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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4332
A IMPRENSA PERIÓDICA MINEIRA DURANTE A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX E A INSTRUÇÃO NO ESTRELLA MARIANENSE
Priscilla S. B. Verona1
A primeira metade do século XIX marcou a fase preliminar do processo de
institucionalização da instrução pública no Brasil. As discussões no sentido de organizar o
ensino e difundir a instrução representaram parte de uma série de medidas, que podem ser
associadas ao processo de construção do Estado Nação. As elites políticas e intelectuais da
província mineira, e dentre elas os sujeitos que compunham a imprensa, contribuíram,
durante a primeira metade do século XIX, para a veiculação de um discurso em defesa da
escola pública e de uma série de ideais políticos.
A sociedade mineira durante a primeira metade do século XIX foi bastante influenciada
pela introdução da imprensa, a medida em que ia se constituindo ela foi capaz de redefinir
práticas e relações que os indivíduos estabeleciam não somente entre sí, mas com o poder e
as instituições locais. Em meados do Primeiro Reinado teve início na província mineira um
“espocar de periódicos liberais”, e neste contexto vieram `a luz os periódicos mais
significativos e com o maior numero de folhas. De acordo com SILVA na região de maior
importância para a província em que “se destacavam Ouro Preto e São João del-Rei, assim
como a cidade episcopal de Mariana, localizou-se a bússola do liberalismo moderado
mineiro” (SILVA, 2009, p. 130).
Este trabalho intenciona compreender como se desenvolveu o debate acerca da
instrução durante a primeira metade do século XIX em Mariana, tendo como fonte principal
o periódico Estrella Marianense que foi publicado na cidade entre 1830 e 1832. Os discursos
presentes na imprensa que circulava em Mariana durante a primeira metade do século XIX
veiculavam e discutiam representações importantes no que se refere a construção de um
projeto de Nação que se pretendia formar. Nesse sentido, a pesquisa se move para pensar, de
que modo historicamente, os discursos presentes nos periódicos debatiam o tema do ensino e
instrução pública. A veiculação do debate político e educacional do período ocorria
principalmente através da imprensa de periódicos que nos anos iniciais do Império de fato,
assumiu “os contornos do espaço político, de verdadeira arena aberta à participação de todos
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. E- Mail: <[email protected].
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e ambiente onde foram construídas, veiculadas e discutidas as representações de soberania e
liberdade” (MOREIRA, 2006, p. 11).
Ao trazer aspectos do debate educacional que se desenvolvia no Estrella Marianense
buscaremos contudo identificar os sentidos atribuídos `a instrução e ensino em seus
discursos. Embora tenhamos identificado que a maioria da sociedade local não sabia ler, é
relevante atentar para o fato de que não somente aqueles que dominavam a leitura tinham
acesso ao conteúdo dos jornais, uma vez que era comum naquele tempo ouvir uma leitura
realizada por outros. As práticas de leituras não eram circunscritas ao lar ou
estabelecimentos comerciais, mas também era comum nas praças públicas. Nesse sentido o
jornal era percebido como um portador de notícias, ou mesmo um portador de “verdades”, o
que contribuía para a formação de uma opinião pública. . Durante a primeira metade do
século XIX em Minas Gerais, diversas pessoas poderiam ter contato com os periódicos fosse
através da leitura, ouvindo a leitura ou mesmo vendo o objeto impresso. Para MOREL é
importante destacar que “o papel impresso gerava novos ordenamentos, conteúdos e
transmissão de palavras que não eram somente impressas, mas que existiam, esta claro,
faladas ou manuscritas” (MOREL, 2015, p. 28).
O século XIX no Brasil, em especial nas suas primeiras décadas, representou o
momento em que se lançaram as bases da Nação que se pretendia construir. Após a
Independência teve início um longo processo que intencionava formular e consolidar o
Estado Nacional brasileiro. Este processo desenvolveu-se inicialmente através de uma série
de medidas como, por exemplo, a formulação das leis para organização do Estado, a busca
pela civilização e ordem da sociedade, e o processo de organização do ensino. Para tanto, era
essencial estabelecer alguns ideais e contribuir na veiculação de um discurso em prol da
construção da ideia de Nação, que por sua vez lançava luzes `a temas como: patriotismo,
ordem, cidadão, constituição. Essas ideias passaram a circular com maior efetividade na
sociedade do século XIX, especialmente em razão do surgimento e desenvolvimento da
imprensa no período imperial, pois ela em seu conteúdo expressava as principais tensões
vividas naquele contexto histórico.
