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A IGREJA E O DESAFIO DE UMA AÇÃO SÓCIO-ASSISTENCIAL BÍBLICA E CONTEXTUALIZADA Cláudia Neves da Silva. Selma Frossard Costa 1 Introdução No capítulo 7 do livro Revolução Silenciosa 1 suscitamos algumas reflexões sobre o compromisso da Igreja em produzir ações sociais que efetivamente façam diferença no contexto das cidades. “Responsabilidade Social da Igreja: Opção ou Mandamento?” Essa foi a indagação com a qual iniciamos um diálogo com o leitor sobre o tema proposto. Procuramos refletir que o envolvimento da Igreja em ações e projetos sociais é, antes de tudo, um mandamento que constatamos por toda a Bíblia, exemplificado de forma espetacular na pessoa de Jesus. Insistíamos na verdade de que a responsabilidade social da Igreja no contexto contemporâneo se manifesta na voz profética da denúncia de injustiças sociais e do anúncio do Reino de Deus, através de atitudes e ações concretas, revelando uma relação indissociável entre o falar e o fazer, que é a práxis do evangelho. Através de textos bíblicos e dados da nossa realidade brasileira e londrinense procuramos conduzir uma reflexão que nos levasse a compreender que se trata de um mandamento e não de uma opção. Na Bíblia, de capa a capa, encontramos ações de Deus, dos profetas, de Jesus, dos apóstolos e dos irmãos da igreja primitiva carregadas de preocupação com a injustiça social e com a mudança de situações que traziam sofrimentos físicos, emocionais e espirituais a qualquer pessoa. A prática da denúncia de situações de opressão e de exclusão social e religiosa, mas, em contrapartida, de anúncio do amor de Deus, preocupado em tirar o ser humano dessas condições é fato recorrente por toda a Bíblia. E, posteriormente, na história da Igreja constatamos facilmente, nos chamados Pais da Igreja e seus sucessores, uma preocupação e um envolvimento constante com o enfrentamento e a superação de situações de miserabilidade espiritual, social, econômica, cultural, etc. das pessoas. Neste novo capítulo, estamos iniciando exatamente do ponto em que paramos naquela ocasião, com as seguintes indagações: 1 As autoras são assistentes sociais e professoras no curso de Serviço Social na Universidade Estadual de Londrina.

A Igreja e o Desafio de Uma Ação Socioassistencial

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Os desafios da Igreja na esfera social.

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  • A IGREJA E O DESAFIO DE UMA AO SCIO-ASSISTENCIAL BBLICA E CONTEXTUALIZADA

    Cludia Neves da Silva. Selma Frossard Costa1

    Introduo

    No captulo 7 do livro Revoluo Silenciosa 1 suscitamos algumas reflexes sobre o compromisso da Igreja em produzir aes sociais que efetivamente faam diferena no contexto das cidades.

    Responsabilidade Social da Igreja: Opo ou Mandamento? Essa foi a indagao com a qual iniciamos um dilogo com o leitor sobre o tema proposto. Procuramos refletir que o envolvimento da Igreja em aes e projetos sociais , antes de tudo, um mandamento que constatamos por toda a Bblia, exemplificado de forma espetacular na pessoa de Jesus.

    Insistamos na verdade de que a responsabilidade social da Igreja no contexto contemporneo se manifesta na voz proftica da denncia de injustias sociais e do anncio do Reino de Deus, atravs de atitudes e aes concretas, revelando uma relao indissocivel entre o falar e o fazer, que a prxis do evangelho.

    Atravs de textos bblicos e dados da nossa realidade brasileira e londrinense procuramos conduzir uma reflexo que nos levasse a compreender que se trata de um mandamento e no de uma opo. Na Bblia, de capa a capa, encontramos aes de Deus, dos profetas, de Jesus, dos apstolos e dos irmos da igreja primitiva carregadas de preocupao com a injustia social e com a mudana de situaes que traziam sofrimentos fsicos, emocionais e espirituais a qualquer pessoa. A prtica da denncia de situaes de opresso e de excluso social e religiosa, mas, em contrapartida, de anncio do amor de Deus, preocupado em tirar o ser humano dessas condies fato recorrente por toda a Bblia. E, posteriormente, na histria da Igreja constatamos facilmente, nos chamados Pais da Igreja e seus sucessores, uma preocupao e um envolvimento constante com o enfrentamento e a superao de situaes de miserabilidade espiritual, social, econmica, cultural, etc. das pessoas.

    Neste novo captulo, estamos iniciando exatamente do ponto em que paramos naquela ocasio, com as seguintes indagaes:

    1 As autoras so assistentes sociais e professoras no curso de Servio Social na Universidade Estadual de

    Londrina.

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    Se a responsabilidade social da Igreja mandamento bblico e no uma opo; se a Igreja precisa ter uma atuao contextualizada e inserida nos problemas que afligem a alma, o corpo e o esprito das pessoas2; se o amor de Deus demonstrado atravs de aes de misericrdia para com aqueles que, de alguma forma, esto sofrendo o processo de excluso social. Qual tem sido, efetivamente, a ao social da igreja evanglica em Londrina? E mais do que isso, como tem sido?

    Frente a essas perguntas percebemos a necessidade de refletirmos, inicialmente, sobre o exerccio da prtica scio-assistencial na perspectiva da manifestao do Reino de Deus, tendo como referncia primordial a prpria pessoa de Jesus. Reflexo que, necessariamente, nos leva a pensar sobre o desafio dessa prtica ser contextualizada pela Igreja contempornea.

    Para tanto, caminhando em nossas reflexes, nos detivemos na descrio e caracterizao, ainda que no aprofundada, do histrico e perfil das instituies scio-assistenciais de confisso evanglica3 que atuam na cidade de Londrina, resgatando a forma como so organizadas e gerenciadas. Essa sntese fruto de um projeto de pesquisa que coordenamos na Universidade Estadual de Londrina, com a participao de doze alunos do curso de Servio Social.

    Com base em resultados ainda parciais dessa pesquisa, apontamos como tem se dado o processo de implantao e gesto de instituies scio-assistenciais de confisso evanglica, no municpio de Londrina. Acreditamos que estaremos contribuindo com dados qualitativos para o conhecimento dessa realidade, subsidiando ao mesmo tempo, propostas de perspectivas e estratgias de interveno que contribuam para a contnua qualificao social do trabalho j realizado e de outros ainda em processo de gestao e implantao.

