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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO O NEOCONSTITUCIONALISMO E A FRAGILIZAÇÃO DO DIREITO Douglas Matheus de Azevedo Lajeado, novembro de 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A FRAGILIZAÇÃO

DO DIREITO

Douglas Matheus de Azevedo

Lajeado, novembro de 2014

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Douglas Matheus de Azevedo

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A FRAGILIZAÇÃO

DO DIREITO

Monografia apresentada ao Curso de Direito, do

Centro Universitário Univates, como parte da

exigência para a obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Me. Mateus Bassani de Matos

Lajeado, novembro de 2014

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Douglas Matheus de Azevedo

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A FRAGILIZAÇÃO

DO DIREITO

A Banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada à disciplina de Trabalho de Curso

II – Monografia do Curso de Direito, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência

para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Prof. Me. Mateus Bassani de Matos

Centro Universitário Univates

Prof. Me. Jorge Ricardo Decker

Centro Universitário Univates

Prof. Ms. Thaís Carnieletto Muller

Centro Universitário Univates

Lajeado, novembro de 2014

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RESUMO

O neoconstitucionalismo é uma teoria importada para o direito nacional após a promulgação da

Constituição de 1988, com o intuito de dar maior efetividade aos princípios fundamentais,

incumbidos da tarefa de alterar a realidade da sociedade. Esta monografia tem como objetivo geral

a verificação da teoria do neoconstitucionalismo e de suas especificidades, especialmente no que

se refere aos efeitos negativos oriundos da discricionariedade nas decisões judiciais. Trata-se de

pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico

bibliográfico e documental. As reflexões iniciam pela descrição da evolução histórica co

constitucionalismo, seu caráter secundário durante o Estado Legislativo de Direito e sua corrupção

na ascensão do nazismo na Alemanha, até o momento da ruptura do velho paradigma

constitucional, momento no qual as Cartas Magnas passam a possuir normatividade. Em seguida,

busca-se traçar noções gerais sobre o neoconstitucionalismo, sua contextualização e seus pontos

fulcrais, mormente no que toca ao método da ponderação de princípios. Os conceitos apresentados

partem da ótica de doutrinadores expoentes da teoria, como Alexy, Sanchís, Zagrebelsky, sendo

possível identificar alguns pontos divergentes, razão que possibilita a utilização do termo

neoconstitucionalismo(s). Assim, o enfoque da pesquisa cinge-se aos pontos centrais

compartilhados entre eles. Logo após, será analisada a (in)compatibilidade do

neoconstitucionalismo com o Ordenamento Jurídico vigente, em especial no tocante à

discricionariedade nas decisões judiciais, bem como a sublimação do Poder Judiciário frente aos

demais. Ao fim, conclui-se que as práticas presentes no neoconstitucionalismo não comprometem

apenas a vinculação do juiz à lei democraticamente criada, mas também o sentido de igualdade

perante esta mesma lei. A superação do arbítrio no âmbito judicial mostra-se como uma forma de

resguardar a integridade do direito, não permitindo sua fragilização ante uma proliferação de

enunciados pautados em subjetivismos, além de manter preservado um dos pilares das sociedades

contemporâneas: a separação entre os poderes.

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Discricionariedade. (in)Compatibilidade. Fragilização.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... ...5

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL ......................................... 9

2.1 O modelo historicista inglês .................................................................................................... 10

2.1.2 O nascimento de uma nação: a Revolução Americana ..................................................... 12

2.1.3 A Revolução Francesa e o rompimento com o antigo regime .......................................... 14

2.2 O Estado Legislativo e as atribuições do Poder Judiciário ................................................. 16

2.2.1 A submissão do judiciário.................................................................................................... 17

2.2.2 O controle de constitucionalidade ....................................................................................... 19

2.3 O Estado como titular da soberania ...................................................................................... 21

2.3.1 Ruptura e gênese: o direito sob a égide do positivismo jurídico ...................................... 23

3 A TEORIA NEOCONSTITUCIONALISTA .......................................................................... 29

3.1 Alterações no âmbito constitucional ...................................................................................... 31

3.2 A diferença entre regras e princípios .................................................................................... 35

3.2.1 A colisão entre regras e princípios ...................................................................................... 38

3.2.2 O caráter prima facie dos princípios ................................................................................... 41

3.3 O método da ponderação ........................................................................................................ 42

3.3.1 Os princípios fundamentais como valores ......................................................................... 45

3.3.2 Discricionariedade e a teoria da argumentação ................................................................ 46

4 A NOVA CRÍTICA DO DIREITO ........................................................................................... 49

4.1 Críticas à teoria da conexão entre direito e moral ............................................................... 52

4.2 O neoconstitucionalismo no Brasil: uma recepção descontextualizada ............................. 55

4.2.1 A jurisprudência dos valores e a teoria da argumentação ............................................... 56

4.2.2 O ativismo judicial ems olo brasileiro ................................................................................ 57

4.2.3 Crítica à diferença entre regras e princípios e à equiparação destes à valores .............. 59

4.2.4 O panprincipiologismo: a proliferação de princípios ....................................................... 61

4.3 Como a discricionariedade enfraquece o direito e a democracia e a necessidade de uma

teoria da resposta correta ...................................................................................................... 62

4.3.1 Discricionariedade e ativismo ............................................................................................. 63

4.3.2 A Nova Crítica do Direito .................................................................................................... 66

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 70

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 74

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição, no modelo como hoje é reconhecida, trata-se de uma construção recente.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento do Estado Democrático de Direito, a Carta

Magna dos países europeus supera o modelo anterior, em especial pela sua normatização, a

expansão de sua jurisdição e o modo como deve ser interpretada – que se estende para todo o

Ordenamento Jurídico. Contudo, esse processo só ocorreu tardiamente no Brasil, com a

promulgação, em 1988, da chamada Constituição Cidadã.

Inicialmente, no berço do constitucionalismo moderno europeu, a Constituição era vista

como um documento de cunho político, cuja função era meramente servir como referência para a

regulamentação do Estado, já que, destituída de força normativa, não possuía aplicação imediata.

O Código Civil (chamado de Constituição das Relações Privadas), por sua vez, regulava as

relações entre particulares, principalmente da classe burguesa. Dessa forma, cumpre lembrar que

com a superação histórica do jusnaturalismo e sob a égide do positivismo (que equiparava o

direito à lei, afastando qualquer discussão acerca de sua legitimidade), além da ausência de

qualquer garantia constitucional recaída sobre o ordenamento, o mundo presenciou inúmeras

atrocidades pautadas na própria legalidade, especialmente durante a ascensão do regime nazista,

na Alemanha, e fascista, na Itália.

Assim, mais precisamente na segunda metade do século XX, verificou-se uma mudança

definitiva no paradigma anterior, uma vez que as constituições, agora rígidas e imbuídas de

princípios, recebem normatividade, com aplicação direta e subordinando todo o ordenamento

jurídico de um país (o que ficou historicamente conhecido como constitucionalismo). Ademais,

com o plus democrático nelas inserido, as constituições não

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mais possuíam uma mera função reguladora, mas adquiriam feições transformadoras da

realidade social, impondo ao Estado, de modo imperativo, a tarefa de direcionar suas ações para

a concretização de uma sociedade menos desigual e mais justa.

Sob a influência do novo paradigma e na busca de uma plena efetivação deste novo

direito, surge, no continente europeu, o movimento neoconstitucionalista (descrito por alguns

autores como superação do positivismo), prevendo, como principais características, a

reaproximação entre direito e moral, a distinção entre regras e princípios e apontando a

ponderação como modelo privilegiado de aplicação do direito para hipóteses de colisão entre

princípios, enquanto que a subsunção resolveria a aplicação das regras.

A importação da teoria neoconstitucionalista ao solo pátrio, contudo, se deu de forma

acrítica e descontextualizada. Isso possibilitou que a ponderação de princípios e a subsunção

culminassem na corrupção do próprio direito, ao gerar margem para que o aplicador/interprete,

em suas decisões, utilize-se de critérios subjetivos, ou até crie princípios nos chamados casos

difíceis (hard cases) ou hipóteses de eventuais lacunas na lei, fragilizando o sistema e até mesmo

o Estado Democrático de Direito. É por este motivo que justifica-se fundamental um

aprofundamento no tema, mormente para verificar sua (in)compatibilidade com o sistema

jurídico brasileiro.

O presente trabalho tem, como objetivo geral, a verificação do fenômeno do

neoconstitucionalismo e de suas especificidades, especialmente no que se refere aos efeitos

negativos oriundos da discricionariedade nas decisões judiciais. A pergunta que se levanta é se

essa discricionariedade fragiliza o direito e atenta contra o Estado Democrático de Direito, no

momento em que amplia a função do Poder Judiciário? A hipótese que se levanta deste

questionamento é a incompatibilidade de juízos discricionários, pautados no subjetivismo do

intérprete, nas decisões judiciais. Isto porque além de sublimar o Poder Judiciário frente aos

demais – desequilíbrio este que proporcionou um período de arbítrio nos séculos passados -,

resta igualmente comprometida a isonomia frente às decisões, pois, é possível que casos

análogos encontrem respostas antagônicas, conforme o entendimento do magistrado. Exsurge,

ainda, a necessidade da aplicação de uma teoria da decisão judicial, prezando pela autonomia e

integridade do direito, atendo-se sempre aos preceitos da Constituição.

No tocante à pesquisa, a abordagem será qualitativa, porque busca aprofundar o contexto

analisado e a perspectiva interpretativa dos possíveis dados para a realidade, consoante

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estabelecem Mezzaroba e Monteiro (2009). Para se atingir a findalidade desejada pelo estudo,

será utilizado o método dedutivo, que será operacionalizado por meio de procedimentos técnicos,

pautados na doutrina e em legislação, buscando demonstrar o arbítrio existente nos séculos

passados, a seguir caracterizando o neoconstitucionalismo em seus aspectos fundamentais para,

por fim, se atingir o ponto central da pesquisa, que consiste em uma desconstrução desta teoria,

com o apontamento de uma teoria apta a atender à vontade constitucional sem ferir os

pressupostos democráticos.

No primeiro capítulo do desenvolvimento deste estudo, far-se-á uma análise da evolução

histórica do direito constitucional em sua gênese, pois, embora o historicismo inglês e as

revoluções americana e francesa apresentem contextos distintos, podem ser apontados muitos

pontos convergentes, adotados pelas atuais Cartas Magnas. A seguir, será abordado o Estado

Moderno, período no qual o órgão parlamentar, responsável pela criação das leis, assume o

controle das relações estatais e submete os demais poderes à sua vontade, sendo este também o

período de ascensão do positivismo jurídico, que só viria a ruir quando do fim da Segunda

Guerra Mundial, momento estabelecido como marco do novo paradigma, eis que as constituições

principiológicas passaram a receber força normativa.

Em um segundo momento, serão traçadas noções gerais sobre o neoconstitucionalismo,

sua devida contextualização e seus elementos centrais, como a máxima efetividade dos

princípios, o retorno da moral ao direito e a ponderação de valores. Neste fase, apresenta-se

alguns conceitos elaborados por expoentes do movimento, o que possibilita a utilização do termo

neoconstitucionalismo(s) no plural. Em que pese tais divergências, outros elementos, como por

exemplo a ponderação de princípios e a diferenciação entre regras e princípios, se fazem

constantes em todas as teorias, razão pela qual serão abordados de forma mais aprofundada.

Por derradeiro, o terceiro e último capítulo apresentará críticas a todos os elementos

abordados no momento anterior, mormente acerca do método da ponderação, que proporciona

juízos discricionários nas decisões, além de trazer outras patologias para o direito. Após restar

demonstrada a incompatibilidade do neoconstitucionalismo com o modelo democrático, será

abordada a Nova Crítica do Direito (ou Crítica Hermenêutica do Direito), teoria na qual Streck,

considerando as revoluções no campo da filosofia e o novo papel dos princípios no Ordenamento

Jurídico, defende a possibilidade de uma resposta correta, a qual entende como adequada à

Constituição, rompendo definitivamente com a discricionariedade e o objetivismo/subjetivismo,

sempre muito presentes na aplicação do direito.

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2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Para uma melhor compreensão do constitucionalismo moderno, inicialmente se faz

necessária uma análise de sua evolução ao longo dos séculos, tendo como norte a experiência de

alguns países em específico. Assim, este capítulo objetiva identificar os diferentes momentos

constitucionais ao longo dos séculos, evidenciando suas peculiariedades e pontos convergentes,

com o intuito de verificar as razões primordiais para a promulgação das constituições, sua

corrupção e, por fim, o rompimento com o antigo paradigma.

A Constituição, na forma como hoje é reconhecida em praticamente todos os países, é

uma construção oriunda da segunda metade do século XX, com o fim da Segunda Guerra

Mundial e a consequente preocupação com os direitos fundamentais do homem. Esses direitos

passaram a receber especial atenção em virtude dos anos de atrocidades vividos durante os

regimes totalitários na Europa, sendo que muitas delas eram pautadas sob o próprio princípio da

legalidade.

Tal construção, contudo, deu-se de forma gradual ao longo dos séculos. Conforme

assinala Canotilho (2002), a Constituição em sentido moderno, que ordena, funda e limita o

poder público, bem como reconhece e garante direitos fundamentais dos indivíduos é derivada

da experiência de alguns países (Inglaterra, Estados Unidos e França). Embora os movimentos

constitucionais desses países possuam características nacionais e distintas entre si, haja vista as

diferenças culturais, históricas e geográficas, é possível encontrar pontos convergentes entre eles.

Entretanto, o mestre lusitano ressalta a diferença entre movimentos constitucionais, ou seja, os

processos de criação de uma Constituição, e a noção de constitucionalismo, sendo essa última a

ideia criadora do princípio de governo limitado com finalidade garantística.

Existe, ainda, uma acepção histórico-descritiva do constitucionalismo moderno. Nesse

sentido, o jurista português descreve o fenômeno como sendo o movimento político, social e

cultural que passa, durante o século XVIII, a questionar nos planos político, filosófico e jurídico

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“os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma

nova forma de ordenação e fundamentação do poder político” (CANOTILHO, 2002, p. 52).

Assim, esse constitucionalismo opõe-se ao chamado constitucionalismo antigo, ou seja, os

princípios escritos ou consuetudinários que erigem a existência de direitos estamentais1 face ao

monarca e ao mesmo tempo limitam seu poder.

Tal diferenciação se faz importante, pois o conceito moderno de Constituição não

corresponde inteiramente a nenhum dos modelos históricos de constitucionalismo, apresentando

pontos distintos dos modelos inglês, americano e francês. Dessa forma, exsurge a importância de

um conceito histórico de Constituição, o que entende-se como um “conjunto de regras (escritas

ou consuetundinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-

política num determinado sistema político-social” (CANOTILHO, 2002, p. 52). Assim, para uma

plena compreensão da ideia moderna de constitucionalismo, se faz fundamental uma análise dos

aspectos históricos do fenômeno.

2.1 O modelo historicista inglês

Cronologicamente, o primeiro movimento constitucional se deu na Inglaterra, com o

chamado modelo historicista, no qual o direito é “revelado”. Assim, através da Magna Carta

(1215), da Petition of Rights (1628), do Habeas Corpus Act (1679) e do Bill of Rights (1689),

verificou-se a formação de alguns elementos estruturantes das ditas Constituições Ocidentais.

Com os referidos documentos, instituiu-se a noção de liberdade pessoal de todos os ingleses,

bem como a segurança da pessoa e de seus bens, seguido da criação de um processo justo,

regulado por lei, em que se estabelecessem regras disciplinadoras da privação da liberdade e da

propriedade (CANOTILHO, 2002).

O autor destaca também o fato da noção de liberdade ter se consolidado como a liberdade

pessoal de cada indivíduo inglês, bem como a segurança da pessoa e dos bens que possui,

1 Por ordem jurídica estamental entende-se um tipo específico de ordem comunitária, - típica da Idade Média -, em

que os direitos e deveres são atribuídos aos sujeitos segundo a sua integração num determinado estamento.

(PIERANGELO SCHIERA, p. 143, apud CANOTILHO, 2002, p. 57).

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conforme exposto no artigo 39 da Magna Carta2. A seguir, ressalta o fato da garantia desses

direitos fundamentais terem sido fatores determinantes na criação de um processo justo por lei

regulado (due process of law), em que restam descritas as regras acerca da privação da liberdade

e da propriedade.

Ainda quanto aos elementos da Constituição ocidental, Canotilho (2002) aponta, em

terceiro lugar, o fato das leis da Inglaterra, responsáveis pela tutela das liberdades individuais,

passarem a ser interpretadas e reveladas pelos juízes, culminando na fomentação do direito

comum (common law). Por fim, menciona a elevação do parlamento a estatuto constitucional,

passando a haver uma espécie de balanceamento no poder entre monarca e membros

parlamentares, fulminando a noção de constituição mista (CANOTILHO, 2002).

Quanto ao parlamento, verificou-se que os eventos ocorridos na história inglesa viriam a

consolidá-lo como principal instituição do país, limitando drasticamente o poder do monarca,

que passa a ser polarizado entre diversos outros órgãos. De acordo com Fioravanti (2001, p. 90):

Los acontecimentos sucesivos – que conducen primeiro a la restauración de la

monarquia en 1660 y después, en 1689, a una decisiva limitacion de sus poderes

com la Revolución Gloriosa y con la adopción del célebre Bill of Rights -

confirman esta línea, según la cual Inglaterra se caracteriza por una fuerte y cada

vez más irreversible primacía del parlamento, que se afirmaba de manera

respetuosa con la tradición del gobierno mixto y del contrapeso de los poderes

que caracterizaba profundamente la historia del país.

O professor florentino aponta o surgimento de uma forma de governo equilibrada e

moderada, o que seria durante muito tempo o modelo constitucional por excelência na Europa.

Esse contrapeso apresenta uma regulação entre o poder legislativo, ou seja, o parlamento, e o

executivo, centrado na figura do monarca, cujos poderes, drasticamente reduzidos, restringiam-

se à funçoes como a imposição de tributos e questões concernentes ao exército e às guerras.

Uma das noções fulcrais do constitucionalismo e que pode ser verificada no modelo

inglês é, portanto, a de que o titular do poder de criar leis não pode ter à sua disposição recursos

ou meios de governo, em especial o poder de coação aos indivíduos; e o titular desses meios não

pode, por sua vez, legislar (FIORAVANTI, 2001).

2Artigo 39. Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora

da lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos ninguém contra ele, exceto

pelo julgamento legítimo dos seus pares ou pela lei do país.

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Em que pese a preocupação dos ingleses com o balanço entre os poderes, criou-se uma

noção de que a maioria parlamentar seria o único fundamento do governo, reduzindo ainda mais

o poder do rei e enaltecendo cada vez mais a figura do Primeiro Ministro como chefe de governo

e representante do parlamento. Cumpre transcrever as palavras de Fioravanti (2001, p. 96) no

tocante ao presente tema:

Y, desde el ponto de vista de Bolingbroke y de la misma tradición constitucional

inglesa, el cambio que se estaba produciendo en el gobierno parlamentario era juzgado

como contrario a la constituición. La figura del primer ministro y de su gobierno

encerraba en sí los poderes que todo gobierno debe tener en el plano ejecutivo y el

mismo poder legislativo, en calidade de mayoría parlamentaria. Brevemente, el

gobierno parlamentario violaba el principio fundamnetal, ya considerado por Locke, de

la separación entre legislativo y ejecutivo.

Diferente dos outros modelos constitucionais, o direito inglês não buscava criar uma lei

fundamental para garantir direitos e liberdades, mas sim confirmar a existência desses direitos

em velhas leis, ou, como aponta Canotilho (2002, p. 69), “num corpus costumeiro de normas e

num reduzido número de documentos escritos”. Assim, o sentido reside no equilíbrio dos

poderes medievais, com observância aos direitos e liberdades e na prevalecência de um modelo

moderado de governo.

No constitucionalismo histórico, portanto, verifica-se a existência de uma “estranheza” à

criação de uma nova ordem política por um ente abstrato (povo ou nação). Para Canotilho (2002,

p. 69), no devido contexto existia a “indisponibilidade da ordem política, a incapacidade de

querer, de construir e de prejectar uma „ordem nova‟, bem como a rejeição de qualquer corte

radical com as estruturas políticas tradicionais”. Dessa feita, o constitucionalismo histórico não

abarca a ideia de poder constituinte apto a, por si só, moldar o modelo político do povo.

2.1.2 O nascimento de uma nação: a revolução americana

O próximo movimento constitucional ao longo da história é o Americano, de 1787,

ocasião na qual o povo (que ainda não era uma nação) reclamou, através de uma revolução, o

direito de estabelecer uma Lei Fundamental.

Para Canotilho (2002), o referido movimento fez diferentes usos da história, pois

utilizou-se dos direitos oriundos da tradição medieval inglesa e também de elementos da

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Revolução Gloriosa. Contudo, o movimento não visava a reestruturação dos antigos direitos e

liberdades oriundos do costume britânico, eis que essa havia instituído no poder o parlamento,

visto pelos americanos como um tirano, em virtude dos chamados impostos sem representação às

colônias. Nas palavras de Fioravanti (2001, p. 104):

En este segundo caso, fue ciertamente decisivo el hecho de que todo ese proceso parte

de la bien conocida cuestión de la injusta tasación por parte del parlamento inglés.