O período regencial foi essencial para a definição das bases do Estado nacional
brasileiro, foi neste contexto em que foram colocadas as disputas entre diversos projetos de
construção do Estado, e “consequentemente, de participação social no poder político”.
Questões como a proeminência do poder Legislativo ou do poder Executivo, o papel a ser
desempenhado pelo imperador, temas como federalismo ou centralização e até mesmo os
níveis de participação popular figuravam como temas centrais do debate público durante o
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contexto das regências. Aliado a essa heterogeneidade de debates em vigor, tínhamos revoltas
em diversas províncias do império que “extrapolaram os horizontes dominantes e tornaram-
se um referencial para a ação política das elites sociais e políticas” (SILVA, 2009, p. 30).
O complexo jogo político que se desenrolou entre liberais e conservadores, e que teve
grande expressividade através das páginas da imprensa, acabou constituindo as
representações do Estado e da nação brasileira. De 1831 a 1837, período considerado de
maior predomínio da tendência liberal, o governo da província escolheu como seu porta –
voz o periódico O Universal. Após 1836, período que se tem início a onda regressista, O
Correio de Minas partidário dessa tendência é escolhido para dividir com O Universal a tarefa
de tornar público os atos de governo. A partir de então o Correio de Minas combateu
fortemente os liberais (MOREIRA, 2006).
No Brasil, a imprensa oficial teve início em 1808, com a criação da Imprensa Régia
foram inaugurados os jornais Gazeta do Rio de Janeiro e Correio Braziliense. Em fins da
década de 1820 uma série de publicações, entre pasquins, folhetos e jornais propagavam-se
pelos principais centros urbanos do Império. E os jornais eram, sobretudo, o principal
veículo de expressão e debate daquelas temáticas que assumiam centralidade nos discursos
da sociedade imperial. A imprensa de periódicos se estabeleceu como elemento essencial
para a cultura política que se constituiu no século XIX brasileiro, uma vez que a produção e
circulação dos jornais eram em boa parte alimentadas pelas atividades políticas daquele
momento histórico (JINZENJI, 2008).
O surgimento e desenvolvimento da imprensa em Minas Gerais esta associado a uma
série de condições materiais, políticas, geográficas ou culturais, e principalmente com o
processo de urbanização. Tendo em vista que Minas Gerais foi durante o século XVIII e boa
parte do XIX a região mais populosa e mais urbanizada do Brasil.
A cidade de Mariana localizava-se na região Mineradora Central Oeste2, integrando o
grupo dos centros urbanos mais importantes da província mineira na primeira metade do
século XIX. A dimensão do urbano no contexto local caracteriza-se como um processo,
representando o resultado de uma construção coletiva, que de certa forma é indissociável da
dimensão do cotidiano e das experiências e processos simbólicos que a este cotidiano estão
associados. Poderíamos dizer que o padrão específico de urbanidade que se constituiu na
província mineira, e em Mariana, encontrou ressonância em outras dimensões. E o processo
de configuração espacial específico que existiu em Minas, marcado pela inversão das relações
2 Conforme divisão da província de Minas Gerais, com base em seu nível de desenvolvimento durante a primeira metade do século XIX. (PAIVA, Clotilde. 1996, p. 115).
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tradicionais entre espaço urbano e espaço rural, reforçou um padrão de singularidade que
veio manifestar-se em outras áreas, talvez na própria cultura escrita. A trajetória singular
percorrida pela sociedade mineira se manifestou na dimensão do ensino, uma vez que “a
ambiência urbana que caracterizou a região, na primeira metade do século XIX, imprimiu
marcas específicas no desenvolvimento dos processos de educação da população"
(FONSECA, 2015, p. 4).
