31
Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.1 2 A BICICLETA 2.1 Breve histórico sobre a bicicleta A bicicleta, desde a sua origem, tem sido a mais eficiente máquina já criada para converter energia humana em propulsão. Como citado em Super Interessante (1990:v.4:21), “apenas irrisório 1% da energia transmitida à roda traseira se perde, o que torna possível ao ciclista manter facilmente a marcha entre 16 e 19 quilômetros por hora [...] quase quatro vezes a velocidade do caminhar”, este fato tem despertado alguns a realizar estudos a seu respeito e seus aficionados a passar a utiliza-la, seja para lazer, esporte ou transporte. De acordo com dados levantados por Pequini (2000:2.1), não se sabe ao certo a data de nascimento da bicicleta, assim como quem foi seu inventor. Apontam-se como seus autores, Leonardo Da Vinci e o Conde Sirvac. Tem-se também sua representação nos baixo-relevos do Egito e Babilônia e em afrescos de Pompéia, o que torna seu surgimento ainda mais impreciso. Figura 2.1 – Celerífero Fonte: Pequini (2000:2.2). A autora ainda menciona que em poucos registros encontrados tem- se que em 1790, após uma série de estudos, o Conde Sirvac inventou o que chamou de celerífero, que significa velocidade, marcha, ou cavalo de duas rodas (Figura 2.1). Esse invento era bastante rude, composto por uma trave de madeira prolongada por uma cabeça de animal e colocada sobre duas rodas, também de madeira, uma atrás da outra, com direção fixa. A arrancada era dada com os pés firmes no chão os quais o

A história da bicicleta

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.1

2 A BICICLETA

2.1 Breve histórico sobre a bicicleta

A bicicleta, desde a sua origem, tem sido a mais eficiente máquina já criada para

converter energia humana em propulsão. Como citado em Super Interessante

(1990:v.4:21), “apenas irrisório 1% da energia transmitida à roda traseira se perde, o

que torna possível ao ciclista manter facilmente a marcha entre 16 e 19 quilômetros

por hora [...] quase quatro vezes a velocidade do caminhar”, este fato tem despertado

alguns a realizar estudos a seu respeito e seus aficionados a passar a utiliza-la, seja para

lazer, esporte ou transporte.

De acordo com dados levantados por Pequini (2000:2.1), não se sabe ao certo a data

de nascimento da bicicleta, assim como quem foi seu inventor. Apontam-se como

seus autores, Leonardo Da Vinci e o Conde Sirvac. Tem-se também sua

representação nos baixo-relevos do Egito e Babilônia e em afrescos de Pompéia, o

que torna seu surgimento ainda mais impreciso.

Figura 2.1 – Celerífero Fonte: Pequini (2000:2.2).

A autora ainda menciona que em

poucos registros encontrados tem-

se que em 1790, após uma série de

estudos, o Conde Sirvac inventou

o que chamou de celerífero, que

significa velocidade, marcha, ou

cavalo de duas rodas (Figura 2.1).

Esse invento era bastante rude,

composto por uma trave de

madeira prolongada por

uma cabeça de animal e colocada sobre duas rodas, também de madeira, uma atrás da

outra, com direção fixa. A arrancada era dada com os pés firmes no chão os quais o

Page 2: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.2

impulsionava, com a ajuda de alguém que o empurrasse, pois não tinha tração na roda

como as de hoje.

Apesar de muito primitivo, com grandes passadas alcançava-se velocidade média de

oito ou nove quilômetros por hora. Do ponto de vista da Ergonomia, não devia ser

nada cômodo, pois os impactos sofridos pelo celerífero abalavam diretamente o

motorista por falta de amortecimento. O seu maior problema, porém, era o fato de

não ser dirigível, o que o tornava inviável como meio de transporte.

Pode-se imaginar a dificuldade que se tinha para conduzir um celerífero, devido ao

fato de que, em alta velocidade, era praticamente impossível guiá-lo numa curva, o

que somente se conseguia fazendo uso da força bruta, esmurrando a cabeça do

invento.

De acordo com Rauck et al. (apud

PEQUINI, 2000:2.5), o aperfeiçoamento

do celerífero se deu a partir da criação da

Drasiana (Figura 2.2) pelo Barão Karl Drais

von Sauerbronn, em 1816, quando ele

acrescentou molas ao assento e o guidão.

É considerada a primeira bicicleta dirigível

e foi criada em madeira.

Rauck ainda relata que, em 1818, Drais

conseguiu a patente do seu veículo por

dez anos. O fato de ser dirigível

transformou-a em um grande meio de transporte, pois, com a direção, tornava-se

fácil conduzi-la e manter o equilíbrio. Em 1817, percorreu 50 quilômetros em uma

hora do trajeto que o correio da época levava quatro horas para percorrer. A partir

daí, a imprensa começou a divulgá-lo, alegando que era uma das novidades mais

importantes no campo das ciências mecânicas, o que o fez conhecido por toda a

Alemanha.

Figura 2.2 – Drasiana do Barão Von Drais.

Fonte: Pequini (2000:2.4).

Page 3: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.3

Mas, já em outubro de 1817, Georg von Reichenbach, engenheiro da corte de Maiz,

cria um veículo com os mesmos princípios da drasiana, porém com um centro de

gravidade bem mais baixo, devido ao fato de que a barra que servia de trave e assento

era muito baixa. Tinha, contudo, um assento acolchoado que podia subir e descer

para acomodar os diversos tamanhos de usuários. A roda traseira movia-se dentro de

um garfo. O garfo dianteiro era arqueado como aparece na Figura 2.3 (PEQUINI,

2000:2.5).

Em 1819, ele lança a bicicleta para damas, que tinha armação de madeira recoberta de

ferro muito curvada para abaixar, de maneira que as damas não tivessem problemas

com as saias longas e fartas. Apesar de inúmeros inventos depois do surgimento do

celrífero e da drasiana, todos os autores são unânimes em afirmar que Drais é o

inventor da bicicleta dirigível, ficando conhecido como “pai espiritual da bicicleta”,

segundo dados levantados por Pequini (2000:2.7).

Figura 2.3- Drasiana de George von Reichenblank 1817. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.6).

A autora também ressalta que as

bicicletas foram evoluindo em sua

forma de dirigir e com assentos

reguláveis e outros acessórios,

porém faltava ainda a criação de um

mecanismo de propulsão que não

fosse o contato dos pés com o chão.

Perguntavam ao Barão Drais por

que ele não havia construído

bicicletas que fossem impulsionadas

com manivelas, mecanismo já

utilizado desde séculos anteriores,

nos coches de tração muscular. Ele,

porém, defendia seu sistema de

impulsão direta contra o solo,

alegando que nós temos mais força

nas pernas que nos braços.

Page 4: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.4

Pequini (2000:2.10) ainda observa que já havia estudos a este respeito desde 1817,

porém era tudo muito complicado e nada realizável. O mecanismo foi estudado nessa

época pelo mecânico Neremberg Johan Carl Siegismund Bauer (Figura 2.4). Contudo

não tardou muito para em 1821, o inglês Lewis Compertz dar uma solução, que ainda

consumia muita energia humana (Figura 2.5). Acoplou a uma drasiana um mecanismo

composto por uma manivela e uma roda dentada que impulsionava a roda dianteira.

Figura 2.4 – Drasiana com mecanismo de propulsão de Nerembereg Bauer.

Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11).

Figura 2.5 - Bicicleta de Compertz com

manivela e roda dentada. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11).

A autora que, também em 1838, Kirkpark MacMillan, ferreiro escocês, aclopou

elementos ao eixo da roda traseira a qual, através de duas manivelas, se acionava com

dois pedais unidos à parte dianteira do quadro e, pela primeira vez, torna-se realidade

a tração da roda traseira, mecanismo utilizado até hoje.

