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A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE CERTIDÕES NEGATIVAS PARA SATISFAÇÃO DE PRECATÓRIO JUDICIAL.
Camila Maria Holanda do Outeiro1
Sumário: 1 Introdução. 2 Considerações acerca dos precatórios. 3
Exigência de certidão negativa. 4 Violação do princípio da
razoabilidade. 5 Interferência na prestação jurisdicional. 6
O princípio da proporcionalidade. 6.1 Juízo da necessidade.
6.2 Juízo da proporcionalidade em stricto sensu. 7
Conclusão. 8 Referências.
1 INTRODUÇÃO.
Em 21 de dezembro de 2004 foi promulgada a lei 11.033 que, não obstante tratar
preponderantemente sobre a tributação do mercado financeiro e de capitais,
instituir o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da
Estrutura Portuária – REPORTO, em seu artigo 19 trouxe requisitos para levantamento ou autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial: a exigência da apresentação de certidão
negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como de regularidade
para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS
e a Dívida Ativa da União.
Pela condição que impõe aos cidadãos para verem satisfeitos os seus créditos
certificados por sentença, esse dispositivo suscitou enormes críticas da doutrina,
primordialmente, quanto a sua constitucionalidade, ensejando inclusive a
proposição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil tombada sob o nº. 3.453-7. A ação foi julgada
procedente pelo Pretório Excelso no final de 2006, por decisão unânime
1 Aluna do 5º ano do curso de Direito da UNIFACS.
acompanhando a digna Ministra Relatora, Cármen Lúcia, consoante o argumento
ora deduzido.
Ultimamente, o legislador, ignorando as noções elementares de Direito
Constitucional, aliou-se ao Poder Executivo objetivando - por meio de instrumento
normativo e onerando o contribuinte de maneira injustificada e inconstitucional -
dar subsídios ao Fisco financiar pequenos curativos para tapar as crateras sociais
causadas por uma má administração Estatal, agravada pelos numerosos casos de
desvio de verbas públicas, mensaleiros e sanguessugas, que impedem o Estado
de dar efetividade e perseguir os mínimos Direitos e Garantias do cidadão
brasileiro.
O Estado Democrático de Direito Brasileiro, consolidado pela Constituição Federal
de 1988, vem sendo paulatinamente desmontado pelo legislador ordinário, que só
consegue enxergar os interesses da Fazenda Pública. Instituição de tributos
nebulosos, de difícil classificação em espécie; elevação indireta da carga tributária
pelos mecanismos de incidência do tributo sobre si próprio (tributação por dentro),
de encurtamento do prazo de recolhimento, de antecipação da arrecadação
mediante retenção na fonte etc., já se incorporaram na rotina legislativa do Estado.
Só que essa postura legislativa não é ética, legítima, razoável, nem constitucional.
O interesse da Fazenda não pode ser protegido em detrimento dos direitos e
garantias individuais assegurados na Carta Magna, afinal, estes são limites
impostos ao poder político do Estado e ao poder de tributar. Por isso, os direitos e
garantias individuais, insuprimíveis por meio de Emendas Constitucionais (art. 60,
§ 4º, IV da CF), não são apenas aqueles elencados no art. 5º da Carta Política,
mas inúmeros dispositivos dispersos na Constituição Federal.
Após essas reflexões, passemos então a análise da matéria objeto do presente
estudo.
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS PRECATÓRIOS.
Precatório judicial é procedimento integrante da forma de execução de sentença
condenatória de quantia certa contra a Fazenda Pública, funcionando como
sucedâneo de penhora em virtude do princípio da impenhorabilidade de bens
públicos. Tem seu pagamento expressamente regulado pela Constituição Federal
em seu art. 100, e pelo Código de processo civil em seus arts. 730 e 731.
Vejamos, in verbis, o tratamento constitucional dado a matéria:
Art. 100. à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.
§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.
§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.
Tem-se que essa é uma norma moralizadora, em consonância com os princípios
que regem a Administração Pública e com o princípio federativo da independência
e harmonia dos Poderes. Note também, que o constituinte praticamente esgotou a
matéria nada deixando ao tratamento infraconstitucional, a não ser a definição de
pequeno valor, distinguindo esses valores segundo as diferentes capacidades dos
entes políticos devedores (§3º e §5º). Sempre percebe-se o manifesto propósito
de favorecer os cidadãos credores da Fazenda. Nesta senda, inclusive tipificou-se
o crime de responsabilidade do “Presidente do Tribunal competente que, por ato
comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório”.
