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1 A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS ORGANIZACIONAIS Marcus Vinicius Carvalho Rodrigues, Dr. [email protected] 1. TECNOLOGIA: A BUSCA DE UM CONCEITO Em uma breve busca na literatura especializada sobre a definição do termo tecnologia, nos deparamos com uma imensidão de posições, algumas restritas ou simplista, outras antagônicas ou paralelas. Karl MARX, por exemplo, refere-se a tecnologia como a forma pela qual o homem trata a natureza e os processos de produção e pelo qual ele mantém sua vida. D. CARDWEEL 1 , um autor clássico da temática, considera que a tecnologia é simplesmente a aplicação industrial da ciência. Em contrapartida, A. WOLF 2 , diz que a tecnologia tem como objetivo a invenção de coisas e processos novos ou o aperfeiçoamento de coisas e processos mais antigos, sem necessariamente estarem associados a ciência pura. Stephen BARLEY 3 sugere que a tecnologia é um conjunto de dispositivos, maquinas e outros aparelhos empregados na organização para a produção. Afonso FLEURY 4 vê a tecnologia com sendo um pacote de informações organizadas, em diversos tipos, provenientes de várias fontes, obtidas através de diversos métodos e utilizadas na produção de bens. Em uma visão mais abrangente, tomando como referencia algumas das definições aqui citadas, poderíamos considerar a tecnologia como um conjunto de conhecimentos técnicos em geral, que podem ser aplicados a uma sociedade ou organização com o objetivo de produzir bens ou serviços, ou de criar condições mais favoráveis à adaptação dos seres vivos diante dos novos contextos. 2. A TECNOLOGIA NO SÉCULO VINTE

A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

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Page 1: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

1

A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS

ASPECTOS ORGANIZACIONAIS

Marcus Vinicius Carvalho Rodrigues, Dr.

[email protected]

1. TECNOLOGIA: A BUSCA DE UM CONCEITO

Em uma breve busca na literatura especializada sobre a definição do termo

tecnologia, nos deparamos com uma imensidão de posições, algumas restritas ou simplista,

outras antagônicas ou paralelas. Karl MARX, por exemplo, refere-se a tecnologia como a

forma pela qual o homem trata a natureza e os processos de produção e pelo qual ele mantém

sua vida. D. CARDWEEL 1, um autor clássico da temática, considera que a tecnologia é

simplesmente a aplicação industrial da ciência. Em contrapartida, A. WOLF2, diz que a

tecnologia tem como objetivo a invenção de coisas e processos novos ou o aperfeiçoamento

de coisas e processos mais antigos, sem necessariamente estarem associados a ciência pura.

Stephen BARLEY3 sugere que a tecnologia é um conjunto de dispositivos, maquinas e outros

aparelhos empregados na organização para a produção. Afonso FLEURY4 vê a tecnologia

com sendo um pacote de informações organizadas, em diversos tipos, provenientes de várias

fontes, obtidas através de diversos métodos e utilizadas na produção de bens.

Em uma visão mais abrangente, tomando como referencia algumas das

definições aqui citadas, poderíamos considerar a tecnologia como um conjunto de

conhecimentos técnicos em geral, que podem ser aplicados a uma sociedade ou organização

com o objetivo de produzir bens ou serviços, ou de criar condições mais favoráveis à

adaptação dos seres vivos diante dos novos contextos.

2. A TECNOLOGIA NO SÉCULO VINTE

Page 2: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

2

O século vinte foi o cenário para profundas mudanças na estrutura, métodos

e fins das atividades tecnológicas. Para Peter DRUCKER estas mudanças podem ser

agrupadas em três aspectos:

Mudanças Estruturais: profissionalização, especialização, e institucionalização

do trabalho tecnológico;

Mudanças nos Métodos: a nova relação entre tecnologia e ciência; o surgimento

da pesquisa sistemática; e o novo conceito de inovação;

O enfoque de sistema.

Segundo DRUCKER(1971), a tecnologia tornou-se o que nunca foi antes:

uma disciplina organizada e sistemática.

No século anterior a atividade tecnológica era praticada como um ofÍcio,

por indivíduos que trabalhavam isoladamente, sendo que a maioria não possuía uma

educação formal dirigida à área tecnológica. Nesta época existia na Europa somente um

instituição técnica de ensino superior, a École Polytechnique, em Paris.

