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DO SAMBA A FORÇA Feminina

A Força Feminina do Samba

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do samba

a força Feminina

A Força Feminina do Samba

A Força Feminina do SambaÉ com muita satisfação que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres apóia este

segundo livro lançado pelo Centro Cultural Cartola. Depois de desvendar os quitutes de

Dona Zica, na obra Tempero, Amor e Arte, pesquisadores e jornalistas debruçaram-se

sobre a vida de personalidades femininas que dão sustentação ao samba carioca.

O livro não esgota os exemplos femininos considerados símbolos de preservação da nossa

identidade cultural, mas mostra com maestria como essas mulheres ajudaram a manter a

fé, os saberes e os sabores do mundo do samba.

O que dizer da generosidade de Tia Ciata, que, na primeira metade do século passado,

já abria sua casa, e o quintal, para os compositores e músicos vararem a madrugada em

torno da música?

Ou, então, de Dona Zica, que soube enfrentar com altivez os altos e baixos de Cartola

na década de 50, época do dinheiro minguado, quando o marido trabalhava lavando e

tomando conta de carros na garagem de um prédio, em Ipanema?

São mulheres de coração largo, que criaram, além dos próprios filhos, algum sobrinho,

enteado e filhos de outras mulheres. Que cuidam da casa, da comida, da roupa,

trabalham fora, ajudam na comunidade. E ainda arrumam tempo para regar as plantas,

antes de caírem no samba!

Cozinheiras, intérpretes, costureiras e tias baianas. Memória de muitos carnavais e fontes

de inspiração e energia para novas gerações do samba.

Nilcéa Freire

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

A Força Feminina do Samba

Ficha Técnica

Coordenação e Edição

José de la Peña Neto

Gisele Macedo

Nilcemar Nogueira

Textos

Gisele Macedo

Pesquisa e Reportagem

Daniel Brunet

Rafael Casado

Mônica Cotta

Revisão Histórica

Rachel Valença

Produção

Danielle Campos

Fotografia

Clarice Castro

Revisão de Texto

Gerdal J. Paula

Programação Visual

Maria Pia Bartholo

Idealização

Nilcemar Nogueira

Helena Theodoro

Realização

Centro Cultural Cartola

Monte Castelo Idéias

Patrocínio

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

A Força Feminina do Samba

No miudinhoMulher, entre menina e moça. Companheira, mãe, esposa,

fêmea, concubina. No figurado, sexo frágil, intuição. Uma

energia, muitas raças. Separando os ingredientes, montando

o tabuleiro, vestindo a baiana, botando a mesa, levantando

muitas bandeiras de uma única luta. Ajeitando a saia,

escrevendo versos, arrastando as sandálias. Lavando roupa,

sustentando a casa, quebrando preconceitos, erguendo o

estandarte. Senhoras, mocinhas, experientes, graciosas e

envolventes. Sonhadoras, persistentes, mandingueiras. No

samba, a força que marca o passo, cadencia o compasso.

A mulher fez o abre-alas, requebrou no terreiro e virou

destaque. Deu tom próprio ao ritmo. No miudinho, no

sapatinho, sem perder a graça.

Os editores.

A Força Feminina do Samba

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Índice

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Dos terreiros, ranchos e tabuleiros ��Deixa quem quiser falar

Uma luta, muitas bandeiras

Em cima do salto

Enredos de glórias e marias

Gingado high-society

Grito preso na garganta

Primeira grandeza do samba

Estrelas do anonimato

A Força Feminina do Samba

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Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

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A energia do baticum que hoje integra e harmoniza a escola de samba na avenida é a mesma desde que o samba é samba. É a mesma que movimentava Pizindim ao subir o abacateiro pelado cujas folhas curavam a ressaca dos visitantes na casa da Tia Ciata. É a mesma de Donga, João da Baiana, Pendengo, filhos de uma geração de mulheres, negras baianas, que marcaram seu espaço com raça e sabedoria na sociedade carioca do fim do século XIX.

Pizindim, que no dialeto africano significa menino bom, foi o apelido que a avó de Pixinguinha deu ao neto na época em que freqüentavam a casa de Ciata. Um tempo em que os batuques da cozinha se misturavam às curas do candomblé, ambos comandados por Amélia, mãe de Donga, Perciliana, mãe de João, Veridiana, mãe de Chico, e Mônica, mãe de Pendengo. Bebiana, Gracinda, Josefa Rica e Rosa Olé também faziam parte dessa família.

Com o fim da escravidão, as mulheres assumiram a casa, sustentavam filhos e parceiros na base do biscate e dos tabuleiros de quitutes nas

Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

“No tempo que ele podiaMe tratava muito bemHoje está desempregadoNão me dá porque não temQuando a polícia vier e souber Quem paga casa pra homem é mulher (bis)Quando eu estava mal de vidaEle foi meu camaradaHoje dou casa e comida, dinheiro e roupa lavada (...)”

Quando a Polícia Chegar(João da Baiana)

A Força Feminina do Samba

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esquinas. Era a forma de resistência de um grupo conhecido nos altos salões como os “da raça”.

Em outras casas, além da de Tia Ciata, circulava a tal energia feminina que fez do samba carioca uma manifestação popular que, hoje, movimenta rodas de samba, ensaios de agremiações e o desfile em avenidas nos quatro cantos do país. As casas das tias Davina e Sadata, por exemplo, eram paradas obrigatórias para grande parte dos baianos que chegavam à cidade. Localizada no alto do morro, a de tia Sadata, na Pedra do Sal, no bairro da Saúde, foi palco para a criação de um dos primeiros ranchos carnavalescos, o Rancho das Sereias, que sucedeu o Rei de Ouros, invenção de Hilário Jovino Ferreira, ogã do terreiro de João Alabá, conhecido por Lalu de Ouro. Não à toa – e pela localização privilegiada – era também da casa de Sadata que se via a chegada dos novos baianos, anunciada na proa das embarcações por uma bandeira branca de Oxalá.

Nessa época, a tradição da brincadeira de rua já existia havia muito tempo durante o carnaval, mas sem nenhum tipo de organização. Foram justamente os blocos, ranchos e cordões que deram unidade musical a um desfile até então caótico. Para cada camada social, havia um grupo carnavalesco. As grandes sociedades, nascidas na segunda metade do século XIX, desfilavam com fantasias e carros alegóricos, além de enredos de crítica social e política apresentados ao som de óperas. Já os ranchos do final do século XIX desfilavam ao som de sua marcha característica e eram organizados pela pequena burguesia urbana. Os blocos abrigavam grupos cujas bases se situavam nas áreas de morros e subúrbios cariocas e eram mais desorganizados. A diferença entre esses dois últimos é que os ranchos eram cordões civilizados, e os blocos, mistos de cordões e ranchos.

No morro da Mangueira, tias Tomásia e Fé já reuniam seus filhos-de- santo, com elas à frente, sempre vestidas de baiana, em seus blocos carnavalescos. Isso, muito antes de a verde-e-rosa ser criada. A casa das duas também era ponto de encontro para tocar o samba, evocar as divindades africanas e, é claro, saborear uma boa peixada ou feijoada, hábito que se mantém até hoje nos encontros de bambas.

Como o samba ainda era discriminado e alvo de perseguição da polícia, para conseguir a liberação dos desfiles, ainda proibidos por lei, os

negros baianos aproveitaram a estrutura da Igreja Católica e montaram irmandades que, de início, desfilavam em datas próximas do Natal. A tradição dos ranchos ou pastoris do ciclo natalino, de origem baiana, tinha seu ponto alto na Lapinha, em São Domingos, onde morava Bebiana de Iyansã. Foi na casa de Bebiana que se realizou o concurso dos primeiros ranchos. Essa característica fez dela uma espécie de referência mística para os que desfilavam pelas ruas. Se o rancho não passasse pela sua casa antes de ganhar as esquinas, perdia todo o seu sentido, a sua magia.

O rancho era a agremiação popular mais aceita pelas autoridades devido à sua organização. Tinha um rei e uma rainha, eleitos por seus integrantes, e três diferentes tipos de mestre: um para conduzir o canto, outro para cuidar da harmonia e outro responsável pelas coreografias, o chamado mestre-sala. Carioca da gema, mas baiana de alma, Maria

do Adamastor foi considerada por alguns a primeira mulher a interpretar o papel de mestre-sala e participou de quase todos os ranchos e blocos como fundadora ou dirigente.

Puxando o cortejo, o baliza e a porta-estandarte, com o som da viola, do cavaquinho, do ganzá, do prato e até, às vezes, da flauta. Essa lentidão causava irritação aos carnavalescos, que queriam dançar num ritmo mais alegre. Esse teria sido um dos motivos que levou sambistas – como Ismael Silva e seus companheiros – a criar um novo ritmo que permitisse cantar, dançar e desfilar ao mesmo tempo.

Com o passar do tempo, o samba, que recriou a África no Brasil, confundido originalmente com os pontos de macumba, principal ferramenta com que os negros lutaram para mostrar sua importância social, tomou novos rumos, ganhou novas formas. Mas manteve sua essência no espírito bravo dessas mulheres que se revelaram mais fortes que o próprio tempo. É a energia dessas mães, “tias” e avós que cria novos valores e costumes. É também de onde brota uma liderança oculta.

Nas inúmeras festas nas casas da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, nasceram os ranchos e cordões. Nos terreiros, perpetuavam-se os saberes das curas das ervas e das rezas fortes. Nas esquinas dos famosos tabuleiros de doces, essas mulheres criaram os pontos de encontro da cidade onde distribuíam conselhos. Nessa época, a mulher era forte

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Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

quase que anonimamente. Não lutava pelas grandes causas políticas, mas se mostrava imbatível nas lutas do cotidiano. Do ventre, vieram os filhos, novos intérpretes do samba. Dos braços, a força do trabalho que alimentou a sobrevivência dos seus. Dos pés, o gingado típico das passistas e porta-bandeiras. Da sabedoria, o dom de lutar sem esmorecer, mesmo que a vida dissesse “não”.

A Força Feminina do Samba

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Tia CiataHilária Batista de Almeida, a Tia Ciata (alguns dizem Seata; outros, Asseata ou também Assiata), chegou

ao Rio de Janeiro por volta de 1876, com 22 anos de idade. Devido à sua beleza e ao charme com que

dançava, ganhou prestígio nos ritos de candomblé e de samba da Praça XI, onde conheceu o marido, João

Batista da Silva. Antes de se casar com João, Ciata teve a filha Izabel, na Bahia, fruto de um namoro com o

conterrâneo Norberto da Rocha Guimarães. Alguns relatos dão conta de que Ciata teve 15 filhos, e outros,

26, entre os quais Glicéria, que se casou com o baiano Guilherme; Sinhá Velha, que se casou com o mestre-

sala e líder rancheiro Germano; Noêmia; Mariquita, muito animada e tocadora de pandeiro; Pequena;

Macário; e o caçula João Paulo da Silva, apelidado de Caboclo, que, a exemplo do pai, também estudou

Medicina. Fatumã era porta-bandeira do Rosa Branca, e Caletu, pastora do Rei de Ouro.

Vestida de baiana, Ciata comercializava quitutes num tabuleiro na Rua Sete de Setembro. Seguia uma

rotina diária: depois de cumpridos os preceitos, com parte dos doces colocados no altar de acordo com

o orixá homenageado no dia, ia para seus pontos de venda com saia rodada, pano nas costas e turbante

ornamentado com fios de contas e pulseiras. Seu tabuleiro farto de bolos e manjares, cocadas e puxas

coloridos era sempre atração, principalmente, dos turistas. Durante um período, Ciata chegou a manter

uma equipe de ambulantes trabalhando nas ruas, para quem alugava roupas de baianas.

Mãe-de-santo famosa, celebrava seus orixás e promovia festas de São Cosme e Damião e de Nossa Senhora

da Conceição; no candomblé, sua mãe Oxum. Foi João Alabá de Omulu quem iniciou Ciata no santo, ainda

na Bahia. Registrado como Rodolfo Martins de Andrade, João Alabá era um africano que chegou a Salvador

num navio negreiro na metade do século XIX. Depois de viver alguns anos no Rio, retornou à Bahia, de

onde um dia partiria de volta para a África. Seu terreiro dava continuidade a um candomblé nagô iniciado

no bairro da Saúde, talvez o primeiro do Rio de Janeiro.

Ciata e João Batista moraram na Rua Visconde de Itaúna, em uma casa que desapareceu com a construção

da Avenida Presidente Vargas, ao lado da Praça XI. O casarão, segundo relatos, possuía seis quartos, duas

salas e um longo corredor. As festas, que chegavam a durar uma semana, deixavam pelado o abacateiro

do quintal, já que suas folhas eram todas arrancadas para fazer o chá que curava a ressaca dos visitantes.

Foi numa dessas festas que Ciata aceitou curar uma ferida crônica do presidente Venceslau Brás. Uma vez

curado, o presidente, em agradecimento, nomeou o marido de Ciata para ocupar um posto no gabinete do

chefe de polícia. Essa nomeação e esse contato com a presidência permitiriam que sua casa e os terreiros

próximos ficassem afastados das perseguições policiais.

Por gozarem de certo prestígio com as autoridades, usavam o disfarce de tocar choro na sala da frente,

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enquanto se sambava à vontade no quintal sem que a polícia batesse à porta. A divisão de

gêneros dos ambientes era comum nas casas e explicada pelo fato de o choro ser tolerado pela

polícia, enquanto o samba era considerado coisa de marginal. Naquela época, cantar, tocar ou

dançar o samba em lugares públicos era proibido. Quem era flagrado tocando samba apanhava

ou era preso. Então, os sambistas recorriam às casas religiosas para se divertir, apostando na

ignorância da polícia, que não distinguia os sambas de músicas religiosas do candomblé. Dizem

que foi na casa de Tia Ciata que nasceu Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida, considerado

o primeiro samba gravado (a gravação ocorreu em novembro de 1916). Dizem que foi com ela

também que seu neto, o compositor Bucy Moreira, aprendeu o segredo do “miudinho”, uma

forma de sambar de pés juntos que exige destreza e elegância.

Em 1910, Hilária perdeu o marido, João Batista, mas, percebendo sua importância para o número

de pessoas que compunham sua família, não se deixou abater, tornando folclóricos os pagodes na

sua casa. Já viúva, reverenciada como rainha (no carnaval, os ranchos desfilavam sob sua janela),

figura exponencial da Festa da Penha, Ciata faleceu em 1924, sendo respeitada por pessoas de

todas as camadas sociais da cidade.

Após a sua morte, a família viveu anos difíceis, mas manteve-se unida até o final dos anos 30,

quando as mulheres foram obrigadas a procurar uma alternativa na indústria e até no serviço

doméstico. Neta de Ciata, Tia Lili foi uma das poucas integrantes da família a carregar a tradição.

No alto de seus quase 100 anos, na década de 90, contava com orgulho ser uma das poucas

cariocas que podiam dizer que tinham saído no Rosa Branca, no O Macaco é Outro e no Recreio

das Flores. Esse último era o famoso rancho da resistência, em que a família desfilava desde o

início até o tricampeonato, conquistado em 1935.

Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

A Força Feminina do Samba

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Tia PercilianaTia Perciliana de Santo Amaro (alguns historiadores escrevem Presciliana ou

Preseiliana) foi neta de escravos beneficiados pela Lei do Ventre Livre. Seus

pais, Joana Ortiz e Fernandes de Castro, tinham uma quitanda de artigos afro-

brasileiros na Rua do Sabão, conquistada com muito trabalho depois de alguns

anos no Rio de Janeiro.

Perciliana morou muitos anos na Rua Senador Pompeu, 286, na Zona do Peo.

Casada com Félix José Guedes, outro baiano vindo para a capital, e mãe de

João da Baiana, ensinou ao filho a batida característica do pandeiro que tanto

o diferenciava de outros músicos. Perciliana foi a grande responsável pela

introdução do instrumento no samba, em 1889.

Todos os seus filhos se envolveram com a música. O movimento das mãos

de Perciliana transmitido a João da Baiana era único. Não é à toa que, aos

15 anos, o jovem sambista era atração nas festas pela sua habilidade como

pandeirista. Perciliana também foi a primeira a ser vista raspando a faca no

prato, um instrumento de ritmo inusitado.

A fama do João da Baiana como bom ritmista era tamanha que ficou marcado

na história o episódio em que a polícia apreendeu seu pandeiro, impedindo-o

de tocar na casa do senador Pinheiro Machado. Este, ao saber do fato, num

pedido de desculpas, presenteou-o com um instrumento novo.

Dizem que, a pedido da mãe, João recusou convite para fazer parte dos

Oito Batutas em uma viagem à Europa, mantendo o emprego de estivador

num estaleiro. João, no entanto, dizia que preferia viajar para a Bahia, em

freqüentes visitas à sua madrinha e mãe-de-santo em um terreiro no Gantois,

em Salvador.

Sua primeira composição foi Pelo Amor da Mulata, de 1923, seguindo-se

Mulher Cruel, em parceria com Donga e Pixinguinha. Após conquistar fama

nas emissoras de rádio pela arte do prato-e-faca e do pandeiro, João da

Baiana seguiu seu caminho e fez carreira em grupos como Conjunto dos Moles,

Alfredinho no Choro e Grupo do Louro, antes de formar a orquestra Diabos do

Céu e o Grupo da Guarda Velha, com o sucesso Patrão, Prenda Seu Gado.

Tia AméliaMãe de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, Amélia Silvana

de Araújo era do grupo de baianas que atuavam na Cidade Nova e

gostava de cantar modinhas. A exemplo das outras tias, promovia

inúmeras festas e grandes reuniões de samba. Casada com o pedreiro

e tocador de bombardino, nas horas vagas, Pedro Joaquim Maria,

participava das rodas de música na casa de Tia Ciata, aonde levava

Donga, que, na época, criança, brincava com os já compositores João

da Baiana e Pixinguinha.

Não se sabe ao certo quantos filhos Amélia teve, apenas que Donga

a acompanhava em todas as rodas realizadas nas casas das tias

baianas. Em 1917, Donga registrou a música Pelo Telefone, considerada

o primeiro samba gravado na história, e, por sugestão de Amélia,

organizou, com Pixinguinha, a Orquestra Típica Donga-Pixinguinha.

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Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

Tia GracindaFundadoras do Rancho da Sereia, na chamada Pedra do Sal, Tia Dadá, Tia Gracinda e Tia

Sadata faziam parte das mães-de-santo que dividiam os afazeres nas primeiras rodas de

samba de Tia Ciata, Amélia e Perciliana. Antes de morrer, o sambista Caninha contou que

foi de Dadá de quem ele ouviu, pela primeira vez, a expressão “samba raiado”, uma das

primeiras designações recebidas pelo samba. Segundo João da Baiana, o samba raiado

era o mesmo que chula raiada ou samba de partido-alto.

Gracinda foi casada com o músico Henrique Assumano Mina do Brasil, famoso não

somente por ser um homem belíssimo, mas também por ser um pai espiritual a quem

sambistas submetiam suas produções antes de levá-las ao editor.

Assumano era um limano, espécie de sacerdote dos cultos negros misturados ao

culto islâmico, que na época tinha até mesquita na Rua da Alegria e na Praça XI. Eles

cumpriam o preceito do jejum de Ramadã, sabiam ler e escrever e tinham confrarias

negras muçulmanas que, com o tempo e a modernidade, foram extintas.

Apesar de serem casados, devido aos preceitos religiosos de Assumano, Gracinda vivia

sozinha num sobrado que dava de frente para a Praça XI, na Rua Júlio do Carmo.

Segundo a religião do marido, ele só podia ter a mulher três vezes ao mês.

Tia BebianaIrmã-de-santo de Tia Ciata, Tia Bebiana de Iyansã freqüentava o terreiro de João Alabá, no

bairro da Saúde, junto com Hilário Jovino. Um relato feito por Carmen Teixeira da Conceição, a

Tia Carmen do Xibuca, revela que Bebiana teve 21 filhos e criou mais oito, por sugestão de João

Alabá. Bebiana era uma pessoa divertida e respeitada por ajudar a criar os primeiros ranchos

junto com outras tias baianas. Por muito tempo, freqüentadores de rodas de samba e de clubes

foram obrigados a ir à Lapinha cumprimentá-la.

Não era rica. Além do santo, pespontava muitos calçados e tinha um grupo de moças que

trabalhavam para ela. Quando tinha que dar alguma festa ou um pagode, ia para a casa de seu

João Alabá, onde, junto com outras tias baianas, preparava quitutes.

A partir do sucesso obtido pelo rancho Rei de Ouro – e com a sua capacidade de liderança e

iniciativa – Bebiana, junto com Hilário e outras tias, fundou diversos ranchos, como A Jardineira,

Filhas de Laranjeiras, Reino das Magnólias, Riso Leal e Ameno Resedá.

Maria do AdamastorMaria da Conceição César, carioca de nascimento, recebeu o

apelido de Baiana devido à sua profunda convivência com os

negros vindos do estado nordestino. Todos os ranchos que se

tornaram tradicionais no histórico da folia tiveram-na como

fundadora ou dirigente, como o Sempre-Vivas, o Flor da Romã

e o Rei de Ouros, em que freqüentemente, fazia o papel de

mestre-sala.

Seu nome foi consagrado nas rodas carnavalescas e na imprensa

como a rainha das diretoras de ranchos. Em 1909, já com sua

comadre Juliana Emília dos Santos, fez parte do Papoula do

Japão, que tinha sede na Rua Dona Feliciana, 2, em que, por

eleição, tinha o cargo de mestra.

Seus desfiles eram sempre um sucesso. Ricamente fantasiada e

executando manobras inovadoras, Maria conquistava o público.

Rainha dos diretores de rancho, assumiu a responsabilidade de

pastora do Reinado de Siva, em 1921.

Depois de desfilar em 1921 e 1922, achou que devia encerrar

suas atividades carnavalescas e dedicar-se a cuidar de sua casa

de petisqueiras à baiana, no velho mercado municipal. Numa

modesta casa no subúrbio de Piedade, Maria faleceu após longa

doença, deixando um nome que se tornou tradicional entre os

carnavalescos dos velhos tempos.

A Força Feminina do Samba

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Tia TomásiaNo início do século XX, Tia Tomásia e Tia Fé eram verdadeiras

chefes de família na comunidade do morro da Mangueira.

O terreiro de Tomásia era centralizador de eventos. Nele,

articulavam-se festas, encontros e reuniões de confraternização

de candomblé, samba, culinária e blocos carnavalescos. Segundo

Dona Zica, líder comunitária da Mangueira, em depoimento

concedido no dia 22 de setembro de 1989, sobre as festas

realizadas na casa de Tomásia, “na sexta-feira, batia-se para

o ‘povo da rua’; no sábado, para os orixás; e o domingo era o

dia do samba e da peixada. O pessoal normalmente ficava para

dormir, porque o dia seguinte era o dia de ‘homenagear as

almas’.”

Tomásia tinha um dos mais importantes blocos carnavalescos da

comunidade. Mais tarde, seu bloco e o de Tia Fé deram origem à

Estação Primeira de Mangueira, que também reuniu integrantes

de outros blocos.

Tia FéBenedita de Oliveira, conhecida como Tia Fé, de origem mineira (segundo Carlos

Cachaça) ou baiana (segundo o neto Sinhozinho, presidente da Estação Primeira

na década de 70), vestia-se diariamente de baiana e realizava grandes festas

na comunidade de Mangueira. Mãe-de-santo afamada, participou da criação do

primeiro rancho carnavalesco da Mangueira, chamado Pérolas do Egito, em 1910.

Nesse mesmo ano, surgiria o Guerreiro da Montanha. Mais tarde, nasceu o Príncipe

da Floresta, o mais famoso rancho de Mangueira, que adotou as cores verde e rosa.

A exemplo de Tomásia, Tia Fé era conhecida como a “grande mãe” da comunidade

por proteger os moradores da Mangueira. Seu terreiro de candomblé era

respeitado e freqüentado por pessoas famosas. Alguns pesquisadores relatam que

Fé também gostava de dançar jongo e ouvir a poesia de grupos de pastorinhas

nas festas de fim de ano. Naquela época, os foliões usavam quadras improvisadas,

quase sempre relacionadas com as circunstâncias em que o samba era cantado.

Não existem relatos sobre o ano de nascimento e morte de Tia Fé. Mas sabemos

que sua existência foi de extrema importância social na comunidade e para a

criação da Estação Primeira de Mangueira, fundada em 28 de abril de 1928, com

a fusão de diversos blocos. Além de integrantes do bloco de Tia Fé, a Mangueira

acolheu os blocos dos Arengueiros, da Tia Tomásia, do Senhor Júlio, do Mestre

Candinho e do Rancho Príncipe da Floresta.

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Dos terreiros, ranchos e tabuleiros

A Força Feminina do Samba

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Deixa quem quiser falar

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Deixa quem quiser falar

“Deixa falarDeixa pra láA primeira escola nasceu e está no velho Estácio de SáTinha bamba lá no CatumbiE também na Saúde e GamboaDo São Carlos e da ProvidênciaDesceu gente

Só deu gente boa.”

Homenagem à escola

(autor desconhecido)Nas ruelas do Morro do Estácio dos anos 20, em processo crescente de ocupação, a boêmia carioca se alastrava, e os bambas se reuniam em esquinas e quintais. Líderes informais dos negros baianos, chefes de família ou criadoras de ranchos e blocos, eram também as mulheres que preparavam os banquetes com farta bebida e saborosas receitas da culinária brasileira, sustentando os homens nas festas que iam noite adentro e duravam dias.

A polícia marcava em cima, mas foi assim que, entre uma batucada e outra, Mano Edgar, Bucy Moreira, Alcebíades Barcelos (Bide), o irmão Rubens Barcelos, Armando Marçal, Ismael Silva, Baiaco e Brancura deram um passo para dentro da história do samba e até mesmo do Rio de Janeiro. As rodas de boêmia contavam ainda com a presença dos amigos Juvenal Lopes, o Nonel do Estácio ou Juju das Candongas, e de Heitor dos Prazeres. Na casa de seu Chystalino, um sargento da polícia militar que morava no número 27 da Rua Maia Lacerda, esse grupo fundou, no dia 12 de agosto de 1928, a Deixa Falar.

A Força Feminina do Samba

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Como nas proximidades da casa funcionava uma escola normal, Ismael Silva decidiu dar à Deixa Falar o status de escola de samba. Para o compositor, se a escola normal formava professores, a Deixa Falar formaria sambistas.

Passados cerca de 80 anos desde o pontapé inicial, a história provou que a Deixa Falar não só formou sambistas como iniciou um processo de remodelação do carnaval do Rio de Janeiro. Se, naquela época, o carnaval era representado somente pelos ranchos, bailes em grandes clubes e pelo corso, depois da Deixar Falar, surgiram também os desfiles que atrairiam multidões nos domingos de carnaval. Apesar de pioneira, a Deixa Falar só participou da festa até 1931. No ano seguinte, quando o interventor Pedro Ernesto oficializou o carnaval carioca e os desfiles passaram ao controle do poder público, a escola do morro do Estácio decidiu transformar-se em rancho carnavalesco. A grande vencedora foi a recém-criada Estação Primeira de Mangueira, que naquela época atraiu diversos componentes da Deixa Falar.

O movimento criado nos quintais do morro do Estácio também encontrou abrigo em Oswaldo Cruz e logo se espalhou pela cidade. Uma das pessoas responsáveis por isso foi dona Benedita, moradora do Estácio e assídua freqüentadora de rodas de samba. Quituteira, a velha senhora freqüentava a casa de Napoleão José do Nascimento, pai de Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela, onde havia festas de umbanda e candomblé. Junto com dona Benedita, também iam a Oswaldo Cruz os bambas Ismael Silva, Bracura e Baiaco e outros sambistas do Estácio.

Do Estácio a Oswaldo Cruz, passando pelo antigo Morro dos Telégrafos, os boêmios tinham entre si um canal próprio de ligação. Tanto que outras escolas surgiram imediatamente após a fundação da Deixa Falar, como foi o caso da Mangueira e do Grupo Carnavalesco de Oswaldo Cruz, que se transformaria na vitoriosa Portela. No próprio complexo de São Carlos, onde está o Morro do Estácio, surgiram duas escolas em 1928 e 1929: a Cada Ano Sai Melhor, em cores verde e rosa, e a Vê se Pode, em cores verde e branco, e que anos mais tarde se chamaria Recreio de São Carlos. Em dezembro de 1931, perto dali, surgiu a Unidos da Tijuca, a partir da fusão de quatro blocos dos morros da Casa Branca,

Borel e Ilha dos Velhacos. Em 1947, uma outra agremiação nasceu no Estácio, a Paraíso das Morenas, de cores azul e rosa.

Na Cada Ano Sai Melhor, uma conhecida parteira do Morro de São Carlos destacou-se entre tantas outras mulheres: Mãe Rita, que foi uma das fundadoras da agremiação e uma de suas primeiras baianas. Na época, para “fazer bonito” na avenida, bordava a própria fantasia e brilhava à frente da escola. Mãe Rita morreu na década de 70, mas deixou sua alegria como legado. Hoje, a neta, Alice Gomes, conhecida como Tia Alice, é responsável pela Ala das Baianas e vice-presidente administrativa da Estácio de Sá, escola que nasceu da Unidos de São Carlos, que reunia integrantes da Cada Ano Sai Melhor e da Vê Se Pode. Além da alegria, Alice herdou da avó a paixão e a fidelidade à sua comunidade. Mesmo apaixonada pelo samba, nunca saiu da Estácio.

Na cozinha, costurando saias rodadas ou simplesmente servindo de musas inspiradoras, muitas mulheres seguiram os passos de Rita, Alice e Benedita. Nas escolas de formação de sambistas, as recém-criadas escolas de samba, as cabrochas puxavam o coro e dançavam em giros. Destacaram-se Atanásia do Nino, Celeste, Rosália, Odetinha, Agripina, Julieta, que eram casadas ou possuíam algum laço de família com os bambas do Estácio. Assim como as tias baianas, a maioria se manteve nos bastidores, dando conselhos ou engomando fantasias. Outras brilharam sem anonimato e deixaram sua marca na história. Com a chegada dos desfiles, a força feminina do samba ergue os braços, rodopia em plena praça pública, mostra sua cara e, aos poucos, seu corpo. Expõem-se, cantam, remexem as ancas e se divertem. Botam o bloco na rua, literalmente, e mostram que conquistaram seu espaço com bravura.

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Deixa quem quiser falar

Atanásia do NinoAtanásia de Oliveira foi uma das primeiras baianas do carnaval carioca. Nascida em 1904, cresceu no

Catete e foi para o Morro de São Carlos ainda na primeira década do século XX. Nos anos seguintes, já na

juventude, tinha em seu círculo de amizades o mestre Ismael Silva, Alcebíades Barcelos, o Bide, e outros

bambas do Estácio. Era o necessário para tê-la sempre perto dos rituais musicais e religiosos.

A partir da década de 20, Atanásia começou a participar dos chamados agrupamentos de samba,

precursores das escolas, e foi aos poucos se transformando em uma das mais conhecidas quituteiras do

Morro de São Carlos. Quando a Deixa Falar foi criada, em 1928, ela tinha 24 anos e foi pioneira na ala

das baianas da escola. Nos antigos desfiles da Praça XI, Atanásia também ajudava a puxar o coro.

Nas festas dos terreiros, conheceu Manoel Pacífico da Costa, o Nino, que seria seu marido mais à frente.

Após o casamento, ficou conhecida no morro e nas rodas de samba como Atanásia do Nino, ainda mais

depois dos encontros que realizava em sua casa. Por muitos anos, a velha baiana reuniu em seu quintal

amigos, parentes e vizinhos para saborear uma sopa. Geralmente aos sábados, ela cozinhava duas latas

de vinte litros de sopa e servia para quem chegasse. Entre suas especialidades, estavam também doces e

licores, que adocicaram a boca de muitos bambas do Morro de São Carlos.

Em alguns livros e em histórias sobre a Deixa Falar, escritores registram Atanásia de Oliveira com outro

nome: Anastácia do Nino. Apesar da confusão, sua participação no desenvolvimento da agremiação

permanece intocável.

Nino, que participou da bateria da Deixa Falar, faleceu ainda na década de 40, deixando para Atanásia

a difícil missão de criar três filhos, que cresceram na cadência do samba. O mais velho, Araí da Costa,

conhecido por Zacarias do Estácio, desfilou em diversos segmentos da Estácio de Sá, foi presidente de

ala na escola e desde a década de 90 faz parte da velha guarda da agremiação. O apelido de Araí surgiu

por ele ter nascido em 6 de setembro (1929), dia de São Zacarias. Os outros filhos de Atanásia, Eunice

de Oliveira, a Dona Pretinha, e Darci da Costa, também seguiram o mesmo caminho. Dona Pretinha foi

por muitos anos baiana da Estácio, mas Darci preferiu outras cores. Na década de 70, mudou-se para o

Morro da Mangueira, passando a freqüentar a Estação Primeira e a desfilar por ela.

Atanásia do Nino acompanhou todo o processo de fusão das escolas do Morro do São Carlos. Quando a

Deixa Falar deixou de ser escola e se transformou em rancho, Atanásia passou a desfilar pela Cada Ano

Sai Melhor. Com o passar dos anos, integrou a Unidos de São Carlos e a Estácio de Sá. Atanásia faleceu em

1993, aos 89 anos de idade.

A Força Feminina do Samba

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Mãe RitaRita da Silva Santos, a mãe Rita, nasceu no fim do século XIX, na cidade de Santa

Maria Madalena, região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Casada com Eugênio

da Silva Santos, veio com o marido para a capital, no início do século passado,

em busca de melhores condições de vida e emprego. Eugênio foi trabalhar como

estivador no cais do porto; Rita passou a cuidar da casa e tornou-se parteira do

morro onde moravam, o Morro de São Carlos, no Estácio.

Festeira, logo se encantou com o som que os antigos escravos faziam. Já o marido

nunca foi ligado ao movimento que nascia nas rodas de canto e dança. Depois do

surgimento da primeira escola de samba, a Deixa Falar, outras agremiações foram

sendo fundadas por todo o São Carlos, e uma delas contou com sua participação: a

Cada Ano Sai Melhor, de cores verde e rosa, criada em 1928 na localidade conhecida

como Beco da Padeira (atual Capela).

Mãe Rita fez dezenas de partos e, com sua animação e gosto pela dança, criou

uma linhagem dedicada ao mundo do samba. Quando a Cada Ano Sai Melhor

foi fundada, tinha cerca de 40 anos e se tornou uma das primeiras baianas da

agremiação. Ela mesma costurava as saias de morim ou brim e as engomava com

farinha de trigo. Naquela época, os desfiles aconteciam na Praça XI e Mãe Rita

brilhava à frente da escola.

Apesar de toda a sua ligação com o samba, nenhum de seus filhos seguiu seus

passos. No entanto, foi nos netos que Rita viu sua influência bem viva. Dois filhos

de Rita morreram cedo, e a única filha, Rosa dos Santos Gomes, nascida em 1913,

não freqüentava as rodas de samba porque o marido não gostava. Mas Tia Rosinha

teve dez filhos e todos viveram intensamente nas escolas do Morro de São Carlos.

Dois deles ganharam notoriedade: Arelino Gomes, o Lelo, e Alzemiro Gomes, o

Escurinho. Nascidos nos anos 30, eles foram mestre de bateria e mestre-sala da

agremiação Paraíso das Morenas, respectivamente.

A mais velha da prole, Alice Gomes, seguiu os passos da avó e desfilava na Cada Ano

Sai Melhor. Em 1955, as duas escolas se fundiram com outra agremiação do morro,

a Vê Se Pode, e formaram a Unidos de São Carlos, que 28 anos depois adotou o

nome de Estácio de Sá. Mãe Rita faleceu na década de 70, deixando à família o que

tinha de melhor: alegria e samba.

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Deixa quem quiser falar

Alice Gomes Pereira, a Tia Alice, nasceu no Morro de São Carlos, a três casas da quadra que, em 1955, daria origem à escola de samba. Como boa

parte da comunidade da antiga, freqüentava, desde criança, agremiações como a Cada Ano Sai Melhor, Vê se Pode e Paraíso das Morenas. Sempre

gostou de cantar, mas nunca chegou a ser intérprete. “O pessoal até acha que eu canto bem e tenho ritmo”, diz, embora o seu negócio seja sambar.

Seu marido, Waldemiro Ribeiro, vulgo Miro Branco, foi o primeiro presidente da Unidos de São Carlos. O casal teve cinco filhos, e hoje a neta,

Alessandra Mattos, 29 anos, tem a quem puxar. É a rainha da bateria da Estácio e orgulho da família.

Com 78 anos, Tia Alice é um patrimônio da Estácio. Nunca traiu a escola com outra, embora conheça todo o mundo do samba. Além de responsável

pela ala das baianas, hoje é vice-presidente administrativa da agremiação. Sempre bem-humorada, aguarda o período de carnaval com a mesma

ansiedade de sempre: “A emoção é muito grande. O sangue ferve nas veias.”

