RIBEIRO MOREIRA - Neoconstitucionalismo

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    Neoconstitucionalismo e

    Teoria da Interpretao

    Eduardo Ribeiro MoreiraAdvogado no Rio de Janeiro. Professor de Di-reito Constitucional da EMERJ e da ps-gra-duao da Universidade Candido Mendes.

    1. UMA APRESENTAO DO NEOCONSTITUCIONALISMOO tema que desenvolvo nesse artigo foi iniciado na pesquisa

    de minha tese os direitos fundamentais em tempos de neocons-titucionalismo sob orientao da professora Maria Garcia. Semdvida alguma seu trabalho inspira muitos alunos, desde o incioda graduao at depois do trmino do doutorado. Isso facilmen-te percebido em suas aulas no Grupo de Estudos Cosntitucionais

    (GEC) realizado um ou dois sbados por ms, onde compartilha,gratuitamente, sua pesquisa e temas de interesse com seus alu-nos, os quais se encontram em diversas faixas de idade, estudo etitulao. A harmonia encontrada permite que amigos se renam eat profissionais de outras reas aprendam e dem sua contribui-o para ns juristas. Essa apenas uma de suas atividades e queleva sua marca de promover estudos interdisciplinares para todosos verdadeiramente interessados.

    Entre as linhas de pesquisas da professora Maria Garcia, tal-vez a mais antiga dentre as que continua a desenvolver seja ainterpretao constitucional. No , portanto, toa a pertinnciado trabalho escolhido. A interpretao constitucional tem pontosde aprofundamento e redimensionamento com o neoconstitucio-nalismo. A ponto de se dizer, sem exagero, que o desenvolvimentodo neoconstitucionalismo apontar o paradigma jurdico deste in-cio de sculo.

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    Tal afirmao categrica no nem um pouco leviana; aocontrrio, caracteriza o movimento atual do direito. Hodierna-mente, muitas teorias constitucionais vm sendo veiculadas comouma descoberta individualmente considerada; todavia, elas so

    partes de um todo, isto , uma estrutura jurdica que congrega v-rios elementos comuns em uma mesma direo. A teoria de direitoque rene as novas transformaes constitucionais o neoconsti-tucionalismo.

    Poder-se-ia chamar de constitucionalismo contemporneoou simplesmente traduzir o vocbulo por o novo constitucio-nalismo, mas optamos por manter o vocbulo comum adotadono direito europeu-continental. Na verdade, a expresso cons-

    titucionalismo contemporneo poderia levar falsa impressode que estamos tratando de direito constitucional, quando oobjeto bem maior, traduzindo-se por um ambicioso projetojurdico.

    A revoluo operada na atualidade com o implemento doEstado Constitucional-Democrtico de Direito partiu do direitoconstitucional, o qual com sua capacidade unificadora e texturaaberta permite caminhar com outros saberes, em especial a fi-

    losofia do direito. por esse atrelamento filosofia do direito edireito constitucional que se vislumbra, no neoconstitucionalis-mo, uma teoria do direito que seja simultaneamente integradorae til. Integradora, porque no se separa da poltica, das decises,da sociedade e da tica-moral, todos elementos presentes em umsaber cultural. Neste incio de sculo, retoma-se o direito comoexpresso da justia, agora com parmetros de racionalidade bemtrabalhados, os quais permitem falar em uma dimenso axiolgica

    dentro da metodologia jurdica.Assim, o direito do sculo XXI distancia-se das propostasde teorias de direito, at ento, dominantes. Em primeiro lugar, oposto ao positivismo, naquilo em que este mais se apoiava.Como todos sabem a estrutura do positivismo sustentava-se pelaseparao do direito com a moral e a poltica (e porque no emrelao economia, que no ocupava o papel que ocupa hoje).Em segundo lugar, tambm se afasta das inconsistncias do jus-

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    naturalismo e nos poucos pontos em que poderia ser confundidocom ele, pois o neoconstitucionalismo fundado em propostasde incremento de racionalidade, como a festejada ponderao.Finalmente, e em terceiro lugar, o realismo jurdico e a sua di-

    menso sociolgica no ficam descurados em uma proposta queage sobre o direito til.A dita utilidade encontra-se em voga, por exemplo, no papel

    que a jurisprudncia sobretudo a jurisprudncia constitucional emana como fonte do direito. Em uma classificao positivista,como a encontrada no art. 4 da LICC, a jurisprudncia no seriaverdadeira fonte do direito1; entretanto os costumes e a analogia,prticas bem diminutas na nossa tradio jurdica, seriam fontes

    secundrias estabelecidas em lei. As fontes do direito atreladas s prticas constitucio-nais ficam mais bem disciplinadas sob uma teoria do direi-to til e integradora. Ao falarmos em jurisprudncia e fontesdo direito, caminhamos para um sentido da globalizao quetardou a chegar ao direito: a fuso de horizontes. O modelonorte-americano, de estudo de casos e fora dos precedentese de mecanismos jurdicos efetivos, de primazia da Suprema

    Corte, une-se ao sistema europeu-continental, de previso deum catlogo de direitos fundamentais, de constitucionalismoforte e rgido e de controle de constitucionalidade abstratodas leis. No momento em que o direito, na prtica, reuniutodas essas caractersticas, comeamos a dar forma a uma te-oria do direito que serve de proposta para os pases ocidentaisdemocrticos.

    No espao geogrfico no se trata de uma teoria geral como

    fora concebido o positivismo jurdico mas, sim, de uma teoriaadequada s democracias ocidentais2 com pressupostos encontra-

    1At a Constituio de 1988 a jurisprudncia recebia tratamento secundrio, sendo estuda-da apenas para formalizar os recursos para o Supremo Tribunal Federal e aqueles que exi-gissem divergncia entre tribunais ou turmas. Sua verdadeira potencialidade no tardaria aser descoberta na virada constitucional, assumindo a partir de ento o papel de fonte.2 E assim, o neoconstitucionalismo, escapa tambm das problematizaes acerca do uni-versalismo vs. multiculturalismo.

