A FRAGILIZAÇÃO DA DEMOCRACIA NA CONTEMPORANEIDADE EAS POSSIBILIDADES DE RESGATE DO PROJETO DEMOCRÁTICO

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Resumo A pesquisa é orientada com estudos bibliográficos envolvendo uma análise da melhor doutrina nacional eestrangeira, objetivando refletir sobre o desenvolvimento do processo democrático inserido no contexto da sociedade contemporânea, bem como estipular formas capazes de resgatar o projeto de uma sociedade democrática, por meio de uma forma de atuação legislativa que cumpra verificar os anseios da soberaniapopular, conduzindo-se assim, a uma atuação político-institucional legítima.

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    A FRAGILIZAO DA DEMOCRACIA NA CONTEMPORANEIDADE E AS POSSIBILIDADES DE RESGATE DO PROJETO DEMOCRTICO

    Cleber Freitas Do Prado1 Fernanda Braghirolli2

    Resumo A pesquisa orientada com estudos bibliogrficos envolvendo uma anlise da melhor doutrina nacional e estrangeira, objetivando refletir sobre o desenvolvimento do processo democrtico inserido no contexto da sociedade contempornea, bem como estipular formas capazes de resgatar o projeto de uma sociedade democrtica, por meio de uma forma de atuao legislativa que cumpra verificar os anseios da soberania popular, conduzindo-se assim, a uma atuao poltico-institucional legtima.

    Palavras-chave: Crise da Democracia. Representatividade Democrtica. Resgate do Projeto Democrtico.

    Abstract The research is guided by bibliographic studies involving analysis of national and foreign best doctrine, aiming to reflect on the democratic process development inserted in the contemporaneous society context, as to stipulate able ways to rescue the project of democratic society, by a legislative action which checks the desires of popular sovereignty, then guiding to a legal political-institutional performance.

    Keywords: Democracy Crises. Democratic Representative. Democratic Project Rescue.

    Introduo

    A histria poltica do Brasil demonstra uma luta contnua, ainda no acabada, no sentido de implantar um processo poltico ao mesmo tempo democrtico e estvel, apontando para a erradicao definitiva dos vcios autoritrios que sempre caracterizaram a sociedade.

    Dessa forma, o presente estudo tem como escopo a pretenso de abordar alguns pontos que parecem decisivos para a correta colocao da questo da fragilizao da democracia e o vislumbre das possveis chances de resgate do projeto democrtico entre a populao brasileira.

    O estudo pretende analisar aspectos polticos principais que concorrem, no que se refere degradao do quadro democrtico, para obstaculizar o funcionamento de uma democracia estvel no Brasil, fazendo com que sua desenvoltura se apresente de forma

    1 Advogado, graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mestrando em Direito

    Pblico e bolsista Capes pela Unisinos. 2 Advogada, graduada em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Ps-Graduanda em

    Direito Pblico pela Faculdade Mater Dei Pato Branco (PR), Mestranda em Direito Pblico e bolsista Santander pela Unisinos.

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    insuficiente, na medida em que no conseguiu conciliar a liberdade, a segurana e a concretizao dos direitos fundamentais, a que, nos limites do possvel, a sociedade tem o legtimo direito de aspirar.

    O desenvolvimento do trabalho vem dividido, primeiramente, por um exame que tenta explicitar a amplitude do problema da democracia no Pas, seguido de uma anlise em torno dos principais fatores polticos da crise que a assola, como, por exemplo, o dficit da representao democrtica e o funcionamento dos sistemas polticos que fazem colocar em dvida a prpria conceituao e consolidao da democracia.

    Em seguida, discutem-se as alternativas capazes de recuperar a legitimidade da representao como forma poltica de tomada de decises, por meio de instrumentos que garantam democraticamente um processo decisrio, que inclui a participao popular e uma atuao legislativa vinculada ao contedo disposto no texto constitucional.

    necessrio salientar que essa anlise apreciar a crise da democracia brasileira sob os ngulos dos fatores polticos que a condicionam, ficando claro que, com isso, no se pretende desconhecer, nem diminuir a importncia de fatores de outra natureza que tambm influem para elucidar a discusso a respeito da fragilizao da democracia nos dias atuais.

    A dimenso do problema

    No Brasil, onde o autoritarismo manifestou-se nos ltimos 20 anos, a democracia torna-se uma questo fundamental, sendo que seu discurso assume uma postura de oposio em relao ao regime poltico autoritrio, como se pode perceber pelos ensinamentos de Leonel Severo Rocha:

    O autoritarismo brasileiro caracteriza-se pelo desprezo participao social, o que lhe obriga a recorrer censura policial e negao dos princpios democrticos, o que implica um esfacelamento das instituies da sociedade civil. (ROCHA, 2005, p. 122).

    Dessa forma, durante anos de um regime profundamente antidemocrtico que assinalou toda a evoluo poltica, econmica e cultural do Brasil, mostra-se de fundamental importncia discutir a questo da democracia como forma legitimadora de qualquer sistema poltico ou regime de governo, pois em suas bases o cidado tido como de valor fundamental, ou seja, o povo compreendido como princpio e fim da organizao poltica.