A partir do início deste século é que o trabalho tecnológico passa para as

mãos de indivíduos com formação técnica e diploma de nível superior. Vale ressaltar que

recentemente esta tendência tem sido contrariada por alguns tecnologos da área da

informação, que não têm se utilizado da estrutura das academias ou dos centros de pesquisa

convencionais para conceberem seus “inventos”5.

A visão tecnológica, atualmente, é quase sempre baseada nas descobertas

cientificas, mas tem sido difícil em algumas áreas do conhecimento separar o trabalho

cientifico do trabalho tecnológico. Muitas vezes o pesquisador que descobre o novo

conhecimento cientifico, o estado da arte, é o mesmo que desenvolve processos e produtos,

estado da técnica, conseqüentes destes novos conhecimentos. Isto tem sido muito comum na

química polímera, na industria farmacêutica , na exploração espacial e na informática.

Page 3: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

3

Foram vários os tecnologos que viabilizaram idéias e métodos para a

produção de novos bens ou serviços, como também novas formas de administrar a produção,

os recursos humanos e os negocios, dentre estes Frederick TAYLOR, Henry FORD, Henri

FAYOL e Elton MAYO, foram os pioneiros.

Hoje a tecnologia esta inserida em todos os setores organizacionais. Em

uma superficial referencia poderíamos citar a tecnologia utilizada para produzir os bens e

serviços, a tecnologia empregada para o controle do processo produtivo, a tecnologia adotada

para a gestão dos recursos humanos, a tecnologia para a gestão do negócio, entre outras. Mas

cada organização tem sua tecnologia básica, ou seja a que define a natureza do negocio da

organização, a qual todas as outras tecnologias aplicadas as atividades meios estão

condicionadas.

A influência desta tecnologia principal nos aspectos organizacionais é

imperiosa, a sua natureza estabelece o norte para as atividades de produção e gestão. É

necessário, em uma analise organizacional que o pesquisador ou consultor tenha um

conhecimento básico das peculiaridades de cada tipo de tecnologia utilizada no meio

organizacional. Alguns estudos notáveis se detiveram na busca do entendimento e na

identificação das peculiaridades de cada tipo de tecnologia básica. Devido a importância e

necessidade de conhecimento destas peculiaridades diante do tipo de tecnologia, para a

melhor compreensão das organizações, abordaremos neste trabalho, alguns destes estudos.

3. A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS ORGANIZACIONAIS:

UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

Vários aspectos organizacionais são diretamente dependentes da natureza da

tecnologia utilizada pela organização. Dentre vários outros autores Joseph LITTERER,

apresenta tal dependência de forma bastante clara e objetiva. LITTERER(1970) sugere que a

relação entre tecnologia e aspectos organizacionais é estabelecida através das políticas

organizacionais, e esta é delimitada por três classes determinantes: o ambiente, os recursos, e

Page 4: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

4

a tecnologia (Figura 1). Mesmo assim temos alguns questionamentos quanto a limitação dos

conceitos de ambiente e recursos utilizados pelo autor, quanto ao de tecnologia teremos

oportunidade, durante este trabalho, de acrescentarmos outras contribuições.

AMBIENTE

RECURSOS

TECNOLOGIA

FORMAS

DE

ORGANIZAR

Missão

Objetivos

Estrutura

Org. do Trabalho

Div. do Trabalho

Comportamento

Gestão

Negócios

P

O

L

I

T

I

C

A

Figura 1: Forma de Organizar - Determinantes Básicos

Fonte: Adaptação da Figura 21.3, p.474, LITTERER (1970)

MEIOS POLITICAS ESTRATÉGIAS ORGANIZAÇÃO

LITTERER entende por ambiente “a parte do mundo externo à organização

com a qual ela entra em contato”(p.469). Em nossa opinião poderíamos rever o conceito de

ambiente apresentado por LITTERER incrementando a visão de ambiente interno, ambiente

da organização, e macro-ambiente, Figura 2. Ambiente interno seria analisado a partir dos

aspectos culturais da organização, e peculiaridades internas à organização, decorrente da

própria Forma de Organizar estabelecida no momento anterior. O ambiente da organização

seria estabelecido basicamente pelos fornecedores, clientes e concorrente, diante de suas

relações de trocas, comunicação e negociações. Já o macro-ambiente, teria como determinante

as macro-variáveis políticas, econômicas, sociais, culturais e meio-ambiente.