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    dos na dita fuso de horizontes (defesa dos direitos fundamentais,constituio rgida, mecanismos de separao de poderes e defreios e contra-pesos etc.). Estes podem ser lidos como pressupos-tos do neoconstitucionalismo que aparece, com fora e definio

    neste incio de sculo, o seu marco temporal. bem verdade queos seus pressupostos apareceram no ps-2 Guerra Mundial, pormeles vieram se desenvolvendo desde ento, at germinarem noneoconstiucionalismo, assim batizado por diversas publicaes noincio do sculo XXI.

    2. AS POTENCIALIDADES DO NEOCONSTITUCIONALISMOA proposta unificante apresenta-se primeiro e nisso

    quase todos os que escreveram sobre o tema concordam como uma teoria de direito lida a partir do direito cons-titucional, e que maximizada por elementos de filosofiade direito e de filosofia poltica, que permitem repensaros alicerces jurdicos: a teoria da norma, a teoria da inter-pretao, a teoria das fontes e, por fim, as transformaesocorridas nos diversos campos jurdicos (constitucionalizaodo direito).

    A teoria da norma no mais a mesma, aps o estudo deregras, dos princpios e dos critrios jurdico-procedimentais.Aquela que partia da lei e de seus estudos estticos fica com-pletamente transformada no neoconstitucionalismo. Somenteo estudo aprofundado dos critrios jurdico-procedimentais(como a ponderao e a coerncia) e sua repercusso na pr-tica, aponta para um novo caminho, bem distante daquele en-contrado na teoria da norma. Este apenas um exemplo dessa

    mudana. Distante ainda mais ficou a teoria das fontes do direito. Osprincpios, ltima fonte no sistema positivado art. 4 da LICC3

    3Art. 4 da Lei de Introduo do Cdigo Civil: Quando a lei for omissa, o juiz decidir ocaso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais do Direito. A ordem emque aparecem as fontes subsidirias lei foi relacionada de forma decrescente que nopoderia ser invertida; posio tpica de um pensamento positivista.

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    passaram a ser a primeira fonte e, de forma antecedente, a regera lei. Outros estudos, como o das normas de integrao, perdem aimportncia para a jurisprudncia e a irradiao dos direitos fun-damentais. O que se dir do estudo das antinomias entre regras,

    hoje colocadas em segundo plano em relao ao conflito de princ-pios a ponderao. Mais um e apenas um exemplo da referidatransformao.

    A teoria da interpretao alcanou outro status, quandorecebeu influncias da filosofia do direito como: a tpica (e a reto-mada em se pensar o estudo de casos a partir dos problemas nelessuscitados), a hermenutica (e todos os mtodos de interpretaoconhecidos e incrementados pela metodologia constitucional con-

    tempornea) e a argumentao jurdica (no tocante justificaodo intrprete) ficam integradas no neoconstitucionalismo. A partirda se descobrem tcnicas como a derrotabilidade e teorias fi-cam mais bem explicadas como a que diz que toda interpretaojurdica, antes de tudo interpretao constitucional. Estes doispontos estudaremos, detalhadamente, mais frente.

    As transformaes percorridas nos diversos campos ju-rdicos, lidas sob um dos subttulos do neoconstitucionalismo:

    a constitucionalizao do direito est em contnua expanso.Tambm, a ttulo exemplificativo, poderamos citar a possibi-lidade de ponderao no campo penal; o controle judicial daspolticas pblicas e da eficincia dos atos administrativos; as in-fluncias do direito comunitrio na soberania constitucional; asrespostas s questes sociais pelo direito civil-constitucional,hoje, uma realidade. Estes so, entre diversos outros, exemplosde temticas prticas e integradas pelo neoconstitucionalismo

    que, por ser prtico e til, faz uma melhor leitura da socieda-de, j que as teorias de direito tradicionais no so suficientespara dar conta da complexidade terica e das novas prticasjurdicas que se desenvolveram. Constatemos apenas algumasdessas mudanas4:

    4Tais mudanas foram percebidas ao longo dos ltimos 50 anos e o quadro foi elaborado emboa parte com base em conversa com Alfonso Figueroa.

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    Tema Como tratado pelasTeorias Tradicionais do

    Direito

    Como tratado peloNeoconstitucionalismo

    Sociedade Homognea Plural e Global

    Moral Monista, (sem correlaocom o direito no positivis-mo jurdico) ou dos Valo-res (absoluta no jusnatu-ralismo)

    Construtivista, com Parme-tros de Racionalidade prti-ca e pretenso de Correo,que vai guiar todo o dicursojurdico e romper com a or-dem daquilo que .

    Poltica Estado de Direito(com especial ateno coero exercida pelo Po-der Judicirio e aos atosdo poder pblico)

    Estado Constitucional(acrescenta uma especialateno para as emana-es do poder constituintee do constitudo reformas

    constitucionais e para opapel desempenhado peloTribunal Constitucional.Em primeiro plano, apa-rece a constante vigilnciaem torno dos direitos fun-damentais, que permitemo direito como um todoalcanar novo status)

    Desenho Institucionaldas Fontes do Direito

    Lei em primeiro planoe demais fontes tidascomo secundrias

    Primazia da Constitui-o e da Jurisprudnciaemanada pelo TribunalConstitucional

    Teoria da Norma Conjunto de Normas comconfiguraes de regras

    Primazia dos princpiospreenchidos pela argumen-tao jurdica. Existnciadas normas polticas e doscritrios jurdico-procedi-

    mentais, alm de regras eprincpios com morfologiapeculiar.

    Teoria da interpretao Regras para interpreta-o e quando estas noexistirem, o intrprete livre para julgar.

    Metodologia constitucionalapurada, considerando valo-res e criando conceitos comoa derrotabilidade.Toda inter-pretao jurdica interpre-tao constitucional.