Na memória, recordações dos velhos carnavais. Algumas boas, outras nem tanto. Houve um ano, por exemplo, em que – Tia Alice conta – a

Cada Ano Sai Melhor já estava formada na Rua São Carlos e acabou não saindo. Tudo por causa de um carro que desgovernou e causou um grande

estrago. “Disseram, na época, que foi tudo mandado, mas ficou por isso mesmo”, lamenta.

O samba-enredo que lhe deixou mais saudades foi Festa do Círio de Nazaré, em 1975. Também não esquece jamais o campeonato de 1992, com

Paulicéia Desvairada – 70 Anos de Modernismo.

Tia Alice

A Força Feminina do Samba

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Uma luta, muitas

bandeiras

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“ Como é que eu posso por ela trocarA emoção de verVilma a dançarCom o seu estandarte na mãoE ouvir todo o povoMeu povo a aplaudirMinha escola a evoluirMinha ala comigo passar”

O Conde(Jair Amorim e Evaldo Gouveia)

A história do samba é um livro aberto com algumas histórias não contadas. Não fosse por isso, como explicar a documentação falsa que levou aos primeiros desfiles da Praça XI uma menor de 18 anos no carnaval de 1935? Não fosse por esse detalhe, a Portela não seria campeã do carnaval naquele mesmo ano. Se seguisse o bê-a-bá do proibido, essa história não conheceria Dodô, uma das maiores porta-bandeiras da Portela. Essa transgressão típica é a mesma que perdura desde os tempos dos terreiros. Na comissão de frente, no meio das baianas ou evoluindo com a bandeira, as mulheres sempre estiverem à frente da luta.

Antes palco dos bate-coxas nos quintais das casas de tias e avós, a Praça XI virou cenário da apresentação das escolas de samba por mais de dez anos. Pouco restou da estrutura inicial das escolas em relação ao que é visto atualmente na grandiosa Marquês de Sapucaí. Na época, não havia carros alegóricos, cada escola tinha cerca de 30 componentes, e as fantasias ainda não obedeciam ao rigor do luxo. Herdados dos

Uma luta, muitas bandeiras

A Força Feminina do Samba

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antigos ranchos carnavalescos, dois personagens permanecem até hoje: o mestre-sala e a porta-bandeira, conhecidos na época como baliza e porta-estandarte, mas que só passaram a fazer parte do regulamento dos desfiles em 1938.

Três anos antes, Maria das Dores Alves Rodrigues, a Dodô da Portela, já encantava jurados e foliões. A graciosa e habilidosa mulata era apenas uma menina de 15 anos. Inovadora, foi uma das que consolidaram a rodada da porta-bandeira, três voltas para a direita e três para a esquerda, reinventando a dança original, segundo alguns historiadores, adaptada de antigos rituais africanos. Na época dos ranchos, o baliza e a porta-estandarte se caracterizavam por carregar pedaços de pau com panos coloridos amarrados a uma das pontas para representar sua tribo, costume repetido nos enterros de negros importantes.

Embora a dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira tenha ganhado formato nos ranchos, sua origem nos leva ao tempo da escravidão. Em seus rituais aos orixás, os negros africanos dançavam imitando os membros da corte européia. Quando podiam, observavam o baile dos nobres, que flutuavam pelos salões ao som do minueto. Na senzala, durante seus festejos, os negros adaptavam os passos e faziam sua caricatura do balanço da nobreza. O costume foi preservado entre as gerações até chegar às escolas de samba. Por isso, a dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira nada tem a ver com o agito do samba, e sim com a classe e a leveza que embalavam os salões franceses no século XVIII.

Durante a apresentação, a porta-bandeira é conduzida por seu companheiro, ao mesmo tempo em que apresenta o estandarte da escola para a platéia, jurados e torcida. As roupas do casal podem fazer referência ao enredo ou seguir o estilo tradicional, nos moldes da indumentária usada pela corte de Luís XV. Quando baila, o mestre-sala tem duas finalidades: cortejar sua parceira e proteger o pavilhão que ela carrega.

Hoje em dia, o ato de “proteger” a bandeira é bastante simbólico se comparado aos primeiros carnavais. Nos ranchos, durante os desfiles, era bastante comum o roubo da bandeira. Integrantes de uma certa agremiação se aproximavam e tomavam à força o pavilhão das mãos

da porta-estandarte de outra escola. Tanto que, nessa época, além da cobertura do baliza, as porta-estandartes contavam com outro tipo de proteção: os porta-machados, que eram meninos da comunidade que ladeavam o casal.

A disputa entre as escolas nos anos 30 era tão acirrada que havia o costume de rasgar e até mesmo roubar a bandeira de uma escola adversária. Durante o desfile, um mestre-sala se aproximava do casal de outra agremiação e com uma navalha cortava o pavilhão. Para dificultar a ação, as bandeiras passaram a ser confeccionadas com cetim ou seda.

Apesar da tradição de ter mulheres como porta-bandeira, segundo alguns pesquisadores, um homem chamado Ubaldo e que desfilava pela Portela teria sido o primeiro a exercer a função na história do carnaval. Na seqüência das discussões sobre pioneirismo, historiadores remetem à figura de Caboquinha, a primeira porta-estandarte da Deixa Falar, tida como a primeira das escolas de samba e embrião da Estácio de Sá. Na Deixa Falar, há controvérsias na hora de apontar o primeiro casal de baliza e porta-estandarte. Uns apontam para Juvenal e Ceci; outros, para Gaguinho e Caboquinha.

Ao fazer parte do regulamento do desfile, em 1938, o casal de mestre-sala e porta-bandeira começou a receber notas, mas apenas pela beleza e originalidade da fantasia. Somente em 1958 a dança começou a valer ponto em concursos oficiais. Esse foi o primeiro passo para que a técnica começasse a ser exigida. A dança da porta-bandeira, que era um grande simbolismo e uma forma de apresentar a escola, foi aos poucos se transformando em um quesito metódico, sem perder, é claro, a emoção que sempre esbanjou.

Na Mangueira, no final da década de 30, Rivailda do Nascimento Souza, a Mocinha, fez seu primeiro desfile aos dez anos. Ícone mangueirense nos anos 60, ajudou a espalhar o nome da Estação Primeira pelo mundo com um gingado típico ao conduzir a bandeira. Mocinha fez escola. Inspirada na dança da porta-bandeira mangueirense e de seu principal companheiro, o lendário mestre-sala Delegado, no final dos anos 60, Maria Helena Rodrigues começou a sonhar em desfilar com o pavilhão de alguma escola. Em 1968, aos 20 anos, aproximou-se da Imperatriz Leopoldinense e tornou-se símbolo de uma

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Uma luta, muitas bandeiras

geração, encantando a passarela como porta-bandeira. Paralelamente, incorporando o espírito tradicional das mulheres do samba, hoje, também confecciona fantasias para escolas de fora do Rio de Janeiro.

Seguindo os passos de Dodô, Vilma Nascimento virou o Cisne da Passarela em uma escola em que quem só brilhava era a águia. Filha de um baliza e de uma porta-estandarte dos antigos ranchos, desfilou como primeira porta-bandeira quando tinha apenas 19 anos, em 1957. Desde então, a azul-e-branco iniciou a conquista do tetracampeonato. Para alguns, Vilma levou sorte à Portela: foram quatro títulos seguidos.

Mostrando humildade, apesar do potencial e do reconhecimento, foi Vilma quem ajudou Lucinha Nobre a levantar-se de seu primeiro tombo em sua estréia na avenida, em 1984, quando desfilou na extinta escola mirim Alegria da Passarela. Na década de 80, a história das porta-bandeiras entrou definitivamente na era da profissionalização. Nascida e criada no Morro da Mangueira, Patrícia Gomes de

Souza foi a primeira a receber salário para desfilar. Em 1985, então com 14 anos, ela trocou a verde-e-rosa pela Caprichosos de Pilares, na qual ficou por cinco carnavais. Em sua estréia na escola suburbana, ela faturou o Estandarte de Ouro na categoria revelação e deu início a uma carreira que seria percorrida por muitas outras meninas em diversas agremiações. Como Selminha Sorriso, considerada, hoje, uma das maiores porta-bandeiras da história da Beija-Flor.

A Força Feminina do Samba

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Dodô da Portela

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Dodô da PortelaQuando chegou à Portela, no início de 1935, Maria das Dores Alves Rodrigues era apenas uma menina de 15 anos.

Levada por uma colega de trabalho, fez um teste para ser porta-bandeira da escola. O fundador da azul-e-branco,

Paulo da Portela, pediu que seu Antônio, o mestre-sala da época, a avaliasse. Acostumada a “brincar” de porta-

bandeira nas horas vagas e até mesmo no intervalo do trabalho, quando pendurava o avental no cabo da vassoura e

se punha a dançar, a menina pediu conselhos ao mestre-sala e ensaiou por meia hora. Depois da dança improvisada

e guiada por uma série de gestos de orientação, seu Antônio virou-se para Paulo da Portela e aprovou o gingado

da pequena: “Essa menina será uma grande porta-bandeira”, disse. A opinião de seu Antônio era, na verdade, uma

profecia.

Filha de pai boêmio e mãe religiosa, Maria das Dores viveria os mais de 70 anos seguintes desfilando pela agremiação

e passaria à história sendo conhecida pelo apelido: Dodô da Portela. Natural de Barra Mansa, ela chegou ao Rio em

1924, aos quatro anos de idade, junto com a mãe, Otília Alves Rodrigues, seis irmãos e três primos, para morar na

Saúde, onde vive até hoje. O pai, Tibúrcio Rodrigues, que era comissário de polícia e trabalhava na estrada de ferro,

continuou morando no interior do estado e visitava a família periodicamente. Boêmio, Tibúrcio, que foi um dos

fundadores do primeiro baile de gafieira de Barra Mansa, deixou de ajudar a família financeiramente. Assim, Dona

Otília arrumou emprego de lavadeira para sustentar a casa. Na capital, tendo de trabalhar desde cedo, Dodô arrumou

emprego, aos 13 anos, de empacotadora em uma fábrica de cartonagem. No trabalho, conheceu Dora, uma portelense

de coração que a influenciou e a levou à quadra no período de preparação para o carnaval de 1935.

Aprovada por Paulo da Portela, Dodô foi a primeira mulher menor de 18 anos a desfilar num carnaval, o que era

proibido na época. Usando uma documentação falsa, ela passou aos olhos do juizado como sendo uma jovem de 19

anos e desfilou no carnaval de 35, quando a Portela foi campeã com o enredo O Samba Dominando o Mundo. A porta-

bandeira conta que, antes de ir aos ensaios, tinha de rezar o terço a pedido da mãe. Depois tomava um bonde, sempre

acompanhada por dona Otília, e ia ensaiar em Oswaldo Cruz.

Memória viva da escola, Dodô participou de grandes conquistas, como o inédito heptacampeonato (1941-1947) da

Portela, assistiu a Paulo da Portela ser desligado da agremiação e acompanhou o surgimento de grandes sambistas

e baluartes da escola. Grata e muito ligada ao fundador, Dodô levou a bandeira da escola ao enterro de Paulo da

Portela, em 1949. Empunhando o estandarte da escola por 21 anos, Dodô entregou a faixa para Vilma Nascimento em

1956, quando passou a desfilar como segunda porta- bandeira. Dez anos mais tarde, deixou de sair com o pavilhão da

Portela e seguiu desfilando como destaque e como diretora de ala.

Com a vida dedicada à Portela, Dodô nunca teve filhos. Em 2004, ela recebeu uma grande homenagem da escola

que a projetou: foi convidada para desfilar como madrinha de bateria da Portela. Convite aceito, Dodô foi uma das

sensações do carnaval e ganhou o Estandarte de Ouro na categoria personalidade. Atualmente, ela tem uma butique

na quadra da escola e, no alto de seus 87 anos, marca presença nos ensaios da agremiação.

Uma luta, muitas bandeiras

A Força Feminina do Samba

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Patrícia GomesA habilidade com a dança é herança de família. Patrícia Gomes de Souza, nascida em Mangueira

no ano de 1971, é sobrinha das ex-porta-bandeiras mangueirenses Lina e Neide Santana. Os

primeiros passos foram dados na quadra da Estação Primeira, onde a mãe, Ocidéia Francisco

Gomes, participava do Departamento Feminino. Aos seis anos de idade, começou a desfilar na

ala mirim da Mangueira. Com 12, Patrícia já era primeira porta-bandeira mirim da escola e

se destacava na dança com o pavilhão. Dois anos mais tarde, foi surpreendida com a oferta de

um contrato, o primeiro da história das porta-bandeiras. Recebendo salário, ela foi desfilar

pela Caprichosos de Pilares, escola que garante ser a do coração. “Foi quem me deu a primeira

chance e acreditou no meu trabalho. Meu coração é da Caprichosos”, reforça.

Nesse período, começou a fazer show pelo Brasil e pelo mundo. Sua primeira apresentação fora

do Rio de Janeiro foi na capital do país, em 1987. Menor de idade na época, Patrícia teve como

seu responsável Delegado, consagrado mestre-sala da Mangueira e durante muitos anos par de

sua tia Neide.

Depois de cinco carnavais pela agremiação de Pilares, a porta-bandeira recebeu convite da

Mangueira e, em 1990, desfilou pela escola que a revelou. Em 1991, defendeu a São Clemente

na avenida e no ano seguinte trocou mais uma vez as cores de sua bandeira. Contratada pela

Viradouro, Patrícia Gomes iniciou um “casamento” de 15 anos com a escola de Niterói. Em 2007,

desfilou pela co-irmã da Viradouro, a escola gonçalense Porto da Pedra.

Paralelamente aos desfiles, Patrícia Gomes, moradora de São Gonçalo, atualmente trabalha

como costureira e participa de shows como porta-bandeira.

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Uma luta, muitas bandeiras

Destaque da Mangueira por décadas, Rivailda do Nascimento Souza, a Mocinha, aprendeu a sambar com uma de suas tias, Raimunda, primeira porta-

estandarte da escola. Nascida no antigo Morro dos Telégrafos no ano de 1926, Mocinha era filha de Angenor de Castro, um dos fundadores da escola, e

desde muito cedo já brincava na quadra da agremiação. Seu primeiro desfile foi no final da década de 30, aos dez anos.

Em uma de suas últimas entrevistas, em 2001, a porta-bandeira lembrou com ternura seus primeiros carnavais. “Minha mãe costurava uma saia mídi,

sem armação nem bordado, e uma capinha que parecia de princesa”, disse.

Depois de desfilar em algumas alas, em 1952 ela se tornou segunda porta- bandeira da escola. Naquela época, não havia aula de dança nem escolinha.

Mocinha aprendeu o gingado olhando e criando. Em 1980, quando a escola apresentou o samba-enredo Coisas Nossas, Rivailda foi considerada pelo

Estandarte de Ouro a melhor porta-bandeira do carnaval. No ano seguinte, após 28 anos como segunda porta-bandeira, ela assumiu o posto de primeira.

Premiada diversas vezes pelo Estandarte de Ouro, Mocinha só deixou o posto em 1988 quando, por motivos de saúde, não pôde mais desfilar como

porta-bandeira, passando a integrar a ala da Velha Guarda. Em 2002, Mocinha faleceu vítima de câncer.

Mocinha

A Força Feminina do Samba

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Filha de um baliza e de uma porta-estandarte dos antigos ranchos, Vilma Nascimento tem em suas veias o sangue dos bambas. Nascida

em junho de 1938, começou a freqüentar blocos e escolas de samba desde muito pequena. Seu primeiro desfile foi aos sete anos no bloco

Unidos de Dona Clara, uma agremiação fundada na rua em que morava e levava o nome desta, em Madureira. Ela mesma não sabe dizer

o que a levou a trocar as fantasias de fadinha, odalisca e outros personagens pela dança com a bandeira. Ela diz que, quando se deu

conta, tinha nove anos e bailava empunhando o pavilhão da União de Vaz Lobo. Por causa da pouca idade, não podia desfilar como porta-

bandeira e passou a sair na Ala do Cometa. Ao completar 11 anos de idade, assumiu o posto que lhe daria fama e um apelido que traduzia

todo o encanto que esbanjava na avenida: Cisne da Passarela.

Noiva de Mazinho Nascimento, filho do patrono da Portela, Natalino José do Nascimento, o Natal, Vilma resistiu inicialmente à idéia de

desfilar pela azul-e-branco de Madureira. Depois de muita insistência do sogro e do aceno positivo da titular do posto, a já consagrada

Dodô da Portela, a porta-bandeira finalmente defendeu a águia portelense. Seu primeiro desfile na escola como primeira porta-bandeira

foi aos 19 anos, em 1957, quando a azul-e-branco iniciou a conquista do tetracampeonato. Em 1958, ano em que se casou com o filho de

Vilma Nascimento

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Uma luta, muitas bandeiras

Natal, ela levou inovações à passarela. Trocou a peruca de sisal,

comum na época, por uma feita com cabelo humano. Passou

a usar fitas de aço na anágua, em vez de fitas de vime. Mais à

frente, usou pela primeira vez uma peruca com cor diferente das

de costume. Suas modificações foram vistas com bons olhos e

adotadas pelas outras defensoras de pavilhão.

A importância da porta-bandeira para a agremiação pode ser

medida por uma história ocorrida nos idos dos anos 60. Atrasada

para um desfile na Avenida Rio Branco, Vilma Nascimento seguia

para o local e ouviu no rádio do táxi que a saída da escola

tinha sido impedida a pedido de Natal, para que a pista fosse

limpa. Ao chegar à concentração, encontrou um carro alegórico

atravessado na pista, aparentemente, com a roda quebrada. O

presidente da Portela, ao ver a chegada de sua nora e porta-ban-

deira, determinou ao pessoal da escola: “Pode botar a roda que

a Vilma já chegou.”

Aprendeu os passos sozinha e desfilava sem salto alto. Até hoje

defende que a dança tenha de ser à frente da bateria e ressalta

que se sentia a rainha da escola quando pisava na avenida. Com

mais de 50 anos de experiência e pregando a importância da

sintonia com o mestre-sala, Vilma Nascimento usa como exemplo

um imprevisto na passarela: certa vez, a renda que circulava a

borda de sua fantasia prendeu no broche de strass que ficava em

seu sapato. Sem conseguir rodar da maneira que se espera de

uma porta-bandeira, Vilma ficou balançando e olhou para seu

par e baixou seus olhos para a barra do vestido. O mestre-sala,

então, deu um salto, rodou, abaixou, soltou o vestido, deu a

mão à Vilma e saíram dançando.

Dedicada, a porta-bandeira garante que nunca recebeu

dinheiro para ficar no posto. Fazia por amor, como gosta de

reforçar. Nos anos em que defendeu o pavilhão portelense,

fazia questão de cuidar pessoalmente da bandeira, levando-a

para casa e para o costureiro, sempre que era necessário

algum reparo ou modificação.

Mas seus carnavais não foram feitos só de bons momentos.

No final da década de 60, desentendeu-se com a diretoria da

Portela e não desfilou. Voltou em 1970, saindo como destaque.

De 1977 a 1979 voltou a sair como porta-bandeira da escola e

foi premiada nas três oportunidades. No entanto, discordando

dos rumos da então diretoria, decidiu deixar a Portela de

vez. Em meados dos anos 80, Vilma participou da fundação

do Grêmio Recreativo Escola de Samba Tradição, que surgiu

a partir de um movimento de dissidência na Portela. Hoje,

quem ocupa o cargo de porta-bandeira da escola é sua filha.

Em 2007, depois de mais de 25 anos afastada da Portela,

Vilma Nascimento se reaproximou. A convite da nova diretoria

da azul-e-branco, o Cisne da Passarela aceitou desfilar em

sua antiga escola. Aos 68 anos, deslizou mais uma vez pela

avenida do samba, apresentando o casal de mestre-sala e

porta- bandeira.

Vilma Nascimento

A Força Feminina do Samba

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Criada no conservadorismo de São João Nepomuceno, nas Minas Gerais dos

anos 50, Maria Helena Rodrigues nunca imaginou que poderia ser uma estrela

de escola de samba. Aos 15 anos de idade, mudou-se para o Rio de Janeiro, nos

idos dos anos 60, para trabalhar como doméstica em uma casa de família. Aos

poucos, foi visitando as escolas, conhecendo o carnaval carioca e o mundo do

samba. No início, resistiu à idéia de desfilar como passista: tudo porque teria

de desfilar em trajes mínimos, o que era contrário à sua criação.

Antes de completar a maioridade, desfilava por dois blocos carnavalescos, o

Cometa do Bispo, do Rio Comprido, e o Quem Quiser Pode Vir, da Pavuna. No

final dos anos 60, visitou a Estação Primeira de Mangueira e se deslumbrou

com a dança do mestre-sala Delegado e da porta-bandeira Mocinha. A partir

daquele dia, passou a sonhar em desfilar com o pavilhão de alguma escola.

Morando no bairro de Ramos, na Zona Norte do Rio, Maria Helena aproximou-

se da Imperatriz Leopoldinense, escola pela qual passou a desfilar em 1968,

aos 20 anos. Símbolo de uma geração e destaque nas conquistas da escola,

encantou a passarela. Esteve na avenida quando a Imperatriz dividiu em 1980

seu primeiro título com a Portela e a Beija-Flor. No ano seguinte, ela e a escola

de Ramos gritaram o bicampeonato com o saboroso O Teu Cabelo Não Nega

(Só Dá Lalá).

Em 1984, no primeiro carnaval no Sambódromo, Maria Helena realizou um

sonho: dançar ao lado do filho, José Francisco de Oliveira Neto, o Chiquinho.

Naquele ano, a agremiação apresentou o histórico enredo Alô, Mamãe!, uma

crítica política e social tendo como mote a atitude do então deputado Agnaldo

Timóteo, que telefonou para a mãe de dentro do plenário da Câmara.

Mas a grande lembrança que Maria Helena guarda dos carnavais que viveu

remete ao ano de 1989. Enfrentando havia anos uma grave crise financeira, a

escola superou limites e levou à passarela do samba o enredo Liberdade, Liber-

dade, Abra as Asas sobre Nós. A Imperatriz Leopoldinense levou para Ramos

mais um título do carnaval do Rio de Janeiro. “Nunca nenhuma outra escola,

nem a Imperatriz, vai fazer um carnaval como o de 89. A escola estava no zero

e foi campeã”, reforça. Em quase 40 anos de desfiles, Maria Helena voltou a

soltar o grito de “é campeã!” outras cinco vezes, no bicampeonato de 94-95 e

no inesquecível tricampeonato de 1999-2000-2001.

Costureira desde jovem, Maria Helena trabalha paralelamente ao carnaval,

confeccionando fantasias para escolas de fora do Rio de Janeiro. Em 2005,

após o desfile que homenageou o escritor infantil dinamarquês Hans Chris-

tian Andersen, a Imperatriz Leopoldinense ficou em quarto lugar e o casal

de mestre-sala e porta-bandeira foi bastante criticado. Para o carnaval de

2006, Chiquinho e Maria Helena foram substituídos. A direção da escola lhe

ofereceu o posto de destaque em um carro, mas Maria Helena preferiu sair

no chão. “Meu lugar é o chão”, repete. Naquele ano, a ex-porta-bandeira

desfilou como destaque principal da ala das baianas e, durante a apresenta-

ção, chegou a realizar alguns passos com o filho.

Aos 59 anos, Maria Helena continua desfilando pela Imperatriz Leopoldi-

nense e sonha que um dia sua filha ocupará a vaga que ela defendeu com

brilho e garra.

Maria Helena

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Uma luta, muitas bandeiras

Quando nasceu, em dezembro de 1975, Lúcia Mariana de Salles Nobre mora-

va com a família em Vila Isabel. Apesar de estar bem perto da escola do

bamba Martinho da Vila, ela acabou se aproximando de outra agremiação,

que ficava do outro lado da cidade: a Mocidade Independente. Nos feriados

e em alguns finais de semana, Lucinha costumava passar na casa de uma

amiga que morava em Padre Miguel. Entre uma brincadeira e outra, caíam

no samba na quadra da Mocidade. A pequena mulata logo se encantou pela

função de porta-bandeira.

A mãe de Lucinha, Anita Nobre, conta que ela começou a traçar seu destino

aos nove anos de idade, em um dos ensaios da extinta escola mirim Alegria

da Passarela, uma agremiação do Morro do Salgueiro em que o irmão, Dudu

Nobre, era compositor e cantor do samba. Ao ver a porta-bandeira, ela se

encantou e disse que era exatamente aquilo que gostaria de ser, mesmo

desconhecendo a dança. O desfile seria em algumas semanas, e a entusi-

asmada Lucinha pediu ao presidente para desfilar como porta-bandeira,

garantindo que aprenderia a dança. O padrinho da menina, o sambista

Wilson das Neves, foi quem tratou de ensinar os primeiros passos. A mãe fez

uma roupa como pede a tradição e, com uma bandeira do Clube de Regatas

Flamengo, Lucinha começou a ensaiar no sótão da casa do padrinho. Em

alguns dias, a esforçada menina aprendeu os passos e se gabaritou para

desfilar no carnaval de 84. Desfilando com outras duas porta-bandeiras, ela

iniciou sua trajetória na passarela. Nesse ano, o nervosismo da estréia deu

as caras: assim que pisou na avenida, Lucinha escorregou e levou um tombo.

Perto dela, estava a consagrada Vilma Nascimento, que a ajudou a levantar

e a incentivou: “Menina, você foi batizada. Agora, vai!”, conta Lucinha.

No ano seguinte, apesar da ligação com a Mocidade e de continuar desfilan-

do na ala das crianças da escola, a menina empunhou na avenida a bandeira

da Estácio de Sá. Somente em 1986 Lucinha retornou como porta-bandeira

da escola de Padre Miguel. Três anos depois, aos 13 anos, a já notável mulata

assumiu a condição de primeira porta-bandeira e conquistou seu primeiro

prêmio: o estandarte de ouro na categoria mirim. Em 1992, a defensora

número um da bandeira da Mocidade, Babi, não pôde desfilar e foi substi-

tuída por Lucinha. No ano seguinte, desfilou como segunda porta-bandeira

e faturou o estandarte de melhor porta-bandeira do carnaval carioca. Em

1994, Lucinha assumiu o posto de primeira, ficando por outros quatro anos.

No carnaval de 1995, um descuido quase atrapalha o desfile. Lucinha fora

para o sambódromo mais cedo e deu ao irmão a incumbência de levar a

bandeira à passarela. Horas antes de a escola iniciar a concentração, Lu-

cinha pediu que o irmão lhe entregasse a bandeira. Surpreso, Dudu virou-se

e saiu correndo: havia esquecido o pavilhão em casa.

Em 1999, Lucinha estava grávida e apenas acompanhou o desfile, retomando

seu posto no ano seguinte. Depois de um longo namoro com a Unidos da

Tijuca, a bela decidiu trocar as cores de sua bandeira. Em 2002, passou a

desfilar pela escola da Rua São Miguel, participando da grande fase da Tijuca

na recente história dos carnavais – em 2005 e 2006, a agremiação ficou

com o vice-campeonato. Lucinha conquistou o Estandarte de Ouro nas duas

oportunidades e, junto com seu mestre-sala, formou o único casal a receber

nota dez de todos os jurados.

Em 2007, quando a escola da Tijuca apresentou o enredo De Lambida em

Lambida, a Tijuca Dá um Clique da Avenida, Lucinha Nobre voltou a ser eleita,

pelo Estandarte de Ouro, a melhor porta-bandeira do carnaval carioca.

Lucinha Nobre

A Força Feminina do Samba

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A passarela do samba dos anos 90 foi agraciada pelo surgimento de uma

das maiores porta-bandeiras da história: Selminha Sorriso. Aos oito anos,

Selma Rocha deu seus primeiros passos na ala mirim da Unidos de Lucas,

na qual a mãe, Jacira de Matos, era passista. Selminha achava a dança da

passista muito bonita, mas perdeu-se em elogios ao ver uma porta-bandeira

durante um ensaio. Em 1986, entrando na fase da adolescência, foi convi-

dada pela então presidente do departamento feminino do Império Serrano,

Neide Coimbra, para desfilar como passista na agremiação de Madureira.

Convite aceito, Selminha iniciou sua trajetória dentro do mundo do samba

encantando com sua simpatia e classe. O cativante sorriso serviu-lhe de

apelido e nome profissional; a partir dali, seria como Selminha Sorriso que

Selma Rocha entraria para a história dos carnavais.

Três anos depois, disputou e venceu um concurso para ser a segunda porta-

bandeira da verde-e-branco. A bela mulata lembra que não sabia dançar

e encontrou no mestre Fuleiro o apoio necessário para vencer na quadra

e na avenida. Nesse período, iniciou sua carreira internacional. Depois

de estrear com a bandeira da Império, a convite da carnavalesca Maria

Augusta Rodrigues, participou do carnaval em Nice, na França. Em 1990,

recebeu a promessa de que seria primeira porta-bandeira da escola no ano

seguinte e, após o carnaval daquele ano, foi trabalhar por seis meses no

Japão em casas de show dedicadas ao samba. Sem esquecer-se da bandeira

da Império Serrano, telefonava regularmente para os diretores da escola

para confirmar sua vaga.

Faltando duas semanas para o desfile, Selminha, enfim, chegou ao Brasil

e assumiu seu posto. Iniciava ali uma grande trajetória de alegria, vitória

e, principalmente, superação. Em seu primeiro desfile como primeira

porta-bandeira, a Império Serrano foi rebaixada, e o casal de mestre-sala

e porta-bandeira recebeu notas baixas. “Havia realizado meu sonho, mas

pensei que nunca mais eu ia desfilar”, lembra. Apesar do mau resultado,

não faltaram oportunidades para Selminha sair em outras escolas. Ela

aceitou um convite da Estácio de Sá e, em 1992, defendeu a bandeira

do Leão. Em um memorável desfile, com consagrada apresentação de

Selminha e Claudinho, que seria seu mestre-sala em muitos outros car-

Selminha Sorriso

navais, a agremiação apresentou o enredo Paulicéia Desvairada e venceu

o carnaval carioca.

Para Selminha, que ganhou o estandarte de ouro na categoria melhor porta-

bandeira, o ano de 1992 simbolizou a fuga do inferno, com a decepção de

rebaixamento, para o céu, com a glória do campeonato. Selminha Sorriso

continuou na Estácio por mais três carnavais e, em 1996, convidada pelo

diretor de carnaval Laíla, estreou na Beija-Flor de Nilópolis.

Há mais de dez anos na escola, a porta-bandeira acompanhou de muito

perto os seguidos vice-campeonatos e, mais uma vez, apegou-se ao seu

poder de superação para acreditar que logo, logo a escola estaria no lugar

mais alto do pódio. Ela lembra que chegou a pedir que o presidente Anísio

Abrahão David desse uma festa para motivar a comunidade e os integrantes

da escola. “Eu disse para o presidente: Tio Anísio, faça uma festa na quadra.

Dê força para o seu povo. Até que, finalmente, vencemos por três vezes

seguidas”, recorda.

Em 1998, Selminha voltou a receber o Estandarte de Ouro e, em 1999,

faturou outra premiação: o Tamborim de Ouro. Aclamada na passarela,

chegou imbatível ao século XXI. Em 2000, faturou mais uma vez o Tamborim

de Ouro e viu o ano terminar com um suspense: grávida, Selminha deu à

luz seu primeiro filho, Igor, em novembro. A pouco mais de dois meses do

desfile de 2001, a porta-bandeira não sabia se poderia desfilar. “A escola

teve paciência, me esperou. Eu me cuidei e participei do desfile”, comenta.

A porta-bandeira empunhou o pavilhão da Beija-Flor e, mais uma vez,

recebeu nota dez de todos os jurados. Aumentando sua coleção de prêmios,

nos anos seguintes, ganhou mais estatuetas do Tamborim de Ouro (2001,

2002 e 2003) e do Estandarte de Ouro (2002 e 2005).

Paralelamente ao samba, Selminha iniciou outra trajetória profissional.

Aprovada em concurso público, em 2002, tornou-se soldado do Corpo de

Bombeiros e, três anos depois, concluiu a faculdade de Direito, sem nunca

ter-se afastado do carnaval. “Eu aprendi que não podemos desistir dos nos-

sos sonhos. Quando minha carreira parecia ter terminado, logo depois veio

a bênção do título”, acrescenta.

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Uma luta, muitas bandeiras

A Força Feminina do Samba

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Em cima do salto

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“Paula é uma das poucasQue ainda nos deixamCom água na bocaNo bom miudinhoNo machucadinho

No dengo, meu bem”

Paula

(Nei Lopes e Dauro)

Em cima do salto

O cenário era bem diferente da avenida onde se consagrou, mas foi numa lona de circo que a lendária Maria Mercedes Duarte conseguiu atrair para si os holofotes e mostrou todo o seu talento dançando com uma lata na cabeça. Depois da demonstração de talento, improviso e classe, Maria Mercedes passou a ser chamada de Maria Lata D’água e a desfilar em várias escolas de samba. Do improviso da lata veio a fama e, desde então, as cabrochas do samba passaram a ser reconhecidas como passistas.

Nas rodas de samba de terreiro, os freqüentadores eram chamados ao centro para dançar, dando as famosas umbigadas. O movimento é uma herança da cultura afro – a palavra samba, por exemplo, vem da expressão “semba”, que significa umbigada na língua dos escravos de Luanda. Nessa época, surgiram as figuras das cabrochas e dos bambas, que mostravam habilidade com a dança e executavam os passos mais difíceis. A evolução desse grupo levou ao que chamamos hoje de passistas, que efetivamente surgiram nos anos 50. No entanto, a palavra só se consolidou cerca de 20 anos depois.

Depois de Maria Lata d’Água, veio Paula Campos, que atravessou a Baía de Guanabara, vindo de Niterói, onde desfilava na Combinados do Amor, ao se apaixonar pelo Salgueiro. Subiu o morro tijucano, requebrou e virou a conhecida Paula do Salgueiro. Como na época passista ainda não era sinônimo de lucro, Paula foi doméstica até virar modelo da Escola de Belas-Artes. Depois de 1960, ganhou notoriedade e passou a viajar pelo mundo como passista.

A Força Feminina do Samba

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Nessa mesma época, surgia outra figura feminina cujo rebolado chegou a ser comparado com os dribles de Pelé, rei do futebol. Pelo feito, apelidaram-na de Nega Pelé, uma das poucas que encantaram Natal da Portela. Do outro lado da cidade, loira e de pele branca, Ruça

praticamente reinou absoluta na Unidos de Vila Isabel nos anos 70. Como foi casada durante 22 anos com um dos maiores nomes da escola, o cantor e compositor Martinho da Vila, a passista que começou como baiana teve toda a sua vida intimamente ligada ao samba. Durante um ensaio, sofreu um aborto espontâneo, interrompeu uma gestação, mas não se deixou abater, desfilando grávida anos depois. O espírito das mulheres guerreiras do samba permaneceu vivo.

No carnaval de 1972, o então presidente da bateria da Mangueira, Djalma Santos, criou a ala Vê Se Entende para organizar os passistas dentro da escola. Apesar da inovação, homens e mulheres que revelavam talento corporal e qualidade na hora de mostrar “samba no pé” continuaram saindo em duplas e trios entre uma ala e outra. Outros nomes, como Paula Campos, Narcisa Macedo e Roxinha, do Salgueiro, Pururuca, da Mangueira, e Pinah, da Beija Flor, transformaram-se em referência no meio. Negra de cabeça raspada, Pinah ganhou notoriedade ao sambar para o príncipe Charles, da Inglaterra.

As outras escolas seguiram os passos da verde-e-rosa, e, na década de 80, já na “Era Sambódromo”, os passistas ganharam uma ala para saírem reunidos. Nos anos 60, os sambistas e as portentosas mulatas já viajavam pelo mundo apresentando o samba. A exemplo das porta-bandeiras, foi o início da “profissionalização”. Como as escolas não pagam salários a quem sai nessa ala, a grande maioria possui um trabalho secular sem qualquer ligação com o samba. Passistas só recebem dinheiro quando participam de shows e apresentações que as agremiações fazem pelo Brasil e pelo mundo. Fora isso, as participações são apenas pelo prazer e emoção de defender a escola querida.

É também na década de 80 que os passistas, principalmente do sexo feminino, começam a se especializar. As apresentações pelo mundo se tornaram cada vez mais freqüentes, e os homens e mulheres que “diziam no pé” começam uma busca pelo aprimoramento da técnica. Surge, então, o termo “mulata-show”, uma referência às mulheres que

rodavam o mundo em apresentações de samba. Nesse período, destaca-se o aprofundamento de cada passista no estudo das danças. As mulatas entraram de corpo e alma nas academias de balé, dança afro e jazz, aprenderam noções de presença de palco e evoluíram nas passadas. É o tempo de Nilce Fran e da endiabrada Sônia Capeta, donas de rebolados ímpares.

Em um constante processo de evolução e modernização, algumas passistas passam a ocupar o posto de rainha da bateria, ala com que as dançarinas têm maior ligação. Essas figuras vêm à frente dos ritmistas e são escolhidas pelas mais diversas formas. Durante muitos anos, a Mangueira, por exemplo, escolheu sua rainha por meio do voto direto. As jovens da própria comunidade se inscreviam e disputavam o cobiçado posto mostrando samba no pé. Outras agremiações deixavam a vaga para modelos e atrizes famosas, numa tentativa de atrair mais flashes.

