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FACULDADE DE DIREITO LUANA DIAS DE SOUZA A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO NO DIREITO BRASILEIRO NITERÓI 2016

A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE ... INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, idealizado

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FACULDADE DE DIREITO

LUANA DIAS DE SOUZA

A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

DIFUSO NO DIREITO BRASILEIRO

NITERÓI 2016

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LUANA DIAS DE SOUZA

A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

DIFUSO NO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial à obtenção

do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Des. Cláudio Brandão de

Oliveira

NITERÓI

2016

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Universidade Federal Fluminense

Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

S729

Souza, Luana Dias de.

A importância do controle de constitucionalidade difuso no direito

brasileiro / Luana Dias de Souza. – Niterói, 2016.

46 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade

Federal Fluminense, 2016.

1. Controle de constitucionalidade. 2. Constitucionalidade das leis. 3.

Princípio constitucional. 4. Estado democrático de direito. 5. Decisão

judicial. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito,

Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.2

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LUANA DIAS DE SOUZA

A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

DIFUSO NO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Faculdade de Direito da

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial à obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Aprovada em 17 de março de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Des. Cláudio Brandão de Oliveira – Orientador

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Manoel Martins

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Índio do Brasil

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

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RESUMO

O presente trabalho trata da importância do controle difuso de

constitucionalidade no direito brasileiro, idealizado na Constituição de 1988. A linha de

pensamento que orientou este trabalho partiu do entendimento de que o juiz deve definir

os litígios e defender os princípios constitucionais, propiciando desse modo a efetiva

tutela dos direitos materiais, sendo assim indispensável para a manutenção do Estado

Democrático de Direito.

Este estudo tem como principal objetivo analisar, à luz do fenômeno do

controle difuso de constitucionalidade, a importância do papel do magistrado na

sociedade, ao qual foi entregue a defesa direta e irrestrita dos direitos e garantias

fundamentais insculpidos na Constituição.

Palavras-chave: Constituição, controle de constitucionalidade, supremacia, atuação

dos juízes e Estado Democrático de Direito.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................................................... 9

1.1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO .................................................................. 9

1.2. FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ....... 10

2. EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.............................................................. 12

2.1 CONSTITUIÇÃO IMPERIAL ........................................................................ 13

2.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE

1891 - O SURGIMENTO DO CONTROLE DIFUSO .............................................. 14

2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934 .................................................................................. 16

2.4 CONSTITUIÇÃO DE 1937 .................................................................................. 16

2.5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

.................................................................................................................................... 17

2.6 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE

1967/69 ....................................................................................................................... 20

2.7 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

.................................................................................................................................... 22

3. OS SISTEMAS NORTE-AMERICANO E EUROPEU DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE ......................................................................................... 25

3.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE AMERICANO (JUDICIAL

REVIEW) ..................................................................................................................... 25

3.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EUROPEU ........................... 27

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................... 29

4. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE............................ 29

4.1 CONTROLE CONCENTRADO OU ABSTRATO ............................................. 29

4.2 CONTROLE DIFUSO .......................................................................................... 32

4.2.1 Objeto ............................................................................................................. 34

4.2.2 Declaração incidental de inconstitucionalidade perante os tribunais ............. 36

4.2.3 Eficácia erga omnes no âmbito do controle difuso ........................................ 36

5. CONTROLE DIFUSO: A ATUAÇÃO DOS JUÍZES E SUA IMPORTÂNCIA

PARA A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO .................................................................... 38

5.1 MODELO ULTRAPASSADO: O JUIZ COMO MERO APLICADOR DA LEI 38

5.2 A ATUAÇÃO DO JUIZ NO SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE

DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................................... 39

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 43

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância do controle

difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, idealizado na Constituição de 1988.

Desta forma, tratando-se de um instituto tipicamente judicial e, tendo em vista os

avanços doutrinários no campo da jurisdição constitucional, sua efetiva aplicação está

vinculada diretamente à atuação dos magistrados.

A linha de pensamento que orientou este trabalho partiu do entendimento de

que o juiz deve definir os litígios e defender os princípios constitucionais, propiciando

desse modo a efetiva tutela dos direitos materiais, atuação esta indispensável para a

manutenção do Estado Democrático de Direito.

A teoria constitucional no Brasil vive um momento venturoso de ascensão

científica e institucional. A Constituição passou para o centro do sistema jurídico,

desfrutando de uma supremacia que já não é tão somente formal, mas também material,

axiológica. Tornou-se a lente através da qual devem ser lidos e interpretados todas as

normas e institutos do direito infraconstitucional.

Nesse contexto, o direito constitucional passou a ser não apenas um modo de

olhar o direito, mas também de pensar e de desejar o mundo: baseado na busca por

justiça material, nos direitos fundamentais, na tolerância e na percepção do próximo, do

outro, tanto o igual como o diferente. À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica

é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do direito

envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando uma pretensão se

fundar em uma norma constitucional; e indireta quando se fundar em uma norma

infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá

verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não poderá fazê-la

incidir; e b) ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos

fins constitucionais.

Como objetivos específicos deste trabalho, propõe-se expor o contexto de

surgimento do controle de constitucionalidade e conceituá-lo. Analisar o surgimento dos

modelos constitucionais tradicionais e a evolução histórica brasileira atinente ao

controle de constitucionalidade. Analisar o funcionamento do controle difuso de

constitucionalidade no Brasil e mostrar que a atuação do juiz não se limita a mera

aplicação da lei; explicar que os princípios constitucionais são a base do Estado

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Democrático de Direito e, por último, expor que o juiz pode atuar como um verdadeiro

defensor da Constituição.

1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1.1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

A constituição é conceituada como sistema de normas jurídicas, produzidas no

exercício do poder constituinte, dirigidas precipuamente ao estabelecimento da forma de

Estado, da forma de governo, do modo de aquisição e exercício do poder, da instituição

e organização de seus órgãos, dos limites de sua atuação dos direitos fundamentais e

respectivas garantias e remédios constitucionais e da ordem econômica e social.

(Moraes, 2013)

Ensina Gilmar Mendes, sobre o conceito material de Constituição:

Fala-se em Constituição no sentido substancial quando o critério definidor se

atém ao conteúdo das normas examinadas. A Constituição será, assim, o

conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais

órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de

disciplinar as interações e controles recíprocos entre tais órgãos. Compõem a

Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação

dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera de

autodeterminação dos indivíduos e grupos que se encontram sob a regência

desse Estatuto Político. Essas normas garantem às pessoas uma posição

fundamental ante o poder público (direitos fundamentais).

(...)

O conceito material de Constituição, portanto, segue a inteligência sobre o

papel essencial do Direito e do Estado na vida das relações em uma

comunidade. A Constituição, como ordem jurídica fundamental da

comunidade, abrange, hoje, na sua acepção substancial, as normas que

organizam aspectos básicos da estrutura dos poderes públicos e do exercício

do poder, normas que protegem as liberdades em face do poder público e

normas que tracejam fórmulas de compromisso e de arranjos institucionais

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para a orientação das missões sociais do Estado, bem como para a

coordenação de interesses multifários, característicos da sociedade plural.1

Ensina ainda sobre conceito formal:

A Constituição, em sentido formal, é o documento escrito e solene que

positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas

por um processo constituinte específico. São constitucionais, assim, as

normas que aparecem no diploma constitucional, que resultam das fontes do

direito constitucional, independentemente do seu conteúdo6. Em suma,

participam do conceito da Constituição formal todas as normas que forem

tidas pelo poder constituinte originário ou de reforma como normas

constitucionais, situadas no ápice da hierarquia das normas jurídicas.

Como se nota, a noção de Constituição formal adere a uma concepção

igualmente importante — a de fonte do direito constitucional. Da mesma

forma, a distinção entre Constituição material e Constituição formal enseja

uma classificação de normas constitucionais. São dois temas que merecem

ser examinados.2

1.2. FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O Controle de constitucionalidade fundamenta-se na supremacia e na rigidez

da Constituição. Visa, primordialmente, preservar os fundamentos basilares do Estado

de Direito e garantir a unidade do sistema, através do expurgo das normas

infraconstitucionais que se apresentem incompatíveis com as regras e princípios

constantes da Lei Maior.

A supremacia da Constituição importa no reconhecimento da Carta

Constitucional como Lei Fundamental do Estado, elaborada pelo Poder Constituinte

Originário, e expressão da vontade social, figurando como o texto inicial e fundante da

ordem jurídica, dotado de posição hierárquica superior às demais normas componentes

do ordenamento.

Pressupõe, assim, um sistema de escalonamento normativo, ou seja, a

hierarquia das leis e a adoção de Constituição escrita e rígida, além da existência de ao

menos um órgão incumbido de exercer esse controle.

1 Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet

Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. 2 Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo

Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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A rigidez funciona como uma espécie de consagração da superioridade da

norma constitucional na pirâmide normativa, e importa na impossibilidade de alteração

do texto constitucional por norma ordinária, demandando um procedimento mais

dificultoso para modificação do Texto Maior que somente se autoriza mediante

processo legislativo especial e qualificado, limitado e regulado pela própria

Constituição.

Hans Kelsen classificou as normas segundo seu grau de importância, criando

um sistema hierárquico de normas, na qual a Constituição encontra-se no mais alto

patamar da pirâmide:

A ordem jurídica de um Estado é, assim, um sistema hierárquico de normas

legais. Em forma bastante simplificada, apresenta o seguinte retrato: o nível

mais baixo é composto de normas individuais criadas pelos órgãos

aplicadores do direito, especialmente os tribunais.