    Portanto, temos como inteno principal fornecer dados para uma anlise de como se d o processo de gesto organizacional no contexto das organizaes, projetos e servios scio-assistenciais, de confisso evanglica, em Londrina, apontando perspectivas e estratgias de interveno que sejam superadoras dos limites identificados e fortalecedoras dos avanos constatados. Isto, sem perder a identidade crist e evanglica dessas aes.

    2 O ser humano necessita ser compreendido a atendido em suas necessidades fsicas, biolgicas, de

    sobrevivncia bsica (corpo), mas tambm em suas necessidades emocionais, psicolgicas, afetivas, de realizao pessoal e profissional, de insero no contexto coletivo de participao poltica, de socializao, etc. (alma) e em suas necessidades espirituais, de relacionamento com Deus, da necessidade de regenerao, do novo nascimento, do processo de santificao, que a dimenso bsica de todas as outras, norteadora das demais (espiritual). No existe "homem integral" considerado fora do seu contexto social, econmico, social e poltico; e no existe "evangelho integral" se no for considerado que este evangelho est voltado para o homem integral contextualizado. 3 Utilizamos a terminologia de confisso evanglica devido ao fato de que nem todas esto formalmente

    vinculadas ou so mantidas diretamente por uma denominao evanglica.

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    1. A Prtica Scio-Assistencial que Manifesta o Reino de Deus. O significado do que vem a ser prtica scio-assistencial se faz

    importante nesse momento para caminharmos em nossas reflexes; assim como o entendimento sobre reino de Deus.

    necessrio transcendermos a concepo de que a ao social se efetiva atravs do simples assistencialismo que no promove mudanas e nem desenvolvimento social, educacional, moral, emocional e espiritual.

    A prtica assistencialista, constituda de aes voltadas pobreza, existe desde as origens das sociedades modernas, associada ao trabalho filantrpico, voluntrio e espontneo, e sempre esteve presente no meio social, assumida com paternalismo e baseada na benemerncia e caridade, marginalizando quem dela necessita e negando s camadas mais pobres da populao sua condio de cidadania.

    Essa cultura assistencialista, paternalista, clientelista e de dependncia, que sempre identificou a assistncia social como ajuda aos pobres, desvalidos ou necessitados a fez vazia de contedo social transformador, caracterizando-a como um instrumento de manuteno e permanncia de situaes sociais perversas e indignas.

    Um novo conceito de assistncia social foi traado primeiramente pela Constituio Federal de 1988 e, em 1993, aprofundado pela Lei Orgnica da Assistncia Social. Nesta nova perspectiva, ela se ope prtica assistencialista, caracterizando-se como poltica pblica: direito de cidadania e dever do Estado. O cidado sai da condio subalterna de "assistido", assumindo a posio de "usurio" dessa Poltica.

    Os referenciais que passaram a ser trabalhados, a partir de ento, para a construo e consolidao da Poltica de Assistncia Social explicitaram clara e enfaticamente a idia de diferenci-la do assistencialismo e da filantropia, atuando como prestao de favor. Ao ser definida legalmente como poltica pblica, direito de cidadania e est voltada para a promoo e desenvolvimento humano, e no para o alvio de situaes pontuais, sem efetivamente provocar mudanas e transformar realidades.

    Percebemos, ento, com clareza, que nem a sociedade secular preconiza mais o puro assistencialismo para o atendimento aos pobres e excludos sociais de nossa sociedade. Hoje a assistncia social, assim como a sade, a educao, a habitao, a previdncia, etc. so polticas pblicas. Nesse novo patamar, a

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    assistncia social supera a conotao assistencialista e assume a perspectiva de aes voltadas para transformaes efetivas de realidades opressoras e excludentes de direitos sociais. a prtica caracterizada como ao scio-assistencial.

    As instituies no governamentais, institudas e gerenciadas pela sociedade civil, dentre estas as de confisso evanglica, tm sido instadas a assumirem essa nova perspectiva, redefinindo e reordenando para esse fim, a forma de gesto institucional: com tcnica e profissionalismo. a passagem de uma prtica marcada historicamente pelo assistencialismo, na perspectiva da caridade, da coisificao do assistido para uma prtica scio-assistencial que atua na perspectiva do acesso aos direitos sociais, do reconhecimento de que so sujeitos em situao de excluso social ou em vulnerabilidade social. Mesmo que aes pontuais sejam necessrias, e supridas atravs da concesso de cestas bsicas, remdios e vesturios, sero superadas por aes que facilitem a promoo social, o desenvolvimento humano e social, a educao, o emprego, a rentabilidade. Enfim, a garantia do exerccio da cidadania.

    Para que a Igreja, atravs de suas organizaes sociais, possa desenvolver esse trabalho que se prope a transformar realidades, vidas e situaes opressoras, h de contar com pessoas, de forma remunerada e/ou voluntria, envolvidas compromissadamente nesse ministrio. E mais, com uma ao scio-assistencial bblica e contextualizada, manifestadora do reino de Deus, que atinge as pessoas em todas as suas dimenses.

    Reino de Deus? Somos cidados inseridos em uma realidade em que impera profunda

    desigualdade social, com altos ndices de pobreza, presentes em um mundo onde ocorrem grandes e importantes descobertas cientficas e avanos tecnolgicos, demonstrando um quadro de profunda contradio social e econmica.

    Como produzir aes concretas de denncia e anncio numa realidade em que

    o nmero de pessoas e famlias em situao de pobreza, indigncia e/ou misria, sua distribuio por todas as regies e estados do pas, em reas urbanas e rurais, o distanciamento entre os mais pobres e os mais ricos e a multiplicidade de formas que a pobreza assume no encontram precedentes histricos. (SOARES, 2003)

    A palavra de Deus, o evangelho de Cristo, o poder do Esprito Santo, a Graa de Cristo tm que ser anunciadas em confronto denncia do pecado que distancia o ser humano de Deus e o faz egosta, maledicente, violento, etc.

    o anncio do reino de Deus.

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    Em Lucas 17:20 e 21, encontramos uma explicao sucinta mas esclarecedora de Jesus sobre o reino de Deus:

    Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: No vem o reino de Deus com visvel aparncia. Nem diro: Ei-lo aqui! Ou: L est! Porque o reino de Deus est dentro de vs.

    Dentro de Vs! Aqui est a chave para a compreenso do que importante para Deus. No o aparente; nem o visvel. o que est no corao, invisvel, mas real, e o verdadeiro determinante de todas as nossas aes e reaes. O Grande desafio para a vivncia do cristianismo se deixar dirigir por Deus em tudo e, nisso, vivenciar e manifestar o Seu reino.