Contra aquel acto legislativo las colonias, que reconocían ya en sus proprias asambleas

verdaderas y proprias formas legítimas de representación política, y que no se sentían

representadas en el parlamento inglés, se alzaron invocando los más sagrados principios

de la tradicional constituicíon inglesa, y, en particular, aquel encerrado en la

conocidísima máxima – no taxation without representation – que imponía la aprobacíon

formal de la imposición de los tributos por las asambleas políticas representativas.

Resta evidente, assim, a necessidade de que a Constituição tivesse como supedâneo

princípios distintos dos apresentados pelos ingleses. Ela deveria, aliás, resguardar os interesses

do cidadão, em forma de lei superior, contra as leis do legislador parlamentar (CANOTILHO,

2002). Ademais, o autor ressalta o uso preambular da expressão “We, the People” na

Constituição Americana, ou seja, a tomada de decisões por parte do povo.

Nesse modelo democrático, o governo toma decisões frequentes e o povo, em raras

ocasiões, toma decisões, se tratando, como aponta Canotilho (2002), dos momentos

constitucionais. Dessa forma, em determinadas e raras situações, o povo se manifesta através do

exercício do poder constituinte.

Quanto ao processo constituinte acima referido, assinala Canotilho (2002, p. 59) que “não

se pretendia tanto reinventar um soberano omnipotente (a nação), mas permitir ao corpo

constituinte do povo fixar num texto escrito as regras disciplinadoras e domesticadoras do poder,

oponíveis, se necessário, aos governantes” em caso de eventual violação à lei superior.

Nesse viés, a Constituição Americana instituiu uma ordem política pautada na ideia de

governo limitado (ou limitação normativa do domínio político) por meio de uma lei escrita,

como bem destaca o mestre português. No corpo desse texto, foram condensados princípios

fundamentais tanto da sociedade quanto dos particulares, não se tratando, como lembra

Canotilho (2002), de um contrato entre quem governa e quem é governado, mas sim um acordo

erigido pelo povo com o intuito de criar um governo vinculado à lei maior.

Como resultado direto da instituição de uma lei superior, o autor aponta a hierarquização

de normas inferiores que devem sempre ceder em caso de afronta aos preceitos esculpidos na

Constituição. Outro aspecto fundamental é a sublimação do poder judicial, na condição de

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defensor da Lei Maior, cabendo aos juízes a tarefa de fiscalização da constitucionalidade. Ainda

sobre o papel dos juízes:

Los jueces – en el momento en que declaran nula una ley contraria a la constituición –

no están afirmando su superioridad sobre el legislativo, sino que son instrumentos de la

constituición, que se sirve de ellos con la finalidad de reafirmar la superioridad de la ley

fundamental sobre las leyes ordinarias, del poder originario del pueblo entero sobre el

poder derivado del legislador, de las asambleas políticas, de la mayoría de turno.

(FIORAVANTI, 2001, p. 109).

O controle de constitucionalidade resta, assim, entendido não somente como uma

ferramenta de proteção aos direitos individuais face à possíveis atos arbitrários do poder

legislativo, mas também, e, especialmente como forma de impedir que um dos poderes, no caso,

o legislativo, possa transgredir sua competência inicial, em afronta à Constituição

(FIORAVANTI, 2001). Assim, a função do juiz consistia, basicamente, em recordar o legislador

de que seu poder é derivado, oriundo do povo soberano através da Constituição.

Diferente do modelo historicista no qual o direito é revelado, a experiência americana

efetivamente cria uma Constituição através do poder constituinte, na qual registra a acepção de

povo dos Estados Unidos como suprema autoridade política; subordina tanto as leis quanto o

legislador à Carta Maior; afasta a existência de poderes absolutos, bem como regula quais

poderes estão autorizados; e garante um rol de direitos superiores que podem ser invocados

contra eventuais arbítrios do legislador e demais poderes (Canotilho, 2002).

O acadêmico português, por fim, diferencia o poder constituinte americano do modelo

Revolucionário Francês, pois no caso estadunidense o poder constituinte não possui autonomia,

servindo apenas como o instrumento para criar um corpo físico de regras que garantem direitos e

limitam poderes.

2.1.3 A Revolução Francesa e o rompimento com o antigo regime

Por derradeiro, há o movimento constitucional francês, decorrente da célebre Revolução

Francesa de 1789. Ao povo, incumbido da colossal tarefa de derrubar todo o conjunto de

relações sociais e políticas do antigo regime, não bastava estabelecer sua soberania como

fundamento e origem da Constituição, mas sim entender-se, em sentido político, como soberano

que, através da Constituição, representasse e sustentasse o movimento revolucionário

(FIORAVANTI, 2001, p. 111).

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Em termos introdutórios, Canotilho (2002) ressalta que o contexto francês, quando da

revolução, permitiu o surgimento de um modelo muito distinto do inglês que, embora já

houvesse resolvido consideráveis questões políticas, não havia rompido em definitivo com

esquemas medievais, como os estamentos.

Os franceses, através de sua revolução, buscavam romper completamente com o antigo

regime, erigindo uma nova ordem sobre os direitos naturais dos indivíduos, e não pautada em

suas posições enquanto membros de um estamento (CANOTILHO, 2002). Dessa forma, os

direitos do homem concretizavam-se como individuais, cunhando a máxima de que todos os

homens nascem livres e com os mesmos direitos.

A junção da afirmação dos direitos naturais e individuais (fruto da Declaração de Direitos

do Homem) e da contratualização da ordem política assente nas vontades individuais, remete ao

construtivismo político-constitucional. Assim, Canotilho (2002, p. 58) aponta o surgimento do

poder constituinte, “no sentido de um poder originário pertentence à Nação, o único que, de

forma autônoma e independente, poderia criar a lei superior, isto é, a Constituição”.

Através da Revolução Francesa surge, portanto, a noção política de nação como titular do

poder constituinte, “que se permite querer e criar uma nova ordem política e social,

prescritivamente dirigida ao futuro, mas simultaneamente, de ruptura com o “ancien régime”

(CANOTILHO, 2002, p. 71).

O caráter garantidor das prescrições constantes na Declaração dos Direitos do Homem,

mormente em seus famosos artigos 1º e 2º, corroboravam diretamente o 16º3, que determinava a

necessidade de separação dos poderes. Contudo, para o constituinte francês, essa separação era

uma palavra genérica, como bem aponta Fioravanti (2001, p. 115):

Para lós constituiyntes franceses, la “separación de poderes”, de la que hablaba el

mismo artículo decimosexto, era más bien uma palabra genérica de caráter político,

contrapuesta como tal a la fórmula anterior del Estado absoluto, que lós eventos

sucesivos debían llenar de contenido constitucional. Y, por otra parte, de la misma

Declaración surgia com fuerza, esta vez sin posibilidad de equívocos, el papel

dominante del legislador y de la voluntad general que ya conocemos. No era difícil

prevê que la garantia de lós derechos se confiaria a esse sujeito y a esa voluntad.

Nesse contexto, é promulgada a Constituição francesa, de 03 de setembro de 1791,

erigida sob a ótica da primazia do poder legislativo, restando praticamente ausentes quaisquer

contrapesos que poderiam limitar esse poder.

3 Artigo 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos

poderes não tem Constituição.

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Quanto à figura do rei, o doutrinador italiano aponta que, embora a Constituição lhe

garantisse um poder suspensivo de veto, deveria utilizar tal prerrogativa apenas como

representante da unidade nacional, e não como detentor de um poder distinto, criado como forma

de contrapeso ao poder legislativo. Não obstante, o rei aparecia na Carta em posição subordinada

ao legislativo, ou seja, ao poder executivo cabia apenas uma função de administração dos meios

necessários para aplicação das leis.

2.2 O Estado Legislativo e as atribuições do Poder Judiciário

Traçadas os diferentes momentos históricos responsáveis pela gênese do

constitucionalismo moderno, verifica-se - excentuando-se o modelo americano (no qual foi

instaurado o controle de constitucionalidade e um efetivo sistema de contrapesos) - o surgimento

de um novo espaço institucional, ou seja, o parlamento, onde decisões eram tomadas através da

representação de vontade da maioria.

No caso francês, a referida instituição legislativa surge da necessidade de se encontrar

uma forma de transformar a vontade da maioria em expressão política (BRANCO, 2009).

Reconheceu-se aos representantes do povo sua força soberana como membros do poder

Legislativo. Destarte, o parlamento não poderia encontrar qualquer limitação no exercício de seu

poder soberano, nem mesmo na própria Constituição.

Segundo o autor, trata-se, contudo, de medida razoável, tendo em vista os alicerces da

revolução, pois em que pese a instauração de uma nova ordem, não restou extinta a monarquia,

antes absoluta e agora constitucional. A figura do rei, embora destituída de seu antigo poder,

permanecia como uma ameaça ao novo regime, fazendo-se necessário mecanismos de controle

ao poder do monarca e por óbvio, justificando a ausência de contrapesos.

Tamanha a primazia do parlamento, passou-se a confundir o princípio da soberania da

nação francesa com o da soberania da aludida instituição, como ressalta Branco (2009). O

parlamento tornou-se, portanto, soberano face todas as autoridades do Estado, pois, conforme

Carré de Malberg (1931), apud Valdés (2010):

El sistema representativo erigido por la Constitución partiendo del princípio de la

soberanía nacional se sustancia, en definitiva, en un sistema de soberanía parlamentaria.

El parlamento era doblemente soberano: lo era, en primer lugar, frente a todas las

autoridades, en la medida que configuraba, frente a ellas, al pueblo con su poder

derivado de la voluntad general; y lo era también, de una forma absolutamente real,

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frente al proprio cuerpo de los ciudadanos, porque, como había dicho Sieyés, aquél no

podía expressar la voluntad general más que por medio de la asamblea de diputados.

Portanto, a lei, cunhada através do parlamento era, para os revolucionários franceses, a

principal fonte de direito, superior até mesmo à própria Constituição, vista como um documento

político e não como uma norma jurídica efetiva que submete as outras normas inferiores à uma

hierarquia normativa (VALDÉS, 2010).

Outrossim, cumpre mencionar a completa submissão do poder judiciário, diferente do

modelo americano (no qual passou a viger o controle de constitucionalidade), incumbido de

meramente aplicar as leis, mesmo em casos de evidente inconstitucionalidade.

2.2.1 A submissão do judiciário

No contexto francês de submissão da Constituição à lei e supremacia absoluta do

parlamento, tornava-se inviável a efetivação do controle de constitucionalidade nos moldes

americanos. Os juízes, ainda, conforme Alec Stone Sweet (2002-2003, p. 2746), apud Branco

(2009, p. 25), despertavam a desconfiança dos revolucionários franceses, sendo vistos como

corruptos e inimigos reacionários das reformas sociais.

Não obstante, o judiciário realizava uma atividade tímida, cujas funções também

restavam limitadas pela norma constitucional4. Ademais, conforme Fioravanti (2002), a

Constituição francesa estabelecia competência ao Tribunal de Cassação como defensor da

integridade das leis, com o intuito de vigiar e controlar os juízes, evitando que esses, através da

interpretação das leis, pudessem alterar ou obnubilar a vontade soberana do legislador,

cunhando-se, assim, a expressão “juiz boca da lei”.

Outro elemento da subordinação do judiciário foi o chamado référé législatif5, que

impossibilitava a implementação de qualquer sistema de controle judicial na época (VALDÉS,

4 Titulo III, capítulo V, artigo 3º: Os tribunais não podem intrometer-se no exercício do poder legislativo ou

suspender a execução das leis, nem intervir nas funções administrativas ou chamar para comparecer em juízo os

administradores por razões (inerentes) às suas funções.

5 “El référé, así llamado porque en su virtud se refería – es decir, se remitía- al poder legislativo la facultad para

determinar, cuando se dieran determinadas circunstancias, el texto oscuro (de interpretación dudosa) de una ley, fue

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2010). Esse mecanismo, criado em 1790 e recebido pela Constituição francesa de 1791,

estabelecia que, se uma lei de cartáter classificado como obscuro ou de difícil interpretação fosse

atacada por três vezes em um dos tribunais de cassação, deveria este remetê-la ao Poder

Legislativo, o qual emitiria um decreto declaratório acerca da lei em apreço, vinculando a

interpretação do referido tribunal.

A principal justificativa para a situação acima narrada recaia no temor ao Poder

Judiciário, cuja influência era vista como ilimitada e superior a dos demais poderes. Quanto à

isso, cumpre transcrever as palavras de Valdés (2010, p. 104) ao parafrasear um membro do

poder legislativo da época:

[...] “No se puede negar la influencia sin límites del poder judicial”, concluía Bergasse,

“pero, si, su influencia es ilimitada, si es superior a la de todos los otros poderes

públicos, no existe, por lo tanto, ningún poder público que sea necesario limitar con más

exactitud que aquél; no existe, ninguno, en consecuencia, que sea conveniente organizar

con una prudencia más inquieta y con precauciones más escrupulosas” [...].

Assim, tendo em vista essas características, o entendimento da época havia adotado como

pressuposto de correta funcionabilidade do Estado a ideia de que o Poder Judiciário não poderia

participar de nenhuma determinação do Poder Legislativo, sob o dogma da primazia da lei.

2.2.2 O controle de constitucionalidade

No constitucionalismo americano, inaugurado pela Constituição de 1787 que, inclusive,

foi o ato fundador da União, logo surgiu para os antigos colonos a noção de que ela era a norma

fundamentadora do sistema jurídico. Por outro lado, na Europa, em seu contexto constitucional

muito menos linear e mais complexo, a primazia da Constituição levou mais tempo a ser

reconhecida (MIRANDA, 1996, p. 19). Isso se deu, mormente pelo fato de que – em virtude do

absolutismo precedente – a preocupação principal recaia na reestruturação do poder político, e

pela ausência, até o século XX, de maneiras de fiscalização jurisdicionais da constitucionalidade.

regulado, en su modalidad de référé obligatorio, por la ley 27 de noviembre- I de septiembre de 1790 y fue recogido

con posterioridad por el texto constitucional de 1791 (...)”. (VALDÉS, 2010, P. 100). Ainda quanto ao référé, o

referido mecanismo restou suprimido somente em 1837.

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Quanto ao contexto francês, Valdés (2010) defende o entendimento de que, embora

tenham sido estabelecidos tantos mecanismos aos quais o judiciário estava submetido, os

revolucionários franceses não buscaram proibir de forma consciente o controle judicial da

Constituição. Diferente do contexto americano, o doutrinador espanhol ressalta o fato de que, na

França, o Poder Executivo estava sendo atribuído à figura de um monarca hereditário visto como

inimigo da revolução, ao tempo em que o parlamento surgiu como autêntico garantidor da

Constituição, impedindo que a instituição parlamentar fosse vista como um perigo para à Lei

Maior ou para as liberdades que essa lei tutelava. Nos Estados Unidos, por sua vez, as razões

eram distintas:

De hecho, la aludida posibilidad se suscitó en la naciente Unión americana por dois

motivos diferentes: porque ya se había materializado en el período que media entre la

Revolución de independencia (1776) y la aprobación de la Constitución en Filadelfia

(1787), cuando algumas asambleas estatales se arrogaron más poderes de los que la

respectiva Constitución les concedía, poniendo por tanto en enredicho la integridad de

lod principios de la ley fundamental y suscitando abiertamente la cuestión control del

poder legislativo; y porque la escructura de poderes estabelecida en la Constitución

federal, con un órgano ejecutivo del que era titular un presidente electivo mucho más

debilitado, hacía temer que las invasiones a prevenis fueran más las de aquél que las de

éste [...] (VALDÉS, 2010, p. 107).

Entretando, embora o contexto fosse o oposto do francês, o controle de

constitucionalidade não veio previsto na Constituição americana de 1787, vindo a ser gerado em

meio à instabilidade política da época, mais precisamente entre o partido Federalista e o

Republicano.

As eleições de 1800 resultaram na vitória do partido Republicano tanto para o Congresso

como para a Presidência. O atual presidente, contudo, permaneceria no poder até 1801. Assim,

Branco (2009) aponta que o partido derrotado, como forma de continuar a exercer influência na

vida pública, buscou instalar-se no Poder Judiciário, através da aprovação de uma lei que criava

dezesseis tribunais federais em diversos pontos do país, ocupando as vagas com pessoas

engajadas com o partido, bem como diversos outros cargos menores no judiciário.

No momento seguinte, o autor destaca a vacância no cargo de Presidente da Suprema

Corte, ocasião na qual o atual presidente Federalista empossou seu Secretário de Estado, John

Marshall, que, contudo, ainda exercia a função de Secretário de Estado até pouco antes da posse

do presidente Republicano, lhe sendo atribuída a tarefa de apor selos nos diplomas de nomeação

e encamilhá-los às pessoas nomeadas. Vale destacar ser essa a origem da expressão “juízes da

meia noite”, pois muitos foram empossados na noite anterior à alternância da presidência.

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Um desses diplomas, todavia, restou esquecido em virtude do tumulto oriundo do último

dia de governo, mesmo com seu selo aposto, sendo o documento pertencente à Willian Marbury.

Assim, quando da posse do governo Republicano, o novo Secretário de Estado, James Madinson,

orientado pelo presidente Jeferson, recusou-se a enviar o ato (BRANCO, 2009). Essa atitude

resultou no ingresso de ação por parte de Marbury contra o novo Secretário de Estado, exigindo

a entrega do diploma necessário para sua posse.

Ao proferir a decisão acerca do polêmico caso, a Suprema Corte “afirmou seu poder de

declarar a inconstitucionalidade de leis do Congresso Nacional e a superioridade de sua

interpretação da Constituição, deitando as bases do judicial review (BRANCO, 2009, p. 50). Ao

assim agir, contudo, o judiciário utilizou-se de profunda acuidade, pois, dado ao contexto

político da época, afirmar sua própria força poderia ter desencadeado drásticas reações. No

tocante à decisão:

Ao redigir a decisão da Suprema Corte para o caso Marbury v. Madison, Marshall

afirmou que a retenção do título necessário para a posse de Marbury era imprópria, mas

negou a ordem impetrada, porque o writ de que Marbury se valera havia sido incluído

no âmbito da competência originária da Suprema Corte por meio de lei ordinária.

Segundo Marshall, a competência originária da Suprema Corte, fixada pela

Constituição, não poderia ser distendida por diploma infraconstitucional. A lei que o fez

estava em atrito com o Texto Magno. Aqui, então, desenvolveu a tese de que a lei

inconstitucional é inválida e de que cabe ao Judiciário assim declará-la. (BRANCO,

2009, p. 50).

Com o aludido julgado, o atual governo Republicano não restou obrigado a entregar o

diploma da posse de Marbury ao mesmo tempo em que elevava a atribuição do Poder Judiciário,

agora superior aos demais no quesito interpretação e aplicação da Constituição (BRANCO,

2009).

2.3 O Estado como titular da soberania

Diferente do modelo americano que encontrou desde logo um ponto de equilíbrio estável,

o contexto político europeu continuava extremamente irregular. Pouco depois da Revolução

Francesa, instaurou-se um pensamento contrarevolucionário que, conforme Fioravanti (2001),

assentava em conceitos contrários ao constitucionalismo até então instituído, negando as raízes

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das ideias dos direitos individuais e da Constituição escrita, mostrando-se, sobretudo, como um

pensamento que revelava a situação incerta e irresoluta.

Esse foi o período em que Lassale (1863, p. 148), apud Bonavides (2011) referiu-se às

constituições como mero pedaço de papel. Para o autor alemão, a Norma Fundamental servia

apenas para legitimar o poder e as atividades do governo, como o poder militar, o poder social, o

poder econômico e o poder intelectual (LASSALE, 2001, p. 10), entendendo que as relações

fáticas resultantes da junção desses fatores constituem a força das leis e das instituições da

sociedade, “fazendo com que estas expressem tão-somente, a correlação de forças que resulta

dos fatores reais de poder. Esses fatores reais de poder formam a Constituição real do país”,

devendo a Constituição jurídica (escrita) sempre ceder quando em conflito com a Constituição

real.

Nesse viés, verificava-se a necessidade de legitimação de outro instrumento para

resguardar a tutela dos direitos individuais, ou, parafraseando Fioravanti (2001), um núcleo

fundamental estável na experiência política, desassociado da ilimitada e permanete soberania do

povo – o Estado:

Pero como al parecer la soberanía es una idea peremne, eliminados el monarca absoluto

y el pueblo como sujeitos titulares de la misma, ya sólo quedaba un candidato a

conquistarla, que era el Estado: la soberanía es ahora una propriedad del Estado [...]

(SANCHÍS, 2003, p. 78).

O Estado era visto como uma “vontade soberana que se auto determina e aperfeiçoa-se”

(Hegel, p. 292, apud Sanchís, 2003, p. 78). Outrossim, Sanchís aponta outras consequencias

dessa alteração, como a já mencionada dissolução da soberania popular em soberania estatal; o

poder constituínte passa a ser assumido diretamente pelos poderes constituídos; a noção de povo

passa a ser vista como um órgão do próprio Estado que ao votar exerce função pública; e os

direitos deixam de ser vistos como direitos naturais do indivíduo, passando a se tornar os direitos

definidos pela lei submetidos ao poder do Estado.