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    Conceitualmente, a democracia pode ser definida como sendo um aspecto histrico, considerada como um instrumento de valores caracterizados essenciais convivncia humana e que traduz basicamente a ideia de um poder que repousa na vontade do povo. Sob este prisma, se revela como um processo de afirmao do povo que ele mesmo vai conquistando no decorrer da histria, assim, estudar a democracia implica inseri-la no contexto prprio sociedade atual (MORAIS, 2005, p. 106).

    Como no podia deixar de ser diferente, nesse processo vai se configurando tambm a noo histrica de povo, pois a concepo de povo tambm tem variado com o tempo (BURDEAU, 1960, p. 29-30), sendo que o povo da democracia grega no o mesmo da democracia moderna. Pode-se admitir, ento, que a democracia seja um processo que acompanha o modo de vida do seu povo, em que h de se verificar o respeito e a tolerncia entre os conviventes, voltando-se sempre ao interesse popular e ao bem comum.

    Autores como Lnio Streck e Jos Luis Bolzan de Morais afirmam que conceituar a democracia tornou-se uma tarefa difcil nos dias atuais, visto que ela deve ser reinventada cotidianamente (STRECK, 2006, p. 109), ou seja, as conquistas democrticas no retrocedem, s seguem em frente, por isso deve sempre ser contextualizada de acordo com o momento histrico vivido por cada sociedade.

    Na verdade, a insuficincia da democracia em realizar os direitos individuais, polticos, econmicos, sociais, etc., at o presente momento, no retira a sua validade, pois se trata de um conceito histrico, como afirmado anteriormente, tanto quanto os valores que ela busca assegurar (SILVA, 1997, p. 133). Entretanto, vale dizer, que de grande importncia para o prprio conceito de democracia, que tais valores necessitam de garantias de realizao dentro desse processo, sob pena de a democracia no se efetivar em toda a sua plenitude.

    Seguindo esse fio condutor, parece de muita valia discutir tambm a matria relativa ao papel desempenhado pela regra da maioria, enquanto prtica decisria do processo democrtico. Em razo da necessidade de se construir um discurso coerente, faz-se indispensvel pesquisar alguns conceitos em relao ao tema, para assim desembocar numa anlise crtica em torno da reflexo.

    Sendo assim, Norberto Bobbio, um dos expoentes no tema, afirma que a regra da maioria uma modalidade de deciso que se configura como regra essencial da democracia, segundo a qual, so levadas em conta as escolhas coletivas, ou seja, as decises que foram tomadas pela maioria daqueles a quem cabe o aludido poder (BOBBIO, 1986, p. 20).

    Para explicar o princpio da maioria, o filsofo Aristteles afirma que democracia o governo no qual domina o nmero (SILVA, 1997, p. 29-30). Essa caracterstica faz desse

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    princpio um instrumento relevante da democracia, na medida em que se apresenta como produto de uma prtica social, destinada a capacitar um povo a decidir sobre o destino dos assuntos que dizem respeito ao rumo de sua prpria vida social, poltica, econmica, entre outras.

    Campilongo afirma ser possvel, com base nas contribuies de Norberto Bobbio, Hans Kelsen, Elias Berg e Elaine Spitz, formular um conceito a respeito da regra da maioria3. Nesse sentido, o autor ensina que se trata de uma regra em que prepondera uma tcnica de tomada de decises coletivas que potencializa a liberdade dos indivduos e garante a participao dos cidados na vida poltica, estreitando os laos entre os governantes e os governados por intermdio de uma prtica social de legitimao (CAMPILONGO, 2000, p. 38).

    Enfim, no sentido de operar como a devida democracia constitucional exige, chegado o momento de avaliar a legitimidade dessa regra da maioria, examinando o contraste entre as oportunidades de participao dos cidados nessas tomadas de decises e o papel desempenhado pela democracia representativa de fazer valer os interesses desses mesmos cidados.

    Moses Finley explica que o consenso alcanado na regra da maioria no significa necessariamente um bem em si, o bem uma categoria moral (FINLEY, 1985, p. 98). Por trs desse nominado consenso, residem vrios grupos de interesses, cujas vontades se sobrelevam nas tomadas de decises do governo, afirmando, incisivamente, que na verdade o custo desse consenso pago por aqueles que foram excludos dele (FINLEY, 1985, p. 116).

    Tal assertiva mostra-se relevante no perodo atual na medida em que se reflete o fato de que a atual democracia representativa, atravs do processo de deliberao das leis, onde so realizadas votaes e emendas Constituio que consistem na ratificao de decises resultantes de negociaes entre as foras polticas partidrias internas no tem conseguido corresponder vontade vigente no corpo social, destinada a promover a melhoria das condies sociais e a incorporao dos direitos fundamentais, exigncias to primadas no contexto constitucional.

    Hodiernamente, h uma incontestvel crise de moralidade atrelada atuao estatal, o que tem gerado uma indubitvel e equivocada concepo de ausncia de democracia no Pas.