    Trata-se da presena e da obra do Senhor Jesus atuando dentro, no meio e atravs daqueles que crem e confessam o Seu Nome. Dentro de cada cristo, entre os cristos e atravs dos cristos. a Igreja indo de encontro s demandas e necessidades sociais, emocionais e espirituais do bairro, da comunidade, da cidade, da regio, da nao onde est inserida.

    Porm, o exerccio dessa prtica scio-assistencial bblica e contextualizada requer cristos sinceramente envolvidos para que, como Igreja, possam cumprir a dimenso do servir no contexto e atravs da Igreja.

    Jesus, nosso exemplo maior, declarou ...tal como o Filho do Homem que no veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos (Mateus 20:28).

    Ele veio para servir! E esse servir tem dois momentos importantes que se articulam configurando o plano salvador de Deus: Servir se doando em aes de assistncia e cura aos necessitados, que propriamente o servio, hoje, no contexto da Igreja; e servir se doando como salvador na cruz pelos nossos pecados. um servio que traz a dimenso material e espiritual, que contempla a pessoa humana como ser completo e contextualizado.

    Jesus, de forma amorosa, cuidadosa, compromissada e responsvel, viveu esse servir intensamente cada minuto dos seus 33 anos encarnado como homem! Mateus 9:35 e Atos 10:38, descrevem sucintamente a prtica missionria de Jesus:

    Percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda a sorte de doenas e enfermidades entre o povo.

    ...como Deus ungiu a Jesus de Nazar com o Esprito Santo e com poder, o qual andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele;

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    Jesus ensinava nas sinagogas, pregava o evangelho do reino, curava toda a sorte de doenas e enfermidades, andava por toda a parte fazendo o bem e curando os oprimidos do diabo. Essa era a forma de Jesus servir! Ele pregava as boas novas do evangelho, mas no passava ao largo das necessidades humanas (sociais, de sade, emocionais) vividas pelas pessoas. Ensinava e pregava, mas curava e fazia o bem; atuava nas sinagogas, mas por toda a parte tambm.

    Ele ia onde o povo estava. Dentre tantos exemplos trazidos pela Bblia, destacamos: dialogou com a mulher samaritana (Joo 4:1 a 30), livrou a mulher adltera do apedrejamento (Joo 8: 1 a 11), chamou o coletor de impostos (Lucas 5:27 e 28), comeu com pecadores (Lucas 5:29 a 32), chegou-se a Zaqueu, o publicano (Lucas 19:1 a 10), recebeu as crianas (Lucas 18:15 a 17), curou cegos, paralticos, ressuscitou mortos, libertou endemoniados.

    Jesus dialogava com essas pessoas; olhava para essas pessoas; tocava nessas pessoas. Olhar, dialogar e tocar so atitudes que fizeram parte do seu ministrio, do seu modelo missionrio.

    E, qual foi o ltimo ato de Jesus, de demonstrao de servio antes de ele ir para a Cruz?

    Exatamente aquele que trazia impregnado em si uma grande lio de humildade: lavou os ps dos discpulos. (Joo 13:1 a 20)

    Por que e para qu Jesus fez isso? Para ensinar, na prtica, que a Igreja que ali estava nascendo, nascia para

    servir! Servir na dimenso material e espiritual. E servir s possvel a partir de um corao quebrantado diante de Deus que, voluntariamente clama como Isaas, Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim! (Isaas 6:8).

    Envia-me para qu? Para, em Teu Nome, levar as boas novas do Evangelho com prticas de

    adorao de amor e de servio! Em certa ocasio Jesus observou a multido e percebendo-a aflita e

    cansada, como ovelhas sem pastor, se compadeceu delas e disse aos discpulos para rogassem a Deus que mandasse trabalhadores para a sua seara (Mateus 9:36 a 38). Quem cuidasse delas, quem orasse por e com elas, quem as olhasse nos olhos e perguntasse: O que queres que eu te faa?, quem as tocasse, quem as alimentasse fsica e espiritualmente, quem as curasse fsica, emocional e espiritualmente. Tudo em nome de Jesus!

    Isso evangelizar. proclamar, viver o reino de Deus. a prtica scio-assistencial bblica!

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    E aqui nos cabe a pergunta: E hoje, qual a nossa postura no contexto da Igreja? Fazemos parte da nossa comunidade evanglica para servir ou para sermos servidos? E mais, vemos a Igreja como um grande balco de ofertas de benos onde, como clientes, nos achegamos todos os domingos para pegar a nossa, ou nos vemos engajados nela para contribuir, de alguma forma, para que o mundo e a sociedade sejam impactados por sua ao?

    Eu fao diferena na minha Igreja? E a minha Igreja? Faz diferena na sociedade? Faz diferena na minha cidade?

    A compreenso da prtica scio-assistencial na Igreja e atravs da Igreja comea com essa inquietao:

    Que diferena fazemos na nossa comunidade? Isso significa termos como modelo igrejas que sejam referncia, na

    atualidade, no envolvimento com aes que enfrentem a questo social instaurada no nosso contexto: desemprego, violncia, drogadio, famlias em situao de misria, crianas em sitao de risco social, etc. Igrejas que se voltem para onde esto as demandas e necessidades sociais do povo. Igrejas que no confundam projetos sociais com aes assistencialistas que no promovem mudanas e nem desenvolvimento social, educacional, moral, emocional e espiritual. Igrejas que efetivamente provoquem transformaes de realidades opressoras. Igrejas que, motivadas pelos valores do Reino, de amor, misericrdia, compromisso e solidariedade, dediquem seu tempo, trabalho e talentos para causas que demonstrem concretamente o amor de Deus.

    Dentre essas causas destacamos as sociais e comunitrias, em prol dos excludos sociais; porm, jamais excludos do projeto de regenerao formulado pelo Pai e executado voluntariamente por Jesus!

    Tendo como referncia essa perspectiva bblica do que seja uma ao scio-assistencial, buscamos conhecer a histria e traar o perfil das instituies, de confisso evanglica, que desenvolvem trabalho social na cidade de Londrina.

    2. Histrico e Perfil das Instituies Scio-Assistenciais de Confisso Evanglica na cidade de Londrina.

    2.1. Breve resgate histrico. A insero de organizaes de confisso evanglica, vinculadas ou no a

    denominaes religiosas, no campo da ao social, buscando realizar servios, projetos e/ou programas de atendimento scio-assistencial a diferentes segmentos, tem sido crescente no decorrer dos ltimos anos.

