A Gula Da Cobra - IsTOÉ Independente

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    BRASIL

    A gula da cobraPoliciais que participaram da anaconda admitem que poucoinvestigaram para no quebrar o sigilo da operao. eles tambmadmitem que incriminaram juzes s com base em grampostelefnicos. E Alguns desses grampos no batem com as

    transcries

    Antonio Carlos Prado Colaborou: William Novaes

    09.06.04 - 10h00

    Imagine um jogo de futebol. Um bandeirinha levanta a sua bandeira indicando

    que determinado atacante est impedido. O outro bandeirinha corre e diz ao

    juiz que ele discorda da marcao do impedimento e pede que o jogo sejainterrompido enquanto se discute a questo. Um bandeirinha divergindo do

    outro bandeirinha, o pblico caria no mnimo atnito e acharia, na linguagem

    futebolstica, que a partida anda meio embolada. mais ou menos isso o que

    est acontecendo no Ministrio Pblico Federal (MPF) de So Paulo.

    Conforme ISTO publicou (edio 1805), o prprio Ministrio Pblico Federal

    que admite que esto ocorrendo interceptaes telefnicas clandestinas achamada arapongagem. E admite isso ao ter encaminhado Superintendncia

    da Polcia Federal de So Paulo o ofcio 678/04 pedindo a investigao desse

    fatos. Como funo constitucional dos procuradores do MP scalizar o

    cumprimento da prpria Constituio, o procurador que encaminhou esse ofcio

    cumpriu a sua funo ergueu a bandeira e apontou o impedimento: Nos

    autos () que se processam perante a 7 Vara Criminal Federal, em que foram

    denunciados Alexandre Morato Crenite, Ari Natalino da Silva e outros, foidetectada, no curso do processo, a existncia de grampos ilegais (negrito do

    original), (), referida ocorrncia desmoraliza a autoridade do prprio Poder

    Judicirio. Tambm o superintendente da PF de So Paulo, Francisco Baltazar

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    da Silva, cumpriu o seu dever constitucional e encaminhou esse ofcio

    Corregedoria da PF. Ou seja: fez o que a polcia tem de fazer, mandou investigar.

    O meio de campo acaba de embolar agora quando outros dois procuradores

    regionais da Repblica entraram com pedido de habeas corpus para suspender

    as investigaes j conseguiram liminar determinando sustar a instaurao

    dos inquritos policiais () ou para suspender seus andamentos, se j tiveremsido instaurados. Ou seja: uma parte do Ministrio Pblico pede a investigao

    de eventuais escutas telefnicas ilcitas, outra parte do Ministrio Pblico requer

    a interrupo das investigaes dessas supostas escutas o bandeirinha que

    pede a interrupo do jogo. A galera das arquibancadas talvez que se

    perguntando: se no houver investigao, como punir os responsveis no caso

    de ter havido interceptao clandestina? Se elas ocorreram e nada for

    investigado, a bola da arapongagem vai continuar rolando? Assim, o Ministrio

    Pblico, que tem por princpio ser uno e indivisvel, pediu que sejam paralisadas

    as investigaes solicitadas pelo prprio Ministrio Pblico. Pode-se argumentar

    que o perodo de 12 dias, nos quais a escuta telefnica se deu sem ordem

    judicial, no serviu de base para acusar ningum. No importa. Servindo ou no

    para acusaes, a escuta sem ordem judicial crime. E deve ser investigada.

    Morto quadrilheiro Na verdade, investigados devem ser todos e quaisquercidados sobre os quais recaiam fortssimos indcios de atos criminosos. E a a

    escuta telefnica permitida no Brasil (Lei 9296/96), desde que coberta por

    ordem judicial. A chamada Operao Anaconda (concluda em 17 de dezembro

    de 2003), organizada e executada pela Diretoria de Inteligncia da Polcia

    Federal, acusando juzes federais de envolvimento em vendas de sentenas,

    valeu-se da interceptao telefnica judicialmente autorizada, mas escorregounum fato: o de utilizar esse mtodo para produzir provas, e no para corroborar

    provas a partir de fortes e claros indcios j detectados, como determina a lei. As

    conversas grampeadas (e muitas vezes envolvendo terceiros) partiram apenas

    de suspeitas e viraram provas em si. Todos os acusados pela Operao

    Anaconda podem estar envolvidos at os ossos, e da cabea aos ps, em atos

    criminosos. Mas o fato que as provas policiais que foram produzidas pela

    escuta de telefones esto longe de incriminar algumas dessas pessoas queesto sendo acusadas de formao de quadrilha. Essas provas no

    investigadas geraram uma srie de contradies e erros, a tal ponto que o

    policial Joo Guedes Tavares, falecido em 1963, foi colocado pela Polcia Federal

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    no terceiro nvel hierrquico da suposta organizao criminosa, ao lado de

    delegados e juzes. E um inocente, Hugo Sterma, foi encarcerado por engano

    durante 11 dias. Grampearam o telefone errado, prenderam o Sterma e s

    depois descobriram que ele no era de fato o procurado: Hugo Carlette.