    3 Para fundamentar este conceito, com base no que tais estudiosos entendem sobre o assunto, Campilongo

    formula em tpicos o seguinte esquema: a) tcnica de tomada de decises coletivas (Bobbio), b) maximizao da liberdade (Kelsen), c) ampla e igual participao e aproximao entre governantes e governados (Berg), d) prtica social de legitimidade finita e constantemente revista (Spitz). CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 38.

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    A desmoralizao da democracia representativa gera reaes que chegam a extremos indesejveis, como o descrdito nas instituies polticas, promovendo a identificao dos polticos com a corrupo e ameaando a prpria autonomia do regime democrtico.

    Ocorre que, levando em considerao os princpios e os meios pelos quais a democracia exercida (eleies populares, liberdade de associao, direito de votar e ser votado, etc.), no se justifica negar o carter democrtico do regime poltico no Brasil, no entanto, o sentimento de indignao decorrente da alegada crise de moralidade e de tica tem se espraiado e at desvirtuado o conceito etimolgico do instituto. No se pode negar a efetiva presena legal da democracia, todavia, os reflexos errneos e escandalizadores do agir institucional acabam implicando no reconhecimento de um vcuo, ou melhor, de uma fragilizao do sistema democrtico.

    Ademais, o sistema partidrio brasileiro fortemente marcado pela fragmentao, sendo que apresenta um enorme nmero de partidos. Esse sistema fragmentado alia-se instabilidade, fragilidade e a uma prtica poltica que consiste na deteno de vantagens e favores de qualquer natureza em troca do apoio ao governo.

    A moldura poltica modifica-se de tempos em tempos e de forma cada vez mais veloz. A distribuio das bancadas tambm muda a cada ms, sendo que todos esses fatores tm como consequncia a dificuldade dos eleitores em diferenciar programas e distinguir quem quem, j que em razo das mudanas de siglas e coligaes, nem sempre se apresentam os mesmos participantes. Tudo isso, alm de resultar na dificuldade de se construir uma identidade entre os partidos polticos, tambm resulta numa desconfiana da populao, por perceb-los distantes de um projeto de futuro compartilhado, por no conseguirem canalizar plenamente as demandas da cidadania, ocasionando assim, uma degradao da prpria democracia.

    Outrossim, denotando pouco enrraizamento do eleitorado, pouca participao de membros e filiados, baixos nveis de identidade partidria, deficincia organizacional, entre outros fatores, fazem com que os partidos polticos revelem uma tendncia indisciplina, resultando na apresentao de um quadro de fragilizao da democracia na contemporaneidade.

    Como se no bastassem todos esses percalos, existe tambm outra causa poltica para as dificuldades de realizao das prticas democrticas no Brasil, alojada na inadequao das instituies realidade que devem reger, ou seja, a democracia um valor poltico por excelncia definido como a conformidade do dinamismo do Estado com os seus fins, ocorre que, para atender a todas as demandas advindas dos espaos democrticos, adotou-se um

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    sistema de governo criado sob um aparato burocrtico que se estrutura de cima para baixo, contrapondo-se com os ideais democrticos, que preveem uma sociedade que prope um poder que se eleva da base para o topo.

    Dessa forma, essas manipulaes estruturadas pelo alto tiveram como causa e efeito a marginalizao das massas populares, no s solapando a chance de participao na vida social, mas, sobretudo, ocasionando a atuao de um governo que no consegue proporcionar aos membros da sociedade as condies necessrias para que tenham suas exigncias bsicas e direitos fundamentais respeitados e promovidos.

    De outro lado, paralelamente a todas essas questes, necessrio enfrentar o debate referente autonomia, no sentido de que esta pode ser considerada uma discusso e uma prtica das condies reais da democracia. Para tanto, adotam-se os ensinamentos de Cornelius Cartoriadis, que trazem uma lio importante a respeito da autonomia dos indivduos, afirmando que esta se encontra no centro dos objetivos e dos caminhos do processo revolucionrio, assim, o autor discute as possibilidades do desenvolvimento autnomo do indivduo no que tange s instncias de deciso, explicando que preciso criar oportunidades para que o cidado possa decidir autonomamente (CASTORIADIS, 1982, p. 122).

    fundamental que os indivduos tenham condies de analisar criticamente a gama de informaes que recebem, que lhes so transmitidas, para enfim formarem suas prprias concepes.

    Explica o autor que:

    Um discurso que meu um discurso que negou o discurso do outro, que o negou, no necessariamente em seu contedo, mas enquanto discurso do outro; em outras palavras que, explicitando ao mesmo tempo a origem e o sentido desse discurso, negou-o ou afirmou-o com conhecimento de causa, relacionando seu sentido com o que se constitui como a verdade prpria do sujeito como minha prpria verdade. (CASTORIADIS, 1982, p. 125).

    A autonomia uma posio de sujeitos (sociais, ticos, polticos) pela ao realizada pelos mesmos sujeitos enquanto criadores das leis e regras autnomas da existncia social e poltica. Sob esse aspecto, quando objetos sociais so capazes de interpret-las e determinar os critrios para transform-las (CHAU, 1997, p. 302-303).