    Teoria do Direito Positivismo(exclusivo ou inclusivo) Neoconstitucionalismo

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    Por esta construo, o neoconstitucionalismo como teoria do direi-to, pode ser compreendido como paradigma que revisa a teoria da norma,a teoria da interpretao, a teoria das fontes, suplantando o positivis-mo, para, percorrendo as transformaes tericas e prticas nos diver-

    sos campos jurdicos, integr-las sob uma base til e transformadora.A afirmao de transformao poderia soar exagerada sefosse considerado apenas aquilo que j vem, separadamente, sen-do debatido. O neoconstitucionalismo, entretanto, no se encerraem proposta de teoria de direito, pois tambm deseja ser propostade filosofia do direito e proposta de teoria poltica5. So nestasduas ltimas, onde se revela a ambio do neoconstitucionalismoe em que aparecem inmeras divergncias. Muitos somente vem

    possibilidade de um neoconstitucionalismo como teoria de direitoe no querem que o direito invada campos como a moral ou a pol-tica. Existem muitos argumentos contrrios, mas todos partem damaculao destas associaes6e da ambigidade terica7.

    Na outra posio, aqueles que apiam a integrao da teoria dodireito s duas outras potencialidades vislumbradas no neoconstitu-cionalismo totalizante de filosofia poltica e de filosofia do direito ,desejam que o direito ultrapasse fronteiras jamais trabalhadas com

    profundidade pelas demais teorias do direito. Nada mais fazem, estesautores, do que maximizar os postulados da conexo entre o direitoe a moral no neoconstitucionalismo como filosofia do direito e daconexo entre o direito e a poltica no neoconstitucionalismo comofilosofia poltica. O campo a ser explorado a partir de ento vasto.

    Exemplos do neoconstitucionalismo como filosofia do di-reito restariam na superao dos estudos das normas meramentedescritivas e prescritivas; no papel do cientista do direito como

    observador externo; na separao entre direito e moral (seja ela

    5Para ver uma classificao prxima, porm com temas debatidos na Europa tripartindo oneoconstitucionalismo em teoria do direito, em filosofia poltica e em teoria do estado verAntonio Maia, As Transformaes dos Sistemas Jurdicos Contemporneos: Apontamentosacerca do neoconstitucionalismo.In: Revista do Direito do Estadon 5, Jan-Mar 2007.6Luis Prieto Sanchs, Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Ed. Trot-ta, 2003.7 Suzana Pozzollo, Un Constitucionalismo Ambguo. In: Carbonel, Miguel (coord).Neoconstitucionalismo(s). 2 ed. Madrid: Ed. Trotta, 2005.

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    total ou contingente), enfim de tudo aquilo que representa o di-reitoexclusivamente como ele . Desvincula-se tambm do direitocomo deve ser, da moral subjetiva, da filosofia dos valores e dasfontes extrajurdicas. A filosofia do direito do neoconstitucionalismo

    preocupada: com o cientista do direito conectado ao que ocorreno mundo; com as derivaes concretas das leis; com a conexodo direito atravs de parmetros de racionalidade e intersubjeti-vos; com a relao necessria com a moral e com a poltica, estasguiadas por uma pretenso de correo; com a preocupao de umdireito avaliado por critrios de coerncia e de proporcionalidade;com o direito exposto por uma slida teoria da argumentao, en-fim um direito que alcana outros patamares at onde ele pode ser.

    Todos estes conceitos-chave remontam s principais pesquisas emfilosofia do direito tambm integradas pelo neoconstitucionalismoque lhes d destinao til8, verificadas, sobretudo, na fase de apli-cao judicial9. Por tudo isso, o neoconstitucionalismo na dimensode filosofia do direito atraente tanto para juristas encantados coma filosofia, como para filsofos com vocao para o direito.

    J o neoconstitucionalismo como filosofia poltica redefineo papel dos elementos do estado num mundo cosmopolita; tambm

    tem orientao para ver o impacto das decises constitucionais napopulao de uma maneira especial, a participao popular, quesurge, por vezes, de uma (ainda crescente) cultura constitucional,j trabalhada no sentido de um sentimento ou patriotismo consti-tucional. Elementos de Estado, da crise de representatividade, deblocos continentais e de multiculturalismo, tudo isso debatidodentro e a partir do vis constitucional na dimenso de filosofiapoltica do neoconstitucionalismo10.

    8Ao fazer isso o neoconstitucionalismo retira uma dos principais pesos da filosofia do direi-to, as inverossmeis acusaes de sua pouca aplicabilidade prtica.9No que essa seja a preocupao exclusiva do Direito, pois a fase de produo jurdica at a fase pr-constitucional deve ser cuidada pelo neoconstitucionalismo, sobretudo navertente da filosofia poltica.10Tambm podemos enxergar por outro vis, pois pensar, na atual conjuntura, a filosofiado direito ou mesmo a filosofia poltica dissociadas do direito constitucional no sabercomo emergem as questes jurdicas, o que o mesmo que no saber o que Filosofiado Direito, hoje. Cf. Marcelo Cattoni, Direito Poltica e Filosofia, Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2006, p. 136.

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    Entre essas mltiplas hipteses de pesquisa, por hora, va-mos nos ater a uma em particular, que representa um dos primeirose mais importantes desenvolvimentos do neoconstitucionalismo: ateoria da interpretao.