Essas normas individuais são dependentes dos estatutos, que são normas

gerais criadas pelo legislador, e das regras do Direito consuetudinário, que

formam o nível superior seguinte da ordem jurídica. Esses estatutos e regras

de direito consuetudinário, por sua vez, dependem da Constituição, que

forma o nível mais elevado da ordem jurídica considerada como sistema de

normas positivas.3

Esse modelo estabeleceu a noção de validade jurídica, de modo que as normas

inferiores devem estar em conformidade com as de grau superior, numa espécie de

hierarquia vertical.

Dessa forma, a Constituição adquiriu a capacidade de outorgar fundamentos de

validade a toda e qualquer espécie de legislação a ela subordinada, tornando-se

imprescindível criar um mecanismo de controle de “adequação” das normas inferiores,

ou seja, um sistema capaz de verificar se a norma infraconstitucional está em

conformidade com a norma constitucional.

O controle de constitucionalidade assim se justifica pela necessidade de se

manter a compatibilidade da legislação de nível inferior com as normas constitucionais,

que funcionam como normas supralegais a garantir que a vontade do Poder Constituinte

Originário não seja alterada pela vontade do legislador ordinário, preservando os valores

e princípios fundamentais adotados pelo Estado, assegurando estabilidade e segurança

jurídica. 3 KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Tradução de Luis

Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 216.

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A constituição, mesmo dotada de supremacia, não está imune a abusos e

violações, tanto por parte do legislador ordinário como das autoridades públicas em

geral, portanto exatamente por isso há o controle de constitucionalidade, para proteger a

Carta Magna. Não basta as normas constitucionais serem hierárquica e formalmente

superiores às leis em geral. É necessário um instrumento para ser acionado nos casos de

violação à ordem suprema do Estado. Esse instrumento é o controle de

constitucionalidade.

2. EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Quando tratamos do tema controle de constitucionalidade no ordenamento

jurídico brasileiro, devemos nos atentar para a grande evolução histórica de nossas

Cartas Constitucionais desde o Império, transpassando o golpe militar que instaurou a

República, o Estado novo, o golpe de 1964 (também militar), que instaurou um regime

autoritário no país e durou até 1985, chegando à conquista da Carta da República de

1988.

O controle de constitucionalidade das leis tem-se revelado uma das mais

eminentes criações do direito constitucional e da ciência política do mundo moderno. A

adoção de formas variadas nos diversos sistemas constitucionais mostra, por outro lado,

a flexibilidade e a capacidade de adaptação desse instituto aos mais diversos sistemas

políticos.

É interessante observar que o sistema de controle de constitucionalidade sofreu

incrível expansão na ordem jurídica moderna.

Afigura-se inquestionável a ampla predominância do controle judicial de

constitucionalidade e, particularmente, do modelo de controle concentrado. Cuida-se

mesmo de uma nova divisão de Poderes com a instituição de uma Corte com nítido

poder normativo e cujas decisões têm o atributo da definitividade.

Deve assinalar-se que o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil

sofreu substancial reforma com o advento da Constituição de 1988. A ruptura do

chamado “monopólio da ação direta” outorgado ao Procurador-Geral da República e a

substituição daquele modelo exclusivista por um amplíssimo direito de propositura

configuram fatores que sinalizam para a introdução de uma mudança radical em todo o

sistema de controle de constitucionalidade.

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Embora o novo texto constitucional tenha preservado o modelo tradicional de

controle de constitucionalidade “incidental” ou “difuso”, é certo que a adoção de outros

instrumentos, como o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por

omissão, o mandado de segurança coletivo e, sobretudo, a ação direta de

inconstitucionalidade, conferiu um novo perfil ao nosso sistema de controle de

constitucionalidade.

2.1 CONSTITUIÇÃO IMPERIAL

Nossa primeira Constituição, a de 1824, vigia ainda na época do Brasil

Imperial. Nela não havia controle de constitucionalidade expresso, mas vigorava o que

muitos doutrinadores denominam como Dogma da Soberania do Parlamento, que seria

basicamente a regra de que os ditames do Parlamento não poderiam ser discutidos por

outro poder.

A Constituição de 1824 não possuía qualquer tipo de sistema parecido com os

modelos atuais de controle de constitucionalidade.

Por influência francesa outorgou-se ao Poder Legislativo a incumbência de

fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, bem como velar na guarda da

Constituição.

Pimenta Bueno ensinava que o conteúdo da lei somente seria definido pelo

órgão legiferante:

Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de

autoridade ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela.

Só ele e exclusivamente ele é quem tem o direito de interpretar o seu próprio

ato, suas próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder tem o

direito de interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa

faculdade, já porque seria absurda a que lhe desse. 4

Não havia, nesse sistema, lugar para o menor modelo judicial de controle de

constitucionalidade.

4 José Antonio Pimenta Bueno, Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, Brasília:

Senado Federal, 1978, p. 69.

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2.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1891 - O

SURGIMENTO DO CONTROLE DIFUSO

A República Velha abandonou o padrão francês da organização política do

Império e acolheu com entusiasmo o modelo estadunidense. Trata-se da primeira

Constituição Republicana, fortemente influenciada pelas lições de Rui Barbosa,

confessadamente adepto da doutrina norte-americana, por isso chamada de Constituição

da República dos Estados Unidos do Brasil

O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito

norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa, parece ter

sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já na chamada

Constituição provisória de 1890 (art. 58, § 1º, a e b).

O Decreto n. 848, de 11-10-1890, estabeleceu, no seu art. 3º, que, na guarda e

aplicação da Constituição e das leis nacionais, a magistratura federal só intervirá em

espécie e por provocação da parte. “Esse dispositivo (...) — afirma Agrícola Barbi —

consagra o sistema de controle por via de exceção, ao determinar que a intervenção da

magistratura só se fizesse em espécie e por provocação de parte”. Estabelecia-se, assim,

o julgamento incidental da inconstitucionalidade, mediante provocação dos litigantes. E,

tal qual prescrito na Constituição provisória, o art. 9º, parágrafo único, a e b, do Decreto

n. 848, de 1890, assentava o controle de constitucionalidade das leis estaduais ou

federais. A Constituição de 1891 incorporou essas disposições, reconhecendo a

competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos

Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de

tratados e leis federais e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se

contestasse a validade de leis ou de atos dos governos locais, em face da Constituição

ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis

impugnadas (art. 59, § 1º, a e b).

Foi Rui Barbosa quem ampliou o instituto adotado no regime republicano,

vejamos seu trabalho elaborado em 1893:

O único lance da Constituição americana, onde se estriba ilativamente o

juízo, que lhe atribui essa intenção, é o do art. III, seç. 2ª, cujo teor reza

assim: ‘O poder judiciário estender-se-á a todas as causas, de direito e

equidade, que nasceram desta Constituição, ou das leis dos Estados Unidos’.

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Não se diz aí que os tribunais sentenciarão sobre a validade, ou invalidade,

das leis. Apenas se estatui que conhecerão das causas regidas pela

Constituição, como conformes ou contrárias a ela.

Muito mais concludente é a Constituição brasileira. Nela não só se prescreve

que ‘Compete aos juízes ou tribunais federais processar e julgar as causas,

em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da

Constituição Federal’ (art. 60, a); como, ainda, que ‘Das sentenças das

justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo

Tribunal Federal, quando se questionar sobre a validade de tratados e leis

federais, e a decisão do tribunal do Estado for contrária (art. 59, § 1º, a)’

A redação é claríssima. Nela se reconhece, não só a competência das justiças

da União, como a das justiças dos Estados, para conhecer da legitimidade das

leis perante a Constituição. Somente se estabelece, a favor das leis federais, a

garantia de que, sendo contrária à subsistência delas a decisão do tribunal do

Estado, o feito pode passar, por via de recurso, para o Supremo Tribunal

Federal. Este ou revogará a sentença, por não procederem as razões de

nulidade, ou a confirmará pelo motivo oposto. Mas, numa ou noutra hipótese,

o princípio fundamental é a autoridade reconhecida expressamente no texto

constitucional, a todos os tribunais, federais, ou locais, de discutir a

constitucionalidade das leis da União, e aplicá-las, ou desaplicá-las, segundo

esse critério. É o que se dá, por efeito do espírito do sistema, nos Estados

Unidos onde a letra constitucional, diversamente do que ocorre entre nós é

muda a este propósito. 5

Restou claro que o controle de constitucionalidade não se havia de fazer in

abstracto. Ainda nas palavras de Rui Barbosa:

os tribunais não intervêm na elaboração da lei, nem na sua aplicação geral.

Não são órgãos consultivos, nem para o legislador, nem para a administração

(...). E, sintetizava, ressaltando que a judicial review “é um poder de

hermenêutica, e não um poder de legislação.6

Não havia mais dúvida quanto ao poder outorgado aos órgãos jurisdicionais

para exercer o controle de constitucionalidade. Consolidava-se, assim, o amplo sistema

de controle difuso de constitucionalidade do Direito brasileiro.

5 Rui Barbosa, Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo, in Trabalhos jurídicos, Rio de

Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1962, p. 54-55. 6 Rui Barbosa, Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo, in Trabalhos jurídicos, cit., p. 83.

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2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Constituição de 1934 trouxe importantes inovações no controle de

constitucionalidade pátrio. O constituinte determinou que a regra de declaração de

inconstitucionalidade somente seria realizada pela maioria da totalidade de membros

dos tribunais, evitando a insegurança jurídica advinda da constante mudança no

entendimento dos tribunais.