De acordo ainda com Pequini (2000), depois de um espaço de quinze anos, em 1853,

o alemão Philip Moritz Ficher, montou um par de manivelas à roda dianteira de uma

drasiana e aros metálicos a ambas as rodas, transformando-a assim numa bicicleta.

Apesar do sucesso, este invento não influenciou no desenvolvimento da bicicleta.

Pequini (2000) continua a citar uma série de evoluções tecnológicas ocorridas na

bicicleta, algumas das quais relatamos algumas a seguir:

No ano de 1861, Pierre Michaux, um construtor de carruagem colocou dois pedais

facilitando sua impulsão (Figura 2.6).

Page 5: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.5

Figura 2.6 - Drasiana com pedais. Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.13).

Aparecem as Lallemente, construídas por Pierre Lallamente em Paris, e que logo

consegue patente americana. Não teve, porém, o êxito comercial como esperava.

Havia outras bicicletas com manivela aclopadas à roda dianteira, porém não se sabe ao

certo se foram inventadas ou copiadas, como é o caso de uma bicicleta construída em

1844 por Gattilieb Mylius e seu filho, Heinrich von Mylius. Uma outra bicicleta italiana,

que se encontra no Museu Nacional da Ciência e Tecnologia Leonardo Da Vinci, em

Milão a qual se atribui sua construção ao ano de 1855, o que é improvável devido ao

fato de seu assento possuir molas de lâminas, o que não era característico da época.

James Starley inventou os raios e Jules Truffant escavou o aro da roda, cobrindo-o de

borracha. Robert Thompson, em 1815, requereu a patente para o tubo de borracha.

O escocês Thomas McCall, equipou a bicicleta de MacMillan com freios. Surge na

Itália, em 1868, um modelo bastante delicado deste estilo de bicicleta. Em Nova York,

dois americanos deram continuidade às bicicletas do tipo MacMillan.

Page 6: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.6

Surgem, em 1869, os modelos de bicicletas com tração traseira construídas por Trefz,

um professor de Stuttgart, modernizando definitivamente a técnica de tração com

pedal. Ele substituiu o pedal oscilante, criado por MacMillan, por um pedal com

manivela através de varas. (Figura 2.7)

Figura 2.7- Bicicleta tipo MacMillan de tração com pedal.

Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.18).

Figura 2.8 - Primeira bicicleta com tração por corrente contínua de transmissão

Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.19).

Nesse mesmo ano, Micahux constrói em Paris uma grande fábrica de bicicletas. Mas o

descobrimento mais significativo deste ano foi relativo a Guilmet-Meyer com a criação

da tração não mais sobre a roda traseira, mas, pela primeira vez, através de uma

corrente continua de transmissão, que se tornou antecessora imediata das bicicletas

atuais (Figura 2.8).

As bicicletas de roda dianteira maior que a roda traseira (Figura 2.9) eram muito

perigosas devido ao fato de a parte dianteira ser bem mais pesada que a traseira o que

provocava o seu capotamento facilmente. O aumento de tamanho das rodas

dianteiras se explicava porque, quanto maiores fossem, mais velocidade se conseguia.

Isto também passou a ser sinônimo de status, pois, quanto mais alto estivesse o

motorista mais distante dos outros ficava. Eram tão perigosas que foi criado um

dispositivo para que o guidão se soltasse facilmente caso ela capotasse não deixando o

ciclista preso nele. Elas chegaram a ter rodas de um metro e meio de diâmetro.

As firmas Singer & Co., Hilman, Herbert & Cooper, produziram em 1884, na cidade

de Coventry, a bicilceta de segurança chamada “kangaroo” (Figura 2.10), ou seja,

canguru, que possuía, para evitar as perigosas capotagens, novamente uma roda

dianteira menor, ou seja, de tamanho igual a roda traseira.

Page 7: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.7

Figura 2.9 - Bicicletas com roda dianteira maior que a roda traseira

Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.21)

Figura 2.10 - Bicicleta Kangaroo Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.22)

Em 1887, John Bloyd Dunlop descobre o pneu a ar, sendo a Fire Fly da firma Cycle

Co., uma das primeiras bicicletas equipadas em série com pneus a ar. O tubo era

muito rudimentar, quando estourava ou furava, gastavam-se várias horas para o seu

reparo. Mas mesmo assim, em 1891, Cahrles Terront venceu a prova Paris-Brest,

mesmo depois de ter furado o pneu cinco vezes, com uma vantagem de oito horas

sobre o segundo colocado, que correu com rolos de borracha.

A popularidade que a bicicleta consegue com este invento é enorme, já existiam cinco

mil ciclistas em 1890 somente na França. Dez anos depois, este número já era de dez

milhões.

A bicicleta foi utilizada durante a guerra pelas unidades de infantaria da Itália, França e

logo também pela Holanda, Bélgica e Espanha como meio de transporte, quando foi

criada a bicicleta dobrável, que os soldados a carregavam nas costas como mochilas

(Figura 2.11).

Page 8: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.8

John Starley termina a era das bicicletas altas lançando a sua bicicleta Rover III, com

quadro trapezoidal curvado e rodas com raios tangenciais de tamanhos quase iguais e

transmissão por corrente para a roda traseira (Figura 2.12).

A partir daí, foram inúmeras as inovações com o sucesso da BMX nos anos 70 (Figura

2.13), da Mountain Bike nos anos 80 (Figura 2.14), até chegarmos aos dias atuais com

o exemplar dos anos 90 da Multi Sport Zipp-Speed considerada a bicicleta mais

aerodinâmica já projetada até hoje (Figura 2.15).

Figura 2.11 - Bicicleta dobrável Fonte: Pequini (2000:2.23).

Figura 2.12- Bicicleta Rover III

Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.24).

Foi criada uma série de acessórios que tornaram a bicicleta mais ágil e confortável,

como: suspensão, freios a disco e até hidráulicos, pneus adequados a cada tipo de

terreno, selins mais anatômicos, câmbio de marchas, materiais mais leves, e vários

estilos de bicicletas específicas para cada atividade. Foram inúmeras inovações

tecnológicas que tornaram o veículo cada vez mais popular.

Figura 2.13 – BMX

Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.25).

Figura 2.14 – Mountain Bike

Fonte: Bici Sport (apud PEQUINI, 2000:2.25).

Page 9: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.9

Figura 2.15 – Bicicleta Speed Zipp 2001, da Multi Sport Zipp-Speed

Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.26).

Segundo Busto (1992, v. 35:19), a bicicleta foi também o veículo que abriu caminho

para a produção em massa de automóveis. Fábricas mundialmente conhecidas

(Peugeot, Ford, Morris, Opel) tornaram-se famosas construindo, primeiramente,

bicicletas.

Na virada do século XX, a bicicleta se associa a todos os avanços tecnológicos e à

mentalidade progressista de então. A bicicleta tem o seu primeiro grande boom, sendo

utilizada para divulgar moda para homens e mulheres da alta sociedade de Londres e

Paris. Na Europa e nos Estados Unidos, a indústria trabalhava a todo vapor para suprir

a grande demanda, ressalta o autor.

Também surgem os monopólios dos fabricantes. Os Estados Unidos entram com

vontade no mercado e é lá que Albert E. Pope começa a montar o seu monopólio ao

comprar várias fábricas menores. O preço das bicicletas despenca, caindo cerca de

70%, encaixando-se no poder aquisitivo das grandes massas, o que facilitaria sua

entrada nos países mais pobres.

Page 10: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.10

Em 1900, a explosão havia acabado e o veículo de duas rodas tornou-se parte do dia-

a-dia, rompendo todas as barreiras sociais e estabelecendo, também, uma nova

maneira de transporte, individual e de fácil acesso às massas. Nos países

industrializados (Inglaterra, França, Estados Unidos), a bicicleta sofre um declínio com

a escalada da produção automobilística, sendo relegada ao lugar de “prima pobre” da

tecnologia. Busto em sua pesquisa, encontra dados segundo os quais, após a Primeira

Guerra Mundial, não eram só os países da América, Ásia e África os únicos a

consumirem bicicletas, mas a população européia viu-se obrigada a utilizá-la por

problemas econômicos. Os exércitos das potências também formavam seus pelotões

ciclistas e, nos países que adotaram o regime socialista, a bicicleta entrou como forma

imediata e econômica para atender às necessidades de transporte da população. O

maior exemplo é a China e isto acabou resultando numa indústria forte e competente

(BUSTO, 1992, v.35:19).