A nova geração de passistas, formada praticamente no mesmo período de surgimento do sambódromo, é marcada pelo aumento da classe. É quando o carnaval carioca passa a assistir encantado ao balanço de Solange Couto, da Portela, Garrinchinha, da Tradição, Aldione Sena, da Vila Isabel, e muitas outras mulatas graciosas, que ganharam o mundo, como Fábia Borges e Tânia Bisteka.

Em 1992, uma passista brilhou no título da Estácio de Sá, que desfilou com o enredo Paulicéia Desvairada. A bela Luciana Sargentelli, filha de Oswaldo Sargentelli, produtor de shows com mulatas da década de 70, foi a rainha de bateria da agremiação. Durante a passagem da escola, ela rasgou o pé, mas continuou sambando com garra. Luciana chegou ao fim da avenida com o pé ensangüentado, mas certa de que tinha correspondido às expectativas. Não parou um só minuto e deixou a Marquês de Sapucaí ouvindo a saudação da platéia.

Hoje, a ala das passistas de cada escola possui cerca de 40 pessoas; a maioria, do sexo feminino. Uma característica da ala é o tipo de roupa usado: sandálias de salto alto e trajes mínimos, geralmente biquínis com alguma ornamentação, que exploram as curvas do corpo e deixam as passistas à vontade para “evoluir na avenida”.

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Em cima do salto

Maria Mercedes Duarte foi com merecido reconhecimento uma personagem do carnaval carioca. Em 1949, começou a desfilar no Salgueiro

e, pouco depois, integrou um grupo de artistas que fazia apresentações em boates e pelo mundo. A vida artística foi iniciada sob as lonas

de um circo, ao lado das divas Marlene e Emilinha Borba, mulheres-símbolo de uma geração de ouro. Os organizadores haviam negociado

a apresentação de um famoso cantor da época; no entanto, os empresários do artista mentiram para os dirigentes do circo e, em cima da

hora, o acordo foi desfeito.

No dia em que o cantor devia apresentar-se, Maria Mercedes pediu para dançar na base do improviso. Sem muitas opções, o pedido foi aten-

dido, e ela se apresentou com uma lata de água na cabeça, contracenando com alguns atores por duas longas horas. Desde então, passou a

ser chamada de Maria Lata d’Água, e a desenvoltura no show lhe abriu portas: passou a desfilar em várias escolas de samba e foi trabalhar

na TV Globo em um programa do comunicador Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

Atuando também em grupos de balé folclórico, Maria Lata d’Água, no final dos anos 50, passou a desfilar pela Portela, sua escola preferida,

em que ficou por mais tempo. Antes do carnaval de 1991, quando a azul-e-branco de Madureira se preparava para apresentar o enredo

Tributo à Vaidade, que conquistaria o sexto lugar, a consagrada passista converteu-se ao cristianismo e decidiu deixar o carnaval. Atual-

mente, morando fora do Rio de Janeiro e sem nenhuma ligação com o mundo do samba, Maria Mercedes percorre as igrejas do país dando

seu testemunho de transformação de vida.

Maria Lata D `Água

Maria Lata D `Água

A Força Feminina do Samba

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Paula da Silva Campos nasceu em 1918 e parece ter vindo ao

mundo destinada ao brilho e à glória do carnaval. Natural de

Cantagalo, começou a desfilar na escola Combinados do Amor,

em Niterói, mas foi ao atravessar a Baía de Guanabara, para

assistir a um desfile na Avenida Rio Branco, que sua vida passou

a fazer parte da história do carnaval. Muitos anos antes de

morrer, em 2001, Paula contou ter ficado encantada ao ver,

pela primeira vez, o Salgueiro entrar na avenida e falou consigo

mesma: “É nessa que vou sair.” Na década de 50, em um desfile

que a escola fez na Praça Saens Peña, Paula esperou a agremia-

ção formar e se meteu no meio. Hostilizada por outras mulatas

que sambavam atrás da bateria, acabou saindo das cordas. No

entanto, o charme e o talento dela encheram os olhos de Manoel

Macaco, um baluarte salgueirense, que a colocou naquele

mesmo dia para desfilar na frente de um carro.

Convidada para visitar a quadra da escola no dia da comemo-

ração do aniversário de Manoel Macaco, como não sabia chegar,

marcou com algumas pessoas na estação das barcas, na Praça

XV, mas ninguém apareceu. Mesmo assim, Paula continuou a

jornada sozinha até encontrar o morro, onde foi homenageada

e convidada a desfilar na escola. No Salgueiro, lutou, sambou e

ganhou espaço, com merecido destaque. Quando se aproximou

da agremiação, trabalhava como doméstica, mas logo largou o

ofício para se transformar em modelo nos estúdios da Escola

Nacional de Belas-Artes (UFRJ).

Em 1960, depois de desfilar com o enredo Quilombo dos

Palmares, em homenagem a Zumbi dos Palmares, Paula ganhou

visibilidade e colocou o pé na estrada, fazendo shows pelo

mundo afora. Com a garra e o gingado que lhe eram peculiares,

a passista, por trinta anos, conciliou as passarelas do samba e

da moda. Além disso, Paula do Salgueiro também foi bailarina

dos conjuntos folclóricos de Mercedes Batista e do poeta Solano

Trindade, além do grupo Brasiliana, com que viajou boa parte

da Europa. Depois de muitos anos como passista, a musa passou

a sair como destaque da escola.

A salgueirense tinha na ponta da língua a resposta para ilustrar suas preferências: elegeu

o samba-enredo sobre Xica da Silva (1963) como melhor de todos os tempos e apontou

Delegado, da Mangueira, como o melhor mestre-sala do carnaval carioca. Considerada

por muitos a maior passista de todos os tempos, Paula do Salgueiro teve de parar de

desfilar por ordem médica. Com artrose, a diva procurou ajuda do Salgueiro para realizar

tratamento, mas a diretoria da escola negou auxílio. Enraivecida, a passista queimou todas

as roupas e balangandãs que tinha, na tentativa de livrar-se de tudo que a fizesse lembrar a

vermelho-e-branco.

Convertida a uma igreja evangélica, Paula afastou-se totalmente do carnaval. No fim da

vida, morava no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, onde teve, pela última vez, contato

com a escola que a projetou. Niltinho da Velha Guarda do Salgueiro relembra que, no final

dos anos 90, uma comitiva da agremiação foi visitá-la para convidá-la para uma festa de

homenagem realizada pela Associação das Escolas de Samba. Membros da diretoria garan-

tem que, meses antes de morrer, em agosto de 2001, Paula fez as pazes com a escola.

Paula do Salgueiro

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Em cima do salto

Poucos, muito poucos, são capazes de discordar: Nega Pelé

está entre as grandes passistas que o carnaval carioca já viu.

Na década de 60, com um largo sorriso, corpo franzino e um

rebolado envolvente, Marisa Marcelino de Almeida encheu

de encanto os olhos de Natal, então presidente da Portela. O

todo-poderoso da azul-e-branco viu Marisa pela primeira vez

em um ensaio na quadra da Unidos do Cabuçu. Não resistindo

ao molejo da mulata, ele a convidou para desfilar pela Portela.

Aos poucos, Marisa foi se tornando referência entre as pas-

sistas, fez shows pelo mundo e ganhou concursos mostrando

samba no pé. No carnaval de 1971, quando a agremiação de

Madureira apresentou o enredo Lapa em Três Tempos, consa-

grou-se na avenida. Aclamada por público e jurados, ganhou

de um jornalista o famoso apelido. Havia menos de um ano

que a seleção brasileira trouxera do México a Taça Jules Rimet,

símbolo do tricampeonato mundial. Um jornal da época,

então, comparou o rebolado da passista com os dribles do rei

do futebol, Pelé, grande destaque na Copa de 70. O apelido

pegou, e, a partir daquele ano, Marisa de Almeida passou a ser

conhecida simplesmente por Nega Pelé.

Em 1977, a mulata voltou a fazer um carnaval memorável.

Durante o desfile do enredo Festa da Aclamação, Nega Pelé

esbanjou talento em suas passadas e foi a grande vencedora

do Estandarte de Ouro de melhor passista do carnaval. Em

meados do anos 80, um furacão de intrigas sacudiu a Portela

e muitas pessoas deixaram de desfilar. Outras, como Nésio

Nascimento, filho de Natal, e um ilustre grupo de dissidentes

da azul-e- branco, fundaram outra agremiação: a Tradição.

Afastada da escola durante muitos anos, Nega Pelé retornou

ao ninho da águia no desfile do carnaval de 1995, o saboroso

Gosto Que Me Enrosco, que marcou também o retorno de

bambas consagrados, como Paulinho da Viola. Nega Pelé assu-

miu o posto de rainha da bateria, antes ocupado pela modelo

Luíza Brunet, e, cinco anos depois do inesquecível desfile de

“reconciliação”, a passista faleceu, deixando na história e na

lembrança de seus espectadores um inconfundível requebrado.

Nega Pelé

A Força Feminina do Samba

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A história de Lícia Maria Maciel Caniné é um misto de samba e política,

liderança e dinamismo. Na juventude, por influência dos irmãos, passou a

freqüentar os ensaios da Unidos de Vila Isabel. Enamorou-se pela escola e

também por um dos compositores da agremiação, Martinho da Vila, com

quem foi casada por 22 anos. Mas a ligação com o mundo do samba vem

desde muito cedo. Na década de 50, o pai de Lícia, Maurício Afonso Caniné,

médico oficial do Exército, fora presidente de honra da Paraíso do Tuiuti. A

pequena acompanhava as festividades, mas jamais desfilou pela agremiação.

No final da década de 60, Lícia Maria passou a freqüentar a quadra da Vila

Isabel com intensidade.

Loira e de pele branca, Lícia recebeu de Martinho da Vila, com quem se

casou em 1969, o apelido pelo qual passaria a ser chamada por todos: Ruça.

Em 1970, aos 23 anos de idade, desfilou pela primeira vez na Vila, saindo na

ala das baianas. Antes de sua estréia na passarela, durante um ensaio, Ruça

passou mal e sofreu um aborto espontâneo, interrompendo cinco meses de

gestação de um casal de gêmeos. Apesar do abalo, continuou firme e dis-

posta a seguir com a Vila Isabel. No ano seguinte, grávida novamente, Ruça

não desfilou por ordem médica e, semanas depois, deu à luz sua primeira

filha, Juliana. Ao lado da família, Ruça viu sua escola apresentar o samba

Gira, Gira, Moenda, do 14° andar de um prédio na Avenida Presidente

Vargas. Naquele ano, faltou luz durante o desfile, mas, mesmo assim, a Vila

Isabel cumpriu seu papel e contagiou a platéia. “Nunca vou me esquecer,

a Vila cresceu naquele desfile. E a Juliana dava chutes na minha barriga,

parecia que acompanhava a bateria”, lembra.

Em 1973, mesmo grávida, Ruça desfilou e deu prosseguimento à sua tra-

jetória dentro da Vila Isabel. Tendo participado de diversas alas e desfilado

em muitos setores, foi convidada, no final da década de 70, para ser a

madrinha da bateria. Junto com as passistas, Ruça passou a sair na frente

dos ritmistas da agremiação e, em 1983, consolidou-se no posto recebendo a

faixa de madrinha. Em entrevista sobre a evolução das passistas, o jornalista

e escritor Sérgio Cabral afirmou que, “nos anos 70, Ruça reinava absoluta”.

Nessa época, a identificação de Ruça com a escola era notória. “Eu era uma

madrinha diferente. As madrinhas vinham de vestido longo apresentando

Ruça

a bateria. Eu vinha com as pernas de fora”, conta. Militante do Partido

Comunista Brasileiro, Ruça foi sondada por seus dirigentes para disputar

as eleições à Câmara dos Deputados em 1986, mas recusou o convite e

continuou dedicando-se ao samba.

Depois do carnaval de 1987, a Unidos de Vila Isabel passou por maus mo-

mentos. A quadra, na Rua Teodoro da Silva, onde atualmente funciona um

shopping, foi fechada, e a agremiação ficou sem presidente. Nesse momento,

Lícia Maria começou a escrever em definitivo seu nome na história da escola

e do carnaval carioca. A crise era tamanha que ninguém se prontificou a

candidatar-se à presidência da Vila. Depois de muitas incertezas e impasses,

Ruça aceitou o desafio, disputou a eleição em chapa única e foi eleita para

um mandato de três anos. Sem quadra, os ensaios aconteciam nas esquina

da Rua Rocha Fragoso com a Avenida 28 de Setembro, a principal via de

Vila Isabel. Em seu primeiro ano à frente da escola, Ruça mudou o estatuto

da agremiação para que todos tivessem direito a voto, e não só o conselho

administrativo. No final daquele ano, em uma visita à África, ela, o marido

e o amigo e poeta Manoel Rui Monteiro “encontraram” o enredo para o

carnaval de 1988. “Estávamos em Angola e, durante uma conversa sobre o

festival de cultura negra, que aconteceu no Brasil em 85, surgiu a idéia do

enredo. Aí fizemos Kizomba, Festa da Raça, 100 Anos Depois da Abolição da

Escravidão”, destaca.

Os problemas financeiros e de infra-estrutura não cessaram. Ruça acredita

que o sucesso no carnaval de 1988 deve-se à perfeita integração entre

“morro e asfalto” que a Vila Isabel experimentou naquele ano. Com o apoio

de blocos carnavalescos dedicados à cultura negra, como Iliê da Bahia e

Filhos de Gandhi, a Vila Isabel fez um desfile impecável e cheio de surpresas,

conquistando pela primeira vez o título do carnaval do Rio de Janeiro. “A

comunidade arrancou aquele título com emoção”, resume.

No dia do desfile, um “probleminha” foi driblado com a genialidade carioca.

Quando a escola já se armava na concentração, um dos diretores quis saber

de Ruça em que lugar estavam os sapatos dos integrantes da comissão

de frente, que representariam guerreiros africanos. A presidente, então,

questionou a pessoa que ficara responsável pelo item. Para surpresa de

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Ruça, o integrante da escola informou que havia esquecido de mandar

confeccionar os sapatos. Sem tempo para mais nada, a presidente da

Vila Isabel improvisou, virou-se para a comissão de frente e manobrou

o imbróglio. “Vocês já viram guerreiro africano usando sapato? Eu

nunca vi isso. Vocês vão desfilar sem sapato mesmo”, lembra aos risos.

“Foi um momento mágico. Toda a escola parecia possuída, como se

seus antepassados estivessem ali”, diz.

Em seu último ano na presidência da agremiação, Ruça desfilou na bat-

eria tocando chocalho, lugar que ela mesma aponta como o mais emo-

cionante de uma escola de samba. Meses depois do carnaval Kizomba,

Ruça ingressou na política para, segundo ela, cumprir uma tarefa do

partido. Foi eleita vereadora no Rio de Janeiro e exerceu mandato de

1989 a 1992. Militando (só que em outro partido) e acompanhando os

desfiles da Vila Isabel até os dias de hoje, Lícia Maria não sabe apontar

sua preferência entre política e samba. “É a mesma coisa. Em ambos,

há cultura popular, e a cultura popular é uma arma. Tem gente que

empunha uma pistola, um pincel. Eu empunho o samba”, finaliza.

Em cima do salto

A Força Feminina do Samba

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Quando pisou na avenida para desfilar pelo Salgueiro, em 1976, Pinah Maria da Penha Fer-

reira Ayoub começou a deixar de ser uma simples passista para se tornar uma personagem

do carnaval carioca. Negra, cabeça raspada e dona de um molejo sedutor, Pinah, como ficou

conhecida, fez história, no Brasil e no mundo. Ao deixar a vermelho-e-branco da Tijuca, foi

para a Beija-Flor de Nilópolis e, em 1978, ganhou as capas dos jornais e os noticiários de TV

após se apresentar para o príncipe Charles, da Inglaterra.

Em visita à cidade do Rio de Janeiro, em março de 1978, o nobre assistiu a uma apresen-

tação da escola e arriscou uns passos ao lado de Pinah, que encantou o herdeiro do trono

inglês. “O príncipe Charles não chegou a tempo para o carnaval, então fizemos, só para ele,

um minidesfile no Palácio da Cidade do Rio de Janeiro a convite do então prefeito Marcos

Tamoio “, lembra Pinah, que, depois disso, viajou o mundo mostrando samba no pé.

Nascida nas Minas Gerais dos anos 50 e de uma linhagem enraizada no mundo do samba, a

destaque ficaria conhecida por esse feito, mas também pelas belas apresentações na Avenida

Presidente Vargas e, principalmente, na Marquês de Sapucaí. Moradora de Nova Iguaçu, na

Baixada Fluminense, Pinah foi por cerca de 30 anos um dos grandes ícones da Beija-Flor.

Em 1982, casou-se com o empresário de origem libanesa Elias Ayoub e mudou-se para São

Paulo. Na terra da garoa, passou a trabalhar paralelamente ao samba, nos negócios do

marido, a loja Palácio das Plumas, que comercializa material para diversas escolas de samba

do Rio de Janeiro, São Paulo e outras regiões do país .

No carnaval de 1983, a Beija-Flor homenageou grandes personalidades da escola, com o

enredo A Grande Constelação das Estrelas Negras, e Pinah recebeu uma menção na letra do

samba: “Ê Pinah, ê Pinah, a cinderela negra que ao príncipe encantou.” Sob o comando de

Joãosinho Trinta e com o brilho de sua constelação, a agremiação foi a grande campeã do

carnaval carioca.

Vivendo em São Paulo desde que se casou, Pinah volta ao Rio de Janeiro durante o carnaval

para desfilar em sua escola do coração como diretora da agremiação. No carnaval de 2007,

além de ver a Beija-Flor conquistar novamente o título, ela recebeu mais uma homenagem.

Mas, desta vez, da Unidos da Tijuca, que apresentou o enredo De Lambida em Lambida, a

Tijuca Dá um Clique na Avenida, contando a história da fotografia. Uma das alas mostrava a

famosa foto da passista ao lado do príncipe inglês. Dando seqüência à linhagem no mundo

do samba, Pinah passa as horas vagas ensinando os truques da dança à filha Claudia. Em

2007, aos 16 anos de idade, Claudia foi destaque principal do carro Liberdade Sonhada, da

escola de Nilópolis.

Pinah

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Em cima do salto

A Força Feminina do Samba

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Nilce FranDe uma família de sambistas da Portela, Nilce Francisca da Silva Chaves, Nilce Fran é uma das chamadas passistas modernas – ou profissionais. O pai, Wanderlei Francisco da Silva, foi presidente de harmonia da escola de Oswaldo Cruz por muitos anos e ensinou à filha o caminho do samba. Nascida e criada no bairro, Nilce desfilou pela primeira vez na ala mirim da azul-e-branco em 1972, quando tinha apenas cinco anos. Foi porta-bandeira mirim e também saiu algumas vezes na ala do Donga. Em 1980, fez sua estréia como passista e iniciou sua trajetória na passarela. Durante sete anos seguidos, marcou presença na avenida. Somente em 1988 e 1989, por conta de uma gravidez, deixou de desfilar. No entanto, ela voltou em 1990, quando a escola apresentou o enredo É de Ouro e de Prata Este Chão.

Ao contrário das primeiras passistas, a portelense, assim como a maioria de sua geração, se profissionalizou. Formada em jazz e música afro, ela participou de um grupo de dança, passou a se apresentar em casas de espetáculos e entrou no mundo das “mulatas-show”. Em 1995, passou a integrar a diretoria da agremiação e coordenou uma ala no desfile. Nos dois anos seguintes, foi rainha de bateria da Portela, substituindo uma das mais famosas passistas da agremiação de Madureira, a Nega Pelé.

No primeiro ano em que desfilou à frente dos ritmistas da escola, a mulata enfrentou um problema que muitas vezes persegue as passistas: a sandália. Por um erro de cálculo do sapateiro, a plataforma que Nilce usou no desfile de 1996 era um número menor que seu pé. O defeito só foi notado na avenida, e a rainha da bateria teve de sambar assim mesmo. O resultado final quase prejudicou a carreira da bela: no fim da apresentação, Nilce desmaiou de dor e foi levada para o hospital. Seus dedos estavam trepados uns nos outros e ela chegou a pensar que nunca mais teria condições de sambar. “Às vezes, o sapato é o maior inimigo da passista”, comenta entre risos.

Em 1998, Nilce Fran se desentendeu com a diretoria e se aproximou da Mangueira, escola pela qual passou a desfilar desde então, paralelamente aos desfiles da Portela. Nesse período, começou a dar aula de samba e a formar novas “mulatas-show”. Para Nilce Fran, a grande diferença das passistas do período pré-sambódromo para as de hoje é que atualmente a nova geração tem mais classe. Nilce reforça que, nos dias atuais, para fazer bonito na avenida, não basta apenas ter samba no pé. É preciso ter postura e muita técnica. Desde o início da década, Nilce Fran é presidente da ala das passistas da Portela e continua desfilando pela escola do mestre Cartola.

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Em cima do salto

Sônia CapetaSonia Maria Regina Borges Mascarenhas é uma daquelas mulheres que nasceram para ser de uma escola só. Quando criança, desfilava em um bloco de Nilópolis, o Bloco do Vai Lá, mas, em 1976, aos 12 anos, conheceu sua grande paixão: a Beija-Flor. Ao vencer um concurso, tornou-se passista da escola.

Desde pequena, Sônia já era notada e apontada como grande promessa. A forma como dançava era diferente da das demais e logo se destacou na quadra. Com seu rebolado alucinante, chamou a atenção do então carnavalesco da Beija-Flor, Joãosinho Trinta, e do presidente da agremiação, Anízio Abraão David, que lhe deram um apelido de arrepiar, tal qual o seu gingado: Sônia Capeta. O jeito de sambar ela garante que aprendeu olhando, nunca fez aula de dança. E a escultural mulata parece ter levado sorte à escola. Em seu primeiro desfile como passista, a agremiação de Nilópolis conquistou o primeiro título no grupo especial e deu início a um impressionante tricampeonato. Sônia cresceu dentro da azul-e-branco, e sua história muitas vezes se confunde com a da escola.

Em 1994, venceu mais um concurso interno e se tornou rainha da bateria. Nesse ano, quando a Beija-Flor desfilou o enredo Margaret Mee: a Dama das Bromélias, Sônia Capeta ganhou o Estandarte de Ouro na categoria melhor passista. Paralelamente ao samba, fez um curso de cabeleireira e montou um salão de beleza na casa onde mora, em Nilópolis. Alías, a casa da passista é um exemplo de sua ligação com a escola, pois é um presente do presidente da Beija-Flor. Dispensando muitos convites para desfilar em outras agremiações, Sônia Capeta sempre se manteve fiel à escola da Baixada Fluminense. Ela deixa claro que fazer parte da “família Beija-Flor” não tem preço e conta que apenas uma vez saiu em outra agremiação: no ano de 2005, quando a Porto da Pedra homenageou as mulheres e Sônia saiu de destaque, representando a escola de Nilópolis.

A eterna rainha da azul-e-branco guarda com carinho o vice-campeonato de 1986. Naquele desfile, a agremiação apresentou o enredo O Mundo é uma Bola, homenageando o país do futebol, e Sônia cita também o carnaval de 1998, quando a Beija-Flor dividiu o título com a Mangueira. Ela conta que, durante a concentração, o diretor de carnaval, Luís Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, se aproximou dela e a presenteou com um breve, uma espécie de figa. “Ele entrega a quem ele gosta. E aquele presente me encheu de esperança. Prendi na roupa e entrei na avenida”, conta. Nos quatro anos seguintes, os últimos de Sônia à frente da bateria, a Beija-Flor faturou o vice-campeonato. Em 2003, aos 39 anos, a mulata, mãe de três filhos e avó pela terceira vez, decidiu passar o posto de rainha da bateria. Antes do carnaval daquele ano, entregou a coroa para uma menina da escola, Raíssa, na época com 12 anos, e desde então desfila como destaque nos carros da Beija-Flor.

A Força Feminina do Samba

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Desfilar à frente de uma bateria de escola de samba é desafio para poucas, e um peso ainda maior quando se traz na veia o sangue de uma geração vitoriosa.

Fábia Borges, de 27 anos, é prova disso. Filha da ex-porta-bandeira Jesuína Alves da Silva, a Juju Maravilha, falecida em 1999, aos 64 anos, Fábia ocupa o posto

de rainha dos ritmistas da Acadêmicos da Rocinha, que no carnaval de 2007 se apresentou no Grupo de Acesso. A escultural passista cresceu na quadra da

Beija-Flor e se desenvolveu na Unidos da Tijuca, onde a mãe fez história como porta-bandeira.

Começou a desfilar aos cinco anos, na ala mirim da Beija-Flor, primeira escola de Juju Maravilha, Estandarte de Ouro pela agremiação em 1983. Seu primeiro

desfile como destaque aconteceu na Unidos da Tijuca, em 1996, quando tinha 16 anos. Nesse ano, quando a agremiação do morro do Borel apresentou o enredo

Ganga-Zumbi, a Expressão de uma Raça, ela desfilou apenas de biquíni e um fato curioso marcou o início da apresentação. Fábia chegou atrasada à concent-

ração e, como não havia mais tempo para correr ao vestiário, teve de se trocar na frente de parte da escola. “Fiquei nua e ninguém fez nada. Ali, vi como me

respeitavam na escola”, conta ela, revelando que Juju Maravilha, que também desfilou pela União da Ilha, Portela e Império Serrano, tinha enorme preocupa-

ção com a filha dançando à frente dos ritmistas. “Eu tenho esse corpo desde os 13 anos”, explica.

Quando trocou a Beija-Flor pela Tijuca, a menina da Baixada começou a ver sua vida mudar. Paralelamente ao samba, ela trabalhava em uma empresa de

turismo quando conheceu um empresário espanhol. Fábia se apaixonou e, em menos de um ano, decidiu se casar. Com a nova vida, foi morar na Europa com o

marido, mas nunca abandonou a folia carioca e seus compromissos com a escola.

Até 2003, trabalhou como promotora de vendas na empresa do marido, que é do ramo de brinquedos, e depois virou dona de casa para se dedicar à família.

“Parei de trabalhar porque ele quer filhos”, disse a bela, que vem ao Rio apenas para desfilar. Depois de dez anos saindo pela Unidos da Tijuca, Fábia Borges

trocou as cores de sua fantasia e, no carnaval de 2007, desfilou pela Acadêmicos da Rocinha, que se manteve no Grupo de Acesso.

Fábia Borges

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Em cima do salto

Nascida e criada no Morro da Mangueira, Tânia de Fátima Souza Lima, a Tânia Bisteka, é

a terceira geração de uma família enraizada na Estação Primeira. O avô, José Balalaica,

foi diretor de harmonia da escola por muitos anos. A mãe, Gracinha, e o tio, Mosquito,

estão entre os primeiros passistas da verde-e-rosa. O pai, Menininho, chegou a ser mes-

tre-sala da agremiação e também desfilou como passista. Ainda bebê, com um ano e seis

meses, a família trocou o morro pelo bairro de Ramos. No entanto, as visitas à quadra

continuaram freqüentes.

Aos 13 anos, Bisteka, que ganhou o apelido antes mesmo de nascer, começou a desfilar

na extinta ala É com Nós Mesmos. Semanas antes de seu nascimento, em julho de 1973, o

tio da moça sonhou que a irmã seria mãe de uma menina e lhe daria o nome de Bisteka,

que na época era uma personagem de novela global. O apelido pegou, e, quando comple-

tou um ano, dona Gracinha distribuiu aos amigos e vizinhos fotos da pequena Tânia com

a inscrição Bisteka ao lado.

Formada em balé moderno, jazz e dança afro, a escultural mulata se profissionalizou

antes de completar 18 anos e viajou o mundo participando de shows de passistas. Em

1994, com 21 anos, passou em um teste e foi trabalhar durante um ano em Porto Rico.

Até os 23 anos, conseguiu conciliar desfiles, shows no exterior e apresentações com a

Mangueira. Depois disso, dedicou-se apenas aos trabalhos pelo mundo afora.

De volta ao Brasil, Tânia Bisteka, dona de um requebrado invejável, decidiu concorrer

ao posto de rainha da bateria da Mangueira para o carnaval de 1999. Conta que a idéia

de participar da eleição começou com uma brincadeira entre as colegas de profissão e

deu certo. Eleita, Bisteka comandou a festa na passarela do samba e foi considerada a

melhor passista do carnaval daquele ano, faturando o Estandarte de Ouro. Mas o show

de Bisteka começara antes mesmo de a escola entrar. Seguindo os conselhos de um

pai-de-santo, a mulata trocou de roupa na avenida quando a verde-e- rosa preparava-se

para desfilar. Segundo ela, o guia espiritual afirmou que, ao ficar nua na passarela, ela

receberia todas as energias positivas que estavam pelo ar.

No ano seguinte, saiu na ala das passistas e, em 2001, foi mais uma vez eleita rainha

da bateria. Mas nem só de samba foi a vida de Bisteka. Quando os trabalhos como

mulata-show estavam em baixa, Tânia brilhava em outras áreas: foi professora de dança

no projeto Casa das Artes da Mangueira, em que formou 180 passistas, lecionou em uma

escola particular de ensino fundamental, foi recepcionista, secretária e animadora de

festa. De 2003 a 2005, a passista esbanjou seu gingado no carnaval de São Paulo, saindo

na escola Barroca da Zona Sul, agremiação afilhada da Estação Primeira de Mangueira.

Em 2007, decidiu voltar ao carnaval do Rio de Janeiro e, a convite de amigos, desfilou

como destaque na Estácio de Sá e na Porto da Pedra.

Tânia Bisteka

A Força Feminina do Samba

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Enredos de glórias e marias

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“Depois do barracão, suor, amor e fantasias Alas, figurinos e passistas,Harmonia e ritmistasAté o dia raiarE as lágrimas de alegria e dissaborModificam o rosto do poetaNo meio de um cenário multicorEstá na hora, é carnavalO artista descreveuUm enredo original

O que será

(Didi e Aroldo Melodia)

Enredos de glórias e marias

Nos bastidores, as mulheres também mostraram sua força no carnaval. Mesmo por detrás dos confetes, muitas deram suor e um pouco de lágrimas para suas escolas do coração, renunciando à fama que intérpretes, porta-bandeiras, mestre-salas, destaques e passistas normalmente conquistam durante o reinado de Momo. Esse é o caso de Marie Louise Nery, considerada de uma ousadia pioneira numa época em que os tecidos usados para compor as fantasias dependiam de quem ia usá-las, se eram pessoas ricas ou pobres. Não se utilizavam acrílico, plástico, peruca industrializada, isopor. Para dar brilho às fantasias nesse carnaval artesanal, e sem poder gastar com as caríssimas plumas de avestruz, Marie Louise passou a utilizar plumas usadas em espanador, feitas com penas de aves brasileiras, e plumas de filó. Uma (r)evolução na Acadêmicos do Salgueiro que causou um belo efeito na avenida.

A Força Feminina do Samba

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Na década de 30, quem criava as fantasias e os adereços e enfeitava a escola eram artífices da Casa da Moeda ou das Forças Armadas. Segundo historiadores e estudiosos do samba, o primeiro carnavalesco da história foi o portelense Antônio Caetano, artista da Marinha brasileira. Nascido em setembro de 1900, Caetano deu os primeiros passos na criação de fantasias e no surgimento do espetáculo de cores nas escolas. Morador de Quintino, o jovem ingressou na Marinha, em que teve a chance de viajar pelo mundo e conhecer diversas culturas. Foi na corporação que ele desenvolveu seu talento artístico e se tornou desenhista da Imprensa Naval. Desde jovem apreciava a folia carioca, chegando a integrar alguns ranchos de seu bairro, como o Felismina Minha Nega e Felisberto Minha Branca.

Na boêmia, conheceu Paulo Benjamin de Oliveira e Antônio Rufino dos Reis, do Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz, que anos mais tarde se transformaria no Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela. No carnaval de 1931, quando a escola da águia apresentou o enredo Sua Majestade, o Samba, Antônio Caetano pôs um homem dentro de uma barrica. E partes do corpo representaram alguns instrumentos de um grupo musical.

No rastro de trabalhos como o de Marie Louise, o carnaval misturou-se definitivamente ao conceito de arte. Entre as décadas de 50 e 70, ganham espaço e notoriedade integrantes de grupos folclóricos, professoras e alunos da Escola Nacional de Belas-Artes (EBA-UFRJ). Estudiosas da cultura nacional, essas profissionais estão atualmente entre os criadores dos mais encantadores desfiles que o carnaval do Rio de Janeiro já produziu, quebrando a hegemonia de carnavalescos do sexo masculino. Depois de Marie Louise, vieram outras mulheres que, além de desenharem algumas peças e darem palpites na hora de colorir ou enfeitar os carros alegóricos, passaram a se responsabilizar pela criação dos enredos.

Marie Louise trabalhava junto com o marido, Dirceu Nery, desenvolvendo figurinos e cenários na Companhia de Danças Brasiliana. Convidada pelo presidente do Salgueiro, Nélson de Andrade, a suíça radicada no Brasil desenhou a bandeira da escola da Tijuca, figurinos e introduziu novas técnicas de produção. O desfile que realizou em

1959, sobre o artista plástico francês Jean-Baptiste Debret, cativou Fernando Pamplona, professor da Escola de Belas-Artes (EBA), que também entraria para a história dos carnavais como um revolucionário da indumentária.

Anos mais tarde, no carnaval de 1969, a Acadêmicos do Salgueiro apresentou ao público outra ícone: Maria Augusta Rodrigues, uma ex-aluna da EBA que desenhou algumas fantasias do enredo Bahia de Todos os Deuses, desenvolveu um carro sobre folclore brasileiro e ajudou a balancear as cores do desfile salgueirense. O caminho feito por Augustafoi repetido por dezenas de outras colegas de faculdade.

Em 1971, o Salgueiro de Fernando Pamplona mais uma vez levou ao seu barracão a criatividade dos alunos da Escola Nacional de Belas-Artes. Além do título salgueirense e do belíssimo desfile que a escola fez com o enredo Festa para um Rei Negro, criado por Maria Augusta, aquele ano ficou marcado pelo aparecimento de pessoas que seriam importantíssimas para o processo de modernização das fantasias, alegorias e enredos: Rosa Magalhães, Lícia Lacerda e Joãosinho Trinta.

Apesar de não assinarem o desenvolvimento de enredos, outras mulheres, também ex-alunas da EBA, foram fundamentais para o aperfeiçoamento de adereços e figurinos. A cenógrafa Claúdia Miranda ajudou a criar peças para algumas escolas, entre elas Salgueiro e Tradição; Penha Lima desempenhou muitas funções em conjunto com Rosa Magalhães, destacando-se na confecção de figurinos; Ecila Cirne e Liana Silveira deram brilho em verde e rosa à Estação Primeira e outras grandes escolas.

Na década de 80 e nos anos seguintes, o carnavalesco Renato Lage, com suas inovações futuristas, deu importante contribuição ao carnaval carioca. A primeira esposa de Lage, Lílian Rabello, assinou com ele consagrados enredos da Mocidade Independente de Padre Miguel. Nos anos 90, Renato casou-se, pela segunda vez, com a também carnavalesca Márcia Lávia, com quem trabalhou na Caprichosos de Pilares, na Mocidade e no Salgueiro. Lílian Sofia Maria Rabello aproximou-se do carnaval na infância, quando, a partir dos quatro anos de idade, freqüentava com os pais

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Enredos de glórias e marias

as festas e bailes no Teatro Municipal. Em 1979, quando já montava peças de teatro, deixou a faculdade de Psicologia para se dedicar à folia de fevereiro. Teve passagem vitoriosa pela Mocidade, pela Leão de Nova Iguaçu, um grande exemplo de superação quando fez o carnaval da Vizinha Faladeira e, mais recentemente, boa parceria com Roberto Szaniecki à frente da elaboração dos desfiles da Grande Rio. Junto com o ex-marido, Renato Lage, Lílian Rabello criou o famoso enredo Sonhar Não Custa Nada, ou Quase Nada, da escola de Padre Miguel, em 1992.

A revolução de Marie Louise, a irreverência de Rosa Magalhães, os

alegres desfiles de Lícia Lacerda e a genialidade de Maria Augusta marcam a história das grandes carnavalescas. Assim como algumas das pioneiras, a geração de Lílian Rabello, Márcia Lávia e tantas outras artistas plásticas continua o desafio de inovar no disputado carnaval carioca, que a cada ano se torna mais técnico e profissional. Reeditar sucessos e apresentar o jamais visto são questões que perseguem todo carnavalesco. Adivinhar o que vai passar pela avenida é quase impossível. Aos foliões e amantes do carnaval, fica a saborosa sensação de ver e vibrar com o desfile.

A Força Feminina do Samba

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Aluna da Escola Nacional de Belas-Artes (EBA-UFRJ), Lícia

Lacerda aproximou-se do carnaval somente na faculdade,

por influência do professor e carnavalesco Fernando

Pamplona. Na infância e adolescência, costumava viajar

durante o carnaval para Petrópolis e Itaipava. Ela conta

que, nessa época, seu contato com a festa era apenas vendo

a desmontagem da decoração de rua.

