22
A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete Kleber Carrilho - [email protected] Graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pós-graduado em Marketing e Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, mestrando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor de Redação Publicitária na Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo da Universidade Metodista de São Paulo. Resumo Este artigo analisa os aspectos da propaganda ideológica presentes na Revista Manchete, uma das publicações semanais de maior circulação no Brasil do final da década de 1960, quando da cobertura da indicação pela Arena, da eleição pelo Congresso Nacional e da posse do Presidente General Emílio Garrastazu Médici. Era um momento decisivo para a sobrevivência do regime militar instaurado no país em 1964, após a doença e o impedimento do presidente Costa e Silva, que resultou num breve governo de uma junta militar. Ao mesmo tempo, a sexta constituição republicana era imposta à população, com as decisões dos Atos Institucionais

A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

  • Upload
    ngodien

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Kleber Carrilho - [email protected] em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pós-graduado em Marketing e Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, mestrando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor de Redação Publicitária na Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo da Universidade Metodista de São Paulo.

ResumoEste artigo analisa os aspectos da propaganda ideológica presentes na Revista

Manchete, uma das publicações semanais de maior circulação no Brasil do final da

década de 1960, quando da cobertura da indicação pela Arena, da eleição pelo

Congresso Nacional e da posse do Presidente General Emílio Garrastazu Médici. Era um

momento decisivo para a sobrevivência do regime militar instaurado no país em 1964,

após a doença e o impedimento do presidente Costa e Silva, que resultou num breve

governo de uma junta militar. Ao mesmo tempo, a sexta constituição republicana era

imposta à população, com as decisões dos Atos Institucionais já nela inclusas, e previa-se

uma caminhada para a instauração do processo democrático.

Palavras-chave: Revista Manchete, Emílio Médici, regime militar.

Page 2: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

“Juntos, governantes e governados, cumpriremos os nossos

recíprocos deveres e seremos dignos dos compromissos que

assumimos com nossa geração.”

General Emílio Garrastazu Médici, em mensagem exclusiva para a

revista Manchete, na primeira entrevista depois de sua indicação para

a Presidência da República

2

Page 3: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Introdução

ano de 1969 foi decisivo para a continuidade do regime instaurado pelo golpe

militar cinco anos antes. A promessa de poucos anos no poder apenas para

devolver ao país a possibilidade de viver numa democracia plena começava a

ser questionada. Em vez de mais liberdade, os Atos Institucionais cerceavam cada vez

mais os direitos políticos e o funcionamento das instituições democráticas. O Congresso,

em recesso desde o AI-5, em dezembro de 1968, chegava a quase um ano sem nenhuma

atividade.

OUma nova Constituição, também conhecida como Primeira Emenda à de 1967,

estava em pleno desenvolvimento quando o Presidente Costa e Silva, no dia 26 de

agosto, sentiu-se mal. Dois dias depois, já no Rio de Janeiro, verificou-se que a

possibilidade diagnosticada primeiramente de uma estafa não era correta. Tratava-se de

uma trombose cerebral.

A possibilidade de que o vice-presidente Pedro Aleixo assumisse a Presidência não

era bem vista pelos militares mais extremados, principalmente por ele ter se recusado a

ser um dos signatários do AI-5. Em 31 de agosto, formou-se uma Junta Militar, com os

ministros do Exército, Lyra Tavares, da Marinha, Augusto Rademaker, e da Aeronáutica,

Márcio de Souza e Mello, que assumiu as atividades da Presidência da República.

Os dois meses seguintes, até 30 de outubro, foram dedicados à preparação do

terreno para que o próximo presidente assumisse sua funções. Nesses dias, ocorreu o

seqüestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, com o intuito de libertar

presos políticos, e vários Atos Institucionais foram editados, que traziam a pena de

3

Page 4: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

banimento, de morte e prisão perpétua. Além disso, as cassações, que já eram muito

executadas desde 1964, foram postas em prática para todos os políticos, ministros,

membros do governo e mesmo militares que se opunham à tomada total do poder pelas

Forças Armadas. Os AI-16 e AI-17 terminaram o serviço colocando em vacância os

cargos de presidente e vice-presidente da República, mesmo antes da morte do General

Costa e Silva.