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    Prevalecem organizaes voltadas para atendimentos nas reas de assistncia social, sade e educao, priorizando crianas de 0 a 6 anos, drogadio, idosos e famlias em situao de pobreza.

    Em pesquisa realizada no decorrer de 2002 pela SEPAL ficou evidenciado que, de 152 igrejas, cujos lderes foram entrevistadas na cidade de Londrina, 83% afirmaram que desenvolviam ou estavam envolvidas em algum projeto social. Predominavam atividades assistenciais de distribuio de cestas bsicas a famlias carentes e atendimento na rea da educao infantil (creches e pr-escolas). Naquele ano existiam na cidade de Londrina, 73 instituies de educao infantil voltadas para atendimento a crianas em situao de risco pessoal e social, das quais 11 eram governamentais e 62 no governamentais (terceiro setor). Destas, 15 (24%) eram de confisso evanglica, estando vinculadas, direta ou indiretamente, a uma igreja. Em seguida vem a atuao na rea da dependncia qumica, indicando que das 11 instituies existentes, em 2002, na cidade de Londrina, 6 (54%) eram de orientao evanglica.

    O fortalecimento de organizaes do terceiro setor4, o acirramento da questo social e o despertamento das igrejas para uma atuao contextualizada, tendo em vista o suprimento de necessidades sociais, alm das espirituais, e o alcance de um maior nmero de fiis, podem ser indicadores explicativos desse envolvimento crescente de organizaes religiosas, no caso as igrejas evanglicas, em atividades de cunho scio-assistencial.

    No universo dessas organizaes, existem aquelas que fazem parte da histria de Londrina porque foram constitudas ainda no incio da colonizao da regio; outras surgiram ao longo do processo de desenvolvimento da cidade, marcado no apenas pelo crescimento econmico e desenvolvimento regional, mas tambm pelas condies de misria e pobreza decorrentes do processo de urbanizao; e outras, ainda, so muito recentes. Mesmo tendo surgido em diferentes momentos histricos do municpio e vinculadas a diferentes denominaes evanglicas, essas organizaes, predominantemente, atuam nas reas da assistncia social, sade e educao.

    Porm, foi ao longo dos ltimos 30 anos, que houve um aumento significativo do nmero de instituies assistenciais de confisso evanglica em

    4 Instituies (associaes ou fundaes privadas) no governamentais, que expressam a

    sociedade civil organizada, com participao de voluntrios, para atendimentos de interesse pblico em diferentes reas e segmentos, avanando da perspectiva filantrpica e caritativa para uma atuao profissional e tcnica, na qual os usurios so sujeitos de direitos, tendo em vista o alcance de um trabalho de qualidade social.

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    Londrina. So instituies voltadas para o atendimento criana, adolescente, famlias em situao de extrema pobreza, idosos, dependentes qumicos. Todavia, este crescimento vem acompanhado de dificuldades na superao de um servio assistencialista em direo ao profissionalismo e tcnica do trabalho social realizado, primando pela qualidade social do atendimento. Por que esta situao ocorre? O que pode ser feito para super-la?

    Esse crescimento quantitativo das instituies scio-assistenciais de confisso evanglica, a partir da dcada de 1970, ocorreu em um perodo em que Londrina, plo econmico da regio norte do Paran, sofreu as conseqncias de mudanas na poltica agrcola adotada no pas. A cafeicultura deixou de ser a base econmica, j que o mercado internacional necessitava de novos produtos agrcolas, como a soja, o milho e o trigo, e era preciso atender a essa nova demanda.

    Se, por um lado, o poder pblico incentivou a erradicao do caf, por outro, ele no criou alternativas para fixar esta mo-de-obra disponvel no campo. Houve, como resultado dessa situao, o xodo rural e o agravamento dos problemas sociais na cidade, como o crescimento do desemprego, a falta de moradias para os novos moradores, os quais foram morar em favelas, o aumento do nmero de crianas nas ruas, de idosos abandonados, o agravamento da violncia, gerado por maior nmero de furtos, assaltos e homicdios (ASARI & TUMA: 1978, p. 75).

    As indstrias aqui instaladas e o setor de servios comrcio, bancos, escolas, hospitais - necessitavam de mo-de-obra, tornando Londrina um atrativo para os trabalhadores de cidades vizinhas; mas, isso no foi o suficiente para evitar que muitos fossem para o setor informal ou ficassem desempregados, buscando alternativas de sobrevivncia. Ao longo das dcadas de 1970 e 1980, o desenvolvimento econmico e demogrfico da cidade e regio, o crescimento do desemprego entre os trabalhadores, a falta de moradia, de sade e de educao tornaram-se uma preocupao entre autoridades e moradores.

    Foi neste momento que se deu o surgimento de inmeras instituies assistenciais em Londrina, tanto por iniciativa de denominaes religiosas, como de pessoas sem vnculo religioso. E as igrejas evanglicas tambm responderam, em alguma medida, a estas demandas. Porm, muito aqum do necessrio.

    Entre 1970 e 1982, eram 6 instituies assistenciais de confisso evanglica voltadas para o atendimento criana e famlias em situao de extrema pobreza e que recebiam recursos da ento Secretaria Municipal de Bem Estar Social. Eram instituies ligadas s igrejas: Metodista, Adventista, Batista, Assemblia de Deus e Casa de Orao para todos os Povos (Ministrio Sagradas Misses). Se as

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    demais desenvolviam atividades assistenciais, no podemos afirmar, visto que nos limitamos a verificar o oramento da Prefeitura Municipal de Londrina, no qual estava previsto o repasse de recursos para as instituies assistenciais no perodo de 1970 a 1989.

    Se nas dcadas de 1970 at o final dos anos 80, verificamos uma pequena presena de instituies assistenciais de confisso evanglica em Londrina, atualmente observamos uma mudana nessa situao. Acreditamos no ser por coincidncia o fato de haver um aumento destas instituies em um momento em que tambm cresce o nmero de fiis evanglicos. Muito destes tm se sensibilizado com o estado em que se encontram homens, mulheres, crianas, adolescentes e idosos, levando-os a contriburem para minorar estes problemas, seja atravs da participao em campanhas que promovam ajuda populao mais carente, seja criando instituies scio-assistenciais.