    Atravs de interceptaes telefnicas, a Diretoria de Inteligncia da Polcia

    Federal concluiu que o escritrio do advogado Afonso Passarelli em So Paulo a base territorial de todos os envolvidos. O Tribunal Regional Federal expediu

    ordem de busca e apreenso nesse escritrio. Tudo foi apreendido e

    vasculhado, tudo menos uma sala a sala que era ocupada por Antnio

    Augusto Csar, justamente o subprocurador da Repblica do Ministrio Pblico

    Federal. Um subprocurador, estando na ativa, pode advogar? No. Ento o que

    esse subprocurador fazia com uma sala no escritrio de advocacia apontado

    justamente como a base da suposta quadrilha?

    Um mandado judicial de busca e apreenso tem de ser totalmente cumprido e

    somente um juiz de instncia superior pode revog-lo no caso em questo,

    somente o Superior Tribunal de Justia, uma vez que a ordem j era de uma

    desembargadora de instncia superior. Pois bem: no momento em a que polcia

    chegou, acompanhada de uma das procuradoras que cuidam do caso da

    Operao Anaconda, o prprio subprocurador Antnio Augusto estava no locale a sua sala foi poupada. Em seu depoimento Justia, o policial Antonio Pereira

    da Solidade Junior, que estava presente no cumprimento da busca e apreenso,

    diz que o senhor Csar Augusto acompanhou a diligncia. Tambm depondo

    Justia, o policial lzio Vicente da Silva acrescenta que no estava presente no

    momento da diligncia, mas quei sabendo depois que as pessoas que estavam

    presentes entenderam que a sala de Antnio Augusto poderia no seraveriguada. O ofcio 012/2003 encaminhado ao Tribunal Regional Federal pelo

    delegado Emmanuel Henrique Balduino de Oliveira, que assina o relatrio nal

    da Diviso de Inteligncia da PF, coloca um ponto nal na questo. Assim

    escreveu o delegado Emmanuel: No dia em que se cumpriram os mandados de

    busca e apreenso, o referido procurador compareceu no escritrio de Afonso

    Passarelli e impediu o cumprimento do mandado () em uma das salas sob o

    argumento de que a sala era sublocada ao mesmo e que qualquer medidacontra ele seria de competncia do Superior Tribunal de Justia. O delegado e

    procuradores da Repblica que davam cumprimento ao mandado concordaram

    () Algumas anotaes em livro-caixa do esquema criminoso revelam o

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    pagamento de valores a delegados e integrantes da quadrilha. Alguns nomes

    esto em cdigo como () AAC, Antnio Augusto Csar

    Livro-caixa Somente meses depois do cumprimento desse mandado de

    busca e apreenso, meses depois da priso de diversos integrantes da suposta

    organizao criminosa, e meses depois do afastamento dos juzes federais

    Casem Mazloum e Ali Mazloum de suas funes, todos denunciados porformao de quadrilha, que o procurador Antnio Augusto Csar se viu s

    voltas com a Justia. Eis um fato: apesar de alugar uma sala na sede dessa

    suposta quadrilha e de estar no livro-caixa dessa suposta quadrilha, o

    procurador AAC foi denunciado criminalmente, mas no o foi por formao de

    quadrilha. Nem teve seus bens bloqueados, como aconteceu com todos os

    outros envolvidos.

    Dois cidados frequentam com extrema assiduidade as tas e CDs das

    interceptaes telefnicas da Operao Anaconda. Eles se chamam Csar

    Hermam e Jos Augusto Bellini, so policiais federais e esto presos. Hermam

    est sendo processado por explorao de prestgio (posar de pavo e inuente

    valendo-se do nome de outras pessoas, quer as conhea, quer no). Bellini

    vtima de si prprio, de sua enfermidade, ao desenvolver em nvel patolgico a

    sua dependncia qumica do lcool. H grampo no qual Bellini telefona dobanheiro de uma farmcia, diz que foi comprar vaselina lquida e passa a falar

    coisas com duplo sentido que podem incriminar pessoas. sobretudo a partir

    das conversas entre Hermam e Bellini, ou deles dois com terceiros, que algumas

    pessoas so envolvidas sobretudo os juzes Casem e Ali. Volta-se aqui ao

    perigo do uso de escutas telefnicas como produtoras de provas, provas essas

    que no foram investigadas nem pela Polcia Federal nem pelo MinistrioPblico Federal. As conversas que foram interceptadas viraram provas em si, e

    ponto nal.

