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PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP - n. 05, dezembro 2007 1 A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA NOS SISTEMAS DE ÁREAS VERDES DO URBANISTA FRANCISCO PRESTES MAIA Siomara Barbosa Stroppa de Lima Arquiteta, Mestre em Urbanismo pela FAU - PUC Campinas, Doutoranda em História pelo IFCH - Unicamp Este texto é parte de uma pesquisa de doutorado desenvolvida junto ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Tognon. Trabalho apresentado à disciplina AUP5810 – Paisagismo, ministrada sob responsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa de Pós-Graduação da FAU-USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente. Resumo Dentre as proposições realizadas pelo urbanista Francisco Prestes Maia para a reformulação e o planejamento geral das cidades, as áreas verdes se configuravam como um relevante instrumento de organização e embelezamento do espaço citadino aliadas às vias de circulação. No início dos anos trinta do século XX o urbanista elabora um grande Plano de Avenidas para São Paulo e um Plano de Melhoramentos Urbanos para Campinas que marcaram fortemente a urbanização destas duas cidades. Assim, profundas mudanças foram realizadas em sua estrutura e organização e as alterações na imagem urbana implicavam também em novas tipologias paisagísticas, além das arquitetônicas e urbanísticas. Neste contexto, pretendo traçar neste texto uma investigação, ainda que preliminar, da gênese das idéias de sistema de áreas verdes propostas pelo urbanista, bem como identificar uma clara influência das teorias norte americanas. Introdução Na história do urbanismo brasileiro o período que se inicia em 1930 e se estende até fins de 1950 é singular, marcado pela elaboração dos planos gerais para a cidade, com uma visão de totalidade, articulação e circulação sem precedentes até então. Neste período é

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Este texto é parte de uma pesquisa de doutorado desenvolvida junto aoDepartamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp,sob orientação do Prof. Dr. Marcos Tognon.Trabalho apresentado à disciplina AUP5810 – Paisagismo, ministrada sobresponsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa dePós-Graduação da FAU-USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente.Resumo

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A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA NOS SISTEMAS DE ÁREAS VERDES DO URBANISTA FRANCISCO PRESTES MAIA

Siomara Barbosa Stroppa de Lima Arquiteta, Mestre em Urbanismo pela FAU - PUC Campinas, Doutoranda em História pelo IFCH - Unicamp

Este texto é parte de uma pesquisa de doutorado desenvolvida junto ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Tognon.

Trabalho apresentado à disciplina AUP5810 – Paisagismo, ministrada sob responsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa de Pós-Graduação da FAU-USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente.

Resumo

Dentre as proposições realizadas pelo urbanista Francisco Prestes Maia para a reformulação e o planejamento geral das cidades, as áreas verdes se configuravam como um relevante instrumento de organização e embelezamento do espaço citadino aliadas às vias de circulação.

No início dos anos trinta do século XX o urbanista elabora um grande Plano de Avenidas para São Paulo e um Plano de Melhoramentos Urbanos para Campinas que marcaram fortemente a urbanização destas duas cidades. Assim, profundas mudanças foram realizadas em sua estrutura e organização e as alterações na imagem urbana implicavam também em novas tipologias paisagísticas, além das arquitetônicas e urbanísticas.

Neste contexto, pretendo traçar neste texto uma investigação, ainda que preliminar, da gênese das idéias de sistema de áreas verdes propostas pelo urbanista, bem como identificar uma clara influência das teorias norte americanas.

Introdução

Na história do urbanismo brasileiro o período que se inicia em 1930 e se estende até fins de 1950 é singular, marcado pela elaboração dos planos gerais para a cidade, com uma visão de totalidade, articulação e circulação sem precedentes até então. Neste período é

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que são delineadas as primeiras propostas do que posteriormente se chamou de zoneamento, visando organizar a cidade em setores de atividades específicos.

A partir deste período inicia-se a formação de órgãos dentro da estrutura administrativa das prefeituras das principais cidades do país para o planejamento urbano, bem como a elaboração e implantação de uma legislação urbanística destinada a controlar o uso e ocupação do solo.