Durante o período de “reconstrução mundial” pós-guerra no século XX, a indústria

européia produziu como nunca bicicletas para exportação, euforia que durou até a

década de 60, do século passado. Na Índia, devido à grande população e à cultura

adquirida ao longo dos anos de colonização inglesa, a indústria de bicicleta de modelos

populares cresceu assustadoramente. Os asiáticos entram no mercado com maior

força a partir da década de 70 e não apenas com produtos japoneses, mas com a

efervescente indústria de Taiwan e com alguns produtos trazidos do país-continente:

a China. Afinal, a bicicleta é o seu principal meio de transporte.

No final dos anos de 70, os norte-ameriacos lançam para o mercado o mundo do

bicicross, voltado para um público infanto-juvenil que não vinha consumindo bicicletas

e que logo se viu atraído para a novidade. Eles criam novos modelos e produzindo-os

nas fábricas de Taiwan e também da Coréia, pulverizaram o mercado. Na década de

80 os Movimentos Verdes, o ambientalismo e a preservação da natureza tomam conta

da opinião pública e alguns jovens faziam suas loucuras despencando morro abaixo nas

reservas florestais dos Estados Unidos, o que vem a ser o boom da Mountain Bike.

Page 11: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.11

Os Estados Unidos saem na frente mais uma vez, colocando agora um novo esporte

que pode facilmente ser praticado por qualquer pessoa de 8 a 80 anos, aliado ao forte

apelo ecológico trazido pela Mountain Bike. Esta nova mania é fortalecida pela idéia da

bicicleta de montanha (ou as BTT - bicicletas todo terreno) e suas facilidades trazem

uma nova maneira de viver.

A explosão da Mountain Bike dominou até os europeus, que a princípio não

acreditavam muito nesse movimento, mas que acabaram por se render e aderir com

muita força a este novo mercado. Em 1990, um grande fabricante japonês enfrentou

sérios problemas, pois a procura por seus produtos era tão grande que não conseguiu

atender aos pedidos.

Em 1987, a Europa importava 70 mil bicicletas; quatro anos depois, este número

saltou para a casa de 3,6 milhões de bicicletas. A Comunidade Econômica Européia

elaborou um documento contrário à importação asiática, aprovado pelos 12 países

membros. Outro resultado dessa invasão foi a recente união de três grandes

fabricantes: a espanhola BH e as francesas Peugeot e Gitane, surgindo assim a

Eurocycle, que pretendia colocar no mercado dois milhões de bicicletas por ano,

voltadas para um público que exige bicicletas de nível médio e modelos mais

sofisticados.

Os fabricantes norte-americanos já procuram novos parceiros comerciais, pois os

custos de fabricação em Taiwan estão ficando elevados e a demanda estava esticando

cada vez mais os prazos de entrega. A necessidade de um centro produtor próximo

acabou apontando o México, que fica a poucas horas de avião das grandes fábricas,

alguns fabricantes já aderiram a esta nova nacionalidade da bicicleta.

Na América do Sul, ainda não se viu um movimento para conter o avanço asiático,

mas o Brasil e a Argentina tiveram grandes fábricas. Além disso, nos outros países do

continente a bicicleta já faz parte da cultura.

Page 12: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.12

No Brasil, as fábricas de bicicletas voltam a ocupar lugar de destaque entre as maiores

do mundo, assunto de que trataremos no item sobre a introdução da bicicleta no Brasil.

No século XX, a bicicleta sofreu inovações tecnológicas significativas nos seus

subsistemas. O assunto passou a ser do interesse de várias publicações na área dos

esportes, resultando em aumento do interesse pelas pessoas em possuir uma, seja

para lazer, transporte ou prática de esporte.

Listamos, a seguir, algumas das inovações tecnológicas que foram tema de matéria

especial na Super interessante (1990:v.4):

A empresa americana Specialized Bicicly Components criou uma nova roda

com três aros grossos (Figura 2.16), feitos de material especial, mais leve e

resistente, composto de uma mistura de fibras de carbono, resina epoxi,

Kevlar e alumínio. [...] sua aerodinâmica perfeita representa uma valiosa

economia de 10 minutos numa corrida de 160 quilômetros.

Figura 2.16 – Rodas com três raios e materiais muito mais leves.

Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

[...] guidão scott: ciclista Boone Lennon, (Figura 2.17) [...] descobriu [...] que

os esquiadores conseguiam um avanço maior quando diminuíam sua largura,

e não a altura, como se pensava até então. [...] ao jogar os braços para

frente e apoiar os cotovelos, os ciclistas,

Page 13: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.13

imitando os esquiadores,

diminuem sua largura sobre a

bicicleta em importantes oito

centímetros. A altura [...] baixa

15 centímetros. [...] o esportista

adota uma posição mais

relaxada, [...] com esse guidão,

se apóia também nos cotovelos.

Reduzir [...] o peso cerca de 12

quilos numa bicicleta comum de

dez marchas para 8 num

modelo especial de competição.

Figura 2.17 – Guidão scott. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21)

[...] Phil Anderson competiu com Le Mond sobre quadro feito de uma liga

com 91% de magnésio fundido, que ‘bate’ no alumínio, [...] em leveza,

resistência e custo. [...] o alumínio demonstrou ser bastante frágil, [...] não

agüenta solda, precisa ser rosqueado e colado num processo delicado. [...]

os quadros tendem a se dobrar mais, quebrando-se também com a maior

facilidade. [...] o quadro de magnésio, embora igualmente frágil, é mais

resistente devido ao seu processo de construção. [...] os engenheiros

fizeram tubos mais grossos, [...] o que dispensa as pesadas juntas, [...] Os

tradicionais tubos de aço, [...] surgiram no começo do século [...] desde a

década de 30, misturam-se a novos componentes metálicos: molibdênio,

manganês e cromo.

[...] um dos sistemas que mais tem evoluído é o mecanismo de transmissão

de marchas. [...] todo sistema evoluiu bastante a partir de 1990.

[...] bicicletas para todo terreno (ATB), [...] quadros mais robustos, pneus

mais largos e principalmente um número maior de marchas, [...] mudadas

com suavidade e precisão. O moderno sistema de marchas descarrilhante,

criado pelo ciclista italiano Tulio Campagnolo em 1930 [...] consiste em um

braço na roda traseira, que move a corrente sobre um conjunto de até sete

rodas dentadas de tamanhos diferentes, variando assim a intensidade da

força transmitida à roda. Outro braço perto do pedal move a corrente

Page 14: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.14

sobre duas ou três rodas dentadas mais largas, duplicando o número de

marchas possíveis para 14 ou 21.

O avanço definitivo [...] veio em 1986, [...] a fábrica japonesa criou para as

ATBs o sistema indexado, que substitui o descarrilamento contínuo por

pequenos saltos precisos. [...] funciona com dentes menores (Figura 2.18),

que atuam como ponto de entrada para a passagem da corrente. [...] foi

adotado para as rodas passarem a ser ovais e os dentes localizam-se nos

pontos onde a pressão do pedalar é maior. [...] a precisão alcançada permite

espremer até oito rodas dentadas no eixo traseiro.

A novidade: manopla de freio que também controla a mudança de marchas,

até agora disponível só para as grandes equipes, permitindo ao ciclista

realizar as duas operações sem tirar o apoio do guidão. A nova manopla é

conectada também a um novo sistema de freios. Em vez de um, dois braços

de borracha reduzem o giro das rodas, com uma intensidade 30% maior.