No final dos anos 60, Lícia ingressou na EBA e, junto com

os colegas de turma, disputou e venceu o concurso para

decorar o baile de carnaval do Teatro Municipal. Em 1971, a

convite do professor Pamplona, integrou o grupo de alunos

que ajudou a produzir o enredo Festa Para um Rei Negro,

do Salgueiro, no qual exerceu grande papel na fase de

execução dos figurinos e alegorias.

A escola tijucana sagrou-se campeã e revelou um supertime

de carnavalescos. Apesar de todo o esforço e trabalho, Lícia

não assistiu ao desfile. Recém-casada, viajou com o marido

para a Europa, mas, no ano seguinte, seguiu junto com

Maria Augusta para a União da Ilha do Governador e tam-

bém desenhou uma ala para a Portela. A construção dessa

ala abriu as portas para que Lícia Lacerda comandasse os

figurinos da escola da águia anos mais tarde. Em 1974, a

carnavalesca defendeu as cores da Beija-Flor durante o desfile do enredo Brasil, Ano 2000, que marcou o retorno da escola de Nilópolis ao grupo

1, quando conquistou o 7º lugar. Da Baixada Fluminense, Lícia Lacerda chegou a Madureira para dar brilho ao Império Serrano.

Em 1982, ao lado da companheira Rosa Magalhães, desenvolveu o enredo campeão Bumbum Paticumbum Prugurundum e produziu toda a deco-

ração da avenida. “Uma passava a noite acordada e saía às 5h, dormia um pouco e às 10h já estava no barracão, para a outra no dia seguinte ir de

madrugada tomar conta. Tínhamos de fazer a escola e supervisionar a decoração”, lembra. O desfile marcou o primeiro da dupla como carnava-

lescas, e não só como figurinistas. Por conta do excesso de trabalho e da falta de infra-estrutura (em certo momento, as carnavalescas tiveram que

se revezar com as costureiras no barracão), Lícia conta ter ficado dois dias sem se alimentar direito. No dia da apresentação, a agremiação passou

pela avenida ao meio-dia, sob intenso sol, e a carnavalesca sentiu-se mal e desmaiou na passarela. “O médico me perguntou se eu tinha cheirado

ou bebido alguma coisa. Aí eu disse: esse é o problema. Eu só comi uma bananada e tomei uma cerveja quente”, diz.

Passado o atribulado e vencedor carnaval de 1982, Lícia consolidou seu nome no hall da fama dos grandes desfiles. Em 1984, junto com Rosa

Magalhães, Maria Augusta, Viriato Ferreira, Paulino Espírito Santo e Edmundo Braga, foi convidada para ser sócia-fundadora da escola de samba

Tradição, uma dissidência da Portela. Pela história dos carnavais, a caçulinha de Madureira teve uma ascensão meteórica e, com a ajuda de Lícia

Lícia Lacerda

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e Rosa, entre outros, logo chegou ao Grupo Especial. A carnavalesca foi a

responsável pelo desenho da primeira bandeira da escola e, segundo ela,

já naquele tempo existia uma comissão de carnaval, em que todos davam

palpites e decidiam juntos a confecção de fantasias e adereços. “Chegamos

a ajudar com os carros. Não podíamos deixar a Rosa com um spray na mão,

senão ela já saía usando”, brinca.

Nesse mesmo ano, as carnavalescas foram responsáveis pelo desfile da

Imperatriz Leopoldinense, que apresentou Alô, Mamãe! Lícia lembra que

a escola de Ramos passava por sérios problemas financeiros e a equipe

era reduzidíssima: um carpinteiro e seis alunas de um curso técnico. Para

angariar fundos para o desfile, as duas venderam camisetas e fizeram uma

fantasia composta basicamente por um caixote decorado e com a inscrição

“tipo exportação”, que foi vendida aos amigos. “Não tínhamos dinheiro

para nada. Ganhamos os biquínis para as passistas, mas não havia grana

para comprar as sandálias. Elas desfilaram descalças mesmo”, recorda.

Para comprar alguns itens para as baianas, Lícia Lacerda recorreu ao

presidente da escola, que deu um cheque para a despesa. Segundo a car-

navalesca, o cheque não tinha fundos e elas iniciaram uma saga para tentar

trocar o papel. Depois de algumas tentativas, foram à quadra da Vila Isabel

conversar com o então presidente Capitão Guimarães. “Pedimos para trocar

o cheque por dinheiro. Ele abriu uma mala cheia de dinheiro e nos deu o

correspondente ao valor do cheque e nos disse: ‘Fiquem com o cheque e,

com esse dinheiro, comprem perfumes franceses.’ Nossa! Compramos tanta

coisa que estava faltando para a escola...”, revela.

Lícia afirma ainda que conseguiu passar o cheque dias depois e aproveitou a

visita à quadra da Vila Isabel para pegar pregos, cola e plástico “empresta-

do”. Todo o esforço foi recompensado por um belo desfile. A escola ficou

em quarto lugar, ao lado do todo poderoso Salgueiro, e Lícia conquistou o

Estandarte de Ouro na categoria personalidade feminina.

Em 1985, a dupla desfilou na ala das baianas da Mocidade Independente de

Padre Miguel e seguiu desenvolvendo o carnaval da Tradição, que, nesse ano,

foi rebaixada. Em 1986, com o enredo Não Me Leve a Mal, Hoje é Carnaval,

a escola fez um desfile triunfal e garantiu seu retorno ao grupo 1. Para o

desfile de 1987, as carnavalescas já não podiam conciliar duas escolas da

elite do samba. Convidadas pela Estácio de Sá, elas desenvolveram o

encantador Tititi do Sapoti, que seria reeditado pela escola 20 anos

depois, quando a dupla recebeu uma grande homenagem: um carro

trouxe uma escultura com as caricaturas das carnavalescas.

Nos dois anos seguintes, Lícia ficou afastada dos desfiles, dedicando-

se a projetos pessoais, como as aulas que lecionava na Escola de

Belas-Artes e na Escola de Artes Visuais, retornando ao mundo do

carnaval somente na década de 90. Um pouco chateada com a direção

das escolas, nesse tempo, já não queria mais atuar no desenvolvi-

mento de enredos e figurinos. Ela conta que seu desânimo começou

em 1987: mesmo com pneumonia, trabalhou intensamente no

barracão da Estácio e, no final do carnaval, a direção da escola teria

deixado de pagar uma parte de seu salário. “Eu tomava duas injeções

por dia, peguei temporal para salvar as fantasias da escola, adiantava

dinheiro para pagar as coisas”, reforça.

Ainda assim, Lícia Lacerda seguiu construindo temas memoráveis para

a Tradição como Passarinho, Passarola, Quero Ver Voar (1994) e Gira

Roda, Roda Gira (1995). Mas a gota d´água veio no carnaval de 1996,

quando ela criou o enredo Do Brasil ao Barril para a Tradição. A escola

contou a história da chegada da cerveja ao país, trazida por D. João VI.

A carnavalesca se desentendeu com a direção da agremiação, depois

que algumas alegorias e figurinos foram modificados sem seu consenti-

mento. “Eles acabaram com meu enredo. Eu tenho uma mágoa com o

carnaval por causa disso”, resume.

Tocando projetos pessoais e a vida acadêmica, Lícia produziu, em

2000, na Bahia, em parceria com Rosa Magalhães, o desfile em

comemoração aos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.

Nesse ano, morou quatro meses em Salvador para desenvolver a

grande festa que tomou as principais ruas soteropolitanas e contou

toda a história do país. Nos últimos anos, a artista plástica tem-se

dedicado a ministrar por todo o país cursos e seminários sobre o

carnaval. Aos 60 anos, Lícia Lacerda garante que só volta a desen-

volver enredos se encontrar uma escola determinada à vitória. “Fazer

carnaval por fazer eu não farei mais não. Só aceito convite se a escola

estiver realmente disposta a vencer”, deixa claro.

Enredos de glórias e marias

A Força Feminina do Samba

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O carnaval de 1960 foi um dos mais confusos da história. As favoritas ao título eram Portela e Salgueiro, que apresentavam ao público Fer-

nando Pamplona e Arlindo Rodrigues. No fim da apuração, a azul-e-branco de Madureira venceu e a Mangueira ficou em segundo lugar.

No entanto, os organizadores do desfile introduziram naquele ano o quesito cronometragem, e as duas escolas foram punidas. Dessa

forma, o grito de campeão passou ao Salgueiro, que havia ficado em terceiro. Revoltados, os dirigentes das agremiações não aceitaram a

mudança no resultado e houve tumulto. A polícia interveio e, depois de muita briga, no dia seguinte ao da confusão, as cinco primeiras

colocadas (Portela, Mangueira, Salgueiro, Império e Unidos da Capela) dividiram o título. Alheia a toda essa polêmica, nascia no Rio de

Janeiro, em pleno sábado de carnaval, Márcia Lávia Leal, que décadas depois introduziria seu nome na história dos desfiles.

Em 1981, Márcia ingressou na Escola de Belas-Artes, onde foi aluna da carnavalesca Rosa Magalhães. No ano seguinte, por influência de

seus professores, teve seu primeiro contato com a produção de um carnaval. Assim como aconteceu com sua professora dez anos antes,

Márcia Lávia e alguns colegas de turma foram convidados por Rosa Magalhães para ajudar a desenhar figurinos para a escola em que

Márcia Lávia

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Enredos de glórias e marias

trabalhava na época: a Império Serrano. A experiência foi bastante proveitosa e projetou os próximos pas-

sos de Lávia. Naquele ano, a escola apresentou o espetacular enredo Bumbum Paticumbum Prugurundum

e sagrou-se campeã. Nos anos seguintes, Márcia Lávia desenhou alguns figurinos para a Estácio de Sá e o

Salgueiro, além de ter feito trabalhos para programas de televisão e para teatro.

Em 1989, Márcia conheceu o cenógrafo e carnavalesco Renato Lage, durante a produção do show Golden

Brasil, no Scala. Lage, que na época fazia o carnaval da Caprichosos de Pilares, convidou Lávia para ser

sua assistente. A partir daí, a figurinista não se afastou mais do mundo do samba. No início, ela desenhava

algumas plantas, ajudava na construção das fantasias e dava palpites no enredo. No carnaval de 1990, Re-

nato Lage trocou a Caprichosos pela Mocidade Independente e levou sua equipe. Além de Lávia, fazia parte

do grupo a então mulher do cenógrafo, a também carnavalesca Lílian Rabello. Nos dois primeiros anos

de Lage na Mocidade, a agremiação venceu o campeonato. Em 1993, Renato, já separado, casou-se com

Márcia Lávia. Três anos mais tarde, após uma década dedicada à TVE, ela pediu demissão da emissora para

se dedicar exclusivamente ao carnaval. Justamente naquele ano, a escola voltou a ser campeã do carnaval

com mais um enredo de Renato Lage.

Seguindo o estilo futurista e clean, em 1997, Márcia Lávia passou a assinar o enredo junto com o marido.

Na sua primeira experiência como carnavalesca, a Mocidade conquistou o vice-campeonato. O último ano

na Mocidade (2002) foi marcado por uma tragédia. Márcia Lávia, Renato Lage e a escola de Padre Miguel

levaram para a avenida muita alegria e brilho com o enredo O Grande Circo Místico. Mas, fora da pas-

sarela, havia um grande vazio. O filho do cenógrafo com Lílian Rabelo, Renato de Souza Lage, de 16 anos,

morreu num acidente de trânsito 20 dias antes do desfile. Lávia lembra que, apesar do sofrimento, o car-

navalesco encontrou forças para continuar fazendo o carnaval. “Foi um fato marcante, mas ele seguiu em

frente”, conta ela. Em 2003, o casal mudou mais uma vez de escola, e dessa vez, foi defender o vermelho e

branco do Salgueiro, onde está atualmente.

O carnaval daquele ano marcou o cinqüentenário da escola tijucana, que apresentou o enredo Salgueiro,

Minha Paixão, Minha Raiz, 50 anos de Glória. No período de montagem das alegorias, Lávia guarda na

lembrança um fato curioso: em cima de um dos carros, havia uma grande imagem de Iemanjá e em deter-

minado momento a estátua deu um giro de 360º. Não havia vento nem ninguém empurrando. Com quase

20 anos de experiência nos carnavais do Rio e tentando descobrir a nova tendência dos desfiles e enredos,

Márcia Lávia espera que os carnavalescos abusem menos da técnica e recuperem a alegria dos antigos

carnavais. “Ficou muito comercial. As escolas estão muito parecidas”, finaliza.

A Força Feminina do Samba

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O carnaval faz parte da vida de Maria Augusta Rodrigues desde os primeiros

anos de vida. Nascida no Rio de Janeiro, mudou-se para São João da Barra ainda

na infância, onde o pai, Paulo Rodrigues, era diretor de uma usina de açúcar e

a mãe, a folclorista Anna Augusta Cordeiro de Mello Rodrigues, organizava as

festas, paradas e procissões. Tendo na figura materna sua maior influência, Maria

Augusta logo se encantou pelo folclore brasileiro e pelo carnaval. Em 1951, ela

voltou ao Rio de Janeiro para dar seqüência aos estudos e, no final da década de

60, já formada em Artes Gráficas, pela Faculdade Nacional de Belas-Artes (UFRJ),

ingressou em outro curso da instituição, o de Artes Decorativas.

Ao mesmo tempo que a EBA consolidava sua tradição de formar mentes e mãos-de-

obra qualificadas para as festas de fevereiro, Maria Augusta viu sua relação com o

carnaval ficar cada vez mais estreita. Nos meses que antecederam as festas de 1969,

Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, professor de Augusta na EBA, venceram

um concurso para decorar o grande baile do Hotel Copacabana Palace. Os mestres,

então, convidaram Maria Augusta para fazer parte da equipe. Naquele carnaval, a

aluna desenhou figurinos para a Império da Tijuca, que desfilava no segundo grupo,

e ajudou a criação de fantasias para o Salgueiro. Segundo ela, seu aprendizado

acelerou-se no barracão da vermelho-e-branco tijucana, quando cobria de nanquim

os desenhos do carnavalesco Arlindo Rodrigues. Augusta conta que o parceiro de

Pamplona não costumava cobrir de tinta seus desenhos, feitos todos a lápis. A

tarefa, então, ficava com ela. “Eu comecei aprendendo com o Arlindo, passando

nanquim em cima dos desenhos dele”, relata.

No carnaval de 69, o Salgueiro apresentou o enredo Bahia de Todos os Deuses e

um dos carros, o que ficou sob responsabilidade de Augusta, tratava do folclore brasileiro. O tema era o mesmo que ilustrou o baile do Copacabana Palace, que havia

terminado na véspera do desfile. Maria Augusta, então, decidiu reciclar algumas peças para aproveitá-las na escola tijucana. Durante a desmontagem da decoração,

ela separou parte dos arranjos e usou-a para enfeitar o carro salgueirense. A agremiação fez um dos mais belos desfiles do carnaval carioca no período pré-sambó-

dromo e conquistou o título de 69. Dois anos mais tarde, o Salgueiro voltou a encantar na avenida. Maria Augusta, que estava viajando pela Europa havia seis meses,

foi mais uma vez “convocada” por Fernando Pamplona.

Através de uma carta escrita pela mãe (que tinha uma prima casada com o primo do carnavalesco), a ex-aluna da EBA ficou sabendo que sua presença era requis-

itada no barracão da vermelho-e-branco. A agremiação já tinha publicado seu enredo para 1971, que contava a história de um príncipe africano que fora estudar na

Bahia, mas sofreu algumas modificações. Na época, os graduados podiam inscrever trabalhos na coordenação de cada curso e concorrer a uma medalha da facul-

dade, que hoje equivaleria a um diploma de pós-graduação. Naquele ano, Augusta apresentou uma proposta à banca da EBA: desenvolver o projeto de uma escola

de samba e, para isso, criou um enredo sobre Maurício de Nassau e uma embaixada formada por negros. Ao tomar conhecimento do projeto, Pamplona encantou-se

e convidou Maria Augusta para apresentar o trabalho na avenida. O conteúdo do enredo do Salgueiro foi modificado, e os figurinos e as alegorias começaram a ser

desenhados. Para montar a equipe, comandada por Pamplona e que já contava com Joãosinho Trinta, Augusta convidou Rosa Magalhães para ajudar na criação. No

final do processo, Lícia Lacerda, outra aluna da EBA, foi integrada ao grupo.

Maria Augusta

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Enredos de glórias e marias

Juntos, marcaram uma nova época do carnaval do Rio de Janeiro, levaram à avenida um desfile que caiu nas graças do público e terminou agraciado com o título de

campeão. Dando seqüência à carreira e a convite do compositor salgueirense Áureo Campagnac de Souza, o Aurinho da Ilha, Augusta transferiu-se para a União da Ilha, na

qual desenvolveu o enredo A Festa da Cavalhada, apresentado, em 1972, no desfile do segundo grupo. Sempre trabalhando em conjunto, a carnavalesca, então, convidou

Rosa Magalhães e Lícia Lacerda (na fase final) para o grande desafio, uma vez que, naquela época, a escola não possuía verba e infra-estrutura. Após o desfile, que aconte-

ceu na Avenida Presidente Antônio Carlos, Maria Augusta correu para assistir ao Salgueiro, que desfilaria pelo primeiro grupo na Avenida Presidente Vargas. “Eu estava na

arquibancada, e o Pamplona mandou me chamar. Era uma coisa tão pequena (o alambrado) que eu pulei da arquibancada para o chão”, conta.

Pamplona precisava da ajuda de Maria Augusta para organizar a escola. Ela trocou de roupa no banheiro de um botequim e foi para a concentração, horas antes de o

Salgueiro realizar o desfile que entraria na história marcado pela desorganização e por um mau resultado. A carnavalesca lembra que muitas alas estavam posiciona-

das no lugar errado e alguns integrantes não queriam mudar de posição, o que prejudicava o enredo. Para convencer os membros de um setor, Maria Augusta usou

um pouco de sua genialidade. “O Jorge Ben desfilava nessa época. Pedi que ele conversasse com o pessoal da ala. Aí eles toparam”, recorda.

Em 1973, o Salgueiro não contava mais com Pamplona e Arlindo Rodrigues, que haviam deixado a escola por causa dos problemas no desfile do ano anterior. Coube

a Joãosinho Trinta e Maria Augusta desenvolver o enredo Eneida, Amor e Fantasia, uma sugestão de Teresa Aragão para homenagear a jornalista e escritora Eneida de

Moraes, recém-falecida na época. A escola conquistou o terceiro lugar e foi bastante aplaudida na avenida. No ano seguinte, Augusta conta que ajudou em pouca coisa

no barracão da escola e só voltou a reeditar a dobradinha com Joãosinho Trinta em 1975. Naquela época, os temas levados à avenida obrigatoriamente deveriam

estar relacionados ao Brasil e, para o desfile As Minas do Rei Salomão, Augusta fez uma extensa pesquisa e fundamentação do enredo. Apresentando-se de forma

exemplar, a vermelho-e-branco ganhou o título em 74 e 75, devolvendo aos salgueirenses o sabor das grandes vitórias.

Em 1976, Augusta foi convidada para voltar à União da Ilha, que chegava ao grupo de elite das escolas. Naquele ano, a agremiação tricolor desfilou com o encantador

enredo Poemas de Máscaras em Sonhos e, nos dois carnavais seguintes, fez mais duas belas exibições sob o toque mágico de Maria Augusta: em 77, junto com Alcione

Barreto, apresentou o enredo Domingo e. em 78, desfilou com o inesquecível O Amanhã. No ano de 1977, inclusive, Augusta foi premiada com o Estandarte de Ouro

na categoria personalidade feminina.

Mas nem só de belos enredos ficou marcada sua passagem pela União da Ilha. A carnavalesca conta que se desentendeu com alguns membros da diretoria nos dias que

cercaram a semifinal do samba-enredo para o carnaval de 1979. Segundo Augusta, houve uma “virada de mesa” no processo de eleição da letra que seria levada à avenida

e ela decidiu desligar-se da escola. Assim, seu então aluno Adalberto Sampaio permaneceu, terminando o trabalho de confecção das alegorias e dos figurinos.

O aborrecimento colocou a renomada artista plástica em outros rumos. Em 79, ela iniciou a carreira de comentarista de carnaval, durante a transmissão dos desfiles pela

Rede Globo. Augusta passou ainda pela Bandeirantes e Manchete e, em 92, retornou à emissora da família Marinho, sempre conciliando essas atividades com trabalhos

ligados ao carnaval. Fez parte, por exemplo, de 1980 a 1987, do time de jurados do Estandarte de Ouro, que premia os destaques dos desfiles, retornando em 2005.

Nos carnavais de 82 e 83, produziu enredo para a Paraíso do Tuiuti. No final de 84, formando a primeira comissão de carnaval de uma escola de samba, participou,

ao lado de Rosa Magalhães, Lícia Lacerda, Viriato Ferreira, Paulino Espírito Santo e Edmundo Braga, da fundação da Tradição. Augusta, com a ajuda de Lícia, desen-

hou a primeira bandeira da agremiação e ficou na caçulinha de Madureira até o carnaval de 1987. Nos dois anos seguintes, organizou festas de carnaval em Nice, na

França, onde mostrava um pouco da cultura e alegria do samba do Rio de Janeiro.

Em 1993, ela voltou a atuar como carnavalesca. A convite da Beija-Flor de Nilópolis, a artista plástica desenvolveu o enredo Uni-duni-tê, a Beija-Flor Escolheu, É Você,

que faturou o terceiro lugar no carnaval daquele ano.

De volta à tevê, participou de uma das grandes mudanças nas transmissões dos desfiles. As emissoras passaram a mostrar a apresentação das escolas em seqüência,

valorizando a narrativa do enredo, e Augusta foi consultora de todo o processo de 1994 a 1998. Em 2002, pela CNT e ao lado de Jorge Perlingeiro, a artista plástica

participou da transmissão de um desfile do Grupo A e, no ano seguinte, retornou à Rede Globo. Atualmente, além dos trabalhos paralelos na área das artes plásticas,

Maria Augusta Rodrigues segue como comentarista nos desfiles de carnaval.

A Força Feminina do Samba

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Marie Louise

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A suíça Marie Louise Nery foi a primeira mulher a desenhar figurinos, adereços e alegorias no carnaval carioca. Nascida em 1925, Marie

trabalhava com bordados e costura, mas sua vida começou a tomar rumos além do imaginado quando conheceu o pintor e coreógrafo

pernambucano Dirceu Nery, que fazia uma turnê pela Europa com seu grupo de artes. Viúva havia alguns anos, Marie Louise e Dirceu logo se

apaixonaram, decidiram casar-se e morar no Brasil. No Rio de Janeiro dos anos 50, os dois trabalharam como cenógrafos na companhia de

danças Brasiliana e tornaram-se especialistas em folclore nacional.

O primeiro contato de Marie Louise com o carnaval aconteceu no final da década de 50, quando foi jurada em um desfile. Nesse mesmo

período, o então presidente do Salgueiro, Nélson de Andrade, buscava uma forma de colocar sua escola entre as grandes agremiações do

Rio de Janeiro e dar um fim à falta de títulos. Chegou à conclusão de que as agremiações vencedoras da época, como Portela e Mangueira,

contavam com artífices da Casa da Moeda e do Arsenal de Marinha. Dessa forma, evoluíam na avenida com uma qualidade superior à das

adversárias em relação à parte visual, uma vez que contavam com “profissionais” realizando a tarefa.

O presidente, então, soube que a esposa do compositor salgueirense Éden Silva, o Caxiné, trabalhava na residência do casal Nery. E por inter-

médio dela, Nélson de Andrade convidou Marie Louise e Dirceu para elaborarem as alegorias e fantasias do próximo desfile. O convite para

trabalhar na agremiação tijucana foi aceito com entusiasmo. Alguns especialistas e estudiosos, como a carnavalesca Lícia Lacerda, acreditam

que essa foi a primeira vez que uma pessoa de cor branca fez algum tipo de “interferência” nas escolas de samba.

Em 1959, o casal Nery estreou no carnaval carioca levando à avenida o enredo Viagem Histórica Pitoresca ao Brasil - Debret, sobre o artista

plástico francês Jean-Baptiste Debret, que viveu no Brasil no início do século 19 e desenhou a primeira bandeira nacional. Marie Louise Nery,

que adotou o Rio de Janeiro como sua cidade, ressalta que a grande mudança na época foi a alteração no material usado para confeccionar

as fantasias. Em um tempo em que não se usava plástico para moldar as fantasias, o presidente Nélson de Andrade informou que a escola

não teria carros alegóricos, apenas alegorias de mão.

Apesar do susto, o trabalho de Marie Louise e Dirceu levou encanto à avenida e cativou um dos jurados: Fernando Pamplona, que mais tarde

se tornaria um grande carnavalesco salgueirense. Um dos maiores compositores da vermelho-e-branco, Djalma Oliveira Costa, o Djalma

Sabiá, lembra que o Salgueiro nunca havia recebido nota dez nos quesitos visuais e, naquele desfile, recebeu a nota máxima, ficando com a

segunda colocação.

Na época do carnaval artesanal, Marie Louise Nery foi uma revolucionária. Para dar brilho às fantasias e sem gastar com as caríssimas

plumas de avestruz, a artista plástica criou uma alternativa: utilizou plumas usadas em espanador, feitas com penas de aves brasileiras, e

plumas de filó. No final da década de 60, quando Pamplona trabalhava no Salgueiro, pediu que Marie Louise confeccionasse a bandeira para

o enredo de 1968: Dona Beija, a Feiticeira de Araxá. Junto com um grupo de costureiras do morro, Louise ficou seis meses bordando o novo

pavilhão salgueirense. O resultado foi o melhor possível: nota dez no quesito.

Radicada no Brasil, Marie Louise desenvolveu diversos trabalhos paralelos e afastou-se do carnaval com o tempo. No final da década de 60

e no início dos anos 70, participou da montagem de peças de teatro e alguns filmes nacionais, como Edu, Coração de Ouro, de Domingos

de Oliveira, e a Dança das Bruxas, dirigido por Francisco Dreux. Professora, deu aulas sobre figurino teatral, fez ilustrações para livros,

como em duas edições de Criança, Meu Amor, de Cecília Meirelles, e também deixou seu registro na literatura: A Evolução da Indumentária,

lançado na década de 90. Em 2003, quando o Salgueiro desfilou comemorando seus 50 anos, a figurinista e carnavalesca foi homenageada e

convidada a desfilar no abre-alas da escola. Aos 82 anos, ela vive atualmente em Copacabana em uma espécie de “apartamento-ateliê”.

Enredos de glórias e marias

A Força Feminina do Samba

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São quase 40 anos produzindo desfiles, seis títulos conquistados no

Grupo Especial e muitas histórias de carnaval para contar. Rosa Lúcia

Benedetti Magalhães colocou seu nome na história dos grandes desfiles

com um toque de irreverência e originalidade. Sua entrada no mundo

do samba aconteceu de forma inesperada. No início da década de 70,

Rosa era aluna do professor e carnavalesco Fernando Pamplona, na

Escola de Belas-Artes (EBA). A pedido da carnavalesca Maria Augusta

Rodrigues, Pamplona convidou alguns de seus alunos para desenhar

os figurinos que seriam usados no desfile do Salgueiro no ano de 1971.

O professor da EBA então selecionou alguns de seus pupilos e iniciou

os trabalhos. No entanto, uma das escolhidas saiu do grupo e Rosa foi

convidada para reforçar a equipe.

Ao lado de Maria Augusta Rodrigues, Lícia Lacerda, Joãosinho Trinta e

Fernando Pamplona, Rosa ajudou a desenvolver o enredo Festa para

um Rei Negro. A estréia não poderia ter sido melhor. Em sua primeira

participação no carnaval, o Salgueiro sagrou-se campeão, e o mestre

Pamplona e Maria Augusta apresentaram ao público uma safra talen-

tosa de novos carnavalescos.

Artista plástica, cenógrafa e figurinista, Rosa Magalhães tornou-se também

professora de cenografia e indumentária. Nascida e criada no bairro de

Copacabana, em janeiro de 1947, a carnavalesca cresceu sob o glamour

dos anos dourados. Durante a década de 70, desenhou em parceria com

Lícia Lacerda figurinos para a Beija-Flor e para a Portela, onde produziu

fantasias e alegorias para os enredos criados por Hiram Araújo.

Na década de 80, quando defendeu as cores da Império Serrano, Rosa

Magalhães começou a fazer a diferença no carnaval do Rio de Janeiro.

Ela comenta que o momento da criação é um momento solitário, único.

E numa dessas passagens, deu vida ao enredo Bumbum Paticumbum

Prugurundum, desenvolvido em parceria com Lícia Lacerda. Em uma

inspirada noite de 1981, Rosa estava lendo um livro em casa, quando

teve a idéia do enredo. Acordou os familiares para contar o que tinha

criado, mas nem deram muita atenção.

Na escola, alguns diretores não simpatizaram com a idéia, mas Rosa re-

sistiu. O enredo foi aceito, e o clima de desconfiança só terminou quando

os elogios se intensificaram. Um deles veio do poeta e escritor Carlos

Rosa MagalhãesDrummond de Andrade, que escreveu em um jornal que Bumbum Paticum-

bum Prugurundum era a onomatopéia mais linda que já tinha visto. “Se o

Drummond elogiou, ninguém tira (o enredo)”, brinca Rosa. O resultado final

do desfile de 82 está na história: a Império Serrano venceu o carnaval e Rosa

Magalhães se firmou entre os carnavalescos mais notáveis do Rio de Janeiro.

Em 1984, a dupla comandou o carnaval da Imperatriz e, junto com uma

comissão de carnavalescos, deu as primeiras alegrias à Tradição, escola

então recém-fundada e que teve acesso meteórico ao Grupo Especial. Nesse

ano, as carnavalescas receberam o Estadarte de Ouro na categoria person-

alidade. Em 1987, a dupla mais uma vez empolgou o sambódromo com o

envolvente enredo Tititi do Sapoti, na Estácio de Sá.

Paralelamente ao carnaval e às vezes afastada das festas momescas, Rosa

Magalhães desenhou figurinos para peças de teatro, para programas de

tevê, e lecionou na faculdade de Letras, de Arquitetura e de Belas-Artes

da UFRJ, onde se aposentou por tempo de serviço. Além de ter trabalhado

como diretora de arte na TV Globo, a renomada carnavalesca venceu, por

duas vezes, concurso para ornamentar as ruas do Centro durante o carnaval

e alguns eventos no Teatro Municipal.

Com quase 20 anos de experiência, em 1988, Rosa Magalhães decidiu fazer

seu primeiro carnaval sozinha, ainda na Estácio, e levou à avenida o enredo

O Boi Dá Bode. No ano seguinte, outro sucesso: Um, Dois, Feijão Com Arroz.

Em 1990 e 1991, Rosa voltou ao Salgueiro como carnavalesca e conquistou o

terceiro lugar e um vice-campeonato, respectivamente. Em 1992, dez anos

depois de seu primeiro título, a carnavalesca iniciou uma nova parceria,

desta vez, com a Imperatriz Leopoldinense.

O sucesso da parceria colocou o nome de Rosa Magalhães em definitivo

no grupo dos super carnavalescos e criou um laço que não parece ter fim.

A artista plástica e figurinista ajudou a Imperatriz na conquista de cinco

dos oito campeonatos da escola. Em 1994, a escola de Ramos desfilou com

Catarina de Médicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres e, em 1995, Mais

Vale um Jegue Que Me Carregue Que um Camelo Que Me Derrube, Lá no

Ceará. Nos dois anos, a Imperatriz deixou a passarela do samba com o grito

de “é campeã!”. A fase de ouro aconteceu na virada do século e marcou

o primeiro tricampeonato na era sambódromo. De 1999 a 2001, só deu

Imperatriz Leopoldinense e Rosa Magalhães na avenida do samba.

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Enredos de glórias e marias

Rosa Magalhães

A Força Feminina do Samba

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Gingado high-society

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Gingado high-society

Abençoada pela proteção de mamãe Oxum, Tia Ciata abriu seu terreiro para a alta sociedade carioca muito antes de o asfalto subir o morro e trazer para as escolas de samba personagens que freqüentavam os grandes salões na década de 60. Socialites, artistas, moradoras da Zona Sul, muitas mulheres tiveram que enfrentar a “cara feia” das comunidades e “dizer no pé” com maestria para conquistar um lugar ao sol num cenário originalmente dominado pelos negros. No caso de Isabel Valença, um dos grandes destaques da Acadêmicos do Salgueiro, a história fugiu à regra e talvez por isso tenha representado um marco para que a nata da sociedade tratasse o samba com o devido respeito.

Primeira cidadã afro-brasileira a concorrer no baile mais luxuoso da cidade, o baile de carnaval do Teatro Municipal, Isabel venceu a categoria luxo feminino do concurso de fantasias de 1964 com uma riquíssima representação de Xica da Silva, enredo do Salgueiro no ano anterior. Tornou-se um mito. Talvez a maior expressão da folia das elites daquela época. Com sua fantasia de Rainha Rita de Vila Rica, do enredo Chico Rei, Isabel foi aplaudida de pé, mas enfrentou, ao mesmo tempo, manifestações de racismo de algumas pessoas presentes, que não se conformavam em ver uma mulata de escola de samba em pleno salão do Municipal.

“Tomei cana pra abrir o apetiteEspremi limão no bacalhauNo meio do povo vi gente da eliteForrando a mesa com jornalNa TV preto e branco num cantoO Brasil fez um gol ninguém viuEnrolaram na antenaUm pedaço de Bombril.”

Bar da Neguinha

(Beth Carvalho)

A Força Feminina do Samba

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Em 1963, pisou, estonteante, na Avenida Presidente Vargas, como primeiro-destaque do Salgueiro, personificando a antiga escrava de Diamantina, em Minas Gerais. Xica da Silva seria representada pela atriz Zélia Hoffman, uma das mais famosas vencedoras do concurso de fantasias do Municipal. Entretanto, ao ver o figurino, ela desistiu e optou por uma roupa mais leve. Osmar Valença, marido de Isabel, pensou no nome da atriz porque sua mulher havia feito uma obrigação para Iansã e Omulu e não poderia desfilar. Por insistência do carnavalesco Arlindo Rodrigues, que, junto com Fernando Pamplona, comandava o desfile do Salgueiro, Isabel consultou seu pai-de-santo e aceitou o convite.

Muito antes de Isabel consagrar-se como Xica da Silva , do outro lado do mundo, em setembro de 1921, nascia uma mulher cuja maior excentricidade seria a paixão pelo samba. Casada com o megaempresário Horácio Klabin, Beki Klabin deixou de ser destaque somente nas festas de refinados clubes da década de 70 para brilhar na Portela. Conhecida por frases memoráveis, a socialite estreou no carnaval em 1975 ao lado de Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima, dois renomados destaques da época.

Nem tanto Isabel, mas um pouco Beki, Regina Esberard, a famosa Gigi da

Mangueira, também nasceu em berço de ouro, mas os problemas financeiros enfrentados pela família levaram-na até o morro da Mangueira, transformando-a numa personagem do carnaval da verde-e-rosa. Pele morena, olhos verdes, Gigi foi descoberta por Roberto Paulino, então presidente da Estação Primeira, quando já brilhava nas passarelas da moda. Aos 14 anos, foi trabalhar na Alice Modas, conhecida grife feminina em Copacabana e, convidada pela própria dona da loja, começou a desfilar. Da passarela, recebeu o convite para participar do espetáculo O Teu Cabelo Não Nega, de Carlos Machado, no qual mostrou talento para o samba. Dali até a escola de Cartola foi um pulo. O primeiro desfile ocorreu em 1962, com o enredo Casa-Grande e Senzala.

Cada uma no seu estilo, na sua cadência (e irreverência), Gigi, Isabel, Beki e outras mulheres criaram uma maneira peculiar de enxergar a vida. Por amor ao samba, provaram que vale a pena transgredir as normas, ou desafiar o próprio destino, quando a vontade de ser feliz é maior que a própria origem.

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Década de 60: a bela mulata protagonizou os anos

de ouro do Salgueiro. Foi nesse período que a escola

conquistou três campeonatos, apresentou enredos

e sambas memoráveis e contribuiu definitivamente

para a mudança dos desfiles das escolas de samba.

No entanto, a importância de Isabel Valença ultra-

passa todos esses feitos. Em 1964, representando

Xica da Silva, virou mito ao vencer o concurso de

fantasias do baile de carnaval mais luxuoso da

cidade, o baile do Teatro Municipal, obrigando a elite

carioca a tratar o samba com mais respeito.