    3. NO NEOCONSTITUCIONALISMO TODA INTERPRETAO IN-TERPRETAO CONSTITUCIONAL

    O primeiro dos elementos que se fez notar foi a sobre-in-terpretao (que mesmo que a interpretao das leis face aConstituio, no neoconstitucionalismo), que pode ser entendidacomo a interpretao no neoconstitucionalismo11. Foi a produoda hermenutica constitucional que conformou as estruturas reais

    de poder matria constitucional jusfundamental e sustentou odesenvolvimento de uma produo constitucional de vanguarda. Aevoluo da interpretao constitucional, acentuadamente mar-cada nos ltimos 60 anos, no parou no tempo, j que continua emexpanso como elemento chave do pensamento crtico do direito.Os princpios operaram grande parte dessa transformao, antesltima fonte subsidiria, hoje fonte principal, regendo a aplicaodas leis. Por isso, toda e qualquer norma jurdica no s as leis,

    mas a sua concretizao, a jurisprudncia deve condicionar-se sobre-interpretao dos princpios jusfundamentais. Essa acaracterstica mais importante do processo de constitucionaliza-o do direito, em suma, a teoria da interpretao a partir daConstituio parece que j no pode ser a mesma que a teoria dainterpretao a partir da lei: as normas constitucionais estimulamoutro gnero de raciocnio jurdico.12

    A teoria de interpretao constitucional e as tcnicas de

    controle de constitucionalidade misturam-se no exerccio da juris-dio constitucional, sobretudo, na tarefa de julgar a constitucio-nalidade de uma lei, e na tarefa interpretativa acerca dos direitosfundamentais.

    11Em oposio tese da interpretao promovida pelo positivismo jurdico. Cf. Prieto San-chs, Positivismo y Constitucionalismo, Mxico: Ed. BEMP, 1999, p. 37.12Cf. Luis Prieto Sanchs,Positivismo y Constitucionalismo, citado, p. 22.

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    A interpretao no neoconstitucionalismo tem um significadoainda mais abrangente. Toda deciso legislativa13ou judicial14 estpr-regulada por uma norma constitucional. A produo legislativa,como todos sabem, aberta ao controle de constitucionalidade, mo-mento em que a interpretao constitucional mais se manifesta15.

    J o fenmeno que ocorre com a interpretao nas fases deaplicao judicial revela que toda interpretao jurdica diretaou indiretamente interpretao constitucional, de forma queela no deixa espaos vazios.

    A vinculao do texto constitucional, como tarefa de in-terpretao, d-se (1) de forma direta, quando a deciso judicialse baseia em um princpio ou em qualquer norma constitucional,aplicada no caso mencionando-se expressamente o dispositivo

    constitucional. A, aparece a Constituio concretizada.A interpretao indireta em dois momentos. No primeiro,

    por um juzo negativo sempre presente, que ocorre quando nose faz meno a uma inconstitucionalidade, o que significa que odispositivo legal que fundamenta a deciso passou por um juzonegativo com sucesso; em confronto com as normas constitucio-nais, o dispositivo legal, base para a deciso, sobreviveu no com a Constituio incompatvel , juzo antecedente ao prprio

    exame do mrito concreto.No segundo momento, indireta a interpretao constitu-

    cional, por um juzo finalstico, j que toda deciso deve cumprira Constituio e se orientar pelos objetivos nela destacados. Emtese toda deciso deveria orientar-se por atender a um fim consti-tucional. Como no caso brasileiro da dignidade da pessoa humanae a reduo das desigualdades sociais que aparecem respectiva-mente como princpios estruturantes e objetivos da nao e que

    devem pautar os resultados das produes jurdicas.

    13 Cf. Riccardo Guastini, La constitucionalizacin del ordenamiento jurdico: el caso italiano.InCarbonel, Miguel (coord). Neoconstitucionalismo(s). 2 ed. Madrid, Ed. Trotta, 2005, p. 54.14Cf. Luis Roberto Barroso, Prefcio O Estado Contemporneo, os Direitos Fundamentaise a Redefinio da Supremacia do Interesse Pblico, p. XII-XIII. In: Interesse Pblico vs.Interesse Privado. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2007.15A lembramos a atuao da comisso de constituio e justia, o veto do Presidente daRepblica pela lei contrria Constituio e todos os demais momentos em que a Consti-tuio invocada para obstruir ou direcionar um projeto de lei.

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    Desses trs exerccios de hermenutica o direto, o indiretonegativo e o indireto finalstico que se extrai a inescapvelconcluso de que toda interpretao jurdica antes de tudo umainterpretao constitucional.

    4. MEDIDA DA INTERPRETAO: INTEGRAO DO INTRPRETECOM O MTODO E COM O TIPO DE CASO

    O acentuado avano da interpretao constitucional permiteque se desenvolvam teorias e metodologias constitucionais cons-trutivistas, aptas a responder aos anseios das relaes sociais, oque revela o grau de integridade da interpretao no neoconstitu-cionalismo.

    confiando na capacidade de interpretao do texto cons-titucional, com fora transformadora, que a moldura dos princpiosse mostra aberta ao preenchimento e s gradaes. A Constituio,com espaos para a sua conformao, leva a uma otimizao dotexto constitucional, pela capacidade do intrprete e melhor usodo direito, sem excessos.

    Interessante realizar juzo de sobre-interpretao acercado que se entende porpreceito fundamental. Sabe-se que no o

    mesmo que direito fundamental, pois no teria sentido atriburem-se duas terminologias com significado unvoco. H quem sustenteque preceitos fundamentais, a serem resguardados pela ao dedescumprimento, so todas as clusulas ptreas, acrescidas dosdemais direitos fundamentais e dos princpios sensveis16. Esse um bom ponto de partida, mas que no pode ficar fechado, comoaponta Nagib Slaibi, que deixa a cargo da interpretao constitu-cional a delimitao do que preceito fundamental17, porque tal

    contedo tpico e pode mudar no tempo o que no funda-mental pode passar a ser considerado no futuro, em verdadeiramutao constitucional. A expressopreceito fundamentalpossuium contedo mnimo, mas sua delimitao preenchida por via dasobre-interpretao (neo)constitucional.

    16 Cf. Guilherme Pea de Morais, Direito Constitucional - Teoria da Constituio, Rio deJaneiro; Lumen Juris, 2003, p. 291.17 Cf. Nagib Slaibi, Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 338.