Assim como na Europa, os jornais que eram produzidos no Brasil durante o século XIX,
tinham como princípio o projeto iluminista de veicular valores e ideias para educar e civilizar
o leitor. A imprensa passou a ser constantemente percebida como “o meio mais eficiente e
poderoso de influenciar os costumes e a moral pública, discutindo questões sociais e
políticas” (PALLARES-BURKE, 1998, p. 147).
Os pressupostos e bases para a construção do Estado Nação, que foram idealizados
pelas elites política e intelectual ganhavam projeção e propagavam-se através das páginas dos
principais jornais das províncias do império. Nesse sentido, vale mencionar que a imprensa
apresenta-se como resultado de uma série de tensões e dinâmicas que sucede entre os atores
sociais e seu contexto histórico. Em suma, todo o movimento vivido pela imprensa periódica
no século XIX fez com que ela alcançasse uma “legitimidade enquanto um discurso
autorizado”; que visava, além de propagar o ideário educacional, inculcar valores e bons
hábitos (FARIA FILHO; CHAMON; ROSA, 2006, p.14-15).
Desse modo, a imprensa ao ser utilizada como fonte permite ao historiador
compreender muito do percurso que os homens realizaram no passado, podendo ser
concebida como um espaço em que se representa a realidade vivida. Ela se constitui desse
modo, como resultado de uma série de práticas sociais de determinada época, e aqueles que a
produzem engendram imagens da sociedade que serão certamente reproduzidas em outras
épocas históricas (CAPELATO, 1994, p. 24).
É interessante que a imprensa seja percebida como “força social ativa” capaz de propor
uma reflexão sobre sua historicidade e a conjuntura histórica em que esteve ou está inserida.
De acordo com CRUZ e PEIXOTO (2007), é preciso articular “a análise de qualquer
publicação ou periódico ao campo de lutas sociais no interior do qual se constitui e atua”.
Podemos dizer que, quando não há o cuidado em pensar as lutas sociais que envolvem a
produção de um periódico, muitas vezes o uso deste material como fonte acaba trazendo a
sensação de que eles encontram-se “descolados das tramas históricas nas quais se
constituem”. Em muitas pesquisas onde a imprensa é tomada como fonte, as publicações são
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tomadas como meras fontes de informação onde o tema analisado é trazido “sem quaisquer
mediações de análise, ao contexto macro da pesquisa” (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 256).
Ao analisarmos os periódicos que circulavam na sociedade marianense durante a
primeira metade do século XIX, não nos cabe pensa-la como um mero depositário de
acontecimentos daquela conjuntura histórica, mas sim compreendê-la como força ativa da
história. Nesse sentido é importante ressaltar que a:
Questão central é a de enfrentar a reflexão sobre a historicidade da Imprensa, problematizando suas articulações ao movimento geral, mas também a cada uma das conjunturas específicas do longo processo de constituição, de construção, consolidação e reinvenção do poder burguês nas sociedades modernas, e das lutas por hegemonia nos muitos e diferentes momentos históricos do capitalismo (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 257).
Enquanto força ativa da vida moderna, buscaremos problematizar a imprensa
considerando que ela se apresenta mais como um elemento constitutivo das tessituras
sociais, e do processo vivido, do que mais propriamente um registro dos acontecimentos. O
documento é suporte da prática social, e fala de um lugar social de um determinado tempo. E
assim cabe ao historiador conceber a imprensa enquanto uma linguagem que é antes de tudo
constitutiva do social, e que detém em si uma historicidade e peculiaridade próprias.