    Enfim, as questes a serem consideradas constituem aspectos centrais do que se pode designar descompasso instituiessociedade, crise que traz para o primeiro plano a importncia de se promover a autonomia do indivduo como forma de combate ao

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    conformismo instalado, o qual se apresenta como referencial de sentido e identidade dos indivduos.

    O problema exige, afinal de contas, reflexo, pois ser que a poltica contempornea, da forma como vem sendo articulada, proporciona suportes ao cidado para que ele consiga desenvolver pontos de vista que apontem para uma abertura de pensamento reflexivo que permita algum tipo de discurso autnomo ou melhor, que permita a formao de uma sociedade composta por pessoas que tenham capacidade suficiente para analisar de forma crtica as informaes que so recebidas?

    Em razo da magnitude de sua tese, faz-se fundamental mais uma vez analisar outra obra do filsofo Castoriadis intitulada Feito e a ser feito, onde Llian do Valle (tradutora) explica que o conceito de democracia para o referido autor:

    (...) j no em nada essa instituio pronta e acabada, alicerada em direitos adquiridos e limitada por leis inexorveis, definindo a atuao privilegiada de experts que detm a cincia da poltica. Mas uma atividade de constante autoinstituio, pela sociedade, de uma permanente interrogao sobre si mesma e sobre seus fundamentos. Assim, a democracia s pode ser concebida como deliberao comum, construo coletiva das condies de autonomia. (CASTORIADIS, 1999, p. 9).

    Complementa, afirmando que para Castoriadis a democracia representa uma forma de participao plena na vida social, explicando que a liberdade no est s ameaada pelos regimes autoritrios, mas tambm pela atrofia do conflito e da crtica, pela incapacidade de questionamento a respeito do presente e das instituies existentes.

    O objetivo da poltica, para o referido autor e como dito anteriormente, :

    Criar as instituies que, interiorizadas pelos indivduos, facilitem ao mximo seu acesso autonomia individual e possibilidade de participao efetiva em todo poder explcito existente na sociedade. (CASTORIADIS, 1999, p. 69).

    Contudo, comenta que nas supostas democracias contemporneas, o primordial dos negcios pblicos tornou-se o negcio privado de diversos grupos que acabam administrando entre si o poder efetivo e as decises so tomadas sem visibilidade por trs dos panos , e o pouco que trazido a pblico maquiado.

    Diante desse quadro, afirma que a condio de possibilidade para a existncia de uma sociedade democrtica, autnoma que a esfera pblica no pode ser tomada como objeto de apreciao privada de grandes grupos particulares, mas que constitucionalmente, os Poderes Legislativo, Judicirio e Governamental devem pertencer ao povo e por ele sejam exercidos (CASTORIADIS, 1999, p. 71-72).

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    Dessa forma, coaduna-se com a mesma opinio, todavia, a contemporaneidade se defronta com a seguinte problemtica: como construir uma sociedade autnoma formada por indivduos autnomos que tenham capacidade de entender e decidir sobre o processo deliberativo, por exemplo , diante de um sistema estrutural que faz o caminho inverso, no possibilitando a promoo de uma esfera de atividades reais autnomas para os grupos que o integram?

    O processo democrtico, na contemporaneidade, se desenvolve de forma contraditria a um projeto de construo de uma sociedade autnoma, pois as decises polticas cada vez mais so tomadas em espaos imunes ao olhar do cidado, onde a questo da circulao das informaes polticas pertinentes coletividade se desenvolve com muitos entraves, resultando na execuo de decises sem a participao do povo na tomada de tais assuntos (BOBBIO, 1986, p. 29-30).

    Assim, o desenrolar do sistema no demonstra aptido para o engajamento da populao nas tomadas de deciso, moldando, dessa forma, cidados sem projetos e sem interresse na participao da vida poltica. Esta situao sem dvida profundamente ameaadora democracia.

    Uma sociedade instaurada pelas atividades autnomas da coletividade pressupe que o sistema invista no interesse dos homens pela democracia e, para isso acontecer, preciso encontrar formas que desestimulem a estagnao e o conformismo instalado.

    luz dessa anlise, conclui-se que, enquanto esse dilema no for equacionado, a extenso das manchas de novas formas de degradao institucional constituir um motivo forte de inquietao e de preocupao para o esprito democrtico, e os regimes democrticos estaro fadados a contnuas crises de legitimidade, com necessidade de multiplicarem os procedimentos de legitimao.

    A crise de legitimidade da representao poltica

    A simpatia com que a expresso democracia representativa recebida no deve obscurecer o fato de que ela encerra uma contradio, pois se trata de um governo do povo no qual o povo no est presente no processo de tomada de decises, ou seja, a participao do povo no governo se processa apenas atravs da escolha de pessoas que representaro os interesses dos chamados a eleger.

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    Na democracia contempornea, no a vontade do povo que est sendo representada, mas sim interesses particulares dos eleitos. O povo, enquanto unidade poltica, simplesmente ignorado dentro do horizonte liberal, excludo do cenrio das decises polticas modernas. Dessa forma, vislumbram-se o distanciamento dos representantes dos interesses do povo e a dissociao de suas funes originais, resultando num descontentamento e numa insatisfao dos cidados com as instituies democrticas.