O aludido modelo tem como berço a Alemanha, na qual se apresentava uma Constituição

forte, representativa de um vínculo sólido entre as forças sociais, convocada a produzir um poder

público também dotado de força e um Estado soberano responsável por priorizar o interesse

coletivo sobre o particular (Fioravanti, 2001).

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Dessa forma, as constituições liberais europeias do século XIX, com exceção da

experiência Prussiana6, seguiram o exemplo alemão, condicionando as representações populares

e do monarca à dimensão institucional de poderes do Estado, limitados pelo próprio direito

público estatal (Fioravanti, 2001, p. 140):

Desde este punto de vista, la soberanía del Estado operaba necesariamente sobre dos

frentes: cualificaba las represantaciones populares como órganos del Estado, de manera

que no podían concebirse como depositarias de la voluntad soberana del pueblo, y en

igual medida cualificaba como órgano del Estado al monarca que, como individual y

determinado poder del Estado, ya no podía pretender representar y personificar a todo el

Estado, como había sucedido en Prusia. En suma, la soberanía del Estado impedía la

soberanía popular y también la monárquica. Las constituciones del siglo XIX no querían

ser democráticas y populares, pero tampoco monárquicas como el modelo

constitucional prusiano: querían ser simplesmente constituciones estatales.

Por meio da soberania do Estado e do ordenamento jurídico (oriundo deste último), cujas

regras anulavam a soberania política do monarca e do povo, os reduzindo a poderes

juridicamente regulados integrantes desse mesmo ordenamento, perfectibilizou-se a criação do

Estado de Direito (Fioravanti, 2002). Sintetizando o contexto, cumpre fazer alusão ao jurista

Georg Jellinek, um dos maiores expoentes da virada do século:

La Constituición del Estado comprende los principios jurídicos que determinam cuáles

son los órganos supremos del Estado, el modo de su formación, sus relaciones

recíprocas y su esfera de acción, y, en fin la posición fundamental del particular

respecto al poder del Estado (JELLINEK, 1900, p. 506, apud FIORAVANTI, 2002, p.

141).

Durante esse período, Sanchís (2003) assinala ter sido o positivismo a cultura jurídica

vigente, com o consequente abandono do constitucionalismo e de suas procupações mais

imediatas, dando lugar ao estatismo, ao legalismo e ao formalismo como características

6 Em contrapartida a essa leitura moderada e liberal da soberania estatal, destaca-se, ainda na segunda metade do

século XIX, a experiência prussiana. Nela, segundo Fioravanti (2001, p 139): [...] Toma aquí fuerza la ideia de que

el Estado era soberano sobre todo en cuanto ordenamiento originario, que se expresaba a través de algunas

instituciones absolutamente esenciales: la monarquía, la burocracia, el ejército. Respecto a este núcleo fundamental

e irrenunciable, la constitución – con sus asambleas representativas – era sentida como algo que se superponía, que

venía después, que por ello no era indispensable para la vida del Estado. Se debían respetar, sin duda, las normas

contenidas en la constitución, en cuante éstas existieran de manera expressa y unívoca. Pero cuando estas normas no

tenían un contenido claro, o simplesmente no existían, se determinaba inmediatamente el deber inderogable del

poder ejecutivo – que en concreto conducía los asuntos del Estado -, y por lo tanto del monarca con la burocracia, de

actuar por el interés público, por el mantenimimento de la autoridad del Estado, incluso más allá de la constitución,

incluso sin constitución. Como se sabe, la misma Prusia fue gobernada sobre esta base entre 1862 y 1866,

precisamente en nombre del interés superior del Estado, sin un presupuesto aprobado por la representación popular,

que era lo prescrito por la Constitución prusiana vigente. Y, poco después, Bismarck – el protagonista de ese

acontecimiento – en un discurso parlamentário llegó a formular de manera explícita la idea de la prioridad del

Estado sobre la constitución.

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predominantes do modelo político e das criações teóricas e legitimadoras erigidas apartir do

mesmo.

2.3.1 Ruptura e gênese: o direito sob a égide do positivismo jurídico

Conforme exposto, é possível notar que o direito público europeu desse período se

sustenta em oposição ao princípio democrático da soberania popular, tendo, como principal

expoente, o modelo alemão. Vale ressaltar, contudo, que na Inglaterra o modelo de soberania

parlamentar resta inalterado.

As constituições do período, portanto, são ou estatais ou parlamentares, como bem

destaca Fioravanti (2001). Entretanto, de nenhuma forma, podem ser consideradas democráticas,

pois ambas excluem a legitimação popular ao impedir sua criação através do poder constituinte.

Em suma, o autor aponta a existência desses dois modelos, com eventuais diferenciações (como

a belga e a prussa), mas nenhuma delas democráticas.

Não obstante, o contexto político e social europeu volta a ser abalado com a Primeira

Guerra Mundial, trazendo, como consequencias, a instauração de repúblicas como a alemã de

Weimar, de 1919, que viria a ser superada, em poucos anos, pelo regime totalitário que foi

instaurado na Alemanha.

Quanto à Constituição de Weimar, Fioravanti (2001) afirma se tratar do princípio das

constituições democráticas do século XX, as quais buscam, agora, a superação do modelo estatal

e parlamentar. Em outras palavras, passam agora a afirmar a existência de alguns princípios

fundamentais, erigidos pelo poder soberano constituinte. Assim, ocorre, também, a busca de

formas para garantir a tutela e a realização desses principios7, dentre os quais pode-se citar o da

7 Conforme Fioravanti (2001, p. 151):En Weimar, esta búsqueda estaba apenas comenzando, y se produjo de manera

confusa y contradictoria. Por una parte se afirmaron los derechos fundamentales (Grundrechte), sabiendo al menos

en parte, que se trataba de algo en sustancia nuevo e respecto al mero reenvío a la ley conenido en las constituciones

estatales del siglo anterior; pero, de otra parte, no se instituyó ningúm verdadero y autenténtico control de

constitucionalidad. Y todavía más: se pensó con frecuencia que correspondía al legislador y a los partidos, presentes

en el parlamento con método rigurosamente proporcional, actual los contenidos de la Constitución y en aprticular lo

que se refería a la problemática de la igualdad y de los derechos sociales; pero al mismo tiempo se desconfiói, desde

el principio, de esta centralidad política e institucional del parlamento – del llamado “absolutismo parlamentario” –

y se estimó necesario un contrapeso, que se obtuvo con la figura del presidente elegido directamente por el pueblo y

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inviolabilidade dos direitos fundamentais (remetendo-se novamente ao controle de

constitucionalidade) e o da igualdade.

É também em Weimar que chega a seu apogeu a reação antiformalista8 e judicialista do

Direito Livre, ocasião na qual, conforme Sanchís (2003, p. 82), o juiz se converte em mediador

entre o direito e uma suposta consciência popular, vindo, inclusive, a ditar sentenças contra

legem. Através disso, o pensamento jurídico da década de trinta passa a sustentar a

discricionariedade judicial “como uma tese descritiva, que será o veículo ideal para incorporar ao

Direito o sentimento jurídico do povo, quando não for necessário um contraponto da „justiça‟

frente à „política‟ encarnada na lei”.

Dos constitucionalistas da República de Weimar, Bonavides (2001) destaca a figura de

Schmitt, que se propõe a demonstrar, através da distinção entre Constituição numa acepção

positiva da lei e a lei da Constituição, o cerne das Leis Fundamentais.

Quanto ao tema acima aludido, “a distinção entre Constituição e lei da Constituição só é

possível porque a essência da Constituição não se acha contida numa lei ou numa norma”

(SCHMITT, 1954, p. 20 e 21, apud BONAVIDES, 2001, p. 153). O jurista alemão afirma que,

anterior à normatividade, existe uma decisão política fundamental do titular do poder

constituinte, ou seja, o povo, em casos de uma democracia, ou do monarca, em regimes

absolutistas.

Ainda sobre a interpretação de Schmitt, Fioravanti (2001) aponta que para o

constitucionalista alemão, o Presidente, eleito pelo povo, representava, isoladamente, mais do

que o parlamento, mas também o elemento político da Constituição e a unidade do povo alemão.

Schmitt partia do ideal francês de poder constituinte através do povo, chegando até o modelo de

primazia do Estado sobre a Constituição:

[...] Concebía asý que era posible, e incluso obligado en ciertas situaciones de crisis,

apartar la constitución que históricamente había sostenido el constitucionalismo liberal,

dotado de poderes de gran relevancia, todos de alguna manera ligados a su función principal de representación

activa, y no meramente simbólica, de la unidad del pueblo alemán.

8 O formalismo de Kelsen ao fazer válido todo conteúdo constitucional, desde que devidamente observado o modus

faciendi legal e respectivo, fez coincidir em termos absolutos os conceitos de legalidade e legitimidade, tornando

assim tacitamente legítima toda espécie de ordenamento estatal ou jurídico. Era o colapso do Estado de Direito

clássico, dissolvido por essa teorização implacável. Medido por seus canônes lógicos, até o Estado nacional-

socialista de Hitler fora Estado de Direito. (BONAVIDES, 2001, p. 151).

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la separación y equilibrio entre los poderes, el mismo parlamentarismo, a favor de otra

constitución que no era otra cosa que la representación, a través del presidente elegido

por el pueblo, de la unidad y de la continuidad del Estado alemán y de su pueblo. Lo

más importante es que esta otra constitución es para Schmitt explícitamente democrática

precisamente porque expressa la existencia política del pueblo alemán, es decir, el

sujeto constituyente soberano que originariamente había generado la Constitución. [...]

(FIORAVANTI, 2001, p. 153).

Conforme aponta o doutrinador, o modelo de Schmitt, ao apresentar um exagerado

desequilíbrio de poderes, mostrava-se inconciliável com a Constituição entendida como critério

de estabilidade, de moderação e de limitação.

Justamente por isso, Fioravanti (2001) afirma que a doutrina de Schmitt não logrou êxito

em encontrar uma solução ao grande problema constitucional do século XX: um encontro entre

democracia e cosntitucionalismo, pois ambos desde sempre pertenceram a campos distintos – um

expressando a ideia de soberanía do povo e o outro a de limitação, equilíbrio, garantia e

moderação.

Em contrapartida, Kelsen, o mais importante constitucionalista do período, apresenta uma

concepção completamente distinta da abordagem apresentada por Schmitt. Conforme

brevemente pontua Fioravanti (2001), para Kelsen a constituição democrática é aquela que tem

de afirmar o princípio do necessário fundamento normativo do poder, além de excluir poderes

que buscam sua própria autolegitimação através de um fundamento distinto da norma

constitucional. O único fundamento admissível na democracia, segundo o jurista austríaco, é o

de que é democrático o regime que não sobrevalora nenhum dos poderes, os remetendo sempre à

norma constitucional.

A Constituição democrática, na visão de Kelsen, apresentava algumas características

específicas. Primeiramente, seu caráter republicano, pois entende que é a Lei Fundamental que

deve prever explicitamente qualquer espécie de poder (o que não ocorre na monarquia e no

modelo estatal). É, ainda, uma Constituição essencialmente pluralista, pois não advinda de algum

poder ou de algum sujeito que expressa sua vontade, mas de um processo apto a representar a

pluralidade das forças e dos interesses existentes. Por fim, é também uma Constituição

parlamentarista – método apontado pelo jurista como o mais eficiente para a composição de

formas institucionais da pluralidade dos interesses sociais (FIORAVANTI, 2002). Contudo, não

se pode confundir esse posicionamento com soberania do parlamento, pois as leis dele emanadas

estão submetidas, tanto em sua formulação quanto em seu conteúdo, ao ideal do pluralismo

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kelseniano, sendo, inclusive, passível de limitações pelo Tribunal Constitucional9 em casos de

afronta à Constituição.

O Tribunal Constitucional, competente apenas para declarar inválidas leis em ofensa à

Constituição vigente, não ofende o princípio democrático, pois, como destaca o autor florentino,

este não está incorporado à assembléia dos representantes do povo. Assim, a lei não é mais

intocável como na tradição oriunda da Revolução porque ato da vontade do povo soberano, mas

tem sua validade restrita enquanto transportar o ideal democrático de pacífica convivência entre

a pluralidade das forças e interesses vigentes. Nas palavras de Kelsen:

Si la esencia de la democracia reside no ya en la omnipotencia de la mayoría, sino en el

constante compromiso entre los grupos que la mayoría y la minoria representan en el

parlamento, y así en la paz social, la justicia constituciona parece instrumento idóneo

para realizar esta idea. (KELSEN, 1928, p. 202, apud FIORAVANTI, 2002, p. 158).

No tocante ao posicionamento de Schmitt quanto à quem cabe o título de guardião da

Constituição, Kelsen (2003) diverge, traçando o entendimento de que a interpretação de Schmitt

acerca da ampliação dos poderes do Presidente, pautada no artigo 4810

da Constituição, o

tornaria uma figura soberana no Estado, algo incompatível com a função garantidora de uma

Constituição democrática.

Sintetizando o posicionamento de Kelsen, Sanchís (2003) afirma que o modelo do jurista

austríaco nunca perde de vista a primazia da lei, nem as prerrogativas do legislador, tampouco as

virtudes do pluralismo democrático. Quanto ao embate contra Schmitt sobre quem deveria

guardar a Constituição, aponta a figura do parlamento frente à figura do chefe do Estado, cuja

9 Conforme Branco: “A Corte Constitucional austríaca, integrada por Kelsen, é o exemplar pioneiro do controle de

constitucionalidade, segundo métodos jurisdicionais, não confundível com o judicial review americano, já que

desempenhado por órgão que possuía como exclusivo propósito a decisão de controvérsias de nível constitucional.

Durou de 1920 a 1933, pouco antes de a Áustria ser arrebatada pelo nazismo”. (BRANCO, 2009, p. 31).

10 O artigo 48 da Constituição de Weimar de 1919 determinava que: If a state does not fulfill the obligations laid

upon it by the Reich constitution or Reich laws, the Reich President may use armed force to cause it to oblige. In

case public safety is seriously threatened or disturbed, the Reich President may take the measure necessary to

reestabilish law and order, if necessary using armed force. In the pursuit of this aim, he may suspend the civil rights

described in articles 114, 115, 117, 118, 123, 124 and 153, partially or entirely. The Reich President must inform the

Reichstag immediately about all measures undertaken based on paragraphs 1 and 2 of this articleand. The measure

must be suspended immediatelly if the Reichstag so demands. If danger is imminent, the state government may, for

their specific territory, implement steps as described in paragraph 2. These steps may be suspended if so demanded

by the Reich President or the Reichstag. Further details may be regulated by Reich legislation. Artigo disponível em:

http://www.southalabama.edu/history/faculty/rogers/348/article48.html.

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função de defensor da Constituição também é um reconhecimento da dimensão política da

atividade jurisdicional. Nesse sentido:

Si se mira a la “política” como una “decisíon” en orden a la resolución de los conflitos

de intereses [...] entonces está presente en toda sentencia judicial, en mayor o menor

medida, un elemento de decisión, un elemento de ejercicio del poder [...] Entre el

caráter político de la legislación y el de la jurisdición hay sólo una diferencia

cuantitativa, no cualitativa. (KELSEN, 1975, p. 9 e 18, apud SANCHÍS, 2003).

Na década de trinta, com embasamento nas teorias de Schmitt, o regime nazista afirma-se

na Alemanhã, com a soberania concentrada na figura do Presidente do Reich – o fuhrer – e

inúmeras atrocidades foram cometidas, pautadas, muitas vezes, sob o próprio princípio da

legalidade. Após a Segunda Guerra Mundial, buscou-se uma nova forma de interpretação das

constituições, em especial visando afastar a presença do arbítrio no ordenamento jurídico.

Outro aspecto relevante para o surgimento das novas constituições foi a Declaração

Universal dos Direitos do Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948. O

documento apresentava um rol de direitos básicos e fundamentais que deveriam ser reforçados

pelas nações, especialmente após as atrocidades presenciadas durante a Segunda Guerra.

Tais acontecimentos históricos resultaram no surgimento do Estado Constitucional de

Direito, e, como consequência, surgiram diversas teorias jurídicas visando explicar as

transformações ocorridas no campo jurídico. Contudo, como aponta Trindade (2012, p. 105),

alguns setores mais conservadores da doutrina questionam se a transição do Estado Legislativo

para o Estado Constitucional realmente implica um novo paradigma jurídico. Em que pese a

existência do referido debate, o consenso majoritário aponta para o surgimento de um novo

paradigma jurídico, em especial devido à transformação dos textos constitucionais, que agora

estão imbuídos de força normativa, bem como, pelos princípios, encontraram espaço na Teoria

da Norma.

Uma das teorias que surge com o influxo do novo paradigma jurídico é a

neoconstitucionalista, buscando dar aplicabilidade imediata ao textos constitucionais e, assim,

cumprindo o que convencinou-se chamar de promessas não cumpridas da modernidade. Essa

tese, que ganha força durante a década de setenta, em especial na Espanha e Itália, somente

chega ao Brasil após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Entretanto, sua importação

para o ordenamento pátrio se deu de forma equivocada, pois não considera toda uma gama de

especificidades do direito nacional que o diferencia do cenário jurídico europeu, razão pela qual

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sua utilização, embora traga, num primeiro momento, efeitos positivos ao afirmar a importância

dos princípos, acaba por desencadear efeitos nocivos.

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3 A TEORIA NEOCONSTITUCIONALISTA

Tecidas considerações gerais sobre a evolução histórica das constituições até o momento

em que passam a receber força normativa – culminando no chamado novo paradigma -, cumpre

abordar, no presente capítulo, o objeto fulcral da presente crítica: a teoria do

neoconstitucionalismo. No capítulo que segue serão exploradas as ideias centrais desta

experiência, sob a ótica de autores que o defendem ou, ainda, outros que apenas contribuíram de

alguma forma para a elaboração dos conceitos utilizados ou ainda buscam explanar o fenômeno.

A teoria do neoconstitucionalismo é criada para buscar efetividade aos textos

constitucionais que passam a surgir após a Segunda Guerra Mundial, mormente durante os anos

setenta. Esses textos não mais apenas estabelecem competências e delineiam o poder público,

mas passam a regular e condicionar a atividade do Estado, impondo-lhe, através de normas

materiais, fins e objetivos específicos, originando o que passa a ser conhecido, na acepção de

Canotilho (2001) como Constituição Dirigente, eis que passam a ter normatividade.

O neoconstitucionalismo passou a ser largamente abordado pela doutrina e sofre diversas

alterações conforme a compreensão de cada autor. Contudo, Miguel Carbonell (2009) afirma

que, como o fenômeno começou a ser estudado apenas recentemente, levará anos para uma

compreensão mais apurada. Ainda, o autor suscita o fato de muitos desses doutrinadores

questionarem se há algo novo no neoconstitucionalismo ou se ele não passa de um rótulo vazio,

visando explicar de forma diferente questões que anteriormente eram explicadas de outro modo.

Apesar das inúmeras divergências doutrinárias acerca dos elementos, e conceituação do

fenômeno, fator este que perfectibiliza a utilização da expressão plural neoconstitucionalismo(s),

Humberto Ávila (2009, p. 2) apresenta alguns elementos em comum fundamentais desse

movimento. Assim, cita-se uma maior utilização de princípios ao invés de regras; mais

ponderação do que subsunção; análise mais individualizada do que geral e abstrata; sublimação

do Poder Judiciário face aos demais; e expansão da aplicação da Constituição ao invés da lei.

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A incorporação da normatividade às constituições alterou permanentemente a práxis

jurídica e jurisprudencial das cortes constitucioanis e tribunais de diversos países, em especial as

da Espanha, Itália e dos países da América Latina. Dessa forma, os operadores do direito passam

a realizar suas funções através de parâmetros diferentes dos antigos, atendo-se, como lembra

Carbonell (2009, p. 10), “à técnicas interpretativas próprias como a ponderação, a

proporcionalidade e a razoabilidade, à maximização dos efeitos normativos dos direitos

fundamentais, a projeção horizontal de direitos”, entre outros.

Ainda quanto à atividade dos juízes, vale destacar a recente prática de aplicação de

valores às decisões:

Además, los jueces se las tienen que ver con la dificultad de trabajar con “valores” que

están constitucionalizados y que requieren una tarea hermenéutica que sea capaz de

aplicarlos a los casos concretos de forma justificada y razonable, dotándolos de esa

manera de contenidos normativos concretos. Y todo ello sin que, tomando como base

tales valores constitucionalizados, el juez constitucional pueda disfrazar como decisión

del poder constituyente, lo que en realidad es una decisión más o menos libre del

proprio juzgador. A partir de tales necesidades se generan y recrean una serie de

equilibrios nada fáciles de mantener (CARBONELL, 2009, p. 10).

Um terceiro fator suscitado pelo jurista supra, oriundo tanto da normatização das

Constituições como das novas práticas jurisprudenciais mencionadas, é que os postulados

teóricos da doutrina não mais passam a somente buscar explicações sobre os fenômenos

jurídicos, mas passam também a criá-los. Como exemplo, Carbonell (2009) cita o método da

ponderação de princípios criado por Alexy, que passou a influenciar fortemente a Corte

Constitucional Colombiana.