Também consagrava a competência do Senado Federal para “suspender a

execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento,

quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”, emprestando

efeito erga omnes à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (arts. 91, IV, e

96),

Ainda assim, a mais inovadora alteração introduzida pelo Texto Magno de

1934 se refira à “declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal”,

tal como a denominou Bandeira de Mello, isto é, a representação interventiva, confiada

ao Procurador-Geral da República, nas hipóteses de ofensa aos princípios consagrados

no art. 7º, I, a h, da Constituição. Cuidava-se de fórmula peculiar de composição

judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de

iniciativa do Senado (art. 41, § 3º), à declaração de sua constitucionalidade pelo

Supremo Tribunal (art. 12, § 2º).

É importante mencionar a competência atribuída ao Senado Federal para

“examinar, em confronto com as respectivas leis, os regulamentos expedidos pelo Poder

Executivo, e suspender a execução dos dispositivos ilegais” (art. 91, II).

2.4 CONSTITUIÇÃO DE 1937

Muitos autores afirmam que a Constituição de 1937 trouxe um inequívoco

retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade. Isto porque o parágrafo único

do artigo 96 consagrou princípio segundo o qual sendo declarada a

inconstitucionalidade de determinada lei, o Presidente da República poderia apresentá-la

novamente para o Congresso e, caso este a aprovasse por 2/3 dos votos de cada um de

suas Casas, a decisão do Tribunal perderia efeito.

Nas palavras de Gilmar Mendes:

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A Carta de 1937 trouxe um inequívoco retrocesso no sistema de controle de

constitucionalidade. Embora não tenha introduzido qualquer modificação no

modelo difuso de controle (art. 101, III, b e c), preservando, inclusive, a

exigência de quórum especial para a declaração de inconstitucionalidade (art.

96), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no

art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a

inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja

necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional

de alta monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao

Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das

Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal. Instituía-se, assim,

uma peculiar modalidade de revisão constitucional, pois, como observado por

Celso Bastos, a lei confirmada passa a ter, na verdade, a força de uma

emenda à Constituição.7

No entanto, Cândido Motta Filho foi a favor da inovação, senão vejamos:

A subordinação do julgado sobre a inconstitucionalidade da lei à deliberação

do Parlamento coloca o problema da elaboração democrática da vida

legislativa em seus verdadeiros termos, impedindo, em nosso meio, a

continuação de um preceito artificioso, sem realidade histórica para nós e

que, hoje, os próprios americanos, por muitos de seus representantes

doutíssimos, reconhecem despido de caráter de universalidade e só explicável

em países que não possuem o sentido orgânico do direito administrativo.

Leone, em sua Teoría de La política, mostra com surpreendente clareza,

como a tendência para controlar a constitucionalidade das leis é um campo

aberto para a política, porque a Constituição, em si mesma, é uma lei sui

generis, de feição nitidamente política, que distribui poderes e competências

fundamentais.

Percebe-se assim que o autor afirma que, por ter a Constituição feições

nitidamente políticas, a competência para confirmar ou não a inconstitucionalidade

declarada pelo Supremo, deve ser aberta ao campo da política.

2.5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

7 Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo

Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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Com a redemocratização do país, a Constituição de 1946 trouxe de volta as

disposições suprimidas pela Carta outorgada em 1937, trouxe novamente a idéia da

doutrina norte-americana do judicial review, assegurando a supremacia do Poder

Judiciário no tocante à fiscalização das leis O sistema de controle por meio incidental

(difuso) voltou a ser exercido e se aflorou a ideia da instituição do controle concentrado.

Suprimiu-se o parágrafo único do artigo 96 da Constituição de 1937, que

previa a possibilidade de o Presidente da República submeter uma lei declarada

inconstitucional ao exame do Parlamento, que poderia tornar sem efeito a decisão do

tribunal por meio de dois terços de votos de cada uma das Câmaras.

Atribuiu-se ao Procurador-Geral da República a titularidade da representação

de inconstitucionalidade, para os efeitos de intervenção federal, nos casos de violação

dos seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) independência e

harmonia entre os Poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração

destas à das funções federais correspondentes; d) proibição da reeleição de

governadores e prefeitos para o período imediato; e) autonomia municipal; f) prestação

de contas da Administração; g) garantias do Poder Judiciário (art. 8º, parágrafo único,

c/c o art. 7º, VII).

Dessa forma, a intervenção federal dependia da declaração de

inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. (Constituição Federal de 1946,

art. 8º, parágrafo único).

Ainda, merece destaque a Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de

1965, que instituiu a fiscalização abstrata de constitucionalidade de atos normativos

federais e estaduais. Com efeito, referida Emenda Constitucional acrescentou às

competências originárias do Supremo Tribunal Federal a de processar e julgar

representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal

ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República (artigo 101, I, alínea “k”

da Constituição de 1946, alterado pela Emenda Constitucional nº 16, de 1965).

Clèmerson Merlin Clève destaca o contexto histórico da época, além de tratar

da diferença entre o controle abstrato de constitucionalidade introduzido pela Emenda

Constitucional nº 16, de 1965, e a representação interventiva:

Não deixa de ser curioso o fato da representação genérica de

inconstitucionalidade ter sido instituída em nosso país pelo regime militar,

especialmente porque esse mecanismo, contrariando a dinâmica de qualquer

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ditadura, presta-se admiravelmente para a proteção e garantia dos direitos

fundamentais. A representação instituída pela Emenda Constitucional 16/65

não se confunde com a representação interventiva. Consiste esta em

mecanismo de solução de conflito entre a União e uma Coletividade Política

Estadual. Por isso, a violação apenas dos princípios constitucionais sensíveis

pode autorizar a sua propositura pelo Procurador-Geral da República. Cuida-

se, ao contrário, o mecanismo instituído pela Emenda 16/65, de representação

genérica, apta, portanto, a garantir a observância de todos os dispositivos da

Constituição. A representação interventiva implica uma fiscalização concreta

da constitucionalidade, embora exercitada por via de ação direta; presta-se

exatamente para a solução de um conflito federativo. A representação

genérica, ao contrário, implica a realização de uma fiscalização abstrata da

constitucionalidade, já porque neste caso está em jogo unicamente a

compatibilidade, em abstrato (em tese), de um dispositivo normativo

infraconstitucional contrastado com a Lei Fundamental da República”

(CLÈVE, 1995, p. 70-71).8

A Emenda Constitucional em questão também autorizou a instituição, pelos

Estados, do controle de constitucionalidade dos atos normativos municipais em

confronto com a Constituição Estadual, de competência dos Tribunais de Justiça (artigo

124, XIII da Constituição, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 16, de 1965).

Ensina Gilmar Mendes: “A emenda n. 16, de 26/11/1965, instituiu, ao lado da

representação interventiva, e nos mesmos moldes, o controle abstrato de normas

estaduais e federais.” (Mendes, 2012)

Vale a pena registrar o parecer aprovado pela Comissão Mista da época, de

lavra do Deputado Tarso Dutra, referindo-se, especificamente, ao novo instituto de

controle de constitucionalidade:

A letra ‘k’, propondo a representação a cargo da Procuradoria-Geral da

República, contra a inconstitucionalidade em tese da lei, constitui uma

ampliação da faculdade consignada no parágrafo único do art. 8º, para tornar

igualmente vulneráveis as leis federais por essa medida. Ao anotar-se a

conveniência da modificação alvitrada na espécie, que assegurará, com a

rapidez dos julgamentos sumários, uma maior inspeção jurisdicional da

constitucionalidade das leis, não será inútil configurar o impróprio de uma

redação, que devia conferir à representação a idéia nítida de oposição à

8 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 1ª ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

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inconstitucionalidade e o impreciso de uma referência a atos de natureza

normativa de que o nosso sistema de poderes indelegáveis (art. 36, §§ 1º e 2º)

conhece apenas uma exceção no § 2º do art. 123 da Constituição. 9

Consagrou-se assim, o modelo abstrato de controle de constitucionalidade sob

forma de representação que haveria de ser proposta pelo Procurador-Geral da

República, embora a proposta de alterar o art. 64 da Constituição, conferindo eficácia

erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal

Federal, fora rejeitada.

2.6 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1967/69

A Constituição de 1967 não inovou muito no sistema de controle de

constitucionalidade. Manteve íntegro o controle difuso e a ação direta de

inconstitucionalidade subsistiu, tal como prevista na Constituição de 1946.

Nas palavras de Gilmar Mendes:

A representação para fins de intervenção, confiada ao Procurador-Geral da

República, foi ampliada, com o objetivo de assegurar não só a observância

dos chamados princípios sensíveis (art. 10, VII), mas também prover a

execução de lei federal (art. 10, VI, 1ª parte). A competência para suspender

o ato estadual foi transferida para o Presidente da República (art. 11, § 2º).

Preservou-se o controle de constitucionalidade in abstracto, tal como

estabelecido pela Emenda n. 16/65 (art. 119, I, l). A Constituição de 1967 não

incorporou a disposição da Emenda n. 16/65, que permitia a criação do

processo de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados,

para declaração de lei ou ato dos Municípios que contrariassem as

Constituições dos Estados. A Emenda n. 1/69 previu, expressamente, o

controle de constitucionalidade de lei municipal, em face da Constituição

estadual, para fins de intervenção no Município (art.15, § 3º, d). A Emenda n.

7/77 introduziu, ao lado da representação de inconstitucionalidade, a

representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou

estadual, outorgando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para

provocar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (art. 119, I, e). (...)

Finalmente, deve-se assentar que a Emenda n. 7/77 pôs termo à controvérsia

sobre a utilização de liminar em representação de inconstitucionalidade,

9BRASIL, Constituição de 1946, p. 67.

