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1 A IMPLANTAÇÃO DA LEI Nº 10639/03, MODIFICADA PELA LEI Nº 11645/08, EM UMA ESCOLA DA REDE ESTADUAL, NO ENSINO FUNDAMENTAL, NA CIDADE DE CURITIBA, PARANÁ. Resumo Tânia Mara Pacifico Este estudo analisou as implicações da implantação da lei n.º 10639 de 9 de janeiro de 2003, modificada pela lei nº11645/08. Na condição de pedagoga negra, discuto a ação dos professores como mediadores nas questões relacionadas à diversidade racial nas escolas e comunidades. Analisou-se a implementação da Lei n.º 10639/03 e seus delineamentos, buscando entender as possibilidades de intervenção para permanência e sucesso dos alunos aos negros no Ensino Fundamental Público. Objetivos correlatos: a) o incentivo aos professores para utilizar em seus planos de ação e em sua prática pedagógica, a História da África e Cultura Africana, buscando despertar nos alunos negros, auto-estima e reconhecimento de seu valor na formação histórica e cultural do Brasil; b) a discussão e debate com o grupo de professores, por meio de estratégias pedagógicas, de formas de realização das propostas de ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Foi feita uma análise documental da lei e como os delineamentos da lei se refletem na prática escolar. O referencial teórico que subsidiou as análises se pauta na legislação vigente (lei 10639 modificada pela lei 11645/08; Parecer 03/04 do Conselho Federal de Educação; Deliberação 04 do Conselho Estadual do Paraná) e em estudos que analisam na perspectiva crítica as desigualdades raciais (por exemplo Andrade, 2002; Cavalleiro, 2001; Giroux, 1999; Lopes 2006; Paixão, 2006; Rosemberg, 1998; Silva, 2005).Concluiu-se que a resistência dos professores dificulta a implementação da lei, mas que através da sensibilização deles pela temática o resultado contribui para valorização da contribuição dos negros para formação do Brasil. Palavras chaves: lei n.º 10639/03, educação, cultura afro - brasileira, auto estima, História da África. INTRODUÇÃO O termo raça é utilizado em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) que o define como construído nas tensas relações sociais estabelecidas entre brancos e negros e é muitas vezes utilizado para informar características físicas como cor da pele, cabelo e não no sentido biológico.

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A IMPLANTAÇÃO DA LEI Nº 10639/03, MODIFICADA PELA LEI Nº

11645/08, EM UMA ESCOLA DA REDE ESTADUAL, NO ENSINO

FUNDAMENTAL, NA CIDADE DE CURITIBA, PARANÁ.

Resumo Tânia Mara Pacifico

Este estudo analisou as implicações da implantação da lei n.º 10639 de 9 de janeiro de 2003, modificada pela lei nº11645/08. Na condição de pedagoga negra, discuto a ação dos professores como mediadores nas questões relacionadas à diversidade racial nas escolas e comunidades. Analisou-se a implementação da Lei n.º 10639/03 e seus delineamentos, buscando entender as possibilidades de intervenção para permanência e sucesso dos alunos aos negros no Ensino Fundamental Público. Objetivos correlatos: a) o incentivo aos professores para utilizar em seus planos de ação e em sua prática pedagógica, a História da África e Cultura Africana, buscando despertar nos alunos negros, auto-estima e reconhecimento de seu valor na formação histórica e cultural do Brasil; b) a discussão e debate com o grupo de professores, por meio de estratégias pedagógicas, de formas de realização das propostas de ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Foi feita uma análise documental da lei e como os delineamentos da lei se refletem na prática escolar. O referencial teórico que subsidiou as análises se pauta na legislação vigente (lei 10639 modificada pela lei 11645/08; Parecer 03/04 do Conselho Federal de Educação; Deliberação 04 do Conselho Estadual do Paraná) e em estudos que analisam na perspectiva crítica as desigualdades raciais (por exemplo Andrade, 2002; Cavalleiro, 2001; Giroux, 1999; Lopes 2006; Paixão, 2006; Rosemberg, 1998; Silva, 2005).Concluiu-se que a resistência dos professores dificulta a implementação da lei, mas que através da sensibilização deles pela temática o resultado contribui para valorização da contribuição dos negros para formação do Brasil. Palavras chaves: lei n.º 10639/03, educação, cultura afro - brasileira, auto estima, História da África. INTRODUÇÃO

O termo raça é utilizado em consonância com as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) que o define como

construído nas tensas relações sociais estabelecidas entre brancos e negros e

é muitas vezes utilizado para informar características físicas como cor da pele,

cabelo e não no sentido biológico.

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O racismo é definido como um comportamento, uma ação que é

resultado da aversão, algumas vezes ódio, para com as pessoas que tem uma

pertença racial que é possível observar, por meio de traços como cor da pele,

tipo de cabelo, forma dos olhos, entre outras, resulta da crença da existência

de raças ou tipos humanos superiores e inferiores, na tentativa de se impor

como única ou verdadeira (MUNANGA & GOMES, 2006).

No Brasil o preconceito em relação a negros tem características bem

específicas, ele ocorre principalmente levando-se em consideração o fenótipo

das pessoas, ou seja, características físicas aparentes, tais como cabelo, cor

de pele, formato da boca, do nariz. Diferente do que ocorre nos Estados

Unidos, onde o preconceito é determinado particularmente pela origem

(descendência). A “one drope rule”, ou seja, regra de uma gota de sangue

indica que uma pessoa pertence à raça negra, mesmo que não apresente

aparência física. O conceito racismo de “marca” foi concebido por Oracy

Nogueira, para diferenciar o Brasil dos Estados Unidos (MUNANGA, 2006).

A prática do racismo é histórica e foi construída socialmente nas

relações sociais e pelas relações de poder que se fizerem presentes nos

diferentes modelos sociais organizados historicamente (seja ele por raça, etnia,

opção sexual, entre outras).