Depreende-se do texto normativo que são quatro os requisitos exigidos pela Lei
Maior para a satisfação do precatório: - a requisição do “Presidente do Tribunal
que proferir a decisão exeqüenda”; - a inclusão no orçamento das entidades de
direito público de verbas necessárias ao pagamento dos precatórios judiciários; - o
não enquadramento no conceito de “pequeno valor” a ser definido em lei; - o
pagamento observada a “ordem cronológica de apresentação dos precatórios”, “à
exceção dos créditos de natureza alimentícia”.
3 EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA.
Ab initio cumpre questionar a adequação formal do veículo normativo utilizado
para tratamento da matéria.
A administração tem a faculdade de exigir certidão negativa como prova de
quitação de certo tributo, na forma do art. 205 do Código Tributário Nacional,
porém esse, bem como todos os Direitos, não é absoluto, encontrando fronteira
nos direitos e garantias constitucionais, sem falar nos princípios que permeiam o
nosso ordenamento jurídico.
Ademais disso, vejamos a redação do mencionado artigo:
Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.
Essa lei, a que se refere o texto supra transcrito, é norma de direito tributário e,
por tanto, de competência de cada ente tributante, não podendo o legislador
ordinário da União editar norma geral exigível no âmbito das três esferas políticas,
pois, consoante o inciso III do art. 146 da Carta Magna, isso é privativo a lei
complementar.
Percebe-se que, o famigerado art. 19 da lei 11.0033, destina-se a regular
nacionalmente a forma de extinção de crédito tributário. Porém, é inquestionável
que, não obstante a lei ordinária federal e a lei complementar sejam fruto de
atuação do mesmo órgão editor – o Congresso Nacional – elas não se confundem,
possuindo distinto âmbito de validade e diverso conteúdo. É evidente que não se
pode utilizar de Lei Ordinária para veicular matéria de lei complementar.
Além do que, no caso em epígrafe, está a se ferir o princípio Federativo. Os entes
federados são autônomos, e tem sua área de competência estabelecida na Lei
maior, e esse dispositivo acaba por criar uma verdadeira ingerência entre os
poderes na arrecadação de tributos que não são de sua competência, violando
também o art. 147 da Carta Magna, padecendo de vício insanável!
4 VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
Põe-se em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência Estatal.
Interpretando teleológica e sistemicamente o instituto da certidão negativa, têm se
que este não foi criado para servir de mecanismo protelatório do pagamento de
quantum devido e certificado por sentença judicial, muito menos para servir como
instrumento de coerção para percepção de tributos pela Fazenda Pública.
Não é razoável que se dê destinação diversa o instituto do que a pretendida pelo
legislador!
Além do que, o dispositivo em cheque viola direitos do cidadão ao constranger
ilegalmente o contribuinte a pagar os débitos lhe imputados unilateralmente pela
Fazenda Pública, contrariando o entendimento unânime do Supremo Tribunal
Federal, então vejamos:
EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.
(STF; AI 571672 / RS - RIO GRANDE DO SUL; MIN. CELSO DE MELLO; DJ 06/02/2006 PP-00091)
O próprio STF editou também três sumulas que vedam a prática coerciva para o
pagamento de tributo, o que demonstra definitivamente o entendimento do tribunal
no sentido de vedar a prática da cobrança coercitiva dos tributos por qualquer que
seja o meio, ipsis litteri:
SÚMULA 70 - É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
SÚMULA 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
SÚMULA 547 - Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
O que se depreende dessas sumulas é a condenação do desvio de finalidade.
Indiferente que esse desvio esteja contido na lei ou no ato administrativo, em
ambas as hipóteses ele não se sustenta perante o ordenamento jurídico global. Os
tributos devem ser cobrados como previsto na lei, não se aplica nas relações de
direito público princípio análogo ao do exception non adimpleti contratus, como
parece pretender o legislador do dispositivo objeto do presente estudo.
Seria razoável se a norma do famigerado art. 16 tratasse do deferimento de um
benefício, de um estímulo, como ocorre em algumas situações permitidas pelo
ordenamento, porém não de uma exigência para cumprimento de uma sentença
que certifica o direito do cidadão a receber do Estado quantia certa de dinheiro,
constituindo-se esse crédito seu patrimônio pessoal.