Assim, embora nenhum destes elementos abordados presentes nas raízes do

neoconstitucionalismo seja novidade11

, o autor destaca o fato de que agora todos passam a

ocorrer simultaneamente, originando um contexto distinto, não sendo diverso o entendimento do

professor brasileiro Humberto Ávila:

As mudanças propostas pelo neoconstitucionalismo, na versão aqui examinada, não são

independentes, nem paralelas. Elas mantêm, em vez disso, uma relação de causa e

efeito, ou de meio e fim, umas com relação às outras. O encadeamento entre elas

poderia ser construído, de forma sintética, da seguinte forma: as Constituições do pós-

guerra, de que é exemplo a Constituição Brasileira de 1988, teriam previsto mais

princípios do que regras; o modo de aplicação dos princípios seria a ponderação, em vez

da subsunção; a ponderação exigiria uma análise mais individual e concreta do que

geral e abstrata; a atividade de ponderação e o exame individual e concreto

11

Nesse aspecto, Miguel Carbonell (2009) refere que já existiam experiências constitucionais mesmo na primeira

metade do século XX nos quais era possível ver a positivação de princípios, como a Constituição mexicana, de 1917

e a a própria Carta da República de Weimar, de 1919. Ademais, destaca a existência de certas doses de ativismo

judicial em moldes semelhantes ao dos países que adotam a teoria neoconstitucionalista nos dias atuais.

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demandariam uma participação maior do Poder Judiciário em relação ao Poderes

Legislativo e Executivo; o ativismo do Poder Judiciário e a importância dos princípios

radicados na Constituição levariam a uma aplicação centrada na Constituição em vez de

baseada na legislação (ÁVILA, 2009, p. 2).

Oportuno, portanto, abordar preliminarmente as mais significantes alterações ocorridas

no cenário constitucional ocidental, para só então analisar os pontos fulcrais da experiência

neoconstitucionalista.

3.1 Alterações no âmbito constitucional

O ponto de partida do novo paradigma constitucional é o fim da Segunda Guerra

Mundial, quando as nações perceberam que o direito mostrou-se incapaz (quando não conivente)

de conter as barbáries fruto dos regimes totalitários. Nesse contexto de necessidade de mudanças

substanciais, Barroso (2005) destaca a existência de um marco histórico, filosófico e teórico para

o novo direito constitucional.

Quanto ao marco histórico, o autor aponta, no continente europeu, o constitucionalismo

alemão e italiano, mormente pela promulgação da Constituição de Bonn. Já no Brasil, o processo

chegou tardiamente em virtude dos regimes militares, somente com a Constituição de 1988.

No caso alemão, verificou-se que a corrupção da Constituição de Weimar foi uma das

causas que possibilitaram a ascensão do poder do partido nacional-socialista, portanto, no

segundo pós-guerra, a consciência das limitações dos sistemas jurídico-formais deveria ser mais

forte (MIRANDA, 1997).

Surge então a Lei Fundamental de Bonn, criada logo após os julgamentos do Tribunal de

Nuremberg, em 1948, marcada, conforme Barroso (2011), pela reafirmação dos valores

democráticos, enunciando, já em sua abertura, direitos fundamentais, como os da liberdade,

inviolabilidade corporal, liberdade de locomoção, de expressão, etc.

Pode ser destacada, ainda, a vinculação dos três poderes pelos direitos fundamentais

enunciados na Constituição, a necessidade de que restrições à esses direitos se efetuassem

através de leis gerais que não comprometessem seu conteúdo e “a possibilidade de tutela

jurisdicional em caso de ofensa de qualquer dos direitos fundamentais (MIRANDA, 1997, p.

204). Nesse sentido, visando a plena concretização desses direitos fundamentais, bem como da

preservação da ordem constitucional, foi instituído, em 1951, o Tribunal Constitucional Alemão,

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com previsão legal no artigo 92 da Lei Fundamental, responsável, sobretudo, pelo controle de

constitucionalidade concentrado.

Com o tribunal, Barroso (2005) pontua a fecunda produção teórica e jurisprudencial que

viria a dar suporte à ascensão científica do direito constitucional nos países de tradição romano-

germânica. Como exemplos, cita também a instauração da Corte Constitucional Italiana, em

1956, bem como a redemocratização e reconstitucionalização tanto de Portugal, em 1976, quanto

da Espanha, em 1978 – também responspáveis por valiosas discussões no âmbito constitucional.

Já no Brasil, o processo de renascimento constitucional foi mais tardio, tendo em vista o regime

militar precedente. Contudo, a Constituição de 1988 proporcionou o mais longo período de

estabilidade da história republicana do país.

Em seguida, há o marco filosófico do novo direito constitucional: o pós-positivismo, no

qual o debate acerca de sua caracterização situa-se, segundo Barroso (2005, p. 6), na confluência

das correntes do jusnaturalismo e do positivismo:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram

caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua

função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita,

mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas

sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento

jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria da justiça, mas não podem comportar

voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e

heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a

atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e

regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma

nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente,

promove-se uma reaproximação entre Direito e a filosofia.

Dos temas acima narrados, impera destacar a evolução dos princípios no que tange à sua

normatividade, processo este que percorre três etapas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-

positivista.

Na primeira, a jusnaturalista, Bonavides (2001, p. 232,) afirma que os princípios

habitavam uma esfera completamente abstrata “e sua normatividade, basicamente nula e

duvidosa, contrasta com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa da idéia que inspira

postulados de justiça”.

Na etapa seguinte, mormente durante a elaboração de códigos, os princípios eram neles

inseridos (positivados) como fonte normativa subsidiária (BONAVIDES, 2001), e não como

algo que se sobrepusesse à lei.

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Por fim, na segunda metade do século XX, já durante o período denominado pós-

positivista, as constituições promulgadas “acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,

convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos

sistemas constitucionais” (BONAVIDES, 2001, p. 237). Ocorre, portanto, uma reaproximação

entre direito e moral, o que não ocorria durante o positivismo.

Há, ainda, o que Barroso (2005) define como sendo o marco teórico do novo

constitucionalismo, o qual divide-se em três grandes transformações, a saber, o reconhecimento

da força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento

de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

Inicialmente, como já visto, o jurista brasileiro pontua que a Constituição passa a ser

norma jurídica dotada de imperatividade, e seu descumprimento desencadeia mecanismos de

cumprimento forçado. Supera-se, assim, o modelo anterior no qual era vista apenas como um

documento político, permanecendo sua concretização condicionada à liberdade de conformação

do legislador ou também à discricionariedade do representante do Poder Executivo, enquanto

que ao Judiciário não cabia qualquer papel na concretização da Lei Fundamental.

Em solo brasileiro, essa alteração operou-se somente ao fim da década de 80, com a

promulgação da Carta de 1988, pois, além das muitas reminiscências negativas, oriundas de um

regime militar autoritário, a antiga Constituição, como no modelo europeu do começo do século,

não possuía aplicabilidade direta e imediata, sendo “um repositório de promessas vagas e de

exortações ao legislador infraconstitucional” (BARROSO, 2005, p. 8).

A próxima transformação é referente à expansão da jurisdição constitucional, eis que os

novos textos constitucionais passaram a ser inspirados pelo modelo americano de supremacia da

Constituição. Desse modo, tem-se a constitucionalização dos direitos fundamentais que,

conforme Barroso (2005, p. 8) “ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário:

sua proteção passava a caber ao Judiciário”. Como consequência direta disso, diversos países

instauraram tribunais constitucionais.

Por fim, há a nova interpretação constitucional, derivada, conforme Bonavides (2001, p.

434), da inconformidade de muitos juristas com o positivismo lógico-formal, vigente no modelo

anterior:

Redundou assim na busca do sentido mais profundo das Constituições como

instrumentos destinados a estabelecer a adequação rigorosa do Direito com a

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Sociedade; do Estado com a legitimidade que lhe serve de fundamento; da ordem

governativa com os valores, as exigências, as necessidades do meio social, onde essa

ordem atua dinamicamente, num processo de mútua reciprocidade e constantes

prestações e contrapestrações, características de todo sistema político com base no

equilíbrio entre governantes e governados.

Os métodos clássicos de interpretação, ou seja, o gramatical, o histórico, o sistemático e o

teleológico, bem como os critérios de solução de conflitos normativos, como o hierárquico,

temporal e o especial, embora superados pela experiência neoconstitucionalista, continuam não

só operantes, como também responsáveis pela resolução da grande maioria das questões e

controvérsias jurídicas. Aqui cumpre parafrasear, uma vez mais, Bonavides (2001, p. 435), em

sua muito pertinente análise acerca da nova hermenêutica constitucional:

Descortina-se assim um campo de imprevisível extensão para o florescimento de

distintas posições interpretativas no domínio da hermenêutica constitucional. Perde

porém essa hermenêutica a firmeza do modelo clássico, que se assentava numa lógica

confiante, sólida, imbatível. Sua plasticidade é fraqueza. A manipulação dos fins e do

sentido faz deveras fácil o tráfego e soluções de conveniência, a conclusões

preconcebidas, a subjetivismos, em que o aspecto jurídico sacrificado cede complacente

a solicitações do aspecto político, avassalador da norma e produto exuberante de

perplexidades e incertezas inibidoras.

Todavia, como lembra Barroso (2005), os juristas e teóricos do direito perceberam que

existia uma situação de carência nos métodos tradicionais de interpretação e solução de conflitos,

no tocante à realização da vontade constitucional, por não serem inteiramente ajustados para tal

fim. Exsurge, a partir desse momento, a elaboração de novas técnicas doutrinárias agrupadas sob

a denominação de nova interpretação constitucional.

Enquanto a interpretação tradicional era erigida sob as premissas de que o papel da norma

é o de apresentar, em seu relato abstrato, uma solução para uma questão jurídica, e o papel do

juiz cinge-se a identificar, no ordenamento, a norma apta a sanar o problema, ou seja, mediante

subsunção12

, a nova interpretação demonstrou ser o sistema clássico insatisfatório.

Dessa forma, o jurista pontua, no tocante ao papel da norma, a verificação de que a

solução dos problemas jurídicos por vezes não se encontra no relato abstrato do texto, sendo,

12

Conforme Barroso (2012, p. 357), “A subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do Direito. Como se sabe,

ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma – incide sobre a premissa

menor – os fatos -, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Como já assinalado,

esse tipo de raciocínio continua a ser fundamental para a dinâmica do Direito. Mas não é suficiente para lidar com as

situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais”.

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nesses casos, apenas possível criar uma resposta adequada à Constituição através de uma análise

tópica13

do problema e dos fatos relevantes.

Nesse mesmo sentido, agora referente ao papel do juiz, não mais lhe cabe somente a mera

função de apontar o direito contido em um enunciado legal, pois, conforme Barroso (2005, p.

12), o “intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o

trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar

escolhas entre soluções possíveis”.

Feitas as considerações supra, a análise passa a estudar a diferença entre regras e

princípios, o que se apresenta como distinção fundamental para plena compreensão do método

da ponderação de princípios.

3.2 A diferença entre regras e princípios

Como referido anteriormente, os princípios transcritos nas constituições receberam

normatividade e aplicabilidade direta após a Segunda Guerra Mundial. Passam, portanto, a

coexistir com as normas14

anteriores que também mantém sua vigência, se fazendo necessária

uma distinção entre ambas. Tal difereciação é um dos pontos fulcrais da experiência

neoconstitucionalista, na qual verifica-se a existência de uma diferença qualitativa entre essas

normas.

Como conceituação de princípio normativo, cumpre mencionar um conceito elaborado

logo quando do surgimento do novo paradigma constitucional, em que se já se verifica seu

caráter determinante ao subordinar as demais regras:

13

De acordo com Bonavides (200, p. 446 e ss.), o método tópico foi desenvolvido pelo jurista alemão Theodor

Viehweg com a publicação, em 1953, do livro Tópica e Jurisprudência (Topik und Jurisprudenz), que motivou

profundas reflexões sobre o Direito, o Estado e a Constituição. Dessa forma, compôs-se um método “fecundo de

tratar e conhecer o problema por via do debate e da descoberta de argumentos ou formas de argumentação que

possam, de maneira relevante e persuasiva, contribuir para solucioná-la satisfatoriamente”. Trata-se, portanto, de

uma técnica de se chegar até o problema, elegendo-se o critério ou os critérios recomendáveis para uma solução

adequada.

14 Quando se fala em norma, cumpre ressaltar se tratar de gênero, e não espécie. Nesse sentido: “Com frequência,

não são regras e princípio, mas norma e princípio ou norma e máxima. Aqui, regras e princípios serão reunidos sob

o conceito de norma. Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos

podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios

são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A

distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas” (ALEXY, 2011, p. 87).

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Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante

de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e

especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais) das

quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas

efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral

que as contém (CRISAFULLI, 1952, p. 15, apud BONAVIDES, 2001, p. 230).

Em uma conceituação contemporânea, Barroso (2005, p. 13) se refere aos princípios

como normas que “consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados

por diferentes meios”, os diferenciando das regras – que classifica como comandos

imediatamente descritivos de determinadas condutas. O jurista completa, ainda, afirmando que

para a definição dos conteúdos de certos princípios, como por exemplo o da dignidade da pessoa

humana ou soliedariedade, em virtude de sua baixa densidade jurídica, cabe ao intérprete uma

significante dose de discricionariedade na busca da solução das questões em análise.

Já Zagrebelsky (1995), em sua obra, apresenta uma conceituação mais simples da

diferenciação entre ambos, explicando que, em geral, as normas legislativas são regras e as

normas constitucionais sobre o direito e a justiça são princípios, ou seja, a grosso modo, a

distinção entre ambos significa distinguir a Constituição da lei. Assim, para ele a norma que

estabelece que trabalhadores em greve devem manter a prestação de alguns serviços públicos

essenciais é uma regra, enquanto que o direito à greve é um princípio.

Todavia, o jurista prossegue afirmando que as constituições, por sua vez, também

possuem regras. Para tanto, utiliza, como exemplo, a necessidade de confirmação da detenção

pelo juiz em 48 horas ser uma regra, porém ao se falar da inviolabilidade da liberdade pessoal,

tem-se um princípio.

Dessa forma, Zagrebelsky (1995) estabelece serem os princípios os únicos a exercer um

papel constitucional, ou seja, construtivo da ordem jurídica, enquanto as regras, por sua vez,

esgotam-se em si mesmas, não indo além de seu próprio significado. Ademais, completa

afirmando que os princípios só possuem algum significado operativo quando constrastados com

algum caso concreto, nos quais é possível verificar seu real alcance. Nas palavras do autor:

Así pues – por lo que aquí interesa -, la distinción esencial parece ser la siguiente: las

reglas nos proporcionan el criterio de nuestras acciones, nos dicen cómo debemos, no

debemos, podemos actuar en determinadas situaciones específicas previstas por las

reglas mismas; los principios, directamente, no nos dicen nada a este respecto, pero nos

proporcionan criterios para tomar posición ante situaciones concretas pero que a priori

aparecen indeterminadas. Los principios generan actitudes favorables o contrarias de

adhesión y apoyo o de dispenso y repulsa hacia todo lo que puede estar implicado en su

salvaguarda en cada caso concreto. Puesto que carecen de “supuesto de hecho”, a los

principios, a diferença de lo que sucede con las reglas, sólo se les puede dar algún

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significado operativo haciéndoles “reacionar” ante algún caso concreto. Su significado

no puede determinarse en abstracto, sino sólo en los casos concretos, y sólo en los casos

concretos se puede entender su alcance (ZAGREBELSKY, 1995, p. 110).

Assim, Zagrebelsky conclui serem as regras e, somente as regras, passíveis de uma

aplicação mecânica e passiva. No caso de um modelo no qual houvesse somente regras, bastaria

ser apontado um fato e o intérprete seria apto a apresentar a solução, seja através do silogismo

judicial ou da subsução do fato concreto no teor abstrato da norma. Contudo, essa premissa

positivista é inviável num modelo dotado de princípios, pois sua aplicação é completamente

distinta, exigindo, frente a alguma reação da realidade, a tomada de uma posição correspondente.

Para Dworkin (2002, p. 39), a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica, ou

seja, “os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação

jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que

oferecem”. O autor prossegue seu raciocínio afirmando que as regras são aplicáveis à maneira do

tudo-ou-nada15

, o que significa que ou a regra é válida, e nesse caso sua resposta deve ser aceita,

ou ela não é válida, em nada contribuindo com a decisão.

Os princípios, por sua vez, não operam da mesma maneira, pois até os que mais parecem

com uma regra não apresentam consequências jurídicas desencadeadas automaticamente, quando

as condições são apresentadas (DWORKIN, 2002). Assim, sustenta que essa diferenciação

imbrica em outra, o fato dos princípios possuírem uma dimensão distinta às regras: a dimensão

do peso ou da importância16

.

15

Para melhor exemplificar esse tópico, o autor apresenta um exemplo desconexo da prática jurídica: “No beisebol,

uma regra estipula que, se o batedor errar três bolas, está fora do joog. Um juiz não pode, de modo coerente,

reconhecer que este é um enunciado preciso de uma regra do beisebol e decidir que um batedor que errou três bolas

não está eliminado. Sem dúvida, uma regra pode ter exceções (o batedor que errou três bolas não será eliminado se o

pegador [catcher] deixar cair a bola no terceiro lance). Contudo, um enunciado correto da regra levaria em conta

essa exceção; se não o fizesse, seria incompleto. Se a lista das exceções for muito longa, seria desajeitado demais

repeti-la cada vez que a regra fosse citada; contudo, em teoria não há razão que nos proíba de incluí-las e quanto

mais o forem, mais exato será o enunciado da regra.

16 Aqui, o autor novamente utiliza-se do exemplo anterior do jogo de beisebol para ilustrar a diferença. “As regras

não têm essa dimensão. Podemos dizer que as regras são funcionalmente importantes ou desimportantes (a regra de

beisebol segundo a qual o batedor que não conseguir rebater a bola três vezes é eliminado é mais importante do que

a regra segundo o qual os corredores podem avançar uma base quando o arremessador comete uma falta, pois a

modificação da primeira regra alteraria mais o jogo do que a modificação a modificação da segunda). Nesse sentido,

uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel maior ou mais importante

na regulação do comportamento. Mas não podemos fizer que uma regra é mais importante que outra enquanto parte

do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de

sua importância maior” (DWORKIN, 2002, p. 43).

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A conceituação acima exposta é o ponto de partida de um dos corifeus do

neoconstitucionalismo, o jurista alemão Alexy. Para o autor, princípios seriam “normas que

ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e

fáticas existentes” (2011, p. 90). São, portanto, mandamentos de otimização que se fazem

satisfeitos em diferentes graus. Já no que toca às regras, o jusfilósofo as classifica como normas

que são satisfeitas ou não, ou seja, sendo elas válidas, deve-se cumprir exatamente o que resta

nelas expresso.

No sistema acima proposto, o jurista enfatiza que a diferença entre regras e princípios

apresenta-se com mais clareza nos casos de colisões entre princípios ou no conflito entre regras,

ou seja, quando normas de determinada natureza encontram-se em atrito, o que será analisado a

seguir.

3.2.1 A colisão entre regras e princípios

Nos casos de colisão entre princípios e regras, Alexy (2011, p. 91), destaca ser comum “o

fato de que duas normas, se isoladamente aplicadas, levariam a resultados inconciliáveis entre si,

ou seja, a dois juízos concretos de dever-ser jurídico contraditórios”. Assim, a distinção surge na

forma de resolução desse conflito.

Inicialmente, cumpre mencionar o método proposto por Dworkin (2002), tendo em vista

ser o ponto de partida do modelo de Alexy para elaboração de sua teoria. Para o jurista

americano, quando dois princípios colidem, aplica-se aquele que, avaliadas as determinadas

circunstâncias concretas, mereça prevalecer, o que não acarreta na invalidação do princípio

oposto. Outrossim, os princípios, quando em atrito, operam na dimensão do peso, como já

referido:

[...] Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos

compradores de automóveis se opõe aos princpípios de liberdade de contrato), aquele

que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não

pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um

princípio ou uma política particular é mais importante que outra frequentemente será

objeto de controvérsia (DWORKIN, 2002, p. 42).

Dessa forma, os princípios apresentam motivos favoráveis à certa decisão, contudo, no

caso concreto e em virtude das circunstâncias do fato, é possível que exista outro princípio em

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situações contrárias que, também avaliadas as especifidades do caso, possuam um maior peso em

relação ao anterior, afastando-o (Dworkin, 2002). Todavia, o autor ressalta que o princípio

afastado não é invalidado, pois em outro caso, alteradas certas circunstâncias do caso anterior,

referentes ao peso daquele princípio, pode vir a receber maior importância, passando a

prevalecer.

Duas regras em conflito, por sua vez, não podem ser válidas (Dworkin, 2002, p. 43). Para

a tomada da decisão no presente caso, ou seja, para apontar qual é a regra válida e qual deve ser

desconsiderada, faz-se necessário procurar considerações além dessas regras. Assim, dentro de

um ordenamento jurídico, é possível concretizar tal regulamentação por meio de outras regras,

“que dão precedência à regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada

mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero”. O autor aponta,

também, a possibilidade de preferência da regra sustentada pelos princípios mais importantes.