A PROBLEMÁTICA DO RACISMO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

O Brasil é um país historicamente formado por uma diversidade de

grupos étnico-raciais, e com isto, pluralidade de crenças, costumes, entre

outros. Entretanto, é muito presente o racismo em suas diferentes formas de

expressão. Este é um país com baixo desenvolvimento social, econômico e

político e com graves problemas nas questões relacionadas à saúde,

habitação, saneamento e educação. A população pobre é que mais sofre as

conseqüências desta realidade. As condições sociais desta população que, em

número significativo, por determinações históricas, se constituí principalmente

do grupo de negros, tem também ocasionado condições precárias no processo

de escolaridade, traduzidas no baixo nível de formação, nas más condições de

estrutura e organização e em diversas formas de discriminação dentro e fora

da escola.

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É preciso discutir até que ponto o racismo influência o desempenho

escolar no ensino brasileiro. Na infância as práticas discriminatórias podem

deixar seqüelas muitas vezes difíceis de serem sanadas. A delicadeza da

temática e sua gravidade tornam a discussão a respeito do assunto tensa. As

relações estabelecidas no âmbito escolar, no que se refere ao ensino

aprendizagem, não deixam dúvidas de sua complexidade, em se tratando da

temática racial. As relações raciais na escola são, via de regra, movidas por

uma invisibilidade, por parte da maioria dos professores e da comunidade

escolar.

Quando se propõe uma discussão com os professores, ela gera na

maioria das vezes, tensão e desconforto. Muitos preferem silenciar, ao invés de

enfrentar o problema. Alguns chegam a negar a existência de racismo na

escola. “A ausência de iniciativas diante de conflitos raciais entre alunos e

alunas mantém o quadro de discriminação. Diante desses conflitos o “silêncio”

revela conivência com tais procedimentos (CAVALLEIRO, 2001, p.153). Um

passo importante em busca de uma educação anti-racista é reconhecer a

existência de atitudes discriminatórias na escola e dar atenção quando essas

atitudes ocorrerem. O silêncio muitas vezes pode levar o aluno a se sentir

abandonado, sem o apoio de uma pessoa, que neste momento deveria fazer

algo para confortá-lo e fortalecer sua estima. A falta de ação leva por vezes, a

revolta, e o aluno passa a ser considerado violento, adquirindo o esteriótipo de

agressivo e a violência racial que ele sofreu é desconsiderada. Os diretores,

pedagogos e professores precisam ser sensibilizados para a gravidade deste

problema, que pode deixar seqüelas, que podem acompanhar até a vida adulta

deste aluno.

Na escola em que foi realizada a intervenção, o corpo docente é

formado por 9 (nove) professores dos quais duas professoras são negras. Foi

ofertado no ano de 2007, um curso de extensão em parceria com a

Universidade Federal do Paraná, através do NEAB (Núcleo de Estudos Afro-

Brasileiros), sob a coordenação de Paulo Vinícius Baptista da Silva e com a

minha co-coordenação. O curso foi ministrado por mestres, doutores e

pesquisadores da temática ligada a História da África e cultura Afro-brasileira,

totalizando 24 horas. A participação dos professores foi significativa (5

participaram ) e ao final do curso receberam o livro:Notas de história e cultura

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afro-brasileiras. Orgs. Hilton costa & Paulo Vinícius Baptista da Silva. Ponta

Grossa, Editora UEPG/UFPR, 2007. O curso foi organizado seguindo o descrito

a seguir:

Dia 04/10/2007 - Prof.Dr. Paulo Vinícius Baptista da Silva – Brasil segundo

maior país com população negra, só é menor que a população da Nigéria. A

Europa é considerada como centro da civilização, a África considerada como

inferior. Ponto de vista dos europeus etnocentrismo; olhar reduzido e redução

da riqueza dos povos. Na África – ausência de civilização. Relacionam o Egito

não com a África e sim com o Oriente Médio. Etiópia- país de fome endêmica.

Reino de altíssimo desenvolvimento mesmo comparado á Europa, no início do

século XX – ausência de desadaptado social – aprendiam as regras morais

com os pais, toda noite. Foi um reino de abundância durante séculos.Não tinha

grandes impérios, era um poder dissolvido entre as pessoas. O sistema político

era formado por clãs, família ampla, todas as decisões eram tomadas em

conselho, nas assembléias. Nelson Mandela líder da África do Sul, resistência

fortíssima. Sistema de resistência, apesar da repressão; luta contra o

Apartheid. Existe desenvolvimento tecnológico em muitas cidades; exploravam

minas. Bateia é um instrumento tecnológico, criado na África.

Cam era um dos filhos de Noé. Cam causou a ira do pai ao ver sua nudez é foi

banido de Canaã, foi habitar a palestina, tornou-se um filho renegado de Noé.

Os africanos foram considerados pelos s católicos, durante um período

histórico, como descendentes de Cam – não tem alma. É importante

resignificar a História da áfrica e Afrobrasileira, para deixar de associá-la a

pobreza e ausência de civilização. No Paraná na metade do século XIX , 45%

da população era negra. Existe a necessidade de reconhecer o legado deixado

pelos negros, muito além do trabalho escravo. Em Palmares a política era

organizada. Nas rotas de comércio dos quilombos, formava-se uma rota

paralela, que faziam trocas com quilombos e a cidade. O café é um produto

etíope, os imigrantes italianos não eram aptos para trabalhar com o cultivo do

café.

Os pais contavam as crianças após o jantar, fábulas- tradição oral. Fábulas de

Êsopo, são asiáticas e africanas.

As religiões de matriz africana são um problema no Brasil. Não dá para falar de

História da áfrica sem falar de discriminação sofrida pelos seguidores das duas

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formas principais – Candomblé e Umbanda. A experiência em freqüentar o

Candomblé e a Umbanda é realizada por brancos e negros, tornando-se um

espaço privilegiado de integração.No século XVI e XVII os portugueses ao

conquistarem o litoral africano, consideravam , sob o ponto de vista deles, que

os africanos cultuavam o diabo. Orixá – deuses com uma parte humana e uma

parte divina, não existe a entidade deus, existe uma força criadora, que usa os

orixás para se comunicar com as pessoas.