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reconhecendo, expressamente, a competência do Supremo Tribunal para

deferir pedido de cautelar, formulado pelo Procurador-Geral da República

(CF de 1967/69, art. 119, I, p).10

Em 1970, o único partido representante da oposição no Congresso Nacional, o

MDB, solicitou ao Procurador-Geral da República que instaurasse processo abstrato em

desfavor de decreto-lei que legitimava a censura prévia de livros, jornais e periódico.

Este, no entanto, negou-se ao pedido formulado por entender que não estava

constitucionalmente obrigado a fazê-lo.

Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a reclamação argumentando

que só o Procurador-Geral poderia decidir se deveria ou não oferecer representação para

aferição de constitucionalidade da lei.

Leciona Gilmar Mendes sobre o assunto:

Enquanto importantes vozes na doutrina reconheceram o direito de o

Procurador-Geral submeter ou não a questão ao Supremo Tribunal Federal,

consoante a sua própria avaliação e discricionariedade, uma vez que somente

ele dispunha de competência constitucional para propor essa ação,

sustentavam outros a opinião de que estaria obrigado a oferecer a arguição ao

Supremo Tribunal Federal se houvesse pelo menos sérias dúvidas sobre a

constitucionalidade da lei.

Posição intermediária foi sustentada por Celso Bastos, segundo a qual o

Procurador-Geral da República não poderia negar-se a formular a

representação se o requerimento lhe fosse encaminhado por algum órgão

público, uma vez que, nesse caso, não se poderia ter dúvida quanto ao

interesse público na aferição da constitucionalidade da lei ou do ato

normativo. 11

O esforço, no entanto, não precisou a natureza do instituto. Demorou-se para

perceber que a representação de inconstitucionalidade tinha, na verdade, caráter dúplice

ou natureza ambivalente, permitindo que o Procurador-Geral submetesse a questão quer

estando convencido da inconstitucionalidade da norma, quer houvesse demonstrado que

a questão apresentasse controvérsias relevantes sobre sua constitucionalidade.

10

Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. 11

Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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Com isso posto, não se fazia mister que o Procurador-Geral estivesse

convencido da inconstitucionalidade, bastava a “controvérsia constitucional”, ou seja,

não era necessário sua plena convicção sobre a inconstitucionalidade da norma em

questão.

É o que afirma Gilmar Mendes, senão vejamos:

“(...) parece legítimo admitir que o Procurador-Geral da República tanto

poderia instaurar o controle abstrato de normas, com objetivo precípuo de ver

declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo (ação declaratória de

inconstitucionalidade ou representação de inconstitucionalidade), como poderia

postular, expressa ou tacitamente, a declaração de constitucionalidade da norma

questionada (ação declaratória de constitucionalidade)”. (Mendes, 2012)

Essa existência de controvérsia constitucional relevante caracterizava a

necessidade do Procurador-Geral da República submeter o questionamento ao Supremo

Tribunal, ainda estando convencido de sua improcedência, em outros termos, restando

configurada a controvérsia constitucional relevante, não poderia furtar-se do dever de

submetê-la ao Supremo Tribunal, mesmo que fosse manifestamente a favor da

improcedência do requerimento (pedido de declaração de constitucionalidade).

2.7 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 trouxe inúmeras mudanças no controle de

constitucionalidade das leis, ampliou significativamente os meios de proteção judicial.

Ensina Gilmar Mendes sobre o controle de constitucionalidade da Constituição

de 1988:

A Constituição preservou a representação interventiva, destinada à aferição

da compatibilidade de direito estadual com os chamados princípios sensíveis

(CF, art. 34, VII, c/c o art. 36, III). Esse processo constitui pressuposto da

intervenção federal, que, nos termos do art. 36, III, e § 1º, da Constituição, há

de ser executada pelo Presidente da República. Tradicionalmente, é o

Supremo Tribunal Federal competente para conhecer as causas e conflitos

entre a União e os Estados, entre a União e o Distrito Federal ou entre os

Estados entre si (art. 102, I, f). Tal como outros países da América Latina,

não dispõe a ordem jurídica brasileira de instrumento único para defesa de

direitos subjetivos públicos. A Constituição consagra o habeas corpus como

instrumento processual destinado a proteger o indivíduo contra atos arbitrário

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do Poder Público que impliquem restrições ao direito de ir e vir (art. 5º,

LXVIII). Ao lado do habeas corpus, dispõe a ordem jurídica brasileira, desde

1934, do mandado de segurança, destinado, hodiernamente, a garantir direito

líquido e certo não protegido por habeas data ou habeas corpus (CF, art. 5º,

LXIX, a). O mandado de segurança pode ser, igualmente, utilizado por

partido político com representação no Congresso Nacional, organização

sindical, entidade de classe ou associação em funcionamento há pelo menos

um ano, em defesa dos interesses dos seus membros (mandado de segurança

coletivo).

A Constituição de 1988 criou, ao lado do habeas data, que se destina à

garantia do direito de autodeterminação sobre informações (art. 5º, LXXII), o

mandado de injunção, remédio especial que pode ser utilizado contra a

omissão de órgão com poder normativo que impeça o exercício de direito

constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXXI).

Até a entrada em vigor da Constituição de 1988 era o recurso extraordinário

— também quanto ao critério de quantidade — o mais importante processo

da competência do Supremo Tribunal Federal. Esse remédio excepcional,

desenvolvido segundo o modelo do writ of error americano e introduzido na

ordem constitucional brasileira pela Constituição de 1891, pode ser interposto

pela parte vencida, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da

Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar

válida lei ou ato de governo 1492/2051 local contestado em face da

Constituição e julgar válida lei local contestada em face de lei federal (CF,

art. 102, III, a a d). A Constituição de 1988 reduziu o âmbito de aplicação do

recurso extraordinário, confiando ao Superior Tribunal de Justiça a decisão

sobre os casos de colisão direta entre o direito estadual e o direito federal

ordinário.12

O legislador constituinte dedicou particular atenção à chamada “omissão do

legislador”. Ao lado do mandado de injunção foi introduzido o processo de controle

abstrato de omissão.

A grande mudança acontece no controle abstrato de normas com a criação da

ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal. Se a

intensa discussão causada na vigência da Constituição anterior sobre o monopólio da

ação por parte do Procurador-Geral não levou a uma mudança da jurisprudência, fica

claro que na Carta Magna de 1988 houve uma ampliação do direito de propositura.

12

Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para

propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado

Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembleia Legislativa, o

Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as

confederações sindicais ou entidade de classe de âmbito nacional.

A Constituição Federal reduziu o significado do controle de

constitucionalidade difuso ao ampliar a legitimação para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade, permitindo que as controvérsias constitucionais relevantes sejam

submetidas ao Supremo Tribunal Federal.

A Emenda Constitucional n. 3 disciplinou o instituto da ação declaratória de

constitucionalidade; firmou a competência do STF para conhecer e julgar a ação

declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo que teria

eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Executivo e

do Judiciário.

A Emenda Constitucional n.45, de 2004, estabelece que estariam legitimados

para a ADC os mesmo legitimados para a ADI.

Já a arguição de descumprimento de preceito fundamental, veio prevista de

forma singela na Constituição: “a arguição de descumprimento de preceito fundamental,

decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma

da lei” (art. 102, § 1º).

Esse instituto trouxe importantes mudanças no sistema de controle de

constitucionalidade brasileiro. Importante ressaltar as lições de Gilmar Mendes:

Em primeiro lugar, porque permite a antecipação de decisões sobre

controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um

desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se

consolidaram ao arrepio da ‘interpretação autêntica’ do Supremo Tribunal

Federal.

Em segundo lugar, porque poderá ser utilizado para – de forma definitiva e

com eficácia geral – solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do

direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição que, até o

momento, somente poderia ser veiculada mediante a utilização do recurso

extraordinário.

Em terceiro, porque as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal

nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes e o efeito vinculante,

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fornecerão a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a

ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades

municipais.

Finalmente, deve-se observar que o novo instituto pode oferecer respostas

adequadas para dois problemas básicos do controle de constitucionalidade no

Brasil: o controle da omissão inconstitucional e a ação declaratória nos

planos estadual e municipal.13

Pode-se perceber, diante do exposto, que a ADPF veio completar o sistema de

controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, já que as

questões excluídas de apreciação no âmbito do controle abstrato de normas podem ser

objeto de exame no âmbito desse novo instituto.

3. OS SISTEMAS NORTE-AMERICANO E EUROPEU DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

O controle de constitucionalidade, independentemente do modelo utilizado,

tem na supremacia da Constituição sua base propulsora, porém, o controle difuso

(utilizado nos EUA) defende essa supremacia de maneira incidental, ou seja, em um

caso concreto, e é realizado por qualquer juiz. Aludido sistema de controle teve sua

origem no caso Marbury v. Madison, em que o juiz Marshall, da Suprema Corte norte-

americana, julgou a demanda em defesa da supremacia da Constituição, demonstrando,

assim, a necessidade de compatibilização das leis em relação às normas constitucionais.

Já o controle concentrado (utilizado na Europa) é proveniente da Constituição

da Áustria de 1920, que foi inspirada nos pensamentos de Hans Kelsen, referindo-se a

um modelo de controle realizado por um órgão autônomo, a saber, o Tribunal

Constitucional, órgão este distinto e independente dos Poderes do Estado, de modo que

a defesa da Constituição é realizada de maneira abstrata, como uma forma de

fiscalização da atuação legislativa, não resolvendo casos concretos.

3.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE AMERICANO (JUDICIAL

REVIEW)

13

Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

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Motivados pela colonização britânica e pelos excessos legislativos por parte da

Coroa Inglesa durante esse período, o povo estadunidense desenvolveu o ideal de um

Judiciário poderoso e suficientemente forte para enfrentar as incoerências legislativas.