Em 1963, Isabel Valença já tinha encarnado,

maravilhosa, a escrava de Diamantina na Avenida

Presidente Vargas, como primeiro destaque do

Salgueiro. Nesse ano, a escola inovou com 12 pares

de nobres que dançavam uma polca em ritmo de

samba, com coreografia de Mercedes Batista. Era o

minueto de Xica da Silva. O impacto foi irresistível

e ouvia-se, de ponta a ponta na avenida, o grito de

“já ganhou”. A escola havia investido 40 milhões

e 200 mil naquele desfile. Só a fantasia usada por

Isabel Valença custara 1 milhão e 300 mil. A peruca,

criação de Paulo Carias, era toda enfeitada com pérolas e media um metro

e dez centímetros de altura. A roupa tinha uma cauda de sete metros de

comprimento e as anáguas foram confeccionadas com armação de aço,

quando o normal seria arame.

O samba de Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho ecoava das vozes das

pastoras para o coração do público, que se emocionava: “...Apesar de não

possuir grande beleza, Xica da Silva surgiu no seio da mais alta nobreza. O

contratador João Fernandes de Oliveira a comprou para ser a sua compa-

nheira. E a mulata que era escrava sentiu forte transformação, trocando

o gemido da senzala pela fidalguia do salão...”. No dia 1º de março,

aniversário da cidade do Rio de Janeiro, a apuração apontou o Salgueiro

Isabel Valença

como grande campeão, com 95 pontos, oito à frente da Mangueira, que

conquistou o segundo lugar.

Isabel Valença virou um nome nacional. Ganhou reportagens em jornais

e revistas da época. Foi capa da Manchete. Reverenciada por autoridades,

saudou figuras ilustres e visitantes estrangeiros, como o Lord Mountbatten,

durante uma recepção em 1963. Participou de outros desfiles, incorporou

a Dona Beija, outro enredo famoso, e passou a fazer parte da história do

Salgueiro. Um dos grandes símbolos da vermelho-e-branco, Isabel morreu

em 1990.

A Força Feminina do Samba

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Regina Helena Esberard era uma típica jovem de classe média alta, sem

contar a beleza de seus olhos verdes, contrastando com a pele queimada

de praia. Nascida em Copacabana, em 1945, com oito anos foi morar em

Ipanema, na esquina da Rua Prudente de Moraes com a então Montenegro.

Seu pai, Charles Esberard, um alto funcionário público, saía diariamente da

repartição e batia ponto no antigo Veloso. Boêmio, embora não fosse ligado

à música, encantava-se com aquele festival de talentos que freqüentava o

bar, como Tom e Vinícius. Uma vez por mês, quando recebia o salário, fazia

questão de pagar três rodadas de chope para a rapaziada. Era uma festa.

Gigi da Mangueira

Gigi cresceu naquele famoso quarteirão e acha que a música Garota de I-

panema foi, na verdade, uma homenagem a todas as meninas que passavam

por lá. “Eu mesma era uma delas”, admite, sem modéstia.

Estudou no Colégio Jacobina, em Botafogo, um dos mais tradicionais do

Rio, e fez o ginásio no Brasileiro de Almeida, que pertencia à família de

Tom, de onde saíram artistas e intelectuais como Geraldinho Carneiro, Edu-

ardo Souto Neto, Marcos e Paulo Sérgio Valle, Paulo Jobim, Euclydes Marinho

e Maria do Rosário Nascimento e Silva.

Arrojada para a época, recorda quando, aos seis anos, usou um vestidinho

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de alça numa festa no colégio. Fazia muito calor e resolveu tirar o bole-

rinho. Pronto, foi o suficiente para levar um pito da diretora, Dona Laura

Jacobina Lacombe, e, ainda por cima, ao microfone, na frente de todas as

alunas: “Regina Helena Esberard. Faça o favor de colocar o bolero.” Um

vexame daqueles.

Com os problemas financeiros enfrentados na família, Gigi, aos 14 anos,

foi trabalhar na Alice Modas, conhecida grife feminina em Copacabana.

Começou como auxiliar de escritório e era obrigada a fazer o serviço de

contabilidade, mesmo sendo uma péssima aluna de Matemática. “Dona A-

lice me observava e, um dia, perguntou se eu gostaria de experimentar uma

roupa.” Daí para a passarela, foi um pulo. Foi num desses desfiles que ela

recebeu um convite para fazer o teste para o espetáculo O Teu Cabelo Não

Nega, de Carlos Machado, numa das mais belas homenagens a Lamartine

Babo, falecido naquele ano de 1963.

Quando o Rei da Noite perguntou se uma das candidatas sambava, foi

aquele silêncio, logo quebrado pela voz da jovem: “Eu sei.” O coreógrafo

era Juan Carlos Berardi, depois contratado pela Rede Globo. E Regina

Helena exibiu todo o seu talento. Sim, foi só a partir desse momento que ela

ganhou o apelido, dado pelo jornalista Eli Halfoun, da Tribuna da Imprensa,

numa crítica sobre o show. “...Tem uma morena que vai fazer sucesso...Da

Zona Sul, branca, de olhos verdes, chamada Gigi da Mangueira.” A beleza da

jovem chamou a atenção dos demais colunistas. Alguns, como Ibrahim Sued,

achavam-na parecida com a ex-primeira-dama Maria Teresa Goulart, que

chegou a vê-la no show.

Gigi já sambava e fazia suas incursões pela Mangueira. A primeira vez

que assistiu a uma apresentação da escola foi na quadra do Liceu Franco

Brasileiro, em Laranjeiras. Era um festival de folclore e ficou extasiada. Foi

quando um homem se aproximou e perguntou se ela gostaria de desfilar.

Era simplesmente Roberto Paulino, presidente da Estação Primeira de

Mangueira. Durante os ensaios, na antiga fábrica de cerâmica na Rua Vis-

conde de Niterói, ela aprendeu muito. “Lembro-me do bandido Mineirinho,

a primeira figura que vi por ali. Ele ficava o tempo todo trepado num muro,

vigiando a namorada, a Maria Helena, uma passista maravilhosa. E acabava

tomando conta de toda a escola. Era um bandido bem diferente dos que

hoje existem por aí”, comenta.

O primeiro desfile de Gigi na Mangueira aconteceu em 1962, com o

enredo Casa-Grande e Senzala. O último foi em 1984. Mas ela guarda boas

recordações desses 22 anos. Carlinhos Mussum (que, mais tarde, integraria

o grupo Os Trapalhões) foi seu primeiro parceiro, ao lado de Jonas da Silva.

“Formávamos um trio maravilhoso.” A verde-e-rosa lhe proporcionou belos

momentos. Seus dois filhos nasceram quase no carnaval e nem por isso ela

deixou de desfilar: Wilson, em 1º de fevereiro (hoje ator e publicitário), e

Rubens, 16 de janeiro (jornalista), afilhado de Dona Neuma e de Juvenal, ex-

presidente da escola. Quinze dias depois do parto, lá estava ela, na avenida,

com o mesmo requebrado e a ginga que levava o povo ao delírio.

“Durante muitos anos, fui absoluta na Mangueira. Mesmo quando a escola

resolveu instituir um concurso para passista, eu, já antiga, participei. Quem

aprovava era nada menos que o Mestre Delegado. Na minha época, não

havia títulos como rainha da bateria, musa da bateria. Considero benéficas

algumas mudanças, impostas pela grandiosidade do evento, como a parte

técnica, as alegorias. Mas, antigamente, os passistas, os mestres-salas e as

porta-bandeiras eram os grandes símbolos da escola. Hoje, é tanta estrela

que acaba desvirtuando o verdadeiro sentido de uma escola de samba”,

lamenta a diva.

Quando o sambódromo foi inaugurado, em 1984, ela já não desfilou. “Che-

guei lá, olhei as arquibancadas e me senti muito pequena diante daquela

imensidão. Sempre fui uma pessoa que fazia tudo o que o meu instinto e o

meu coração ditavam. Achei que deixaria de existir aquela interação com

o povo.” Gigi ainda marcou presença na Mangueira alguns anos, mas em

desfiles espaçados. Estava lá, usando uma roupa de diretoria, no ano em

que Tom Jobim foi homenageado, em 1992, com o enredo Se Todos Fossem

Iguais a Você. Um desfile inesquecível.

Além da passarela do samba, Gigi participou de vários programas de tele-

visão, chegou a ser contratada pela TV Excelsior e fez parte das Certinhas

do Lalau, a famosa lista de beldades criada por Stanislaw Ponte Preta. Está

casada desde 1964 com o produtor Wilson de Rezende e trabalha com ele

em alguns espetáculos. São dela, por exemplo, os figurinos criados para

o musical Sinatra para Sempre, que esteve em cartaz na Churrascaria

Plataforma.

Depois de passar 12 anos morando na altura do quilômetro 102 da

Rio-Teresópolis, Gigi deixou a serra e está de volta ao Rio, exatamente na

Avenida Marechal Rondon, bem perto da sua Mangueira.

A Força Feminina do Samba

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Uma das mais irreverentes portelenses, Beki Klabin nasceu em

Istambul, na Turquia, em 10 de setembro de 1921. Foi casada com o

megaempresário Horácio Klabin, com quem teve dois filhos e sete

netos. Apesar do divórcio, manteve com ele uma grande amizade.

Socialite, Beki ficou conhecida em todo o Brasil na década de

70, quando participava do júri do programa do Chacrinha. Nesse

período, namorou o cantor Waldick Soriano e desfilou na Portela,

sua grande paixão. Uma de suas presenças mais marcantes na

escola foi em 1975, ano de Macunaíma, Herói de Nossa Gente. O

enredo, a própria imagem do Brasil e um auto-retrato de nossa

sociedade, reuniu na avenida 3.500 foliões. No terceiro carro, vinha

Beki como destaque, tendo como companheiros Clóvis Bornay e

Evandro de Castro Lima. Tornou-se uma das figuras mais alegres do

carnaval carioca.

Sua excentricidade inspirou o autor Gilberto Braga a criar a

personagem Stela, interpretada por Tônia Carrero, na novela Água

Viva, exibida em 1980, na Rede Globo. Costumava brincar: “Assim

como Stela, detesto praia. Mas mando o copeiro buscar a água do

mar para jogar no meu corpo porque queima mais.” Outra frase

memorável: “O segredo de aproveitar a idade é cada um viver com

a que tem.”

Entre suas maiores paixões, estavam cães, Paris, Nova York e

Charles Aznavour. E a Portela, claro. Beki adorava promover festas,

reunindo a família e os amigos. Suas jóias chamavam a atenção por

onde passava. Quantas vezes, anéis, pulseiras e brincos cravejados

de esmeraldas deixaram os convidados perplexos. Certa vez,

comentou que, se ficasse paralítica, iria revestir a cadeira de rodas

com ouro Cartier.

Um dos grandes templos da noite carioca, o refinado nightclub

Vogue, na Avenida Princesa Isabel, em Copacabana, sempre saudava

a chegada de seus habitués com a canção preferida de cada um

deles. A de Beki era Never Let Me Go.

Beki morreu em agosto de 2000, na Clínica São Vicente, onde estava

internada, vítima de um aneurisma cerebral.

Beki Klabin

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Gingado high-society

A Força Feminina do Samba

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Grito preso na

garganta

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Grito preso na garganta

“A constelaçãoDe estrelas negras que reluzClementina de Jesus

Eleva o seu cantar feliz”

A grande constelação das estrelas negras

(Neguinho da Beija-Flor e Nego)

Antes de terem suas vozes eternizadas em versos inesquecíveis, cantados até hoje nas quadras e casas de show, muitas intérpretes, puxadoras, compositoras e ritmistas tiveram que derrubar a supremacia masculina das rodas de samba e alas de compositores, criadas por bambas. A vontade de cantar presa na garganta gerou timbres fortes e encantadores. Mesmo adiada, a liberdade tardia não tirou o talento dessas vozes. Pelo menos não no caso de Vó Maria, que só revelou-se cantora aos 92 anos, por incentivo das netas, que a levaram para uma roda de samba no Museu da Imagem do Som, Rio de Janeiro. Quatro anos depois, tirou nota 10 na prova da Ordem dos Músicos. Filha de lavrador e criada por uma família de médicos, Maria das Dores, nome na certidão, além de ser a segunda mulher de Donga - que compôs, na casa de Tia Ciata, Pelo Telefone, o primeiro samba gravado em disco -, foi casada com o jornalista João Conceição. Sua casa sempre foi freqüentada por ícones do mais autêntico gênero da música brasileira.

Outra que começou tarde a vida artística, mas não deixou que as dificuldades lhe impedissem de ocupar um espaço importante no rol das melhores intérpretes brasileiras, foi Clementina de

Jesus. Depois de trabalhar mais de 20 anos como doméstica, foi descoberta pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho, em 1963, que a levou para participar do memorável show Rosa de Ouro. Tina ou Quelé, como era chamada, começou a cantar aos 63 anos e teve uma carreira curta. Gravou jongos, corimás, lundus e sambas de raiz. Seu inconfundível timbre de voz eternizou sucessos, como Sonho Meu, em parceria com Dona Ivone Lara, diva de brilho similar. Num tempo em que não se aceitava a figura de uma mulher como compositora, Dona Ivone dependia do primo, o compositor Mestre Fuleiro, para divulgar suas composições. Fuleiro apresentava os sambas e partidos-altos como

A Força Feminina do Samba

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se fossem dele. Outra herdeira na dinastia das grandes vozes femininas do samba foi Jovelina Pérola Negra, que, antes de ser conhecida como grande partideira da escola da Serrinha, apresentou-se na noite durante quase dez anos.

Muito antes de Vó Maria, Clementina, Ivone e Jovelina, Chiquinha Gonzaga, abolicionista, republicana e feminista, deu passagem para todas essas mulheres quando compôs Ô Abre Alas, considerada a primeira marchinha carnavalesca do país. Numa época em que a mulher era considerada uma cidadã de segunda classe, Chiquinha foi referência como maestrina, pianista e compositora. Mesmo que se tenha dedicado aos ritmos importados da Europa, como polca, balada, valsa, xote e operetas, ousou na riqueza dos ritmos mais populares, como o lundu, o maxixe e o batuque, que ajudaram a compor a essência do samba. Antes de assumir as características atuais, as pessoas dançavam o ritmo ao som de um coro, de objetos de percussão e das palmas, e o dançarino chamava outra pessoa para o centro da roda para o encontro malemolente dos umbigos, a famosa “umbigada”. Após a abolição e a vinda dos escravos da Bahia para a capital, o ritmo tomou forma na casa das tias da Gamboa e da Saúde, incorporando tons da polca, do maxixe e do xote. Com o surgimento do rádio, em 1922, conquistou o mercado fonográfico e, definitivamente, a classe média, de onde vieram filhos como Noel Rosa, Ari Barroso, Orlando Silva e Carmem Miranda.

Nas décadas de 20 e 30, surgem o samba-enredo, o samba-choro e o samba-canção. É a música que embala os grandes blocos de carnaval, da Deixa Falar, da Estação Primeira de Mangueira e outras escolas que nasceram do desejo de conquistar o grande público em um espetáculo que ganhou a Praça XI e as avenidas. O samba incorporou o espírito democrático do carnaval, aceitando o sotaque regional da Bahia, o humor sarcástico dos paulistanos e o sentimentalismo de Lupicínio Rodrigues. Na década de 50, após a Segunda Guerra Mundial, o jazz americano trouxe um novo fraseado para o samba, que ganhou repercussão internacional. Vinícius e Baden Powell ainda estimularam o surgimento do afro-samba, mas nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho e Candeia resistiram às transformações e, ao lado de Chico Buarque de Holanda e Paulinho da Viola, resgataram o tradicional samba do morro. O mesmo resgate seria realizado nos anos 90, por obra de tias e avós da Velha

Guarda. Doca, Surica, Eunice, Áurea, Nina e outras pastoras que não deixaram a alma genuína do samba morrer diante de tantas transformações sociais.

Já os anos 70 trouxeram Martinho da Vila, João Nogueira e a irmã Gisa, Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes e Leci Brandão, nomes que dispensam apresentações e carregam muito da sapiência das mulheres que eternizaram o ritmo e inspiraram a nova geração do século XXI. Nesse rastro, destacam-se figuras como Teresa Cristina, ex-manicure, auxiliar de escritório, vendedora de margarina e vistoriadora do Detran. Carioca de Bonsucesso, filha de um feirante e de uma dona-de-casa, Teresa começou cantando no Bar Semente, na Lapa, e tornou-se uma das principais revelações do mundo do samba, em 2004. Ao lado do grupo que recebeu o mesmo nome do bar onde se consagrou, a menina que cantava de olhos fechados colheu frutos e revelou-se também uma ótima compositora.

Outra representante dessa safra de novas sambistas, a cavaquinista, bandolinista, cantora e compositora Nilze Carvalho começou a tocar cavaquinho aos cinco anos de idade. O pai, Cristino Ricardo, trompetista de orquestras do subúrbio, trocou o instrumento pelo violão e passou a acompanhar a filha, logo depois que o irmão mais velho a encontrou tocando ao cavaquinho Acorda Maria Bonita, de autoria de Volta Seca. A garotinha ainda usava chupeta. Dos 11 aos 14 anos, gravou, como bandolinista, a série de LPs Choro de Menina em quatro volumes. Aos 15, iniciou carreira internacional, tocando e cantando nos melhores teatros e casas de show da Europa.

Na história de cada uma dessas personagens, ecoam as reminiscências de um passado versado em prosa por bambas, soberanos na arte do canto mas que tiveram que engolir a seco o grito feminino preso na garganta. Foi esse mesmo grito que gerou a criatividade, a vontade de lutar por um lugar ao sol e o impulso que levou aos palcos um sem-número de vozes eloqüentes, serenas, embargadas, misto de alegria e contentamento, tristeza e esperança, reflexo de vidas que dariam um bom capítulo da grandiosa saga do samba.

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Grito preso na garganta

Filha de um lavrador, Maria das Dores Santos nasceu em Mendes, no

interior fluminense, em 5 de maio de 1911. Criada por uma família de

médicos, aos 10 anos, mudou-se para o Grajaú, onde morou até os 20,

quando se casou, em 1931, com Maciel Francisco dos Santos. Perdeu o

marido num desastre, dois anos depois. Passou a criar sozinha a filha

Nilza e foi trabalhar como tarefeira, numa fábrica de rendas.

Vó Maria, como se tornou conhecida, casou-se novamente com o

jornalista João Conceição, atuante no movimento negro. Sua casa era

freqüentada por ícones, como o senador Abdias Nascimento, o produtor

e pesquisador Haroldo Costa e o sociólogo Guerreiro Ramos. Dezessete

anos mais tarde, outra viuvez. Na década de 60, ela se tornou a segunda

mulher de Donga, co-autor do clássico Pelo Telefone, sucesso no

carnaval de 1917.

Na residência do casal, a música corria solta e Donga e Vó Maria

recebiam convidados como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, João da

Baiana e Benedito Lacerda. Mas, desde pequena, ela já tinha raízes no

samba. Não perdia as batalhas de confete da Rua Dona Zulmira, mas

só cantava em casa ou em reuniões com os amigos. O irmão tocava sax

na gafieira Elite. E sua mãe de criação queria que ela participasse do

programa de Ary Barroso.

A carreira artística de Vó Maria é um recorde. “Digno do Guiness”,

como ressaltou o crítico e pesquisador Ricardo Cravo Albin.

Incentivada pelas netas, que a levaram para as rodas de samba do

Museu da Imagem e do Som (RJ), ela estreou como cantora aos exatos

92 anos. Fez shows ao lado de Dona Ivone Lara e de outras cantoras

bem mais novas, como Mart´nália e Tânia Malheiros. Recebeu

numerosas homenagens, como o Mérito da Ordem Cultural, entregue,

em 2004, em Brasília, pelo ministro Gilberto Gil. Seu CD, Maxixe

Não é Samba, lançado em 2003, com produção de Marília Barboza

e direção musical de João de Aquino, é uma bela retrospectiva das

músicas que ela cantava quando criança.

Forte, lúcida e feliz com a sua trajetória no samba, Vó Maria mora na

Tijuca e está prestes a completar 96 anos.

Vó Maria

A Força Feminina do Samba

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Grito preso na garganta

Alguns a chamavam de Tina, outros de Quelé. O fato de Clementina Dias de Jesus ter iniciado

tardiamente sua vida artística, aos 63 anos, e com uma carreira curta, não a impediu de ocupar

um espaço importante no rol das melhores intérpretes brasileiras, embora nunca tenha sido um

sucesso em vendagem de discos. Nascida em 7 de fevereiro de 1901, no município de Valença, no

interior do Estado do Rio de Janeiro, ela mudou-se com a família para a capital, radicando-se no

bairro de Oswaldo Cruz. Casou-se em 1940 e foi morar na Mangueira.

Depois de trabalhar mais de 20 anos como doméstica, foi descoberta pelo compositor Hermínio

Bello de Carvalho, em 1963, que a levou para participar do memorável show Rosa de Ouro.

Estreou dois projetos que fizeram história no panorama musical carioca, o Seis e Meia, no Teatro

João Caetano, e o Pixinguinha, da Funarte. Com seu timbre de voz inconfundível e considerada

a rainha do partido-alto, foi homenageada por Élton Medeiros em Clementina, Cadê Você?

Freqüentou a Portela, sua escola de coração. Mas também desfilou na Mangueira, na Beija-Flor,

na Unidos da Tijuca e na Rosas de Ouro, de São Paulo.

Um de seus sete netos, Ubirajara Correa da Silva, mais conhecido como Bira de Jesus, aos 12

anos já empresariava a avó: “Convivemos bastante e, quando ela morreu, eu tinha 23 anos.” Bira

viajou com Clementina pelo Brasil todo. Antes dos shows, era ele quem pintava as unhas da avó,

penteava os seus cabelos e colocava-lhe os colares. “Ela era muito vaidosa”, comenta. “Chegava

a brigar com ela para não fazer muito esforço, por causa dos três derrames e de um infarto que

lhe abalavam cada vez mais a saúde.”

Clementina gostava de tomar café com manteiga para limpar a voz. Gravou Sonho Meu, com

Dona Ivone Lara, e, quando esta não podia estar presente aos shows, era Bira quem cantava a

segunda parte da música. O neto conta outras particularidades da avó. Era louca por Mercedes

Sosa e adorava escutar os discos da cantora argentina. Em uma de suas viagens, encontrou-se

numa recepção em Paris com Sophia Loren e foi chamada pela atriz de Mamma Preta.

Gravou também jongos, corimás e lundus, aprendidos com a mãe, uma lavadeira que gostava de

cantar. Cantando a cultura afro-brasileira, exerceu e ainda exerce um grande fascínio em muitos

artistas. Cantores como João Bosco, Mílton Nascimento e Alceu Valença registraram a voz de

Clementina em seus discos. Morreu em 1987, deixando um canto rouco, quase falado, em músicas

como Marinheiro Só, um de seus grandes sucessos.

Clementina de Jesus

A Força Feminina do Samba

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Dona Ivone Lara

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Grito preso na garganta

O pai, João da Silva Lara, era mecânico de bicicletas, além de violonista e integrante do Bloco dos

Africanos. A mãe, Dona Emerentina, pastora do Rancho Flor do Abacate. Yvonne Lara da Costa nasceu em

13 de abril de 1921. Órfã aos seis anos, foi internada por parentes no Colégio Orsina da Fonseca, na Tijuca,

onde permaneceu até os 17, quando foi morar na casa do tio, Dionísio, que pertencia a um grupo de

chorões e com quem aprendeu a tocar cavaquinho. “Quem me criou achava que eu não devia me meter no

samba, mas, sim, seguir meus estudos. Mas, como eu gostava de fazer meus versos, eu passava para o meu

primo, o Mestre Fuleiro, e ele os apresentava aos sambistas como se fossem dele. Nessa época, eu nem

freqüentava escola de samba...”

Dona Ivone Lara começou a compor com 12 anos. Uma de suas primeiras músicas foi o estribilho de

partido-alto Tiê-Tiê, nome de um pássaro de que gostava muito. Em outubro de 1947, foi morar em

Madureira e passou a freqüentar a escola de samba Prazer da Serrinha. Estudou música com Lucila

Guimarães, primeira mulher de Villa-Lobos, e cantou sob a regência do maestro. Casou-se aos 25

anos com Oscar Costa, filho de Alfredo Costa, presidente da Prazer da Serrinha. Nessa época, passou a

freqüentar a escola, onde aprimorou seus dotes de sambista e conheceu amigos como Aniceto, Mano

Décio da Viola e Silas de Oliveira, que, mais tarde, seriam seus parceiros em algumas composições. Com a

fundação do Império Serrano, começou a desfilar pela verde-e-branco.

Sua estréia oficial ocorreu em 1965, no clássico Os Cinco Bailes da História do Rio (com Silas de Oliveira

e Bacalhau), do Império Serrano. Participou das tradicionais rodas de samba do Teatro Opinião, no

Rio de Janeiro. É madrinha da ala dos compositores de sua escola e desfila desde 1968 pela ala das

baianas. Enfermeira, formou-se logo depois em Serviço Social, especializando-se em terapia ocupacional.

Independentemente da profissão, continuou a fazer suas incursões pelo samba, colecionando pérolas como

Alvorecer, Andei para Curimá, Acreditar e Agradeço a Deus. Explodiu em 1978, com o sucesso Sonho Meu,

em parceria com Délcio Carvalho e gravada por Maria Bethânia e Gal Costa. Lançou cinco elepês e ficou

dez anos fora dos estúdios, retornando ao chamado projeto Bodas de Ouro, de 1997, ao lado de Martinho

da Vila, Gilberto Gil, Djavan e Beth Carvalho.

Essa grande dama do samba apresentou-se em vários países da Europa, Américas do Sul e do Norte, Ásia

e África. Tem mais de 300 composições e coleciona títulos, medalhas e prêmios, como o Shell de MPB, em

2002, pelo conjunto de sua obra. Autora, cantora e instrumentista, ícone da música popular brasileira,

Dona Ivone Lara, hoje com 86 anos, ainda permanece na ativa, com a mesma maestria de sempre.

Dona Ivone Lara

A Força Feminina do Samba

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“Minha mãe era uma criança grande. Quando comprava uma boneca para mim,

era ela quem brincava.” O depoimento de Cassiana, 33 anos, filha de Jovelina Faria

Belfort, traduz bem o temperamento dessa cantora que - assim como Clementina

de Jesus, de quem se tornou herdeira na dinastia das grandes vozes femininas do

samba - trabalhou como empregada doméstica e foi revelada tardiamente. Embora

tenha nascido em Botafogo, na Zona Sul do Rio, em 1944, logo subiu para a Baixada

Fluminense e foi parar em Belford Roxo. Desfilou na ala das baianas do Império

Serrano e ficou conhecida como partideira, animando o botequim da escola da

Serrinha. Tinha paixão por Bezerra da Silva.

Custou-lhe ser reconhecida. Depois de se apresentar na noite durante oito anos, Jovelina

cantou na televisão, no programa Som Brasil, e um produtor a convidou para gravar

um disco. O trabalho não era só dela. Tinha também Zeca Pagodinho, Mauro Diniz,

Elaine Machado e Pedrinho da Flor. Eram 12 músicas num demo de vinil, chamado

Raça Brasileira. O pessoal da RGE não gostou e eles só conseguiram gravar porque um

diretor da gravadora decidiu bancar. Agradou em cheio. Depois vieram mais 11 discos.

Apaixonada pelo Império Serrano, ela interrompeu os desfiles por causa dos inúmeros

shows realizados por todo o Brasil. Cantou também em Angola, na França e no Japão.

Entre seus maiores sucessos, estão músicas como Bagaço da Laranja, com Arlindo Cruz e

Zeca Pagodinho, e Amigos Chegados, com Arlindo Cruz e Luizinho.

“Minha mãe sofreu muito”, conta Cassiana. Perdeu o marido para a comadre, que era

madrinha de seu irmão Alexandre. Tinha verdadeiro pavor de avião e recusou uma

viagem a Boston, nos Estados Unidos, porque naquela época havia acontecido a tragédia

que acabou com a vida do grupo Mamonas Assassinas, em 1996. Desde então, passou a

viajar sempre de ônibus. Cassiana também é cantora e cresceu ouvindo o grupo Fundo

de Quintal, Almir Guineto e Alcione. Sua madrinha no samba é Leci Brandão. Participa

do projeto Raça Brasileira - 20 anos, formado por parentes ou apadrinhados de grandes

bambas da música brasileira. Ao contrário de Jovelina, é mangueirense.

Cassiana se emociona ao falar da mãe. “Ela adorava brincar de correr com os netos

Rafael, Camila e Gabriel e achava que toda criança tinha que ser gorda. A Camila,

com três meses, comia geléia de mocotó e angu à baiana.” Jovelina já tinha a saúde

abalada. Toda a família era cardíaca. Mas nem por isso fazia dieta. Dificilmente

cantava dentro de casa. Gostava mesmo era de ficar no quarto, com o ar-condicionado

ligado, comendo meia dúzia de doces. E de qualidades diferentes. Jovelina Pérola

Negra morreu no dia 2 de novembro de 1998, aos 54 anos, no começo da madrugada,

de enfarte, enquanto dormia em sua casa no bairro da Pechincha, em Jacarepaguá.

Jovelina Pérola Negrra

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Grito preso na garganta

Jilcária Cruz Costa pode ser um nome inexpressivo no samba, mas, quando

a chamam de Doca, aí a coisa muda de figura. Referência feminina na Velha

Guarda da Portela, ela nasceu em 20 de dezembro de 1932. Sua família

era da Serrinha, templo do Império Serrano. O pai, Aragão, foi jogador de

futebol. Passou pelo Vasco da Gama, pelo Sírio-Libanês e pelo Andaraí, no

qual conviveu com Dondon, personagem de uma letra de Nei Lopes, cujo

samba fez sucesso na voz de Zeca Pagodinho. Já a mãe, dona Albertina, foi

a primeira porta-bandeira da Prazer da Serrinha e desfilou até a escola

desaparecer. “A família dela era rica, todas brancas de olhos azuis, gente

da alta sociedade”, lembra a pastora. “Foi a única que se casou com um

crioulo. Ninguém queria aceitar meu pai. Minhas tias se revoltaram.”

Muita gente acha que Doca é prima de Dona Ivone Lara, mas é um

parentesco por afinidade. “Minha mãe, caçula das irmãs, trabalhava fora e

me deixava na quadra da Serrinha. Tia Yaiá, sogra de Dona Ivone, era quem

me dava o almoço e passava a tarde inteira comigo e com outras crianças

que iam nascendo por ali.”

Criada na Favela de Pau Fincado, no Caju, bem em frente ao cemitério,

Doca teve uma vida difícil. Ainda criança, catava vidro para vender na Ilha

de Sapucaia. Junto com o irmão mais velho, apanhava caramujo e siri para

conseguir uns trocados. A mãe sempre dizia: “Trabalho não é vergonha para

ninguém.” Tempos de fogão improvisado em lata de barro, mas ninguém

passava fome. “Naquela época, a gente comprava 250 gramas de feijão, um

tostão de carvão. Agora, não tem mais isso não.”

Aos 13 anos, resolveu ingressar numa fábrica de tecidos, mas enganou a

idade, para conseguir o emprego. Logo depois, já era porta-bandeira da

Unidos da Congonha, em Vaz Lobo. O mestre-sala era Benício, que, mais

tarde, se tornaria o famoso par de Vilma na Portela. O apelido Tia Doca foi

dado por Zeca Pagodinho, que, ainda garoto, aparecia de vez em quando em

Oswaldo Cruz.

Doca casou-se com Altair, filho do compositor Alvarenga, um dos baluartes

da azul-e-branco, com quem teve 11 filhos, dos quais apenas três estão

vivos. Quando se separou, ficou desnorteada, mas preferiu ir à luta. “Não

queria ficar atrás de migalhas”, desabafa. Seu primeiro carnaval na Portela

teve nada menos que Candeia como compositor do samba-enredo Seis Datas

Tia DocaMagnas. Pastora, destaque, presidente de ala durante três anos e grande

amiga de Clara Nunes, Doca percorreu uma bela trajetória na escola.

Desfilou também na ala dos compositores e entre os diretores. Entrou para

a Velha Guarda por sugestão de Alberto Lonato, substituindo Vicentina, e

ainda hoje é uma presença marcante em todos os shows e apresentações da

escola. Esteve até em Roma, por conta da Portela.

O pagode em sua casa, mais conhecida como o Quintal da Tia Doca, já tem

mais de 30 anos. Lá ela sempre reuniu os amigos e quem mais chegasse.

“Vinha carro de tudo quanto era lado. Do meio-dia até as sete e meia da

noite. Fazia uma sopa de legumes e me orgulho de que nunca saiu um bate-

boca.” Foi assim que ela conseguiu sustentar os filhos, pagar a escola e tudo

o mais. Afinada e cheia de ginga, Doca também compõe. Seu partido-alto

Temporal foi gravado por ela no disco de Monarco, e o samba Orgulho Negro

ganhou destaque na voz de Jovelina Pérola Negra.

A Força Feminina do Samba

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Tia Surica

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Grito preso na garganta

Seu nome verdadeiro é Iranette Ferreira Barcellos. Mas, chegando em Madureira, podem perguntar por Surica, que todo mundo conhece. Nascida em 17 de

fevereiro de 1940, ela sempre viveu no bairro. É uma referência da Portela e sabedora de grandes histórias da escola. Com seu jeito brincalhão, simpatia

em pessoa, conta que ganhou o apelido ainda menina. Sem se incomodar com a estatura que Deus lhe deu – um metro e quarenta e seis centímetros – ela

reconhece: “Sempre fui gordinha e baixinha.” Certa vez, a avó, dona Amélia, resolveu bordar uma fronha com o nome de Suriquinha. Pronto, nunca mais a

chamaram de Iranette.

Surica diz que não entrou para a Portela. “Fui levada.” Começou a freqüentar a escola com apenas quatro anos, acompanhando os pais, que não saíam

da quadra. Ainda se lembra da primeira vez que vestiu uma baiana. Em 1957, junto com as pastoras Marlene, Conceição, Mocinha e Iramaia, gravou o LP A

Vitoriosa Escola de Samba da Portela. A partir daí, reverenciou grandes nomes do samba, como Paulo da Portela, Monarco, Candeia, Mauro Duarte, Paulo

César Pinheiro, Casquinha, Caetano, Chico, Ratinho, Tio Hélio, Nílton Campolino, Jorge Bubu, Chatim, Nei Lopes, Wilson Moreira e Cartola. No carnaval de

1966, a convite de Natal e Nélson de Andrade, puxou Memórias de um Sargento de Milícias, o único samba-enredo que Paulinho da Viola fez para a Portela.

Desde 1980, por indicação de Manacea, passou a ser uma das pastoras da Velha Guarda da azul-e-branco. Em 1986, gravou Velha Guarda da Portela -

Grandes Sambistas, pela Kuarup, lançado depois em CD com o título Doce Recordação, pela Nikita Music; em 1988, Homenagem a Paulo da Portela pelo selo

Idéia Livre; e, em maio de 1999, o belíssimo Tudo Azul, produzido por Marisa Monte. Cantou também com Zeca Pagodinho, Zélia Duncan, Vaguinho e Alcione,

além de Paulinho da Viola.

Mas o reconhecimento aconteceu mesmo em 2004, aos 63 anos, com o primeiro CD solo gravado pela Fina Flor, produzido por Paulão Sete-Cordas, incluindo

participações de Monarco, da Velha Guarda da Portela, e de Teresa Cristina. No repertório, inéditas de bambas portelenses e clássicos como Pintura sem

Arte, de Candeia, e Lama, de Mauro Duarte. “Infelizmente, meu CD tem mais saudosos do que vivos. Mas fico muito honrada em ter gravado músicas de

qualidade e de grandes compositores.”.

Mora até hoje no bairro onde nasceu, em uma vila na Rua Júlio Fragoso, bem próximo ao Portelão. Cozinheira de mão cheia, reúne centenas de pessoas no

quintal de sua casa, conhecida por Cafofo da Surica, palco de festas memoráveis, nas quais, além de uma boa roda de samba, podem-se apreciar os dotes da

anfitriã. As colaboradoras Irani, Márcia e Marli comandam a cozinha. Mas a dona é severa e, quando descobre algum namoro mais ousado ali, faz valer sua

autoridade. Recentemente, um júri formado por 30 personalidades elegeu a feijoada da Tia Surica como a melhor do Rio, junto com a do chefe de cozinha

do luxuoso Hotel César Park, Miguel Celso Vieira.

Fã assumida de Chico Buarque, ela diz que é solteira, “graças a Deus”. Perdeu dois casamentos pelo samba. “Estava noiva de Jaci, em 1966, com vinte e

poucos anos. Mas ele não gostava de carnaval e desconhecia que eu saía na Portela. Esqueci que já existia televisão até que ele me viu sambando na tela e

gritou: ‘O que faz aquela dama com dois valetes ao lado?’ Pronto, acabou tudo. Não me arrependo. Deus sabe o que faz”. O outro noivo foi Daniel. “Ficamos

juntos uns dois anos. Não era para casar. Gosto da minha vida independente, ninguém para me dar ordens.”

É do signo de escorpião. No aniversário, 17 de novembro, sempre rola um pagode na sua casa. Outra data festiva é 1º de janeiro. Mesmo tendo-se

apresentado em algum show na noite de ano-novo, ela faz questão de receber os amigos no dia seguinte. “É a ceia das sobras”, diz em tom bem-humorado.