A mulher africana apresenta sexualidade avançada no que diz respeito aos

europeus.

Tese de doutorado – Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa.

Realiza pesquisas no NEAB, sobre o negro no discurso midiático.

Dia 17/10/2007 - Mestrando da UFPR – Sérgio do Nascimento – Filme Vista a

Minha pele e discussão sobre esteriótipo nos livros didáticos. Citou Florestan

Fernandes, Caio Prado e Otavio Ianni. Ressaltou o Mito da Democracia racial,

que foi defendido por Gilberto Freyre e incorporado por políticos e por uma

grande parcela da população brasileira, e discutiu com os professores essa

falsa idéia, pois, segundo ele não existe uma democracia racial no Brasil, pois

as oportunidades não são as mesmas; negros e brancos soa iguais perante a

lei, mas no cotidiano situações de racismos são vividas diariamente e o índice

de desemprego, escolaridade não são os mesmos, demonstrando que a raça

negra ocupa os piores empregos, o menor índice de escolaridade. O

movimento negro também foi lembrado e a importância de sua luta para as

conquistas relacionadas a educação.

Num segundo momento falou sobra à lei e depois sobre formas simbólicas de

representação do negro, beleza, cabelo, alimentação e depois falou sobre

comportamento civilizado e comportamento de barbárie. Destacou a estrutura

de pensamento histórico social econômico e disse que surgem sutilezas, que

são demonstrados em alguns filmes como a Negação do Brasil e o Vista minha

pele. Falou sobra à invisibilidade do negro.

Dia 07/11/2007 - Mestre Hilton Rocha – Literatura – século XIX – Brasil

estava sendo inventado enquanto nação; não existia rede de ensino, só os

estabelecimentos da igreja Católica, Faculdades Direito – São Paulo e Recife,

Medicina – Bahia e Rio de Janeiro. Os formados migravam para outras áreas,

como a política. Fica evidenciado no século XIX, um projeto de nação. Os

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alunos ao lerem literatura do XIX acabam tendo acesso a um projeto de

nação.Misogênia e racialismo fruto da literatura do século XIX, legítimo no

referido século. País século XIX, três coisas: um território, uma língua e um

povo. Memórias de um sargento de Milícias, novela Cobras e Lagartos-

Foguinho representado pelo ator Lázaro Ramos, retrata a malandragem.

Adriano Morais – intelectual negro, Mario de Andrade – negro. O retrato de

Machado de Assis vai sendo representado cada vez mais branco.

Macunaíma – Mario de Andrade – as pessoas se identificam com ele. O Brasil

tem uma cultura do não trabalho formal. Mestiço – grande guarda –chuva das

relações raciais no Brasil.

Dia 14/11/2007 – Estagiários NEAB – Neli Gomes e Wellington Santos

Fizeram uma oficina, distribuindo para três grupos de professores, os jornais de

circulação no Paraná: Gazeta do povo, Estado do Paraná e a Tribuna, além de

revista. Pediram para os professores selecionarem em que partes dos jornais

apareciam pessoas negras. Os professores constataram que pessoas negras

aparecem, na coluna de esportes, ás vezes músicas e na parte policial.

Perguntaram aos professores se havia racismo na escola em que atuavam,

eles foram unânimes em dizer que não. Como sou pedagoga do

estabelecimento, argumentei que já atendi vários casos de racismo. Alguns

voltaram atrás e disseram que resolvem os problemas na própria sala de aula,

sem dar a importância devida ao problema (meu ponto de vista). Os estagiários

falaram sobre a pesquisa que desenvolvem sob a orientação do Prof. Dr. Paulo

Vinícius da UFPR, que é sobre o negro no discurso midiático, analisando os

jornais. Relataram que são alunos cotistas e do orgulho de participar dessa

política afirmativa, o que gerou um certo constrangimento, pois alguns

professores são contra e questionaram as cotas. O estagiário Wellington,

amenizou a situação e disse que não era esta a questão a ser discutida.;

retomou a discussão e passou um vídeo, retratando pessoas negras que vivem

em Curitiba, um artesão do Largo da Ordem, que expressou as dificuldades de

ser negro nesta cidade; uma modelo que é carteira e alguns alunos falando

sobre a questão racial.

Dia 21/11/2007 – Mestre Ana Lúcia Martins – Passou o Filme Mentes

Perigosas e realizou uma análise posterior sobre como os personagens negros

e de origem espânica foram representados no filme. Está análise foi feita com

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base no texto de Henry Giroux – Por uma pedagogia e política da branquidade.

A professora Ana Lúcia, forneceu uma síntese do texto para os professores e

discutiu alguns tópicos, entre eles, de como os personagens negros foram

representados como marginais e violentos, tendo como única salvação uma

professora branca. Falou sobre o conceito de branquidade.

Dia 28/11/2007 – Professora PDE – Tânia Mara Pacífico – Filme Kiriku e

a feiticeira, Direção: Michel Ocelot. Estudo de sugestões de atividades

formulada pela Professora Ana Cristina Fínculo Miguel da Escola Estadual

Guerino Veodato em Matão, São Paulo.

O filme kiriku e a feiticeira traz todo o fascínio da tradição africana numa

história que celebra a coragem, a curiosidade e a astúcia, baseada em uma

lenda da África Ocidental sobre uma comunidade submissa a uma terrível

feiticeira.Nesta aldeia nasceu Kiriku, para lutar contra o mal, representado pela

feiticeira. A princípio, mesmo seus companheiros riam de seu tamanho,

demorando a reconhecer nele sua coragem, esperteza e sabedoria, no entanto

Kiriku enfrenta o poder de Karabá, a feiticeira, e seus guardiões, esculturas

conduzidas pela força mágica do espírito do mal. Enquanto seus companheiros

guiados pelo Contador de histórias morrem de medo da feiticeira, Kiriku tem

coragem para enfrentar o mal e aprende em sua luta, que a origem de tanta

maldade é o sofrimento e só a verdade, o amor, a generosidade e a tolerância

aliados a inteligência são capazes de vencer a dor. Um desenho animado

moderno e encantador que fala a língua das crianças sem subestimar a

inteligência de adultos e crianças. Foram analisadas 10 atividades sugeridas

pela professora, contendo sugestões práticas, para uso em sala de aula.