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    Ora, os chamados preceitos constitucionais fundamentaiscarregaram para a dogmtica brasileira a discusso acercada importncia das normas constitucionais, obrigando a quese procedesse a uma distino pautada no na estrutura in-

    terna, mas sim na relevncia (externa, axiolgica) das nor-mas constitucionais.18

    O preceito fundamental est muito ligado proteo fun-damental do mnimo existencial que o Estado dever garantir atodo custo muitos desses preceitos no podiam constar no con-trole concentrado, como os advindos de lei municipal, ou de leisanteriores Constituio. Essa a tarefa dos intrpretes da Cons-

    tituio. O papel do intrprete deu uma guinada rumo importn-cia maior, aps os trabalhos realizados pela argumentao jurdicaque verifica se as opes tomadas pelo intrprete esto de acordocom a justificao produzida. A hermenutica constitucional, porsua vez, verifica as metodologias utilizadas e os procedimentosaplicados. V-se que uma no se aperfeioa sem a outra; mais doque nunca, hermenutica e argumentao jurdica devem ser es-tudadas de forma conectada, pois a justificao representada pelo

    intrprete e o processo interpretao, representado pela metodo-logia constitucional adequada ao caso, se complementam. A elesse junta o problema, isto , o tipo de caso que deve ser julgado. Otipo de caso estudado, a partir do problema apresentado, passan-do pelas solues j apresentadas e eliminando aquelas que noservem, tpico pensamento tpico. Tal raciocnio, comum nosEstados Unidos, ganhou importncia desde a tpica e, com a fusode horizontes, passou a ser uma realidade do nosso direito, o que

    pode ser verificado com o aumento do interesse pelos preceden-tes. O tipo de caso, o intrprete e sua argumentao e o mtodoabsorveram, respectivamente, com o passar dos anos, elementosde filosofia do direito, como a tpica, a argumentao jurdica e ahermenutica filosfica.

    18 Cf. Andr Tavares, Fronteiras da Hermenutica Constitucional, So Paulo: Mtodo,2006, p. 97.

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    Os momentos de deliberao constitucional so, para mui-tos, mais importantes do que os momentos de mudana formal dotexto constitucional, pois esses momentos extraordinrios resul-tam em transformaes constitucionais que devem ser adotadas

    pelos Tribunais.19

    Mais do que nunca se estudam os casos julgadospelo STF, com as mais variadas anlises. Hoje, a tarefa de inter-pretar o Direito est muito ligada Constituio e s figuras dosseus intrpretes, a ponto de no se falar quase em hermenuticajurdica, mas, sim, em interpretao constitucional.

    5. INTERPRETAO E METODOLOGIA CONSTITUCIONAL A hermenutica constitucional o campo de estudo da ta-

    refa da interpretao por natureza. A abertura do texto constitu-cional enterrou, de uma vez por todas, a noo de que somente otexto legal, que no fosse claro, deveria ser interpretado20. Todanorma carrega, direta e potencialmente o elemento disposicionalde ser interpretado luz da Constituio. A tarefa de interpreta-o, como o conhecimento melhor do texto, equivale tarefa deaplicao do Direito21. No so dois momentos separados, como seimaginava nos estudos da hermenutica clssica.

    O processo de concretizao do texto constitucional, sobanlise filosfica, nada mais que o fechamento do crculo her-menutico, e no de indeterminao como se fazia crer. A con-cretizao da norma constitucional22, antes de ser estudada comometodologia constitucional23, deve ser vista como finalidade da ati-vidade interpretativa melhor explorada no neoconstitucionalismo.

    A metodologia dos trabalhos de interpretao constitucio-nal, embora no ocupe mais o centro do debate constitucional,

    19Cf. Jos Ribas Vieira, Teoria da Mudana Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar,2005,p. 92.20Konrad Hesse divaga sobre a necessidade de interpretao constitucional toda vez que aConstituio no permita de plano dar uma resposta concludente. Cf. Konrad Hesse, Escri-tos de Derecho Constitucional, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p. 35.21Cf. Hans Gadamer, Verdade e Mtodo I, 5 ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2003, p. 406.22Cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 2 ed. Coimbra: Editora Almedina, 1998,p. 1221.23Cf. Konrad Hesse, A Fora Normativa da Constituio, Porto Alegre: Sergio Antonio Fe-bris, 1991, p. 58.

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    merece cuidados e adequamentos. No existem meta-regras deuso correto das metodologias constitucionais; isso seria um sobre-plano metodolgico exagerado, em que se daria tanta importnciaao conhecimento das metodologias que estariam em um sobre-pla-no, alm do direito substancial, dos princpios e das normas consti-

    tucionais, que, por sua vez, ainda tm de ser correlacionados aosfatos, pela argumentao jurdica, pelas normas processuais e osdemais conhecimentos multidisciplinares, em cada caso; verda-deiro trabalho do juiz Hrcules24. Estes estudos completos devemser exigidos dos juzes e representantes da partes nas Cortes Su-premas e nos Tribunais, na soluo dos casos difceis e trgicos.

    As metodologias de interpretao constitucional devem es-tar, sim, adequadas teoria do direito adotada para eliminarem-

    se, a partir de ento, as incoerncias entre elas. Nesse sentido,podem perfeitamente ser diferentes as metodologias aplicadasem um mesmo contexto, at em um mesmo caso (caso a decisoseja tomada por rgo colegiado). Bom exemplo a aplicao doprincpio da unidade constitucional, que prega a coerncia e aleitura integrada das normas constitucionais, de um lado, com aponderao, que critrio25(para muitos, mtodo26; para outrosprincpio27; para outros, regra28) para a soluo de conflito entre

    normas constitucionais. Em uma interpretao constitucional maistradicional, a convivncia entre as duas metodologias29 no era