Surica adora uma cervejinha, mas hoje bebe pouco. “A idade vai chegando”, reconhece.

Com a agenda cheia, ela nem liga para o cansaço. “Outro dia mesmo acordei às cinco da manhã para uma entrevista na televisão. Ao meio-dia, fui para

o Teatro Rival por conta da feijoada, e, à noite, já estava em Icaraí, para mais um show.” Quando está em casa, Surica gosta de brincar com a Pink, uma

poodle de estimação, com os dentes superafiados. “Perdi a conta de quantas pessoas ela já mordeu. Todo mundo que vem aqui sai com uma marquinha. Mas

o bicho só quer agradar e toma conta da casa direitinho.”

A Força Feminina do Samba

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Ela entrou para a Velha Guarda da Portela em 1975, pelas mãos de

Manacea e do compadre Alberto Lonato, que, ao lado de Argemiro,

formava uma bela dupla de pandeiristas. No teste de voz, foi aprovada

de primeira. Eunice Fernandes da Silva nasceu em Cascadura, na Rua

do Sanatório, em 24 de junho de 1920. Morou na Estrada Intendente

Magalhães e depois foi para Quintino. Costureira, trabalhou em vários

lugares, como a fábrica de linhas Borborema e a Ciatec, uma confecção

cujo modelista era o famoso Gil Brandão.

Já casada com Nicolau, com quem teve cinco filhos, Eunice se mudou

para Rocha Miranda. Aí começou a sua história na azul-e-branco, levada

por Paulo Benjamin de Oliveira, muito amigo de seu marido. Quando

se lembra de Paulo da Portela, fica bastante emocionada e diz que

ele representou muito para a escola e para a comunidade. “Eficiente,

generoso, não tinha ninguém assim.”

Eunice

Eunice chegou a pertencer à ala das baianas e sempre dançou muito bem.

Adora cantar. Do sambinha ao xaxado, passando pelas brincadeiras de roda

na infância, tudo é motivo para uma cantoria. Animada, ela se destacava

nos shows e contagiava todos com sua alegria. Hoje, aos 86 anos, mora com

a filha Alcilea e não se tem apresentado nos espetáculos da Velha Guarda

por conta de uma deficiência cardíaca. “Tenho o maior orgulho de ser

portelense”, diz em tom humilde.

Eunice ainda conserva seus dotes culinários, elogiados por todos os que

visitam a sua casa. “Do feijão com arroz, faço qualquer coisa”, conta a

pastora. Cozinheira de mão cheia, prepara uma farofa de dar água na

boca, com bacon, azeitonas pretas e bastante cheiro-verde. Mas uma de

suas melhores iguarias é a galinha ao molho pardo. Que o diga o saudoso

Paulo da Portela.

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Grito preso na garganta

Com 54 anos, é a mais jovem integrante da Velha

Guarda da Portela. Nascida em Madureira e hoje

morando em Rocha Miranda, Áurea Maria de Almeida

Andrade tinha tudo para ingressar no mundo do

samba, até mesmo pelas suas raízes: o pai, Manacea,

um ícone da azul-e-branco; a mãe, Dona Neném,

que, mesmo grávida, não dispensava uma folia. Áurea

sempre gostou de cantar. Heloísa Helena, a irmã

caçula, não tem muita afinidade com o samba. Já Ana

Maria, sobrinha de Dona Neném, mas criada como

filha, costuma desfilar.

Áurea fez sua estréia na Portela em 1970, quando a

escola foi campeã. Era uma fantasia de baianinha,

que ela própria desenhou. Integrou por muito tempo

a ala do Donga. Mestre no chocalho, é também

compositora. Seu samba Volta, Meu Amor é uma

das cinco parcerias feitas com o pai e integrou o CD

Tudo Azul, produzido por Marisa Monte para a Velha

Guarda da Portela. Outra bela música da dupla Áurea

e Manacea chama-se Vento.

Assistente social, formada pela Universidade Gama

Filho, Áurea trabalha há 20 anos no Hospital

Francisco da Silva Teles, antigo PAM de Irajá. Adora a

profissão, embora reconheça as inúmeras dificuldades

enfrentadas para ajudar as pessoas. Procura conciliar

a atividade na área da saúde com a música mas,

nem sempre é fácil, reconhece. Sorte dela é contar

com a compreensão dos colegas de trabalho e com

os próprios diretores quando precisa viajar com a

Portela. “Faço um acerto, reduzo minhas férias, mas

sempre dou um jeito.” Já esteve duas vezes na França

e existe uma possibilidade de viajar este ano para a

Inglaterra, para mais um lançamento do Tudo Azul.

Áurea

Casada, sem filhos, do signo de Áries e refinada, Áurea sempre acompanhou o pai e

pretende fazer um grande projeto sobre Manacea. “Não quero que o nome dele caia

no esquecimento”, comenta a pastora, que tem na família outros grandes baluartes do

samba. É sobrinha de Candeia, Aniceto, Miginha e Lincoln, este último irmão de Dona

Neném e parceiro de Paulo da Portela.

A Força Feminina do Samba

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Ivone Vieira Tavares nasceu em 1934, no dia 1º de outubro. Está no Império Serrano há mais de três décadas. Na nomenclatura antiga dos

sambistas, seria classificada como pastora. E foi como Tia Nina que ficou conhecida na escola e no mundo do samba. Foi por intermédio de sua

irmã, Nini, que era casada com o compositor Nílton Campolino, que Tia Nina ingressou na Velha Guarda Show do Império em 2000.

“Eu ia sempre visitar o Arlênio Lívio com a Lindomar e minha irmã Nini. Fazíamos aquele grupo para acompanhar o Campolino. Então, ele

falou: “Nós podemos montar uma velha guarda, mas eu só monto essa velha guarda se vocês ficarem à minha volta, porque eu confio e acho

que vocês têm a firmeza para segurar.” […] E começou a montar pequenininha a velha guarda, pequenininha que hoje está essa imensidão,

[…] graças a Deus, na casa da nossa família. […] E hoje em dia nós estamos aqui numa união só, que Deus nos trouxe.”

O maior orgulho de Tia Nina é fazer parte do seleto grupo das dez mais elegantes do samba. O capricho com a indumentária da Velha Guarda

Show do Império Serrano é uma marca forte da matriz imperiana, da qual Tia Nina é uma legítima representante.

Tia Nina

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Grito preso na garganta

Gisa NogueiraO amor pelo samba vem de família. Filha de Dona Neuza,

cantora amadora, e de João Batista Nogueira, advogado

e músico, que pertenceu ao regional de Rogério

Guimarães e era chamado por Pixinguinha de “mestre

no violão”, ela teve também outro bom motivo para

gostar do gênero: seu irmão João Nogueira, intérprete de

primeira grandeza e excelente compositor.

Adalgisa Maria Nogueira Machado nasceu em 15 de

dezembro de 1938. Ouviu muito Beth Carvalho, Elza

Soares e, claro, o irmão João. Começou a se entrosar

no meio. Em 1971, apresentou-se numa roda de samba

no Méier, onde morava, e Natal da Portela, que estava

presente, perguntou: “Quem é essa menina?” Assim, Gisa

chegou à escola de Oswaldo Cruz e fez parte da ala dos

compositores.

Gisa Nogueira compôs vários sambas de quadra e

resolveu seguir uma carreira solo. Clara Nunes gravou

Meu Lema, feito em parceria com João. Em 1973, foi a vez

de Beth Carvalho incluir Clementina de Jesus, também de

sua autoria, no disco Canto Para Um Novo Dia, lançado

pela Tapecar. E no elepê Pra Seu Governo, Beth gravou

outra composição de autoria de Gisa, Me Enganou.

Além do lançamento de discos e de ter suas músicas

gravadas por intérpretes do quilate de Clara Nunes e Elza

Soares, Gisa participa de shows em homenagem a João

Nogueira, como o belíssimo espetáculo apresentado no

Canecão, em 2001, sob a direção de Túlio Feliciano.

Costuma compor caminhando no calçadão do Leme.

Recentemente, fez uma valsa, que deve ganhar letra de

Paulo César Feital. Tem também um chorinho. Mas foi no

samba que essa carioca, que também é uma reconhecida

artista plástica, se firmou. Hoje, continua mais portelense

do que nunca.

A Força Feminina do Samba

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Alcione

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Grito preso na garganta

Considerada uma das maiores intérpretes do samba no Brasil, a maranhense Alcione Nazaré

nasceu em São Luís, em 21 de novembro de 1947, e herdou do pai, João Carlos, mestre da Banda

da Polícia Militar e professor, o gosto da música. Foi ele quem lhe ensinou a tocar clarinete, aos

13 anos. Professora primária, chegou ao Rio em 1968, quando passou a trabalhar numa loja de

discos. Cantou na noite, venceu duas eliminatórias do Programa Flávio Cavalcanti, trabalhou na

TV Excelsior, excursionou pela Argentina e pelo Chile e, na década de 70, já se destacava como

cantora. Ao longo de sua carreira, foi premiada com 19 discos de ouro. Recebeu, por dois anos

consecutivos, o Prêmio TIM, na categoria melhor cantora de samba, nas edições de 2004 e 2005.

Foi enredo da escola de samba Unidos da Ponte, no carnaval de 1994.

Mangueirense desde que aportou por aqui, Alcione foi uma das responsáveis pela fundação do

Bloco do Pagodão e da Mangueira do Amanhã em 1987, escola mirim inspirada na Império do

Futuro, da qual a cantora tinha sido madrinha. Com a intenção de criá-la, Alcione se reuniu

com alguns representantes da agremiação da Estação Primeira de Mangueira, como Chiquinho

(Francisco de Carvalho), Tia Jô, Dona Neuma, Dona Zica, Tio Jair e Dinorah da Vila Isabel, e foi

procurar o presidente, Carlos Alberto Dória. Disseram a ele que seria um trabalho voluntário,

sem ônus para a escola. Dória concordou. Assim, Alcione procurou o então presidente José

Sarney, seu conterrâneo, que lhe conseguiu o terreno, onde hoje fica a Vila Olímpica. Além deste,

Alcione também se destacou pela participação em outros projetos sociais na comunidade.

Hoje uma inciativa de sucesso, a Mangueira do Amanhã que começou a funcionar com oitocentas

crianças, já conta com 2000 integrantes. Desde o início, para ser membro da escola de samba

mirim, é necessário que as crianças estejam estudando, estratégia que ajuda a manter o interesse

pela escola, contribuindo para o futuro do pequeno componente.

A Mangueira do Amanhã também viveu seus momentos de projeção internacional. Bill Clinton,

ex-presidente dos Estados Unidos, durante uma viagem ao Brasil, chegou a visitá-la, em 1997,

arrastando uma multidão para o local.

Hoje, uma elite do samba da verde-e-rosa, formada por passistas, percussionistas, mestre-salas

e porta-bandeiras, todos foram garimpados na “Mangueirinha”. Há meninos que chegaram até

a ganhar dinheiro, sobrevivendo com apresentações de shows, fruto da aprendizagem na escola.

Em 2007, a Mangueira do Amanhã completa 20 anos.

Alcione

A Força Feminina do Samba

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Grito preso na garganta

Sétima filha de Amélia Gonçalves Nunes e Manoel Pereira de Araújo - mais conhecido como Mané Serrador em razão

da atividade que exercia na Fábrica Cedro & Cachoeira -, Clara Francisca Gonçalves nasceu em 12 de agosto de 1942

e desenvolveu desde pequena paixão pela música. Influenciada pelo pai, que, nas horas vagas, atacava de violeiro

e cantador de folias de reis, a menina órfã (seu Mané Serrador morreu quando ela tinha dois anos e a mãe, Amélia,

quando Clara completou quatro), mineira de Paraopeba, começou no bolero e acabou no samba.

Aos 16 anos, Clara chegou a Belo Horizonte, onde foi trabalhar na Companhia Industrial Renascença, fábrica

de tecidos. Cantou no coral da igreja no bairro no qual a empresa estava instalada e onde também ela morou,

apresentou-se em várias casas noturnas na capital mineira, entre elas a antológica Berimbau, e chegou ao Rio em

1965, onde participou de numerosos programas de rádio e de tevê. Em 1966, lançaria o LP A Voz Adorável de Clara

Nunes pela Odeon, o primeiro de uma série de 16.

Clara foi uma das maiores intérpretes da música brasileira e tratou de dignificar sambistas como Cartola, Nelson

Cavaquinho, Mauro Duarte, Noca da Portela, Monarco e Candeia, entre outros, ratificando o samba como gênero

legítimo da MPB.

O caso de amor com a Portela começou no final da década de 60 e de lá nunca mais saiu. Madrinha da Velha Guarda

da azul-e-branco de Oswaldo Cruz, Clara sempre fez questão de participar das rodas de samba e dos ensaios que

agitavam o Portelão, inaugurado em 1972. A pedido do mítico Natal da Portela, reforçou na avenida, por três anos

consecutivos, o coro de puxadores da escola, ao lado de David Correa e Silvinho.

No dia 5 de março, a cantora internou-se em uma clínica no bairro da Gávea, na Zona Sul da cidade, para uma simples

cirurgia de varizes. Teve uma reação alérgica e passou 28 dias no CTI, morrendo em 2 de abril, um sábado de Aleluia,

no auge de sua carreira, aos 40 anos. Seu corpo foi velado na quadra da escola por mais de 50 mil pessoas. Em sua

homenagem, a rua de Madureira onde fica a sede da Portela recebeu o nome de Clara Nunes.

A dor da perda foi expressa por Manacea com o samba Flor do Interior: “A Velha Guarda da Portela chorou, chorou

e até hoje ainda chora. Sua madrinha foi embora, só a saudade é que ficou, foi triste a despedida da flor Clara do

interior...”. Outro compositor, desta vez do Império Serrano, Aluízio Machado, prestou-lhe um tributo com a música

Clara. Clara Nunes foi também reverenciada por Alcione, que gravou o disco Claridade. No repertório, estavam as

emocionantes Canto das Três Raças, Menino Deus e Portela na Avenida, da dupla Paulo César Pinheiro, com quem foi

casada, e Mauro Duarte.

No carnaval de 1984, um ano após a sua morte, Clara foi lembrada no enredo Contos de Areia, representando sua mãe

Iansã. As homenagens à cantora seguiram-se ao longo dos anos, como no desfile de 1992. No último carro, que fazia

uma referência à Portela, lá estava uma imagem gigantesca da intérprete.

Clara Nunes

Clara Nunes

A Força Feminina do Samba

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Ex-bossa-novista, que se consagrou com Andança nos áureos tempos dos festivais,

Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu no Rio, em 5 de maio de 1946. Seu contato com

a música foi incentivado pela família, ainda na infância. Aos oito anos, ouvia emocionada

Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida, grandes amigos de seu pai. Sua avó,

Ressú, tocava bandolim e violão. Influenciada por tudo isso e pela participação em

festinhas e reuniões musicais dos anos 60, nascia a cantora.

Uma das características de Beth Carvalho é dar visibilidade aos músicos e compositores

do samba. Fez isso com Nélson Cavaquinho, gravando Folhas Secas, em 1975, e com

Cartola, ao lançar As Rosas Não Falam. Freqüentadora assídua de pagodes, revelou

nomes como Zeca Pagodinho, Grupo Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Almir

Guineto, Bezerra da Silva e Argemiro, entre muitos outros.

Embora seu coração seja mangueirense, ela sempre fez questão de incluir em seus discos

compositores de outras escolas, “porque, independentemente das cores de cada um,

quando se canta um samba, estamos cantando a poesia, a história e a beleza do povo”,

diz orgulhosa. Foi a intérprete que mais gravou autores da Velha Guarda da Portela, o

que lhe rendeu até uma placa recebida das mãos de Surica e Argemiro. Sua relação com

a escola começou em 1966, durante o show A Hora e a Vez do Samba, no Teatro Jovem,

na Praia de Botafogo. Ao lado de Beth estava o professor e filólogo Antônio Houaiss, que

dizia os textos, e o Trio ABC da Portela, do qual faziam parte Picolino, Colombo e Noca.

“Passei a freqüentar os ensaios da escola e, como não poderia deixar de ser, também

provei o feijão da Vicentina. Era demais.”

Na Mangueira, não foi diferente. Beth chegou ao morro para visitar Cartola e ouvir as

músicas do compositor. Transformou-se em ícone da verde-e-rosa. Madrinha da bateria e

da ala dos compositores, gravou mais de 70 sambas só da escola.

Beth Carvalho

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Grito preso na garganta

A Força Feminina do Samba

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Grito preso na garganta

Criada entre os berços dos grandes sambistas cariocas – Mangueira, Portela e Vila Isabel -, ela foi uma das primeiras

mulheres a integrar a ala dos compositores da verde-e-rosa, em 1972. Como cantora, surgiu no programa A Grande

Chance, de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi. Leci Brandão da Silva nasceu em Madureira, em 12 de setembro de 1944.

Formada em Direito pela Universidade Gama Filho, trabalhou na antiga Companhia Telefônica Brasileira e compôs sua

primeira música, Tema do Amor de Você, em 1965.

Em 1973, venceu o Segundo Encontro Nacional dos Compositores de Samba, interpretando Quero Sim, em parceria com

Darcy da Mangueira. No ano seguinte, além de gravar seu primeiro disco, um compacto simples para o selo Marcus

Pereira, seu samba-enredo foi classificado em segundo lugar na Mangueira.

Na década de 80, Leci Brandão permaneceu cinco anos sem gravar, período em que aproveitou para participar de

campanhas políticas e realizar shows em defesa das minorias. Desenvolveu sua carreira no exterior, apresentando-se no

Japão, na Dinamarca, na Angola e nos Estados Unidos. Trabalhou com o Grupo Fundo de Quintal e, em 1990, seu disco

Cidadã Brasileira recebeu dois prêmios Sharp.

Ao longo de sua carreira, gravou três compactos e mais de 20 álbuns. Em 2007, lançou, pela gravadora Indie Records, o

CD e o DVD Canções Afirmativas - Ao vivo, com participações especiais de Alcione e Jorge Aragão, entre outros intérpretes.

Atualmente, é comentarista de carnaval do desfile das escolas de samba de São Paulo.

Leci é daquelas mangueirenses convictas. Identidade mesmo. Daí, são só elogios à verde-e-rosa. “Há uma coisa de que a

Mangueira é exemplo e se diferencia: sua quadra é no pé do morro, o que acontece com poucas escolas. É uma questão

de não se afastar da comunidade”, explica. Segundo ela, outro lado positivo é o social. “Ela não deixou seu jovem

abandonado.”

Leci Brandão

A Força Feminina do Samba

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Primeira grandeza do

samba

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Primeira grandeza do samba

“Provei o famoso feijão da VicentinaSó quem é da Portela É que sabe que a coisa é divina ...”

Pagode do Vavá

(Paulinho da Viola)

Tia Vicentina era cheia de manias. Se preparasse uma macarronada para 300 pessoas, fazia questão de cozinhar o molho em uma só panela. Achava que a comida deveria ter um único sabor. Quando o cardápio era feijoada, também não era diferente. Nada de separar as carnes e o feijão. Ia tudo junto no mesmo panelão. Canja, por exemplo, ela não refogava. Colocava água no fogo e pronto: era só juntar a batata, os temperos e o frango. Todos os ingredientes ao mesmo tempo. “Assim, a galinha não esfarela e fica com uma cor só”, dizia. Mas tudo era providenciado com muito carinho e sem pressa. Seu festival de siri, por exemplo, começava às 10 da manhã e só ficava pronto às sete da noite. Mas valia a pena.

Cozinheira de mão cheia e irmã do lendário Natal da Portela, Vicentina do Nascimento, a Tia Vicentina, sabia como ninguém que, assim como a receita desanda se separar o feijão do toucinho, no samba, certos personagens também não têm como se separar da história da agremiação. Como falar da Estação Primeira de Mangueira sem lembrar Cartola? E como falar de Cartola sem citar Dona Zica? E como lembrar Dona Zica sem contemplar Dona Regina e Nilcemar? Tia Cecéia, Dona Neuma, Chininha, Guezinha, Cici e outras ilustres obreiras do samba deram suor, lágrimas e sorrisos pela escola do coração, sem cobrar nada de volta, e receberam apenas o reconhecimento público de serem essenciais para essa receita de sucesso não desandar. Dona Filó, da Vila Isabel, por exemplo, neta de escrava e também cozinheira de primeira, foi quem teve a brilhante idéia de montar na avenida uma mesa de três metros

A Força Feminina do Samba

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com comida de verdade para o enredo que comemorou, em 1988, os 100 anos de abolição. A platéia se fartou e a escola ganhou o campeonato, com nota dez em todos os quesitos.

Mas não foi só a Vila e a Mangueira, de Dona Nea e Tânia Índio, que fizeram de sua gente o maior troféu de todos os carnavais. Ao lado de Vicentina, da Portela, brilharam nomes como Tia Eulália, que emprestou o quintal da própria casa para a fundação da Império Serrano, e Dona Neném, fiel esposa de Manacea. Eulália chegou ao Morro da Serrinha, em 1908, quanto tinha apenas um ano. Menina, acompanhava os blocos, foi pastora de rancho e chegou até a fazer parte do coro. Jongueira, além de presenciar a fundação do Império, foi quem confeccionou a primeira bandeira da escola que abrigou também Dona

Olegária, primeiro destaque de luxo do país. Hoje, Olegária já não desfila mais por problemas de saúde, mas, durante 45 anos seguidos, foi uma das estrelas de primeira grandeza do Império Serrano.

Já a coreógrafa Mary Marinho inovou na avenida sob as mãos do marido, o jornalista Haroldo Costa, ao lado das irmãs, Olívia e Norma. Apaixonado pelo Salgueiro, Haroldo levou a mulher e suas cunhadas para desfilar na escola do coração e deu início à consagração das chamadas Irmãs Marinho. No carnaval de 1965, o trio introduziu elementos clássicos à coreografia, levando graça ao desfile salgueirense, pelo menos, durante 15 anos seguidos. Therezinha Monte também foi levada para a Unidos do Cabuçu pelo marido, dono de uma fábrica de madeira que montava carros alegóricos para escolas de samba.

Outras mulheres, como Zeza Mendonça, da Beija-Flor, perderam seus amores, mas mantiveram acesa a paixão que as une à escola. Quando o marido, João Antônio, morreu, em maio de 2003, Zeza pensou que o mundo fosse acabar. Embora não pertencesse ao samba, o companheiro a ajudava muito. Mas, como já era de esperar, Zeza deu a volta por cima. Hoje, é quase um patrimônio da escola. Como promotora de eventos, trabalha com shows e está sempre viajando com a Beija-Flor.

Há ainda as que se renderam aos caprichos de bambas de outras escolas, mas jamais traíram seu verdadeiro amor. Passista, intérprete e, hoje, presidente da Ala das Passistas da União da Ilha, Lande

Maria Ribeiro é casada há três décadas com o mestre Bira, da

Estácio, aprendeu a tocar chocalho, mas foi na Ilha onde se tornou rainha da bateria. Já Catarina vem fazendo bonito na Acadêmicos do Grande Rio, mas não tem sequer o apoio do marido, que não gosta de samba. Com a escola de Caxias, mantém uma relação extraconjugal que já dura 15 anos.

A lista de nomes que figuram entre as estrelas de primeira grandeza do samba é infinita. Cada uma com a sua pecualiaridade, essas personagens ultrapassam os limites das alas, sobrepõem-se às características dos enredos. Estão acima do bem e do mal. Intrínsecas, insubstituíveis, estão na comissão de frente, no carro abre-alas e na bateria, como Dona

Alzira, que se destacou durante anos na Vila Isabel, tirando um som imponente do reco-reco graças a um vergalhão de obra. Na mesma Vila de Noel Rosa, Pildes Pereira foi a primeira mulher presidente de uma escola de samba do Grupo Especial. Destaques, companheiras de bambas, porta-bandeiras, passistas, intérpretes, puxadoras e, às vezes, isso tudo e mais alguma coisa. Ângela Lyra, por exemplo, é fonoaudióloga, preside o Departamento Feminino, representa a ala das comunidades e toma conta de outras seis na Estácio de Sá. Uma proeza que deixariam orgulhosas sua avó Arlinda, porta-bandeira de bloco, e a mãe, Laurelina, costureira da comunidade de São Carlos. Heranças que mostram que a grandeza dessas estrelas é mais antiga do que a própria história do samba.

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Primeira grandeza do samba

Tia Eulália

Figura das mais carismáticas, nascida em São José do Além-Paraíba, em Minas Gerais, em 12 de março de 1908, Eulália de Oliveira Nascimento chegou

ao Morro da Serrinha, em Madureira, com apenas um ano, levada pelos pais, Zacarias e Etelvina. Ali, bem na Rua Balaiada, onde passou toda a sua

vida, ela protagonizou uma bela história e deixou um legado inesquecível. Tia Eulália, como carinhosamente era chamada, foi a primeira mulher a

fundar uma escola de samba, o Império Serrano.

Desde menina, ela acompanhava os blocos organizados pelo pai na Serrinha. Operária em uma fábrica de estopa, na Praça da Bandeira, saía como

pastora do Rancho Caprichosos da Estopa. Chegou a fazer parte do coro de outro rancho famoso, o Recreio das Flores, no bairro da Saúde. Em 1920,

foi pastorinha de Dona Lucinda, uma antiga habitante da Mangueira.

A vida de Tia Eulália confundia-se com a própria comunidade da Serrinha. Adepta do jongo por influência do marido, seu Nascimento, ela tornou-se

a personalidade feminina de maior destaque no local. Tudo começou a partir de um desentendimento na escola Prazer da Serrinha, comandada por

Alfredo Costa, que, no carnaval de 1946, resolveu desprezar o belíssimo samba Conferência de São Francisco, de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola.

Um grupo se revoltou e resolveu fundar, em 23 de março de 1947, bem no quintal da Tia Eulália, a escola de samba Império Serrano. Foi ela quem

confeccionou a primeira bandeira. Dois de seus irmãos, João Gradim e Sebastião Molequinho, se tornariam presidentes.

Tia Eulália adorava mostrar o terreno onde foi fundada a escola. “Tive glórias e tive tristezas”, dizia para todos. As filhas testemunharam o empenho

dessa grande dama: “Ela dormia e acordava só pensando no Império. Como mãe, também era dez.” Outra distração desse baluarte era cantar

jongos e, mesmo velhinha, sabia todas as letras. Na Procissão de São Jorge, uma das festas mais bonitas do Império, lá estava ela, com seus 95 anos,

dançando e conversando animadamente com todos. Na avenida, a matriarca liderava três gerações da família. Pâmela, a bisneta mais nova, aos 10

anos, já ensaiava os primeiros passos na Império do Futuro.

Um de seus maiores admiradores, Erik Cineasta, que adotou profissionalmente o nome pelo qual é chamado pelos companheiros da comunidade, logo

que começou a fazer cinema, prometeu um longa-metragem à grande dama do Império. E Tia Eulália sempre lhe cobrava. Assim, no carnaval de 2004,

ele filmou seu último desfile na Marquês de Sapucaí, com o enredo Aquarela do Brasil, reedição do samba premiado de Silas de Oliveira, em 1964. Tia

Eulália morreria no ano seguinte, aos 96 anos, de insuficiência respiratória. Madureira chorou.

A Força Feminina do Samba

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Irmã do lendário Natal, Vicentina do Nascimento nasceu no Rio, em 1914, e morreu em 1987. Solteira, foi uma das figuras mais representativas da Portela, eternizada nos versos de Paulinho da Viola em O Pagode do Vavá, composto em 1972: “...Provei o famoso feijão da Vicentina/Só quem é da Portela é que sabe que a coisa é divina...” É o maior exemplo de que a comida no meio do samba é uma espécie de ritual, quase sagrada.

Cozinheira de mão cheia, ela decorava seus pratos, enfeitando-os com salsa picadinha. Angu à baiana, mocotó, macarrão com galinha, canja, sopa, bobó de camarão e, claro, o delicioso feijão eram algumas das especialidades dessa quituteira que inspirou outras tias na cozinha da azul-e-branco, como a própria Surica. Depois que a comida ficava pronta, ela não perdia tempo. Lavava todas as panelas e limpava bem o fogão, deixando tudo organizado.

Com sua personalidade festeira, Tia Vicentina desfilou durante muitos anos na ala das baianas da Portela e trabalhou no barracão na confecção de diversos carnavais. Pertenceu ao grupo da Velha Guarda e só saiu quando foi convidada para assumir a cozinha da sede nova da escola, o Portelão. Adorava Clara Nunes, João Nogueira e o próprio Paulinho da Viola. Por causa de sua linda voz, participou como pastora da histórica gravação Portela, Passado de Glória, em 1970, ao lado de outros baluartes de sua escola.

Tia Vicentina

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Primeira grandeza do samba

Yolanda de Almeida Andrade é de 1925 e mora em Madureira desde os seis anos de idade. “Daqui não saio”, diz em tom firme. Dona Neném, como se

tornou conhecida na comunidade, saiu na Portela pela primeira vez aos 14 anos, levada por uma parenta de Manacea, a tia Flauzina. Com ela, ia também a

prima Nadir. Seu tio era o tesoureiro da escola. Não tocava nenhum instrumento. Gostava mesmo era de ir aos bailes e dançar. Trabalhou em um ateliê de

costura, no edifício Darke, no centro da cidade. Hoje, quase não pega numa agulha.

Manacea foi seu segundo namorado. Os dois se conheceram numa fábrica de gelo em Oswaldo Cruz. Ela, bem jovem, era frequesa da loja. Ele trabalhava

lá e volta e meia soltava uns galanteios para Neném. Os dois passaram a se encontrar, veio a paixão e casaram-se em 1951. Ela estava com 24 anos.

O casamento durou 44 anos. Quando lhe perguntam se foi feliz, Dona Neném costuma dizer: “Eu não colhi flores, mas também não colhi espinhos.” E abre-se

mesmo ao falar do relacionamento com o marido, falecido há dez anos: “Caseiro, foi bom marido, muito bom pai e não me dava motivo para ciúmes.”

Dona Neném ainda hoje é presença obrigatória na Portela, no carro da Velha Guarda. “Achei que não fosse desfilar esse ano. Em 2006, me deu um aperto

no coração e pensei: não vou sair mais porque posso passar mal na avenida.” Para alegria dos portelenses, tudo acabou bem. Ela está com uma saúde de

ferro e não dispensa o carnaval.

Bem-humorada, gosta das cores do Fluminense, mas admite que não torce. Seu negócio mesmo é a música, principalmente o samba cantado por Monarco

e pelo Neguinho da Beija-Flor. Sem contar as composições de Manacea, que foi um grande campeão de sambas-enredo.

Dona Neném

A Força Feminina do Samba

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Dona Zica“Pior que ser pobre é se entregar e não saber tirar de si mesmo a força que faz a vida valer a pena. A minha valeu.” A frase, exibida na entrada do Centro Cultural Cartola, inaugurado há três anos, na Rua Visconde de Niterói, próximo à quadra da Mangueira, expressa bem a personalidade de Euzébia Silva de Oliveira. Nascida em 6 de fevereiro de 1913, na Piedade, em pleno domingo de carnaval, ela logo foi chamada de Zica pela madrinha, Cabocla, por não gostar do nome da criança.

Filha de Euzébio da Silva, guarda-freios da Estrada de Ferro Central do Brasil, e da lavadeira Gertrudes Efigênia dos Santos, aos quatro anos mudou-se para a Travessa Saião Lobato, hoje conhecida como Buraco Quente. Brincava com as irmãs no rancho Pérola do Egito. Trabalhou pesado a vida toda. Seu primeiro emprego, ainda menina, foi o de empregada doméstica, em Copacabana, aos sete anos de idade.

Zica casou-se aos 19 anos anos com Carlos Dias do Nascimento. Foi morar com o marido e a sogra no bairro da Abolição. A primeira filha, Glória Regina, nasceu em 1933, e os demais, Reginaldo, Reinaldo, Ruth e Vilma, a intervalos de aproximadamente dois anos. Os três filhos do meio morreram ainda crianças. Depois de casada, continuou lavando e passando pra fora, até obter um emprego de tecelã em uma fábrica da Mangueira. Mais tarde, após um período como lavadora de pratos no Clube Embaixada do Sossego, passou a ajudante de cozinha.

Separou-se do marido – que se tornara boêmio e gastador – e voltou para a Mangueira. Pouco depois, Carlos faleceu de tuberculose e Zica viu-se com responsabilidade de criar sozinha suas duas filhas. Vilma, então, adoeceu e passou a precisar de cuidados constantes. Zica deixou o trabalho como cozinheira de restaurante e voltou a lavar e passar para fora. Vilma faleceu aos 22 anos.

Quando Cartola fundou, ao lado de Carlos Cachaça, cunhado de Dona Zica, o Bloco dos Arengueiros, que, em 1928, daria origem ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Dona Zica se encantou pela escola e nunca mais deixou de desfilar. Zica e o compositor Cartola se conheciam desde criança. Quando se reencontraram, ele estava desempregado e suas músicas, outrora grandes sucessos nas rádios, estavam esquecidas. Foram morar juntos em 1953. Zica tentou em vão reaproximá-lo do meio musical, arrumar-lhe um emprego e afastá-lo da bebida. Em 1956, o jornalista Sergio Porto reconheceu Cartola, que lavava carros numa garagem em Ipanema, e conseguiu-lhe um trabalho na rádio Mayrink Veiga.

No final dos anos 50, Zica conseguiu junto com o presidente das Associação das Escolas de Samba uma sede para a entidade. Era um velho casarão na Rua dos Andradas, no centro do Rio, desapropriado pela prefeitura. Zica e Cartola mudaram-se para lá como zeladores. De dia, o lugar funcionava como pensão; à noite, Zica fornecia quentinhas para os motoristas da Praça Mauá. Nos dias de reunião da Associação, Zica preparava sopa para vender aos sambistas; às sextas-feiras, os amigos apareciam para cantar um samba com Cartola e aproveitar as delícias de sua cozinha. Surgiu então a idéia de criar um restaurante, o Zicartola, na rua da Carioca.

O endereço tornou-se importante reduto de compositores e músicos. Dona Zica cuidava da cozinha, preparando pratos especiais. No dia 24 de outubro de 1964, o restaurante foi palco do seu casamento civil com Cartola. Apesar do enorme sucesso, o restaurante, atolado de dívidas, fechou as portas em 1965. Em 1974, o casal foi morar numa casinha em Jacarepaguá. Cartola morreu em 1980, vítima de câncer. Dona Zica voltou para a Mangueira.

Bastante comunicativa, Zica é a própria imagem da Mangueira e foi fundamental no processo de virada da escola, segundo a neta, Nilcemar Nogueira, vice-presidente do Centro Cultural Cartola. Incansável, era capaz de qualquer coisa para ajudar a verde-e-rosa. Esbaldava-se na avenida e, por onde passava, contagiava todos com sua alegria.

Em 2000, sua saúde já estava debilitada. Problemas de hipertensão e circulação, causados por diabetes. No carnaval de 2001, chegou a ser internada durante toda a tarde no dia do desfile na Marquês de Sapucaí, mas à noite saiu na Mangueira, para surpresa de todos. Dois anos mais tarde, exatamente em 22 de janeiro de 2003, aos 89 anos, uma parada respiratória interrompia o ciclo de um dos maiores ícones da Estação Primeira, escola que ela defendeu por toda a sua vida. “Eu sou feliz, muito feliz, nunca deixei nada me abater. Sigo em frente, procurando a beleza do caminho que estou pisando, mesmo que nunca mais volte a pisar nele outra vez.” Dedicando seu amor à Mangueira e à memória de Cartola, projetou-se como uma das maiores figuras do samba brasileiro.

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Primeira grandeza do samba

Dona Zica

A Força Feminina do Samba

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Glória Regina do Nascimento Nogueira nasceu no bairro do Jacaré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas morou na Abolição

até os sete anos de idade, quando se mudou para Ramos, na região da Leopoldina. Criada pela tia Guiomar, irmã de sua

mãe, Euzébia Silva de Oliveira, a Dona Zica, sua principal influência na paixão pelo samba, começou a participar ativamente

dos carnavais ainda nos blocos de Ramos, na década de 40. Foi nessa época que ingressou no antológico Bloco do Caneco,

que deu origem mais tarde ao Cacique de Ramos, um dos mais tradicionais blocos do carnaval carioca.

Glória casou-se aos 23 anos e, apesar de seu encantamento com o carnaval, o marido não admitia que desfilasse na avenida.

Nessa época, freqüentava, ocasionalmente, os ensaios e as festas especiais da Estação Primeira de Mangueira. Somente em

1972, já viúva, fez o seu primeiro desfile pela escola, que naquele ano veio com o enredo Rio, Carnaval dos Carnavais.

No ano seguinte, em 1973, desfilou como destaque no enredo Lendas do Abaeté. Logo depois, passou a integrar a Ala do

Embalo, composta apenas por mulheres e presidida pela ex-porta-bandeira mangueirense Maria José. Em 1975, Dona Regina

assumiu o comando da ala e, atendendo à reivindicação das demais componentes, transformou-a, em 1982, num grupo

misto, permitindo a entrada de maridos, filhos, namorados e amigos. Nesse período, a ala foi rebatizada com o nome

Amigos de Embalo.