Page 5: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

5

PROCESSOS

GERENCIAIS/ PRODUÇÃO

PROCEDIMENTOS ORGANIZACIONAIS

MITOS

RITOS

CRENÇASFORNECEDORESCONCORRENTES

CLIENTES

CONTEXTO POLITICO MEIO-AMBIENTE

CO

NT

EX

TO

C

UL

TU

RA

L /

SO

CIA

L

CO

NT

EX

TO

EC

ON

ÔM

ICO

/FIN

AN

CE

IRO

Figura 2: Ambientes de uma Organização

Quanto aos recursos a posição de LITTERER refere-se principalmente aos

recursos materiais/financeiros. Achamos viável inserir como recursos a capacitação básica

dos recursos humanos e meio social/espacial onde a organização está inserida. Sem duvida

estes recursos são de vital importância e servem de meio para otimização do ambiente e da

tecnologia, diante da concepção das políticas.

Encontramos na literatura alguns estudos clássicos que têm como objetivo

investigar a forma como a tecnologia molda os aspectos organizacionais. Os trabalhos

apresentados por Joan WOODWARD, Charles PERROW e James THOMPSON, que

passaremos a comenta-los, nos parece os de maior relevância.

3.1. AS PESQUISAS DE JOAN WOODWARD

“Existe uma forma mais apropriada para cada situação

técnica”

Joan Woodward

Page 6: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

6

A pesquisadora inglesa Joan WOODWARD6 buscou identificar com suas

pesquisas o impacto causado pela tecnologia na administração de uma organização do setor

industrial.

WOODWARD (1958) verificou que diversas variáveis estruturais críticas

estavam diretamente vinculadas à natureza da tecnologia das industrias estudadas. Após uma

primeira análise a pesquisadora classificou as organizações de acordo com a natureza da

tecnologia utilizada, em três grupos:

Primeiro Grupo: Tecnologia de Produção Unitária ou Sistemas de Pequenos Lotes - TPU

Segundo Grupo: Tecnologia de Produção em Massa ou Sistema de Grandes Lotes - TPM

Terceiro Grupo: Tecnologia de Produção de Processamento - TPP

Cada um dos grupos definidos por WOODWARD apresentou aspectos

diferenciados quanto a manufatura de produtos, sendo relevante o grau de automação e

padronização dos processos de produção, Figura 3.

Na Tecnologia de Produção Unitária - TPU os produtos estão sujeitos a

técnicas ou procedimentos artesanais, ou seja são fabricados um de cada vez e podem durante

o processo de produção serem modificados. Um exemplo apropriado para este tipo de

produção são as organizações que constróem navios ou satélites.

A Tecnologia de Produção em Massa - TPM, está relacionada ao sistema

através do qual os trabalhadores de montagem ou operadores de máquinas podem

desempenhar uma ou mais operações no produto, vemos como um bom exemplo as

Montadoras de Automóveis.

Já na Tecnologia de Produção de Processamento -TPP, o grau de automação

ou de processo é bastante elevado. As refinarias de petróleo ou as indústrias de produtos

químicos representam de forma adequada este tipo de produção.

Page 7: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

7

Uma das constatações importantes de WOODWARD foi a de que o sucesso

e eficácia de uma organização correlacionava-se de forma significativa com a adequação entre

a natureza da tecnologia empregada e a estrutura organizacional.

Grau de Padronização e Automação

dos Processos Produtivos

Processo

(automatizado)

Produção em Massa

(mecanizado)

Produção Unitaria

(artesanal)

Tip

os

de

Tec

nolo

gia

Figura 3: Relação Tecnologia e Grau de Padronização e Automação

Fonte: Hampton (1992), p.123

Observou-se que o número médio de níveis hierárquicos aumentava de

acordo com o grau de padronização e automação dos processos produtivos. Assim as

organizações que se utilizam da TPU possuem, relativamente, menos níveis hierárquicos, que

as de TPM, que por sua vez possuem menor quantidade de níveis hierárquicos que as

organizações que se utilizam da TPP.

As organizações de TPM possuem um grau de formalismo superior as

outras, a pesquisa de WOODWARD, identificou que nestas organizações o planejamento e o

controle eram bem mais detalhados e rígidos.

Outro aspecto que difere as organizações pelo tipo de tecnologia que

utilizam, é quanto a seqüência das funções gerenciais. Tomando como base, em relação a um

bem ou serviço, o desenvolvimento, a produção e o markting, verifica-se que na TPU a

primeira etapa à ser realizada é o markting, seguida do desenvolvimento e produção. Na TPM

a seqüência passa a ser desenvolvimento, produção e markting, e na TPP, desenvolvimento,

markting e produção.