Cabos hidráulicos reduzem seu acionamento e a parada da bicicleta,

[...] Os pedais, como o sistema de marchas, também mudaram radicalmente

nos últimos cinco anos. Cada pedalada tem sua eficiência duplicada quando

se prende os pés aos pedais, [...] deste modo se aproveita também o

movimento dos pés para cima (Figura 2.19).

Tal pedal é uma medida perigosa, porque não se consegue soltar os pés com

rapidez em caso de acidente [...] em 1985 o engenheiro francês Michael Beyl

da companhia Look, [...] criou um pedal que se encaixa numa plataforma

fixada numa sola de sapato especial. Um movimento lateral do pé o solta do

pedal, [...] Recentemente, Beyl aperfeiçoou o invento, de forma a permitir

um leve giro dos pés, sem soltá-los dos pedais. [...] vantagem do pedal Time;

esse giro reduz o risco lesões nos tendões do joelho.

O invento foi superado em 1988 pelo pedal da empresa Americana Aerilote,

[...] eixo cilíndrico que se conecta ao sapato por uma série de dentes.

Page 15: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.15

Figura 2.18 – Mudança automática de marchas por dentes menores.

Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.19 – Pedais mais seguros com encaixe para os sapatos.

Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.20 – Quadro monobloco mais leve

e resistente. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.21 – Tubos em forma

aerodinâmica. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.22 – Cabos embutidos para evitar

atrito com o ar. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.23 – Garfos flexíveis para

esforços maiores. Fonte: Super interessante

(1990:v.4:21).

Page 16: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.16

Figura 2.24 – Eixos reforçados nos pontos

de grande peso. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

Figura 2.25 – Freios com dois braços de

borracha 30% mais eficientes. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).

2.2 A introdução da bicicleta no Brasil

Não foi localizada, do ponto de vista acadêmico, nenhuma publicação sobre a chegada

da bicicleta no Brasil. Os dados encontrados foram do historiador Valter Busto que,

através de exaustiva pesquisa, conseguiu coletar registros sobre este fato. Valter

Busto, durante um período de três anos, publicou suas pesquisas a este respeito na

revista nacional Bici Esporte, especializada em ciclismo, dados que tomamos como

referência para a elaboração deste capítulo, tendo em vista que seus relatos foram

confirmados por muitas pessoas envolvidas com o ciclismo desde a sua chegada ao

Brasil, as quais entrevistamos.

Segundo Busto (1989a, v. 15:53), a bicicleta chega ao Brasil no século XIX através das

famílias mais abastardas, tendo em vista seu elevado custo para importação. Uma das

primeiras bicicletas trazidas para São Paulo foi a do jovem Fortunato de Camargo e se

tratava de uma bicicleta procedente da Europa, ativamente freqüentada pela alta

sociedade paulista.

Dona Veridiana da Silva Prado constrói a primeira praça de esportes ao ar livre do

País, constando campo de futebol e de velódromo, em uma área de sua chácara na

Consolação, que hoje é a Praça Roosevelt. Foram dois velódromos construídos, o

primeiro construído em terra batida, e o segundo utilizando concreto (pista) e

madeira (arquibancada), segundo projeto do arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio

Page 17: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.17

Bezzi. Sua pista, em tamanho oficial, obedecia aos padrões europeus e era assentada

em concreto armado, tornando-se, dessa forma, Dona Veridiana, um nome muito

importante para o ciclismo no Brasil. O pedido para construção do velódromo foi

encaminhado ao Presidente da Comarca de São Paulo, Dr. Pedro Vicente de

Azevedo, em 15 de fevereiro de 1895.

Outro importante documento é o requerimento feito pelo empreiteiro Pedro

Macaggi, em 1º de março de 1896, para a construção da arquibancada do velódromo,

projetada pelo arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio Bezzi, também autor do projeto

do Museu do Ipiranga.

Busto relata que outro dado altamente relevante foi a fundação do “Veloce Club

Olímpico Paulista”, que teve como fundadores: Edgar da Conceição Nogueira, Pedro

Luiz Pereira de Souza Jr., entre outros.

O ciclismo, a partir desses acontecimentos, ganha muitos adeptos que passam a se

dedicar à prática deste esporte. Já em 1896, Prado Jr., ciclista brasileiro, do qual se

desconhece nome completo, bate recorde sul-americano dos 1.100m, tornando-se o

primeiro recordista brasileiro em provas de ciclismo. Além do seleto grupo que

fundou o Veloce Club, participavam das competições alguns imigrantes europeus

(italianos, ingleses e alemães). Em 29 de dezembro de 1900, um grupo liderado por

Prado Jr. resolve criar um clube visando a recreação e a prática de esportes e, para

tal, alugam o velódromo de D. Veridiana Prado, fundando assim o Clube Athlético

Paulistano.

Em 20 de outubro de 1896, o Sr. José Noschese construiu o seu circo de velocípedes.

Após dez meses de fundação, o velódromo passou por uma profunda reforma em

suas instalações. Em 1915, o velódromo desapareceu, através de um ato de

desapropriação, para possibilitar a abertura da Rua Nestor Pestana. Após um período

de crise, desânimo e garra de alguns poucos, foi adquirida uma área de 23.000 m²

entre as Ruas Colômbia, Honduras e Estados Unidos, onde o clube está localizado até

hoje.

Page 18: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.18

Busto (1989b, v 16:59) diz que, apesar da Segunda Guerra Mundial que perfurava o

solo com toneladas de bombas, as bicicletas continuaram atuando sempre no

anonimato e nunca pedindo ou cobrando nada. Tanto na Europa como nos Estados

Unidos, durante a Primeira e Segunda Guerra, as bicicletas foram usadas por vários

motivos: o automóvel ainda era um meio de locomoção pessoal muito caro, apesar da

produção em série. Em 1929, as bicicletas, então muito populares nessas duas partes

do mundo, deslocavam as massas trabalhadoras e possuíam uma função quase “vital”

em nível de sobrevivência, ou seja, ela levava e trazia o indivíduo ao seu local de

trabalho, ia às compras ou chamava o médico em caso de emergência. Já em termos

de Brasil, a situação aconteceu de maneira inversa: a massa trabalhadora utilizava-se

principalmente do bonde, pois não se tinha uma indústria nacional voltada para a

produção de bicicleta. Havia alguns poucos fabricantes, como Miguel Chiara, Caloi e

Dimas X Félix Pneus, porém o processo era quase todo artesanal, utilizando máquinas

e ferramentas adaptadas. Faziam-se quadros, selins, aros, pára-lamas etc., sendo que

os materiais deslizantes e de tração eram importados, a exemplo dos cubos, eixos,

correntes e catracas etc. e, com isto, o seu custo ainda continuava alto.

O processo decorrente da crise de 1929 atrasou bastante a implantação de uma

indústria voltada para a produção de bicicletas. Mas terminada a Segunda Guerra

Mundial, a bicicleta realmente aconteceu no Brasil, tornando-se popular e mais

acessível a todos.

De acordo com as pesquisas de Busto (1989c, v. 17:59), o período pós-guerra

significou uma grande abertura no âmbito político, assinalando o fim do “Estado

Novo” que durou de 1937 até 1945. Houve muita importação, principalmente os

bens de produção e foi nesse contexto que a bicicleta chegou ao Brasil com mais

força, principalmente as européias. Já havia alguns importadores em São Paulo, a

exemplo de B. Herzog, Casa Luis Caloi, Mappin Stores e Cassio Muniz. As bicicletas

mais conhecidas eram: Bianchi, Lanhagno, Peugeout, Dupkopp, Phillips, Hercule,

Raleigh, Prosdócimo, Singer e Monark, entre outras.

Page 19: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.19

Nesse período, as bicicletas assumiram um papel importantíssimo no cotidiano

brasileiro à medida que deslocavam a “massa trabalhadora”, empenhada na produção.

Outro benefício da abertura econômica foi o nosso processo de industrialização,

iniciado no final da década de 40, cujo apogeu veio na virada dos anos 60.