    24No sentido de juiz Hrcules, usado por Ronald Dworkin, Levando os Direitos a Srio.25No sentido de se entender como postulado, cf. Humberto vila,Teoria dos Princpios(3ed. So Paulo: Malheiros, 2003), j como critrio de Legitimao, tese defendida por Ricar-do Lobo Torres, se aproxima da idia de critrio procedimental, sem contedo prprio.26Cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Citado.27Cf. Luis Roberto Barroso,Interpretao e Aplicao da Constituio. 2 d. So Paulo.Editora Saraiva, 1998.28Cf. Jane Reis, Interpretao Constitucional e Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro:Editor Renovar, 2006, p. 362.29Continuamos a considerar a ponderao de interesses critrio argumentativo-procedi-mental, porm, na prtica, ela trabalhada, muitas vezes, como mtodo de trabalho cons-titucional, alm de ser argida, outras inmeras vezes, como princpio constitucional. Oque importa utiliz-la corretamente, com o trabalho de suas fases subprincpios daponderao , o seu preenchimento argumentativo, a verificao de direitos fundamentaisrealmente existentes e no alegados ao vazio. O estudo de parmetros para limitar osexageros da ponderao e as reais possibilidades de confronto complementam a teoria. Aleitura de Alexy parece estruturar norma jurdica em trs vertentes, pois alm de princpios

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    tida como possvel30, ou ao menos questionvel. Quando se quercriticar o uso de metodologias constitucionais, aponta-se a unida-de e a ponderao como determinantemente antagnicas, o queno corresponde potencialidade das duas metodologias. Isso se

    explica pela teoria do direito constitucional, que revela a concep-o dos limites da efetividade constitucional em dado momento.Sob uma teoria do direito restritiva e deveras positivista tais meto-dologias no conseguem conviver no ordenamento. Diversamente,hoje, em uma concepo neoconstitucional, ponderao e unida-de constitucional convivem, harmoniosamente, trabalhando-se asduas at em um mesmo caso concreto, sem qualquer prejuzo.O purismo metodolgico-constitucional no faz parte da tradio

    luso-brasileira nem resulta, necessariamente, em aprimoramentojurdico.Canotilho, por exemplo, ao tratar da interpretao das

    normas constitucionais, vai ao outro extremo ao elencar todas asmetodologias encontradas em outros autores, acrescentando as di-menses da tpica, da argumentao jurdica, da sociologia jurdi-ca (mtodo cientfico-espiritual), da estrutura da linguagem, coma pragmtica, e, ainda um catlogo de princpios da interpretao

    constitucional, que se misturam a pressupostos constitucionais como a fora normativa da Constituio, a justeza constitucionalou a supremacia da Constituio , enfim31, mistura que revela

    e regras, aparecem os critrios procedimentais, como, por exemplo, a prpria pondera-o ou a universalidade. Essa valiosa diviso tripartida da norma uma das mais valiosascontribuies de Alexy, ainda que ele no tenha includo as policies normas de polticaspblicas para ns complemento essencial para a considerao da norma em quatro fases:princpios, regras, polticas pblicas e procedimentos a elas inerentes.30Para tanto, vale ver as crticas de Konrad Hesse quanto reunio entre a unidade cons-titucional e a ponderao entre normas constitucionais em conflito (A Fora Normativa daConstituio, citado, p. 49). Na poca que Hesse escreveu a ponderao, tida por ele comometodologia constitucional, no havia sido desenvolvida e aplicada como foi posteriormen-te aos trabalhos desenvolvidos por Alexy e seus seguidores. O statusalcanado depois dadivulgao da Teora de los Derechos Fundamentalesreformulou a aplicao do instituto,visto com outros olhos, a qual, por sua vez, colaborou, e muito, para a instaurao do atualmomento do neoconstitucionalismo.31Para ver o extenso rol anunciado, vale confrontar, Gomes Canotilho, Direito Constitu-cional, citado, p. 201 a 245. O prprio Canotilho, ao tratar dos princpios da interpretaoconstitucional estabelece trs critrios to abrangentes, que quase toda a matria cons-titucional pode ali ser enquadrada. So os princpios: (1) relevantes para a deciso (=

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    que muito do conhecimento acerca da interpretao constitucio-nal pode se transformar em metodologias de trabalho, com umaadaptao do intrprete.

    O neoconstitucionalismo no defende critrios de cienti-

    ficidade metodolgica, mas no os despreza. A erudio acercadas diversas metodologias constitucionais aumenta a capacidadede encontrar meios que traduzam com maior respeito possvel afora normativa da Constituio e a vontade constitucional. Usarsomente os mtodos clssicos interpretao gramatical, histri-ca, sistmica e teleolgica, resulta em limitar o raio de ao dosintrpretes. A escolha dos mtodos traduz as preferncias do in-trprete at por outros ramos do conhecimento, como a histria, a

    sociologia, a filosofia, a economia, entre outros, que se encaixam,respectivamente, a ttulo sugestivo, nas metodologias histrica,cientfico-espiritual, tpica e o pragmatismo-conseqencialista. Ointrprete da Constituio mais preparado dever utilizar as me-todologias mais aptas a defender e tornar efetivo o texto consti-tucional. Em matrias multidisciplinares, como as que so levadasao Supremo Tribunal Federal, o correto conhecimento das diversasmetodologias constitucionais representar grande reforo na me-

    lhor deciso dentre as possveis. As metodologias mltiplas no soum mal em si, mas seu uso distorcido e abusivo poder resultar emprejuzo interpretativo.

    Um aviso necessrio: as metodologias devem ser argumen-tativamente justificadas, e, quando em um caso similar adotar-seoutra metodologia constitucional, em respeito ao princpio da uni-versalidade32e da coerncia, deve ser justificada, expressamente,

    resoluo) do problema prtico (princpio da relevncia); (2) metodicamente operativos nocampo do Direito Constitucional, articulando Direito Constitucional formal e material, prin-cpios jurdicos funcionais (princpio da interpretao conforme a Constituio) e princpiosjurdicos materiais (ex: princpio da unidade da Constituio, princpio da efectividade dosdireitos fundamentais); (3) constitucionalmente praticveis, isto , susceptveis de ser es-grimados na discusso de problemas constitucionais dentre da base de compromisso cris-talizada nas normas constitucionais (princpio da praticabilidade). A metodologia no muito rigorosa, preferindo o mestre portugus arrolar todo o catlogo sobre interpretaoconstitucional encontrada, para dar suporte tcnico aos estudantes. Cf. Gomes Canotilho,Direito Constitucional, citado, p. 1186.32Cf. Robert Alexy, Teoria da Argumentao Jurdica. So Paulo: Landy Editora, 2001.