O grupo mais extremista entre os militares, que consideravam o presidente “um

frouxo”, ganhava então mais espaço e todo o poder para ditar os rumos do país. Como

última preparação para o próximo presidente, a Constituição foi outorgada, já com os

dispositivos dos Atos Institucionais nela inclusos, para que o futuro mandatário pudesse

exercer seus poderes sem nenhum “impedimento legal”.

Durante o período em que a Junta governou, houve uma grande pressão de alguns

setores para que o novo presidente fosse definido rapidamente. Para isso, os titulares

convocaram uma reunião com os altos comandos do Exército, da Marinha e da

Aeronáutica. Dessa reunião, foi formada a “Comissão dos 3M”, composta pelos generais

Antônio Carlos Muricy, Emílio Garrastazu Médici e Jurandir de Bizarria Mamede. Das

discussões dessa comissão sobre o pensamento das Forças Armadas e das negociações

entre os diversos grupos, saiu a indicação do General Médici para ser o candidato oficial à

Presidência.

Outro dado importante é que, nos bastidores das Forças Armadas, havia alguns

outros candidatos apontados. Em levantamento não-oficial realizado, sabe-se que Médici

não foi o mais votado. Concorriam com ele o General Aurélio Lyra Tavares (que fez parte

da Junta), o General Sizeno Sarmento, o General Orlando Geisel, o General Antônio

Carlos da Silva Murici e o General-de-divisão Afonso de Albuquerque Lima. A decisão se

deu porque Médici aparecia em quase todas as listas de votos, tinha quatro estrelas e era

bem-relacionado com o General Costa e Silva, o que o faria manter sem grandes

mudanças os planos do governo anterior.

O Congresso foi aberto novamente pelo Ato Complementar número 73, de 15 de

outubro de 1969, justamente para a realização da eleição indireta para presidente e vice-

4

Page 5: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

presidente da República, que teriam o mandato definido pelo AI-16, de 30 de outubro de

1969 a 15 de março de 1974.

Como resultado das eleições, ocorrida em 22 de outubro, depois de dez meses de

recesso, o General Médici recebeu 293 votos a favor (251 deputados e 42 senadores da

Arena) e 76 abstenções (62 deputados e 14 senadores do MDB).

5

Page 6: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

A Revista Manchete – histórico e características da época

Revista Manchete foi fundada em 1952 por Adolpho Bloch e se tornou durante

o final da década de 60 e toda a década de 70 a mais importante revista

semanal brasileira. Voltada para toda a família, trazia notícias para diversos

segmentos de público. Política, ciência, literatura, arte e atualidades das vidas de pessoas

famosas do Brasil e do mundo eram temas que recheavam suas páginas, que passavam

de uma centena na maioria das edições.

AComo linha editorial, a revista Manchete e o conglomerado de empresas da família

Bloch sempre se destacaram pelo bom relacionamento com o governo, mesmo durante a

ditadura imposta em 1964. Baseada na fórmula francesa da Paris-Match, trouxe ao Brasil

o aperfeiçoamento técnico da imagem. Segundo Sodré (1989, p. 93), “Manchete era o

medium adequado para o otimismo das elites (...). Foi, na verdade, a precursora da

televisão no Brasil”.

Grandes saltos foram dados, visando uma cobertura fotográfica eficaz. Na época

da posse de Juscelino Kubitschek, por exemplo, a revista anunciava ter sido a única, além

do fotógrafo oficial, a registrar a cena. Alguns anos depois, quando da posse de Jânio

Quadros, o editorial da revista trazia as palavras do seu diretor:

6

Page 7: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

“(...) graças à perfeita coordenação de nossa equipe com as modernas

oficinas gráficas de Parada de Lucas, podemos apresentar em tempo

recorde a cobertura do evento. (...) Ao todo, cerca de 600 pessoas, entre a

redação e as oficinas, trabalharam dia e noite neste esforço jornalístico.”

(MANCHETE, nº 460, 11/2/1961, p. 3)

Nessa época, Manchete contava com uma grande equipe editorial e escritórios em

Nova York e Paris, com grande número de repórteres. Nomes como Muniz Sodré, Ledo

Ivo, Ibraim Sued, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Arnaldo Niskier faziam

parte do expediente que comandava a revista.