    De acordo com dados da Secretaria de Assistncia Social do municpio de Londrina e de levantamento realizado por COSTA (2004), em 2002 havia 223 instituies scio-assistenciais no-governamentais em Londrina, sendo que 39 (18%) eram instituies e projetos de origem evanglica (histricas e pentecostais). Destas, 26 mantinham convnio com a Secretaria Municipal de Assistncia Social, estando tambm cadastradas no Conselho Municipal de Assistncia Social (CMAS) e, portanto, parceiras do poder pblico no desenvolvimento de aes assistenciais junto aos segmentos de criana e adolescente, idoso e famlias em situao de extrema pobreza.

    importante destacarmos que o cadastro no CMAS o primeiro passo para o estabelecimento de parceria com o poder pblico e posterior acesso aos recursos que este repassa s instituies prestadoras de servios scio-assistenciais. As entidades que no atendam aos critrios estabelecidos, no esto aptas a receberem recurso pblico.

    A partir de 1988, quando da promulgao da Constituio Federal ainda vigente, a assistncia social foi estabelecida como poltica pblica, sendo direito a quem dela necessitar, independentemente de contribuio seguridade social.

    Nesse sentido, em suas atividades, as instituies scio-assistenciais devem pautar-se pelo princpio do direito. No entanto, no decorrer de todos esses anos, tanto a consolidao da assistncia social como poltica pblica tem sido dificultada pelo sucateamento de verbas governamentais destinadas a esse fim, como as instituies, inclusive as de confisso evanglica, que atuam nessa rea, tm apresentado dificuldades de adaptarem-se nova legislao,

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    Em decorrncia, a gesto institucional passou a ser objeto de estudos e investigaes na busca de novos modelos para o gerenciamento de instituies da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atuam em atividades de interesse pblico. Tem se observado e apreendido que, cada vez mais h a necessidade de serem gerenciadas de forma tcnica e profissional, com nfase na participao de todas as pessoas envolvidas; trata-se da gesto participativa.

    A nfase nesse modelo democrtico de gesto tem sido uma tendncia mundial, e Kliksberg (1997) afirma que o contexto contemporneo de atuao da gerncia institucional absolutamente diferente em face das dcadas anteriores. A predominncia , cada vez mais, da complexidade, da instabilidade e da incerteza. E, nesse momento histrico de profundas mudanas sociais, econmicas e polticas configuradas mundialmente, a gesto institucional ganhou importncia relevante em todos os setores mas, de forma significativa no contexto das instituies que atuam no terceiro setor.

    A tradicional estrutura centralizadora das instituies da sociedade civil, implantadas com um perfil extremamente hierrquico, est vivendo momento de ruptura e de busca de novos modelos gerenciais, j caracterizados pela legislao social brasileira (participao, descentralizao, parceria, horizontalidade, etc.) Mas, "a grande realidade que no sabemos como gerir estas novas reas, pois os instrumentos de gesto correspondentes ainda esto engatinhando." (DOWBOR, 1999:36)

    O grande desafio em matria de reforma do setor social o de superar as limitaes do perfil atual, caracterizado pela existncia de organizaes isoladas, pouco flexveis, centralizadoras, hostis participao real e desprovidas de carreiras gerenciais orgnicas, e de gerentes especializados na questo social. (KLIKSBERG,1997)

    No mbito das instituies do terceiro setor, historicamente, imperou o modelo assistencialista, de atendimento s necessidades bsicas e pontuais de alimentao, abrigo, distribuio de remdios e de vesturios, etc. Gerenciadas por um grupo de voluntrios, organizados juridicamente em sua maioria sob a forma de associao5, e administradas internamente por uma pessoa de confiana do grupo diretor, essas instituies atravessaram anos e dcadas. Romper com esse modelo tradicional de organizao e funcionamento significa super-lo, instituindo estruturas mais flexveis, dinmicas e participativas, capacitadas administrativa e tecnicamente,

    5 Segundo Camargo et al. (2001: 35) associao a congregao de certo nmero de pessoas

    que expe em comum conhecimentos e servios voltados a um mesmo ideal e movidos por um mesmo objetivo, com capital ou sem, mas jamais com intuito lucrativo.

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    de modo a responder s necessidades e exigncias que tm sido colocadas a essas instituies. Gerenci-las, a partir dessa perspectiva, significa pensar a instituio como capaz de contribuir autenticamente com o processo de promoo social de famlias que, no raras vezes, contam com aquela organizao como o nico recurso social a que realmente tm acesso.

    Segundo Costa (2004), gerenciar organizaes do terceiro setor no tarefa que se esgota no ativismo dirio e na luta solitria pela sobrevivncia institucional. Significa: 1) Compreender que as instituies scio-assistenciais no governamentais tm uma funo social mais ampla no atual conjuntura brasileira; 2) Transcender a perspectiva assistencialista em direo a uma ao de real promoo e desenvolvimento social, superando a excluso social; 3) Conhecer e cumprir as diretrizes preconizadas pelo ordenamento legal; 4) No esquecer que cabe ao Estado o dever de prover polticas sociais adequadas e eficientes para o enfrentamento da questo social.

    Porm, o gerenciamento da maioria dessas organizaes ainda est atrelado s formas tradicionais; a gesto ainda centralizada e exercida por pessoas no especializadas; a preocupao com a sustentabilidade financeira predominante entre os gestores; e no h a percepo de que a gesto implica a viso da totalidade institucional em que a participao e o plano gestor ocupam papis estratgicos.

    Essa situao impede a existncia de projetos setoriais que propiciem a formao continuada dos recursos humanos envolvidos em todos os setores; forneam atendimento de qualidade social s famlias; gerem captao de recursos a partir de uma perspectiva de investimento social e no de caridade e filantropia; e possibilitem a avaliao contnua do trabalho realizado.

    Esse quadro analisado por Costa (2004) no diferente no contexto das instituies scio-assistenciais evanglicas posto que elas compem o denominado terceiro setor. A boa vontade, o sentimento de solidariedade e a disposio de servir, movem em grande parte, as aes daqueles que esto nas instituies. Contudo, preciso mais do que isso: contratar profissionais qualificados, elaborar um plano de ao, definir critrios de atendimento.

    Nas entrevistas com os diretores das instituies, verificamos que h uma sincera e forte vontade em realizar um trabalho social que gere resultados quantitativos e qualitativos. Mas, em contrapartida, esto presentes as dificuldades para atender as determinaes legais e para a realizao de um trabalho que, sem perder a dimenso crist e evanglica, prime pelo profissionalismo e pela tcnica.