Dia 12/12/2007 – Professora PDE – Tânia Mara Pacífico. Filme Quanto

vale ou é por quilo? Direção; Sérgio Bianchi.

Sinopse: Uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual

exploração da miséria pelo marketing social, que forma uma solidariedade de

fachada. No século XVII um capitão-do-mato captura uma escrava fugitiva, que

está grávida. Após entregá-la ao seu dono e receber sua recompensa, a

escrava aborta o filho que esperava. Nos dias atuais uma ONG implanta o

projeto Informática na Periferia em uma comunidade carente. Arminda, que

trabalha no projeto, descobre que os computadores comprados foram

superfaturados e, por causa disso precisa agora ser eliminada. Candinho, um

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jovem desempregado cuja esposa está grávida, torna-se matador de aluguel

para conseguir dinheiro para sobreviver.

Neste dia a discussão foi envolvida por uma tensão. O filme retrata cenas

fortes da escravidão e preconceito, o que causou constrangimento entre os

professores, que procuravam desviar o foco da discussão, que deveria ser

sobre racismo e as crueldades da escravidão. Eles insistiam em falar sobre

corrupção no Brasil. Foi possível notar como é difícil estabelecer a discussão

sobre a temática racial com os professores, que preferem negar a existência de

racismo no Brasil, demonstrando acreditar no mito da democracia racial,

fugindo para não enfrentar o problema.

Dia 17/12/2007- Mestre Abel Ribeiro dos Santos. Apresentou sua

dissertação de Mestrado defendida na UFPR no Programa de Pós –graduação

em Sociologia- Setor de Ciências Humanas Letras e Artes. Título: Educação e

relações raciais - um estudo de caso. Iniciou cantando uma música de lamento

sobre a situação de Angola, fez uma dinâmica de sensibilização, para iniciar

essa temática que segundo ele é negada na escola, ou seja o racismo.

Passou para os professores um resumo sobre a dissertação. Segue resumo:

Este trabalho tem como pano de fundo as relações em âmbito nacional em

relação ao tema relações étnico-raciais no Brasil. O foco central de estudo são

as relações raciais e as práticas educativas de professores, especificamente

em Curitiba. A partir de uma abordagem qualitativa de natureza interpretativa,

foram entrevistados profissionais pedagogos, professores, funcionários e

alunos para saber como se dão as relações étnicos-raciais na escola. Analisa-

se ainda, in fine, como as práticas docentes têm contribuído para a discussão

do papel da escola (problematização/reprodutora) em relação às práticas

discriminatórias a negros no ambiente escolar.

CAMINHOS PARA UMA AÇÃO ANTI-RACISTA

Estudos demonstram que mesmo em famílias, em que os irmão são

fenotipicamente diferentes, o aluno com fenótipo com características da raça

negra, pode apresentar pior rendimento escolar do que o irmão branco. Ao

terem o desempenho educacional comparados, irmãos de cor diferente (irmãos

brancos em comparação com pretos ou pardos); os irmão brancos apresentam

maior possibilidade que os irmãos negros, de apresentar rendimento adequado

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a idade série, conforme dados do censo de 1991 (SILVA, 2005). Tendo em

vista que pertencem à mesma família, e tiveram a mesma criação, a explicação

se desloca para o racismo sofrido no ambiente escolar.

O discurso de que vivemos, no Brasil, uma democracia racial, é

enfatizado na escola, mas já passou da hora da descontrução desse mito;

muitos autores vêm trabalhando nesse sentido (PAULO SILVA, 2005;

CAVALLEIRO, 2001; MUNANGA, 2006).

O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural

entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na

sociedade brasileira: exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os

indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites

dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das

comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de

exclusão da qual são vítimas na sociedade (MUNANGA,2006, p.89).

A idéia, de que o Brasil, vive em uma democracia racial, foi defendida

por Gilberto Freire, sociólogo, em seu livro Casa Grande e Senzala e persiste

até os dias atuais. Mas a população negra sofre na pele no dia-a-dia uma série

de situações envolvendo humilhações e privação de seus direitos, fatos que

acontecem com freqüência também na escola; de forma velada mas muitas

vezes explícita, reforçando e naturalizando a inferioridade da população negra.

Encontramos na literatura alguns exemplos: “Aparecida, 11 anos, negra,

afirmou não gostar de Glauber, um colega de sala, porque „ ele é enjoado... fica

me chamando assim de baleia, de negona, de pretona‟. A reação de Aparecida

diante disso é : Eu finjo que não escuto” (FAZZI, 2006, p. 178). Ao comentar

com uma amiga negra, com baixa escolaridade tal artigo, ela me contou que

lembra com tristeza de ocasiões em que era xingada de “pau de fumo”, de

“macaca”, “ de nega fedida”, na escola. Disse que no começo sentia muito ódio,

mas que depois se acostumou e nem ligava mais. Os depoimentos permitem

levantar a hipótese que em muitas ocasiões o racismo causa a princípio

indignação e depois anestesia e a pessoa começa a aceitar como normal, ou

seja, fica naturalizada a suposta superioridade do branco sobre o negro.