O amor e a dedicação à verde-e-rosa traduziram-se durante muitos anos em trabalhos como costureira da Ala dos Periquitos

e presidente de ala na acalantada Mangueira do Amanhã. Hoje, Dona Regina é uma das figuras respeitadas entre os baluartes

da Estação Primeira de Mangueira, categoria especial de sambistas com relevantes serviços prestados ao mundo do samba.

Dona Regina

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Primeira grandeza do samba

Nilcemar Nogueira nasceu em Botafogo e passou sua infância no bairro de

Olaria, subúrbio da Leopoldina. Aos 14 anos, após o falecimento de seu pai,

Nílton Nogueira, foi morar com os avós maternos, o compositor Cartola,

fundador da Estação Primeira de Mangueira, e Dona Zica, cozinheira

afamada, uma das principais figuras femininas do samba. Foi naquele ano,

1975, sua estréia na passarela do samba. Convidada pelo diretor Moacir

Castelo Branco, mais conhecido como Melão, integrou a comissão de frente

da escola, que representava as musas do poeta Jorge de Lima, tema enredo

daquele carnaval. Nos três anos seguintes, permaneceu desfilando nesse

segmento da escola, passando, depois, a desfilar pela Ala dos Hippies.

Em 1982, fundou, juntamente com Solange Nazareth, irmã da cantora

Alcione, a Ala Acauã, grupo que ficou conhecido pela garra, organização e

alegria. A ala tornou-se uma das mais respeitadas do carnaval da Mangueira,

tendo atuações marcantes, como em 1987, com o enredo que homenageava

Carlos Drummond de Andrade – No Reino das Palavras –, quando

representou Charles Chaplin, ou, no ano seguinte, em 1988, com o enredo

Cem Anos de Liberdade - Realidade ou Ilusão, quando a ala interpretou os

garis, última da escola, que acabou por se misturar aos garis de verdade da

Comlurb. “Foi pura emoção”, lembra Nilcemar. Com a responsabilidade de

quem realiza desfiles com muito amor e dedicação à Mangueira – legado

de Cartola –, a consagração definitiva da ala veio em 2001, quando foi

escolhida para simbolizar a seiva do samba – a Mangueira, uma árvore de

tronco forte, que dá fruto a vida inteira.

Uma das fundadoras da escola de samba Mangueira do Amanhã, idealizada

pela cantora Alcione, Nilcemar foi autora do enredo da escola mirim no

carnaval de 2002 – Um Sonho de Liberdade –, que mostrava o embate

entre os brinquedos criativos e os jogos eletrônicos. Foi o último desfile de

sua avó, Dona Zica, que representou uma fada madrinha. No dia seguinte,

Zica foi internada por causa de uma pneumonia e não participou do desfile

da Mangueira, vindo a falecer em janeiro do ano seguinte.

Como integrante da direção da Estação Primeira, foi por várias gestões

diretora cultural, sendo uma das responsáveis pela reedição de A Voz do

Morro, primeiro jornal comunitário do Rio. Nilcemar foi a primeira mulher

a ocupar o cargo de diretora de harmonia da Mangueira, período em que

presidiu as Alas Reunidas. Atualmente, é madrinha da Ala dos Periquitos (ala

Nilcemar Nogueira

de apoio técnico, mais antiga da escola, composta por 50 homens), integra

a comissão de carnaval e orgulha-se do trabalho que desenvolveu como

coordenadora da Ala da Comunidade, que abre os desfiles da Mangueira.

Formada em Letras e Nutrição, pós-graduada em Gestão Institucional,

mestra em Gestão de Bens Culturais e Projetos Sociais pela Fundação

Getúlio Vargas (FGV), Nilcemar é hoje vice-presidente do Centro Cultural

Cartola - projeto idealizado por seu irmão, Pedro Paulo Nogueira -, onde

é responsável pelos programas de educação artística, inclusão social e

pesquisa, como a candidatura do samba carioca a Patrimônio Imaterial do

Brasil, entregue ao Instituto de patrimônio histórico e artístico cultural

(IPHAN/Minc), em dezembro de 2006. Autora do livro Dona Zica, Tempero,

Amor e Arte, Nilcemar é funcionária pública e professora do Instituto do

Carnaval, da Universidade Estácio de Sá.

A Força Feminina do Samba

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Dona Neuma

Considerada a Primeira Dama da Mangueira, Neuma Gonçalves

da Silva nasceu no subúrbio de Madureira, em 8 de maio de 1922.

Seu pai, Saturnino Gonçalves, foi um dos fundadores do Bloco dos

Arengueiros, que deu origem à verde-e-rosa. O tio, Arthurzinho,

era outro compositor da escola. Um dos maiores exemplos de amor

e dedicação à Mangueira, gostava de ajudar os mais necessitados.

Sempre foi apaixonada por crianças. Além das filhas - Eli, Helcy e

Márcia -, criou e educou mais 18. Fora os agregados, que passavam

o dia inteiro na sua casa e só iam embora à noite. Educadora nata,

alfabetizou várias crianças no morro da Mangueira. Quando morreu

seu marido, Alcides, ela estava com 50 anos e não quis mais saber

de relacionamentos. Dizia: “Igual a ele não vou encontrar. De

repente, se arrumo uma companhia, perco a minha liberdade.”

Sua casa, na Rua Visconde de Niterói, vivia cheia e era freqüentada

por muitas personalidades. Iam desde compositores, como Noel

Rosa e Heitor Villa-Lobos, até políticos, como Francisco Negrão de

Lima, embaixador e governador do antigo Estado da Guanabara, e

o ex-prefeito Pedro Ernesto. Sem falar em nomes como Tom Jobim e

Chico Buarque. Na década de 70, integrou o Conselho Superior das

Escolas de Samba, órgão fundado pela Associação das Escolas de Samba, por iniciativa de Amaury Jório.

Figura querida da Velha Guarda da Mangueira, Dona Neuma também teve seu lado cantora. Em 1937, participou do coro em duas gravações de Noel

Rosa, Quem Ri Melhor e Quantos Beijos. Em 1984, interpretou a faixa Brasil, Terra Adorada, de Cartola e Carlos Cachaça, no disco Cartola entre

Amigos. Quatro anos depois, a gravadora BMG lançou Chico Buarque da Mangueira, que homenageava os compositores da escola. Participou também

como pastora da faixa Capital do Samba. Em 1999, o CD Velha Guarda da Mangueira e Convidados, produzido pela Nikita Music, incluiu uma música

gravada por ela. Colaborou ainda no disco Mangueira, Sambas de Terreiro e Outros Sambas, produzido em 2000 pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio

de Janeiro. Além de conceder entrevistas e relembrar sambas de autores já falecidos, Dona Neuma emprestou sua voz a pérolas como Linda Demanda e

Fiquei sem Esperança (compostas por seu pai), Adeus, Mangueira! (Zé Espinguela), Eu Quero Nota (de seu tio Arthurzinho), Sorriso Falso (Zé Criança)

e Quem Se Muda pra Mangueira (Zé Com Fome), estas últimas ao lado de Nelson Sargento.

Dona Neuma era diretora feminina da Mangueira e responsável pela ala das baianas. Diabética, dizia para a família: “Quero morrer satisfeita, com

a barriga cheia.” Assim, comia de tudo, inclusive os deliciosos biscoitos recheados que ela pedia para comprar no Buraco Quente. Mas, na hora do

cafezinho, exigia adoçante. Morreu aos 78 anos, no Hospital Municipal Salgado Filho, vítima de um acidente vascular cerebral, após 11 dias em coma.

Seu velório foi realizado na quadra da escola. Para ela, a garra sempre foi o maior segredo da verde-e-rosa.

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Primeira grandeza do samba

Irmã de Dona Neuma, Ulyssea Gonçalves, nascida em 1923,

em Terra Nova, hoje subúrbio de Pilares, é outra referência na

Mangueira. Começou a desfilar aos quatro anos e, atualmente,

por conta de seus 83, sai no carro da escola. Nem por isso perdeu

a alegria e o entusiasmo de sempre. É do tempo dos ensaios na

casa do seu Júlio e sobre a verde-e-rosa ela costuma dizer: “Peguei

o bonde e fui em frente.” Como uma autêntica veterana, tem

histórias deliciosas. Participou de um show memorável no antigo

Cassino Atlântico, com apenas 15 anos. “Por causa da idade,

precisei até de autorização, mas valeu a pena”.

Outra boa recordação de Tia Cecéia aconteceu durante as

gravações, nos estúdios da Cinédia, de É Tudo Verdade (It`s All

True), o filme de Orson Welles que acabou nunca saindo, por causa

da censura no Estado Novo. O cineasta norte-americano, diretor do

clássico Cidadão Kane e apaixonado por carnaval, esteve por aqui,

em 1942, e gastou metros e metros de película registrando favelas

e o requebrado das mulatas, com olhar mais focado nas pessoas

e nos costumes do que nas paisagens e nos lugares-comuns. Mas

o cachê recebido na época, este, sim, Tia Cecéia não esquece. Só

para se ter uma idéia, seu salário na fábrica de chapéus onde

trabalhava, era de 90 mil réis por mês. E, por causa do filme, ela

recebeu 90 mil réis, por dia. Além da comunidade da Mangueira,

havia também vários artistas, como Dalva de Oliveira e o marido,

Herivelto Martins, e mais uma turma grande.

Tia Cecéia afastou-se dos desfiles aos 32 anos porque seu segundo

marido não gostava de carnaval. Com a morte dele, retornou à

avenida para prestigiar sua escola de coração. Muito apegada à

família, ela fala com orgulho dos filhos, todos formados. Wessley,

o mais velho, é médico; Ethel fez Ciências Contábeis; Sérgio cursou

administração de empresas, e Gloria é professora, economista e

advogada e a mais entusiasmada com a Mangueira.

Tia Cecéia

A Força Feminina do Samba

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Todas nascidas e criadas na Rua Visconde de Niterói, Chininha, Guezinha e

Cici são as três filhas de Dona Neuma. Eli Gonçalves da Silva, Chininha, é

a mais velha e nasceu em 6 de dezembro de 1943, graças ao trabalho de

uma das mais famosas parteiras da comunidade, Dona Lucinda. Vice-

presidente da Mangueira, já no terceiro mandato, assumiu o lado político

e administrativo da mãe. É a única que não mora no bairro, embora passe

todo o dia lá, por conta de suas muitas atribuições na escola. Tarde da

noite, vai para casa, no Engenho da Rainha, onde vive com o marido, Nílton,

que trabalha no Departamento Financeiro. O filho, Júlio César, sargento do

Exército, mudou-se há pouco tempo para Curitiba.

Em razão das próprias raízes, o samba virou uma religião na vida de

Chininha. “Minha mãe nunca me obrigou a freqüentar a missa. Mas sempre

tive que ir com ela para o samba.” Desfila desde criança. Quando fez 17

anos, durante a gestão de Roberto Paulino, ganhou mais responsabilidade

na escola, elaborando roteiros e tomando conta dos figurinos. “Minha mãe

nos educou da melhor forma possível. Lavava roupa pra fora para pagar

meus estudos num colégio particular. Fui uma privilegiada. Consegui fazer

o curso ginasial, o que era difícil por aqui, na época. Já, hoje, só não estuda

quem não quer”, observa. Chininha trabalhou 27 anos na Companhia de

Cerâmica Brasileira, onde atuou como auxiliar de escritório e secretária de

diretoria. Depois, esteve na Fundação Leão XIII, no setor de recolhimento de

população de rua. Aposentou-se aos 55 anos e dedica-se em tempo integral

à Mangueira, cuidando, até mesmo, dos projetos sociais da escola.

Helcy nasceu em 31 de julho de 1945 e, assim como Chininha, também

ganhou o apelido ainda criança. Hoje, só a conhecem por Cici. Seu tipo

de cabocla lembra mesmo Ceci, a personagem de José de Alencar, no livro

O Guarani. Parece uma índia, com a pele um pouco mais escura. Dizem

as irmãs que ela adora uma farra no cabelo, cada hora de uma cor. Cici

trabalha no Detran e, dentro da escola, sua atuação é das mais importantes.

Ela herdou de Dona Neuma o viés criança, da educação. Preside a Mangueira

do Amanhã, projeto fundado em 1987 e que hoje reúne mais de duas mil

crianças. Nem todas são da comunidade, algumas chegam de Inhaúma,

Deodoro, enfim, de tudo quanto é lugar.

Separada, é mãe de Neuci, outra figura de destaque na Mangueira. Quando

pequena, Neuci não gostava de estudar e, por conseqüência, não passava

de ano, contam as tias. Como castigo, a mãe impediu-a de desfilar. Mas

abriu uma brecha. Se quisesse, poderia sair na ala das baianas. A jovem

concordou e permanece até hoje, sendo responsável pelas 120 componentes

de uma das alas mais tradicionais da Estação Primeira. Além de selecionar

as integrantes, ainda acompanha os shows da escola. Viaja muito. Já esteve

na Inglaterra, na Itália e até em Santo Domingo, capital da República

Dominicana, durante os Jogos Pan-Americanos. Bastante expansiva, Neuci

tem três filhas: Ana Carolina (21), Ana Luíza (sete) e Ana Beatriz (quatro).

São as xodozinhas da vovó Cici.

Márcia da Silva Machado é a mais nova das filhas de Dona Neuma. Nasceu

em 15 de março de 1948. Por ter a pele mais clara, o padrinho a chamava

de “portuguesinha”. Daí para Guezinha foi um pulo. Faz parte da Diretoria

de Relações Públicas. Ela é quem recebe os visitantes e os inúmeros turistas

que procuram a escola. Dá duro desde cedo. Seu primeiro emprego foi aos

14 anos, quando trabalhou numa fábrica de bolsas em São Cristóvão. “Era

costureira, mas não gostava de costurar. A única coisa que adoro fazer

espontaneamente é sambar”, diz, orgulhosa.

Casada com Valmir há 35 anos, confessa que o marido “odeia samba”.

E dispara: “Por ele, eu ficava em casa vendo o programa do Gugu o dia

inteiro.” Mas, apesar disso, ele nunca teve ciúmes. Hoje, com a prole já

adulta – Adair (34) e Aline (26), além de Tatá, que está com 13, que cria

como se fosse filha, e mais dois netos -, Guezinha é a alegria em pessoa.

Já foi porta-bandeira mirim, passista e pastora de ala. Passou 15 anos sem

desfilar quando as crianças eram pequenas e hoje cuida do Departamento

Feminino da escola. Lembra-se de sua primeira viagem de avião com a

Mangueira. Confessa que teve medo. Foi em 1960, durante a inauguração

de Brasília. O samba, de Bregogério, compositor ainda vivo, não sai de

sua memória: “Perdão, senhor presidente, mas não irei para Brasília. Sei

que é uma grande obra e o progresso se renova para a nação brasileira.

Mas tenho um motivo forte: só deixar depois da morte minha querida

Mangueira...”. Emocionada, Guezinha lamenta: “Nós, sambistas, somos

anônimos. Hoje, os donos do carnaval são os artistas. Tem que ser ator,

atriz. Eu trabalho numa novela, que é a minha vida.”

Chininha, Guezinha e Cici

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Primeira grandeza do samba

Chininha

Cici

Guezinha

A Força Feminina do Samba

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É o destaque mais antigo da Mangueira. Nascida em 1943, no bairro de Laranjeiras, na Zona Sul da cidade, mudou-se para São Cristóvão e hoje vive

no Méier. Sua mãe desfilava nas grandes sociedades e ela, bem pequena, ficava deslumbrada. Chegou à Mangueira pelas mãos de Maria Helena, a

passista número um da escola. Era o ano de 1960 e Tânia, então com 17 anos, ia escondida da família. Quem a convidou para desfilar pela primeira

vez foi o ex-presidente da Mangueira, Roberto Paulino, que ela até hoje chama carinhosamente de Robertinho. Tânia tratou logo de confeccionar

a própria fantasia: uma escrava cor-de-rosa. Saiu descalça e, por conta disso, ficou cheia de bolhas nos pés. Mas o sacrifício valeu a pena: adorou a

experiência.

Numa época em que praticamente só existiam negras e mulatas na quadra, Tânia era uma das exceções. Assim como outras 14 companheiras de

escola, incluindo Marlene Arruda, Alice Gonzalez e Norma, já falecida, todas eram louras. “Mas não sofríamos nenhum tipo de preconceito e nem

existia a história da loura burra”, diz, em

tom de brincadeira.

Já saiu como destaque em alas do

Salgueiro e da Unidos da Tijuca e chegou

a desfilar no Grupo de Acesso, mas nunca

em outra escola que pudesse competir com

a Mangueira. Todos os anos é a mesma

emoção. “A voz quase não sai, me dá frio

e dor de estômago quando faço a volta

na primeira arquibancada”, diz. Antes,

as alegorias eram mais baixas. Hoje,

grandiosas, causam problema. “Na hora

que a gente passa embaixo do viaduto, é

preciso tirar o esplendor, para não bater.

Aquele viaduto ao lado do edifício Balança

Mas Não Cai é o terror de todo destaque”,

desabafa.

Separada, Tânia trabalha no Detran

desde 1971 e está prestes a se aposentar.

Participa dos shows da Mangueira para

turistas. Costuma guardar algumas

fantasias como relíquia. Tem, pelo menos,

umas 15 cabeças (enfeites) de que ela não

se desfaz. Às vezes, presenteia alguém do

Grupo de Acesso. “Não dá para ficar com

todo o figurino no armário”, justifica.

Tânia Índio do Brasil

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Primeira grandeza do samba

Durante anos, ela abalou o carnaval do Rio, ao lado de Olívia e Norma, cariocas eternizadas no mundo do samba como as Irmãs Marinho. Bailarinas

de formação clássica, belas mulheres e bem nascidas, corpos esculturais, as três ocuparam espaço nas escolas, depois de já terem sido consagradas

em shows pelo mundo inteiro.

Tudo começou quando Maria Luíza, a Mary, na época com 18 anos, e Olívia, aos 16, passaram a fazer parte do elenco da Companhia Brasiliana,

viajando por muitos países. Depois, foi a vez de Norma, a mais nova, integrar-se ao grupo. Na América do Sul, estrearam no Chile e só não chegaram

ao Paraguai e à Bolívia. Ficaram quatro anos longe do Brasil. Trabalharam com Carlos Machado e participaram dos memoráveis shows do Night and

Day, do Hotel Serrador e do Copacabana Palace.

Mary conheceu Haroldo Costa, jornalista e figura de destaque no show business. Viajou por todo o país com o elenco do produtor e os dois se

casaram. Foi em 1956, ano em que ele protagonizou Orfeu da Conceição, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. São felizes até hoje. O responsável

pela apresentação das três irmãs ao universo das escolas de samba foi um italiano, mas carioca de coração, o cartunista Lan, que começou a namorar

Olívia, com quem mais tarde se casou. Vivem juntos há 47 anos. Apaixonado pela Portela, Lan introduziu as meninas na azul-e-branco, em 1961.

Mas a consagração das Irmãs Marinho no carnaval aconteceu em 1965, no Salgueiro, escola querida de Haroldo Costa. A passagem das três bailarinas

era esperada com ansiedade pelo público. Acrescentaram à coreografia elementos clássicos e cada uma delas se destacava de uma forma. Mary

gostava do “bofetão”, desenvolvido a partir do miudinho, passando pelo samba-de-roda. Olívia era adepta do partido-alto e Norma evoluía com um

rasgado. Seus estilos inconfundíveis levaram graça e charme ao Salgueiro durante 15 anos.

“Não existe maior emoção do que entrar na avenida”, reconhece Mary Marinho, ao se lembrar do grande desfile da Portela de 1970, com Lendas e

Mistérios da Amazônia, ainda na Rio Branco. “Gastávamos uma sola de sapato inteira no desfile”, recorda a bela dançarina.

Atualmente, Mary já não desfila no Salgueiro, mas continua torcendo pela escola, junto com o produtor, diretor de rádio e tevê, criador de

espetáculos, jornalista e autor de livros Haroldo Costa. “Passou a minha época”, diz. Modéstia. Coreógrafa de primeira, ela ainda empresta seu talento

até hoje a diversos shows, inclusive os promovidos pela companhia do marido.

Mary Marinho

A Força Feminina do Samba

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Ela nasceu em 1949, em Caxias. Com seis anos, já desfilava na

Cartolinhas, uma escola de samba do município da Baixada. Aos 11,

passou a porta-bandeira. Depois, foi convidada para ingressar na

Unidos da Capela, hoje Unidos de Lucas. Em 1972, segunda-porta-

bandeira. Em 1980, já era a primeira.

Com o surgimento da Escola de Samba Acadêmicos do Grande

Rio, em março de 1988, resultado da fusão de quatro escolas de

Caxias, Helenice Catarina Valles dos Santos vem fazendo bonito

na agremiação. Instrutora, é ela quem toma conta das crianças,

tendo sob a sua responsabilidade 16 casais, entre 10 e 16 anos.

Trabalha com eles o ano todo. Em abril, já começam os ensaios para

o carnaval. Além disso, cria e confecciona as fantasias. Costureira

experiente, já tinha trabalhado numa fábrica, onde chegou a fazer

roupas de quadrilha junina.

A rotina de Catarina na Grande Rio já dura 15 anos. Seu marido, Jair,

que está aposentado, não gosta de samba e, por isso mesmo, não a

incentiva. Mas Catarina nem liga. Seu filho é o segundo mestre-sala

da escola. E ela se orgulha com os resultados que vem alcançando.

Verônica, por exemplo, foi sua pupila e hoje é porta-bandeira da

Imperatriz Leopoldinense. Janaína, a segunda porta-bandeira da

Beija-Flor, também. Cíntia hoje está na Acadêmicos de Santa Cruz .

“É um orgulho. A gente cria esses jovens para o amanhã”, comenta.

Filomena Martins Silva, caçula de 12 irmãos, é de Ubá, em Minas Gerais.

Nasceu em 1950 e veio para o Rio com cinco anos. Foi criada no bairro 25

de Agosto, em Caxias, na Baixada Fluminense, e morou depois em Piabetá.

Empregada doméstica, trabalhou durante 20 anos na casa da avó de

Gabriel, O Pensador, na Tijuca. Era uma espécie de governanta. Foi ela quem

preparou a primeira sopa do rapper, que a apelidou de Fi. O menino batia o

prato todo. Cenoura, beterraba, batata e inhame.

Filó chegou à Vila Isabel em 1969. Começou a desfilar na escola, por

intermédio de Aparecida Brasil, diretora do Departamento Feminino. Em

1987, na gestão de Ruça, ela foi comunicada por Martinho da Vila de que

o enredo do ano seguinte ia comemorar os 100 anos da Abolição. Neta

de escrava e cozinheira de mão cheia, teve uma bela idéia: montar na

avenida uma mesa enorme, de três metros, com comida de verdade. Tinha

de tudo: cabrito, porco, 120 frangos assados, sardinha frita portuguesa

(a verdadeira), vatapá, caruru, bobó de camarão, xinxim de galinha,

moqueca de peixe, feijoada, farinha de milho e pirão à cabidela. Mais os

doces, como laranja-da-terra, batata-roxa e moranga com coco. Quando

Filó entrou na avenida, começou a distribuir a comida para o pessoal das

arquibancadas. Um sucesso. A Vila ganhou o campeonato, com nota dez

em todos os quesitos.

“Acho que a Vila Isabel nunca teve um carnaval como aquele. Foi a festa

da raça”, relembra Filó. Bem, ela ganhou o reconhecimento de todos e

Martinho a consagrou cozinheira oficial da escola. Passou a preparar todos

os banquetes da Vila, onde permaneceu até 2002. Tornou-se conhecida no

exterior. Em suas viagens, Martinho levava o vídeo do inesquecível desfile de

1988. Filó virou até tese de mestrado.

“Hoje, nossa presença não é mais importante para a escola e ninguém abre

espaço para a comunidade da antiga”, lamenta a quituteira, casada há 38

anos, um casal de filhos e dois netos, Jonas, sete, e Isabela, 13. Filó é dona

de um bufê, com vários clientes no Rio de Janeiro.

Catarina Filó

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Primeira grandeza do samba

A Força Feminina do Samba

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Dulcinea de Oliveira Paz nasceu em 26 de abril de 1938 num lugar chamado

Vista Chinesa, atrás da quadra da Mangueira. “Era uma ladeira sem asfalto.

As pessoas subiam e caíam. Hoje ficou conhecido como Três Tombos”, conta a

bem-humorada Dona Nea, em sua casa no Buraco Quente. A parteira, Dona

Virgínia, era mãe de Cristolina, um dos baluartes da escola, que morreu

recentemente.

O pai de Dona Nea se chamava Manoel, tinha o apelido de Gasolina e fazia as

sandálias das baianas. Filha do meio, ela seguiu os passos da mãe, que saía na

escola. Começou no infantil. Aos 13 anos, batizou a ala da juventude e, depois,

a ala dos boêmios. “Fui madrinha, rainha, fui tudo aqui”, conta emocionada.

Casou-se e, em 1968, fundou a Ala Depois eu Digo, que existe até hoje. Era o ano

do enredo Samba, Festa de um Povo. Sua primeira fantasia foi inspirada numa

baiana estilizada de Gigi da Mangueira, estampada na capa de uma revista.

Dona Nea desfilou durante 26 anos na ala das mimosas, comandada por

Chininha, filha de Dona Neuma. No carnaval de 2007, infelizmente, ela

quebrou a tradição. Doente, assistiu à Mangueira pela televisão, rodeada

dos irmãos, que prepararam um churrasco para a grande noite. A família

sempre prestigiou a verde-e-rosa. De seus quatro filhos, uma foi passista; dois,

ritmistas; e um, mestre-sala mirim. O marido é do Conselho Deliberativo Fiscal.

O carnaval que mais a emocionou foi com o enredo Yes, Nós Temos Braguinha,

em 1984, ano da inauguração do sambódromo, quando a Mangueira foi

declarada supercampeã, computando dois títulos em sua galeria – o de

segunda-feira e o de sábado das campeãs. Espirituosa, apesar da saúde

debilitada, Dona Nea provoca: “Sabe qual é a minha segunda escola? É a

Mangueira do Amanhã.”

Memória afiada, Dona Néa se recorda dos tempos em que não existia

manutenção na quadra. Ao lado da matriarca Dona Neuma e de outras

voluntárias, ela tinha o maior prazer em assumir essa tarefa, deixando tudo

limpinho. O mesmo acontecia com a cozinha da escola, principalmente, em

dia de feijoada. Na época, era um grupo de 30 mulheres. Com o crescimento

da escola, o trabalho passou a ser executado por uma equipe terceirizada.

Mas a turma cresceu e elas continuam mais unidas do que nunca. Hoje, são 60

mangueirenses que se reúnem sempre no final de ano em uma churrascaria

da Zona Norte.

Dona Nea

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Primeira grandeza do samba

Pernambucana, Zeza nasceu em 1953. Saía nos blocos de Recife, foi eleita

rainha do carnaval e lá conheceu Jesus Henrique, primeiro destaque

masculino da Beija-Flor, com quem trabalhou muitos anos. Quando chegou

ao Rio, já estava totalmente entrosada na folia, participando de bailes

e concursos de fantasias. Aqui, freqüentou várias escolas, saiu no Bafo

da Onça, mas a Beija-Flor tinha um sentido especial. “Como se fosse um

clique”, explica. Um dia, ela resolveu ir a Nilópolis falar com Joãosinho

Trinta. Neste trajeto, foram três ônibus. De Copacabana, onde morava,

até a Praça Mauá. Outro para o município da Baixada e, finalmente, o

terceiro, que a deixou no barracão da escola. Com apenas 1,60 m, sabia

que Joãosinho preferia mulheres mais altas. Ela se encheu de coragem e se

ofereceu para ser destaque. Tirou as medidas, começou a ir aos ensaios e

lá estava Zeza pronta para desfilar.

Essa história começou em 1976 e, desde então, Zeza é quase um patrimônio

da escola. Como promotora de eventos, trabalha com shows e está sempre

viajando com a Beija-Flor. Conhece países exóticos, como a Tailândia. Em

1997, esteve em Mônaco, no Palácio dos Grimaldi, e se orgulha de ter feito um

show para o Príncipe Rainier III, falecido oito anos depois.

Quando o marido João Antônio morreu, em maio de 2003, Zeza pensou

que o mundo fosse acabar. Ele não pertencia ao mundo do samba,

mas a ajudava muito. “Era minha cara-metade”, lembra. No carnaval

seguinte, comandado por Mílton Cunha, a Beija-Flor rendeu-lhe uma linda

homenagem, em plena avenida.

Zeza mora há 16 anos na Rua Gomes Carneiro, divisa de Copacabana com

Ipanema, e está até hoje na Beija-Flor. No carnaval de 2007, saiu no primeiro

carro, como Iansã. Uma bela fantasia assinada pelo estilista Silvinho Fernandes.

Do samba, ela tem sempre uma história pitoresca para contar. Na década

de 80, houve um espetáculo no Hotel Méridien para Roger Moore, ator

americano que interpretou James Bond de 1973 a 1985 e visitava o Rio. Zeza

trabalhava, na época, com Haroldo Costa e era uma das atrações do show.

Usava um vestido longo, de cauda, com o desenho da calçada da praia de

Copacabana e, quando subiu ao palco, um músico, sem querer, pisou na sua

roupa. O tombo foi imediato. Estatelou-se no chão, mas, ao invés de vaias,

recebeu palmas. Foi aplaudidíssima. Zeza não esquece aquela noite.

Zeza Mendonça

A Força Feminina do Samba

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Sob o signo de Leão, Therezinha Monte de Almeida Coelho é

de 1944. Nasceu na famosa Rua Dona Zulmira, a das batalhas

de confete, em Vila Isabel. Jornalista, trabalhou nas revistas

O Cruzeiro e Desfile, no antigo O Jornal e na também extinta

TV Tupi. Sua história com o samba começa na própria casa,

influenciada pela governanta, dona Tereza, libertada pela Lei do

Ventre Livre, que costumava sair na Deixa Falar.

Depois, já morando no Riachuelo, Terezinha observava um

negro muito forte e bonito que passava pela rua fantasiado.

Curiosa, um dia, com seus 12 anos, a menina perguntou:“Aonde

você vai?” “Vou sair na Portela”, respondeu o rapaz. Nunca

mais esqueceu. O tempo passou e ela começou a namorar Luís

Coelho, que se tornaria seu marido. Por ser industrial e dono

de uma fábrica de madeira, montava carros alegóricos para

escolas de samba, inclusive a Mangueira e a Unidos do Cabuçu.

E, quando ele chegava atrasado aos encontros, na casa dela,

a culpa era sempre da Cabuçu. Até que Therezinha, que antes

desfilava na Vila Isabel, encantou-se com a escola e começou

a sair, em 1976. Ainda se lembra de seu primeiro enredo, O

Reisado na Terra das Alagoas, em que usava uma fantasia de

Senhora Dona de Casa. Ela abria o desfile e, naquele ano, a

Unidos do Cabuçu passou para o Grupo Especial.

Foram tempos inesquecíveis, incorporando personagens

históricos, como Dona Margarida da Áustria e Princesa Isabel.

Virou carnavalesca da escola, junto com mais três companheiros.

Em 1982, assumiu a presidência – “a primeira mulher eleita

pelo voto”, segundo ela. Permaneceu no cargo durante 18

anos. Uma de suas grandes emoções na azul-e-branco do

bairro do Engenho Novo aconteceu no desfile de 1987. Esteve

pessoalmente na casa de Roberto Carlos para convidá-lo para

desfilar. Ninguém acreditava que fosse. E o Rei chegou lá.

Atualmente, não desfila mais na Unidos do Cabuçu, mas seu nome

foi enredo no carnaval de 2003, Therezinha Monte, a Guerreira

do Samba e Seus 20 Anos de Folia.

Therezinha Monte

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Uma pioneira. Foi o primeiro destaque de luxo no país.

Olegária Santos dos Anjos nasceu em 1932, no bairro de

Olinda, em Nilópolis. Quando completou 15 anos, batizou

o Ás de Ouro, time de futebol fundado por seu pai. Aos

18, conheceu o marido, João Calixto dos Anjos, famoso

por ter lançado o prato na bateria. O casal, já morando

em Madureira, passou a freqüentar a quadra do Império

Serrano.

Olegária desfilou pela primeira vez na escola em 1950, com

o enredo Batalha Naval do Riachuelo. No ano seguinte,

usou uma roupa de renda branquinha, com a saia bem

engomada. Acabou pegando um tremendo temporal. Em

1952, estourou na avenida, vestida de rainha. Dançava uma

valsa em ritmo de samba. Mas saiu-se muito bem. Craque

na gafieira, costumava treinar com o marido em bailes no

Irajá, Madureira e Bento Ribeiro.

Depois de Odila, da Portela, e Isabel Valença, do

Salgueiro, Olegária foi o terceiro destaque feminino a usar

mirinhaque, aquele arame largo, colocado por baixo da

saia. Foram 45 anos de Império Serrano, acompanhando

todas as fases da verde-e-branco, desde os tempos da

Serrinha. Deixou de desfilar há 12 anos por problemas de

saúde. Colocou uma prótese no fêmur, mas, nem por isso,

a comunidade a esqueceu. No desfile de 2007, que levou

para a avenida o enredo Ser Diferente É Normal: o Império

Serrano Faz a Diferença no Carnaval, ela saiu no segundo

carro, como Estrela de Madureira.

Entre as maiores emoções vividas até hoje, Olegária destaca

o ano de Alô, Alô, Taí, Carmem Miranda, em 1972. “Leila

Diniz estava lá”, lembra o eterno destaque, lamentando

apenas não ter mais fotos daquela época. Culpa da neta,

que mora na Noruega, e carrega as lembranças da avó.

Olegária

Primeira grandeza do samba

A Força Feminina do Samba

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Pernambucana, nasceu em 13 de maio de 1924, no bairro da Imperatriz, centro de

Recife. Mudou-se para o Rio com pouco mais de um ano de idade. Seu currículo

no samba é extenso. Saía nas grandes sociedades, foi eleita Miss Folia, em 1956,

Rainha da Folia, em 1957, e destaque na Aprendizes de Lucas. Desfilou na extinta

Império do Marangá, na Praça Seca, em Jacarepaguá. Participou de um programa

de rádio, As Mais Elegantes do Samba, transmitido pela Rádio Metropolitana, todos

os sábados. Ainda hoje, ela se lembra do slogan: “Hoje é sábado, é meio-dia. Sou

sambista de fato, vou para a galeria.”

Escrepildes Maria Cordeiro, seu nome verdadeiro, entrou para a Vila Isabel em 1965

e fez o seu début na avenida, no ano seguinte. Foram quatro décadas de Vila, até

2006. Casou-se, teve três filhos e hoje se orgulha dos nove bisnetos. Junto com

outros integrantes da escola, participou de shows no Brasil e no exterior, tendo

viajado para a Espanha, a Argentina, o Peru, aVenezuela e até o Japão. Sempre

como destaque e à custa do samba.

Pildes foi a primeira mulher presidente de uma escola de samba do Grupo Especial.

Além desse cargo, exercido entre 1972 e 1974, presidiu duas vezes o Conselho

Deliberativo, ganhou o título de madrinha da bateria e representou Martinho da

Vila em diversas ocasiões. Para ela, a Vila Isabel sempre teve prioridade. Certa vez,

já na concentração, pronta para o início do desfile, soube que uma de suas netas,

grávida de nove meses, tinha ido correndo para o hospital. O bebê estava para

nascer a qualquer hora. Pildes cumpriu seu compromisso com a Vila e só depois foi

ao encontro da família para conhecer a bisneta.

Uma das primeiras taxistas mulheres no Brasil, Pildes deixou de desfilar uma vez

por causa de um grave acidente na Serra de Jacarepaguá. Eram seis da tarde, e ela

própria dirigia o carro, em direção à avenida. Fraturou a rótula, o tendão e uma

costela. No ano seguinte, já estava bem. Mas vendeu a autonomia do táxi.

Pildes Pereira

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Primeira grandeza do samba

Ângela Lyra

Nascida em 7 de dezembro de 1952, Ângela Maria Lyra foi criada no Morro de São Carlos. Morou na Penha e retornou ao Estácio, bem na

Rua Maia Lacerda, em frente à estação do metrô. Ângela tem raízes em Vitória, no Espírito Santo, onde sua avó Arlinda era porta-bandeira

de um bloco. Quando a família chegou ao Rio, achou o carnaval daqui meio violento e deu uma pausa na folia. Por pouco tempo. Laurelina,

mãe de Ângela, era costureira e, embora não se envolvesse com samba, começou a fazer as baianas de dona Sinhá, figura ilustre da

comunidade do São Carlos. Mas a filha caminhou no sentido contrário, até parar no Império Serrano, em que desfilou pela primeira vez, aos

24 anos, já casada e com filhos. Era o ano da inauguração do sambódromo, 1984.