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    2.2. Perfil das instituies scio-assistenciais de Londrina

    A partir de um novo levantamento junto ao Conselho Municipal de Assistncia Social, Secretaria Municipal de Educao e Mapa do Terceiro Setor em Londrina6 identificamos, atualmente, a existncia de 39 instituies scio-assistenciais de confisso evanglica no municpio. Dados ainda preliminares indicam a presena de cerca de 220 instituies scio-assistenciais atuando nas reas da assistncia social, sade e educao. Portanto, a presena das organizaes evanglicas nessas reas permanece no patamar dos 18% j apontados em 2002, no havendo aumento desse percentual. Houve, observamos, instituies que encerraram suas atividades, outras foram inauguradas, ainda outras passaram por modificaes quanto ao segmento atendido, bem como diversificaram projetos de atendimento experimentando aumento de atividades.

    Com base nesse universo de 39 instituies scio-assistenciais de confisso evanglica existentes em Londrina, realizamos um estudo exploratrio para conhecimento do perfil institucional e forma de gesto em 17 delas; todas voltadas para o atendimento criana e ao adolescente, ao idoso, a famlias em situao de pobreza e a dependentes qumicos.

    Dentre as instituies pesquisadas prevalecem aquelas que foram fundadas h menos de 30 anos. Apenas uma foi fundada em 1966, no perodo em que Londrina recebeu grande nmero de homens, mulheres, jovens, crianas e idosos provenientes do campo e cidades vizinhas. Quanto aos servios que prestam, 60% declararam estar voltadas para a ateno em educao infantil e scio-educativo, ou seja, atendimento a crianas de 0 a 12 anos. No por mera coincidncia, mas sim por ser o segmento que apresenta maior predominncia nos bairros e conjuntos e que precisam de ateno integral, visto que seus responsveis precisam trabalhar, e na maioria das vezes no tm com quem deix-las.

    Todas possuem certificado de utilidade pblica, com exceo daquelas fundadas h menos de um ano. Tal certificado lhes garante iseno de impostos. Tambm possuem cadastros nos conselhos municipais, o que significa que atendem minimamente as exigncias das leis que regem os direitos sociais, como a educao e assistncia social, garantindo-lhes assim, acessos aos recursos pblicos, novamente destacando que aquelas fundadas h menos de um ano no possuem registro em Conselhos.

    6 Projeto de mapeamento das organizaes do terceiro setor no Brasil, realizado pela

    Fundao Getlio Vargas que, em Londrina, acontece em parceria com o Londrina MilOngs, rgo municipal responsvel pela assessoria governamental a essas organizaes.

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    O que nos chama a ateno que 50% das instituies tm vnculos com grupos religiosos das igrejas pentecostais, tambm fundadas recentemente, em comparao s igrejas histricas.

    Todas afirmaram possuir coordenao administrativa, mas, pudemos observar que esta coordenao est, em sua grande maioria, centralizada nas mos do presidente da instituio que, em alguns casos o pastor da igreja a que a instituio est vinculada. Alis, em vrios casos ficou evidenciado que vrias outras atividades so desenvolvidas por pessoas que respondem pela coordenao administrativa, muitas delas, sem formao profissional para isso. Quanto coordenao tcnica, que seria a responsvel pela elaborao, execuo e gerenciamento dos projetos sociais realizados junto populao usuria, 60% das instituies afirmaram no possuir um profissional habilitado para este fim, sendo o prprio coordenador administrativo quem desenvolve esta ao. Tal fato constata o quanto as instituies necessitam caminhar para que haja maior profissionalismo em suas atividades.

    Tambm verificamos que 70% contam em seus quadros com voluntrios de diferentes reas, geralmente ligadas a igrejas evanglicas, o que demonstra o sentimento de solidariedade, ou seja, o desejo de ser solcito e prestativo com o outro que se encontra em situao de desespero e aflio. Enfim, uma ao que movida pela vontade de atenuar ou suprimir o sofrimento do prximo.

    Sem dvida, a boa vontade e o protagonismo dessas pessoas que, em muitos casos, assumiram a instituio desde a sua formao, imbudas do sincero desejo em servir, voltadas para a edificao do reino de Deus em uma sociedade to marcada por injustias sociais, tem sido a grande marca e o grande sustentculo dessas instituies. Pois, muitas delas so de confisso evanglica, mas no contam com a Denominao a qual esto vinculadas sustentando-as financeiramente, com oramentos definidos e repassados ms a ms.

    So pessoas que, movidas pelo amor e pela convico de serem chamadas para esse ministrio se envolvem e agem, em muitos casos, intuitivamente, buscando conhecimentos sobre como desenvolver o trabalho social a que se propem, da melhor maneira possvel. Mas, como afirmamos anteriormente, para desenvolver um trabalho de qualidade social, contextualizado e sem perder de vista a perspectiva bblica, h a necessidade da superao de prticas que no primem pelo profissionalismo e pela tcnica. H uma legislao social forte e bem estruturada que parte do reconhecimento do necessitado enquanto sujeito de direitos. Hoje, toda e qualquer instituio scio-assistencial instada a cumprir os princpios e diretrizes ali preconizadas. E, com ousadia, diramos mais: essa sempre

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    foi a tica do trabalho social preconizado pela Bblia. Perceber o outro como sujeito, nesse sentido, desenvolver o trabalho scio-assistencial de modo a atingir pessoas e famlias para que, conscientes de sua humanidade sejam restaurados em sua dignidade humana, como seres criados a imagem e semelhana de Deus, sendo, conseqentemente restauradores de suas famlias e da sociedade, como sujeitos histricos e polticos.

    A ausncia de uma coordenao tcnica resulta no fato de que apenas 30% das instituies possuem um plano de gesto. O que isto? Qual a sua importncia? por meio do plano de gesto que as instituies explicitam sua viso, misso e princpios de trabalho, levantam os principais problemas e dificuldades existentes e que necessitam ser enfrentados, determinam os objetivos e as metas a serem alcanadas para a superao das dificuldades vivenciadas, e definem os projetos sociais a serem colocados em prtica. Se este plano no elaborado, de forma participativa, as pessoas que l trabalham, podem ser movidas pela vontade de servir, mas realizam uma prtica que, muitas vezes, cai no ativismo, caracterizado por muitas aes, mas poucos resultados.