Neste sentido, considera-se importante, promover espaços de análise e

reflexões sobre este tema, na perspectiva de desenvolver estratégias

pedagógicas de práticas anti-racistas com a contribuição da Lei n.° 10.639 de

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09 de janeiro de 2003, que define a inclusão pelas escolas nos seus currículos

de conteúdos de História da África e Cultura Afro-Brasileira. Tal proposição

pode ser considerada como uma possibilidade de avanços no âmbito

educacional e cultural e, portanto, uma possibilidade, também, de mudanças

em práticas sociais e humanas, com o reconhecimento que os negros

contribuíram fortemente para a formação do povo brasileiro.

Repensar a forma de organização curricular e incentivar ações

pedagógicas que venham ao encontro das lutas travadas pelos negros1, por

direito de participação em todos os segmentos da sociedade é um dever, agora

instituído e garantido por lei. A lei, que modifica o artigo 26 da LDB (Dias,

2005). Essa legislação legitima uma antiga reivindicação do movimento negro e

a sua implementação nas escolas pode auxiliar para ressignificar a história do

negro no Brasil, como estratégia para mudança do auto-conceito e crítica ao

eurocentrismo. Cabe aos estabelecimentos de ensino criar mecanismos para

que ela seja cumprida. Segue o que reza a Lei:

Art. 1o O art. 26-A da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a

seguinte redação:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos

e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo

incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a

formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais

como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos

povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e

o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas

contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história

do Brasil.

1 Será utilizado o termo negro, para designar pessoas, ou características da população

do Brasil, denominada nos Censos como pretas e pardas, segundo o sentido utilizado pelo movimento negro.

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§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos

povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo

escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e

história brasileiras.” (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua

publicação.

Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e

120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad

Para efetivar a real aplicação da Lei n.º10.639/03 sugere-se que

diretores, equipe pedagógica e professores aprofundem o conhecimento

teórico e metodológico sobre o assunto e viabilizar condições para

consolidação deste conhecimento, com a intenção de implantar na escola uma

prática anti-racista. Propõe-se que uma prática que repudie o racismo e

qualquer forma de preconceito nas escolas, pode contribuir para melhorar o

ensino aprendizagem e ajudar na manutenção dos alunos negros nas escolas,

com voz e participação ativa neste processo:

Todas as escolas deveriam fazer os professores e os alunos participarem do currículo anti-racista que, de algum modo, está ligado a projetos da sociedade em geral. Esta abordagem redefine não somente a autoridade do professor e a responsabilidade dos alunos, mas situa a escola como uma força importante na luta por justiça social, econômica e cultural. Uma pedagogia de resistência pós-moderna e crítica pode desafiar as fronteiras opressivas do racismo, mas também aquelas barreiras que corroem e subvertem a construção de uma sociedade democrática (GIROUX, 1999, p.166).

Portanto, o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira, se

ensinado nas escolas com compromisso e responsabilidade, por parte dos

professores, pode contribuir para valorizar a identidade negra e para que os

alunos se fortaleçam, permaneçam estudando e aumentem o percentual de

escolaridade, até então baixo, dos alunos negros.

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ARTICULAÇÃO COM O MOVIMENTO NEGRO

Os movimentos negros através de variadas ações, tais como palestras

e ações conjuntas, apresenta-se como um aliado das escolas para ajudar a

articular estratégias para implementar uma educação anti-racista.

O movimento negro também é muito atuante no cenário brasileiro, e ao

longo da história está travando lutas em busca de uma sociedade onde os

negros tenham seus direitos garantidos. Para tanto o conhecimento sobre a

temática racial e a capacidade de se colocar no lugar do outro são primordiais.

Diversos seminários, encontros, oficinas, entre eles: a comemoração do

centenário da abolição da escravatura em 1988, a III Conferência Mundial das

Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata,

realizada em Durban, em 2001, trataram de temas ligados ao racismo e ao

combate do racismo nos livros didáticos. Destaca-se também a importância do

movimento negro, através de ações diversificadas (SILVA, 2005).

Na luta por conquistas relacionadas às questões raciais, entre elas: a

luta contra o racismo e a discriminação racial; a literatura aponta a importância

que movimento negro teve e têm nas mais diversas reivindicações e avanços.

A inserção do estudo da História e Cultura da áfrica e Afro-Brasileira é uma

antiga reivindicação do movimento negro, que contribuiu para elaboração da

lei 10639/03: “Ao movimento social negro tem-se constituído como um

movimento importante na sociedade brasileira. A história é repleta das ações

de rebeldia, de luta e libertação da população negra, desde o início da

escravidão no Brasil. Os quilombos são sinais vivos dessa organização e

resistência” (PAIXÃO, p.53, 2007).

O Parecer n.º 03/04 do Conselho Nacional de Educação, prevê o ensino

da História da África, de forma positiva, buscando não enfatizar as questões

relacionadas aos aspectos negativos. Essa indicação se deve principalmente

ao fato de que o aluno negro precisa, desde a mais tenra idade infância,

formar sua identidade. Sendo considerada como um processo contínuo

construído pelos negro/as em diversos espaços institucionais ou não, pelos

quais circulam; essa identidade negra também é construída na escola, durante

a trajetória desses sujeitos. Portanto a escola tem a responsabilidade social e

educacional de compreender sua complexidade, respeitando-a, bem como as

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outras identidades construídas pelos sujeitos no âmbito escolar; lidando de

maneira positiva com ela (GOMES, 2005).

Para enfatizar a importância do Movimento Negro Paranaense, no dia 19

de novembro de 2008, como parte da comemoração da semana de

Consciência Negra, a escola contou com a participação pela manhã do Saul

Dorval da Silva, representante deste Movimento Instituto África & Brasil, e no

período da tarde com o Paulo Borges, representante da ACNAP, para proferir

uma palestra para professores e alunos.