Depois de um período de grande crescimento, que atingiu seu ápice em 1983 com

a inauguração da TV Manchete, o grupo Bloch teve grandes perdas financeiras e foi à

falência no final da década de 90, tirando de circulação um grande número de revistas,

entre elas a própria Manchete. Embora tenha voltado a ser publicada em 2001 pela

massa falida do grupo, não repetiu mais a periodicidade semanal nem conseguiu a

circulação e a notoriedade que a fizeram um dos mais importantes veículos de

comunicação do país durante mais de duas décadas.

7

Page 8: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Propaganda ideológica

urante o regime militar, entre os anos de 1964 e 1985, a comunicação

governamental sempre esteve presente sob duas formas: a publicidade

institucional e a propaganda ideológica. Considera-se publicidade institucional

os anúncios, comerciais, filmes e outras peças desenvolvidas e veiculadas com intuitos

claros de influenciar as atitudes e as opiniões da população. São os casos de um grande

número de peças publicitárias desenvolvidas durante o próprio governo Médici, por

exemplo, em que os meios eram utilizados para que fossem veiculadas mensagens

assinadas pelo governo federal. Eram em geral comunicados sobre questões econômicas

e de saúde pública, entre outras.

D

No entanto, no mesmo período, podemos encontrar também a presença de

mensagens governamentais sob a forma de propaganda ideológica. Como referência de

propaganda ideológica podemos encontrar em Garcia (1982), no livro O que Propaganda

Ideológica as características do funcionamento deste tipo influência.

Segundo Queiroz (2000), sobre a propaganda ideológica:

“Sua função é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos

indivíduos, e, com isso, orientar todo o seu comportamento social. O fato

pode ser observado historicamente como no caso dos governos militares,

quando se apelou para o orgulho patriótico da população (‘Brasil, ame-o ou

deixe-o’, 1970) e para o espírito de fé no país, para que a população

aguardasse a chegada de dias melhores e suportasse as dificuldades,

8

Page 9: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

tomando, como foco, o otimismo e a confiança nos slogans (‘Ninguém

segura este país – Médici – e ‘Plante que o João garante’ – Figueiredo).”

É importante ainda notar que a propaganda ideológica funciona de maneira diversa

da publicidade institucional, pois essas mensagens são veiculadas de maneira indireta,

em veículos que tentam passar uma imagem neutra.

9

Page 10: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Metodologia este trabalho, são procuradas referências nas capas e nas matérias da revista

Manchete sobre o tema da indicação, da eleição e da posse do presidente

Médici aspectos de propaganda ideológica, em que as mensagens positivas ao

presidente e ao momento político do país são mostradas de maneira tendenciosa, para

fazer acreditar que o presidente era um grande líder, que o momento então vivido (um dos

mais duros do regime militar) era uma retomada da democracia e que a constituição então

outorgada era a melhor solução para reger o funcionamento do país.

N

10

Page 11: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Análise das edições que cobriram a indicação e a posse do novo presidente

s edições da revista Manchete de números 914, de 25 de outubro de 1969, 915,

de 1º de novembro de 1969, e 916, de 8 de novembro de 1969, trazem matérias

e referências na capa à indicação, eleição e posse do presidente Emílio

Garrastazu Médici.

AA primeira delas, de número 914, datada de 25 de outubro de 1969, das 128

páginas totais, traz apenas oito sobre o presidente indicado. Além disso, a capa mostra

um destaque lateral para uma reportagem, com o título “Grandes Reportagens Exclusivas

– Médici – Quem é o novo presidente”. O grande destaque na capa é para “as duas faces

de Marisa Mell”, acompanhada de uma foto da atriz austríaca. Outras reportagens

também têm destaque: “Tostão – Os primeiros passos em Houston”, “Ibope revela quando

o brasileiro é infiel no amor” e “URSS constrói no espaço uma plataforma para outros

mundos”. Embora sem relação direta, a matéria sobre a URSS, símbolo maior do

comunismo, tende a apontar que o que acontece lá se trata de assuntos “de outros

mundos”.

Na terceira página desta edição, no local costumeiramente dedicado ao editorial,

está uma imagem do repórter Murilo Melo Filho cumprimentando o General Médici, sobre

um texto do futuro presidente, que mandava uma mensagem exclusiva à nação, com tom

patriótico e chamando a população ao grande sacrifício que aguardava “governantes e

governados”.