    Verificamos, por exemplo, que os centros de educao infantil, que atendem crianas de 0 a 6 anos de idade, possuem apenas o projeto pedaggico, que define as aes pedaggicas voltadas para os alunos, o que muito importante e se constitui em uma exigncia da Secretaria Municipal de Educao, mas no um plano de gesto. O plano de gesto parte da viso da totalidade institucional. A instituio pensada integralmente e desafiada a assumir a reflexo de qual o seu papel no contexto histrico e social no qual est inserida para, ento, serem definidos os diferentes projetos sociais que devero ser executados. A ao planejada diferencia-se da ao improvisada. Aquela caracterizada pela reflexo, deciso e reviso; esta, pelo ativismo.

    Quanto participao em instncias comunitrias, apenas os centros de educao infantil tm uma forma mais organizada de integrao atravs da AFEL (Associao das Entidades Filantrpicas de Londrina), antigo Frum das Creches. Porm, a grande maioria no participa dos conselhos comunitrios ligados aos segmentos que atendem, demonstrando que as instituies atuam de forma isolada, no dividindo suas experincias e dificuldades com as demais instituies.

    No que se refere a mdia de gastos das instituies, nossas suspeitas foram confirmadas: a receita no cobre os gastos mensais, exigindo das instituies verdadeiros malabarismos, como a realizao de promoes, pizzadas, jantares, rifas e outras atividades para arrecadar recursos financeiros, tendo em vista que o que

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    o poder pblico municipal repassa est aqum das necessidades das instituies. Nenhuma instituio recebe recurso do poder pblico estadual e 50% recebem da Unio, para projetos assistenciais coordenados pelo governo federal. Todas declararam receber doaes de pessoas fsicas, bem como gneros alimentcios e roupas, de forma mensal ou eventual. Novamente registramos que as pessoas, de modo geral, se solidarizam com a situao de carncia da populao, contribuindo de alguma forma para minorar esta situao.

    Poucas instituies scio-assistenciais mantm parcerias com empresas, recebendo gneros e recursos financeiros. Todas declararam que recebem ajuda das respectivas igrejas, seja em roupas, alimentos ou dinheiro. Quanto aos organismos internacionais, apenas 30% declararam receber algum recurso financeiro; na verdade, igrejas de pases do primeiro mundo.

    Quanto aos motivos que levaram fundao das instituies chama-nos a ateno que esta, em grande nmero, se deu por iniciativa de uma pessoa e no da Igreja da qual membro. Sensibilizada pela condio de extrema pobreza material da populao, decidiu por criar uma instituio de ateno aos problemas que se apresentavam ao seu redor. Uma prtica baseada no desejo e na vontade de servir aquele que se encontra em condies subumana, muito abaixo do que minimamente aceitvel.

    Apenas uma instituio surgiu por iniciativa de um grupo pessoas. As denominaes eram diversas, havendo predominncia da Igreja Presbiteriana e Presbiteriana Independente.

    Atualmente, 50% das igrejas as quais as instituies esto vinculadas denominacionalmente contribuem com a manuteno da instituio. As demais no mantm vnculo formal; isto , as igrejas no repassam de forma sistemtica, recursos para sua manuteno.

    No que refere a parcerias com outras instituies do mesmo segmento, tambm h uma diviso eqitativa: 50% afirmam que mantm esse contato e parceria, enquanto as demais no, o que provoca, para estas, certo isolamento da instituio, no facilitando o crescimento, a troca de experincias e o mais importante, o fortalecimento poltico das organizaes scio-assitenciais de confisso evanglica no municpio.

    Dessa forma, problemas que, muitas vezes so comuns essas instituies, cujas respostas poderiam ser encontradas em conjunto, acabam sendo resolvidos, quando o so, com dificuldades e isoladamente. Alm disso, haveria a possibilidade de trocar idias, experincias, encontrando solues que melhor atendessem s necessidades da populao usuria.

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    Houve uma quase unanimidade quanto a avaliao da parceria da instituio com a poltica pblica do setor: h precariedade. Cerca de 80% declararam que as principais dificuldades concentram-se no repasse de recurso financeiro. Aqueles que declararam ser satisfatria, afirmam que h uma assessoria por parte do poder pblico, possibilitando instituio implementar com maior eficcia a poltica do setor.

    Quanto aos avanos apontados, estes se deram principalmente na qualificao de seus funcionrios, no reconhecimento da comunidade, na reforma e adequao do espao fsico, como determina a lei. Percebe-se desta forma, que as instituies vm procurando se adequar s exigncias da lei, e mais do que isto, procurando implantar um servio de qualidade populao carente de bens e servios. No entanto, as dificuldades ainda so inmeras, mas h um interesse em super-las.

    3. As Instituies Scio-Assistenciais Evanglicas entre o Desejo de Servir e a Necessidade do Profissionalismo Tcnico: Desafios e Estratgias de Ao.

    O sentimento que move algum que se dispe a servir ao prximo fundamenta-se no amor quele que se encontra em condies de extrema carncia. Sentimento que chamamos de caridade e que possibilita uma relao de unio e comunho com o outro, levando-o a aes de acolhimento e humildade. Neste sentido, a caridade uma virtude que deveria ser alcanada por todos que almejam um encontro com Deus. (1Cor 13:1-13).

    Como podemos verificar, as aes voluntrias e solidrias propiciam inovaes, flexibilidade e variedade nos trabalhos junto populao carente de bens e servios, mas preciso torn-las estveis, completas e duradouras. Baseado na vontade de servir ao prximo, so construdas instituies filantrpicas, como creches, asilos, albergues, prestando assistncia material a todos que necessitam. Ademais, as igrejas prestam grandes contribuies seja com dinheiro ou gneros alimentcios e o que mais for preciso.

    No entanto, ao se criar uma instituio scio-assistencial e para se ter uma maior eficincia no servir ao prximo, alguns passos so exigidos. Dentre estes, haver clareza quanto aos objetivos e s aes que a instituio dever realizar. Para tanto, o plano de gesto torna-se imprescindvel, bem como a contratao de profissionais qualificados para atender aos que acorrem instituio. No contar apenas com voluntrios, j que estes muitas vezes se vem cercados de inmeras tarefas, no

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    conseguindo dedicar-se integralmente s atividades na instituio, o que no ocorre com o funcionrio, que contratado para este fim.

    H a necessidade, tambm, do estabelecimento de normas e critrios de atendimento queles que procuram a instituio, visando maior agilidade, eficcia e qualidade do atendimento.