ANÁLISE CRÍTICA DE LIVROS E MATERIAIS DIDÁTICOS

No que diz respeito à educação brasileira é possível perceber e vivenciar

as distorções sobre os negros em materiais didáticos pedagógicos e também

na forma de ministrar as aulas, que por vezes, são carregadas de falta de

conhecimento e preconceito com relação aos negros, sua história, suas

características e sua cultura:

Assim, pelo menos desde a década de 1970, foram sendo realizadas pesquisas sobre livros didáticos de diferentes disciplinas e níveis escolares e de literatura infanto-juvenil que evidenciam o forte preconceito racial aí veiculado, que se manifesta desde a menor representação de personagens negros a servirem de modelo, passando por sua desqualificação até a omissão quanto à contribuição do negro na formação cultural do Brasil ( ROSEMBERG, 1998, p.84).

Cabe ao professor prestar muita atenção nos materiais didáticos que

utilizará para ministrar suas aulas. O livro didático que na maioria das vezes é o

principal recurso utilizado, pelos professores em sua prática diária, pode

reforçar o racismo. Determinados livros didáticos ao retratar o negro, ocupando

cargos subalternos, sem família constituída, praticando atos ilícitos, passam a

idéia de inferioridade racial. Cândida Soares da Costa (2007, p. 89) esclarece

muito bem esta questão quando afirma que:

Os negros continuam sendo colocados em posições semelhantes aos que as ideologias racistas insistem em conferir-lhes ao longo do tempo. A análise dos dados aponta que as imagens distorcidas, dispensadas a negros e brancos, ajudam a disseminar a condição de discriminação contra os negros, haja vista que são representados como insignificante minoria e em papéis de pouca valorização social (COSTA, 2007, p. 89).

14

No Paraná em 2007, representantes do Coletivo da Igualdade Racial e

ACNAP (Associação Cultural da Negritude e Ação Popular) denunciaram junto

ao Ministério Público em Londrina, e anexaram a carta do Professor Edmundo

Silva Novais que pedia a retirada do livro didático da Editora Positivo – Coleção

conversando sobre História – 3ª série do autor Francisco Coelho Sampaio, que

trazia ilustrações racistas. Segundo o professor o livro descumpre a lei e

negligencia a história dos povos negros na História do Brasil. Relatou também

o exagero de imagens em que pessoas negras aparecem em condições de

humilhação e sofrimento, totalizando 25 imagens. Dentre as quais 10 mostram

pessoas negras apanhando e sendo humilhadas por pessoas brancas. A que

chama mais atenção são crianças negras sofrendo e acorrentadas pelo

pescoço. O termo escravo aparece 73 vezes, intercalando os termos negros e

africanos, podendo fazer as crianças acreditarem que são sinônimos. Em

12/12/2007 as referidas entidades, obtiveram parecer favorável a mudança de

conteúdo negativo sobre a participação do povo negro na História do Brasil.

(www.app.com.br.coletivos/igualdade racial).

Esta atuação da APP-Sindicato do Paraná e do movimento negro

(ACNAP) com a colaboração do Professor Edmundo, alerta para o papel dos

professores no que diz respeito a analisar e ficar atento as ilustrações

existentes nos livros e materiais didáticos, para seguir este exemplo e

denunciar essas manifestações racistas.

O fato de existirem livros didáticos que mantêm as idéias de supremacia

racial branca e inferiorizam negros e indígenas, não quer dizer que nada pode

ser feito. Professores com boa formação e compromissados com uma

educação anti-racista, ao perceberem textos e ilustrações que desmereçam os

não brancos podem, por meio de análise criteriosa, discutir com os alunos,

para descaracterizar a discriminação. Nas palavras de Paulo Vinícius Baptista

da Silva:

Utilizando textos em sala de aula que trazem muitas marcas de hierarquia entre brancos e negros(ou entre brancos e indígenas, ou entre heterossexuais e homossexuais, etc.) professores bem preparados para debater estes temas podem operar no sentido de crítica, junto com seus alunos, aos discursos discriminatórios. (...)Da análise crítica conjunta com os alunos talvez possamos

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gerar pontos de vista anti-racistas e anti-discriminatórios, mudando a direção da que normalmente operam os discursos nas escola (SILVA, 2007, p. 188).

RESPEITO À DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA

Ao tratar das questões religiosas, os praticantes das religiões de matriz

africana, Candomblé e Umbanda principalmente, sofrem preconceito por uma

parte da população brasileira. As igrejas católicas e evangélicas condenam os

rituais, considerando-os satânicos; fazem associação dos orixás a demônios.

“Mas até hoje existe um persistente preconceito na população em geral, contra

as religiões afro-brasileiras e os terreiros de candomblé, que são

freqüentemente chamados de “macumba”, com significado de antros do mal”.

(LÉPINE, 2007, p.35). Diante da diversidade de religiões existentes no mundo,

originadas de culturas diferentes, a intolerância às religiões afro-brasileiras, por

vezes, é fruto da falta de conhecimento. A disciplina de ensino religioso, têm

como indicação transmitir o conhecimento sobre todas as religiões, inclusive as

de matriz africana. Através do estudo dessas religiões é possível desmistificar

essas crenças, mostrando a beleza do ritual e das relações fraternas que são

estabelecidas entre negros e brancos, nos terreiros de Candomblé e centros de

Umbanda.

A Umbanda é resultado do encontro do Candomblé, do espiritismo

kardecista francês e do catolicismo e é considerada uma religião brasileira.

O Candomblé desenvolveu-se em várias regiões do país, ficando

conhecido com outras denominações. Na Bahia é Candomblé , Rio Grande do

Sul recebe o nome de batuque, no Rio de Janeiro de macumba, xangô em

Pernambuco e Alagoas , tambor de mina no Maranhão e Pará ( MUNANGA&

GOMES, 2006). É uma religião monoteísta. Oludumaré é o Supremo - Criador ,

que é ajudado pelo orixás2. Os praticantes dessa religião fazem sua conexão

com o sagrado através o Ifá – Oráculo detentor de toda sabedoria. A liturgia é

demorada e tem início com apresentação dos iniciados possuídos por seus

orixás, dançando, sendo identificados pela cor de seus trajes. Existem as

ialorixás, lideres máximas do Candomblé, que são sacerdotisas que conduzem

2 “São divindades africanas trazidas para o Brasil pelos negros yorubás, grupo étnico da

África do oeste que inclui países como Nigéria, Togo e República do Benin (BOTELHO, 2006, p.136).”