A imprensa por tratar-se de uma prática que constituí a realidade social, modela as
formas de pensar e agir, podendo até mesmo definir papeis sociais - e cabe a pesquisa
entender que em determinadas conjunturas a imprensa assimila interesses e projetos de
diferentes forças sociais. Ao que tudo indica os indivíduos que estiveram a frente da imprensa
de periódicos que circulou em Mariana, durante a primeira metade do século XIX, trouxeram
em seus jornais interesses próprios, posturas políticas, defesa de alguns ideais bem como a
crítica a outros. A formulação das representações discursivas da imprensa esta ligada ao
comportamento político e social dos atores que se propunham a redigir os impressos e
periódicos na província mineira. A imprensa representava o espaço essencial de atuação
desses homens “com o dom de ação” e que em sua maioria eram capazes de “criar novas
realidades políticas” (MOREIRA, 2006, p. 55). Em sua maioria os autores dos periódicos
mantinham relações com o campo político inserindo-se em discussões ou mesmo buscando
sustentar opiniões de preponderância local, uma vez que a maioria dos autores eram
membros da elite política e intelectual (NEVES, 2003).
Lançar luzes sobre quais os tipos de representações eram discutidas e veiculadas pela
imprensa naquele contexto, e para quais leitores elas estavam sendo direcionadas significa
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entender um pouco a respeito dos fundamentos que estavam sendo idealizados para a
construção de um projeto de nação liberal. A imprensa entre meados do século XVIII e
começo do XIX, fez entrar em cena um personagem histórico cujos traços eram peculiares, de
acordo com MOREL (2015) era um homem público até então inexistente no território da
América portuguesa: o redator panfletário. Enquanto um fruto da modernidade política
ocidental, surge esse homem das letras que era “em geral visto como portador de uma missão
ao mesmo tempo política e pedagógica”. Se caracterizava enquanto um escritor patriota, que
difundia suas ideias e assegurava embates, em um contexto marcado por tensões de uma
época com muitas transformações. Segundo o autor este intelectual publicava sobretudo
“impressos de combate imediato, de apoio/ ataque a pessoas e facções e de propagação das
novas ideias, dirigidos ao povo e `a nação ou, quando fosse o caso para formá-los” (MOREL,
2015, p. 35).
Os redatores da imprensa periódica atuavam como transformadores do meio,
contribuindo para a construção de ideias, tendências políticas e projetos de uma Nação que
se pretendia construir. De acordo com SILVA (2009, p. 104), na sociedade mineira “urbana”
e “abastecedora” forjou-se uma “elite política peculiar”. Em meio a complexidade de grupos
sociais destacavam-se os proprietários de terras e escravos e os comerciantes. De forma
representativa a “elite política mineira constituiu-se de proprietários, ou de indivíduos com
eles identificados, que se destacaram pela sua capacidade intelectual e organizativa”. Desse
modo o grupo de políticos liberais da província mineira possuía um perfil bastante
heterogêneo, sendo composto também por magistrados, comerciantes, padres, professores
entre outros, essa diversidade se referia tanto `a sua origem social ou sua trajetória de vida.
SILVA assevera que “A elite política da província tinha uma relação orgânica com a
propriedade, porém mediatizada por suas relações com o conjunto desta sociedade e pela
influencia do pensamento liberal”, o autor indica ainda que a elite política desempenhou uma
“relação pedagógica” (GRAMSCI, 1974 apud SILVA, 2009) com os demais grupos sociais (p.
105- 106).
Os políticos liberais eram geralmente os fundadores ou dirigentes dos mais
importantes jornais de tendência liberal moderada na província mineira, e neste grupo
podemos encontrar por exemplo Bernardo Pereira de Vasconcellos, que foi o fundados e
principal redator de O Universal em Ouro Preto, e também José Ribeiro Bhering o padre e
redator de Novo Argos e Homem Social em Mariana. (JINZENJI, 2008; SILVA, 2009).Em
geral, os núcleos urbanos da província de Minas Gerais se caracterizavam por uma esfera
pública de discussão, que se expressava nas instituições como igreja, associações, e assim o
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cotidiano se constituía também em espaços de debate e mobilização política dos sujeitos. E o
espaço privilegiado das atividades políticas e culturais era, em muitos casos, a praça pública
que, como “espaço intermediário entre a casa e a rua, a praça era o local de demonstração da
mobilização e do poder político dos contendores, notadamente dominadores privados, para a
sustentação de seus correspondentes pontos de vista” (MOREIRA, 2006, p. 44).