    Mas, quais seriam os principais desafios, hoje presentes, para a igreja evanglica atuar com competncia em programas e projetos sociais? 1) Compreender e assumir na prtica que a responsabilidade social da Igreja mandamento bblico, no opo;

    2) Buscar uma atuao crtica, inserida e contextualizada, atendendo as demandas sociais presentes hoje na realidade social; 3) Identificar e conhecer os focos mais necessitados de atendimento scio-assistencial em nossa cidade;

    4) Assumir a viso tcnica e profissional do trabalho social, superando a preocupao centralizada to somente na sustentabilidade financeira;

    5) Compreender que a ao social tanto conseqncia quanto uma ponte para a evangelizao, e de fato os dois so parceiros na proclamao do Reino de Deus (evangelizao e ao social); 6) Buscar Unidade na Diversidade: parcerias e redes entre as organizaes scio-assistenciais de confisso evanglica.

    Para o enfrentamento desses desafios, que estratgias poderiam ser observadas tendo em vista um envolvimento eficaz da Igreja no enfrentamento da questo social em nossa cidade?7

    1) Conhecimento e utilizao da legislao atual que fundamenta as polticas sociais setoriais (Educao, Sade, Assistncia Social, etc.); 2) Participao nas instncias legais e informais que atuam junto aos diferentes segmentos que so alvos das polticas sociais: Conselho Municipal de Assistncia Social, Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, Conselho Municipal Anti Drogas, Conselho Municipal da Educao, etc.;

    7 Essas estratgias j foram apontadas no captulo 7 do A Revoluo Silenciosa 1, mas julgamos

    importante repeti-las aqui no sentido de enfatizar a sua importncia para a Igreja que deseja sinceramente exercer um trabalho scio-assistencial bblico e contextaulizado.

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    3) Viso estratgica do planejamento institucional. Isto significa que os projetos e servios prestados pelas instituies scio-assistenciais evanglicas devem primar por uma atuao profissional e tcnica, abandonando prticas assistencialistas e improvisadas com conotao caritativa, implantando o Plano Gestor Institucional;

    4) Organizao do Frum Municipal das Instituies Evanglicas de Ao Social, para conhecimento mtuo, troca de experincias e fortalecimento poltico;

    5) As Igrejas assumirem os projetos, servios e instituies a elas vinculadas denominacionalmente, de forma direta ou indireta, como ministrios que integram as suas aes, a eles destinando oramento especfico;

    6) As igrejas criarem e manterem em seus cultos, escolas dominicais, grupos e clulas, estudos bblicos que despertem para o compromisso da igreja com o enfrentamento da questo social em nosso municpio, introduzindo tambm discusses de temas que se fazem presentes no contexto social, econmico e poltico brasileiro: violncia urbana, drogadio, invaso de terras, homosexualismo, gravidez na adolescncia, pobreza e desigualdade social, etc.

    7) Os seminrios teolgicos, institutos bblicos e faculdades de teologia criarem em seus currculos, disciplinas especficas sobre a questo social brasileira e a responsabilidade da Igreja nesse contexto, incentivando para que esse tema seja abordado em trabalhos de concluso de curso, monografias e dissertaes.

    Consideraes finais

    Esperamos, com esse captulo, ter desafiado a igreja evanglica para uma ao scio-assistencial bblica e contextualizada. Buscando fundamentao bblica e dados atuais da nossa realidade sobre o trabalho social das igrejas e instituies em nossa cidade objetivamos o despertamento e comprometimento no apenas de pastores e lderes, mas do povo evanglico que semanalmente busca em suas Denominaes crescimento e fortalecimento espiritual.

    Porm, se almejamos uma sociedade justa e fraterna, preciso lutar e trabalharmos para que os princpios e diretrizes do reino de Deus sejam manifestados em ns, em nosso meio e atravs de ns. necessrio buscarmos, em orao, a orientao de Deus, mas precisamos ter a ousadia de irmos alm da orao, ou melhor, respaldados nela, caminharmos corajosamente na direo de implantarmos trabalhos scio-assistenciais que realmente expressem o amor de Deus e os Seus princpios de convivncia e relacionamento social. .

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    As pessoas so dotadas de dons e talentos que, no seio da Igreja, devem ser utilizados para a evangelizao, edificao e exerccio da misericrdia cuja marca principal a alegria (Rom, 12:6). Ento, a Igreja conclamada a, com diligncia, compromisso e responsabilidade, desenvolver aes sociais que faam diferena nesse contexto e nessa gerao.

    Somos diferentes denominaes evanglicas com diferentes trabalhos scio-assistenciais. Mas, na diversidade do trabalho scio-assistencial que poderemos construir a unidade da ao, possibilitando um trabalho de qualidade voltado para os mais fragilizados de nossa sociedade, e contribuindo para a superao das mazelas sociais, econmicas e emocionais (Mt: 25, 31-46).

    (Captulo publicado no Livro Revoluo Silenciosa II, editora SEPAL, julho de 2006, organizado por Rbens Mzzio.)

    Referncias Bibliogrficas. ASSARI, A. Y., TUMA, M.M. Aspectos histricos, fsicos e institucionais de Londrina. Documento-Consulta. Prefeitura do Municpio de Londrina, Secretaria Municipal de Educao: Londrina, dezembro de 1978. Bblia Vida Nova. Verso Almeida Revista e Atualizada. So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova e Sociedade Bblica do Brasil. 1995. BRASIL. Congresso Nacional. Constituio de 1998. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 1998. ______. Lei N..742, de 07 de dezembro de 1993. Dispe sobre a Organizao da Assistncia Social e d outras providncias. Braslia, D.F., 1993. CAMARGO, Maringela Franco et al. Gesto do terceiro Setor no Brasil. So Paulo: Futura, 2001. COSTA, Selma Frossard. O Espao contemporneo de fortalecimento das organizaes da sociedade civil, sem fins lucrativos: o Terceiro Setor em evidncia. IN: O Desafio da Construo de uma Gesto Atualizada e Contextualizada na Educao Infantil: um estudo junto s creches e pr-escolas no governamentais que atuam na esfera da assistncia social, no municpio de Londrina-Pr. 2003; 233p. Tese (Doutorado em Educao) Universidade de So Paulo USP. ______, A Ao Social da Igreja Evanglica em Londrina. In: MUZZIO R. (org.) A Revoluo Silenciosa Transformando Cidades pela Implantao de Igrejas Saudveis. So Paulo:Sepal. 2004. p.123-142. DOWBOR, Ladislau. A Gesto Social em busca de paradigmas. In: RICO & RAICHELIS (orgs.). Gesto Social: uma questo em debate, So Paulo: EDUC. 1999. p.31-42.

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