voltou a encher os copos e deu-lhe umbeijo.

- Eu também estou bem, Mitch. Desde queestejamos juntos, consigo aguentar seja oque for.

- Abby - disse Mitch lentamente, fitando aágua. - Tenho uma coisa para te confessar.

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- Sou toda ouvidos.

- Se queres saber a verdade, eu nunca quisser advogado. - Ai não?

- Não. Cá bem no fundo, o que eu semprequis ser foi marinheiro. - Ai sim? Já

alguma vez fizeste amor na praia?

Mitch hesitou um segundo. - Hum ... não.

- Então, toca a beber, marinheiro. Vamosembebedar-nos e fazer um filho.

ACERCA DOAUTORJohn Grisham visitou as ilhas Caymans numexpedição de mergulho em 1978, quandoainda andava na faculdade de direito. Teve a

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certeza de que havia de lá voltar um dia. Evoltou, oito anos depois, para reunir materialpara o enredo do seu segundo romance, AFirma. O enredo possuía aquilo a que a suamulher, Renée, chamou "uma atracção irres-istível": clientes incrivelmente ricos e os seusadvogados por vezes duvidosos.

O próprio John Grisham exerceu advocaciadurante nove anos, mas nunca com clientes àprocura de paraí sos fiscais no estrangeiro esempre sozinho, nunca numa firma. Na real-idade, ele tem "uma enorme aversão agrandes firmas de advogados". Foi precis-amente quando estava a terminar o últimoano da Faculdade de Direito e pouco tempoantes de se casar com Renée Jones - "a mi-udinha que morava ao meu lado e que cres-ceu sem eu dar por isso" - que Grishamcomeçou a escrever um romance. Desistiurapidamente desta primeira tentativa, mas,em 1989, o advogado e, por dois mandatos,legislador do estado do Mississípi publicou o

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seu primeiro romance. Agora, John Grishamtem duas carreiras - a de advogado e a de es-critor - e uma vida familiar e comunitáriamuito activa. O trabalho era tanto que oautor demitiuse recentemente do seu cargona législatura do estado do Mississipi. John eRenée têm um filho e uma filha: Ty, com oitoanos, e Shea, com cinco. Para além de ensin-ar catequese a crianças de três anos aodomingo, John Grisham, um ávido adepto debasebol e fã da equipe Bulldogs, do Mis-sissípi, é treinador assistente da equipe debasebol do filho.

- Foi ao treinar que descobri a minha ver-dadeira vocação - diz ele com uma gar-galhada. - Quem me dera não fazer maisnada.

Fim

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