    Ademais, a lei enquanto obra do legislador e expresso da vontade soberana do povo tornou-se mera fico na sociedade e uma das causas reside nessa flagrante crise da democracia representativa. A lei no mais, necessariamente, representa o povo e, muitas vezes, desrespeita direitos fundamentais bsicos com a finalidade de favorecer alguns poderosos grupos de presso. Sem contar com o fato de que o ideal democrtico tem por objetivo colocar o cidado como centro do palco democrtico, ocorre que, como descrito anteriormente, no com este quadro que se depara a atualidade, mas sim com um cenrio em que, cada vez mais, grandes grupos e organizaes manipulam as tomadas de deciso, acabando por solapar o lugar dos cidados dentro desse ambiente democrtico.

    Norberto Bobbio afirma que, nas sociedades democrticas, ao invs de se criarem possibilidades para o desenvolvimento do cidado soberano, que, em acordo com os demais cidados soberanos, constri a sociedade poltica, cada vez mais, grupos, associaes, partidos das mais diversas naturezas tornam-se os atores principais da vida poltica, ou seja, cada vez mais se valorizam os grupos, deixando ao esquecimento o cidado, detentor dos direitos (BOBBIO, 1986, p. 23).

    Nessa seara, tambm se encontra o entendimento de Lnio Streck e Jos Luiz Bolzan de Morais, demonstrando que, no jogo poltico, cada vez mais, atuam como protagonistas do campo democrtico grandes grupos de interresses que nos substituem e passam a patrocinar o jogo da vida poltica (STRECK, 2006, p. 114).

    Ocorre que a democracia brasileira deveria ser caracterizada pela representao poltica, no entanto, o conceito de representao da vontade do cidado pelo eleito, por todas as razes explicitadas, tem progressivamente diminudo na sociedade contempornea, em virtude da tomada de conscincia de que, definitivamente, os homens que so eleitos atuam cada vez mais para si prprios.

    Nesse sentido e devido inegvel importncia de sua obra e sua intensa repercusso em nosso meio, faz-se oportuna, mais uma vez, a adoo da classificao trazida por Norberto Bobbio, que contribui para elucidar algumas das insuficincias que se podem sentir a partir da forma da atuao dos representantes no desempenho da democracia. Assim, o autor afirma

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    que, por democracias representativas (essas que se conhecem at ento), entende-se o representante que, uma vez eleito, deixa de ter compromissos com os prprios eleitores. Explica ainda que no sistema representativo surge uma nova categoria de classe, a do poltico de profisso e, usando da definio de Max Weber, expe tratar-se daqueles que no vivem apenas para a poltica, mas vivem da poltica (BOBBIO, 1986, p. 47).

    A dimenso do problema constatada pela anlise dos campos e dos graus em que as pretenses democrticas so cumpridas no cotidiano do povo, onde se apresenta uma parcela considervel da populao destituda de uma srie de sistemas prestacionais. Tais grupos necessitam das referidas prestaes, este um desafio que se aceita em nome do desenvolvimento de uma sociedade civil ativa e ampla, pois quanto mais a populao se corresponder efetivamente com a concretizao dos direitos que foram destinados a ela e reconhecidos na Constituio, mais essa populao se aproximar do seu sistema democrtico.

    Do contrrio, assiste-se degradao e deteriorao das condies democrticas, os projetos de construo de uma sociedade poltica e cidad so desenvolvidos de forma aptica e anmica, demonstra-se incongruncia em relao s regras ditadas no jogo poltico, expondo-se um quadro em que a instabilidade poltica e o desarraigamento do povo em relao poltica tornam-se a lgica do campo, mesmo com um bom nvel de envolvimento da populao no processo eleitoral.

    Ou seja, o abismo que se abre entre as instituies democrticas e a populao marginalizada e desacreditada no regime apresenta-se como uma ameaa concretizao de um projeto de sociedade democrtica, de forma que o modelo poltico representativo no assegura a reduo desse abismo, ao contrrio, s dificulta a busca da estabilidade poltica, configurando-se claramente uma situao de impasse.

    O objetivo dessas observaes frisar a necessidade de evocar de maneira eloquente a prtica de uma democracia institucional equilibrada, em que a representao possa exercer uma mediao eficaz entre sociedade e Estado, buscando atuar em prol da populao, sendo esta a condio de sua legitimidade.

    O resgate da legitimidade da democracia representativa

    Reportando-se histria, encontram-se autores como Rousseau, que desenvolve a ideia de uma democracia plebiscitria, ou seja, um regime poltico no qual impera a vontade

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    do povo, perfazendo-se atravs da concepo da vontade geral quanto mais unnime for o resultado da deciso, mais imperativa ser a vontade geral , descartando completamente a possibilidade de uma democracia aos moldes da representao, pois entende que a vontade do povo no pode ser transferida a representantes, pelo fato de que o povo somente livre no momento de eleg-los, passadas as eleies ele se torna aprisionado, em situao de escravido (BARZOTTO, 2003, p. 111).