A circulação de idéias urbanísticas entre os profissionais e técnicos da área se dá através da literatura produzida no período, como os manuais e guias práticos de urbanização, mas também através da contratação de especialistas estrangeiros, como Joseph-Antoine Bouvard em São Paulo e Donat Alfred Agache no Rio de Janeiro. No entanto, após o final da Primeira Guerra Mundial o modelo e o ideário urbanístico da cidade européia deixam de ser dominantes no Brasil, e as atenções neste sentido recaem sobre as experiências norte-americanas.

As propostas do engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia formado pela Escola Politécnica de São Paulo em 1917, tem clara influência do ideário urbanístico americano, sobretudo nas áreas verdes urbanas. Em seus projetos para a reformulação urbana e o planejamento geral das cidades, as áreas verdes se configuravam como um relevante instrumento de organização e embelezamento do espaço citadino, mesmo que intimamente ligadas às vias de circulação.

Pautados principalmente na questão da circulação, os planos e teorias urbanísticas do início do século XX, utilizaram os espaços públicos e áreas verdes como elementos estruturadores do traçado urbano, mas, sobretudo, estas áreas foram tratadas como um equipamento necessário à nova cidade em formação e ao viver urbano, imprimindo profundas mudanças na estrutura e organização das cidades, e as alterações na imagem urbana implicavam também em novas tipologias paisagísticas, além das arquitetônicas e urbanísticas.

Com base nos modelos dos movimentos norte-americanos Civic Art e City Beautiful, dois novos conceitos foram amplamente difundidos naquele período e se fizeram presentes nos Planos de Prestes Maia: o de Parque, com dimensões e atividades diferenciadas dos antigos Jardins Públicos, e o de Sistema de Áreas Verdes, o qual abrangia todas as áreas urbanas arborizadas, bem como todas as áreas públicas destinadas ao deleite e recreação, visualizando toda a cidade como um grande parque.

É neste sentido que nos interessa rever a experiência do paisagista Frederick Law Olmsted e as ressonâncias de seu trabalho na virada para o século XX servindo de base para todas as propostas de sistemas de parques que os norte-americanos irão desenvolver, além de influenciar não apenas os arquitetos, paisagistas e urbanistas de seu país, mas também europeus como Jean Claude Nicolas Forestier, que desenvolverá no início do século XX propostas de sistemas de parques baseadas, sobretudo no legado de Olmsted.

I. F. L. Olmsted e a formação da idéia de Sistema de Áreas Verdes

Ao contrário da Europa, os Estados Unidos não possuíam uma tradição relacionada à implantação de áreas verdes públicas. Os antigos jardins e parques privados

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pertencentes à nobreza que foram sendo abertos à população a partir do século XVIII facilitaram muito a inserção na cidade de áreas destinadas ao recreio público na Europa.

Em meados do século XIX, o paisagista Andrew Jackson Downing expressou sua inquietude diante da carência de parques públicos nos Estados Unidos, apesar de algumas áreas comuns, especialmente as praças. Pode-se afirmar que a América desconhecia os parques públicos, e por mais estranho que possa parecer, o que mais se aproximava deste modelo eram os cemitérios. Downing declara que o interesse geral pelos cemitérios demonstrava que os parques públicos situados próximos aos centros urbanos teriam um êxito extraordinário.

Nas grandes cidades, quatro argumentos básicos norteavam a questão dos parques públicos: a saúde pública, a moralidade das pessoas, o movimento romântico e a situação econômica. A preocupação com a saúde pública motivava a reforma das habitações e a melhoria nas instalações de saneamento e escoamento das águas. A disponibilidade de parques se somava ao conjunto dessas medidas, por sua função de purificar e refrescar o ar e por proporcionar espaços para o descanso, banhos de sol e exercícios físicos. Além disso, o desejo de moralidade levava à idéia de que a natureza, por si só, é "fonte de inspiração para o proceder correto".1

Os parques se relacionavam com essa noção de "moralidade na natureza", sendo extremamente desejável o contato com ela, e de maneira similar, ocorria o mesmo com os equipamentos para atividades esportivas. Neste sentido, prevaleciam os modelos paisagísticos de imitação da natureza como o que se desenvolveu no século XVIII na Inglaterra. O próprio Downing foi um defensor dos parques públicos na América, semelhantes ao modelo de Birkinhead, embora, no início do século XIX o desenho paisagístico norte-americano ainda variasse entre as influências francesa e inglesa.2