Entendia-se ser mais lógico que os tribunais atuassem como mediadores entre a

vontade do povo e os limites estabelecidos ao Poder Legislativo, ficando a cargo dos

magistrados decidir os conflitos entre normas de mesma força, bem como os existentes

entre normas hierarquicamente diferentes, sendo que nestes as normas superiores

deveriam prevalecer.

O célebre precedente Marbury v. Madison, julgado pela suprema corte

americana em 1803, é frequentemente citado como marco inaugural do judicial review

americano. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que o raciocínio traçado pelo

Justice Marshall em seu voto é herdeiro de um debate doutrinário anterior. Além do

escrito de Hamilton, pode-se citar precedentes julgados perante cortes estaduais, tais

como Holmes v. Walton (Nova Jersey, 1780) e Commonwealth v. Caton (Virgínia,

1782) (Cappelletti, 1999, p. 62-63).

Sob o aspecto subjetivo, diz-se que o sistema americano é do tipo difuso, pois

todos os órgãos do poder judiciário tem competência para afastar a aplicação de uma lei

que afronte a constituição (Cappelletti, 1999, p. 67; Dantas, 2010, p. 77).

Em um sistema como este, pela multiplicidade de atores envolvidos, faz-se

necessário um mecanismo que combata o risco da insegurança jurídica decorrente de

pronunciamentos conflitantes a respeito da constitucionalidade de uma dada norma. A

tradição jurídica americana, e de outros países herdeiros do direito anglo-saxão, através

do princípio do stare decisis, proporciona a mitigação deste risco. Por este princípio, as

decisões emanadas das cortes superiores passam a ter força vinculante em relação aos

juízos inferiores, obrigando-lhes a decidir da mesma forma. Tal princípio acaba por

emprestar às decisões de um órgão de cúpula, como a Suprema Corte americana uma

verdadeira eficácia erga omnes.

No que concerne ao aspecto modal, o sistema americano opera por via de

exceção. Isto é, inconstitucionalidade da norma deve ser arguida incidentalmente, no

curso de um litígio posto em juízo. Esta característica deriva da norma insculpida no

Art. III, Seção 2, Cláusula 1 da constituição estadunidense, que determina: A

competência do Poder judiciário se estenderá a todos os casos, seja em Lei ou em

Equidade, que surjam sob esta Constituição, as Leis dos Estados Unidos e os Tratados

feitos, ou que sejam feitos sob sua Autoridade; a todos os Casos afetando

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Embaixadores, outros ministros públicos e Cônsules; a todos os Casos de almirantado

e Jurisdição marítima; às Controvérsias das quais sejam parte os Estados Unidos; às

Controvérsias entre dois ou mais Estados; entre um Estado e os cidadãos de outro

Estado; entre Cidadãos de diferentes Estados; entre cidadãos do mesmo Estado

reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados e entre um

Estado, ou seus cidadãos, e Estados estrangeiros, seus Cidadãos ou Súditos.

Conforme aponta Cappelletti (1999, p. 102), tradicionalmente "as questões de

constitucionalidade das leis não podem ser submetidas ao julgamento dos órgãos

judiciários 'em via principal'", gerando apenas incidentes no seio dos processos comuns.

Além disso, é necessário que a norma constitucional seja relevante para o

deslinde da controvérsia de fundo, caso contrário não será sequer apreciada. É a

chamada doutrina da estrita necessidade (strict necessity) que vincula o juízo de

constitucionalidade de uma norma à necessidade do mesmo para a resolução do caso

concreto (Killian et al, 2002, p. 745).

Por fim, no que diz respeito ao alcance dos pronunciamentos (perspectiva

funcional), o sistema americano originalmente adotou a teoria da nulidade dos atos

normativos inconstitucionais. Assim, os atos inconstitucionais seriam nulos desde sua

origem, porque contrários à Lei Maior. Neste contexto, verificado o vício, a decisão

prolatada teria natureza meramente declarativa (Cappelletti, 1999, p. 115-117)

reconhecendo uma nulidade pré-existente.

Deve-se atentar para o fato de que a decisão, no sistema norte-americano, terá

apenas efeito inter partes, ou seja, a não aplicação da norma inconstitucional afetará

apenas os litigantes que integraram o caso concreto de fundo, no qual surgiu o incidente

de inconstitucionalidade (Cappelletti, 1999, p. 118). Entretanto, como já mencionado, o

princípio do stare decisis, acaba por diminuir os riscos de decisões conflitantes, na

medida em que o pronunciamento dos tribunais superiores tem força vinculante.

3.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EUROPEU

Inspirado na obra de Hans Kelsen, este modelo adota a forma concentrada,

abstrata (considera a “lei em tese”) e é exercido por um Tribunal Constitucional

(sistema consagrado na Constituição Austríaca de 1920). No particular, os juízes não

possuem competência para avaliar questões constitucionais, uma que vez que tal análise

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está adstrita ao Tribunal Constitucional, quando provocado por órgãos políticos. Esta é

uma das notas fundamentais do presente sistema, seu caráter concentrado, dado o

monopólio da referida corte, em oposição ao modelo difuso americano.

Conforme já mencionado, a ausência, nos sistemas de raiz romano-germânica,

do princípio do stare decisis, dificulta bastante a adoção de um modelo difuso de

controle de constitucionalidade, tendo em vista a possibilidade de criação de situações

de incerteza jurídica decorrentes de decisões contraditórias a respeito de uma mesma lei

(Cappelletti e Adams, 1966, p. 1215).

O meio utilizado para questionar a constitucionalidade de uma norma é bem

diverso daquele incidental adotado pelo sistema americano. Ao revés, perquire-se

inconstitucionalidade do ato por via de ação. Isto significa que a norma será examinada

no bojo de um procedimento especialmente destinado a este fim, em caráter principal. E

mais, a referida ação só poderia ser intentada por órgãos políticos indicados na

constituição, daí deriva que não existem quaisquer situações subjetivas ligadas à

demanda que se põe diante da Corte Constitucional, razão pela qual se diz que neste

caso o controle é abstrato.

Já no que tange ao aspecto funcional, a constituição austríaca de 1920 acolheu

a tese segundo a qual os pronunciamentos da corte constitucional são constitutivos, Isto

é, verificado o vício de inconstitucionalidade, o órgão anula o ato normativo em questão

e, enquanto a decisão não for publicada, a norma permanecerá válida e eficaz. Em

outras palavras, as decisões operam com efeitos ex nunc, ou seja, o Tribunal

Constitucional só julga a questão constitucional, devolvendo a matéria fática para a

instância a quo.

Segundo Hans Kelsen (1942, p. 187), um dos principais idealizadores do

sistema austríaco, a força retroativa encontrada no modelo americano dificilmente

poderia ser justificada, principalmente porque a decisão do Tribunal Constitucional diz

respeito a um ato do legislador cuja função enquanto intérprete da constituição também

é garantida. Desta forma, enquanto não fosse julgado inconstitucional um determinado

ato normativo, a opinião do legislador deveria ser respeitada.

Saliente-se que o Tribunal Constitucional pode determinar que a anulação

tenha efeitos somente a partir de um determinado prazo contado da publicação de sua

decisão. O objetivo desta faculdade é permitir que o poder legislativo tenha tempo hábil

para suprir o eventual vácuo normativo que derivará da anulação do diploma

inconstitucional (Cappelletti, 1999, p. 116).

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3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Pode-se perceber que os dois sistemas diferem primordialmente em alguns

aspectos: (a) órgão responsável pelo controle de constitucionalidade; (b) os legitimados

a realizarem a provocação; (c) grau de controle (concreto e abstrato) e (d) os efeitos da

declaração de inconstitucionalidade. A CF/88 adotou um sistema misto, com o escopo

de abarcar as vantagens dos modelos acima analisados e suprir as deficiências de cada

um, quando considerados individualmente.

4. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Feito um apanhado geral acerca dos aspectos mais importantes sobre o instituto

do Controle de Constitucionalidade bem como os pontos relevantes acerca de sua

história nas Constituições brasileiras, passa-se a análise das modalidades de controle de

constitucionalidade em espécie, quais sejam, controle concentrado e controle difuso.

4.1 CONTROLE CONCENTRADO OU ABSTRATO

O modelo de controle abstrato adotado pelo sistema brasileiro concentra no

Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar as ações autônomas

nas quais se apresenta a controvérsia constitucional.

O modelo abstrato recebeu ênfase da Constituição de 1988, uma vez que,

praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser

submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de

normas.

As ações diretas no sistema concentrado tem por mérito a questão da

inconstitucionalidade das leis ou atos normativos federais e estaduais.

Não se discute nenhum interesse subjetivo, por não haver partes (autor e réu)

envolvidas no processo. Logo, ao contrário do sistema difuso, o sistema concentrado

possui natureza objetiva, com interesse maior de propor uma ADIN para discutir se uma

lei é ou não inconstitucional e na manutenção da supremacia constitucional.

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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário e o

guardião da Constituição Federal, e o Superior Tribunal de Justiça é o guardião da

Constituição Estadual, assim cada um julga a ADIN dentro do seu âmbito. Se houver

violação da CF e CE, respectivamente, quem irá julgar é o STF e o STJ.

A Constituição Federal de 1988 prevê (art. 103), como ações típicas do

controle abstrato de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a

ação declaratória de constitucionalidade (ADC), a ação direta de inconstitucionalidade

por omissão (ADO) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é o instrumento destinado à

declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual,

utilizando como parâmetro de controle, exclusivamente, a Constituição vigente.

As decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade possuem

eficácia ex tunc, erga omnes e efeito vinculante para todo o Poder Judiciário e para

todos os órgãos da Administração Pública, direta e indireta – não abrangendo o Poder

Legislativo.

Ressalte-se, porém, que a legislação que regulamenta a ação direta de

inconstitucionalidade prevê a possibilidade do Plenário do Tribunal modular os efeitos

das decisões no âmbito do controle abstrato de normas, permitindo ao STF declarar a

inconstitucionalidade da norma: a) a partir do trânsito em julgado da decisão

(declaração de inconstitucionalidade ex nunc); b) a partir de algum momento posterior

ao trânsito em julgado, a ser fixado pelo Tribunal (declaração de inconstitucionalidade

com eficácia pro futuro); c) sem a pronúncia da nulidade da norma; e d) com efeitos

retroativos, mas preservando determinadas situações.

O Supremo Tribunal Federal tem evoluído na adoção de novas técnicas de

decisão no controle abstrato de constitucionalidade. Além das muito conhecidas

técnicas de interpretação conforme à Constituição, declaração de nulidade parcial sem

redução de texto, ou da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da

nulidade, aferição da “lei ainda constitucional” e do apelo ao legislador, são também

muito utilizadas as técnicas de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que

possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da

decisão ou de outro momento que venha a ser determinado pelo tribunal.

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) é o instrumento destinado à

declaração da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Tem-se considerado,

por isso, a Ação declaratória de constitucionalidade como uma Ação Direta de

Page 31: A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE DE ... INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, idealizado

31

Inconstitucionalidade de sinal trocado, ressaltando-se o caráter dúplice ou ambivalente

dessas ações. Assim como na ADI, o parâmetro de controle da ADC é, exclusivamente,

a Constituição vigente.

O cabimento da ação declaratória de constitucionalidade pressupõe a existência

de situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade da lei, não se afigurando

admissível a propositura de ação declaratória de constitucionalidade se não houver

controvérsia ou dúvida relevante quanto à legitimidade da norma.

Da mesma forma que na ADI, as decisões proferidas em ação declaratória de

constitucionalidade possuem eficácia ex tunc, erga omnes e efeito vinculante para todo

o Poder Judiciário e para todos os órgãos da Administração Pública, direta e indireta e

existe igual possibilidade de que, nos casos em que a decisão com efeitos ex tunc

importe em violação severa da segurança jurídica ou de outro valor de excepcional

interesse social, o Plenário do Tribunal module os efeitos das decisões.

A ação direta de inconstitucionalidade por Omissão (ADO) é o instrumento

destinado à aferição da inconstitucionalidade da omissão dos órgãos competentes na

concretização de determinada norma constitucional, sejam eles órgãos federais ou

estaduais, seja a sua atividade legislativa ou administrativa, desde que se possa, de

alguma maneira, afetar a efetividade da Constituição. Assim como na Ação direta de

inconstitucionalidade e na Ação Declaratória de Constitucionalidade, o parâmetro de

controle da Ação direta de Inconstitucionalidade por Omissão é, exclusivamente, a

Constituição vigente.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode ter como objeto tanto

a omissão total, absoluta, do legislador, quanto a omissão parcial, ou o cumprimento

incompleto ou defeituoso de dever constitucional de legislar.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), como típico

instrumento do modelo concentrado de controle de constitucionalidade, tanto pode dar

ensejo à impugnação ou questionamento direto de lei ou ato normativo federal, estadual

ou municipal, como pode acarretar uma provocação a partir de situações concretas, que

levem à impugnação de lei ou ato normativo.

No primeiro caso, tem-se um tipo de controle de normas em caráter principal, o

qual opera de forma direta e imediata em relação à lei ou ao ato normativo. No segundo,

questiona-se a legitimidade da lei tendo em vista a sua aplicação em uma dada situação

concreta (caráter incidental).

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32

Assim como no caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade, é

pressuposto para o ajuizamento da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental a existência de controvérsia judicial ou jurídica relativa à

constitucionalidade da lei ou à legitimidade do ato questionado. Portanto, também na

arguição de descumprimento de preceito fundamental há de se cogitar de uma

legitimação para agir in concreto, que se relaciona com a existência de um estado de

incerteza, gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei. É necessário

que se configure, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade ou

de legitimidade do ato questionado.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental somente será admitida

se não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Cabe a arguição de descumprimento de preceito fundamental para evitar ou

reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Caberá

também a arguição de descumprimento quando for relevante o fundamento da

controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,

inclusive anteriores à Constituição (leis pré-constitucionais).

Aplicam-se à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental as

técnicas de decisão e de modulação de seus efeitos já apresentadas. Julgada a ação,

deverá ser feita comunicação às autoridades responsáveis pela prática dos atos

questionados, fixando-se, se for o caso, as condições e o modo de interpretação e

aplicação do preceito fundamental.

4.2 CONTROLE DIFUSO

O modelo de controle difuso adotado pelo sistema brasileiro permite que

qualquer juiz ou tribunal declare a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, não

havendo restrição quanto ao tipo de processo. Tal como no modelo norte-americano, há

um amplo poder conferido aos juízes para o exercício do controle da constitucionalidade

dos atos do poder público.

Controle difuso, por via de exceção ou defesa; são na realidade sinônimos,

para, no âmbito do controle de constitucionalidade, se qualificar a forma de controle

realizada no decorrer do processo, por todo e qualquer juiz ou tribunal, sobre a

compatibilidade do ordenamento jurídico com a Lei Maior do Estado.

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33

Retornando um pouco à parte histórica e ao direito comparado, linhas atrás

delineados, pode-se afirmar que, esta ideia de controle de constitucionalidade realizado

por qualquer órgão do Judiciário, nasceu do caso Madison X Malbury, no ano de 1803,

ainda no século XIX, citado anteriormente.

Neste caso o juiz da Suprema Corte Americana, John Marshall afirmou ser

próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E, neste trabalho diário, o

magistrado ao se deparar com um caso de contradição entre a legislação e a

Constituição, deve sempre aplicar a Constituição, por ser superior a qualquer lei

ordinária do Poder Legislativo.

Ao retomar o assunto da evolução histórica, importante relembrar que o

sistema incidental ou difuso do controle de constitucionalidade perdeu muito de sua

importância com a nova ordem constitucional estatuída pela Constituição Federal de

1988. Uma vez que, o alargamento dos legitimados e das possibilidades de se questionar

a constitucionalidade dos atos normativos infraconstitucionais, permitiu que,

praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao

STF, mediante processo de controle abstrato de normas.

Gilmar Mendes observa que;

Convém salientar que, tal como já observado por Anschütz ainda no

regime de Weimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial

atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita

ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para tais

controvérsias.

Neste caminho de raciocínio, Celso Ribeiro Bastos, tratando da diferenciação

entre o controle difuso e o concentrado, observa que:

Em conclusão, embora tanto a via de ação como a de defesa sejam

processos de controle de constitucionalidade, nesse ponto

apresentando um denominador comum que os unifica em vista de

um objeto, não há negar, entretanto, que apresentam

particularidades que os distanciam, quer segundo a finalidade de

controlar a constitucionalidade apenas pela subtração dos

interessados, em cada caso particular, aos mandamentos injurídicos

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34

de um ato inconstitucional, quer segundo a preocupação de

restabelecer a harmonia do sistema constitucional, ferida pela

manutenção de lei produzida em desrespeito à Constituição.

No período anterior a 1988, os “holofotes” estavam no sistema difuso, que era

amplo e dominante. O controle direto era algo acidental e episódio dentro do sistema

difuso.

Ao contrário de outros modelos do direito comparado, o sistema brasileiro não

reserva a um único tipo de ação ou de recurso a função primordial de proteção de

direitos fundamentais, estando a cargo desse mister, principalmente, as ações

constitucionais do habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado

de injunção, a ação civil pública e a ação popular.

O habeas corpus destina-se a proteger o indivíduo contra qualquer medida

restritiva do Poder Público à sua liberdade de ir e vir. Liberdade de locomoção

entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa em

tese acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Ressalte-se que, não obstante

a coação à liberdade individual comumente advém de atos emanados do Poder Público,

não se pode descartar a possibilidade da impetração de habeas corpus contra atos de

particular.

4.2.1 Objeto

Chama-se esta forma de controle, entre outros nomes, de incidental, pois ocorre

no caso concreto sub judice, não sendo objeto principal da lide. O que se pretende é um

pronunciamento por parte do órgão julgador sobre questão prévia, indispensável ao

julgamento do mérito. Assim, aquele que consegue o pronunciamento da

inconstitucionalidade exime-se do cumprimento da norma. Entretanto, a norma

incidental declarada inconstitucional continua incidindo e sendo aplicada nos demais

casos.

Paulo Bonavides sobre o assunto considera que:

O controle por via de exceção é de sua natureza o mais apto a promover a

defesa do cidadão contra os atos normativos do Poder, porquanto em toda

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demanda que suscite controvérsia constitucional sobre lesão de direitos

individuais estará sempre aberta uma via recursal a parte ofendida.14

O interessado no pronunciamento da inconstitucionalidade pela via difusa,

pretende apenas ser subtraído da incidência de uma norma viciada ou do ato

inconstitucional, que um caso concreto apresentado ao Judiciário de alguma forma, o

prejudica.

É de se ver que o debate judicial nesses casos não será feito sobre a lei, mas,

sim, sobre os seus reflexos concretos sobre o pedido posto em julgamento. Ataca-se,

assim, o ato, fato, conduta ou determinação lastreados em lei, e a discussão versa sobre

aqueles, não sobre esta.