Em linhas semelhantes, Alexy (2011) defende que uma colisão entre regras apenas pode

ser solucionado com a introdução de uma cláusula de exceção que elimine o conflito ou com a

declaração de invalidez de uma das regras. Para melhor exemplificar a questão da cláusula de

exceção, apresenta a situação hipotética de uma regra que determina a proibição de saída da sala

de aula até o toque do sinal e outra que impõe o dever de evacuação da sala em hipótese de

incêndio. Caso dispare o alarme de incêndio sem que o sinal de saída tenha soado, ambas regras

conduzem à juízos opostos entre si. Para saná-lo, basta incluir uma cláusula de exceção na

primeira regra, determinando a autorização para saída da sala nos casos de incêndio.

Caso tal inclusão não seja possível, uma dessas regras deverá ser declarada inválida e

removida do ordenamento jurídico. Outrossim, o autor supra defende que “ao contrário do que

ocorre com o conceito de validade social ou de importância da norma, o conceito de validade

jurídica não é graduável” (ALEXY, 2011, p. 92), ou seja, a norma jurídica é válida ou inválida, e

em caso positivo com aplicabilidade a algum caso concreto, sua consequência jurídica também

será válida:

[...] Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos

concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso,

se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas

contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da

introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo menos umas das regras deve ser

declarada inválida.

A constatação de que pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida quando

uma cláusula de exceção não é possível em um conflito entre regras nada diz sobre qual

das regras deverá ser tratada dessa forma. Esse problema pode ser solucionado por meio

de regras como lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi generalli,

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mas é também possível proceder de acordo com a importância de cada regra em

conclito. O fundamental é: a decisão é uma decisão sobre validade (ALEXY, 2011, p.

93)

A solução da colisão entre princípios, que ocorre, por exemplo, quando, no caso concreto,

um princípio permite algo e o outro proíbe, todavia, é sanada de forma completamente distinta

do modelo das regras, pois obrigatoriamente um desses princípios deverá ceder perante o outro

(ALEXY, 2011).

Contudo, como no modelo apresentado anteriormente, Alexy (2011) entende que o fato

de um princípio ceder perante outro não significa a declaração de sua invalidade, tampouco a

necessidade de introdução de uma cláusula de exceção. Nesses casos, o jurista corrobora o

posicionamento de Dworkin acima descrito, no qual um dos princípios tem precedência sobre o

outro avaliadas as determinadas condições, podendo o quadro restar alterado caso elas sejam de

alguma forma modificadas. Portanto, o autor defende que o conflito entre regras ocorre na

dimensão da validade, e a colisão de princípios ocorrem na dimensão do peso.

3.2.2 O caráter prima facie dos princípios

Através das distinções acima tecidas, cumpre ressaltar, portanto, o distinto caráter prima

facie dos princípios e das regras. Conforme preceitua Alexy (2011, p. 103), os princípios

“exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e

fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima

facie”, ou seja, o fato de um princípio ser apto para sanar certo problema não significa que o que

ele exige para tal caso tenha valor definitivo. Ainda, afirma que os princípios representam razões

facilmente afastáveis por motivos antagônicas. Desse modo, a “forma pela qual deve ser

determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio.

Os princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios

colidentes e das possibilidades fáticas”. As regras operam de forma distinta, pois como ordenam

que proceda-se exatamente da forma nelas ordenada, possuem, conforme Alexy (2011, p. 104),

“uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e

fáticas”. Assim, podem falhar em virtude de impossibilidades tanto jurídicas quanto fáticas. Caso

isso não ocorra, o que vale é o prescrito na regra.

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Nesse ponto, Alexy busca superar o modelo apresentado por Dworkin, no qual todas as

regras são aplicadas na forma tudo-ou-nada, enquanto os princípios conteriam uma razão que

indicaria uma direção, porém, sem apresentar como consequência necessária uma determinada

decisão, pois para o jurista alemão tal distinção é muito simplória.

Para a teoria de Alexy (2011), portanto, inclui-se no modelo tudo-ou-nada das regras a

possibilidade de introdução de uma cláusula de exceção. Nesses casos, a regra perde seu caráter

definitivo para a decisão do caso. Ele ainda sustenta que, ao contrário do entendimento de

Dworkin, essas cláusulas de exceção inseridas nas regras podem ocorrer em virtude de um

princípio, não sendo, contudo, enumeráveis. Isso ocorre pois não é possível saber se em um novo

caso não se fará necessária a introdução de uma nova cláusula de exceção – sendo viável,

inclusive, a proíbição da restrição de regras pelo próprio sistema mediante cláusulas de exceção.

Nos casos em que se é possível introduzir cláusulas de exceção, Alexy afirma que a regra

perde seu caráter definitivo, pontuando ser o caráter prima facie adquirido pela perda do caráter

definitivo como totalmente distinto do caráter prima facie dos princípios. Isso porque, o “caráter

prima facie dos princípios pode ser fortalecido por meio da introdução de uma carga

argumentativa a favor de determinados princípios ou de determinadas classes de princípios”

(ALEXY, 2011, p. 106). Já o caráter prima facie das regras, que busca supedâneo “na existência

de decisões tomadas pelas autoridades legitimadas para tanto ou decorrentes de uma prática

reiterada, continua a ser algo fundamentalmente diferente e muito mais forte”.

3.3 O método da ponderação

Tecidas tais considerações acerca da natureza e da diferença entre as regras e os

princípios, cumpre analisar o método da ponderação elaborado pelo jurista alemão Alexy e que

serve para fundamentar a teoria neoconstitucionalistas (e suas variações), inclusive no Brasil.

Com a colisão entre princípios fundamentais, verificou-se acima que um deles deve ceder

perante o outro, analisadas as circunstâncias do fato em concreto. Esse é a base para a

denominada Lei da Colisão. Conforme Sanchís (2001, p. 211):

De las distintas acepciones que presenta el verbo ponderar y el sustantivo ponderación

en el lenguaje común, tal vez la que mejor se ajusta al uso jurídico es aquella que hace

referencia a la acción de considerar imparcialmente los aspectos contrapuestos de una

cuestión o el equilibrio entre el peso de dos cosas. En la ponderación, en efecto, hay

siempre razones en pugna, interesses o bienes en conflicto, en suma, normas que nos

suministran justificaciones diferentes a la hora de adoptar una decisión. Ciertamente, en

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el mundo del Derecho el resultado de la ponderación no ha de ser necesariamente el

equilibrio entre tales intereses, razones o normas; al contrario, lo habitual es que la

ponderación desemboque en el triunfo de alguno de ellos en el caso concreto. En

cambio, donde sí ha de existir equilibrio es en el plano abstracto; en principio, han de

ser todos del mismo valor, pues, de otro modo, no habría nada que ponderar;

sencillamente, en caso de conflito se impondría el de más valos. Ponderar es, pues,

buscar na mejor decisión (le mejor sentencia, por ejemplo) cuando en la argumentación

concurren razones justificatorias conflictas y del mismo valor.

Para Barroso (2005), a existência da colisão entre normas constitucionais dá luz à

ponderação, tendo em vista que a subsunção se mostra insuficiente ao problema por não ser

possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas, assim como os critérios tradicionais de

solução em casos de conflito normativo (hierárquico, cronológico, especialização), quando a

colisão se dá no âmbito da Constituição originária.

Dentro desse contexto, o autor defende a ponderação de normas, bens ou valores como a

técnica a ser utilizada pelo intérprete, ocasião na qual esse fará “concessões recíprocas,

procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa” ou, ainda,

“procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente

a vontade constitucional” (BARROSO, 2005, p. 14). O próximo passo é a argumentação, no qual

afirma que a atividade criativa do juiz realizada durante a ponderação deve ser fundamentada,

reconduzindo sua decisão sempre à uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de base,

bem como utilizando-se de um fundamento jurídico que possibilite uma generalização aos casos

equiparados e por fim considerar as consequências de sua decisão.

Regressando às considerações acerca da ponderação, Sanchís (2001, p. 216) afirma que a

virtude desse método reside principalmente no fato de estimular uma interpretação na qual a

relação entre as normas constitucionais não é de independência ou de hierarquia, mas de

continuidade e de efeitos recíprocos, de modo que:

[...] hablando por ejemplo de derechos, el perfil o delimitación de lós mismos no viene

dado em abstracto y de modo definitivo por lãs fórmulas habituales (orden público,

derecho ajeno, etc.)”, sino que se decanta em concreto a la luz de la necessidad y

justificación de la tutela de otros derechos o principios em pugna.

Por isso, o autor entende que a ponderação conduz à uma exigência de proporcionalidade

com intuito de estabelecer uma ordem preferencial relativa ao caso concreto:

[...] Lo característico de la ponderación es que com ella no se logra una respuesta válida

para todo supuesto, no se obtiene, por ejemplo, una conclusión que ordene otorgar

preferencia siempre al deber de mantener las promesas sobre el deber de ayudar al

prójimo, o a la seguridad pública sobre la libertad individual, o a los derechos civiles

sobre los sociales, sino que se logra solo una preferencia relativa al caso concreto que

no excluye una solución diferente en otro caso; se trata, por tanto, de esa jerarquia móvil

que no conduce a la declaración de invalidez de uno de lós bienes o valores en conflicto

ni a la formulación de uno de ellos como excepción permanente frente al outro, sino a la

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preservación abstracta de ambos, por más que inevitablemente ante cada caso de

conflicto sea preciso reconecer primacía a uno u otro (SANCHÍS, 2001, p. 216).

Face ao exposto, o doutrinador espanhol conclui que a ponderação é o método alternativo

à subsunção. Assim, as regras são objeto de subsunção, ou seja, comprovada a existência do

suporte fático, a solução normativa vem imposta por uma regra. Já os princípios seriam objeto de

ponderação, na qual a solução é construída a partir de razões em conflito.

De forma simplificada, Barroso (2011, p. 359) descreve o método da ponderação em três

etapas. Na primeira, cumpre ao intérprete encontrar no sistema jurídico as normas importantes

para a solução do caso, assinalando eventuais conflitos entre elas. Ainda nessa etapa, “os

diversos fundamentos normativos – isto é, as diversas premissas maiores pertinentes – são

agrupados em função da solução que estejam sugerindo. Ou seja: aqueles que indicam a mesma

solução devem formar um conjunto de argumentos”. Isso se faz com o intuito de facilitar a etapa

posterior, na qual há comparação entre os elementos normativos.

Na segunda etapa, o intérprete deve analisar os fatos, as circunstâncias concretas do caso

e sua interação com os elementos normativos (BARROSO, 2011). Muito embora os princípios e

as regras possuam um caráter abstrato, é no momento em que se relacionam com situações

concretas que seu conteúdo se preenche de sentido, de tal modo que o exame dos fatos e suas

consequências referente às normas apontadas na primeira fase, possibilitarão uma melhor

compreensão de seu devido papel e a extensão de sua influência.

Já última etapa, na qual exsurge a decisão, ocorre a análise conjunta das normas e da

repercussão dos fatos do caso concreto, sendo estabelecida uma relação de peso aos diversos

elementos e, por consequência, qual das normas deverá prevalecer sobre a outra. Tal processo,

conforme o jurista, deve ater-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Para utilização do método da ponderação, o alemão Alexy (2011) cunhou a Lei da

Colisão, na qual ele apresenta uma forma de sopesar o princípio adequado para o caso. Para

melhor ilustrá-la, utilizou como exemplo uma colisão de princípios do Tribunal Constitucional

Federal Alemão, em que o dever estatal de garantir uma aplicação adequada do direito penal na

maior medida possível entra em conflito com as garantias constitucionais de um acusado na

maior medida possível, pois, com as tensões oriundas de um julgamento, corria o risco de sofrer

um derrame cerebral17

:

17

Trata-se da decisão BverfGE 51,324, do Tribunal Constitucional Alemão (ALEXY, 2011).

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[...] Portanto, se isoladamente considerados, ambos os princípios conduzem a uma

contradição. Isso significa, por sua vez, que um princípio restringe as possibilidades

jurídicas de realização do outro. Essa situação não é resolvida com a declaração de

invalidade de um dos princípios e com sua consequente eliminação do ordenamento

jurídico. Ela tampouco é resolvida por meio da introdução de uma exceção a um dos

princípios, que seria considerado, em todos os casos futuros, como uma regra que ou é,

ou não é. A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de

precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso

concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações

de precedência condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um

princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a

questão de precedência seja resolvida de forma contrária (ALEXY, 2011, p. 96,).

Dessa forma, cabe ao juiz ponderar os princípios em colisão face às circunstâncias

específicas do caso concreto, com o intuito de estabelecer qual deles possui precedência e, por

consequência, deve ser aplicado.

Para melhor aprofundar na relação de precedência condicionada, Alexy (2011), divide os

princípios do caso já narrado em P1 (direito à vida e integridade física do acusado) e P2

(operacionalidade do direito penal). De forma isolada, tanto P1 quanto P2 levam a juízos

contrários de dever-ser. Para a solução nesse caso, é possível estabelecer uma relação de

precedência incondicionada, o que significa que um dos princípios possui maior relevância do

que o outro, ou estabelecendo-se uma relação de precedência condicionada, ou seja, as condições

sob as quais tal princípio tem precedência em face do outro.

A Lei da Colisão, apresentada acima, demonstra a natureza dos princípios como

mandamentos de otimização, tanto na inexistência de relação absoluta de precedência quanto na

sua referência a ações e situações não quantificáveis. Ademais, tais elementos “constituem a base

para a reposta a objeções que se apóiam na proximidade da teoria dos princípios com a teoria dos

valores” (ALEXY, 2011, p. 99).

3.3.1 Os princípios fundamentais como valores

Cumpre ressaltar, ainda, a equiparação de princípios a valores, um dos pontos peculiares

da teoria neoconstitucionalista, que surge em oposição ao modelo positivista predecessor, no

qual o direito era separado da moral/valores.

Segundo Alexy (2011, p. 144), duas considerações tornam perceptíveis a íntima relação

entre princípios e valores. Inicialmente, diz ser possível falar tanto de uma colisão e sopesamento

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entre princípios como de uma colisão e sopesamento entre valores. De outro norte, afirma que “a

realização gradual dos princípios corresponde à realização gradual dos valores”.

Ademais, o jurista aponta haverem duas diferenças que aproximam os conceitos acima

expostos: os princípios, por serem mandamentos de um determinado tipo (de otimização)

pertencem ao âmbito deontológico18

, enquanto os valores fazem parte do âmbito axiológico19

.

Dessa forma, conclui que os princípios e os valores “mostram-se, na sua essência, estruturamente

iguais, exceto pelo fato de que o primeiro se situa no âmbito deontológico (no âmbito do dever

ser), e o segundo, no âmbito do axiológico (no âmbito do bom):

Para descubrir lo fuerte que pueda ser una teoría de los principios desde el punto de

vista de su rendimento, hay que fijarse en la semejanza que tienen los principios con lo

que se denomina “valores”. En lugar de decir que el principio de la libertad de prensa

colisiona con el de la seguridad exterior, podría decirse que existe una colisión entre el

valor de la libertad de prensa y el de la seguridad exterior. Toda colisión entre principios

puede expesarse como una colisión entre valores y viceversa. La única diferencia

consiste en que en la colisión entre principios se trata de la cuestión de qué es debido de

manera definitiva, mientras que la solución a una colisión entre valores contesta a qué

es de manera definitiva mejor. [...] (ALEXY, 1998, p. 145).

Dentro desse contexto, o autor conclui que valores e princípios são a mesma coisa, com a

ressalva dos princípios habitarem o âmbito dentológico, e os valores o âmbito axiológico, o que

mostra com clareza que o problema das relações de prioridade entre princípios corresponde ao

problema de uma hierarquia dos valores.

3.3.2 Discricionariedade e a teoria da argumentação

Com a ponderação devidamente apresentada, vale referir que se trata, como lembra

Barroso (2011, p. 360), de um método submetido à avaliações subjetivas que “poderão variar em

função das circunstâncias pessoais do intérprete e de outras tantas influências”. Isso se dá pois a

ponderação, embora preveja uma atribuição de pesos aos fatos de maior importância em uma

determinada situação, não apresenta, como pontua o autor, “referências materiais ou axiológicas

para a valoração a ser feita”, limitando-se a apresentar um “rótulo para voluntarismos e soluções

18

Como exemplo de conceitos dentológicos, Alexy (2001, p 145) elenca os conceitos de dever, proibição, permissão

e de direito a algo. Nesses conceitos, ponto comum é o fato de que podem ser reduzidos a um conceito deôntico

básico do dever ou do dever-ser. O caráter deontológico dos princípios será melhor explanado junto ao terceiro

capítulo, sobretudo junto à nota de rodapé de número 25.

19 Os conceitos axiológicos, por sua vez, não possuem como elemento básico o dever ou dever-ser, mas o conceito

de bom. Desse modo, “a diversidade de conceitos axiológicos decorre da diversidade de critérios por meio dos quais

algo pode ser qualificado como bom. Assim, conceitos axiológicos são utilizados quando algo é classificado como

bonito, corajoso, seguro, econômico, democrático, social, liberal ou compatível com o Estado de Direito.

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ad hoc, tanto as bem inspiradas como as nem tanto”. No tangente à essa margem discricionária,

pertinente se faz a análise de Prieto Sanchís (2001, p. 222):

No creo que pueda negarse el carácter valorativo y el margem de discrecionalidad que

comporta el juicio de ponderación. Cada uno de los pasos o fases de la argumentación

que hemos descrito supone un llamamiento al ejercicio de valoraciones; cuando se

decide la presencia de un fin digno de protección, no siempre claro y explícito en la

decisión enjuiciada; cuando se examina la aptitud o idoneiad de la misma, cuestión

siempre discutible y abierta a cálculos técnicos o empíricos; cuando se interroga sobre

la posible existencia de otras intervenciones menos gravosas, tarea en la que el juez ha

de asumir el papel de un diligente legislador a la búsqueda de lo más apropriado; y en

fin y sobre todo, cuando se pretende realizar la máxima de la proporcionalidad en

sentido estricto, donde la apreciación subjetiva sobre los valores en pugna y sobre la

relación “coste beneficio” resulta casi inevitable.

O autor ainda aduz o fato de nem os juízes, tampouco a sociedade, compartilharem uma

moral objetiva, muito menos apresentarem coerência em todas suas decisões, como também não

argumentam racionalmente. Esses fatores se agravam no caso da ponderação, no qual as

circunstâncias fáticas a serem consideradas são de difícil determinação, e o estabelecimento de

uma hierarquia móvel de princípios repousa em um único juízo de valor.

Em que pese esses elementos, Sanchís (2001) defende o método da ponderação,

remetendo essa margem subjetiva à necessidade da argumentação, isto é, a justificação de um

enunciado de preferência de um princípio em atrito com outro.

A argumentação, portanto, mormente nos casos difíceis, exige que a solução seja

construída tendo em vista elementos que “não estão integralmente contidos nos enunciados

normativos aplicáveis”, como lembra Barroso (2011, p. 363). Não descarta, contudo, valorações

morais e políticas integrando a produção da decisão. Quanto à sua conceituação, o autor entende

que:

Argumentação é a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o

exercício de justificação de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo

racional e discursivo de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que

tem como elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam

como ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão

A necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica formal ou

dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da racionalidade

das decisões judiciais.

Nesse norte, o autor ressalta que a crescente importância da argumentação jurídica na

hermenêutica e filosofia do Direito estão associadas à filosofia política e à filosofia moral.

Quanto à primeira, “o debate se reconduz à onipresente questão da legitimidade democrática da

atividade judicial: na medida em que se reconhece que o juiz participa criativamente da

construção da norma” (BARROSO, 2011, 364), de forma que o fundamento de sua atuação não

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pode ser pautado unicamente no princípio da seperação dos poderes. No plano da moral, destaca

a crescente exigência de justificações racionais e morais das decisões proferidas pela autoridade

competente. Não obstante, outros elementos devem fazer-se inclusos na argumentação, como a

“preferência para os elementos normativos do sistema, o respeito às possibilidades semânticas

dos textos legais, a deferência para com as deliberações majoritárias válidas e a observância dos

precedentes”.

Frente ao exposto da teoria neoconstitucionalista, verifica-se claramente uma ampla

alteração nos métodos contemporâneos de aplicação do direito, sobretudo no que se refere ao

método da ponderação como critério elencado para resolver a colisão entre normas

fundamentais.

O próximo capítulo objetiva, num primeiro momento, demonstrar a incompatibilidade do

neoconstitucionalismo junto ao ordenamento jurídico pátrio, eis que esta teoria se apoia em

subjetivismos há muito ultrapassados pelas recentes revoluções filosóficas. Por fim, ainda no

tocante ao combate ao arbítrio fruto de juízos discricionários (gerados pelo método da

ponderação), será apresentada uma teoria apta a combater tal patologia, ao apontar a

possibilidade de uma resposta correta em conformidade com a Constituição, logo, imbuída de

caráter democrátivo, pois fruto das convenções intersubjetivas de nossa sociedade, responsáveis

pela promulgação da própria Lei Fundamental.