    Pesa sobre Casem Mazloum, principalmente, a acusao de ter ganho

    passagens de avio para o Lbano. O seu nome surge numa conversa entre

    Hermam e Bellini. Oua-se o grampo e perceba-se que um se faz de faroleiro, o

    outro de invejoso:

    Hermam Consegui oito passagens. Executivas. Para o Casem.

    Bellini Orra, c

    Hermam Oito!

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    Bellini T indo pra onde?

    Hermam Ele vai para o Lbano.

    Bellini Tudo executiva

    Hermam bom, n?

    Bellini Orra, assim at eu

    ISTO investigou as tais passagens para o Lbano. Foram compradas peloprprio Casem, com direito carta da agncia Asfur Turismo conrmando o

    fato. Tambm contra Casem h a acusao de se valer da funo de juiz para

    liberar um caminho com carga irregular. Oua-se o grampo e descubra-se o

    seguinte: um parente do juiz de fato lhe telefonou explicando que tivera o seu

    caminho apreendido na rodovia Raposo Tavares. Casem conversa com um

    coronel e frisa por trs vezes se alguma soluo poderia ser dada de forma

    legalmente, regular, legalmente. O coronel informa que sim, uma vez que

    no h nenhum problema de carga, somente o licenciamento vencido do

    caminho, mas que regularmente ele poderia ser liberado, desde que o dono

    do veculo rmasse um termo de compromisso de regulamentar a

    documentao no prazo de 15 dias.

    O juiz Ali Mazloum no leva sorte com nomes. Numa conversa de Bellini com

    uma mulher, essa mulher fala que o Mrio est na sala ao lado. No relatrio daPF e na denncia do Ministrio Pblico, Mrio virou Ali. Se a Polcia Federal

    tivesse investigado tudo o que ouviu, e no transformado os grampos em

    provas cabais, talvez a PF no tivesse passado por outro vexame. Numa das

    conversas gravadas, fala-se de um Ali que o empresrio do setor de

    informtica Hussein Ali Jaber, que est denunciado. Pois tambm a o Ali Jaber

    foi transformado em Ali Mazloum. S que a PF percebeu o erro a tempo decorrigi-lo. Uma suposta quadrilha que tenha Ali como integrante no precisa de

    inimigos: ele negou nove vezes os pedidos de transferncia da carceragem da

    PF para priso domiciliar feitos por Ari Natalino, acusado de envolvimento com

    essa prpria quadrilha. Ou seja, no mnimo tola a acusao de que Ali teria

    beneciado Natalino.

    Eis mais um trecho do depoimento Justia do policial Solidade Junior, da

    Diretoria de Inteligncia da Polcia Federal. No relatrio nal da PF ele incrimina

    Casem e Ali. Na Justia ele diz:

    Justia Foi colhida alguma prova concreta de que o acusado (Casem Mazloum)

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    recebeu alguma quantia, algum favorecimento em troca de deciso favorvel

    (venda de sentena)? O senhor colheu prova?

    Solidade No.

    Justia As informaes eram checadas?

    Solidade As informaes no eram checadas, como eu j falei.

    Um ponto interessante nesse depoimento de Solidade Justia a explicao

    do porqu as informaes no terem sido investigadas. mais ou menos assim:

    a Operao Anaconda era to sigilosa, to sigilosa, que ningum investigava

    para no quebrar o sigilo. como investigar de forma sigilosa um homicdio,

    mas no investigar a existncia do cadver para no prejudicar o sigilo.

    Justia As informaes eram checadas?

    Solidade No () para no prejudicar o sigilo da operao.

    Outro trecho:Justia Das conversas que ele ouviu, ele pode apurar algum elemento

    concreto, indicativo de que o juiz Ali Mazloum recebeu alguma vantagem ilcita

    em troca de uma prestao jurisdicional (venda de sentena)?

    Solidade No.

    Trecho do depoimento Justia do policial lzio Vicente da Silva sobre o policial

    Csar Hermam (hoje preso e cujas conversas com terceiros serviram de base

    para incriminar outras pessoas).Justia Qual era a fama dele (Csar Hermam) na Polcia Federal?

    lzio () bravateiro, a pessoa que alegava ter facilidades que no tinha ()

    outros acreditavam que era uma pessoa bem relacionada ()

    Trecho de depoimento Justia do delegado Jos Augusto Bellini:

    Bellini () no demagogia no, quero agradecer senhora (desembargadora)

    esse tempo que eu estou preso ()

    Justia Por qu?

    Bellini Porque eu me livrei dessa bebida. Eu tomo meus remdios risca, no

    tenho vontade, agora () eu preciso () fazer exerccios () de eu correr, de eu

    andar, de eu ser melhor cuidado () agora se eu puder sair bem melhor.

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