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    a nova opo, que pode levar a uma mutao da jurisprudnciaconstitucional. A fidelidade metodologia utilizada, reiterada-mente, em casos similares, e a justificao de maior carga argu-mentativa adequada no uso de novas metodologias so muito mais

    importantes, no exerccio da prtica forense, do que criar novasmetodologias de interpretao.Um dos motivos pelo qual a metodologia constitucional

    perdeu a hegemonia no discurso jurdico foi a percepo deque metodologias diversas podem levar a um mesmo resultado embora isso no acontea repetidamente e, mais, uma mes-ma deciso, que no mencione expressamente a metodologiaconstitucional utilizada, ao ser analisada por diferentes intr-

    pretes, pode apontar leituras metodolgicas distintas sobre omesmo texto. Da assiste razo a Gadamer quando afirma que,depois de escrito, o texto no pertence ao autor, pois o textofala com o intrprete. E tal se verifica nos livros, artigos,sentenas proferidas que, muitas vezes, ganham destinaopara alm quando no diversamente da vontade original doautor33.

    A sobre-interpretao da Constituio , com essa gama

    de metodologias existentes , a ser exercida com liberdade eresponsabilidade, defendida em um estgio de alto desenvol-vimento constitucional. No neoconstitucionalismo este estgio alcanado com o correto aproveitamento dos critrios argu-mentativo-procedimentais, como a razoabilidade, a proporcio-nalidade, a coerncia e a universalidade, no s no mrito e nodireito processual, mas tambm no debate sobre a metodologiaconstitucional, sobretudo, quando ela for diferente da costu-

    meiramente usada, mal-aplicvel, ou de contexto duvidoso. Taldebate encerra um ciclo constitucional de mais alto refina-mento, como j foi observado na Suprema Corte dos EstadosUnidos.

    33 Cf. Hans Gadamer, Verdade e Mtodo II, Petrpolis, Editora Vozes, 2002, p. 507. Valelembrar que Gadamer, at pelo momento histrico vivido, grande crtico da importnciado mtodo, isto , do exagero metodolgico que impregnava as cincias, em especial ahermenutica. Cf. Verdade e MtodoI, citado, p. 29 e Verdade e MtodoII, p. 389.

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    6. INTERPRETAO NEOCONSTITUCIONAL E A DESCOBERTA DADERROTABILIDADE

    Um importante tema identificado com a interpretao cons-titucional, a interpretao conforme a Constituio merece am-

    pliaes e (trs) possibilidades de usos no neoconstitucionalismo.Tais usos sero de grande aplicabilidade no direito constitucionalbrasileiro. Trata-se de ver as possibilidades de interpretar as leis luz da Constituio.

    , sem dvida, terminologia polissmica e pouco explorada ainterpretao conforme a constituio ao menos em suas outrasduas acepes. Para comear, alguns entendem que apenas tcni-ca de controle de constitucionalidade, j outros alegam que ma-

    tria de interpretao constitucional, antes de tudo. Sobre a impro-priedade em se identificar a interpretao conforme a Constituiocomo regra de interpretao constitucional, Andr Tavares afirma:

    A interpretao conforme a Constituio haveria de sermelhor entendida como um mtodo de trabalho desenvol-vido dentro da atividade de controle de constitucionalidadedo que como, propriamente, mais uma frmula puramente

    interpretativa.34

    Luis Roberto Barroso entende diversamente, pois consideraa interpretao conforme antes de tudo, tcnica de interpretaoconstitucional. Alega o autor que qualquer interpretao que te-nha como parmetro a Constituio interpretao constitucio-nal, portanto, ao se exclurem interpretaes de um dispositivo, aConstituio a verdadeira fonte da valorao.

    Para o neoconstitucionalismo, a interpretao conforme aConstituio tem trs significados e oprimeiro deles literal, ouseja, o de interpretar as leis luz da Constituio. Esse signi-ficado tem sido esquecido, equivocadamente, pois a meno deum dispositivo luz de sua direo constitucional interpretaoconforme a Constituio, ainda que a nica extravel da norma. O

    34Cf. Andr Tavares, Fronteiras da Hermenutica Constitucional, citado, p. 135.

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    contrrio seria negar o sentido lingstico da expresso: o de quetoda lei deve passar por um crivo de constitucionalidade, ou comoafirmamos anteriormente, um juzo indireto negativo. Este exer-ccio, na maioria das vezes imperceptvel e no expresso, inter-

    pretao conforme a Constituio. A doutrina, todavia, somentelembra o segundo sentido.O segundo sentido o da interpretao conforme ocorre

    quando est presente mais de uma hiptese interpretativa, mo-mento em que o tribunal competente dir qual delas est maisapropriada ao texto constitucional. uma maneira de salvar anorma legal e firmar orientao constitucional. Este o sentidofreqentemente atribudo pela doutrina e jurisprudncia brasi-

    leiras. Exemplos podem ser pensados em lei que tenha mais deuma possibilidade interpretativa, quando o tribunal aponta qualinterpretao inconstitucional e, portanto, no pode mais serrealizada e assim salva o teor da norma. A norma escrita pre-servada e uma interpretao proibida. Bom exemplo brasileiroocorreu com a promulgao do Estatuto do Idoso. Os artigos 75-77regulavam a necessria participao do Ministrio Pblico em to-dos os processos em que pessoa com mais de 60 anos fosse parte.35

    Isso levaria a um prejuzo para o Ministrio Pblico e atrasariatodos os processos em que idosos estivessem envolvidos. Ao julgara questo, o STF decidiu que se tratava do caso de interpretarconforme a Constituio, os dispositivos art. 75-77 do Estatutodo Idoso , para dar sentido a interveno por parte do MinistrioPblico somente nas lides em que o idoso se encontrasse desprote-gido ou com necessria ateno especial. Os dispositivos restarampreservados, apenas a interpretao que entendesse obrigatria a

    participao do Ministrio Pblico em todos os feitos de idosos que no poderia mais ser aplicada.