Na intenção de trazer algumas informações acerca da cultura escrita em Mariana
durante o ano de 1829, serão abordados alguns dados referentes a constituição urbana da
cidade, população, dados sobre escolarização e sobre os níveis de alfabetização local. Isso, no
sentido de visualizar indícios que se relacionem a cultura escrita, ou mesmo que nos
possibilite pensar o lugar que o impresso/ escrito ocupava na sociedade marianense.
A escolarização das crianças e camadas populares constituía, juntamente com o projeto
de urbanização e saneamento, representava um dos planos de intervenção do Estado de
maior ênfase nesse período. E o espaço urbano de Mariana, durante os séculos XVIII e XIX,
apresentou-se como um espaço privilegiado na área do ensino, sediando, além das inúmeras
aulas de primeiras letras, dois importantes estabelecimentos de ensino secundário: o
Seminário Nossa Senhora da Boa Morte e o Colégio dos Padres Osório, instituições de
referência para a educação em Minas Gerais durante os séculos XVIII e XIX.
Para trazer dados acerca da população de Mariana no período de nosso recorte,
recorremos ao recenseamento realizado nos anos de 1831 e 1840 em Minas Gerais, a mando
do governo da província. O censo teve como resultado as listas nominativas e de acordo com
a lista referente a 1831, a sede3 do Termo de Mariana possuía um total de 2.972. E de acordo
com a lista de 1840 a população contava com um total de 2.044 habitantes. No entanto, a
lista nominativa referente ao ano de 1831, nos oferecerá informações acerca do aprendizado
da leitura em Mariana, porém não oferece a informação sobre o índice de alfabetização. O
que nos levou a recorrer a lista de 1840 `a fim de obtermos esse índice. Como nosso recorte
se concentra no ano de 1829, será necessário fazer uma aproximação que nos permita pensar
o referido ano do recorte, com base nas informações das listas referentes a 1831 e 1840. Na
intenção de apresentar uma aproximação acerca dos indivíduos que frequentavam aulas, ou
aprendiam a ler em Mariana no período, utilizaremos a Lista Nominativa do ano de 1831 para
confeccionar a Tabela 1
3 Quando se refere a sede do Termo de Mariana, desconsidera-se os 38 distritos que compunham o extensor território do Termo no ano de 1831.
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TABELA 1 POPULAÇÃO DE MARIANA QUE SE OCUPAVA DO APRENDIZADO DA LEITURA,
INCLUINDO 0 A 6 ANOS 4 (1831)
Sexo
Aprendendo a ler/ na escola/ em
estudos com os pais/ frequenta
aulas
Não está aprendendo a
ler/ não frequenta aulas/
S/Inf Total
Mulheres N % N % N %
1524 2 0,5% 670 43,9% 852 55,9%
Homens N % N % N %
1448 88 6,1% 702 48,5% 658 45,5%
Total 2972
Fonte: tabela elaborada com base na Lista Nominativa dos Habitante de Mariana (1831). APM/ Cedeplar
Como não possuímos o índice de alfabetização em 1831, a intenção foi trazer a partir da
Tabela 1 um panorama quantitativo sobre os indivíduos que estavam aprendendo a ler/ na
escola/ em estudos com os pais/ ou frequentando aulas. De acordo com a fonte 0,5% das
mulheres e 6,1% dos homens em Mariana estavam em algum contato com dimensões da
cultura escrita.
Como a Lista Nominativa de 1840 nos oferece o dado “alfabetização” recorremos a ela
para termos uma ideia de qual era o índice de pessoas alfabetizadas em Mariana no período,
e a partir da Lista confeccionamos a Tabela 2.
TABELA 2
POPULAÇÃO DE MARIANA ALFABETIZADA(1840)
Sexo Alfabetizados Não Alfabetizados S/Inf Total
Mulheres N % % % N %
1144 124 11% 206 18% 814 71%
Homens N % N % N %
900 261 29% 74 8,2% 565 62,8%
Total 2044
Fonte: tabela elaborada com base na Lista Nominativa dos Habitante de Mariana (1831). APM/ Cedeplar
Em relação ao índice de alfabetizados para o ano de 1840 notamos um crescimento em
relação aqueles que estavam apenas em contato com a cultura escrita em 1831. Um total de
11% das mulheres eram alfabetizadas em Mariana no período, no caso dos homens o índice
de alfabetização era bem maior e sobe para 29%. Embora não seja possível fazer uma relação
4 Dentre as classificações de ocupações apresentadas na fonte que se referem ao universo da escrita ou ensino, as mais utilizadas são: aprendendo a ler; com seu pai em estudo da gramática; em estudos; na escola de primeiras letras.