Page 8: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

8

HAMPTON(1992), se utilizando da classificação de WOODWARD,

associa com base em diversas outras pesquisas, os requisitos básicos de mão-de-obra e os

fatores motivacionais, diante de cada tipo de tecnologia de produção.

A TPU, necessita da utilização de uma variedade de ferramentas ou

instrumentos, a mão-de-obra básica seria os operadores mecânicos, com atividades que de

alguma forma poderíamos denominar de artesanais. Na TPM os processos tornam-se

mecanizados, assim o “artesão” cede lugar a um operador treinado para realizar uma ou

poucas tarefas em uma linha de montagem. Já na TPP os processos são geralmente

automatizados e necessita-se de monitores ou técnicos para monitorar as operações e por

vezes realizar ajustes ou alinhamentos, previamente já definidos. Na Figura 4, é apresentado

graficamente uma síntese destas observações.

Unitaria Massa Processamento

Processo de

Monitoração

Operações

Mecânicas

Uso Variado

de Ferramentas

Tipo

s d

e

Hab

ilida

des

Figura 4: Tipos de Trabalhadores x Tipos de Tecnologia

Fonte: Hampton (1992), p.125

OPERADORES

MECANICOS

OPERADORES DE

LINHA DE MONTAGEM

TÉCNICOS

Tipos de Tecnologia de Produção

Quanto aos aspectos comportamentais dos trabalhadores, HAMPTON(1992)

apoiado em outras pesquisas sugere que nas organizações que utilizam a TPU o nível de

satisfação do trabalhador é maior. O menor nível de satisfação foi identificado nas

organizações que se utilizam da TPM, Figura 5.

Page 9: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

9

Unitaria Massa Processamento

Satis

façã

o n

o T

raba

lho

Figura 5: Relação Satisfação no Trabalho x Tipos de Tecnologia

Fonte: Hampton (1992), p.126

Tipos de Tecnologia de Produção

Diversos outros pesquisadores reproduziram as pesquisas de

WOODWARD, principalmente nos EUA e no Canada, aplicando suas idéias também a

outros setores organizacionais, e encontraram resultados paralelos. Em nossa pesquisa

bibliográfica não encontramos aplicação de sua pesquisa original no Brasil7.

O trabalho de WOODWARD chamou a atenção para importância da

tecnologia, até então não considerada nas analises organizacionais. Suas idéias serviram de

base para o surgimento da abordagem situacional ou contingêncial da administração.

3.2. A TIPOLOGIA DE TECNOLOGIAS DE JAMES THOMPSON

“A tecnologia é uma importante variável para a

compreensão das ações de empresas complexas.”

James THOMPSON

James THOMPSON considera a tipologia proposta por WOODWARD

como insuficiente para uma análise no meio organizacional, diante da amplitude de

tecnologias encontradas nas organizações complexas. Assim o autor propõe um sistema

tríplice para o enquadramento dos diversos tipos de tecnologias encontradas:

Tecnologia de Elos em Seqüências

Page 10: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

10

Tecnologia Mediadora

Tecnologia Intensiva

Na visão de THOMPSON (1976) uma tecnologia de elos em seqüências,

“envolve a interdependência seriada no sentido de que o ato Z só poderá ser executado depois

de completar com êxito o ato Y que, por sua vez, depende do ato X, e assim por diante”(p.30).

Devido a repetição dos processos produtivos as organizações que se utilizam deste tipo de

tecnologia têm maior tendência de seus trabalhadores adquirirem experiências e facilidade na

programação de treinamentos dirigidos. Poderíamos citar como exemplo uma linha de

montagem ou diversas atividades administrativas em um escritório.

A tecnologia mediadora tem por “função básica a ligação de clientes que

são ou desejam ser interdependentes”(p.31). Assim exige-se um funcionamento dentro de

modalidades padronizadas e extensivas. Os bancos comerciais, os correios, as

concessionárias telefônicas, dentre outras são organizações que fazem parte deste grupo.

A tecnologia intensiva permite que “uma variedade de técnicas sirvam de

base para se conseguir um modificação em algum objeto especifico, mas a seleção,

combinação e ordem de aplicação são determinadas por realimentação pelo próprio

objeto”(p.32). A industria da construção ou os tratamentos terapêuticos são exemplos de

tecnologia intensiva.