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o terreiro. Os babalorixás são sacerdotes masculinos. Cada orixá tem suas

especificidades, que inclui roupas, insígnias, cores e cantos (BOTELHO, 2006).

O reconhecimento da importância da valorização e aceitação dos rituais

e das religiões de matriz africana é um passo rumo ao combate a intolerância

religiosa, contribuição que a escola encontra respaldo legal, para dar através

da Lei 10639/03.

Em 2008, a professora de ensino religioso, concluiu uma especialização

e apresentou uma monografia intitulada: Religião de Matriz Africana, ou seja

buscou fundamentação teórica e este enriquecimento refletiu-se em sua prática

pedagógica, pois ao ministrar suas aulas, introduziu o conteúdo relacionado as

religiões de matriz africana e apesar de ser católica fervorosa, conseguiu,

tomada as devidas proporções, trabalhá-los de forma satisfatória; nas 5ª e 6ª

série, nos períodos da manhã e da tarde. Os alunos fizeram pesquisas sobre

Candomblé e Umbanda, apresentaram em sala de aula e expuseram os

cartazes no pátio da escola.

ESCOLHA DE CONTEÚDOS E VALORIZAÇÃO DO AFRO-BRASILEIRO

A opção sobre conteúdos escolares que levem à valorização de afro-

descentes e africanos apresenta múltiplas possibilidades. Trataremos a seguir

de alguns exemplos de temas que podem ser trabalhados neste sentido, com o

intuito de colocar em primeiro plano a positividade da herança africana e afro-

brasileira.

As crianças negras são geralmente levadas a acreditar em sua grande

maioria, que os negros ao serem escravizados, não resistiram ao serem

capturados e aceitaram a escravidão de forma passiva. Este fato pode gerar

um sentimento de inferioridade e a construção de uma postura submissa, que

dificulta o relacionamento com os demais alunos, com professores e

principalmente pode interferir na aprendizagem. Uma das formas de resistência

que, por vezes, não é enfatizada durante as aulas pelos professores, nas

disciplinas de História e Geografia principalmente são os quilombos:

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“Nesse sentido, o quilombo não significa refúgio de escravos fugidos. Tratava-se de uma reunião fraterna e livre, com laços de solidariedade e convivência resultante do esforço dos negros escravizados de resgatar sua liberdade e dignidade por meio da fuga do cativeiro e da organização de uma sociedade livre. Os quilombolas eram homens e mulheres que se recusavam viver sob o regime da escravidão e desenvolviam ações de rebeldia e de luta contra o sistema (MUNANGA & GOMES 2006, p.72).”

O professor ao oportunizar as crianças esse conhecimento,

aprofundando o tema, passando filmes e viabilizando discussões, dá elementos

para que elas passem a perceber como foram guerreiros seus antepassados,

que desejavam uma vida digna para os seus descendentes que foi

materializada, com competência, através da organização dos quilombos. Por

exemplo, o filme Quilombo, com direção de Cacá Diegues, descreve a

organização do Quilombo dos Palmares, que ocorreu por volta de 1650,

quando um grupo de escravos se revolta , num engenho de Pernambuco e vai

para o Quilombo de Palmares, onde vários ex-escravos fugitivos resistem ao

cerco colonial. Destacam-se Ganga Zumba, príncipe africano e futuro líder do

quilombo, posteriormente, Zumbi, que será contra as idéias conciliatórias de

Ganga Zumba, e enfrentando um grande exército. O filme tem duração de 119

minutos (Cadernos temáticos, 2006). No Paraná apesar da pouca divulgação,

existem comunidades remanescentes de quilombos, identificadas pelo Grupo

de Trabalho Clóvis Moura, localizadas em sua maioria nos Campos Gerais, em

Curiúva, Castro, Guarapuava, Lapa, Ponta Grossa, Campo Largo, entre outras

(Cruz,2006).

Em 2004, teve início o mapeamento das comunidades remanescentes

quilombolas no Estado do Paraná. O grupo de trabalho Clóvis Moura, do

governo do Estado, sob a coordenação de Glauco Souza Lobo e a Professora

Clemilda Santiago que coordena o trabalho de campo, pela SEED, catalogaram

mais de 20 locais, e 14 delas têm o reconhecimento da Fundação Palmares,

como remanescentes quilombolas e aproximadamente 20 comunidades estão

em processo de reconhecimento. A comunidade remanescente Paiol de Telha,

localizada no município de Pinhão, foi a primeira a chamar a atenção no Estado

e recebe o apoio de várias entidades: APP-Sindicato do Paraná, CUT, ACNAP

entre outras (Cadernos Temáticos, 2006).

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Uma preocupação que os professores devem ter é com as imagens

usadas por eles para ilustrarem suas aulas. Em certas ocasiões, alguns

professores lançam mão de imagens apelativas, encontradas facilmente na

Internet, para sensibilizarem os alunos com relação à pobreza, falta de

saneamento básico, comida e de oportunidades, utilizando-se para tanto de

imagens de crianças negras em condição de penúria e brancas com toda sorte

de privilégios. Quando se depara com essa situação a criança negra se sente

humilhada e tende a se identificar com a impossibilidade de conseguir se

posicionar como capaz. Na África e no Brasil, existem crianças negras vivendo

em condições adequadas. Existem imagens belíssimas de países africanos,

com cidades altamente industrializadas e usufruindo de excelentes condições

tecnológicas, que precisam ser mostradas. O imaginário infantil pode ser

alimentado com ilustrações positivas da população e dos países africanos.

Na disciplina de Artes, foi utilizado o filme Kiriku e a Feiticeira direção de

Michel Ocelot , e realizada uma atividade com alunos de 5ª série, através de

desenhos e contextualização histórica.