Plano do Birkenhead Park, Liverpool, c. 1844, Fonte: BEVERIDGE; ROCHELEAU, 1995

1 Michael Laurie. Introducción a la arquitectura del paisaje. Barcelona: GG, 1983. 2 G. e S. Jellicoe. El Paisaje del Hombre: la conformación de entorno desde la PreHistoria hasta nuestros dias. Barcelona: GG, 1995. p. 279.

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Após a morte de Andrew Downing em 1852, coube a seu discípulo Frederick Law Olmsted3 a incumbência de continuar a campanha pelos parques americanos. Olmsted se torna o responsável pelo início de uma seqüência de projetos de parques públicos, dos quais o Central Park, NY (1858), foi um dos exemplos pioneiros. Em 1899, funda a American Society of Landscape Architects, assegurando o futuro da profissionalização nesta área.

Segundo Jellicoe, "a visão de Olmsted transportou quase por si só a nação americana, do conceito inicial de parque isolado, a de cidade e campo como integrantes de um só desenho" e o alcance, mesmo que indireto de sua influência, para além das obras executadas, é indubitável.4

As cidades de Boston e Chicago foram objetos das primeiras intenções de organizar sob um mesmo conceito todas as áreas de recreação de uma grande cidade. Assim, o sistema metropolitano de parques de Boston surgiu de uma proposta de Olmsted em converter uma área pantanosa, a Back Bay em parque público. Em seguida, elaborou o projeto para o Franklin Park (1884) e assim uma série de intervenções sucessivas e planejadas formando um grande anel de espaços verdes e passeios de conexão entre eles que culminaria no chamado "Parkway de Olmsted", apelidado de "colar de esmeraldas".

Outra experiência significativa na formação da idéia de sistema de parques foi a Exposição mundial de Chicago (1893) da qual Olmsted foi o supervisor geral. Anos antes, ele e seu sócio Calvert Vaux haviam elaborado um plano para o South Park, que teve apenas uma parte executada. Em 1890, Olmsted escolheu um terreno livre junto a um lago para a exposição, e pode terminar o seu plano geral com a colaboração dos arquitetos Burnham e Root.5

Sistema de parques de Boston, 1890; Fonte: Fonte: BEVERIDGE; ROCHELEAU, 1995

3 FredericK Law Olmsted (1822 – 1903), nasceu em Hartford, Connecticut, EUA. Em 1836 ingressou na Escola Yale para cursar engenharia topográfica. Ele é considerado o "pai" da arquitetura da paisagem e o criador do termo landscape arquitect [arquiteto da paisagem]. 4 G. e S. Jellicoe. Op. Cit. p. 279, 281. 5 Idem. p. 283.

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O Park Movement, liderado pelo arquiteto paisagista nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, foi impulsionado pela grande aceitação do Central Park em Nova Iorque e consolidado pelas experiências que se seguiram. A especificidade de suas teorias está exatamente na idéia de “Sistema”, ficando muito evidente em sua postura de que a cidade deve ser estruturada pelos parques, isto é, parte-se do princípio de que o parque estrutura o desenho, define o traçado e indica os fluxos. Ele influenciou o desenho de várias cidades norte-americanas através da inserção de parques em sua estrutura urbana; como vimos, por exemplo, em Nova Iorque, Chicago e Boston.

Dentro do conceito paisagístico de Olmsted estavam as parkways, isto é, avenidas - parques responsáveis pela interligação dos parques legitimando assim, os sistemas de áreas verdes. Como derivação dessas avenidas – parques, arborizadas, ajardinadas e equipadas para o recreio da população, encontramos o conceito de river-fronts, see-fronts e lake-fronts destinados ao recreio, mas também a preservação de fundos de vales e beira-rios, como no projeto do parque linear ao longo do Charles River em Boston.