A tipologia apresentada por THOMPSON, é a base de sua proposta de uma

metodologia para a análise organizacional. Em nossa opinião ela é mais abrangente que a

apresentada por WOODWARD, mas não recebeu por parte dos estudiosos a mesma atenção.

3.3. AS PROPOSTAS DE CHARLES PERROW

“Para qualquer empresa, o problema é o de garantir que a

tecnologia, a estrutura e os objetivos estejam em

harmonia. Isso que é boa administração”

Charles PERROW

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Charles PERROW8 apresenta uma abordagem sobre a temática tecnologia,

independente das técnicas especificas utilizadas para a realização das atividades da

organização. O autor toma como categoria de análise a matéria-prima que a organização

utiliza para a transformação de bens ou serviços negociáveis. Sua visão é abrangente e o

resultado da transformação da matéria-prima “tanto pode ser delinqüentes reabilitados, como

programas de TV, símbolos de propaganda, decisões governamentais ou até aço”(p.101).

Na visão de PERROW a tecnologia permeia todas as atividades

organizacionais, desde a aquisição de material, capital, mão-de-obra, distribuição e gestão dos

negócios. As máquinas e equipamentos são apenas instrumentos meios, e não a tecnologia em

si.

São apresentadas duas dimensões para a tecnologia. A primeira refere-se ao

grau em que a matéria-prima afeta ou induz o nível de rotinização e a segunda a variabilidade

dos estímulos apresentados ao indivíduo, que induziria o mesmo em graus diferenciados para

analises que exigiriam diversos graus de criatividade ou julgamento. Na primeira dimensão o

autor se utiliza da associação entre organizações ou unidades burocratizadas e não-

burocratizadas com atividades rotineiras e ausência de qualquer rotina. Estes dois estágios são

denominados de “rotina” e “não-rotina” respectivamente.

Na segunda dimensão, a variável é o grau de estímulos , ou

oportunidades/necessidades para a realização de pesquisas mentais. Os extremos foram

denominados de “craft” e de “engineering”. “Craft” significa, originalmente, a visão de

processos elementares, mas onde há muitas oportunidades de aplicar a criatividade e realizar

julgamentos. Já “engineering”, originalmente, representa processos mais evoluídos, mas onde

o trabalho as oportunidades/necessidades de aplicar a criatividade e realizar julgamentos é

baixa. Geralmente tem se traduzido “craft” como artesanato, mas acreditamos que o sentido

que esta assume na língua portuguesa, não é fiel as idéias básicas de PERROW.

Na Figura 6, utilizando-se dos eixos de variáveis, grau de criatividade ou

julgamento, e grau e de situações excepcionais, é apresentada graficamente a proposta de

PERROW.

Page 12: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

12

ALTO

BAIXO

GRAU DE SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS

“CRAFT”

POUCAS

PRODUÇÃO

DE ROTINA

PRODUÇÃO

SEM ROTINA

“ENGINEERING”

Figura 6: O Modelo de Charles Perrow

Fonte: Adaptação da Figura 1 apresentada por PERROW(1972), p.104

GR

AU

DE

C

RIA

TIV

IDA

DE

E/O

U

JU

LG

AM

EN

TO

MUITAS

No sistema “craft”, não deve existir procedimentos gerais e nem grande

quantidade de requisitos excepcionais exigidos na produção. O trabalhador precisa a todo

momento de criatividade e julgamento. Organizações que se ocupem de projetos paisagísticos

ou instalações prediais, poderiam exemplificar este sistema.

O sistema não-rotineiro tem o número de exceções elevado e não existem

procedimentos gerais, exigindo constantemente criatividades ou julgamento. As organizações

de P&D e as clinicas psiquiátricas, seriam bons exemplos. Já no sistema rotineiro, raramente

surge um problema fora do comum. Os procedimentos são númerosos, específicos e seguem

as mesmas etapas, praticamente não existem exceções. Uma linha de montagem tradicional,

seguindo a visão fordista, representa adequadamente este sistema. O sistema “engineering”

teríamos muitas situações excepcionais mais que exigiriam pouca criatividade e julgamento

para a solução, vemos um setor de recebimento de reclamações de clientes como um exemplo

deste sistema.

PERROW alerta ainda, como também fez Woodward, para a influência da

tecnologia na definição das variáveis estruturais da organização. Apesar de tratar apenas do

Page 13: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

13

setor de produção, suas posições são aplicáveis a todos os outros seguimentos

organizacionais. Na Figura 7, procuramos sintetizar algumas das observações do autor diante

da “supervisão” e “técnica” com base nas seguintes variáveis organizacionais: liberdade de

ação; autoridade; coordenação dentro dos grupos; e interdependência de grupos.