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4. A NOVA CRÍTICA DO DIREITO

Com a devida abordagem dos principais elementos do constitucionalismo do segundo

pós-guerra, mesmo que de forma sucinta, dada a amplitude do tema, verificou-se uma vasta

gama de alterações, especialmente no tocante à inserção dos princípios na práxis jurídica,

exigindo uma nova forma de se pensar o direito. Foram analisados, ainda, elementos intrínsecos

à teoria neoconstitucionalista, como a diferença entre regras e princípios, a equiparação desses

princípios à valores e o método da ponderação como alternativa para solucionar uma colisão de

normas fundamentais.

Restou demonstrado, sobretudo, a margem discricionária que é gerada quando um

magistrado utiliza-se da ponderação para decidir em um caso difícil20

, pois nessas ocasiões, fará

uso de critérios subjetivos e valorações pessoais – elementos não compartilhados em sociedades

pluralistas (TRINDADE, 2012).

A análise deste último capítulo, portanto, cinge-se a uma crítica à teoria

neoconstitucionalista, por se entender que os elementos acima descritos não apenas fragilizam o

direito ao submeter a decisão aos critérios pessoais do juiz, mas também ofendem o regime do

Estado Democrático de Direito ao sublimar o Poder Judiciário, colocando-o num patamar acima

dos demais. Afinal, como lembra Bonavides (2001, p. 388), o uso do critério da

proporcionalidade (utilizado durante a ponderação, como visto) “pode resultar sem dúvidas no

grave risco de um considerável reforço dos poderes do juiz, com a consequënte diminuição do

raio de competência elaborativa atribuída ao legislador”.

20

Os casos difíceis (ou hard cases) são referidos como situações em que há uma lacuna ou obscuridade na lei que

dificulte a solução da controverésia. Enquanto alguns autores, como por exemplo Hart, defendem que, nesses casos,

o juiz possui discricionariedade para criar o direito e sanar o litígio, Dworkin (2002) entende que mesmo não

havendo uma regra para resolver o caso, cabe ao magistrado descobrir quais são os direitos das partes e não inventá-

la.

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Para embasar a crítica a tais elementos, fundamentais se farão os argumentos cunhados

pelo professor Streck, opositor ferrenho da discricionariedade nas decisões judiciais e

responsável pela Nova Crítica do Direito (ou Crítica Hermenêutica do Direito), teoria pela qual

defende “a construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma

Constituição normativa e da integridade da jurisdição” (STRECK, 2012, p. 63). Tal teoria será,

inclusive, gradualmente apresentada ao longo dos próximos subcapítulos como alternativa ao

neoconstitucionalismo, pois protege a interpretação do direito das discricionariedades e

ativismos judiciais, que o autor elenca como um problema antigo sendo encarado como algo

novo, especialmente em solo nacional:

Voltando, pois, ao ponto. Não há como desvincilhar o positivismo da discricionariedade

(e vice-versa). Veja-se: no início, a discricionariedade estava no nível da política,

questão que atravessa os séculos XIX e XX. Havia um nítido enfraquecimento da

autonomia do direito, que se apresentava como refém do processo político. Por isso, a

aposta nas diversas formas de realismo jurídico que pudessem, paradoxalmente, resgatar

um grau mínimo de autonomia para o jurídico. Note-se: a história do direito é uma

história de superação do poder arbitrário, então podemos afirmar que o que se procura

enfrentar é o locus onde a decisão privilegiada acontece, o lugar onde a escolha ocorre.

Nessa medida, a história do direito também é uma história da superação ou do

enfrentamento do problema da discricionariedade (que conduz à arbitrariedade)

(STRECK, 2012, p. 83, grifos do autor).

Cumpre ainda mencionar a importação acrítica da teoria neoconstitucionalista para o

âmbito jurídico brasileiro, o que se deu, conforme ensina o jurista gaúcho, através da

incorporação de elementos da Jurisprudência dos Valores, em especial, a tese de que a

Constituição é uma ordem de valores. Ainda, destaca a recepção da ponderação alexyana de

forma superficial, uma vez que “Alexy constrói sua teoria exatamente para “racionalizar” a

ponderação de valores, ao passo que, no Brasil, os pressupostos formais – racionalizadores – são

praticamente desconsiderados” (STRECK, 2012, p. 73), o que remete a fundamentação à

jurisprudência da valoração. Menciona, por fim, o emprego do ativismo judicial americano,

igualmente de forma equivocada.

Não obstante, Streck (2012) afirma que, num primeiro momento a importação do

neoconstitucionalismo e de alguns temas trabalhados pelos autores europeus foi de vital

importância, na medida em que o Brasil custou a ingressar no novo paradigma constitucional em

virtude do regime militar aqui instaurado, semelhante ao que ocorria na Europa na primeira

metade do século XX.

Dessa forma, falar sobre elementos do neoconstitucionalismo naquela época “implicava ir

além de um constitucionalismo de feições liberais – que, no Brasil, sempre foi um simulacro em

anos intercalados por regimes autoritários – na direção de um constitucionalismo

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compromissário, de feições dirigentes” (STRECK, 2012, p. 61), auxiliando a efetivação de um

regime democrático.

Todavia, o autor prossegue destacando que passado mais de duas décadas desde a

promulgação da Constituição de 1988, verificou-se que algumas características do

neoconstitucionalismo desencadearam “condições patológicas, que, em nosso contexto atual,

acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto da constituição” (STRECK, 2012, p 61).

Um desses aspectos, oriundo da equiparação de princípios à valores e do método da ponderação,

o autor denomina “panprincipiologismo”, ou seja, a criação de princípios ad hoc pelos

magistrados, buscando fundamentar as mais diversas decisões.

Além da discricionariedade, Trindade (2012, p. 108) menciona que, em virtude da

expansão da jurisdição constitucional no atual cenário (devido ao fato do Poder Judiciário ser

“guindado à condição de fiador dos direitos fundamentais e do regime democrático), se faz

necessária uma revisão na teoria da separação dos poderes. Isto porque, essa ampliação da

atuação dos tribunais proporciona o fenômeno da judicialização da política, “com o qual se

verifica a transferência dos processos decisórios dos Poderes Executivo e Legislativo para o

Judiciário”, já que os juízes muitas vezes são “incitados a intervir em questões controversas de

natureza política”, o que atenta contra o modelo democrático e também contra sua própria

legitimidade.

Outro ponto fortemente criticado na obra de Streck (2012) refere-se ao discurso

axiológico no interior do direito, o qual o jurista considera superado após a viragem linguística21

.

Todavia, continua se falando de valores, que passaram a assumir, como já visto, uma dimensão

performativa.

Diante desses elementos, o jurista aponta não mais fazer sentido a utilização da expressão

“neoconstitucionalismo”, referindo-se ao constitucionalismo democrático da segunda metade do

século XX como Constitucionalismo Contemporâneo. Essa alteração de nomenclatura também

21

Através dessa revolução na filosofia, a linguagem passou a ocupar o centro dos questionamentos, se tornando

condição de possibilidade dentro de um contexto intersubjetivo. Nesse sentido, segundo Quinaud (2008): “A

linguagem passa a ser vista como aquilo que possibilita a compreensão do indivíduo no mundo, de modo que essa

mesma linguagem é necessariamente fruto de um processo de comunicação envolvendo uma relação de

intersubjetividade, isto é, onde antes havia uma relação sujeito/objeto instaura-se uma relação sujeito/sujeito. Além

disso, a própria linguagem começa a ser compreendida como elemento de mediação das interações existentes na

sociedade”. Assim, a linguagem não mais é utilizada para assujeitar o objeto face ao intérprete, bem como este não

pode ser assujeitado pelo objeto.

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se faz importante para evitar a ideia de que o neoconstitucionalismo mostra-se como a superação

do constitucionalismo moderno, o que Streck (2012, p. 64) considera como equivocado, pois o

“Constitucionalismo Contemporâneo” “conduz simplesmente a um processo de continuidade que

agrega as novas conquistas que passam a integrar a estrutura do Estado Constitucional no

período posterior à Segunda Guerra Mundial”. Nas palavras do autor:

[...] pode-se dizer que o Constitucionalismo Contemporâneo representa um

redimencionamento na práxis político-jurídica que se dá em dois níveis: no plano da

teoria do Estado e da Constituição, com o advento do Estado Democrático de Direito; e,

no plano da Teoria do Direito, no interior da qual se dá a reformulação da teoria das

fontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da Constituição); na teoria da

norma (devido à normatividade dos princípios) e na teoria da interpretação (que, nos

termos que proponho, representa uma blindagem às discricionariedades e ativismos).

Todas essas conquistas devem ser pensadas, num primeiro momento, como

continuadoras do processo histórico através do qual se desenvolve o constitucionalismo.

Com efeito, o constitucionalismo pode ser concebido como um movimento teórico

jurídico-político em que se busca limitar o exercício do poder a partir da concepção de

mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício da cidadania. (STRECK, 2012, p. 64).

Resta cristalino, portanto, a dependência do neoconstitucionalismo às posturas valorativas

(axiológicas), bem como voluntaristas (subjetivas), o que, como bem afirma Streck, proporciona

atitudes incompatíveis com o modelo democrático vigente, pois proporciona o ativismo e a

discricionariedade judicial. Esses serão os principais pontos abordados, para, ao longo dos

próximos subcapítulos, serem apresentado os pressupostos centrais da Nova Crítica do Direito,

no intuito de construir uma teoria da decisão correta, que entende-se adequada à Constituição.

4.1 Críticas à teoria da conexão entre direito e moral

O ponto de partida das críticas ao neoconstitucionalismo será a conexão entre direito e

moral, que, como já visto, retorna ao âmbito jurídico com o surgimento do Estado Constitucional

de Direito, como forma de resposta à impotência do direito durante os regimes totalitários

existentes durante a vigência do positivismo jurídico da primeira metade do século passado.

Nesse sentido, Ferrajoli (2012) entende que, se tratando o constitucionalismo da

positivação dos princípios de justiça e dos direitos humanos afirmados historicamente, válido se

faz também o princípio juspositivista da separação entre direito e moral. Tal princípio, contudo,

não significa que as normas jurídicas não possuam conteúdos morais ou pretensões de justiça:

[...] Mesmo as normas e os juízos (a nosso entender) mais imorais e mais injustos são

considerados “justos” por quem os produz e exprimem, portanto, conteúdos “morais”,

que, mesmo se (nos) parecem desvalores, são considerados “valores” por quem os

compartilha. Da mesma forma, o ordenamento mais injusto e criminoso apresenta, ao

menos para o seu legislador, uma (subjetiva) “pretensão de justiça”. Isto quer dizer que

as Constituições expressam e incorporam valores da mesma maneira, nem mais nem

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menos, como o fazem as leis ordinárias. Aquilo que representa o seu traço característico

é o fato de os valores nelas expressos – e que nas Constituições democráticas consistem,

sobretudo, em direitos fundamentais.- serem formulados por meio de normas positivas

de nível normativo supraordenado àquele da legislação ordinária e serem, por isso, em

relação a esta vinculantes (FERRAJOLI, 2012, p. 27).

O autor critica, portanto, a tese de que o ordenamento jurídico satisfaz, de forma objetiva,

uma eventual pretensão de justiça, de forma que restem conexos direito e moral, sendo a justiça,

mesmo de forma mínima, um elemento intrínseco à validade de uma norma jurídica. Assim,

conclui Ferrajoli que nem mesmo uma Constituição pode afirmar-se como justa apenas por ser

uma Constituição, tendo em vista ser pefeitamente possível a existência de uma norma

constitucional considerada injusta por alguns, citando como exemplo o direito de portar e de

possuir armas, com previsão expressa na segunda emenda da Constituição norte-americana. De

igual forma, o jurista entende como sendo juridicamente inválida uma solução considerada justa

referente à uma determinada decisão, em um caso difícil, pautada em um princípio moral, e não

em uma norma do direito positivo:

A tese da separação entre direito e moral, mantendo firme não apenas a distinção, mas

também a divergência entre justiça e validade, permite que não se incorra nas falácias

provenientes desta confusão: a falácia jusnaturalista, consistente na identificação (e na

confusão) da validade com a justiça, em algum sentido objetivo desta segunda palavra; e

a falácia ético-legalista, consistente – mesmo que na variante do cosntitucionalismo

ético – na oposta identificação (e confusão) da justiça com a validade. [...]

(FERRAJOLI, 2012, p. 33, grifos do autor).

Por fim, o mestre florentino ressalta que a sua teoria, ou seja, o constitucionalismo

juspositivista e garantista22

rejeita o retorno da moral ao direito. Entretanto, admite, “como ponto

de vista autônomo do direito e sobre o direito, o ponto de vista a ele externo da moral e da

política, que é, portanto, o ponto de vista crítico, também nos confrontos de normas

constitucionais, de cada um de nós” (FERRAJOLI, 2012, p. 32).

O autor prossegue, ainda, afirmando que essa separação (entre direito e moral) é um dos

fundamentos da própria democracia constitucional, isto é, pelo fato deste constitucionalismo

22

Embora a teoria juspositivista muito se aproxima da tese defendida por Streck, cumpre apontar alguns pontos

divergentes. Para o professor florentino, o constitucionalismo juspositivista “caracteriza-se por uma normatividade

forte, de tipo regulativo, isto é, pela tese de que a maior parte dos (ainda que não todos) princípios constitucionais,

em especial os direitos fundamentais, comporta-se como regras, uma vez que implica a existência ou impõe a

introdução de regras consistentes em proibições de lesão ou obrigações de prestações que são suas respectivas

garantias”. Assim, este constitucionalismo “poderá ser definido como um sistema jurídico e/ou uma teoria do direito

que preveem – para a garantia daquilo que vem estipulado constitucionalmente como vinculante e inderrogável – a

submissão (inclusive) da legislação a normas relativas à produção não só formais, relativas aos procedimentos (ao

quem e ao como), mas também materiais, relativas aos conteúdos das normas produzidas (ao que se deve decidir e

ao que não se deve decidir), cuja violação gera antinomias, por comissão, ou lacunas, por omissão” (FERRAJOLI,

2012, p. 18). Outros pontos a serem destacados na teoria de Ferrajoli é a separação entre direito e moral, bem como

o entendimento de que uma margem discricionária é algo inevitável em certos casos, ocasião na qual o autor se

aproxima dos postulados positivistas da primeira metade do século passado.

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democrático reconhecer e buscar tutelar o pluralismo moral, ideológico e cultural de nossas

sociedades complexas, assumir a ideia de que ele seja pautado em uma objetividade moral ou

exprima pretensões de justiça objetiva, afronta seus próprios princípios, mormente a liberdade de

consciência e de pensamento.

Desta forma, a separação entre o direito e a moral constitui a garantia do pluralismo

moral e do multiculturalismo, como aponta o jurista supra, ou em outras palavras, da convivência

pacífica das diversas culturas que coexistem em uma mesma sociedade.

Streck (2012, p. 76) entende o posicionamento de Ferrajoli - o qual considera atrelado à

clássica concepção positivista da separação entre direito e moral - como superado em virtude da

superação da noção de fontes sociais frente ao que chama de prospectividade, “isto é, o direito

constante nas Constituições não vem a reboque dos „fatos sociais‟, e, sim, aponta para a

reconstrução da sociedade (o direito é transformador)”. Nesse norte, não mais pode se falar na

validade de qualquer norma que contrarie a Constituição, e, alias, contrariando a tese da

separação entre direito e moral, não é qualquer direito que pode ser positivado.

Para o autor acima, tanto a tese da separação (positivista) quanto da

dependência/vinculação (neoconstitucionalista) entre direito e moral restam superadas, tendo em

vista o que restou conhecido como a institucionalização da moral no direito:

[...] a moral não tem força jurídico-normativa. O que tem força vinculativa, cogente, é o

direito, que recebe conteúdos morais quando de sua elaboração legislativa. Mas,

registre-se: são as Constituições desse novo período que albergam esse novo direito, que

busca resgatar as promessas incumpridas da modernidade; e é a partir dele que o

legislador deverá agir (STRECK, 2012, p. 77).

Streck conclui, portanto, afirmando que o “constituir” da Constituição é a suprema

obrigação do direito, ou seja, após uma lei ser cunhada, a decisão do magistrado passa a ser por

ela racionalizada, e não pelas imposições pessoais (morais) desse juiz. Não se admitindo mais a

separação, tampouco a vinculação entre direito e moral, essa última não mais passa a ser

colocada como corretiva do direito.

4.2 O neoconstitucionalismo no Brasil: uma recepção descontextualizada

Através da Constituição de 1988, instituiu-se, no Brasil, o Estado Democrático de

Direito, que nada mais é do que o Estado Social que incorpora o plus Democrático. Em tal

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modelo, passou a buscar-se uma igualdade substancial (saúde, educação, etc) e não mais

meramente no tocante aos direitos civis e políticos. Assim, pode-se afirmar:

Quando se constitucionaliza o chamado Estado Democrático de Direito, deve-se atentar

para o que isso significa e, por consequência, para as condições, possibilidades e limites

de realização das promessas construídas no/pelo “contrato constitucional” e contidas no

bojo da Carta Política que o caracteriza, bem como há que se ter em mente tratar-se de

um Estado Democrático de Direito, cuja normatividade não apenas organiza o poder – e

mesmo por isso – mas, também, define seus procedimentos e espaços de atuação

(MORAIS, 2011, p. 151, grifos do autor).

Face a essas mudanças, uma nova Constituição (em especial, uma rica em direitos

fundamentais e sociais) pressupõe diferentes formas de análise, como uma nova teoria das

fontes, uma nova teoria da norma e uma nova teoria hermenêutica23

(STRECK, 2012).

Outrossim, verificou-se que a tradição jurídica brasileira não comportava direitos de segunda e

terceira dimensão, da mesma forma que não havia uma teoria constitucional apta às vicissitudes

de um novo paradigma jurídico.

Desse modo, tais carências aproximaram os jurístas brasileiros das teorias estrangeiras, e,

como lembra Streck (2012), a recepção da maior parte dessas teorias se deu de forma acrítica,

apostando, na maioria dos casos, no protagonismo judicial. O jurista elenca como as três

principais teses trazidas para o Brasil a Jurisprudência dos Valores, o ativismo judicial norte-

americano e a teoria da argumentação de Robert Alexy, sendo que está última e a primeira

devem ser analisadas de forma conjunta em virtude da maneira como são trabalhadas pelos

magistrados e tribunais no direito brasileiro.

4.2.1 A jurisprudência dos valores e a teoria da argumentação

A Jurisprudência dos Valores, no caso alemão, foi de extrema importância para reduzir as

tensões oriundas da outorga da Constituição de 1949 pelas forças aliadas, o que significa que

restou ausente a participação de grande parte do povo alemão na constituição da Carta. Assim,

passa a existir um direito distinto da lei, ou seja, “a invocação de argumentos que permitissem ao

Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encontravam fora da estrutura rígida da legalidade”

23

Segundo Streck (2012, p. 64), o “Constitucionalismo Contemporâneo representa uma um redirecionamento na

práxis político-jurídica que se dá em dois níveis: no plano da Teoria do Estado e da Constituição, com o advento do

Estado Democrático de Direito; e, no plano da Teoria do Direito, no interior da qual se dá a reformulação da teoria

das fontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da Constituição); na teoria da norma (devido à

normatividade dos princípios) e na teoria da interpretação (que, nos termos que proponho, representa uam

blindagem às discricionariedades e ativismos)”.

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(STRECK, 2012, p. 48). Os valores surgem, portanto, como mecanismo de abertura de uma

legalidade demasiadamente fechada, através da aposta no protagonismo judicial, como assinala

Trindade (2012).

Não obstante, critica-se a falta de contextualização da importação da teoria, pois Brasil e

Alemanhã possuem realidades distintas:

[...] No caso específico do Brasil, onde, historicamente, até mesmo a legalidade

burguesa tem sido difícil de “emplacar”, a grande luta tem sido a de estabelecer as

condições para o fortalecimento de um espaço democrático de edificação da legalidade,

plasmado no texto contextual (STRECK, 2012, p. 48).

Da Jurisprudência dos Valores, os juristas brasileiros aderiram à tese de que a

Constituição é uma ordem de valores, sendo o papel do intérprete o de encontrar e revelar tais

valores (STRECK, 2012). Isso se dá, de forma mais específica, através da teoria da

argumentação de Alexy – que também recebeu uma leitura superficial.

De tal modo, o autor entende a ideia de Constituição como ordem de valores em sendo

subsumida à teoria alexyana da colisão de princípios (analisada no capítulo anterior), ignorando-

se os pressupostos lógicos que sustentam tal teoria. Isto porque a atribuição de valor é, na teoria

alexyana, um momento subsequente à colisão que provoca o procedimento da ponderação. A

teoria de Alexy, destaca Streck (2012), serve exatamente para racionalizar a ponderação de

valores, enquanto no Brasil os pressupostos de racionalização são praticamente desconsiderados,

levando a fundamentação à jurisprudência da valoração.