    Ocorre que todo o pensamento de Rousseau funda-se no conceito de vontade geral, sendo que esta desconectada de quaisquer outras faculdades, j que defende a tese de uma democracia desvinculada, inclusive do critrio da representatividade. A unanimidade usada como parmetro pelo filsofo, na contemporaneidade, tornou-se muito difcil de alcanar, em razo da heterogeneidade de opinies que prevalece nas sociedades atuais, e tambm por causa das novas complexidades geradas pelo fenmeno da globalizao.

    Tais fatores acabam atingindo igualmente os espaos polticos, atravs das idiossincrasias de opinies apresentadas atualmente. Problema a ser resolvido pela democracia representativa que pressupe a formao de partidos polticos que qualificam a cidadania, ou seja, diante de tantas mudanas e opinies, o cidado pode optar entre um ou outro partido poltico que esteja adequado a sua ideologia, que compartilhe das mesmas ideias, justamente por que o regime democrtico permite isso: atravs de um programa partidrio, escolher o partido que melhor condiz aos anseios de um cidado inserido em uma vida poltica.

    Isso significa expressar preferncias entre tantas alternativas, aderindo, desta forma, a um processo poltico, de deciso poltica tambm. exercer um direito subjetivo de associao no poder de dominao poltica por meio da participao nos partidos polticos, que, por sua vez, apresentam-se como verdadeiros canais por onde se realiza a representao poltica do povo. Assim, o ideal de Rousseau parece mostrar-se insuficiente diante de tantas transformaes e diversidades denotadas na sociedade atual. Afora toda crise demonstrada pela democracia representativa e pelos partidos polticos, no se pode desconsider-los como condies de possibilidade de organizao da sociedade atravs de um plano de sobrevivncia democrtica.

    Ademais, descartar a possibilidade da democracia representativa parece invivel nos dias de hoje, em razo dos diversos problemas apontados, como, por exemplo, o tamanho dos Estados nacionais contemporneos e de suas populaes. Alm disso, as questes de governo se tornaram mais complexas, exigindo maior especializao e, por fim, uma das caractersticas mais expressivas das experincias democrticas tem sido a crescente

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    incorporao dos vrios grupos sociais cidadania, logo, a diversidade de interesses muito grande, portanto independente de suas crises , mecanismos de mediao so necessrios para evitar que o conflito social atinja nveis explosivos.

    De qualquer maneira, a democracia representativa precisa encontrar formas que possam pr fim ou, pelo menos, minimizar essa crise de legitimidade que, alm de gerar alta desconfiana dos agentes da representao, contribui para o descrdito das decises tomadas por eles. Sua superao exige uma prxis social que ultrapasse o discurso poltico, a fim de fundar uma nova forma de agir e de poder, para restabelecer o seu espao de credibilidade, mantendo, assim, a vinculao da democracia com o sentido original de governo do povo (SILVA, 1997, p. 133).

    O debate acerca do tema se coloca frente da seguinte ideia: possvel resgatar a legitimidade da democracia representativa, especialmente no que concerne ao processo de tomada e implementao das decises, atravs de uma discusso voltada valorizao do cidado eleitor ou povo ativo? (MLLER, 1998, p. 56).

    Nessa anlise, deve-se levar em conta, no o nmero dos que tm direito de participar ativamente das decises que lhes dizem respeito, mas sim os espaos nos quais podem exercer esse direito e as possibilidades que se apresentam como soluo para os problemas vividos em sua sociedade.

    Nessa seara, tendo como base os ensinamentos de Lnio Streck e Jos Luis Bolzan de Morais, afirma-se que a prtica democrtica pode ser exercida em todos os ambientes em que se discutam decises que possam capacitar o povo a resolver sobre o curso das aes coletivas que digam respeito ao rumo de suas prprias vidas (STRECK, 2006, p. 113).

    Mas necessrio deixar claro que essa anlise s surtir efeitos em mentes educadas para uma vida voltada cidadania, pois uma atuao pautada apenas pela obrigao (dever social), ou em nome de uma troca de favores pessoais, no atingir os nveis esperados pelo ideal de conscientizao cidad.

    Em um segundo momento, necessrio exigir contornos que demonstrem propostas polticas aptas a assumir o papel de vanguarda do desenvolvimento e de busca da concretizao dos direitos fundamentais, para assim consolidar o conceito de cidado como sendo realmente o destinatrio das pretenses constitucionais democrticas, alm de impedir que as eleies se esvaziem de significao e para que no se criem convices populares de que eleio no coisa sria.

    fundamental promover a reafirmao do carter indispensvel da representao da sociedade poltica, neste sentido, os representantes precisam apresentar e propor novos

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    projetos que acompanhem as mudanas da sociedade contempornea, promovendo, dessa forma, um liame que robustea a valorizao e a participao cidad.

    Somente com o comprometimento dos representantes polticos que se podem atingir tais patamares, pois a democracia um sistema organizacional que apresenta uma forte conexo com reivindicaes como a liberdade e a igualdade do povo. Ocorrendo a usurpao desses direitos a democracia fracassa na tarefa de se acoplar com o Direito, a Sociedade e o Estado.