Todas as leis vigentes podem ser objeto do controle difuso de

constitucionalidade, inclusive as leis anteriores à Constituição. Assim, o controle difuso

abrange as leis municipais, estaduais e federais, bem como os atos normativos, tais

como resoluções e portarias expedidas por agentes públicos incumbidos deste dever

Segundo ensina Alexandre de Moraes, na via da exceção, a pronúncia do

Judiciário sobre a inconstitucionalidade, como já foi dito, não é feita como objeto

principal do processo, mas, sim, sobre questão indispensável ao julgamento do mérito.

Seguindo este raciocínio, Celso Ribeiro Bastos observa que a via de exceção:

Ataca o vício de validade da lei no caso concreto (diverso da apreciação em

tese), ou seja, a arguição deve ser no curso do processo comum. Qualquer

órgão judicante tem competência para conhecer e decidir da

inconstitucionalidade. O objeto da ação não é o próprio de validade, mas sim

a reparação de um direito lesão ou prevenir a ocorrência desta lesão. O lesado

quer subtrair-se dos efeitos da lei considerada inconstitucional. São menos

hábeis: em princípio qualquer ação, mais comumente o mandado de

segurança, o habeas corpus e as defesas judiciais. No processo a questão de

inconstitucionalidade é chamada de ‘incidental’ e ‘prejudicial’ e pode chegar

ao Supremo através de recurso ordinário (artigo 102, II, “a”) ou do

extraordinário (artigo 102, III, “a”, “b” e “c”). A decisão judicial faz coisa

julgada apenas entre as partes, não vinculando outras decisões, inclusive do

próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto a lei não tiver suspensa a sua

executoriedade, o que compete ao Senado Federal (artigo 52, X). 15

14

Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 294 15

Bastos, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 498

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36

Rodrigo Lopes Lourenço afirma que, se o autor pedir pela

inconstitucionalidade em tese da lei, deverá ser declarado carecedor de ação, por não ter

legitimidade para o debate da lei pela via abstrata. Se o juiz ou tribunal não reconhecer a

impossibilidade dessa ação, estará usurpando a competência do Supremo Tribunal

Federal (no caso de o parâmetro ser a Constituição Federal de 1988) ou do Tribunal de

Justiça (sendo parâmetro a Constituição Estadual).

No controle difuso, a alegação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

é realizada em qualquer ação a qualquer tempo, podendo fazê-lo o autor o réu, o terceiro

interessado (assistente, litisconsorte, interventor, etc.) e o próprio magistrado ou

tribunal, mesmo sem a provocação das partes.

4.2.2 Declaração incidental de inconstitucionalidade perante os tribunais

A inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo pode ser arguida a qualquer

tempo do processo, e efetuada perante o juiz singular ou tribunal competente, quando

houver sido interposto recurso em face da decisão de grau inferior.

No caso de ser arguida a inconstitucionalidade em face do juiz singular, no que

atine ao procedimento, não há muita dúvida a ser levantada, porquanto o parecer do

magistrado dar-se-á por ocasião da sentença, momento em que decidirá sobre a

aplicação ou não da norma questionada ao caso que lhe foi exposto.

Reforce-se que o juiz singular não pode declarar a norma inconstitucional, pois

só quem tem competência para fazê-lo é o tribunal, por força do disposto no art. 97 da

CRFB. Todavia, quando efetuada perante tribunal, a questão constitucional será

provocada, provavelmente, junto ao seu órgão fracionário: câmara ou turma, em razão

da competência para o julgamento dos recursos.

4.2.3 Eficácia erga omnes no âmbito do controle difuso

As decisões proferidas no âmbito do controle difuso, em regra, têm eficácia

apenas entre as partes que integram o processo. Contudo, existe a possibilidade de se

atribuir eficácia erga omnes para a decisão.

O fato ocorre quando a questão constitucional for levada à apreciação pelo

Supremo Tribunal Federal. Nessa hipótese, a corte deverá remeter a matéria para o

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Senado Federal, ente público competente para suspender a execução da lei, nos termos

do art. 52, X, da CRFB86. Em outras palavras, caberá ao Senado Federal conceder

eficácia ampla à inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, importante contribuição de Streck:

Vê-se, assim, que, no plano do controle difuso da constitucionalidade, a via

de acesso à jurisdição constitucional strictu sensu do cidadão (parte em um

processo), como questão incidental/prejudicial em uma ação judicial,

provoca, individual e isoladamente, a discussão da (in)constitucionalidade da

lei e do ato normativo. Assim, uma querela jurídica que tem início em uma

pequena Comarca, ocasião em que um Juiz deixa de aplicar uma lei (ou ato

normativo) federal, estadual ou municipal por entendê-la inconstitucional,

pode chegar até o Supremo Tribunal Federal, depois de percorrer toda a

cadeia recursal. O efeito da decisão do Supremo Tribunal, de início, ficará

limitado às partes litigantes, com retroação (ex tunc); remetida a decisão para

o Senado, e suspensa a execução da lei ou do ato normativo (ar. 52, X, da

CF), o efeito alastrar-se-á para o restante da sociedade.16

Para que isso ocorra, entretanto, é necessário o prequestionamento da matéria

nas instâncias inferiores que se deve ocorrer desde a primeira instância, na qual tem o

cunho de revelar o raciocínio da parte que o alega, bem como do tribunal que o decide,

permitindo ao STF avaliar com melhor propriedade os anseios da sociedade, assim

como a argumentação técnica utilizada pelos operadores do direito.

Quanto à retroatividade dos efeitos da decisão, Streck mostra que a questão é

controvertida. Embora o mais lógico seja atribuir eficácia ex nunc, porque entende que

suspender a execução da lei é como revogá-la, o Ministro do Supremo Tribunal Federal

Gilmar Mendes, no livro Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade (p.

390-391), defendeu que a “suspensão constitui ato político que retira do ordenamento

jurídico, de forma definitiva, e com efeitos retroativos”.

Em defesa do seu posicionamento, Streck afirma que suspender a execução da

lei não se confunde com suspender a sua eficácia, como ocorre no controle concentrado.

Para ele, quando o Senado Federal cancela a execução da lei, esta fica

suspensa/revogada, à espera da retirada da sua eficácia, pois afinal, sem eficácia, a lei

16

STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: por uma nova crítica do Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 514-515.

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torna-se nula, é como se nunca tivesse existido. Por tal razão, para ele,não há como se

vislumbrar outro efeito que não o ex nunc.

5. CONTROLE DIFUSO: A ATUAÇÃO DOS JUÍZES E SUA IMPORTÂNCIA

PARA A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO

5.1 MODELO ULTRAPASSADO: O JUIZ COMO MERO APLICADOR DA LEI

Em sua obra, “Do espírito das leis”, Montesquieu cria o sistema da separação

de poderes, segundo o qual o poder de julgar dado aos juízes é visto apenas com mera

atividade intelectual, uma vez que fica adstrito à afirmação daquilo que já foi posto pelo

Poder Legislativo.

Trata-se, portanto, de um modelo sustentado pelo princípio da legalidade,

mediante o qual o direito encontra-se inserido na norma jurídica, de tal sorte que sendo

esta produzida de acordo com os parâmetros de competência procedimento, serviria de

base para a atuação dos juízes, cabendo a estes apena aplicar-lhe o texto exato, sem

qualquer análise subjetiva sobre sua conformidade com a justiça.

Nessa linha, também inclui-se o positivismo jurídico, teoria encabeçada por

Hans Kelsen, segundo o qual o direito se resume à lei, limitando o trabalho do jurista à

mera descrição da norma e a busca da vontade do legislador que a editou.

No modelo de Estado Liberal de Direito, a jurisdição tem como função

proteger os interesses particulares mediante a aplicação da lei, não podendo o juiz atuar

sem que uma ação humana tenha violado o ordenamento jurídico, mesmo porque a

liberdade é garantida na medida em que o Estado não interfere nas relações particulares,

não havendo campo para qualquer tipo de ingerência da parte do juiz.

A concepção de que o direito decorre apenas da lei, modificou-se com a

evolução do Estado, de modo que as diferentes realidades sociais passaram a interferir

no processo legislativo, daí porque se conclui que o surgimento da lei dá-se em razão de

uma pluralidade de interesses sociais, ainda que seja formalmente concebida apenas

pelo Estado.

Dessa concepção plural da formação da norma, houve a necessidade de se

buscar a substância da lei, porque jamais se poderia deduzir que o texto normativo fosse

perfeito e capaz de solucionar todos os casos concretos que viriam a surgir depois da

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sua edição, os quais, é claro, mostraram-se muito mais complexos do que os positivistas

clássicos imaginavam.

Nesse contexto, tornou-se necessário resgatar a substância da lei e, mais do que

isso, encontrar instrumentos hábeis que permitissem a sua limitação e conformação aos

princípios de justiça.

Como visto, ao longo deste trabalho, as normas constitucionais são dotadas de

preeminência, supremacia em relação às demais leis e aos atos normativos que integram

o ordenamento jurídico estatal.

Assim, todas as normas devem se adequar à Constituição, ou seja, têm que ter

pertinência à norma superior, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado

do direito positivo.

Do ponto de vista prático, a mudança representou uma necessidade de

readequação da atuação dos juristas de uma forma geral, os quais devem, antes de mais

nada, compreender a lei à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.

É o que ensina Streck: “É dever do magistrado examinar, antes de qualquer

outra coisa, a compatibilidade do texto normativo infraconstitucional com a

Constituição.”

Desta forma, a lei não deve ser meramente aplicada, irrestrita e indistintamente.