A posições apresentadas por PERROW, significaram hoje um importante

passo para a análise da influência da tecnologia nos aspectos estruturais, gerenciais e

comportamentais em uma organização.

Figura 7: Aspectos Estruturais e Tecnologia

LIBERDADE

DE

AÇÃO

AUTORIDADE

COORD.

DENTRO

DOS

GRUPOS

INTERDEPENDÊNCIA

DOS

GRUPOS

LIBERDADE

DE

AÇÃO

AUTORIDADE

COORD.

DENTR

O

DOS

GRUPOS

INTERDEPENDÊNCIA

DOS

GRUPOS

TÉCNICA PC

PC PL BT BT FN

SUPERVISÃO BT

BT FN BT BT FN

TÉCNICA PC

BT PL BT BT FN

SUPERVISÃO PC

PC PL PC PC PL

Legenda: PC - Pouco BT - Bastante PL - Planejamento FN - Fornece

Fonte: PERROW(1972), p.107

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente quando se fala em tecnologia, faz-se uma associação automática

à tecnologia da informação - TI. Sem dúvida, a importância que a TI tem para o mundo

BT PC

PC PC

FLEXÍVEL, POLICENTRALIZADA DESCENTRALIZADA

FORMAL, CENTRALIZADA FLEXÍVEL, CENTRALIZADA

Page 14: A INFLUENCIA DA TECNOLOGIA NOS ASPECTOS …

14

organizacional é enorme. Ela vem disseminando-se com uma velocidade espantosa e servindo

de meio para modificar todas as outras tecnologias até então existentes, seja na área produtiva

ou gerencial.

Mas é importante observar que a TI tende a alterar ou contribuir com todas

as outras tecnologias, mas ela não é uma tecnologia básica.

Reforçando esta posição vale lembrar o posicionamento do Prof. Lawrence

RHYNES, San Diego University, em recente conferencia. RHYNES colocou como ponto

indiscutível, que as organizações que não se utilizarem de forma ativa da TI em todos as suas

atividades, tendem ao insucesso. Foram apresentadas várias organizações que estão

restruturando seus negócios e procedimentos com base nas novas alternativas da TI.

Mas em uma análise organizacional, ou até mesmo para a otimização da TI,

em um processo de mudança, aconselha-se a conhecer e considerar as peculiaridades das

tecnologias básicas. Nos parece bastante atual as visões apresentadas, principalmente, por

WOODWARD e PERROW. Estas constituem-se em elementos importantes e vitais para um

adequado entendimento da realidade e necessidades da organização e a utilização destes

elementos, como instrumentos de análise nos processos de mudança, ampliam a possibilidade

de absorção dos “novos” métodos ou idéias pela organização.

BIBLIOGRAFIA

1. DRUCKER, Peter. Tecnologia, gerencia e sociedade. Petropolis, Voves, 1971

2. HAMPTON, David. Administração contemporânea. São Paulo, McGraw-Hill, 1992

3. PERROW, Charles. Analise organizacional: um enfoque sociológica. São Paulo, Atlas,

1972

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4. THOMPSON, James. Dinamica organizacional. São Paulo, McGraw-Hill, 1976

5. WOODWARD, Joan. Industrial organizational: theory and practice. Londres, Oxford

University Press, 1965

1 The organization of science in England, London, Heinemann, 1957. 2 A history of science, technology and philosophy in the eighteenth century, London, Allen & Unwin, 1938 3 The alignment of technology and structure through roles and networks. Administrative Science Quarterly, v.35,

n.1, p.61-103, mar/1990. 4 Capacitação tecnologica e processo de trabalho: comparação entre o modelo japonês e o brasileiro. RAE, v.30,

n.4, p.23-30, out/dez/1990. 5 Dentre estes o mais notavel atualmente é Bill Gates 6 A pesquisa de WOODWARD, foi realizada em 110 empresas fabris da Inglaterra, no final da década 50. 7 Na UFMG, a Profª. Suzana RODRIGUES tem desenvolvido diversas pesquisas sobre a influência da

tecnologia, no setor de telecomunicações, reproduzindo o Modelo de Aston, que tem como um dos suportes

iniciais os resultados de WOODWARD. 8 Charles PERROW é professor na Universidade de Wisconsin