    Nessa linha, desenvolve-se um entendimento no qual o processo de deciso de um governo deve ocorrer mediante a participao e a deliberao de todos os cidados em centros de debate e negociao, para assim, tais decises atingirem legitimidade efetiva. A proposta criar espaos pblicos alternativos (implantao de fruns democrticos e participativos) que permitam ao cidado e ao prprio representante testar e justificar suas propostas antes de serem aprovadas nas casas legislativas, garantindo a legitimidade do processo decisrio por meio da participao popular e da discusso prvia (FARIA, 2006).

    Com a criao de tais espaos alternativos de mediao entre os representantes e os eleitores, assegura-se, tambm, uma ao mais responsvel daqueles. Alm disso, os representantes proporcionariam aos cidados alternativas reais de escolha para a soluo dos problemas sociais, ao mesmo tempo em que estariam ampliando e reconquistando suas bases de apoio, na medida em que seus projetos estariam sendo debatidos com a populao. Depois de debatidos e votados, tais projetos poderiam ser implantados pelo governo tendo como respaldo o pleno consenso popular, rearticulando, dessa forma, o espao pblico (STRECK, 2006, p. 158).

    Em outros termos, parece que, pelo razovel poder de presso sobre os parlamentares, tais mecanismos de participao popular provocam efeitos positivos, no sentido de corrigir os vcios da atuao parlamentar, como a omisso, a defesa de interesses corporativos dos prprios representantes, a irresponsabilidade poltica, etc. Vislumbrando-se, assim, um complemento eficaz para a representao poltica, servindo para contornar as vicissitudes do Parlamento e aumentar a responsabilidade dos polticos, conduzindo-os a prestar contas sobre suas decises.

    Alm disso, argumenta-se a favor de tais institutos democrticos que acabam contribuindo tambm para a educao poltica do povo, servindo como instrumentos de uma verdadeira escola da cidadania, ou seja, alm de constiturem um avano no sentido de institucionalizar a veiculao das demandas da sociedade e de enfrentamento dos problemas, dificuldades e anseios do povo, tais espaos tambm informam a populao quanto s

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    deliberaes governamentais, transformando essa mesma populao em partcipes da vida poltica.

    Tal proposta apresenta-se como um fator essencial ao processo educativo de todo ser humano, fazendo com que este passe a se interessar mais pelos assuntos que dizem respeito direo de suas prprias vidas e, sobretudo, a se manter informado sobre os acontecimentos de interesse nacional.

    A educao poltica atravs da participao nos processos decisrios, independente do resultado de tal processo, estimula o cidado a criar um costume poltico, construindo uma cultura poltica e demolindo aquelas convices radicadas no desinteresse do povo pela vida poltica, expandindo, dessa forma, as possibilidades efetivas de aperfeioamento de uma vivncia democrtica entre a populao.

    A democracia necessita de um alicerce cultural em que todos os cidados estejam imbudos da mesma fidelidade s normas institucionais que regem o convvio poltico. preciso criar formas de um sentimento democrtico homogneo, ou mais propriamente uma cultura patritica capaz de criar uma identidade democrtica para as diversas camadas populacionais excludas.

    Dessa forma, os fruns democrticos e participativos impulsionariam uma dinmica mais virtuosa entre representao poltica e participao dos cidados, viabilizando uma maior incluso e educao poltica do povo e uma relao mais transparente e equilibrada dos seus representantes, num mpeto de resgatar a credibilidade da representao poltica movido por um projeto de democracia satisfatria.

    O reforo da relao constituiodemocracia

    A proposta do presente estudo, como dito em linhas anteriores, expor um roteiro de alguns fatores que concorrem para o desencadeamento do quadro de fragilizao da democracia na atualidade, alm de solidificar a compreenso das possibilidades de resgate do projeto de fortalecimento democrtico pela apresentao da fora normativa e do grau de dirigismo da Constituio, no sentido de demonstrar a necessidade do controle da atividade do legislador por intermdio de sua conformao ao texto constitucional.

    Assim, a toda evidncia, vai aparecendo cada vez com maior nitidez a omisso dos legisladores na concretizao e execuo dos valores constitucionais (direitos sociais, direito

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    educao, direito subsistncia, etc.) e, consequentemente, a aferio da inefetividade da Constituio.

    Dessa forma, para assegurar um projeto de resgate da democracia, torna-se imprescindvel levar em considerao o ponto de vista de que os valores constitucionais se sobrelevam, inclusive, aos textos aprovados pelo Poder Legislativo. Para tanto, necessrio aceitar e assumir o reconhecimento do patamar de norma diretiva fundamental desempenhada pela Constituio (STRECK, 20001, p. 82).

    inexorvel que, para o fortalecimento do regime democrtico, os valores constitucionais passem a ser considerados como elementos inabolveis e inderrogveis, ao ponto da onipotncia do legislador ceder espao supremacia da Constituio. Assim, todo ato legislativo deve estar conformado normatividade constitucional.

    Por tais razes, entende-se que o elenco de direitos e liberdades constitucionais definidoras da cidadania intocvel, dessa forma, necessrio o reconhecimento da supremacia da Constituio como elemento de garantia contra eventuais abusos e violaes e como forma de resgate de um projeto genuinamente democrtico.