II. Desenvolvimentos do sistema de parques no início do século XX

No início do século XX, o aumento populacional, as transformações nas relações de trabalho e conseqüentemente o surgimento de uma série de teorias sociais voltadas à formação do cidadão, proporcionam um aumento na demanda por áreas verdes públicas em toda a Europa e Estados Unidos. No entanto, a América ainda sob a influência de Olmsted, reafirma a idéia de sistema de áreas verdes, buscando um aprimoramento em relação ao uso dessas áreas, estreitamente ligadas às práticas esportivas e às idéias de recreio ativo.

Nesse momento a cidade será visualizada como um todo a ser considerado e tratado, sendo a palavra de ordem o planejamento geral das cidades. No bojo das novas teorias urbanísticas, as idéias de se planejar o desenvolvimento e o embelezamento da cidade, utilizando-se como estratégia grandes vias de circulação aliadas a jardins, parques e passeios públicos, têm, sobretudo, influência dos movimentos norte-americanos Civic Art e City Beautiful.

A obra do urbanista Nelson P. Lewis, The Planning of the Modern City (1923), traz um capítulo intitulado "Parks and Recreation Facilities", no qual elabora uma tabela estatística de parques em várias cidades européias e norte-americanas, buscando relacionar a quantidade de áreas verdes ao número da população destas cidades. Já no livro, Parks: a manual of municipal and county parks,6 editado por L. H. Weir em 1928 traz logo em sua introdução um grande elogio a F. L. Olmsted e o reconhecimento deste profissional como o precursor das teorias de sistema de áreas verdes, bem como o principal responsável pela criação de parques na América. Contudo, a idealização do "rural landscape" e a definição de Olmsted para os parques como espaços de paisagem

6 Este livro existente na Biblioteca de Prestes Maia, hoje localizada na Biblioteca Municipal Presidente Kennedy em Santo Amaro, está totalmente grifado e anotado por Prestes, comprovando ser uma de suas fontes para a elaboração dos sistemas de áreas verdes para São Paulo e Campinas.

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dominante onde o sentido da recreação, do descanso e da reposição das energias físicas estava dado no contato saudável com a natureza, é posta em cheque nesse momento, sendo considerada insuficiente para tal finalidade.

Sob o título "A mudança na concepção de parques", o autor afirma que a palavra parque passa por uma transformação no século XX, devendo ser aplicada não apenas para designar todo tipo de área verde, mas um tipo de espaço funcionalmente até oposto ao "peaceful enjoyment of an idealized rural landscape" como proposto por Olmsted. E que, embora, o grande paisagista, entre outros pioneiros, fosse responsável pela construção de espaços significativos, estes teriam que ser adequados as novas demandas de recreação ativa e não mais passiva ou semi-passiva7. Neste sentido, toda a obra se dedicará a detalhar todos os tipos de áreas verdes destinadas a recreação que deveriam compor um sistema de parques eficiente para uma grande cidade, distribuindo-os por raios de alcance e para diferentes faixas etárias.

Assim como estas, uma série de obras será publicada nos Estados Unidos nas primeiras três décadas do século XX, sistematizando as teorias de áreas verdes destinadas a recreação pública, reafirmando sua necessidade e eficiência, sobretudo através da publicação de experiências de planejamento geral da cidade que estavam em pleno desenvolvimento como é o caso do plano de Nova Iorque, dirigido Thomas Adams (inglês radicado nos Estados Unidos) e da Filadélfia, através do Regional Planning Federation of Philadelphia Tri-State District.

III. Ressonâncias das idéias norte-americanas

Diferente dos antigos Jardins Públicos, os Parques relacionam-se com a cidade em uma nova dimensão que ultrapassa aquela do perímetro central, ganhando a cidade como um todo. Também revelaram um novo conceito de projeto de áreas verdes, além de um novo conceito de uso dessas áreas, difundindo a idéia de “recreio ativo” ligado tanto ao lazer, quanto à prática esportiva. Durante o século dezenove, a idéia de recreio também estava presente nos Jardins e Passeios Públicos, mas, no entanto, estes não estavam ligados às práticas esportivas; costumava-se fazer passeios a pé por entre os caminhos arborizados e piqueniques nos gramados e nas proximidades dos lagos ao som das bandas de música que tocavam nos coretos.