Exsurge, assim, diversas teorias argumentativas, que, sobretudo, não levam em conta ser

impossível resolver diretamente um caso através da ponderação, pois o método não envolve uma

escolha direta (STRECK, 2012, p. 50,):

Importante anotar que, no Brasil, os tribunais, no uso discriterioso da teoria alexyana,

transformaram a regra da ponderação em um princípio. Com efeito, se na formatação

proposta por Alexy, a ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada

ao caso por subsunção -, os tribunais brasileiros utilizam esse conceito como se fosse

um enunciado performático, uma espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os

posicionamentos mais diversos [...].

Assim, a ponderação acaba por proporcionar dois fenômenos que serão abordados em

momento oportuno, a saber, o que Streck denomina panprincipiologismo (a proliferação de

enunciados para resolver problemas concretos), e a discricionariedade.

Por fim, a consolidação da Jurisprudência dos Valores, conforme lembra Trindade (2012,

p. 114), não apenas possibilita os juízos subjetivos, mas vem “potencializando a

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discricionariedade judicial, através da técnica da ponderação, sob o álibi teórico de uma maior

racionalidade no discurso jurídico”.

4.2.2 O ativismo judicial em solo brasileiro

De forma semelhante à teoria anteriormente trabalhada, o ativismo judicial também foi

recepcionado de forma acrítica no Brasil. Como lembra Trindade (2012), o ativismo possui

origem no sistema jurídico norte-americano, no qual a principal fonte do direito são os

precedentes, logo a atividade jurisdicional acaba por criar o direito. Para uma melhor análise do

fenômeno, ele enumera sete tipos de ativismo judicial, apresentados por Willian Marshall em sua

obra:

1) ativismo contramajoritário, quando os tribunais relutantes discordam de decisões

tomadas por órgãos democraticamente eleitos; 2) ativismo não originalista: quando os

tribunais negam o originalismo na interpretação judicial, desconsiderando as

concepções mais estritas do texto legal ou, então, a intenção dos autores da

Constituição; 3) ativismo de precedentes: quando os tribunais rejeitam a aplicação de

precedentes anteriormente estabelecidos; 4) ativismo jurisdicional: quando os tribunais

não obedecem os limites formais estabelecidos para sua atuação, violando as

competências a eles conferidas; 5) ativismo criativo: quando os tribunais criam,

materialmente, novos direitos e teorias através da doutrina constitucional; 6) ativismo

remediador: quando os tribunais usam seu poder para impor obrigações positivas aos

outros poderes ou para controlar o cumprimento das medidas impostas; 7) ativismo

partisan: quando os tribunais decidem com a finalidade de atingir objetivos nitidamente

partidários ou de determinado segmento social (MARSHALL, 2002, p. 101-140, apud

TRINDADE, 2012, p. 111).

Através dessa análise, o jurista destaca a existência de uma disfunção no exercício da

atividade jurisdicional, o que leva a conclusão de que “o ativismo judicial consiste na recusa dos

tribunais de se manterem dentro dos limites jurisdicionais estabelecidos para o exercício do

poder a eles atribuídos pela Constituição” (TRINDADE, 2012, p. 111).

Em linhas análogas, Streck (2012) afirma que, face uma postura ativista, temos uma

decisão que vai além da Constituição, acarretando num rompimento constitucional24

, ou seja,

quando o texto permanece intalerado mas a prática é alterada pela prática das maiorias,

destacando que tal fenômeno ocorreu com a Constituição de Weimar e o nazismo na Alemanhã.

Outrossim, diante dessas três posturas (Jurisprudência dos Valores, ponderação e

ativismo judicial), aponta-se a existência de “manifestações calcadas em pragmaticismos dos

mais variados, na maioria das vezes construídos a partir de mixagens teóricas assistemáticas e

24

Cf. HESSE, Konrad, Elementos de direito Constitucional da República Federativa da Alemanha. Porto Alegre:

Fabris, 1998.

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contraditórias” (STRECK, 2012, p. 55). Em diversos desses casos, tais pragmaticismos acabam

utilizando pressupostos da teoria argumentativa de Alexy, em especial em se tratando de

decisões que aplicam a proporcionalidade e a razoabilidade. Quanto à estas últimas:

Nesse sentido, não é difícil perceber o modo pelo qual a ponderação, a razoabilidade e a

proporcionalidade foram sendo transformados em enunciados performativos. Como se

sabe, uma expressão performativa não se refere a algo existente, nem a uma ideia

qualquer; a simples enunciação já faz “emergir” a sua significação. Já “não se pode ser

contestado”; não pode sofrer críticas; consta como “algo dado desde sempre”; sua mera

evocação já é um “em si-mesmo”. O uso performativo de um enunciado objetiva “colar”

texto e sentido do texto, não havendo espaço para pensar a diferença (entre ser e ente,

para usar a linguagem hermenêutica). Desse modo, expressões como “ponderação de

valores”, “mandados de otimização”, “proporcionalidade”, “razoabilidade”, “decido

conforme minha consciência”, no momento em que são utilizados ou pronunciadas, têm

um forte poder de violência simbólica (Bourdieu) que produz o “sentido próprio” e o

“próprio sentido”. São sentidos coagulados que atravessam a gramática do direito rumo

a uma espécie de univocidade extorquida no plano das relações simbólicas de poder. Em

nome da proporcionalidade e do “sopesamento entre fins e meios” (a assim denominada

“ponderação”), é possível chegar às mais diversas respostas, ou seja, casos idênticos

acabam recebendo decisões diferentes, tudo sob o mando da “ponderação” e da

proporcionalidade (ou da razoabilidade) (STRECK, 2012, p. 55).

Com a devida caracterização dos elementos que foram importados para a prática jurídica

brasileira, cumpre relacionar as críticas ao modelo de separação entre regras e princípios (como

visto, um dos pontos fulcrais do neoconstitucionalismo), bem como a equiparação de princípios e

valores, o que propicia, por sua fez, o fenômeno conhecido como “panprincipiologismo”.

4.2.3 Crítica à diferença entre regras e princípios e à equiparação destes à valores

Diferente do modelo que diferencia regras e princípios sustentado inicialmente por

Dworkin, e posteriormente “aperfeiçoado” por Alexy, surge uma tese oposta, defendendo um

caráter distinto de diferenciação, tendo como base os próprios princípios e sua natureza.

Com efeito, Ferrajoli (2012) afirma que, por trás de toda regra existe um princípio,

mesmo se tratando das regras mais banais. Pra demonstrar tal afirmação, cita, como exemplo, o

princípio da segurança por trás da regra de parar o veículo quando o semáforo estiver vermelho.

Para o autor italiano, portanto, a diferença entre regras e princípios não é estrutural, como

nos modelos já apresentados, mas de estilo, isto é, ressalta não haver uma diferença real de

estatuto entre princípios e regras, sendo que a violação de um princípio o torna uma regra

enunciando as proibições ou obrigações correspondentes:

[...] Por isto, a Constituição é definida, na sua parte substancial, não só como um

conjunto de direitos fundamentais das pessoas, isto é, de princípios, mas também como

um sistema de limites e de vínculos, isto é, de regras destinadas aos titulares dos

poderes. Precisamente, aos princípios consistentes em direitos de liberdade (universais

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ou omnium) correspondem as regras consistentes em limites ou proibições (absolutos ou

erga omnes). Aos princípios consistentes em direitos sociais (universais ou omnium)

correspondem as regras consistentes em vínculos ou obrigações (absolutos ou erga

omnes). Direitos e deveres, expectativas e garantias, princípios em matéria de direitos e

regras em matéria de deveres são, em suma, uns a face dos outros, equivalendo a

violação dos primeiros, seja ela por comissão ou por omissão, à violação das segundas

(FERRAJOLI, 2012, p. 41,).

Streck (2012, p. 68) compactua com o entendimento acima, afirmando que a legitimidade

de uma decisão se concretiza no momento em que se verifica que a regra aplicada é instituída por

um princípio. Portanto, “não há regra sem um princípios instituidor. Sem um princípio

instituinte, a regra não pode ser aplicada, posto que não será portadora de caráter de legitimidade

democrática”.

Para o jurista supra, norma é um conceito interpretativo, ou seja, a “normatividade

emerge de um quadro factual constituído por regras e princípios”. Dessa forma, o problema

reside na classificação dos princípios e regras em um conceito semântico de norma, de modo que

ao se utilizar a distinção apresentada por Alexy, não está sendo aplicada uma solução

hermenêutica. Quanto ao tema, cumpre transcrever as palavras do professor Streck (2012, p. 69):

Ao ser feita a distinção estrutural, os princípios acabam adquirindo algo que lhes tira a

“razão principiológica”, isto é, alça-se-lhes a condição de metarregras, o que faz com

que, no fundo, o princípio apenas ingresse no sistema para “resolver insuficiência

ônticas” das regras, como ocorre, por exemplo, com a teoria da argumentação jurídica.

Afinal, como é sabido, para a teoria da argumentação jurídica o problema das regras se

resolve por subsunção e o dos princípios pela ponderação.

É neste ponto que cumpre fazer alusão aos valores, eis que o acima descrito também se

aplica na diferença entre axiologia e deontologia25

, razão pela qual Streck (2012) insite que

princípios não são valores. O autor prossegue estabelecendo não ser correto falar em axiologia

principiológica, mas sim em uma deontologia dos princípios, pois eles que compõem a

normatividade do direito.

Dessa forma, as regras não ocorrem sem princípios, que são determinantes na

concretização do direito e devem conduzir a uma resposta adequada nas decisões judiciais. Estas

últimas, portanto, “constituem modalidades objetivas de resolução de conflitos”, como ressalta

Streck (2012, p. 69), apresentando uma conduta que deve ser autorizada pelos princípios, que

25

De acordo com Habermas (1997), “A validade deontológica de normas tem o sentido absoluto de uma obrigação

incondicional e universal: o que deve ser pretende ser igualmente bom para todos”. Em contrapartida, a “atratividade

de valores tem o sentido relativo de uma apreciação de bens, dotada ou exercitada no âmbito de formas de vida ou

de uma cultura”. Para Habermas, portanto, os princípios instituem e justificam as regras, enquanto que não se pode

falar de princípios axiológicos, pois estes seriam tratados como valores, e não com normatividade.

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fazem com que o “caso decidido seja dotado de autoridade que – hermeneuticamente – vem do

reconhecimento da legitimidade”.

A ideia de que as normas constitucionais não são vinculantes (colocando o ordenamento

em posição de submissão à elas) mas sim “princípios ético-políticos fruto de argumentações

morais” (FERRAJOLI, 2012, p. 44), possibilitou uma invenção jurisprudencial consistente na

criação de princípios sem qualquer fundamento no texto Constitucional – o que Streck (2012)

chama, como já visto, de “panprincipiologia”, objeto de análise do próximo subcapítulo.

4.2.4 O panprincipiologismo: a proliferação de princípios

O fenômeno do panprincipiologismo consiste em uma invenção normativa

jurisprudencial, em direta afronta à submissão do juiz à lei (FERRAJOLI, 2012), no qual

princípios são criados/inventados pelo intérprete para embasar uma decisão, sem nenhum

fundamento previsot na Constituição.

Para Streck (2012, p. 65), a equiparação dos princípios à valores (ou a chamada

“positivação dos valores”) facilita a criação, num segundo momento, de princípios, visando sanar

casos difíceis. Com o intuito de melhor ilustrar esse processo, o jurista criou um rol com alguns

desses “princípios” aplicados na prática jurídica brasileira, como por exemplo:

[...] o princípio da simetria (menos um princípio de validade geral e mais um

mecanismo ad hoc de resolução de controvérsias que tratam da discussão de

competências), princípio da precaução (por que a “precaução” – que poderíamos

derivar da velha prudência – seria um “princípio”?); princípio da não surpresa (não

passa de um enunciado com pretensões performativas, sem qualquer normatividade);

princípio da afetividade (esse prêt-à-portêr nada mais faz do que escancarar a

compreensão do direito como subsidiário de juízos morais; daí a perplexidade: se os

princípios constitucionais são deontológicos, como retirar da “afetividade” essa

dimensão normativa?); princípio do fato consumado (fosse válido esse “princípio”,

estaríamos diante de um incentivo ao não cumprimento das leis, apostando na passagem

do tempo ou na ineficiência da justiça); princípio da cooperação processual (em que

condições um standard desse quilate pode ser efetivamente aplicado? Há sanções no

caso de “não cooperação”? Qual será a ilegalidade ou inconstitucionalidade decorrente

da sua não aplicação? [...]

A listagem realizada por Streck ainda é extensa e demonstra, portanto, os efeitos dessa

proliferação de princípios: enunciados, quando não tautológicos, despidos de qualquer traço de

normatividade.

Cumpre mencionar, sobretudo, o problema oriundo do assim chamado “princípio da

proporcionalidade”. Como lembra Streck (2012, p. 66), a proporcionalidade não pode “ser alçada

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à plenipotenciariedade principológica, como se fosse uma metarregra para resolver problemas

não resolvidos pelos „demais princípios‟ conformadores do sistema jurídico”. Isto se dá porque,

para o já referenciado jurista, a proporcionalidade deve estar presente em toda aplicação,

proporcionando um equilíbrio. Dessa forma, “isolado, o enunciado proporcionalidade ou

“princípio da proporcionalidade” carece de significatividade”.

A proporcionalidade, assim, acaba por ser evocada em inúmeras teses e decisões,

possibilitando uma ampla margem discricionária no direito. O mesmo se aplica aos demais

princípios frutos dessa proliferação que, como lembra o autor supra, representam um conjunto de

álibis teóricos. Isto significa, na concepção neoconstitucionalista, que inexistindo uma lei para

ser aplicada naquele determinado caso, o juiz deve fazer uso doss inúmeros princípios acima

arrolados, ou, na falta de um aplicável, criar um.

Os resultados desse procedimento, por assim dizer, embora possam apresentar soluções

jurídicas para os mais diversos casos - o que pode ser visto como bom num primeiro momento -

caracterizam uma fragilização do direito, mormente pela ausência de uma vinculação desses

enunciados com a própria Constituição.

Streck (2012) afirma, portanto, que essa multiplicação de “princípios” é oriunda da tese

de que os princípios proporcionam uma abertura interpretativa. Em seu entendimento, os

princípios constitucioanis “instituem o mundo prático no direito”, proporcionando um ganho

qualitativo para o mesmo. O novo paradigma constitucional impõe aos juizes o dever de decidir

de forma correta, ou, em suas palavras, trata-se do “dever de resposta correta, correlato ao direito

fundamental de resposta correta (no caso, adequada à Constituição) que venho defendendo”.

4.3 Como a discricionariedade enfraquece o direito e a democracia e a necessidade da

teoria de uma resposta correta

Verificou-se, até aqui, que a teoria neoconstitucionalista não se sustenta em diversos

aspectos, principalmente por não considerar o caráter deontológico dos princípios, submetendo a

decisão aos critérios pessoais do julgador.

Dito de outra forma, resta constatado que as regras apenas se aplicam diante do caráter

antecipatório dos princípios, ou seja, o princípio está antes da regra e só se comprende a segunda

através do primeiro (STRECK, 2012, p. 70). Quanto à esse aspecto, o autor ainda conclui que

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não é o fato de um princípio estar positivado em uma Constituição que o torna, efetivamente, um

princípio, mas sim a Constituição é principiológica porque “há um conjunto de princípios que

conformam o paradigma constitucional, de onde exsurge o Estado Democrático de Direito”.

Tendo como pressupostos as críticas e os elementos constitutivos da Nova Crítica do

Direito expostos, cumpre, por fim, apontar a insustentabilidade das práticas

discricionárias/ativistas em solo brasileiro, bem como apresentar a tese do dever da decisão

correta – uma (possível) solução para os problemas da atual prática jurídica.

4.3.1 Discricionariedade e ativismo

Para se falar de discricionariedade, impera seja retomada a temática da ponderação de

princípios. Nesse contexto, Ferrajoli (2012, p. 45) entende que esse método (lembrando que a

situação se agrava ainda mais nos casos de princípios inventados pelos juízes) gera um perigo

para a “independência da jurisdição e para a legitimação política”.

Sustentando-se a teoria de que os juízes não devem se limitar a interpretar as normas

postas, mas estão habilitados a criá-las (como visto nas hipóteses anteriores), resta violada a

separação de Poderes (Ferrajoli, 2012).

Vale ressaltar, contudo, que a crítica do mestre florentino não se direciona à margem

discricionária aberta pela ponderação26

, mas a seu uso excessivo na interpretação jurisdicional

das normas constitucionais. Por meio deste método, no qual é atribuída a dimensão do peso aos

princípios, resta favorecido um Poder Judiciário de “escolha em relação em relação a quais

princípios aplicar e quais não aplicar sobre a base da valoração, inevitavelmente discricionária, a

partir de sua diversa importância” (FERRAJOLI, 2012, p. 49).

Outrossim, o jurista italiano reafirma sua crítica ao poder criativo dos juízes ao fazerem

uso excessivo do método da ponderação, ao que chama de “poder de disposição” (FERRAJOLI,

26

Ferrajoli (2012, p. 47) entende que os espaços de discricionariedade da jurisdição são inegáveis. Para

exemplificar essa afirmação, cita, em matéria penal, três espaços fisiológicos e supostamente insuprimíveis de

discricionariedade: “o poder de qualificação jurídica, que corresponde aos espaços de interpretação da lei, ligados à

semântica da linguagem legal; o poder de verificação factual ou de valoração das provas, que corresponde aos

espaços da ponderação dos indícios e dos elementos probatórios; o poder equitativo de conotação dos fatos

verificados, que corresponde aos espaços da compreensão e ponderação dos conotados singulares e irrepetíveis de

cada fato, mesmo se todos igualmente subsumíveis na mesma figura legal do crime”. Embora o autor ainda aponte

que estes espaços podem ser fortemente reduzidos, afirma não poderem ser suprimidos, ressaltando a importância de

uma teoria da argumentação adequada.

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2012, p. 51), que se trata, contudo, de um poder ilegítimo, ”uma vez que invade a competência

política das funções do governo, não podendo, portanto, ser aceito sem que se negue a separação

dos Poderes e a própria conservação do Estado de Direito”.

O mesmo ocorre com o ativismo judicial na atual etapa histórica27

, pois, como aponta

Trindade (2012), torna-se perigoso, mormente para as recém formadas democracias

constitucionais, em que os tribunais se recusam a permanecer dentro dos limites estabelecidos

para exercício do poder que lhes foi atribuído pela Constituição. No tocante a já abordada

recepção descontextualizada do ativismo, que desconsidera especificidades fundamentais da

realidade jurídica brasileira, o autor elenca alguns desses elementos:

[...] (a) a promulgação de uma constituição democrática, marcada por um amplo

catálogo de direitos fundamentais, além da presença de uma pluralidade de interesses

políticos, sociais, econômicos e culturais; (b) a previsão de um sistema misto de

controle de constitucionalidade das leis; (c) a existência de um total de, praticamente, 14

mil magistrados em atividade, cuja grande maioria ainda entende que a interpretação é

um ato de vontade e que, portanto, está à disposição do juiz; (d) a concorrência de dois

princípios que conformam o ordenamento jurídico: de um lado, a vedação ao non liquet,

segundo a qual o juiz não pode declinar da prestação jurisdicional, conforme determina

a tradição francesa inaugurada pelo Código de Napoleão, ao contrário do que ocorre na

matriz norte-americana, que admite esta hipótese em matéria de questões políticas; e, de

outro lado, a inafastabilidade do Poder Judiciário, de maneira que todo ato pode ser por

ele revisado, uma vez que não há tribunais administrativos ou contenciosos

(TRINDADE, 2012, p. 116, grifos do autor).

Como fruto disto, destaca que restou conferido aos magistrados discricionariedade para

buscarem em suas consciências uma “solução que atenda aos fins de justiça social”, o que lhes

dá margem tanto para a criação do direito quando ao seu gerenciamento processual, “o que

implica uma intervenção indevida tanto na esfera administrativa quanto legislativa”.

Na mesma direção, Streck (2012) afirma que tanto a discricionariedade como o ativismo -

por serem teses muito semelhantes - são faces de uma mesma moeda. Nesse ponto, Trindade

(2012, p. 118) também refere que, os princípios se tornam uma espécie de “máscara da

subjetividade”, pois passam a ser aplicados de forma que os juízes decidam conforme bem

entenderem, remetendo a uma “justiça lotérica, marcada pela imprevisibilidade”.

27

Trindade (2012, p. 115) refere-se a três etapas da evolução da jurisprudência constitucional no Brasil, desde a

promulgação da Constituição de 1988. A primeira foi a fase da ressaca, que se inicia em 1988, na qual se evidencia

a dificuldade em se compreender o novo paradigma instaurado com o Estado Democrático de Direito. Na segunda,

chamada pelo autor de fase da constitucionalização, iniciada ao fim da década de 90, verifica-se o descobrimento da

Constituição e de sua carga principiológica, possibilitando a constitucionalização do direito, com os tribunais

assumido o papel de intérpretes da Constituição, a partir das contribuições nos campos da hermenêutica e

argumentação jurídica. Por fim, a fase ativista, na qual o jurista cita como marco simbólico a Emenda Constitucional

nº 45 de 2004, passando a ocorrer um “estímulo voltado à adoção de posturas pró-ativistas, que não se restringiam à

jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mas alcançam todas as instâncias judiciais”.