Através do filme Vista Minha Pele, de Joelzito Araújo, os professores de

português proporcionaram momentos de discussão sobre uma educação anti-

racista e redações foram produzidas sobre o tema.

Outro tema que merece destaque é a oralidade é muito valorizada na

cultura africana, as disciplinas de português, artes e educação física, através

dos contos africanos, encontram possibilidades de demonstrar a riqueza

herdada dos ancestrais, explicando como os contos eram utilizados,

enfatizando a arte e a musicalidade. O Ministério Público através do FNDE,

PNBE, distribuíram em 2007 para escolas estaduais de ensino fundamental,

livros de contos, dos quais dois sobre contos africanos que podem ser

utilizados em sala de aula. São eles: Sikulume e outros contos africanos,

adaptação de Júlio Emílio Braz, ilustrações de Luciana Justiniani, Editora

Pallas, Rio de Janeiro, 2005 e Histórias Africanas para Contar e Recontar,

autor Rogério Andrade Barbosa, ilustrações de Graça Lima, Editora do Brasil,

São Paulo, 2001.

Os contos fazem parte da tradição oral africana e eram contados pelos

mais velhos, em algumas comunidades, após o jantar, as crianças eram

reunidas para ouvi-los e sempre tinha um teor de ensinamento.

19

A professora de português trabalhou com contos africanos e montou

uma peça teatral adaptada e dirigida pelos alunos, do livro Sikulume, do conto

A origem da morte.

Outra questão se refere a uma preocupação que atormenta as crianças

pertencentes a raça negra é o cabelo, que é denominado por algumas pessoas

como “cabelo ruim”, a auto-estima das crianças fica muito abalada, pois

almejam, em sua grande maioria ter o cabelo parecido com o da boneca

Barbie, ou com o da apresentadora Xuxa, sonho impossível. Mas para

aproximarem-se desse ideal, muitas recorrem ao alisamento e a trazê-los

presos constantemente, bem esticados, para não se tornarem alvo fácil de

atitudes discriminatórias, tais como serem xingadas de cabelo duro, de bombril,

assolan, pixaim, carrapinha, entre outros.

Desde muito cedo a criança aprende, por exemplo, que cabelo liso é que é cabelo bonito, e esse padrão é reforçado, uma vez que parecem raros, senão inexistentes, elogios ao cabelo crespo durante a infância. (...) A intenção de alisar o cabelo é muito forte entre as crianças observadas. Mesmo as que disseram gostar da própria cor afirmaram não gostar do cabelo. A expressão “nega do cabelo duro” ainda é utilizada como uma forma de inferiorização (...) Esse padrão de beleza, liso e comprido, é quase unanimidade entre as crianças (FAZZI, 2006, p.117).

Os professores, pedagogos e diretores, devem estar atentos e

proporcionar conversas e palestras que exaltem a beleza do cabelo afro,

mostrando a possibilidade de fazer vários penteados, entre eles as tranças,

que expressam a beleza do cabelo e que tem um significado na cultura

africana. A jornalista Neusa Baptista Pinto elaborou um livro, material

pertencente ao projeto “Pixaim: nem bom nem ruim, só diferente”- estímulo à

valorização do cabelo crespo entre crianças na periferia de Cuiabá, que conta

com recursos do Fundo Estadual de Fomento à Cultura do Governo do Mato

Grosso, que conta a história de três meninas que enfrentam as manifestações

preconceituosas relacionadas ao cabelo crespo. Material como esse pode

servir de apoio para enriquecer a prática pedagógica em escolas de ensino

fundamental. O título do livro é: Cabelo Ruim? A história de três meninas

aprendendo a se aceitar. M.T., Editora Tanta Tinta, 2006.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da delicadeza e da gravidade da temática racial, diretores,

pedagogos e professores, ao serem sensibilizados sobre o problema do

racismo no ambiente escolar, tornam-se responsáveis pela promoção de uma

educação anti-racista, no sentido de não medir esforços para garantir

igualdades de condições de aprendizagem para negros e brancos.

O fato de os professores terem participado do curso e feito uma análise

documental da Lei nº 10639/03 modificada pela Lei nº 11645/08; Parecer 03/04

do Conselho Federal de Educação; Deliberação 04 do Conselho Estadual do

Paraná, proporcionou uma mudança significativa prática adotada em sala de

aula com relação ao ensino de História da áfrica e Cultura Afro–brasileira. Em

todas as disciplinas foram trabalhados conteúdos pertinentes a temática.

Na semana da comemoração da Consciência Negra foram realizadas

apresentações como indica a lei de culminância das conteúdos trabalhados:

Entre eles: Confecções de cartazes expostos no pátio sobre relação racial,

cabelo afro, respeito a diversidade; foi lido o Discurso de Martin Luther King,

por alunos da 7ª série; apresentação de uma peça teatral adaptada do Livro

Sikulume _ A origem da morte; dança com uma música africana; encenação da

música – O canto das três raças cantada por Clara Nunes; samba com

participação da professora de português. Foi pedida a autorização dos pais e a

apresentação foi fotografada e transformada em um vídeo.

O compromisso em promover a igualdade racial inclui a implementação da

Lei 10639/03 modificada pela Lei nº 11645/08, que representa uma

possibilidade de avanço para ressignificar a História da África e da cultura Afro-

brasileira; bem como atenção por parte dos professores aos materiais didáticos

utilizados para ministrar suas aulas, tomando cuidado com textos e ilustrações

que possam reforçar o racismo e quando por ventura parecerem denunciar aos

órgãos competentes.

Valorizar os conteúdos como contos africanos, respeito às religiões de

matriz africana, formas de resistência e luta como os quilombos e atualmente a

atuação do movimento negro, durante as aulas, pode contribuiu para elevar a

auto – estima de alunos negros.

21

Essas ações concretas contra o racismo na escola podem amenizar o

prejuízo que esta prática vem trazendo para alunos negros e significar reais

possibilidades de aprendizagem.

22

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para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da

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