Embora as áreas verdes urbanas tenham encontrado um amplo desenvolvimento no Brasil durante o século XIX, será no início do século XX que estes espaços se afirmarão no traçado urbano e receberão uma especial atenção dos administradores da cidade no sentido de multiplicar as áreas verdes, estendendo-as aos bairros residenciais localizados nas periferias da cidade e qualificando a vida dos operários e suas famílias.

Duas administrações em São Paulo (Raymundo Duprat e Washington Luís) e, coincidentemente duas em Campinas (Orosimbo Maia e Heitor Penteado), darão especial atenção às áreas verdes logo na primeira década do século XX, buscando equipar toda a

7 L. H. Weir. Parks: a manual of municipal and county parks. New York: A. S. Barnes and company, 1928, Vol. 1 e 2. p. xix – xxi.

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cidade com estes espaços. Mesmo que ainda sem a idéia de sistema plenamente organizado e sem uma especialização nas formas de utilização, estas áreas formarão um importante antecedente para as propostas que se seguirão.

Em 1929, o engenheiro arquiteto Luiz de Anhaia Mello defenderá a idéia de organização de um sistema completo de “Recreio Ativo” para todas as idades e classes da população através de uma importante palestra intitulada “Urbanismo – O Recreio Ativo e Organizado das Cidades Modernas” 8, realizada no Instituto de Engenharia de São Paulo no dia 11 de abril daquele ano. Citando Jaussely, autor do prefácio à versão francesa da obra de Raymond Unwin, Town Planning in Practice, Anhaia Mello reitera os dois princípios diretores do urbanismo contemporâneo: 1º - Divisão e especialização de funções, e 2º - Restabelecimento do contato do homem urbano com a natureza, desenvolvendo considerações detalhadas a respeito do conceito de Parques e Sistema de Recreio, suas origens, experiências e benefícios. Segundo ele, alguns urbanistas intentavam “levar a cidade para o campo”, e outros “trazer o campo para a cidade”; os primeiros seriam os partidários das cidades-jardins ou subúrbios-jardins, solução considerada ideal. No entanto, Anhaia Mello vê na segunda opção, “trazer o campo para a cidade”, uma solução provisória e viável às grandes cidades industriais já consolidadas, e a maneira de realizar este intento não é outro senão organizar um “sistema completo de Recreio Ativo para todas as idades e classes da população”, tarefa destinada aos poderes públicos municipais, estaduais e federais.

Os benefícios do “recreio ativo”, desenvolvidos nos diversos tipos de áreas verdes do sistema, estavam ligados tanto à saúde quanto à formação do caráter do cidadão. Para o adulto, recrear era refazer as energias e, para a criança, brincar era criar, estimulando o corpo e a mente. Com base nas experiências norte-americanas, diz que o aumento dos playgrounds corresponde a uma diminuição sensível na delinqüência juvenil, portanto, “o bom recreio é o preventivo do mau cidadão”9; este caráter civilizador das áreas verdes será uma constante nos discursos dos urbanistas modernos, e também dos administradores das cidades em defesa destes espaços.

Prestes Maia afirma ainda que sempre que se aproxima da orientação correta para as áreas verdes públicas, o resultado aparece com sucesso, e ele exemplifica com a própria cidade de São Paulo, através do “frequentadíssimo” play-ground da Várzea do Carmo e as modernas instalações dos Clubes Esportivos como o Germania; sendo que o rush semanal para as praias demonstrava claramente o desejo da população por “recreio” e completa: “o recreio activo é um derivativo, hoje mais que nunca, indispensável às populações”.10

Seguindo as orientações dos manuais norte-americanos, o “sistema de recreio” deveria ser considerado da mesma maneira que o sistema de ruas, de distribuição de água, de transportes coletivos etc., isto é, deveria haver “um plano lógico, ordenado, de distribuição, uso e ligação dessas áreas”. Para que o sistema cumprisse seu papel,

8 Luiz de Anhaia Mello. “Urbanismo – o Recreio Activo e Organizado das Cidades Modernas”, in Revista do Instituto de Engenharia, vol. 10, nº 47, São Paulo, abril, 1929, p. 146. 9 Idem, p. 150. 10 Francisco Prestes Maia. “Rascunho de Exposição Preliminar”, in Relatório dos trabalhos realizados pela prefeitura de Campinas durante o exercício de 1935 – apresentado à Câmara Municipal pelo prefeito Dr. João Alves dos Santos. Campinas: Linotypia da Casa Genoud Ltda, 1938, p.74.