O juiz deve, antes de avaliar o sentido da norma infraconstitucional por si, verificar a

sua compatibilidade com o texto constitucional.

Registra-se que o julgador deixou de possuir um papel coadjuvante no atual

sistema de jurisdição constitucional, passando a atuar como um dos principais

defensores do Estado Democrático de Direito.

O controle difuso de constitucionalidade é, portanto, um mecanismo de defesa

da Constituição e esta, por sua vez, é a lei que fundamenta e constitui o Estado.

Assim, tendo a Constituição consagrado diversos princípios e direitos, sem os

quais o Estado não pode subsistir, cabe ao magistrado compreender e interpretar as leis

infraconstitucionais à luz da Constituição.

5.2 A ATUAÇÃO DO JUIZ NO SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DIFUSO

DE CONSTITUCIONALIDADE

O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade é misto, contudo, tanto

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na forma concentrada como na difusa está presente a atuação do Poder Judiciário. Com

isto, ressalta-se que o efetivo controle da Constituição está entregue às mãos dos juízes.

Historicamente, no Brasil, o modo concentrado pode ser tido como uma

inovação recente frente ao modo difuso, porquanto só fora introduzido pela Emenda

Constitucional n° 16 de 1965, em referência à Constituição de 1946. Contudo, os

magistrados, ainda assim, não reconhecem a sua importância.

É o que afirma Streck:

De qualquer sorte, é importante registrar que, muito embora o controle difuso

de constitucionalidade esteja presente entre nós desde a Constituição de

1981, passados, pois, tantos anos, ainda não se pode dizer – nem de longe –

que os operadores jurídicos tenham se dado conta da importância desse

instituto. 17

Desde o advento da Constituição de 1988, vem se observando um grande

avanço no número de ações perante o Supremo Tribunal Federal.

Conforme dados extraídos do endereço eletrônico da Corte, de 1988 a julho de

2009, foram julgadas 2.817 Ações Diretas de Inconstitucionalidade, das quais 1.786 não

foram conhecidas. Aguardam julgamento 998 ações.

À primeira vista, pode-se concluir que o número de ações é elevado em

proporção à quantidade de ministros que compõem o Tribunal (onze em respeito ao art.

101, da Constituição). Matematicamente, os números podem até representar um avanço.

No entanto, o que verdadeiramente demonstram é um abarrotamento de ações junto ao

STF, em grande parte provocada por demandas de mesma natureza, discutindo os

mesmos dispositivos, em decorrência de casos análogos. Não é a toa que o número de

ações não conhecidas é elevadíssimo.

O controle da Constituição vem sendo cada vez mais limitado à Suprema

Corte. Ainda são poucos os magistrados que têm a prática de incluir na sua rotina diária

a preocupação em fazer respeitar e cumprir as normas constitucionais em primeiro

lugar, o que representa um sério enfraquecimento do controle difuso.

O sistema concentrado encontra-se restrito a um determinado número de

intérpretes, enquanto no modelo difuso qualquer litigante pode trazer para a análise

17

STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: por uma nova crítica do Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 496-497.

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41

judicial a discussão sobre afronta à Constituição e, acima de tudo, o próprio magistrado

pode fazê-lo de ofício.

Certamente, o que se pode demonstrar é que existe um desequilíbrio no sistema

misto de controle de constitucionalidade brasileiro, pois enquanto enaltecem o uso do

controle concreto, enfraquece-se a adoção do modo difuso. E, como qualquer

desequilíbrio, traz como consequência um grave problema para a sociedade: o

enfraquecimento do Estado Democrático de Direito.

O que se deve buscar, portanto, é reequilibrar o sistema, reeducando os

magistrados a fazer uso do poder que lhes foi entregue pela própria Constituição,

assumindo, dessa maneira, a responsabilidade pela sua defesa, ao invés de delegá-la

apenas à Corte Constitucional.

É perceptível, após tudo que já foi exposto sobre o controle difuso de

constitucionalidade, que este aproxima a sociedade da Constituição, na medida em que

permite a qualquer cidadão, sob a jurisdição constitucional do Estado, arguir a sua

interpretação da norma quanto à inaplicabilidade e/ou ineficácia, requerendo seja esta

declarada inconstitucional.

Sobre o tema, Cruz assevera:

O controle difuso aproxima a Jurisdição Constitucional e a sociedade.

Disperso por todos os ramos do Poder Judiciário, especialmente nas

comarcas da Justiça Estadual primária, o controle difuso tem o condão de

incrementar o exercício da cidadania, robustecendo a noção de democracia,

especialmente em países como o Brasil, com uma história constitucional tão

atribulada. Assim, não são somente os tribunais, normalmente distantes,

situados nas capitais dos Estados ou da própria República, que têm atribuição

exclusiva para apreciação da constitucionalidade de leis e debates sobre a

aplicação de leis e de atos normativos. Além disso, qualquer indivíduo pode

argui-la desde que o faça no bojo de processo que discuta concretamente

ameaça/violação de direito subjetivo, seja ele individual, heterogêneo ou

homogêneo, coletivo ou difuso.18

O controle difuso é uma maneira de tornar todas as pessoas fiscais da própria

Constituição, permitindo que todos façam as suas interpretações das leis, buscando

18

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 345.

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extrair delas os direitos e princípios que constroem o Estado Democrático de Direito

brasileiro.

Por fim, chega-se se à conclusão, que é preciso uma readequação da atuação

dos magistrados, de modo que estes repensem a respeito de sua função judicante, sob o

prisma constitucional, porque o uso efetivo do controle difuso pelos julgadores,

possibilitaria não apenas a realização de uma verdadeira “filtragem”, mas um

alargamento da interpretação e discussão das normas infraconstitucionais e

constitucionais, dando-se verdadeiro sentido à Constituição e ao Estado Democrático de

Direito.

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43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise dos fundamentos que deram ensejo à instituição de um sistema de

controle de constitucionalidade, auferiu-se que a Constituição adquiriu a capacidade de

outorgar fundamentos de validade a toda e qualquer norma jurídica a ela subordinada.

Essa necessidade de proteção do texto constitucional surge com o escopo de

resguardar a norma na qual se estrutura o Estado Democrático de Direito para garantir

que ele se mantenha, afinal é a Constituição que fornece e distribui as diretrizes que

estabelecem o modelo de convivência social e arquitetam toda a estrutura normativa

necessária à organização do Estado, regulando, portanto, todo o modo de produção das

leis e dos atos normativos que lhes são inferiores.

Dentro deste contexto, o sistema de controle da constitucionalidade das leis

tem como função primordial a manutenção do ordenamento jurídico, a fim de garantir-

lhe autonomia e segurança.

No Brasil, o controle de constitucionalidade foi instituído apenas no período

republicano, com o advento da Constituição de 1891. A modalidade de controle adotada

foi a difusa, inspirada no modelo do judicial review norte americano, ficando a cargo do

Supremo Tribunal Federal a palavra final sobre a discussão atinente à

constitucionalidade das leis e dos atos federais ou estaduais.

O modelo concentrado foi introduzido no Brasil de maneira modesta com a

promulgação da Carta de 1934, mas ganhou força com a Constituição de 1946. O

sistema brasileiro passou a vigorar com a modalidade difusa e concentrada,

simultaneamente e bem definidas, a partir de 1965.

Desde então, tem-se um sistema de controle de constitucionalidade misto ou

híbrido, permitindo que o controle da Constituição seja realizado por todos os

magistrados brasileiros, desde o juiz de primeiro grau ao Ministro do Supremo Tribunal

Federal.

O controle difuso de constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos da

América em 1803, quando do célebre julgamento do caso William Marbury versus

James Madison, no qual o Juiz John Marshall afirmou a supremacia das normas

constitucionais no ordenamento jurídico, fixando-se pioneiramente a tese fundamental

de que os atos normativos em geral não podem ser editados em desconformidade com o

disposto na lei magna. Assentou-se, naquele caso, que cabe ao Poder Judiciário decidir

quando e em que medida determinado ato viola a Constituição.

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O sistema do controle difuso de constitucionalidade, também denominado

controle concreto ou incidental de constitucionalidade, permite ao magistrado ou órgão

colegiado analisar, no caso concreto, a compatibilidade de uma lei ou ato normativo

perante a Constituição. Trata-se de modalidade de controle repressivo de

constitucionalidade, sendo a outra modalidade pela via concentrada. O controle de

constitucionalidade zela pela proeminência da Constituição, assegurando a proteção e a

efetivação dos direitos e garantias fundamentais ao indivíduo e à sociedade.

Em análise mais profunda do controle difuso de constitucionalidade percebeu-

se que o instituto possui importância fundamental para a sociedade brasileira, porque se

trata de um controle amplo, que possibilita a participação mais ativa da sociedade, a

qual se torna uma verdadeira intérprete e fiscal da Constituição.

Concluiu-se que o controle difuso de constitucionalidade possibilita aos

magistrados realizar uma verdadeira “filtragem constitucional”, pois abrange qualquer

tipo de legislação, incluindo a promulgada antes da própria Constituição. Sendo assim,

o juiz não pode ser visto como uma peça sem convicção própria, sem liberdade de

atuação ou como mero aplicador da norma. Ele é, antes de qualquer coisa, um defensor

da Constituição e, consequentemente, do próprio Estado.

Assim, propôs-se que o controle difuso de constitucionalidade seja realizado de

maneira mais adequada pelos juízes, de modo que concebam os direitos fundamentais

como o pilar que estrutura a Constituição, visto que a importância da atuação dos

magistrados torna-se basilar, porquanto não há que se falar em proteção à Constituição

sem defesa dos direitos fundamentais.

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