O ano de 1948 foi muito importante para a história do ciclismo no Brasil por dois

motivos, em primeiro lugar, no dia 1º de abril, a Monark iniciou as suas atividades no

País, montando bicicletas importadas da Suécia, vindo a produzi-las a partir dos anos

50; em segundo na data de 10 de abril, a Caloi Indústria e Comércio procedeu ao

requerimento de seu registro para abertura de firma. Além destes fabricantes, havia

pequenos produtores como NB, Herpe, Role, Partavium, IRCA, entre outros, sendo

que o último foi o resultado de uma cisão da dupla José Henrique com Guido Caloi. A

IRCA (Irmãos Caloi) produziu durante anos e desapareceu do mercado. Estes

pequenos produtores montavam suas bicicletas com material nacional como os

quadros, pára-lamas, selins etc. e importavam os eixos, cubos, catracas e correntes.

Porém a embrionária indústria nacional não conseguia competir com as bicicletas

importadas em termos de preço e qualidade.

Em 1949, foi feita uma alteração na administração da Monark, sendo adotada a razão

social “Fábrica de Bicicletas Monark SA”. A fábrica, instalada no bairro do Ipiranga,

montava princicpalmente bicicletas de modelo masculino. Em seguida, vieram as

bicicletas “para senhoras”. Além das bicicletas Monark, a fábrica montava bicicletas

com as marcas Erlan, Centrum, Marathon e Luxor. Estas excelentes bicicletas eram,

na sua grande maioria suecas, com componentes feitos em aço inoxidável (raios e

estirantes de pára-lama), alumínio (cobre-corrente) e até madeira (manoplas do

guidão). Um detalhe era que os freios marcantes eram do tipo contrapedal, da marca

“Torpedo” (alemã) ou “Perry” (inglesa) - (BUSTO, v. 21, 1990b:58).

A Caloi, segundo Busto (1990c, v. 23:59), era um imenso aglomerado de encabeçados

pela Bicicletas Caloi S/A, seguida pelas empresas: Indústria e Comércio Ducor Ltda

(produzindo: pedais, bombas de ar, selins e descanso lateral); Caloi Norte S/A (linha

de ciclomotores); Mecânica Cairu (peças e acessórios diversos para bicicletas e

Page 20: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.20

ciclomotores), Novociclo de Propaganda; Metalúrgica Estampotécnica Ltda.

(sociedade por quotas) que produzia componentes plásticos para os seus produtos;

BRB da Amazônia (produção de motores a explosão) e a BCAL Comercial Ltda, hoje

produzindo toda a “griffe” que leva o nome Caloi.

Em 1932, a Caloi introduziu o sistema de vendas para bicicletas através de crediário.

Em 1933, teve início a mais importante prova do Ciclismo brasileiro, com a edição da

19 de Julho, idealizada pelo jornalista Casper Líbero. Neste mesmo ano, a Casa Luis

Caloi passou a dar o seu apoio ao ciclismo através de sua equipe, Brasil Esporte

Clube, que permaneceu até a década de 50, quando passou a chamar-se Caloi

Esporte Clube.

No período de 1935 até 1948, os negócios da família Caloi expandiram-se

rapidamente. E, em 1936, a Casa Luis Caloi assumiu a representação de mais duas

marcas: a Peugeot francesa e a Steel Horse da Inglaterra. Com a dificuldade de

importação trazida pela Segunda Guerra, a Caloi passa a produzir as suas próprias

peças e em 1945, a empresa foi para uma grande área no bairro do Brooklin, São

Paulo, onde produzia diversos componentes tais como: quadros, cubos, eixos,

guidões, paralamas, aros, pedais, selins e garfos. Os nípeis, correntes e catracas foram

importados até a década de 60, pois o material importado era mais barato e possuía

uma boa qualidade.

A década de 50 foi marcada pelo lançamento da Linha “Fiorentina”, nos modelos para

adulto e crianças que permaneceu até os anos 60, quando surgiram os modelos

dobráveis e as berlinetas.

O Governo baixa em 9 de outubro de 1953, uma Instrução Normativa ordinária de

número 70, oriunda da Superintendência da Moeda e Crédito, que encarecia e taxava

os bens de produção e a bicicleta não escapou à taxação, passando a entrar em menor

quantidade. Das milhares de bicicletas importadas entre 1946 e 1958, as inglesas

foram as que mais entraram, a exemplo da Phillips, Hercule, Raileigh e Rudge. Porém,

mesmo assim, o Brasil não deixou de importar bicicletas, mas em número bem

Page 21: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.21

menor. O carro passa a ser acessível, pois a gasolina fica barata, então, a bicicleta fica

esquecida.

Em seus estudos, Busto (1989e, v. 19:61) afirma que uma das melhores bicicletas já

produzidas no Brasil foi a da marca Hélbia. Tal marca fora de propriedade do senhor

Hélio Bianchini, que, durante os anos 30, iniciou uma pequena casa de importação.

Nessa época, as bicicletas de marca Phillips e Hercule assumiram a liderança nas

importações do seu estabelecimento, pois não davam qualquer problema e também

pela facilidade de montagem.

Na década de 50, o governo federal, visando fortalecer a indústria nacional, aplicou

um corte drástico nas quotas de importações dos bens de consumo, atingindo

também as bicicletas. Nesse período, o Sr. Bianchini possuía um conceituado nome na

praça, e assim começou a produzir as bicicletas Hélbia, fabricava seus quadros e

garfos mediante um desenho e padrão próprios, e utilizava tubos produzidos pela

Pérsico Pizzamiglio, entre outros. Os pára-lamas eram fornecidos por Miguel Chiara e

Irmão, selins confeccionados em couro procedencentes de Curitiba, da “Knauer” de

Guilherme Knauer; o movimento central completo era produzido pelo Sr. Putra,

russo; os cubos, nípeis, raios e chavetas, a princípio, eram importados. Alguns cubos

eram adquiridos junto à Mecânica Cairu.

Outro dado relevante na história da Hélbia diz respeito ao lançamento de uma

bicicleta que levaria o nome “Bianchini”, que veio a ser feita de fato somente em

meados da década de 50.

Em 1950, a Monark iniciou a fabricação de algumas peças mais simples, como pára-

lamas e bagageiros, fato que levou a empresa a alugar uma área no bairro da Móoca,

onde foram instalados os seus escritórios e a linha de montagem. No bairro do

Ipiranga, ficava o setor de galvanoplastia e tratamento de material, onde a empresa

detinha todas as fases e processos. A Monark colocava-se no mercado com muito

arrojo e dinamismo.

Page 22: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.22

O início dos anos 60 trouxe muita instabilidade ao País devido à inflação alta, às crises

sucessivas de âmbito político e social, que levaram à Revolução de 1964, daí que, em

dezembro de 1965, a Hélbia foi vendida aos próprios funcionários e, depois desta,

outras tantas desapareceram do mercado, devido a um processo degenerativo, que

assolou o parque industrial nos anos seguintes.

Em 1962, a empresa teve nova alteração em sua razão social, mudando para

“Bicicletas Monark SA”, razão que mantém até hoje. Lança, em 1966, a Monareta

Dobramatic, que viria a ser superada somente pela “Barra Circular” em 1978, com o

lançamento da linha BMX visando o público infanto-juvenil. Na década de 70,

acontece o lançamento da linha esportiva de bicicletas dotadas de câmbio de 10

marchas, aro 27, como a “Positron 10”.

Ainda na década de 70, a Caloi experimentou os mais altos níveis de crescimento

iniciando a exportação para o mercado internacional. Em 1972, lança a “Caloi 10”, a

primeira bicicleta dotada de câmbio no Brasil. Também foi a década da Barra Forte.