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demandaria diferentes tipos de áreas verdes, com diferentes dimensões e características, buscando abranger toda a cidade, tais como: playgrounds, play-lot ou kindergarten para crianças até 5 anos de idade; neighbourhood playground ou área de brinquedo distrital, para crianças de até 12 ou 14 anos de idade; playfield ou área de jogos organizados para idades superiores a 14 anos; margens de rios e lagos ou praias; campos de golf; campos de atletismo; acampamentos municiais; piscinas de vários tipos; clubes; teatros ao ar livre e outros; ovais, triângulos, círculos e mais “jardinetes centrais”; parques urbanos; grandes parques de periferia; reservas florestais, estaduais e nacionais; áreas de paisagem dominante com fins educativos, como jardins botânicos e zoológicos; e por fim, áreas de ligação dessas unidades: parkways e pleasure-drives.11

O mesmo sistema de distribuição e classificação das áreas verdes que compreendem o sistema de parques urbanos apresentado nessa conferência por Anhaia Mello é também claramente identificado nos planos de Prestes Maia para São Paulo e Campinas, mas não apenas de maneira conceitual, e sim aplicada à realidade de cada cidade. Embora os dois profissionais tivessem suas diferenças quanto à visão do crescimento e desenvolvimento das cidades, sendo Anahia mais favorável à contenção do crescimento e à criação de bairros-jardins, e Prestes, defensor do crescimento e desenvolvimento, podemos observar que o conceito de formação e organização das áreas verdes públicas na cidade são idênticas em ambos, evidenciando uma sintonia com as mais modernas teorias urbanísticas do período. As divisões por idade, os usos e atividades, as dimensões e a hierarquização de cada um dos espaços possui a mesma visão de totalidade com que ele pensava a estrutura viária urbana: partindo da micro-estrutura - o playground das unidades residenciais, para a macro - os parques florestais, afirmando assim a idéia de “sistema de áreas verdes” onde toda a cidade se transforma num grande parque.

IV. F. P. Maia e o Sistema de Áreas Verdes para São Paulo e Campinas

O Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo foi publicado pela Companhia Melhoramentos de São Paulo na gestão do prefeito Pires do Rio em 1930, sendo Francisco Prestes Maia o engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Este Plano de Avenidas é o primeiro, o mais completo e o mais importante plano que elaborou, marcando profundamente suas propostas urbanísticas para outras cidades, influenciando outros profissionais e inspirando novas iniciativas.

Até então, os princípios que norteavam as intervenções urbanísticas eram, sobretudo, os higienistas, aliados a questões técnicas e estéticas. Assim, o Plano representa a passagem para um tipo de intervenção pautada na racionalidade da ação.12

11 Luiz de Anhaia Mello. Op. Cit., p. 148. Este mesmo sistema de distribuição e classificação de áreas verdes aparece de forma detalhada no livro de L. H. Weir. Parks: a manual of municipal and county parks. New York: A. S. Barnes and company, 1928, Vol. 1 e 2; pertencente a Biblioteca de Prestes Maia. A semelhança nos sugere que se Anhaia Mello não fez exatamente a mesma leitura de Prestes, consultou obras similares e do mesmo período. 12 Maria Cristina da Silva Leme. “Documento: Francisco Prestes Maia”. Revista Arquitetura e Urbanismo, nº 64. São Paulo: Editora PINI, Fevereiro/Março, 1996.

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Este foi o documento que orientou não simplesmente ampliação do sistema viário de São Paulo, mas determinou a remodelação da imagem da cidade, indicando uma nova forma de visualizá-la. É fato que a execução das obras viárias transformou a cidade de ruas estreitas, tortuosas, constantemente inundadas pelos córregos e várzeas, em uma cidade de amplas e retilíneas avenidas bem planejadas.