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Discricionariedade, para Streck (2012, p. 80), é a sublimação de um poder (no caso, o

Judiciário) que não possui legitimidade para substituir o legislador, o que resta agravado quando

esse poder pode, inclusive, alterar a própria Carta, como é o caso da Súmula Vinculante nº 528

.

O que se verifica no neoconstitucionalismo, portanto, é um enfraquecimento, ou, como

aponta Ferrajoli (2012), um colapso da normatividade dos princípios constitucionais. Ocorre o

mesmo no caso do ativismo judicial brasileiro, ao criar uma postura que amplia o espaço

jurisdicional, reforçando a discricionariedade e, de igual forma, levando, segundo Trindade

(2012), ao enfraquecimento da normatividade da Constituição e também do próprio regime

democrático.

Torna-se possível afirmar, face ao exposto, que tanto a ponderação quanto o ativismo

judicial são nocivos ao ordenamento jurídico pátrio, eis que promovem juízos discricionários,

submetendo a decisão – que deveria sempre estar imbuída de responsabilidade política, tendo em

vista os ditames do novo paradigma constitucional na busca da construção de uma sociedade

mais justa – ao arbítrio ou subjetivismo do magistrado.

A criação desenfreada de princípios para suprir supostas lacunas legais, de igual forma,

fragiliza o direito por lhe atribuir um alto grau de incerteza, possibilitando, como já visto,

resultados antagônicos em casos idênticos. De igual forma, esta sublimação do Poder Judiciário,

atribuindo-lhe funções legislativas, na medida em que se “cria” o direito, rompe com o modelo

tripartite da separação dos Poderes, o que atenta diretamente contra um dos pressupostos da

democracia.

Nesse ponto, exsurge a questão de como desvincilhar o direito destas práticas

patológicas, preservando sua autonomia e possibilitando uma decisão coerente, livre do

solipsismo29

judicial, respeitando os limites estabelecidos pela Constituição. É a esta questão que

a Nova Crítica do Direito de Streck busca responder.

28

A Súmula Vinculante número 5 estabelece que a falta de defesa técnica por advogado em processo administrativo

disciplinar não ofende à Constituição. Tal enunciado afronta diretamente o artigo 5º, LV, da CF, que assegura aos

acusados em geral o direito do contraditório e ampla defesa tanto em processo judicial quanto administrativo. O que

ocorre disto, como lembra Streck (2012, p. 80), é que no sistema jurídica brasileiro, uma súmula não pode ser

declarada como inconstitucional, somente podendo ser revogada por quem a criou – o STF.

29 O solipsismo pode ser entendido como uma teoria subjetivista submete a interpretação judicial às preferências

valorativas pessoais do intérprete (aqui chamado sujeito solipsista), dando ao texto o significado que mais lhe

aprouver, baseado em sua acepção de justiça (LUIZ, 2013). Para Streck (2010), sujeito solipsista é aquele que

constrói o seu próprio objeto de conhecimento.

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Feitas estas considerações, cumpre analisar a NCD em seus pontos principais,

destacando, portanto, a possibilidade de uma alternativa ao objetivismo/subjetivismo dos

modelos predecessores.

4.3.2 A Nova Crítica do Direito

Como visto, na teoria neoconstitucionalista não existe uma integridade nas decisões

judiciais, estando estas submetidas diretamente, em certos casos, à subjetividade do juiz, gerando

decisões distintas sobre casos idênticos. Este é um dos pontos fulcrais da obra do professor

Streck, pois ele entende que as revoluções no campo da filosofia (mais especificamente a

viragem ontológica-linguística, com Heidegger e Gadamer) e o novo paradigma constitucional

(em especial pelo novo papel dos princípios) não mais permitem o uso de disricionariedades.

Quanto à sua teoria:

[...] a Nova Crítica do Direito ou a Crítica Hermenêutica do Direito é uma nova teoria

que exsurge da fusão dos horizontes da filosofia hermenêutica, da hermenêutica

filosófica e da teoria integrativa dworkiniana. Dela exsurge a tese de que há um direito

fundamental a uma resposta correta, endendida como “adequada à Constituição”

(STRECK, 2010, p. 90).

No tocante à Dworkin, Rafael Tomaz de Oliveira (2012), destaca que as críticas do autor

ao positivismo não significam uma aproximação da tese jusnaturalista de adequação ou correção

do direito pela moral. Isto porque Drowkin propõe uma teoria construtivista, erigida sob o

pressuposto de que o direito é um fenômeno interpretativo, que depende de uma leitura moral:

[...] Ressalta-se: Não se afirma que esta leitura moral fará uma “correção” do direito

vigente, mas, ao contrário, é ela que sustenta a interpretação, vale dizer, ela é o “lugar”

de onde a interpretação jurídica retira sua origem. Daí que, em sua proposta de uma

Teoria da Decisão – que pressupõe um rompimento com o positivismo jurídico -, Lenio

Streck, a partir desse ponto de partida dworkiniano, somadas as contribuições da

hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, afirme que há, entre o direito e moral,

uma relação de cooriginalidade” (OLIVEIRA, 2012, p. 190, grifos do autor).

Na obra de Dworkin (2002), é defendida a ideia de que mesmo quando uma regra não

regula determinado caso, inclusive nos casos difíceis, é dever do juiz descobrir quais os direitos

das partes, e não inventar direitos retroativamente. Desta feita, ele também se posiciona contra o

uso de discricionariedades judiciais, pois é através delas que o juiz cria o direito. Dworkin

entende que a tese da única resposta correta aporta-se na integridade do sistema jurídico,

devendo ser construída com observância a argumentos de princípios30

.

30

Conforme. Streck (2012), ao se afirmar que o juiz deve decidir com base em argumentos de princípios e não de

políticas, “não é porque esses princípios sejam ou estejam elaborados previamente, à disposição da “comunidade

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Destes pressupostos de Dworkin, Streck (2012, p. 68) destaca que os princípios instituem

o mundo prático no direito, representando um ganho qualitativo, pois “a partir dessa revolução

paradigmática, o juiz tem um dever (have a duty to, como diz Dworkin) de decidir de forma

correta”, atrelado ao direito fundamental de resposta adequada à Constituição. Dessa forma,

Streck defende que a normatividade dos princípios possibilita o que chama de fechamento

interpretativo contra discricionarismos judiciais, o que se aplica, inclusive, para o Poder

Legislativo:

[...] Dizendo de outro modo: é por isso que o Estado Democrático de Direito não admite

discricionariedades (nem) para o legislador, porque ele está vinculado à Constituição

(lembremos sempre a ruptura paradigmática que representou o constitucionalismo

compromissário e social). No âmbito do legislador, quando afirmo não haver

discricionariedade, quero dizer que ele não pode fazer o que quer. Há uma legitimidade

política do legislador que lhe permite, no “espaço estrutural-constitucional”, fazer

opções. Daí a diferença entre o legislador e o juiz. O juiz sempre terá “dúvidas”, que

podemos chamar de ontológicas, mas, ao contrário do legislador, ele está vinculado a

uma espécie de DNA do direito, formado pela doutrina lato sensu e a jurisprudência, o

que faz com que seja obrigado a obedecer a coerência e a integridade do direito

(recosntrução da história institucional) (STRECK, 2012, p. 77).

O autor prossegue afirmando que a aplicação do direito está vinculada a obrigações

principiológicas de raíz, citando, entre outras, a igualdade, o devido processo legal, o sentido de

republicanismo, a perspectiva de Estado Social, a obrigação de concretização dos direitos

fundamentais sociais, etc. Por sua vez, uma legislação democraticamente produzida e válida deve

passar por um filtro desses princípios constitucionais, pois eles que lhe garantirão esse caráter

democrático.

Diante disto, Streck (2012) ressalta que os posicionamentos ad hoc, oriundos de uma

moral individual dos tribunais e magistrados ou convicções políticas não podem valer mais do

que o produto democrático acima referido. Este produto deverá ser interpretado através de uma

hermenêutica que trabalhe com regras e princípios. Ainda, destaca que “não há espaço para a

subsunção, pela simples razão de que esta é ligada ao esquema sujeito-objeto31

. De igual forma,

pontua que a concretizão dos textos da lei não podem depender de uma subjetividade

jurídica” como enunciados assertóricos ou categorias (significantes primordiaisfundantes). Na verdade, quando

sustenta essa necessidade, apenas aponta para os limites que devem haver no ato de aplicação judicial (por isso, ao

direito não importa as convicções pessoais/morais do juiz acerca da política, sociedade, esportes, etc; ele deve

decidir por princípios). É preciso compreender que essa “blindagem” contra discricionarismos é uma defesa

candente da democracia”.

31 Segundo Streck (2012, p. 79): [...] como venho referindo, a hermenêutica (...) não abre mão do sujeito da relação,

enfim, do sujeito que lida com objetos. O que está superado é o esquema sujeito-objeto (S-O), responsável pelo

sujeito solipsista (Selsbsstüchtiger) que sustenta as postuas subjetivistas/axiológicas da maioria das teorias do direito

mesmo no século XXI [...].

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assujeitadora, fruto do esquema S-O, “como se os sentidos a serem atribuídos fossem fruto da

vontade do intérprete, como se a interpretação a ser feita pelos juízes fosse um ato de vontade”

(STRECK, 2012, p. 90):

Por tudo isso, é possível afirmar que os princípios são o modo concreto de

enfrentamento da discricionariedade judicial porque são a manifestação da densidade

normativo-concreta de um mandamento legal (regra-preceito), sendo que, mesmo

aqueles preceitos nomeados como princípios, também necessitam dessa singularização

que só ocorre no momento aplicativo. É preciso compreender que a subsunção – espaço

para a erupção da discricionariedade no momento decisório – não esgota, por

impossibilidade filosófico-paradigmática, a aplicação de um texto jurídico. Se

quisermos, de fato, ingressar na viragem linguística, antes é preciso termos claro que a

subsunção era apenas o modo de a “vontade geral” (legislativo soberano no modelo

formal-burguês) controlar a aplicação da lei. Nada mais do que isso [...] (STRECK,

2012, p. 86).

De tudo isto, conclui-se que, a discricionariedade nada mais é do que uma maneira

encontrada para se preencher as lacunas deixadas pelo método da subsunção, uma aposta no

solipsismo para a resolução de problemas tidos como de impossível solução à época.

Contudo, como anteriormente analisado, a Constituição do Estado Democrático de

Direito apresenta um rumo a ser seguido, ou seja, visa transformar a sociedade através do direito.

E para a devida concretização do disposto na Constituição, impera sejam afastados do direito

conteúdos morais, pautados em avaliações de cunho subjetivo.

Streck (2012, p. 94) conclui afirmando que uma teoria do direito em consonância com a

democracia substancial deve apresentar métodos de preservação da autonomia do direito,

“construindo blindagens contra predadores exógenos (moral, economia e política) e endógenos

(panpricipiologismo, ponderação e as teses que apostam na „abertura interpretativa‟ dos

princípios e cláusulas gerais”).

A partir dos argumentos expostos pelo professor gaúcho, verifica-se claramente as

consequências da prática da ponderação em solo brasileiro, raciocínio que também se aplica ao

ativismo judicial, pois ambas as práticas remetem diretamente à discricionariedade (arbítrio), que

já deveria ter sido superada há muito. Ao se submeter uma decisão à subjetividade de um juiz ou

tribunal, é comum, para não dizer normal, que os critérios pessoais do julgador sejam aplicados –

resultados analisados anteriormente.

Contudo, com amparo nos princípios e seu caráter deontológico, oriundos do novo

paradigma constitucional, bem como atendo-se aos novos pressupostos filosóficos da linguagem,

é possível superar estas práticas, o que é claramente demonstrado na Nova Crítica do Direito de

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Streck. Com aporte em Dworkin, é possível apontar para uma decisão correta, com alto grau de

integridade, pois vinculada à própria Constituição. Além disso, o juiz possui uma

responsabilidade política ao decidir, pois é através dele que o texto constitucional é concretizado,

promovendo as já referidas transformações de nossa sociedade.

Pode-se afirmar, portanto, que as práticas presentes no neoconstitucionalismo não

comprometem apenas a vinculação do juiz à lei democraticamente criada, mas também o

sentimento de igualdade perante esta mesma lei. A superação do arbítrio no âmbito judicial

mostra-se como uma forma de resguardar a integridade do direito, não permitindo sua

fragilização ante uma proliferação de enunciados pautados em subjetivismos, bem como mantém

preservado um dos pilares das sociedades contemporâneas e democráticas – a separação dos

poderes, evitando que aqui ocorra o mesmo que nas sociedades pós-revolucionárias europeias,

quando está separação restou violada.

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5 CONCLUSÃO

A história do direito, desde os seus primórdios, consiste em uma árdua luta contra o

arbítrio, que se apresenta de diversas formas ao longo dos séculos, mas cuja essência permanece

inalterada: a imposição da vontade por parte daqueles que detém o poder sobre os demais a eles

vinculados. Essas vinculações eram pautadas, num primeiro momento, na força física do grupo

dominante, para, a seguir, ser transferida ao grupo detentor de maiores recursos (meios de

produção, terras, etc.) e também nos dogmas religiosos, sempre inquestionáveis.

Com o fim do feudalismo, o poder concentra-se na figura do rei, sendo suas atribuições

equiparadas à própria noção de Estado, que surgiria séculos depois. Devido ao monarca ser o

detentor dos meios de produção, o responsável pelo controle do exército, titular dos tributos e

ainda ter sua legitimidade assegurada pela religião na condição de escolhido por Deus para

governar, ele poderia impor sua vontade de forma inquestionável ao longo do território que

controlava.

Por óbvio, essa concentração desproporcional de poderes em uma única figura, sem

qualquer espécie de objeção (excetuando-se eventuais ameaças estrangeiras) daria origem a uma

série de abusos, igualmente inquestionáveis. Ainda que existissem leis e quem as aplicasse, não

havia nenhuma segurança na concretização do direito, pois a vontade do monarca sempre iria

prevalecer sobre a do indivíduo. Tal modelo perdurou até meados do século XVII quando

verifica-se, na Inglaterra e pela primeira vez no continente europeu, um modelo moderado de

governo, equilibrando os poderes entre a figura do rei e do parlamento, composto por

representantes do povo.

Este foi justamente o ponto de partida deste estudo, verificando-se, no primeiro capítulo,

a gênese das constituições, que surgem justamente para equilibrar os poderes existentes,

sobretudo que o titular do poder de criar leis não pode ter à sua disposição recursos ou meios de

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governo, em especial, o poder de coação dos indivíduos, e o titular desses meios não pode, por

sua vez, legislar.

O que parecia ser o modelo equilibrado ideal logo deu lugar à outra forma de arbítrio,

dessa vez protagonizada pelo legislativo, na figura do parlamento, entendido, na França, como

representante absoluto do povo – que era, por sua vez, o titular do poder constituinte. O Poder

Legislativo submeteu a tímida presença do judiciário à sua vontade, bem como restringiu as

atribuições do monarca à questões externas, na condição de representante da unidade nacional.

Em poucas palavras, a vontade do paralmento era confundida com a vontade da nação.

As constituições, embora continuassem vigentes, serviam unicamente para legitimar o

poder e as atividades do governo, sendo vistas como documentos de cunho meramente político.

Resta configurado, portanto, outro momento em que o arbítrio prevalece sobre o direito, sendo

que esse período estende-se ao longo dos próximos séculos, em breve sob a égide do

positivismo, permanecendo a Constituição sempre em um segundo plano. Inclusive a

Constituição de Weimar, de 1919, considerada democrática, foi corrompida, dando legitimidade

aos regimes autoritários que assolaram o continente.

Findos os conflitos com os quais a própria legalidade mostrou-se conivente, no qual

revelou-se inúmeras atrocidades à vida, surge com grande força a necessidade de se garantir os

direitos humanos (tendo como norte a Declaração Universal dos Direitos Humanos). É nesse

momento em que as constituições são imbuídas de normatividade, visando dar efetividade aos

princípios nela positivados, com o intuito de transformar a sociedade, sempre em vista dos ideias

de justiça e igualdade.

Dentro de contexto acima surge a teoria neoconstitucionalista, buscando dar

aplicabilidade a esses textos, agora normativos, pregando a máxima efetividade dos direitos

fundamentais, conforme foi demonstrado no segundo capítulo. Como suas principais

características, cita-se a maior utilização de princípios ao invés de regras, mais ponderação do

que subsunção, a expansão da aplicação da Constituição no lugar da lei e a sublimação do Poder

Judiciário, tendo em vista ser o responsável pela aplicação das normas previstas na Carta Magna.

Outros aspectos a serem ressaltados são o retorno da moral ao direito, a equiparação dos

princípios à valores (ou a “positivação dos valores”) e a diferença entre regras e princípios.

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No tocante ao método da ponderação (um dos pontos fundamentais da teoria), foram

expostos os argumentos apresentados pelos autores neoconstitucionalistas em defesa desta

técnica, levando-se em conta as circustâncias específicas do caso concreto, no intuito de definir

qual dos princípios em colisão possui precedência sobre o outro. Estabelecida a relação de

precedência incondicionada, os doutrinadores entendem ser possível que um dos princípios ceda

perante o outro.

Delineadas as premissas centrais do neoconstitucionalismo, o terceiro e último capítulo

ocupou-se de refutar os elementos narrados anteriormente, apresentando, após as críticas,

aspectos da Nova Crítica do Direito (ou Crítica Hermenêutica do Direito) que demonstram a

inaplicabilidade ou até mesmo a superação das teorias apresentadas no modelo

neoconstitucionalista.

Embora se tenha defendido, num primeiro momento, que a importação do

neoconstitucionalismo para solo pátrio tenha sido algo positivo, pois afirmava os princípios em

uma sociedade recém liberta de um regime autoritário, seus efeitos, à longo prazo, se mostraram

nocivos ao ordenamento e a própria democracia. Através do método da ponderação, os

magistrados não apenas utilizam de critérios subjetivos para decidir conforme sua consciência,

como também, em casos de lacunas/omissões, criam princípios, em uma verdadeira

concretização ad hoc da Constituição.

Ainda, verificou-se que tanto a tese da separação como da vinculação entre direito e

moral estão superadas. Embora conteúdos morais estejam presentes na elaboração de uma lei, a

decisão de um magistrado é racionalizada pela Constituição, não sendo admitido que a moral

atue como forma corretiva do direito.

Outro ponto criticado é a incorporação de teorias estrangeiras no ordenamento pátrio de

forma descontextualizada e acrítica. Nesse viés, há a Jurisprudência dos Valores oriunda do

modelo alemão, que, quando incorporada, permitiu que os juristas vissem a Constituição como

uma ordem de valores, que acaba por ser subsumida à teoria alexyana da colisão de princípios. A

Teoria da Argumentação – momento posterior à ponderação – também se apresenta de forma

equivocada, pois, no Brasil, se ignora seus pressupostos de racionalização. Destaca-se, ainda, o

Ativismo Judicial estadunidense, que provoca uma disfunção da atividade jurisdicional no

momento em que os tribunais transgridem seus limites jurisdicionais, uma vez que o modelo

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norte americano é o da common law, no qual os juízes, através dos precedentes, criam o direito,

modelo em muito distinto do brasileiro.

No tocante à diferença entre regras e princípios e a equiparação destes à valores,

concluiu-se que a distinção estrutural proposta por Alexy coloca os princípios na condição de

metarregras que somente ingressam no sistema para resolver a insuficiência das regras. Assim,

estabeleceu-se não ser correto falar em uma axiologia principiológica, mas sim em uma

deontologia dos princípios, eis que eles compõem a normatividade do direito, não sendo possível

que uma regra exista sem que haja um princípio por detrás de sua instituição.

Dessa forma, com amparo nos princípios e seu caráter deontológico, oriundos do novo

paradigma constitucional, bem como atendo-se aos novos pressupostos filosóficos da linguagem,

é possível superar estas práticas (discricionárias), o que é claramente demonstrado na Nova

Crítica do Direito de Streck. Com aporte em Dworkin, é possível apontar para uma decisão

correta, com alto grau de integridade, pois vinculada à própria Constituição. Além disst, o juiz

possui uma responsabilidade política ao decidir, pois é através dele que o texto constitucional é

concretizado, promovendo as já referidas transformações na sociedade.

É possível, portanto, afirmar que a hipótese ao problema propulsor do presente estudo – a

discricionariedade fragiliza o direito e atenta contra o Estado Democrático de Direito, no

momento em que amplia a função do Poder Judiciário? – é verdadeira, pois restam demonstrados

os efeitos nocivos da discricionariedade nas decisões judiciais, bem como a sublimação do Poder

Judiciário, que passa a ocupar atribuições dos demais poderes, fragilizando a divisão

democrática convencionada.

Pode-se afirmar, portanto, que as práticas presentes no neoconstitucionalismo não

comprometem apenas a vinculação do juiz à lei democraticamente criada, mas também o

sentimento de igualdade perante esta mesma lei. A superação do arbítrio no âmbito judicial se

faz importante para resguardar a integridade do direito, não permitindo sua fragilização ante uma

proliferação de enunciados pautados em subjetivismos, bem como mantém preservado um dos

pilares das sociedades contemporâneas e democráticas – a separação dos poderes, evitando que

aqui ocorra o mesmo que nas sociedades pós-revolucionárias europeias, quando esta separação

restou violada.

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