Como é incontestável que o objetivo da norma do art. 19 da lei 11.033 é
constranger o contribuinte, desviando da finalidade do instituto, restando então
clara a sua contrariedade ao nosso ordenamento jurídico, por não ser razoável, de
acordo com toda a doutrina e a interpretação determinante da jurisprudência de
nossa corte Suprema.
5 INTERFERÊNCIA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
É evidente que lei alguma pode limitar ou restringir a eficácia da finalidade
específica de qualquer dos poderes, sob pena de estar-se ferindo um dos
princípios basilares do Estado Democrático de Direito, o princípio da Separação
de Poderes, consolidado no art. 2º da Lei Maior.
Porém, in casu, ocorre que esse artigo 19 interfere diretamente na atuação do
Poder Judiciário, e justamente em suas fase mais importante, a fase satisfativa,
que é justamente o que dá a razão de ser do Judiciário. O mencionado dispositivo
ao estabelecer condições para o pagamento do precatório a ser exigido pelo
magistrado, desfere um golpe fatal na efetividade da jurisdição, não obstante o
limite imposto pela soberania do Poder Judiciário, que não permite que nenhum
outro Poder modifique ou se sobreponha à sua decisão.
Além disso, de outro lado, também interfere no direito constitucional garantido no
inciso XXXV, do art. 5º da CF, in verbis:
TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
E viola o dispositivo, pois exige que o cidadão pague débitos que lhe são
imputados unilateralmente pela Fazenda Pública (nem sempre devidos), e que
ainda são passíveis de serem questionados perante o Poder Judiciário, porém
para ver satisfeito um crédito que tem contra a Fazenda Pública.
Sem maiores delongas, tem-se claro que em ambos os aspectos são totalmente
inadmissíveis tais interferências, que tem proteção constitucional por macular a
própria estrutura de organização do Estado, e violar direito fundamental.
6 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
A discricionariedade do legislador, a propiciar a liberdade para legislar, encontra
limites nos princípios norteadores da ordem jurídica, tendo como um dos mais
importantes o princípio da proporcionalidade que se opõe ao conteúdo normativo
gravoso e desnecessário.
O dispositivo ora questionado não consegue também ultrapassar o limite imposto
pelo princípio supramencionado, balizador de todo o ordenamento jurídico, sob a
ótica do juízo da necessidade e da proporcionalidade em stricto sensu.
Pode-se até entender que vence o exame da adequação, pois este somente exige
uma relação empírica entre meio e fim, e realmente a exigência de certidão
negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como de regularidade
para com a Seguridade Social, FGTS e a Dívida Ativa da União, levará ao
cumprimento do fim pretendido, qual seja evitar a inadimplência dos tributos
perante os respectivo órgãos, porém é sabido que somente essa análise é
totalmente insuficiente para análise da coerência da norma sob a perspectiva do
princípio em tela.
Então vejamos os outros exames inerentes ao princípio da proporcionalidade:
6.1 Juízo da necessidade
Explicitando em breves linhas, o exame da necessidade envolve a verificação da
existência de meios que sejam alternativos àquele escolhido pelo legislador, que
possam promover o mesmo fim, sem restringir na mesma intensidade os direitos
fundamentais colateralmente afetados.
Temos que, no presente caso, não só existem outros meios de se alcançar o fim
pretendido pelo legislador do art. 19 da lei 11.033, como tratam-se de
procedimentos criados pelo legislador com o intuito específico de almejar a
satisfação do crédito tributário do contribuinte da maneira menos gravosa possível, que são pelo menos dois: o processo de execução fiscal (regido pela lei
nº. 6.830/80) e o instituto da compensação (previsto no art. 170 do Código
Tributário Nacional).
Se já é ofertado pelo ordenamento positivo nacional um meio adequado para a
cobrança da dívida ativa Estatal, não é legítimo nem constitucional, a eleição de
outro meio mais restritivo, como o do art. 19 da lei 11.033, que agiliza e antecipa, por vias tortuosas, a arrecadação de tributos, colateralmente aniquilando princípios constitucionais como a razoabilidade, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, a eficiência do serviço público, a separação de poderes, dentre outros mencionados no presente
estudo.