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direta entre aqueles que aprendem a ler, e índice de alfabetização com o acesso a escola, é
importante considerar que acessando o percentual de indivíduos que buscavam o
aprendizado da leitura, ou eram alfabetizados temos uma dimensão preliminar acerca do
lugar que a escrita e leitura assumia naquela sociedade.
O periódico Estrella Marianense foi lançado em maio de 1830 e sua impressão era
realizada inicialmente na “Typografia Patrícia do Universal” em Ouro Preto, e em seguida
enviado para a cidade vizinha Mariana (ESTRELLA Marianense. 30 de maio, 1830). E
somente em 14 de abril de 1832, com a criação da Typografia Mariannense é que o periódico
passou a ser publicado na cidade de Mariana para a qual era dedicado. O jornal tinha como
redator Manoel Bernardo Accursio Nunan, e buscava trazer em seu conteúdo abordagens de
análise e reflexão que se voltavam para os temas políticos que eram centrais no contexto do
Império em sua primeira metade, em especial os debates públicos da Câmara Municipal de
Mariana, textos referindo-se a temas como patriotismo, filosofia, liberdade de imprensa,
constituição, liberdade, e também o ensino e a instrução local. O impresso tinha o custo de
1000 réis a subscrição ou 80 réis a folha avulsa, era publicado uma vez por semana e era
composto de quatro páginas, que se dividiam em: um prospecto de capa o qual abordava
temas políticos, uma seção que geralmente não continha título e abordava algum tema
referente a política local, na maioria das edições publicava Atas das Sessões Ordinárias da
Câmara Municipal da Leal Cidade de Mariana, havia uma coluna sobre notícias nacionais, e
publicava-se também correspondências dos leitores, máximas e anúncios.
Desde a sua criação, o impresso buscou publicar decisões do governo tanto na esfera
local como nacional, traçando argumentos no sentido de estimular em seus leitores a luta
pela liberdade, pela autonomia e pela participação política, se dirigindo aos seus leitores
como “cidadão orgulhoso”, ou “Augustos e Digníssimos Representantes da Nação Brasileira”.
É importante mencionar que o periódico dirigia-se ao leitor potencial a todo o tempo e isso
ocorria também no sentido de estimular sua luta pela defesa da Constituição, da pátria e dos
ideais como justiça e liberdade. O redator buscava em seus discursos não somente informar e
noticiar o público mas debater temas de grande preponderância e efervescência no contexto
local de Mariana, e contudo construir também os seus discursos no sentido de formar
politicamente seus leitores.
Na medida em que informava a sociedade local sobre as questões políticas e as decisões
de Câmara por exemplo, o periódico dava lugar as cartas e correspondências de seus leitores
gerando assim um espaço de troca, que expressava-se como um espaço público de discussões
e debates (MOREIRA, 2006, p. 88).
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A análise do impresso Estrella Marianense foi realizada junto ao plataforma da
Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital, e através de descritores específicos buscamos
trabalhar com as edições que abordaram o tema ensino e instrução. Segue abaixo a tabela 3
onde elencamos os descritores utilizados e as ocorrências encontradas no período de
publicação do periódico, entre os anos de 1830 e 1832.