Ângela Lyra saiu no Cacique de Ramos e retornou ao Império. Em 1987, com O Tititi do Sapoti, reeditado no carnaval de 2007, ela ingressou

na Estácio e formou uma ala com a família. Desde então, são 20 anos na vermelho-e-branco, acompanhando várias gestões da agremiação.

Hoje, Ângela Lyra preside o Departamento Feminino, representa a ala das comunidades e toma conta de outras seis. Na ala das crianças, em

que tem a colaboração da filha Aretha, ela recebe as inscrições, cuida dos ensaios e prepara cuidadosamente os lanches.

Fonoaudióloga, formada pela Universidade Veiga de Almeida, ela sempre atuou na área de saúde. Foi do Inca (Instituto Nacional do Câncer)

e, atualmente, trabalha numa instituição para crianças com deficiência visual. Seu sonho é criar um projeto social mais amplo para a

Estácio, a exemplo do que funciona na Mangueira. Assim como sua mãe realizou há décadas, em uma associação de moradores no antigo

bairro São José Operário, no Morro de São Carlos, onde foi criado o cantor Luiz Melodia.

A Força Feminina do Samba

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Nascida em fevereiro de 1953, no Hospital Municipal Paulino

Werneck, na Ilha do Governador, Lande Maria Ribeiro conheceu

os blocos pelas mãos do tio, um dos compositores do samba

O Domingo, da União da Ilha, em 1977. Com oito anos, Lande

(pronuncia-se Lander, com “r” no final ) chegou à quadra da escola.

Além de passista, soltou a voz aos 13 anos e gravou A Festa da

Cavalhada, samba-enredo da escola, em 1972.

Quando completou 20 anos, Lande participou do programa do

Chacrinha e foi eleita a melhor passista da Guanabara. Casada há três

décadas com o mestre Bira, da Estácio, aprendeu a tocar chocalho

e chegou a ser rainha da Bateria da União da Ilha. No ano 2000,

assumiu a ala dos passistas, criando todas as coreografias. Logo

depois, deixou a função, retornando em 2006.

Lande adora o que faz. Carinhosa, mas ao mesmo tempo rígida

com sua turma, ela acompanha a confecção das fantasias e, como

diretora de ala, vive em razão de seu trabalho. Continua morando

na Ilha do Governador, onde tem um trailer que vende sanduíche.

Sábado, por exemplo, é dia de feijoada de camarão, com feijão-

branco e bastante leite de coco. O pagode começa às 13h30 e vai

até as 19h. Nessa tarefa, Lande conta com a preciosa ajuda de outra

integrante da escola. É Marilene, que foi a primeira passista da

agremiação e hoje sai na Velha Guarda.

Lande chegou a desfilar, algumas vezes, na Imperatriz, no Salgueiro e

na Santa Cruz, confessa. Mas não considera isso uma traição. Nunca

deixou a União da Ilha. Animada, samba até hoje.

Lande

���

Primeira grandeza do samba

De família numerosa, penúltima dos 11 irmãos, filha de portugueses,

Alzira Ribeiro Pinto nasceu em 21 de julho de 1935, em Vila Isabel,

e confessa: “Fui muito levada.” Um de seus irmãos tocava pandeiro.

A polícia aparecia e costumava tomar todos os instrumentos de

tarraxa, proibidos na época. Menina esperta, para não comprometê-

lo, seguia direitinho as ordens do primogênito. Pegava o pandeiro e

saía correndo. Nunca a pegaram. A Vila tem até um samba, cantado

pela Velha Guarda, que lembra essa história: “...Já corri da polícia,

sem ser vacilão...”.

Dona Alzira é um portento. Craque no reco-reco, no tamborim e na

cuíca, tocou muito samba na Ladeira do Macaco. Reunia o pessoal para

um churrasco e fazia parte de um bloco. A turma do Salgueiro bem

que tentou fazer sua cabeça para ingressar na vermelho-e-branco.

Mas ela preferiu a Vila Isabel. Foram dez anos na bateria da escola.

Os entendidos em percussão dizem que o reco-reco de Dona Alzira é

muito alto. “Não sei explicar. Não gosto de varetinha, prefiro tocar

com um vergalhão de obra”, diz, orgulhosa. Tudo começou quando,

certa vez, ela perdeu a peça original do instrumento e substituiu-a por

um pedacinho de ferro encontrado no meio de uma obra. Ficou até

hoje. “Está dando sorte”, reconhece.

Extrovertida, adora um bate-papo com a turma da Rua Visconde de

Santa Isabel, onde mora, a dez metros da quadra da escola. Quando

soube que havia uma foto sua no Palácio do Samba, emocionou-se.

Ao lado do marido, Pompeu Teixeira Pinto, dos filhos Sérgio e Maria

Luíza, dos cinco netos e três bisnetos, Dona Alzira é uma pessoa

feliz, apesar da saúde, que não anda lá essas coisas. Uma artrose

no joelho esquerdo a obrigou a colocar uma prótese e, desde então,

ela não pode andar. Daí a razão de estar numa cadeira de rodas há

três anos. Mas faz questão de desfilar assim mesmo. Com a mesma

alegria de sempre.

Dona Alzira

A Força Feminina do Samba

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Estrelas do anonimato

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Estrelas do anonimato

“São escultores, são pintores, bordadeirasSão carpinteiros, vidraceiros, costureirasFigurinista, desenhista e artesãoGente empenhada em construir a ilusão.”

Pra tudo se acabar na quarta-feira

(Martinho da Vila)

Se as esquinas da Gamboa e da Praça XI falassem, contariam belas histórias de carnaval. Nos anos 30, quando as mães-de-santo toma-vam as calçadas com seus tabuleiros, à noite, muitos filhos dessas baianas teciam sonhos nas calçadas, adormecidos, cansados da folia em camas improvisadas de confetes e serpentinas. É numa dessas calçadas que encontramos Maria. Menina do Rio Comprido, olhos à frente do tempo. Antes mesmo de Vinícius de Moraes chamá-la de Maria Moura, uma alusão ao ex-marido, o saxofonista Paulo Moura, a menina já sentava em caixotes de madeira no morro da Mangueira para desmanchar os enfeites das baianas que seriam re-utilizadas no ano seguinte.

Com apenas dez anos, Maria tirava cuidadosamente os nós das cos-turas dos adereços com uma agulha de crochê para não estragar o pano do vestido. Nas semanas que antecediam o carnaval, o trabalho era concentrado nas fantasias que seriam vendidas para pessoas de classe média alta de bairros como Copacabana, Leblon e Ipanema. Não havia uma produção em massa, mas muitas famílias pobres gan-

A Força Feminina do Samba

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havam seu sustento costurando para grã-finos da Zona Sul. Inspira-ção herdada dos tempos de Tia Ciata, que, no período carnavalesco, também comercializava roupa afro para as famílias ricas do bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.

Mais de 60 anos se passaram e a menina Maria que dormia nas calça-das da Gamboa continua sonhando. Aliás, sonhar não custa nada quando se tem o samba como grande paixão. Não fosse por esse es-pírito, como muitas mulheres seguiriam em frente, quase anônimas, diante de tantas adversidades. Na década de 50, o carnaval ainda sofria certo preconceito por ser considerado uma festa profana. Mui-tas moças eram proibidas pelos pais de participar de ranchos e blo-cos. Nessa época, Maria Moura, por exemplo, já era apaixonada pelo samba e pela gafieira e freqüentava os mais importantes bailes após os trabalhos no terreiro. Já Rachel Valença era apenas uma adolescente. Moradora da Zona Sul do Rio de Janeiro, Raquel viu a paixão pelo samba despertar ainda estudante, ao ver o empenho dos componentes de uma agremiação empurrando um carro alegórico. Hoje, paralelamente às atividades como filóloga e pesquisadora, é vice-presidente do Império Serrano e se orgulha de pertencer ao naipe de chocalhos da bateria da escola.

Rachel também chegou a comandar a ala das crianças do Império Serrano, grupo que, em 1949, abrigava a menina Vilma Macha-

do. Cinco anos mais tarde, Vilma tornou-se segunda porta-bandeira da verde-e-branco. Hoje, ocupa o mesmo posto na Velha Guarda, mas também ajuda na confecção de adereços no barracão da escola, na Cidade do Samba. Prova de que a decoradora e aderecista Valéria

Araújo fez escola mesmo tendo, durante 20 anos, que driblar as improvisações dos barracões das escolas, localizados antigamente na Zona Portuária do Rio. Fora do carnaval, Valéria é mais uma estrela anônima e circula sem purpurina decorando festas infantis e vitrines de loja. Todo ano, diz que vai abandonar o samba, promessa quase sempre quebrada quando os primeiros tamborins começam a repini-car, em fevereiro.

Mas foi no anonimato que Alessandra Santana conheceu os segredos para montar a iluminação dos carros alegóricos de algu-mas das principais escolas de samba do Rio. Funcionária de uma empresa de eletricidade, com apenas 25 anos, é ela quem dá luz às cores vivas das escolas de samba, num trabalho minucioso que exige bastante atenção. A mesma que Dona Ivete Pereira tem na hora de dosar o sal da tradicional feijoada da Portela, realizada todo primeiro sábado de cada mês na quadra da escola. Aos 60 anos, é ela quem fica atrás do balcão no tempero dos mais de 100 quilos de feijão, 200 molhos de couve e 80 quilos de carne que são servidos aos convidados.

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Estrelas do anonimato

Maria Moura

A Força Feminina do Samba

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Filha do Rio Comprido, Maria Moura, hoje com 74 anos, cresceu na

fogueira do samba da Praça XI. Naqueles idos de 1930 e 1940, pular

carnaval era uma grande festa familiar. A concentração de mães-de-

santo caracterizadas de baianas tradicionalmente homenageadas tomava

conta das esquinas das ruas com seus filhos e tabuleiros. Quando a noite

chegava, trazendo o sono das crianças, era comum as mães colocá-las em

camas improvisadas, feitas com enfeites de carnaval e confetes - tamanha

a quantidade jogada ao chão pelos foliões. Maria Moura lembra que

nessa época dormiu muito nas calçadas da Gamboa e da Praça XI. Após a

festa, as filhas das mães-de-santo ajudavam a desmanchar os enfeites das

baianas que seriam reutilizadas no ano seguinte.

Por volta de 1950, na chamada época de ouro do rádio, a Lapa, que já era

reduto de sambistas famosos, fervilhava. O samba e a gafieira dominavam

o local e Maria Moura, apaixonada por ambos os gêneros, freqüentava

os mais importantes bailes após os trabalhos no terreiro. Em um desses

bailes, conheceu o saxofonista Paulo Moura, com quem foi casada

durante 30 anos. Por mais de uma década, sua casa na Rua Ingá, 420, em

Copacabana, foi freqüentada por músicos como Oscar Castro Neves, Tom

Jobim, Ary Barroso e muitos outros para quem seu marido fazia arranjos.

Destaque para Elis Regina, Fagner e Mílton Nascimento. Paulo Moura

teve diversas parcerias e viajou com orquestras para o México e a Rússia.

O apelido Maria Moura, lembra ela, foi dado por Vinícius de Moraes num

desses encontros.

A participação no samba aconteceu de formas diversas na vida de

Maria Moura. Em 1953, ajudou um grupo de jovens pobres do bairro de

Botafogo, que tinha um time de futebol chamado São Clemente Futebol

Clube, em homenagem à rua em que se reuniam. Por serem pobres,

recebiam da mãe Maria Moura donativos para continuar com seus treinos.

Freqüentemente, os meninos faziam excursões para jogar em outras

cidades. Numa dessas viagens, com destino a Bananal, no Estado de São

Paulo, o grupo se reuniu em frente a vila Gauí, existente até hoje na

Rua São Clemente, 176, e, enquanto aguardavam o início da viagem, Ivo

da Rocha Gomes que coordenava os garotos, avistou, na porta de uma

quitanda, duas barricas de uva vazias, que, de imediato, transformou em

instrumento de percussão para uma animada batucada.

A empolgação foi tanta que Ivo resolveu criar, a partir daquele momento,

um “bloco de sujos”, que passou a desfilar no carnaval pelo bairro de

Botafogo com as cores azul e branca. No ano seguinte, um político, para

se promover, doou ao grupo dois jogos de camisa de times nas cores

amarela e preta - os uniformes se tornaram oficiais nos desfiles do bloco

que, mais tarde, viria a se transformar na escola de samba São Clemente.

Durante 13 anos, Maria foi presidente da ala das baianas da Imperatriz

Leopoldinense, cargo iniciado em 1981, quando conheceu a escola através

de uma amiga. Nessa época, Maria morava em Ramos, mas, por ser

advogada e mãe-de-santo, era bastante procurada por traficantes. Com

medo da violência, deixou o bairro para morar na Zona Oeste, mas a

distância nunca foi problema para participar das ações da escola.

Em 1989, Maria Moura deu início ao que se transformaria na ONG

Abarajé, cuja proposta era promover o retorno das baianas de acarajé

à cidade do Rio. A idéia era passar conhecimentos da cultura afro-

brasileira através da criação de oficinas de culinária. A inspiração veio

da famosa Tia Ciata, a primeira baiana a vender os quitutes da Bahia na

antiga Praça XI, no início do século XX. No período carnavalesco, Ciata e

outras tias também comercializavam roupa afro para as famílias ricas do

bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Ela e suas companheiras, Sadata,

que morava na Pedra do Sal (Gamboa), Carmem do Xibuco e Perpétua,

que viveu na Rua de Santana, foram exemplos vivos da preservação da

tradição das iás do candomblé. Suas roupas e iguarias eram apreciadas

pela população e pelos turistas que vinham visitar a cidade, promovendo,

assim, um lindo espetáculo. Com essa atividade, elas garantiram o

sustento, durante décadas, das famílias baianas radicadas na cidade e de

seus descendentes, abrindo mercado de trabalho para várias gerações.

Maria Moura também observara que o turismo é um grande filão para

a arte das baianas. Todas anciãs e detentoras da cultura dos terreiros.

Então, ela se uniu com a única baiana em atividade nas ruas do Rio

de Janeiro, Dona Cotinha, em 1990. Nessa ocasião, elas formaram um

grupo de senhoras de terreiro na casa de Dona Cotinha, na Rua da Lapa,

e fundaram o Abarajé. Em seguida, o Abarajé foi convidado para fazer

parte da Associação das Velhas Guardas do Rio de Janeiro (tal associação

preserva os valores culturais e a tradição do samba).

Maria Moura

���

Os componentes do grupo observaram que a associação do Abarajé à

Velha Guarda impulsionou o projeto, a ponto de hoje já existirem 77

pessoas cadastradas na ONG. O primeiro evento realizado pelo Abarajé

foi em 1990, na abertura do carnaval carioca, junto com todas as escolas

de samba do Rio de Janeiro. Em seguida, o Abajaré passou a fazer parte

do Conselho do Negro do Rio de Janeiro, que é uma entidade ligada ao

governo municipal. Isso facilitou a participação no projeto Comunidade

Solidária, oferecendo oficinas de: culinária, auto-estima, formação de

quituteiras, mulheres de acarajé e doceiras, bordados (rendas de bilro e

bordado de Richelieu), costuras tradicionais e danças (miudinho, samba-

de-roda, partido-alto e roda de Siré - dança para os orixás).

Através do Fórum de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, o grupo Abarajé,

em parceria com o Grupo de Mulheres de Favela e Periferia, pôde

participar do primeiro encontro de mulheres negras da América Latina,

EUA e França, sediado na Costa Rica. Maria Moura realizou, nesse evento,

palestras sobre As Tradições das Mulheres dos Terreiros do Brasil. O

Abarajé já participou de numerosos congressos, sendo o mais recente o

Lai-Lai Apejo II - Mulheres Negras - na área de saúde, realizado no Rio

Grande do Sul, com membros da América Latina, dos EUA e da África.

A partir de 1994, Maria Moura fez palestras e conferências sobre a cultura

afro-religiosa em diversas regiões do país. Por meio da Casa Brasil Nigéria

lançou, em 2000, o projeto Oferenda Amalá para Xangô na Lapa, com

o objetivo de descaracterizar a imagem de prostituição e malandragem

do bairro. Toda quarta-feira, ela e outras mães-de-santo faziam o amalá

para Xangô - um prato do candomblé semelhante à rabada. O objetivo

era cantar o ritual e distribuir a oferenda difundindo a cultura negra

e arregimentando pessoas para a região. Mas a violência e o tráfico de

drogas novamente impediram o trabalho das mães-de-santo. Terreiros

famosos, como a Roça das Sete Mulheres de Xangô, que vieram do

Pantanal para a Lapa, foram sumindo. Uma triste perda, já que grande

parte da cultura e da história do samba carioca está dentro dos terreiros

de candomblé.

Em 2003, Maria Moura entrou para a Velha Guarda do Império Serrano.

Lá ficou durante quatro anos ajudando na coordenação do Departamento

Feminino. Apesar da idade e da história, decidiu cursar a faculdade do

carnaval e, no ano passado, estagiou na escola de samba Acadêmicos da

Abolição, do Grupo C, voltando a trabalhar com fantasias e adereços e

esculpindo em isopor.

Detentora e defensora da cultura de terreiro, Maria Moura completou 50

anos de santo em março de 2007. Sua roça fica na Avenida Carioca, 884,

em Vila Rosali, em São João de Meriti, onde galga o posto de equede.

Apesar da idade, não pretende parar de contribuir com o carnaval. Até o

final de 2007, quer produzir um DVD sobre a escola de samba da Abolição

e sua grande festa de São Sebastião. Mãe de dois filhos, Márcia e Pedro

Moura, esse baluarte feminino do samba acredita que a tendência do

carnaval é se profissionalizar mais a cada ano, porém a cultura do samba

é algo de berço, passado no sangue de geração a geração.

Estrelas do anonimato

A Força Feminina do Samba

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Vilma Machado nasceu em 1939, no Morro da Serrinha, em Madureira, e

tratando-se de carnaval, vivenciou um pouco da transformação da festa.

Desde pequena, freqüentava as rodas de samba e jongo e, aos oito anos,

viu o nascimento daquela que seria a escola de seu coração: o Império

Serrano, fundado em Madureira no ano de 1947, por uma dissidência da

antiga Prazer da Serrinha.

Com grande impacto, o Império foi o vencedor do primeiro desfile

de que participou, em 1948, deixando para trás a Portela, que se

consagrara campeã nos sete anos anteriores. Para tanto, inovou no

desfile, sendo a primeira escola a trazer todos os seus componentes

fantasiados e, também, a pioneira a ter o casal de mestre-sala e porta-

bandeira no meio da escola, e não à frente, como era o costume. As

duas inovações do Império Serrano tornaram-se a regra de todas as

demais agremiações até hoje. Depois da estréia, o Império manteve a

dianteira, conquistando os campeonatos de 49, 50 e 51.

Em 1949, aos dez anos de idade, Vilma já desfilava na ala das crianças e,

cinco anos mais tarde, tornou-se segunda porta-bandeira da verde-

e-branco. Vilma acompanhou durante as décadas de 50 e 60 a escola

se notabilizar com compositores de samba-enredo que renovaram o

gênero. Em especial, Silas de Oliveira, autor de 14 sambas cantados na

avenida. Outros autores de destaque foram Mano Décio da Viola e Dona

Ivone Lara, primeira mulher a se destacar no ramo. Pré-adolescente,

Vilma era levada para a quadra pela tia e, às vezes, via alguns

compositores reunidos próximo a um palco improvisado, cantarolando

versos que, mais tarde, viravam o samba-enredo do ano seguinte.

Como era de família pobre e o samba não rendia nenhum salário, foi

obrigada a trabalhar numa fábrica de bolsas, onde juntava dinheiro

para comprar a fantasia. Assim como hoje, era comum às escolas

reaproveitar objetos e adereços para poupar gastos.

No final dos anos 50, postos de destaque começavam a ser galgados

pelos membros da comunidade. Em 1957, após completar 18 anos, Vilma

Machado atingiu um dos postos de maior prestígio dentro de uma escola

de samba: primeira porta-bandeira, posição que ocupou por gloriosos

quatro anos no Império Serrano. Fase essa que a sambista lembra com

Vilma Vicente MachadoA decoradora e aderecista Valéria Domingues, de 40 anos, entrou para

o samba há 20 anos. Durante muitos carnavais, trabalhou em barracões

improvisados de diversas escolas localizadas em áreas da Zona Portuária

do Rio. A região era geralmente escolhida por ter antigos armazéns

vazios e ser próximo da Marquês de Sapucaí, facilitando o transporte

das alegorias. A Cidade do Samba só seria inaugurada em 2005 e, até lá,

os aderecistas, artesãos e costureiras, entre outros funcionários, eram

obrigados a lidar com graves problemas de infra-estrutura.

Durante 12 anos, Valéria se dedicou à Estácio de Sá, passando antes pelo

Salgueiro, na qual aprendeu a arte de confeccionar alegorias. A partir de

2002, o samba contagiou por completo a família da aderecista, que, junto

com seus dois filhos e noras, forma a equipe responsável por alguns dos

carros da Grande Rio.

Mas a festa da alegria também é marcada por cenas tristes, como

incêndios em barracões e alegorias. E foi no carnaval de 2007 que Valéria

se viu à frente de seu maior desafio. Depois de um desfile espetacular,

o carro abre-alas da Grande Rio foi completamente destruído pelo fogo

ao bater em fios de alta tensão quando deixava a Marquês de Sapucaí.

Vizinhos do sambódromo ficaram assustados e moradores de um prédio

na Rua Frei Caneca, por orientação do Corpo de Bombeiros, tiveram que

deixar suas casas às pressas.

Como a escola ficou em segundo lugar, a alegoria teria que estar pronta

até sábado para o desfile das campeãs. Foram 42 horas de trabalho direto

para refazer todos os enfeites. Valéria conta que chorou ao ver o trabalho

de meses destruído em apenas alguns segundos. Apesar dos esforços do

Corpo de Bombeiros, nada sobrou.

Fora da escola, Valéria ganha a vida trabalhando como decoradora

de festas de aniversário e vitrinista. Ela conta que todo ano promete

abandonar o carnaval, mas não consegue. Ao se aproximar o mês de

junho, corre para a quadra para ver o que há de trabalho para fazer.

Para essa aderecista, que troca a casa pelo barracão, o mais gratificante é

estar junto da família e, no dia da apuração, a escola conquistar nota dez

no quesito alegorias e adereços.

Valéria Domingues de Araújo

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Estrelas do anonimato

extremo carinho. Em 1960, ano do sétimo título da escola, Vilma decidiu afastar-se da passarela por um tempo após se casar com o irmão

do compositor imperiano Aluízio de Machado, um dos autores do samba campeão de 1982 Bumbum Paticumbum Prugurundum, em parceria

com Beto sem Braço.

Hoje, Vilma Machado é porta-bandeira da Velha Guarda e ajuda na confecção de adereços no barracão da Cidade do Samba. Lá, ela

aprendeu a colar, costurar e fazer rendas com material reciclado. Para ela, compartilhar do trabalho e das risadas com os membros da

comunidade é um de seus melhores passatempos.

Aos 68 anos de idade, ela ainda mostra surpresa com o luxo que as escolas levam ao sambódromo e garante não esquecer seu primeiro

desfile, quando o Império Serrano apresentou à história dos carnavais o samba Exaltação a Tiradentes, campeão naquele ano.

A Força Feminina do Samba

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Rachel Valença

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Rachel Valença nasceu no Rio de Janeiro em 1944. Tendo vivido na Zona Sul, seu interesse foi migran-

do gradativamente da cultura da bossa nova para o carnaval e o mundo do samba. Sua atenção se

voltou mais decisivamente para esse universo quando, ainda estudante, passando pela Avenida Brasil

em um sábado de carnaval pela manhã, comoveu-se com o esforço e a dedicação com que componen-

tes de uma escola de samba empurravam, sob sol escaldante, um pesado carro alegórico.

Desde sua chegada ao GRES Império Serrano, em 1972 - e sendo filóloga e pesquisadora -, logo

cuidou de levantar dados para preservar a memória da escola. Daí resultou a publicação, em 1981,

de Serra, Serrinha, Serrano, o Império do Samba, em parceria com Suetônio Valença.

Desde então, sua vida se divide entre dois pólos: o profissional, como pesquisadora e filóloga,

com numerosos trabalhos publicados, e o do lazer, inteiramente voltado para o samba:

ocupa atualmente a vice-presidência cultural do Império Serrano e elaborou o premiado site

da escola na internet, do qual é curadora. Mas sua participação no carnaval não se limita à

pesquisa: foi responsável, de 1980 a 1993, pela ala das crianças e de 1994 em diante passou

a sair na bateria. Na verdade, sua experiência como ritmista se iniciou em 1987, na escola de

samba Paraíso do Tuiuti, em que foi também diretora cultural por três mandatos consecutivos,

de 1993 a 2002, ajudando a levar a agremiação ao Grupo Especial.

Dedicando-se paralelamente ao estudo da cultura popular, tem vários artigos publicados e

participou de seminários e debates sobre música popular e sobre carnaval, especialmente sobre

samba-enredo. Tem livros publicados sobre carnaval e samba e muitos projetos de preservação

da memória do samba no Rio de Janeiro, destacando-se a recente participação na elaboração do

dossiê de candidatura do samba carioca a Patrimônio Imaterial do Brasil, entregue ao Instituto de

patrimônio histórico e artístico cultural (IPHAN/MinC), em dezembro de 2006.

Fez parte do Conselho do Carnaval da Riotur até sua extinção, em 1996, e é membro do Conselho

Executivo do Instituto do Carnaval, da Universidade Estácio de Sá. Mas seu maior orgulho, não

esconde, é pertencer ao naipe de chocalhos da festejada bateria do Império Serrano, em que

recebe o mesmo tratamento e a mesma carga de exigência de qualquer outro ritmista. “Lá todo

mundo é igual, e é justamente isso que me agrada”, confessa.

Rachel Valença

Estrelas do anonimato

A Força Feminina do Samba

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Única mulher de uma equipe de 30 pessoas, Alessandra Santana, de 25

anos, não deixa barato na hora do trabalho. Apesar de nova, ela teve

a responsabilidade de montar a iluminação dos carros alegóricos de

algumas das principais escolas de samba do Rio, como Viradouro, Portela

e Mangueira. A função aprendeu numa empresa de eletricidade (Ligth

City), onde ainda trabalha.

No barracão, conheceu um pouco das outras funções, como decoração,

pintura e colagem de espuma dos enfeites. Os trabalhos de iluminar

as alegorias são iniciados, na maioria, em janeiro, e exigem bastante

atenção. Qualquer erro pode ocasionar um incêndio e a destruição de

todo um empenho de dezenas de pessoas.

Moradora de Deodoro, na Zona Norte, Alessandra é casada e divide

seu tempo entre a filhinha de três anos e a Viradouro, para a qual

atualmente trabalha. Define a vida no barracão como uma grande

família: “Aqui discutimos idéias, brigamos, damos risadas e, no final,

torcemos juntos pela nossa escola. Vai chegando perto do desfile, a

tensão aumenta”, revela.

A arte de cozinhar para cantar o samba foi iniciada no início do século com

as tias quituteiras, mas a tradição ainda é ofício para muitas mulheres

de algumas escolas de samba. É o caso de Dona Ivete Pereira, de 60 anos,

responsável pela famosa feijoada da Portela. Uma semana por mês, ela

interrompe seus afazeres em casa para cozinhar mais de 100 quilos de

feijão, 200 molhos de couve e 80 quilos de carne, que são servidos todo

primeiro sábado na quadra da escola.

Ivete comanda a feijoada da Portela há três anos, junto com uma

equipe de 23 pessoas. Elas também são responsáveis pela preparação

do jantar da bateria na proximidade do carnaval e dos quitutes das

festas de final de ano, além do tradicional macarrão com galinha

servido na quadra da escola no dia de São Sebastião.

Ivete, que é irmã do compositor Silvinho da Portela, entrou para a

escola aos 17 anos e, antes de “pilotar” os fogões, passou por diversos

postos. Desfilou na ala jovem, foi passista e integrou a ala das baianas,

da qual foi presidente durante 16 anos.

Alessandra Santana Ivete Pereira

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Estrelas do anonimato

Com mais de 30 anos de sua vida dedicados ao samba, foi na Célula Cultural Tijuquinha do Borel que a aposentada Ana Maria

Battoni, de 57 anos, teve a oportunidade de ver florescer a integração entre o samba e a área social. Na escolinha mirim, não basta

apenas ter samba no pé. É preciso também ser bom nas matérias escolares e passar de ano. A instituição sociocultural-educativa,

fundada em junho de 2002, é coordenada por Ana Maria, que faz parte do Departamento Feminino da Unidos da Tijuca, onde está

há dez anos. As crianças recebem assistência médica e educacional, orientação pedagógica e profissional, com atividades físicas.

No início do projeto, Ana lembra as dificuldades em conseguir material e pessoas para trabalhar nas fantasias, nos adereços e nos

carros alegóricos da azul-e-amarelo, como é chamado o Tijuquinha do Borel, pelas suas cores. Ela conta que uma das principais

virtudes dos alunos é a paciência para desmanchar as alegorias e os adereços doados pelas escolas do grupo especial, nas semanas

seguintes ao desfile. Como tudo pode ser reaproveitado, é preciso ter uma dose extra de cuidado para não estragar nada. As crianças

também não podem mexer com determinados produtos, como cola quente, o que a fez virar muitas noites colando fantasias.

A Tijuquinha do Borel desfilou pela primeira vez em 2003, com o enredo Era uma Vez um Pavãozinho Branco. Naquele ano,

a bateria, sob o comando de mestre Rodrigo, deu um verdadeiro show na Avenida. No ano seguinte, a escola desfilou com o

enredo Tijuquinha, a Doce Alegria de Ser Criança. No carnaval de 2007, apresentou o tema Quinta da Boa Vista: Um Presente

para Dom João.

Sua maior satisfação é ver a iniciativa render frutos e, ao mesmo tempo, desfilar na avenida. Além do objetivo profissionalizante,

os enredos criam bases culturais entre os jovens.

Ana Maria Battoni

A Força Feminina do Samba

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Amanda Silveira

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Estrelas do anonimato

Filha de sambistas amadores, a aderecista Amanda Silveira, de 29 anos, conheceu a Unidos da

Tijuca aos sete anos de idade. Moradora do Morro do Borel, era levada pelos pais para a quadra da

escola, onde assistia aos ensaios da comissão de frente, da bateria e do abre-alas. O convívio faria

a escola virar sua segunda casa. Ainda adolescente, começou a trabalhar na quadra, ajudando no

preparo das festas e, depois, no barracão, confeccionando fantasias, colando e pintando. Foram

mais de 15 anos de trabalho. Desde 2004, divide o tempo com o salão de beleza, onde é auxiliar de

cabeleireira das 8h às 18h.

Durante muitos anos, Amanda viu a escola perder boas colocações, chegando a ser rebaixada

algumas vezes. Na última vez, em 1998, homenageava o Vasco da Gama (clube de futebol e

navegador). Em 1999, no Grupo de Acesso, a Tijuca fez um desfile memorável, com o enredo O

Dono da Terra, do carnavalesco Oswaldo Jardim. Com um belo carnaval e um samba antológico, foi

reconduzida ao Grupo Especial.

A Unidos da Tijuca tem traços de união tão fortes com sua comunidade que, no carnaval, dos 4.000

componentes que desfilam, 2.500 pertencem ao Morro do Borel e, destes, 70% têm suas fantasias

doadas pela escola. Terceira mais antiga do Brasil e desde sua fundação, em 31 de dezembro de

1931, com sede própria na Rua São Miguel, nº 430, a escola mantém uma tradição de que muito

se orgulha: a de ter nos seus quadros (componentes, ritmistas, passistas, baianas e pessoal de

apoio) pessoas de todas as classes sociais, culturais e econômicas do Rio de Janeiro. Entre eles,

ainda há filhos de ex-operários da Fábrica de Cigarros Souza Cruz, da Fábrica de Tecidos Maracanã,

do Lanifício Alto da Boa Vista, da Fábrica de Tecidos Covilhã e de outras fábricas de menor porte

localizadas nas proximidades da Tijuca.

Atualmente, Amanda é responsável por vestir as baianas, coordenar ensaios e transportá-las

até a avenida. Além disso, ajuda a escola a organizar festas e a vender camarotes e mesas para

arrecadar fundos. Todas as ações são realizadas à noite e nos fins de semana. O dinheiro é

utilizado para custear parte das fantasias das escolas, que são distribuídas à comunidade.

Quando o carnaval chega, ela diz, “é hora de abandonar a casa e morar no barracão”. A auxiliar

de cabeleireiro já ficou quatro dias sem dormir numa semana que antecedia a festa. Num outro

período, dormia apenas duas horas por noite. Seu tempo era dividido entre atender os clientes no

salão e fazer a fantasia das baianas, numa maratona que diz não conseguir abandonar.

Amanda, que ainda não viu sua escola ganhar um título, diz que a emoção do samba não está

apenas na conquista da primeira colocação, mas nas “vitórias diárias desempenhadas pelo grupo”.

A Força Feminina do Samba

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Fundado em janeiro de 2001, o Centro Cultural Cartola é uma organização sem fins lucrativos que reúne a mais variada gama de pessoas devotadas à causa da cultura brasileira e que acreditam na vontade de crescer de nosso povo e na efetiva possibilidade da inclusão social. Dedica-se, assim, a mais nobre das missões: transformar em realidade um ideal, combatendo a pobreza, a marginalização da população carente, a exclusão social, a falta de conhecimento e de esperança no futuro.

Em busca de seus ideais, o Centro Cultural Cartola procura atuar entre as parcelas mais desfavorecidas da população, dando especial atenção ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, à inserção de jovens na sociedade e ao amparo a idosos. A escolha de Cartola como patrono da instituição se justifica não apenas por sua importância no mundo musical, mas também por sua história de luta, de superação e de inserção ativa na sociedade por meio de sua produção cultural.

A Força Feminina do Samba faz parte de um esforço do Centro Cultural Cartola para reconhecer e preservar nossa memória coletiva. Ao resgatar a trajetória de personagens que contribuíram para o desenvolvimento da identidade cultural brasileira, “bebemos” na fonte das verdadeiras damas do samba.

São pastoras que, assim como na tradição africana, representam os caminhos e meios para a organização da casa, do terreiro e do barracão. Revisitamos os mistérios dessas guerreiras, nossas verdadeiras griôs, cuja sabedoria foi passada de geração a geração e perpetuou-se no tempo.

Peço desculpas a Tia Zélia, Giovana, Tia Neném, Tia Zezé do Salgueiro, Analimar, Ana passista, Tia Menina, Tia Miúda, Tia Cotinha, Zinha, Dinorah, Juju, Lilian Rabelo, Neide Coimbra e tantas outras que deixamos de registrar nesta edição.

Peço licença para louvar minhas ancestrais, sobretudo minha avó, Dona Zica, com quem aprendi a caminhar e a não me abater diante das dificuldades da vida.

Nilcemar Nogueira

Vice-presidente do Centro Cultural Cartola

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A Força Feminina do Samba

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Referências Bibliográficas

MOURA, Robert. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE/ INM/ Divisão de Música Popular. 1983.

ESPILOTRO, Sandra (Org.). História do Samba. Rio de Janeiro: Globo, 1997.

MUNIZ JÚNIOR, José. Do Batuque à Escola de Samba. São Paulo: Símbolo, 1976.

DE SOUZA, Tárik de Souza. Tem mais samba - das raízes à eletrônica.São Paulo: Editora 34, 2003.

LOPES, Nei. Partido alto - samba de bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.

VARGENS, João Baptista M. & MONTE, Carlos. A velha guarda da Portela. Rio de Janeiro: Manati, 2001.

MORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Record, (1958) 1987.

COSTA, Haroldo. Salgueiro: academia de samba. Rio de Janeiro: Record, 1984.

NOGUEIRA, Carlos Alberto Alves. Samba, Cuíca e São Carlos. Rio de Janeiro: Armazém Digital, 2005.

SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil, de 500 até a atuali-dade. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

ARAÚJO, Hiram e outros. Memória do Carnaval. Riotur, 1990.

SANTOS, Acácio Sidinei Almeida. O Brasil no fluxo da imigração africana. São Paulo: Casa das Áfricas.

VELLOSO, Mônica Pimenta. As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro. Estudos Históricos, vol.3, Rio de Janeiro: CPDoc/FGV, 1990.

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Sites consultados Blog do Nei Lopes - Disponível em < http://neilopes.blogger.com.br >

Site do G.R.E.S Portela - < http://www.portelaweb.com.br > Site do G.R.E.S Estácio de Sá - < http://www.gresestaciodesa.com.br >

Site do G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira - < http://www.mangueira.com.br>

A Força Feminina do Samba

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Direitos exclusivos desta edição reservados pelo CENTRO CULTURAL CARTOLA.

Rua Maria Eugênia, 77 – Humaitá

Rio de Janeiro –RJ – 22262-080

Tel.: (21) 2246-0804

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Este livro foi composto na tipologia Garrison Condensed San, em corpo 13, e impresso 1.500 exemplares em papel couche matte 115 gr., por Sistema CTP, na Gráfica Minister.

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