Nas sete páginas que a revista dedica à reportagem prometida na capa, há uma

grande tendência em apontar as qualidades do General Médici. Nas primeiras duas

11

Page 12: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

páginas, uma grande imagem focada no rosto do futuro presidente, com um quadro do

Duque de Caxias ao fundo desfocado, aparece acompanhada de um texto que mostra a

maneira amigável como os repórteres da revista foram tratados no momento em que

agendaram a entrevista, com uma linguagem bastante coloquial. O titulo já antecipa o

resultado da eleição que ainda não tinha ocorrido – “Médici, quem é o novo presidente.”

Nas duas páginas seqüentes, três imagens do general. Numa, a maior, ele fuma ao

lado de outros militares; nas menores, na parte de baixo, aprece com o governador

gaúcho Peracchi Barcelos e conversa carinhosamente com uma sobrinha. O texto em

destaque mostra mais qualidades: “O General Médici era atacante do Grêmio de Bagé.

Tinha bom chute e acertava sempre no gol”. Nos textos das legendas, são apontadas sua

energia, sua ponderação e o fato de ser bastante reservado. Os repórteres ainda

continuam o texto narrativo, contando como foram recebidos no quartel-general onde

entrevistaram o general.

Logo em seguida, outra grande imagem é mostrada. Agora, em frente ao mesmo

quadro do Duque de Caxias, desta vez em foco, o futuro presidente aparece ao lado do

futuro chefe da Casa Militar, General João Batista de Oliveira Figueiredo, que viria a ser o

último presidente militar. Nestas páginas, é destacada a vida militar de Médici, além de

mostrar que ele se preocupava com sua atuação na televisão na noite anterior, quando

aparecera pela primeira vez em rede nacional. Sua mulher, dona Scylla, também aparece,

acompanhando-o.

A última página da matéria mostra Médici cumprimentando militares, dizendo que

ele os conhece pelos nomes, e por eles é muito respeitado. A matéria continua falando

sobre sua vida familiar, seus apelidos, sua trajetória militar. Em nenhum momento, no

entanto, é tratado o ambiente político que o Brasil vivia.

Na segunda edição analisada, a 915, de 1º de novembro de 1969, traz uma capa

com os seguintes dizeres: “Estamos em revolução”. Não se tratava da revolução de 1964,

mas do que a revista mostrava como a revolução pós-guerra. Traz imagens da vida

hippie, da conquista do espaço, da China maoísta, da pílula anticoncepcional. Com os

dizeres “25 anos dramáticos”, a intenção era mostrar o que acontecera no mundo entre

12

Page 13: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

1945 e 1970, sem nenhuma referencia ao que ocorria no país, em pleno processo de

sucessão.

No interior da revista, cinco páginas trazem a noticia da instalação da VI Republica,

da nova Constituição outorgada, da reabertura do Congresso e da escolha do novo

ministério. Com a chamada “Médici acerta o passo”, o texto de Murilo Melo Filho, traz as

notícias, mostrando uma imagem em que o presidente Médici aparece ladeado de

autoridades.

Nas páginas seguintes, são contadas de forma curta as historias das constituições

republicanas anteriores. Além disso, são mostradas as características da nova

Constituição, sem muito destaque – cassações, poderes extraordinários para o presidente

e a institucionalização da ditadura, com ares de democracia. A imagem mostra os

ministros militares “entregando” a nova Constituição para o povo brasileiro.

Na última página, o presidente Médici volta a ser tema, com notícias sobre a

formação do ministério, mostrando que em novembro, quando a proclamação da

Republica faria 80 anos, o Brasil já viveria sob um novo governo, com a tranqüilidade

reconquistada.

A revista Manchete numero 916, de 8 de novembro de 1969, traz na capa

chamadas a matérias sobre a bela Maria de Fátima (na foto), Frank Sinatra, Pele e o

Brasil que espera o novo presidente “em cores maravilhosas”. Trata-se de uma matéria

sobre o país, em que são mostrados problemas e belezas naturais, sem destaque

nenhum para a situação política.

No editorial, o Diretor Executivo da Manchete, Zevi Ghivelder, mostra-se bastante

otimista com o futuro do Brasil, demonstrando como a equipe da revista via a chegada do

novo presidente.

Sete das 128 páginas da revista trazem a matéria assinada por Antonio Praxedes

sobre os acontecimentos mais recentes na capital federal. A chamada é “O Congresso

elege Médici – Aqui começa a sexta Republica” acompanha uma grande imagem do

Congresso e traz um texto onde é destacada a simplicidade do evento, ocorrido na tarde

do sábado 25 de outubro.