TABELA 3 DESCRITORES UTILIZADOS E OCORRÊNCIAS ENCONTRADAS
(1930- 1832)
Ano
Estrella Marianense
Descritores Ensino Primeiras Letras Instrução Aulas
1830 27 Edições
16; 20; 24 14; 20 08 16; 34
1831
47 Edições 35; 73 58; 80 65 52; 78; 80; 81
1832 30 Edições 91 86 86; 103 Não encontrado
Total de Edições/
Ocorrências
104 edições/ 27 edições contém os
descritores
6 5 4 6
Fonte: tabela elaborada com base na análise do Estrella Mariannense. (1830- 1832)
Em matéria intitulada “Escolas da Primeira Infância” o redator narra como se dava a
experiência da chegada de um menino na aula de primeiras letras “Assim que um menino é
apresentado para entrar na escola, exige-se dos pais, que o venham trazer, ou o mandem as
horas marcadas; que eles conservem na maior limpeza possível o corpo, e os vestidos das
crianças”. Os meninos deveriam organizar-se em filas para que os mestres examinassem se
estavam cuidados, caso não estivessem seriam dispensados das aulas. Do contrário poderiam
assentar-se “ordinariamente” em seus lugares (ESTRELLA Mariannense. 21 de agosto, 1830).
O sistema de ensino em Mariana, segundo o redator Manoel Bernardo, estava ainda
marcado pelo legado da “barbaridade dos nossos antepassados”, para ele ao contrário de um
sistema de ensino “criado em um século de luzes e de humanidade”, aquele que vigorava em
Mariana era digno de constrangimentos. Baseando-se no “Ensaio sobre as escolas das
crianças” que fora publicado em Londres, critica fortemente a relação que se estabelecia
naquele contexto entre mestres e discípulos. Pois os mestres eram vistos como um certo
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“objeto de terror” afirmara ele, quando na realidade entre eles e seus discípulos deveria haver
uma relação “mutua de ternura e de amor”.
A experiência do ensino aos moldes em que se encontrava no contexto de Mariana
durante o início da década de 1830, não era bem visto pelo redator do periódico e
consequentemente não era bem falada nas páginas do Estrella Marianense. Em uma matéria
intitulada “Ensino” o redator deixa claro sua concepção sobre qual seria o melhor método de
ensino para as crianças naquele contexto, e afirma “Deve-se observar que não se ensina nada
de cor aos meninos: eles instruem-se por instinto, buscando imitar aos seus camaradas, e
fazendo aquilo, que ouviram” (ESTRELLA Mariannense. 21 de agosto, 1830).
Nas páginas do impresso era comum o redator anunciar a disponibilidade de Mestres
para ensinar, como foi o caso de Ribeiro Bhering que foi mencionado pois havia acabado seu
curso de Filosofia e Frances e portanto anunciava aos “comprovincianos que apesar de estar
provido na Cadeira de Retorica desta cidade não deixará de concorrer com todas as suas
forças para cumprimento de tão sagrados votos” e portanto no anuncio o redator assegura
terá inicio um outro curso de Filosofia pois o “anunciante só aspira o aproveitamento da
mocidade Mineira”. Em nome do padre professor Ribeiro Bhering, o redator do Estrella
Mariannense, agradece a forma tão “benigna” que “generosamente o acolheram quando
perseguido5 pelos inimigos da Luz, e da Liberdade” (ESTRELLA Mariannense. 16 de outubro,
1830).
Da mesma forma em que criticava severamente os aspectos do ensino na cidade de
Mariana, o redator do periódico buscava lançar luzes `a noção de que era essencial uma
instrução, de que dependia toda a “prosperidade publica” . Essa prosperidade estava
intimamente relacionada aos preceitos da boa “moral” e esta por sua vez necessitava de uma
instrução para se desenvolver, e deveria ser regulada “pelos princípios de uma Philosofia
depurada” pois assim nesses planos teria voz a “esperançosa juventude Brasileira (em quem a
liberdade pátria tem depositado as suas mais doces esperanças)” (ESTRELLA Mariannense.
31 de agosto, 1831).
5 Para maiores informações ver: ALMEIDA, Gabriela Berthou de Almeida. O Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte na construção da nação: debates políticos e propostas educacionais. In: HAMDAN, J. C; FONSECA, M. V.; CARVALHO, R. A. Entre o seminário e o grupo escolar: a história da educação em Mariana (XVIII e XX). Belo Horizonte: Mazza, 2013, p. 13-32
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4343
Referências
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