No ano de 1975, foi a vez da Mobilette, o ciclomotor da Caloi. Em 1978, acontece o

lançamento da linha de bicicletas para cross, que ditou uma tendência nas linhas

infantis e infanto-juvenis, e, em 1979, há o lançamento da “Ceci”. Os novos modelos –

cruiser, caloisinho, ventura e Mountain Bike – vem posteriormente, sendo este último

o grande sucesso da Caloi para os anos 90, com os novíssimos modelos da linha

Ranger, dotados de câmbio Shimano S.I.S, acionados pelo sistema “soft-touch”.

O mercado de bicicletas volta a crescer no Brasil, surgindo a Associação Brasileira dos

Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares –

ABRACICLO, em 1976, que, segundo seu Presidente, Paulo Takeuchi (apud MANO,

2005:1), tem entre seus objetivos: desenvolver atividades dedicadas às bicicletas

(ciclovias, ciclofaixas, bicicleteiros etc.); incentivar o uso da bicicleta como meio de

transporte; participar do programa Bicicleta Brasil, dirigido a estimular o uso da

bicicleta; participar do grupo de trabalhos sobre bicicletas dentro da ANTP-

Associação Nacional dos Transportes Públicos; participar ativamente em ações que

visem segurança ao conduzir que são realizadas junto aos departamentos de trânsito

Page 23: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.23

de todo o Brasil e participar ativamente das discussões para o estabelecimento do

novo PPB (Processo Produtivo Básico), para bicicletas e motociclos.

Essa associação considera importante sua atuação tendo em vista que, no ano 2004, o

Brasil conquistou no mundo a terceira colocação como pólo produtor de bicicletas e

detém o quinto lugar como o maior mercado consumidor de bicicletas, de acordo

com Takeuchi (apud MANO, 2005:1).

O crescimento da indústria de bicicletas é muito grande. Em 1990, a Caloi inaugurou

uma subsidiária nos Estados Unidos – a Caloi Inc. localizada em Jacksonville, na

Flórida. A Caloi começou a comercializar bicicletas no mercado americano, em 1997,

e expandiu seus negócios, entrando no segmento de Home Fitness. Lançou também

uma linha de equipamentos de ginástica com esteiras e bicicletas ergométricas e, em

2004, inaugurou sua nova sede em uma região nobre da cidade de São Paulo. Esta

renovação na estrutura, somada à mudança de gestão, marca ainda mais a nova era da

empresa. (CALOI, 2005)

Por sua vez, a Monark, de importadora e montadora, passou também a ser fabricante

de bicicletas. Foi adquirindo novas áreas, modernizou as instalações, trouxe uma

maior tecnologia às suas linhas de produção e aperfeiçoou seus recursos humanos

(MONARK, 2005).

Nesse cenário, surge em 1998, a indústria de bicicletas Companhia Brasileira de

Bicicletas (CBB), cujo nome fantasia é Sundown, com uma linha completa de

bicicletas para consumidores de todas as idades. Os modelos de produtos vão da

linha infantil à de adulto, específicos para a prática de esportes como Mountain Bike e

uma nova linha de bicicletas TOP, voltadas para o público especializado de bicicleta.

Com 600 funcionários e um parque fabril totalizando 54 mil metros quadrados, que

abriga duas fábricas, a CBB foi uma das primeiras indústrias a receber a Certificação

de Qualidade ISO 9001/2000, a versão mais moderna do certificado de qualidade

ISO (SUPERO, 2005).

Page 24: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.24

Além do crescimento das indústrias, ressurgem as associações e os clubes de

ciclistas, que podem ser profissionais ou apenas grupos de apreciadores desta

atividade que gostam de pedalar.

De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Planejamento de

Transportes (GEIPOT) em 2001, foi registrada a existência de 18 associações nas

cidades brasileiras, que foram criadas com os objetivos de: conscientizar a população

de que a bicicleta é um veículo; esclarecer o ciclista quanto aos seus direitos e

deveres; esclarecer o motorista quanto aos seus deveres em relação ao ciclista;

conscientizar as autoridades quanto à necessidade de adotar medidas que protejam

os ciclistas; obter espaços seguros para circulação de bicicletas; inserir a bicicleta nas

discussões das diretrizes de trânsito como alternativa viável para solução de

problemas relativos aos deslocamentos urbanos; alertar para melhoria geral da

qualidade de vida pela adoção de um meio de transporte urbano rápido, barato,

silencioso, não poluente, econômico, saudável, acessível e discreto.

2.3 A bicicleta no contexto urbano brasileiro

O Brasil não é um país que se preocupe com o pedestre e também com ciclista,

exemplo disso é que não há campanhas voltadas para a educação, tanto do motorista

como de pedestres, e nem tampouco para ciclistas. O motorista não respeita o

pedestre nem o ciclista, estes, por sua vez, também não obedecem às regras e

colocam suas vidas em risco. Em relação ao ciclista, o problema é ainda maior, pois

como se sabe são poucas as cidades que possuem ciclovias. Como já foi relatado neste

trabalho, a chegada da bicicleta no Brasil data do século XIX, tempo bastante para que

se tivesse desenvolvido um ambiente urbano que propiciasse a utilização desse

veículo. Considere-se inclusive que, de acordo com dados da ABRACILCO (2005), o

Brasil conta com uma frota de 60 milhões de bicicletas. Mesmo assim, a educação

para o trânsito não aborda a bicicleta como meio de transporte na maioria das cidades

brasileiras. A exceção é a Região Sul que, de acordo com Silva (1992:22), apesar de

quantitativamente não apresentar a maior frota do País, qualitativamente, por

questões de influência dos imigrantes estrangeiros que colonizaram a região, ela

Page 25: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.25

apresenta as experiências mais notáveis para o estímulo ao uso da bicicleta: pistas

exclusivas, bicicletários, sanitários, oficinas, borracheiros e sistema de integração com

ônibus.

De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Transportes – GEIPOT

são muitos os municípios que já realizaram estudos cicloviários no passado, mas

também muitos são aqueles que, tendo estudos e projetos concluídos, pouco fizeram

para implantar as propostas elaboradas e dar continuidade à expansão de suas malhas

cicloviárias: até1999, existiam 24 cidades com ciclovias e 17 em andamento conforme

aparece na Quadro 2.1 (GEIPOT, 2001:41).

Esse estudo mostra que na década de 80, muitas cidades realizaram planos diretores,

estudos e projetos voltados para a melhoria das condições de circulação e segurança

de ciclistas e de suas bicicletas. À frente de muitos desses projetos, estava o GEIPOT,

que incorporou estas preocupações nos Estudos de Transportes Urbanos em Cidades

de Porte Médio (ETURB-CPM). Em cidades mineiras, como Governador Valadares,

Ipatinga, Timóteo, Itajubá e Patos de Minas, os estudos voltaram-se para projetos de

rede cicloviária, de bicicletários e recomendações diversas para favorecer o uso da

bicicleta. Outros municípios também elaboraram estudos, com destaque para as

cidades de Arapongas, Joinville, Várzea Grande, Volta Redonda e Teresina.

Apesar desse procedimento do Ministério dos Transportes, depois de meados da

década de 80, as iniciativas estancaram e muito pouco se fez em favor desta

modalidade de transporte no País até meados dos anos 90. Após 1992, as cidades do

Rio de Janeiro e de São Paulo buscaram melhorar suas infra-estruturas em prol das

bicicletas, tentando acompanhar os passos de Curitiba e Governador Valadares, que

já detinham mais de 30 km de vias implantadas. Enquanto São Paulo fazia opção por

projetos em parques da cidade, o Rio de Janeiro desenvolvia projetos em dois campos

distintos: atendimento da demanda por construção de ciclovias de lazer e implantação

de vias cicláveis em bairros operários da zona norte do município.

Page 26: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.26

No Brasil, a bicicleta apresenta diferentes graus de utilização, tanto nas áreas urbanas,

quanto nas rurais. Em ambas as áreas, as bicicletas leves são usadas como instrumento

de lazer e como meio de transporte.