    O dficit resultante do descumprimento dos direitos fundamentais e das polticas pblicas pode ser preenchido pela exigncia da vinculao do legislador aos imperativos da Constituio, ao mesmo tempo em que fazer valer o desenvolvimento consagrado no programa constitucional fazer concretizar o marco de realizao de uma sociedade democrtica.

    Nessa seara cabe registrar a lio de Lnio Streck quando aduz que:

    Torna-se relevante acrescentar que o Estado Democrtico de Direito assenta-se em dois pilares: a democracia e os direitos fundamentais. No h democracia sem o respeito e a realizao dos direitos fundamentais-sociais e no h direitos fundamentais-sociais no sentido que lhe dado pela tradio sem democracia. H, assim, uma copertena entre ambos. (STRECK, 2001, p. 88).

    Dessa forma, a defesa do valor da Constituio representa a garantia da possibilidade de proteo do cidado contra eventuais violaes aos direitos inerentes a sua sobrevivncia e desenvolvimento humano.

    Ademais, at o presente momento, tambm assume fundamental relevncia dentro dessa temtica o papel dos juristas no sentido de assegurarem os procedimentos da democracia atravs do reconhecimento e da assuno da fora normativa do texto constitucional e, para tanto, necessrio, no s por intermdio da justia constitucional, mas tambm pelo prprio agir dos operadores do Direito, evitar e impedir que os valores

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    substanciais contidos na Constituio sejam solapados pela baixa operacionalizao do direito constitucional no agir cotidiano desses profissionais.

    Nesse aspecto, torna-se uma reivindicao primordial da sociedade exigir que o Direito seja tomado como campo de luta para a implementao dos valores democrticos, principalmente em pases como o Brasil, que to carente de concretizao de direitos e que apresenta uma populao to sedenta deles.

    Interpretar as leis, sustentado por um dever moral e tico de compromisso com os valores constitucionais e adapt-los s necessidades dos cidados com os olhos postos em um horizonte descoberto pelos anseios de uma sociedade papel dos juristas, contribuindo, assim, para que cada vez mais seja refletida a autntica expresso da vontade da sociedade em que atua e objetivando progressos fundamentais e legitimamente democrticos.

    Por certo, nas condies expostas, tal perspectiva s ser alcanada quando os juristas obtiverem conscincia da importncia da instrumentalizao dos valores constitucionais para a prpria definio do Estado de Direito Democrtico e, assim, se dispuserem a utiliz-los em benefcio de uma sociedade que busca a concretizao dos direitos previstos constitucionalmente. Dessa forma, torna-se indispensvel estabelecer novas instituies jurdicas para um Direito contemporneo que sirva s ideias de justia social e resgate do projeto democrtico.

    Conclui-se que necessria uma nova postura, no sentido de integrar o acontecer da Constituio ao lidar tcnico dos juristas em benefcio de uma sociedade capaz de promover e assegurar o desenvolvimento humano e, para se alcanar tal intento, torna-se relevante buscar um modelo de Direito que trabalhe com condies reais de concretizao dos direitos inscritos constitucionalmente em nome de uma sociedade em que vigora um regime democrtico satisfatrio a todo seu povo.

    Consideraes finais

    De acordo com o exposto, no se trata de desconhecer as conquistas democrticas do Brasil, pois em todo este mbito de fragilizao, existe um Estado Democrtico de Direito institudo, com instrumentos nem sempre eficientes de proteo s liberdades dos cidados.

    Porm, o regime poltico, embora nascido de eleies competitivas, parece no conseguir promover e garantir reivindicaes inerentes democracia. A frustrao crescente

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    pela falta de eficincia, transparncia e equidade na instituio poltica representativa se expressa em mal-estar, perda da confiana no sistema poltico e crises de governabilidade, fatos que colocam em risco a estabilidade do prprio regime democrtico.

    Foi demonstrado que a incapacidade de desenvolver uma poltica que incorpore opes, agrupe vontades e canalize plenamente as demandas da cidadania, so fatores reprodutores de alta desconfiana nos agentes da representao e na prpria poltica, sendo que, no cerne de tal confluncia, surgem indicadores que avanam para a ideia de exigncia de vinculao do legislador ao texto constitucional, fazendo cumprir o marco de realizao de uma sociedade democrtica, por meio da concretizao do programa constitucional.

    Ademais, procurou-se demonstrar a necessidade de criar formas que resgatem a legitimidade da democracia representativa, com a abertura de espaos de participao poltica para os cidados, possibilitando resgatar no s a credibilidade nos polticos, como tambm, o fortalecimento institucional do regime democrtico.

    Enfim, deixa-se claro que, apesar das distores e aventuras praticadas pelos representantes polticos que assolam o cenrio democrtico , se acredita no haver razo para um pessimismo radical, que to comum hoje entre os intelectuais, que, preocupados em conservar sua capacidade crtica, afirmam que a democracia caminha para o colapso, ao contrrio, est se construindo, de forma lenta, mas inexorvel, um sentimento dominante de resgate dos valores democrticos, que nem mesmo tentativas autoritrias conseguem solapar.

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