13

Page 14: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Com os deputados e senadores obrigados a seguir as decisões dos partidos, Arena

e MDB, a revista mostra uma “confraternização” entre os dois grupos, e a noticia de que

houve obediência por parte dos parlamentares. Os discursos dos presidentes são

comentados de maneira breve, com destaque a concordâncias entre as duas falas. O

ambiente sem pompa no Congresso é explicado por causa do luto pelo ex-deputado

Haroldo Veloso. Quase sem texto, a noticia é dada quase completamente por imagens,

uma das características da revista.

Na ultima pagina, um pequeno texto e uma imagem mostram a despedida do

presidente do comando do III Exercito. Com a frase “não mudarei” a revista informa que

Médici prometera que seria o mesmo homem, com os mesmos valores, na presidência da

Republica.

14

Page 15: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Conclusões

ota-se, a partir da análise das edições de Manchete, de acordo com a definição

de propaganda ideológica, em que mensagens que intencionam mudar o

comportamento e a opinião da população estão presentes em veículos que

aparentemente teriam como característica a neutralidade, que o regime militar usou a

revista para tentar convencer a população de que aquele era o momento da retomada da

democracia, que o presidente Médici era o homem preparado para governar, pois era

“competente, calmo, líder e corajoso”, além de outras qualidades.

NA revista Manchete, então, empresta seu espaço para dar voz aos militares, de

uma maneira bastante parcimoniosa. Não houve em nenhum momento grande escândalo,

nenhuma capa dedicada ao tema, que era de extrema importância. A intenção era, com

normalidade, mostrar a nova cara do país. Das 128 páginas de cada edição, nem dez por

cento delas trazia o assunto em questão. Tratava-se apenas, na visão de quem lia a

revista, de um processo normal que dava ao país toda a tranqüilidade necessária para

que as famílias pudessem ter tempo para se preocupar com atrizes, jogadores de futebol,

novelas e notícias mundiais. Poucas eram as noticias, quase sem destaque ao momento

político do Brasil.

Desta maneira, a Manchete, já conhecida por sua característica de grande

apoiadora do governo, conseguia a simpatia dos órgãos controladores da imprensa, que

muitas vezes censurava grande parte de publicações que não atendiam aos anseios do

poder.

Vê-se então que, como grande parte dos regimes ditatoriais, um dos grandes

pilares nos quais se apoiava o regime militar era a propaganda ideológica, com a

15

Page 16: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

utilização de redes de televisão, revistas e jornais para levar à população as idéias que o

legitimavam. A idéia de um Brasil forte, que seria um grande país no futuro, com uma

população boa, trabalhadora e honesta, foi mostrada para o público, sem possibilidade de

manifestação para os críticos do regime. No mesmo momento, grandes mudanças

tecnológicas em todos os meios de comunicação, com a possibilidade da construção de

grandes redes e da circulação nacional de publicações, eram executadas pelos

responsáveis pela comunicação no governo.

16

Page 17: A indicação e a posse do presidente Médici na Revista Manchete

Bibliografia

GARCIA, Nélson Jahr. O que é propaganda ideológica. São Paulo : Brasiliente, 1982.

FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no

Brasil (1969 – 1977). São Paulo : FFLCH/USP, 1996.

KOIFMAN, Fábio (org.). Presidentes do Brasil (De Deodoro a FHC). Departamento de

Pesquisa da Universidade Estácio de Sá / São Paulo : Cultura, 2002.

MATOS, Heloiza. Modos de olhar o discurso autoritário no Brasil (1969-1974): o noticiário

de primeira página na imprensa e a propaganda governamental na televisão . São Paulo :

ECA/USP, 1989.

PONTES, Ciro et alli. Atlas de Educação Moral e Cívica. São Paulo : FORMAR, 1971.

QUEIROZ, Adolpho et alli. Pittagate, uma leitura de propaganda ideológica na Folha de S.

Paulo. Coleção Comunicação nº 14, Edipucrs, 2000.

REVISTA MANCHETE. Números 460, 914, 915 e 916. Rio de Janeiro : Bloch Editores,

1969.

SODRÉ, Muniz. O monopólio da fala (função e linguagem da televisão no Brasil) .

Petrópolis : Vozes, 1989.

17