Silva (1992:16) ressalta que, por conta dos freqüentes acidentes com veículos, a

imprensa escrita, por um tempo, divulga a necessidade de se criar programas de

educação de trânsito, para serem aplicados nas escolas e para o público, em geral,

através da imprensa escrita e falada.

Quadro 2.1 – Planejamento Cicloviário – Existência de estudos e planos cicloviários Sim – 24 cidades Em andamento – 17 cidades

Rio de Janeiro: em 1993, Capítulo 3 – da Política de Transportes - do Plano Diretor da Cidade; Em 1993/94, Ciclovias Cariocas – SMMA; Em 1996, Sinalização Cicloviária Vertical e Horizontal. Volta Redonda: Plano Diretor Cicloviário – janeiro/1980. São Paulo: Projeto Ciclista – Implantação de Ciclovias em Parques da Cidade – início: junho/94. Cubatão: Manual do Ciclista (sem data). Guarujá: Organização do Fluxo de Ciclistas na Estação de Barcas do Guarujá. Peruíbe: Plano Cicloviário Municipal – Capítulo do Plano Diretor. Ribeirão Preto: Plano Cicloviário com 132,6km de ciclovias – 1994. Rio Claro: Relatório das Placas de Sinalização da Ciclovia – 1998. Santos: Relatórios Trimestrais de Acidentes com Bicicletas; Projeto Piloto para Educação no Trânsito. Arapongas: Plano para Implantação de Rede Cicloviária, com 14km de extensão. Inclui pesquisa de O/D, análise de linhas de desejo etc. (Realizado em 1994 – pouco usado pela prefeitura). Maringá: Estudo para Malha Cicloviária Interligando Municípios Vizinhos – Secretaria de Transporte Municipal - 1991. Florianópolis: Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares; Plano de Urbanização do Santinho; Estudos de fechamento do canal da Av. Hercílio Luz. Blumenau: Sistema Cicloviário/1990 – 14km de ciclovias; Sistema Cicloviário/91 - 23km; Sistema Cicloviário Global - 96km (1a etapa: 33km de ciclovias). Natal: Termo de Referência para Formulação de Políticas e Implantação do Plano Cicloviário – elaborado pelo ITC-94; Estudos para Construção de Ciclovias – elaborado pela STTU. João Pessoa: Estudo Desenvolvido pelo GEIPOT/EBTU – década de 80. Recife: Projeto Beira-Rio que consta do Plano Diretor; Relatório “Recife Pólo Ciclístico” – 1993; Projeto Cura Boa Viagem, inclui ciclovias em 4 ruas. Maceió: Estudo realizado pelo GEIPOT, em 1977. Teresina: Pesquisa Domiciliar (O/D) realizada pela Fundação Cristiano Otoni (UFMG), que constatou que 11% das viagens são realizadas por bicicleta (1999). Betim: Item “ciclovias” no capítulo do sistema viário do Plano Diretor da Cidade - 1998. Govenador Valadares: ETURB/CPM/MG – Capítulo Bicicletas – 1985. Ipatinga: Estudo Cicloviário Elaborado pelo GEIPOT, década de 80. Juiz de Fora: Capítulo VI do Plano Diretor – Viabilidade de Implantação de Ciclovias no Município. Patos de Minas: Capítulo Diagnóstico e Diretrizes do Plano Diretor do Município – 1990. Belém: Ciclovia da PA -400, elaborado pelo GEIPOT em 1979, dentro do TRANSCOL.

Rio de Janeiro: Pesquisa de Demanda de Bicicleta nas Barcas. Duque de Caxias: Estudo, em parceria com ACIMDCX,FECIRJ e SMEL, para elaboração de projeto e construção de uma ciclovia em cada Distrito do município, além de algumas ciclofaixas. Cubatão: Parque do Porto Geral do Cubatão. Guarujá: Sinalização Viária para Ciclistas em Enseada e Pitangueiras. Santos: Programa Cicloviário. Curitiba: Plano de Expansão da Rede Cicloviária; Implantação de Bicicletários junto aos Terminais de Transporte Coletivo. Porto Alegre: Termo de Referência para Contratação de Plano Diretor Cicloviário. São Leopoldo: Plano Diretor Cicloviário. Brusque: Sistema Cicloviário no Plano Diretor do Município. Joinville: Plano Cicloviário. Fortaleza: Plano de Circulação de Transporte, incluindo ciclovias. Maracanaú: Implantação de Ciclovias, prevista no Plano Diretor. Mossoró: Estudo para Implantação de Ciclovias. Campina Grande: Ciclofaixa na Av. Almeida Barreto. Recife: Plano Diretor de Circulação, levando em conta a bicicleta. Betim: Estudos e Projetos de Ciclofaixas e Ciclovias nas Regiões Norte e Centro. Ipatinga: Estudo para Implantação e Regulamentação do Uso da Bicicleta no Município. Atualmente todos os projetos viários na cidade deverão levar em consideração os pedestres e as bicicletas.

Fonte: GEIPOT/Finatec 1999 (2001:41)

Page 27: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.27

À medida que foi crescendo o número de usuários de bicicletas, ampliaram-se as

irregularidades de uso. As exigências de licenciamento e condições de uso da bicicleta

já faziam parte do Código Nacional de Trânsito - CNT, instituído pela lei nº 5108, de

21 de setembro de 1966. Com a adoção de diretrizes da Convenção de Viena, a

obrigatoriedade passou a vigorar apenas para bicicletas com motor de 50 cilindradas,

enquanto, para as bicicletas simples, o licenciamento passou a ser opcional. Em

decorrência desta opcionalidade, o licenciamento foi caindo em completo desuso

pelos Departamentos Estaduais de Trânsito apesar de continuar explicito no último

Código Nacional de Transito instituído pela Lei nº .9.503 de 23 de setembro de 1997.

A não obrigatoriedade de licenciamento das bicicletas levou à criação do que Silva

(1992:17), denominou de estágio de ostracismo das bicicletas. Este estágio incentivou,

ainda mais, o uso dos veículos em condições inadequadas, acarretando, assim,

conseqüências negativas tanto para os usuários, quanto para o trânsito das cidades.

Para os usuários, as principais perdas foram expressas por:

a) suspensão do imposto anual de licenciamento, que era acompanhado de

vistorias das condições mínimas de segurança do veículo (Código Nacional

de Trânsito, 1966), tal suspensão acarretou no relaxamento do uso de

equipamentos de segurança e inerente risco de vida; e b) cessão do seu

espaço de circulação, nas vias urbanas, acelerada pelo predomínio dos

outros meios de transporte. Por outro lado, a eliminação da licença pode

até ter representado, para os ciclistas, a economia de um imposto, porém

teve como preço um tratamento ostracista, ou seja, a bicicleta passou a não

ser considerada nas atividades de planejamento e fiscalização dos órgãos de

Trânsito. Para o trânsito da cidade as perdas ficaram por conta de: 1)

incentivos a meios de transporte com maiores níveis de poluição, em

detrimento de um não poluente; 2) criação de infra-estruturas viárias com

maiores áreas de circulação, em prejuízo das bicicletas que requerem pouco

espaço; e 3) não aproveitamento da topografia plana [...].(SILVA, 1992:17)

Algumas iniciativas surgiram, paralelamente, a algumas outras, isoladas, de

implementação de ciclovias em cidades brasileiras. As crises da alta internacional do

Page 28: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.28

petróleo, em 1977 e 1980 (DOURADO apud SILVA, 1992:19), correspondem ao

período de maior implementação da política das bicicletas leves. Um exemplo de

iniciativa foram os estudos da GEIPOT expressos pelo trabalho: Planejamento

Cicloviário: Uma política para as bicicletas, de 1976, que representou instrumento de

uma política urbana.

Na década de 80, a Comissão Nacional de Energia do Ministério dos Transportes

propôs reformulações, como a transferência dos usuários do automóvel privado para

ônibus (GEIPOT, 2001), e para desafogar o trânsito urbano, o Governo Federal

chegou a realizar financiamentos para a compra de bicicletas para a população, tal

medida repercutiu, de modo marcante, na produção destes veículos. Nesse período,

surgem diversos programas para implementar a economia de combustíveis, a exemplo

dos Programas de Transportes Alternativos para Economia de Combustíveis –

PTAEC.