Há que se salientar que muitos débitos inscritos em dívida ainda são impugnáveis
por inúmeros meios previstos na legislação pátria, não se perfazendo em certeza
de débito, o que implica em pagamento prévio de um tributo que nem sempre é
devido, com a dispensa dos princípios constitucionais do devido processo legal e
do contraditório.
Não obstante existirem causas que suspendem a exigibilidade destas dívidas, não
é justo que o contribuinte tenha que arcar com o ônus de, por exemplo,
constranger seu patrimônio (considerando a hipótese deste ser suficiente, o que
inúmeras vezes não ocorre), dependendo, durante anos, de decisão do Judiciário
que declare a inexistência de um débito para que sua certidão de débitos seja
positiva, mas com efeito de negativa e então seja deferida a satisfação do
precatório judicial!
Não é opção viável a dispensa do processo executivo fiscal e do instituto da compensação, que se opera entre dívidas líquidas e certas, diante dos efeitos colaterais trazidos pela norma em tela. A presença desses satisfatórios institutos no nosso ordenamento jurídico, ressalta a desnecessidade do dispositivo sob exame.
6.2 Juízo da proporcionalidade em stricto sensu
Neste enfoque, exige-se a comparação entre a importância da realização do fim e
a intensidade da restrição aos direitos fundamentais. Então, diante do já
argumentado, questiona-se: o quantum de acréscimo patrimonial na arrecadação
pela Fazenda Pública de débitos de sua dívida ativa tem mais importância do que
o apreço pelos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da eficiência do serviço público e da separação de poderes?
Quem pense que sim, então não está se situando num Estado Democrático de
Direito, onde o poder Estatal de impor tributos aos cidadãos se sobrepõe ao
respeito à estrutura que protege os direitos fundamentais de cada cidadão
individual e coletivamente considerado.
Milhares e milhares de créditos tributários prescrevem mensalmente por conta da
inércia da Fazenda Pública, que deixa de aparelhar tempestivamente as
execuções fiscais à espera de providencias legislativas da espécie.
7 CONCLUSÃO
O dispositivo do art. 19 da lei nº. 11.033, fere o ordenamento positivo no tocante
aos artigos 2º, incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º, art. 100 e seus parágrafos 1º e 2º
da Constituição Federal, sem falar no art. 205 do Código Tributário Nacional, e nos
princípios e valores que permeiam o ordenamento jurídico nacional.
Diante do exposto é interessante refletir sobre a lição do ilustre doutrinador Roque
CARRAZA em seu livro Curso de Direito Constitucional Tributário: "apesar de já não
ter voga o princípio in dubio pro fiscum, o fato é que a Fazenda Pública, até hoje, com
a desculpa de que precisa obter recursos e evitar fraudes, não se peja de atropelar
direitos dos contribuintes".
Não é admissível que mais um ônus recaia sobre o cidadão detentor de crédito
perante a Fazenda Pública. Os precatórios judiciais, é sabido, são verdadeiros
“monstrengos jurídicos” por inúmeros aspectos, dentre eles o fato de se esperar
de seis a oito anos (ou até mais) para obtenção de decisão condenatória com
trânsito em julgado contra a Fazenda Pública, seguido de mais infinitos anos para
o efetivo pagamento do montante constante no precatório. Como se já não
bastasse a sabida morosidade, impinge-se ao Poder Judiciário um desprestígio
ainda maior.
É, pois, totalmente descabido que agora, através do art. 19 da lei 11.033, o
legislador busca dar mais uma vantagem para a pessoa jurídica de direito público
devedora, procrastinando o cumprimento da decisão exeqüenda através de uma
exigência ilegítima, irrazoável, desproporcional e inconstitucional!
8 REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 5ª ed., 2006.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 18ª ed., 2006.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 21ª ed., 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 15ª ed., 2003.
HARADA, Kiyoshi. Inconstitucionalidade da exigência de certidão negativa de tributos para levantamento de valores decorrentes de precatório judicial. . Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6333>. Acesso em 02. março.2007.
SILVA, José Afonso. Curso de direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 27ª ed., 2006.
STF. Conselho da OAB ajuiza ação contra lei sobre depósito de precatório judicial. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=128646&tip=UN¶m=3453>. Acesso em 02. março.2007.
STF. Dispositivo de lei sobre depósito de precatório judicial é julgada inconstitucional pelo Supremo. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=216706&tip=UN¶m=precatório%20judicial>. Acesso em 02. março.2007.