    35Lei n 10.741/2003: Art. 75. Nos processos e procedimentos em que no for parte, atuarobrigatoriamente o Ministrio Pblico na defesa dos direitos e interesses de que cuida estaLei, hipteses em que ter vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos,requerer diligncias e produo de outras provas, usando os recursos cabveis.Art. 76. A intimao do Ministrio Pblico, em qualquer caso, ser feita pessoalmente.Art. 77. A falta de interveno do Ministrio Pblico acarreta a nulidade do feito, que serdeclarada de ofcio pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado.

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    O terceiro sentido da interpretao conforme a Constituio verificado somente no caso concreto, quando, excepcionalmente osefeitos da regra so retirados, por uma situao excepcionalmente noprevista (post factum). O terceiro uso da interpretao conforme a

    Constituio sinnimo de derrotabilidade da norma-regra, que fun-ciona como uma propriedade disposicional que aparece no neoconsti-tucionalismo. Lembrando as lies de Alfonso Figueroa36, a propriedadedisposicional no se manifesta de forma plena, somente quando dadascertas circunstnciaspost factum, ela poder se manifestar. Distinta uma propriedade categrica, que imanente, automtica e plena esempre se manifestar. A disposicionalidade dos princpios vem sendoargida, e quanto a isso no h dvida pela sua abertura e gradao. O

    que defendemos, contudo, permitir ir alm com a disposicionalidadedas regras. Sempre se ensinou que elas valem no tudo ou nada e queno so decididas por ponderao e isso continua valendo. Ocorre queas regras em situaes excepcionais, que no cumpram o objetivo ou afinalidade constitucional, devem ser derrotadas, e como conseqnciadevem ser afastadas do caso concreto e no formar jurisprudncia.

    Esse um dos grandes avanos sustentados pelo neocons-titucionalismo, pois afasta as excees que combatem a pondera-

    o, sobretudo para aqueles que se afirmam em (errada) concep-o de que as regras se resolvem por ponderao. Esse raciocnio de que as regras se resolvem por ponderao advindo da filo-sofia analtica desconstrutivista, no fundo almeja afastar o uso daponderao e limitar a principiologia constitucional. So, na ver-dade, exemplos excepcionais, buscados para romper com a ordemda ponderao, dos princpios da lgica neoconstitucional. Mas,na verdade, esses exemplos tm carga de derrotabilidade e ficam

    encaixados na teoria de direito neoconstitucionalista pelo terceirosentido da interpretao conforme a constituio. A derrotabili-dade ou terceiro sentido de interpretao conforme a constitui-o mantm o funcionamento do sistema (neo)constitucional, semabalos. Muitas das afirmaes para deslegitimar a ponderao,

    36Cf. Alfonso Garca Figueroa, La Teora del Derecho en Tiempos del Neoconstitucinalismo.In: Carlos, Miguel (coord.). Neoconstitucionalismo(s). 2 ed. Madrid. Editora Trotta, 2005.

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    como as realizadas por Humberto Avila, no Brasil,37ou os exemplostrazidos por Frederick Schauer,38caem por terra. Eles so, na ver-dade, hipteses de derrotabilidade da norma.

    7. CONCLUSOO caminho trilhado para a construo e aceitao de umateoria do direito no nada fcil. A reconstruo exposta apresen-ta o neoconstitucionalismo como a teoria de direito mais afeio-ada s propostas jurdicas existentes no Brasil. De uma s vez duma opo aos crticos da teoriageral do direito, fornecendo umaproposta de direito til, que satisfaz os anseios da sociedade, aoapresentar um direito transformador e que rene dispersas cons-

    trues da doutrina e da jurisprudncia constitucional, formandouma proposta integradora. Ademais, as meramente citadas poten-cialidades do neoconstitucionalismo desdobram-se em fascinantespossibilidades de pesquisa. J era hora de pensar o direito consti-tucional conectado filosofia.

    Destacamos nestepaperopapel revitalizado da interpreta-o no neoconstitucionalismo, o qual significativo, pois atesta acapacidade dos intrpretes da Constituio de um pas, afasta-se

    do positivismo jurdico que veda a interpretao fora da moldura e do jusnaturalismo que busca valores externos ao sistema econcretiza a pretenso de correo.

    A concretizao das transformaes na interpretao se dnos momentos de aplicao, legitimao e fundamentao dosseus elementos prticos. O neoconstitucionalismo postula uma in-terpretao da Constituio, em todos os momentos, pois todainterpretao jurdica interpretao constitucional, como cabal-

    mente ficou demonstrado, seja nos momentos diretos, seja nosmomentos indiretos (negativo e objetivo).A teoria da interpretao no pode ser vista com olhar frag-

    mentado, pois os intrpretes da constituio aberta e axiolgica devem estar em igual grau de importncia s metodologias, ao

    37Cf. Humberto vila, Teoria dos Princpios, citado.38 Cf. Frederick Schauer, Playing by the rules. Claredon Press, Oxford, 2002.

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    caso e aos precedentes considerados. Todos estes elementos inter-pretativos devem ser integrados pela filosofia do direito.

    A derrotabilidade deve ser difundida como um conceito-cha-ve que afeta a prtica e impe reviso das crticas dirigidas ao

    aproveitamento de uma teoria pr-princpios. A derrotabilidade outerceira forma de interpretao conforme a constituio comeaa ser desenvolvida, e tem tudo para alcanar as cortes constitu-cionais.

    Resta dizer que tudo aqui foi afirmado com base em um con-tedo jurdico existente, contextualizado na Constituio, enfim,basta que se divulgue e aplique o Direito direito.