Esse programa contemplou bicicletas, recomendando medidas de estímulo às

bicicletas, aos ciclomotores, às ciclovias e estacionamentos para tais veículos

(GEIPOT, 2001), como mencionado anteriormente e apresentado na Quadro 2.1. A

GEIPOT conseguiu ampliar sua estrutura de escritórios e técnicos de Brasília, para

diversos Estados brasileiros, que apoiaram administrações estaduais e municipais.

Mas, de acordo com Silva (1992: 19), apesar da política de bicicletas criar um conjunto

de objetivos que determinaram um programa de ação governamental e

condicionaram a sua execução, esta não conseguiu sobreviver ao poderio dos

interesses privados e às descontinuidade dos Governos federais. Mesmo com as

perdas sofridas, os incentivos às bicicletas tiveram efeitos mais palpáveis no

desenvolvimento de uma qualificação profissional, e, de modo menos marcante, para

os usuários. Tal afirmação pode ser feita, tendo em vista estudos e projetos

realizados. Apesar de se ter vencido parte da inércia técnica, ainda não se chegou a

sensibilizar a “cultura do automóvel”, pois, comparando-se aos incentivos dados ao

Pró-álcool, estes foram mais intensos. Assim, mais uma vez, deu-se o favorecimento

ao automóvel.

Page 29: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.29

Com a crise da Guerra do Golfo Pérsico em 1991, o Governo brasileiro volta a lançar

mão do racionamento de combustíveis por fontes alternativas de energia. Então

diante da crise, mais uma vez sugere-se que a população utilize a bicicleta. Tal

iniciativa, no entanto, não vinga, e a conseqüência é que continuamos ainda hoje sem

nenhum programa de incentivo. Os que insistem em utilizar a bicicleta como veículo

continuam correndo grande risco de acidentes.

As informações sobre os estudos e projetos das cidades ou locais nem sempre

traduzem a completa implementação destes. A bicicleta encontra-se presente em

cerca de, aproximadamente, quatro mil municípios brasileiros (Ary apud SILVA,

1992:22), e tais registros representam um número inexpressivo, menos de 1%. E o

que é ainda pior, como anteriormente apresentado, só 24 municípios possuem

ciclovias e 17, até 1999, estavam com seus projetos em andamento.

Apesar de todo o problema da falta de preocupação com este veículo e, nas cidades

brasileiras, o transporte urbano ser sinônimo de veículo motorizado, a bicicleta,

enquanto veículo não motorizado, vem desempenhando papel de transporte

complementar ao sistema formal. Segundo estudos do GEIPOT (2001), raízes

históricas indicam a bicicleta, também, como meio de transporte de trabalhadores de

áreas industriais, porém as condições de uso impostas aos ciclistas, os transformam

em usuários de um transporte informal, ou seja, submetidos à clandestinidade.

A bicicleta, como meio de transporte, assume papel de destaque por se

situar entre as alternativas mais adequadas às características sócio-

econômicas dos brasileiros (GEIPOT, 1965), tanto no meio urbano, quanto

no rural. No momento em que atua como meio de transporte, ela participa,

tanto nos transportes de carga, quanto nos de passageiros. Em diversas

repartições públicas ou privadas, alguns serviços e pequenas entregas, são

realizadas com a utilização de bicicletas. Como transporte de passageiros,

ela é usada para atender diversas necessidades de deslocamento,

principalmente, na condução para o trabalho. Enquanto meio de lazer e

esporte, a bicicleta reflete uma utilização espontânea, ao passo que, para o

transporte de passageiros, a “espontaneidade” está fortemente dependente

Page 30: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.30

das estruturas econômicas, sociais, políticas, de fatores culturais e psíquicos.

(WRIGHT apud SILVA, 1992:33)

Silva (1992:34) levanta algumas características da bicicleta que justificariam a

implementação de programas educacionais para o trânsito, assim como a construção

de bicicletários e ciclovias por parte do governo e tudo que fosse necessário para que

a população tivesse condições de utilizá-la como meio de transporte:

Flexibilidade: segundo Bastos (1984), a bicicleta permite uma ampla

utilização, cujas restrições são impostas apenas pela infra-estrutura e pela

regulamentação do tráfego;

Simplicidade: permite tanto às crianças, a partir dos cinco anos, quanto aos

adultos o seu uso;

Baixo custo: a GEIPOT (1980) afirma que sobre o aspecto econômico, a

bicicleta, possui baixo custo de aquisição e manutenção, ao alcance de toda

a população brasileira. Tal visão também é compartilhada por Ary, que

acrescenta a poupança pela sociedade dos custos com combustíveis,

congestionamentos, poluição etc.

Oportunidade de condicionamento físico: a sua utilização proporciona uma

saudável atividade física.

Porém, pelo fato de não termos uma consciência sobre a utilização da bicicleta no

meio urbano, existem restrições quanto ao seu uso as quais também são relatadas por

Silva (1992:34):

Raio de ação limitado: de Acordo com a GEIPOT (1976), a distância ideal

varia entre 2 a 3 km, podendo se admitir, 5 a 6 km, no deslocamento casa-

trabalho;

Insegurança: segundo Bastos (1984), o efeito “parede” causado pela

circulação de veículos motorizados e a facilidade de roubo das bicicletas,

sintetizam os mais graves problemas de segurança para o uso da bicicleta;

Page 31: A história da bicicleta

Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA

Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.31

Vulnerabilidade: reconhecidamente, são grandes as limitações da bicicleta,

em proteger seus usuários dos rigores das intempéries.

As circunstâncias adequadas para que a bicicleta desempenhe, a contento, o seu papel

como meio de transporte urbano, tanto em percursos curtos como longos,

necessitam, de acordo com Bianco (apud SILVA, 1992:38), uma estrutura física com

um sistema cicloviário. Este pode ser decomposto em formas de circulação: ciclovias,

ciclofaixas e circulação partilhada; tratamento dos cruzamentos; sinalizações:

horizontal, vertical e de sinaleiras; bicicletários e estacionamentos; programas e

atividades educativas, e só a partir da implantação dos componentes citados, em sua

totalidade, é que se tem um adequado sistema viário.

Além disso, deve atender aos critérios de conforto, que compreendem o tipo de

pavimento, a visualização da rota e a uniformidade do movimento e direção. Bastos

(apud SILVA:40), “estabelece uma especificação de um revestimento liso,

antiderrapante, sem buracos ou lombadas e sem desníveis transversais. [...] tornam-se

[...] fundamentais, a sinalização, a iluminação e a boa definição do projeto geométrico,

de forma a assegurar ligações lógicas”.

Além das características favoráveis já citadas, um programa para a utilização de

bicicletas nas vias públicas contribuirá para o equacionamento dos orçamentos das

populações de baixa renda, com a conseqüente diminuição das despesas com

transporte e o baixo custo de aquisição e manutenção do veículo (SILVA, 1992:38).

Em 2001, a GEIPOT publica um diagnóstico sobre o planejamento cicloviário nacional.

Este estudo teve como objetivo descrever o atual estado da arte do uso de bicicletas

no Brasil, sendo composto de cinco capítulos e três anexos. As informações utilizadas

foram obtidas através de questionários, relatórios técnicos, fotografias e relatórios

estatísticos sobre os volumes de tráfego de bicicletas e de acidentes, realizados por

pesquisadores em visita aos municípios selecionados e mantidos o mais fielmente

possível. Com esta iniciativa, a GEIPOT pretendeu contribuir para o processo de

implantação de políticas cicloviárias no Brasil, pois dispõe de soluções adequadas à

realidade nacional, mas até o momento não se tem notícias de que este material esteja

sendo utilizado para desenvolver algum programa.