Seguindo um esquema de radiais e perimetrais, a interligação entre os bairros e o centro passa a ser mais eficiente. Contudo, todo o esforço de racionalização e integração da cidade através do sistema viário não está dissociado das questões estéticas. Além de suas constantes afirmações sobre a necessidade de se tratar esteticamente a cidade, os belos desenhos apresentados em caráter de estudo no Plano de Avenidas deixam clara a importância dada ao embelezamento urbano e a monumentalização da cidade.

No entanto, as áreas verdes não estão somente ligadas ao embelezamento, mas agem como verdadeiros “instrumentos urbanos” extremamente importantes à nova cidade em formação, com novos usos e atividades destinadas a um novo homem urbano.

A princípio só lhe interessavam os grandes parques, pela relação destes com o plano arterial, e, em segundo lugar, estavam as áreas verdes em escala menor, como os jardins interiores, playgrounds, entre outros, também por sua ligação direta com a circulação, principalmente nos bairros residenciais e mais populosos. Nestes casos, Prestes Maia destaca que estes espaços “desviam das ruas a criançada”.13

Buscando sempre desenvolver um estudo comparativo em relação aos modelos considerados ideais, e pautados em dados reais, é que se utilizam os dados estatísticos da época, assim como faz Lewis em seu The Planning of the Modern City (1923). Com base em uma estatística apresentada pelo engenheiro Victor Freire em uma conferência proferida em 1911 e publicada na Revista Politécnica, conclui que a condição da cidade de São Paulo, no tocante aos espaços livres arborizados é muito ruim.

Estavam sendo construídos os parques do Anhangabaú, do Carmo e da Avenida Independência, do Bosque das Cabeceiras do Ipiranga e o Parque do Ibirapuera, elevando consideravelmente a área ajardinada. Classificados entre Grandes Parques e Parques Médios, os parques novos considerados no plano são: grandes parques – Cabeceiras do Ipiranga, Ibirapuera, Cantareira, Alto da Serra; parques médios – Ponte Grande, Pari, Mooca, Tatuapé, Lapa, Butantã, Aclimação. Todos estes novos espaços certamente seriam aliados aos jardins já existentes, em sua maioria na região central, mesmo que Prestes Maia não os mencione nesta parte do plano.

Seu texto se dedica a descrever a localização e o projeto de cada um dos parques, a forma, tipologia e o programa de atividades oferecidas. As descrições dos projetos e sugestões ao traçado dos parques, sobretudo dos maiores que são apresentados de maneira mais detalhada, são uma fonte de compreensão da maneira como Prestes Maia aplicava as novas teorias urbanísticas e conceitos paisagísticos.

O Parque das Cabeceiras do Ipiranga ficava a uma distância de 11 km do centro da cidade e seu projeto estava dividido em quatro partes: entrada, parte central, pitoresca e zoológica. A entrada, tangenciada por uma das radiais, segundo o engenheiro, deveria

13 Francisco Prestes Maia. Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1930, p.339.

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ser tratava com “certa grandiosidade”, pois era o espaço de “transição entre a cidade e o ambiente natural” e a partir dela seguia uma alameda ampla, tendo como ponto de arremate um monumento alegórico ao paulista ou um pavilhão de festas, e a frente um espelho d’água para refletir o monumento nas águas. Este monumento ou edifício ficaria num platô mais elevado, abrindo a vista para a alameda de entrada, a qual contornaria o grande espelho d’água.

A parte central que vem em seguida era destinada a construção do que ele chama de “pavilhões de divertimentos”, isto é, restaurante, bar, piscina, instalações esportivas, e demais equipamentos. Toda a parte restante, quase 80% do total, seria a pitoresca destinada ao “passeio e paisagismo”, pois esta área teria sua cobertura natural quase que integralmente respeitada, sendo abertos apenas os caminhos necessários à circulação. O interessante é que a circulação no interior do parque segue o mesmo esquema pensado para a cidade, em forma de circuitos concêntricos, sendo o primeiro circuito aquele que rodeia o lago, estando todos os circuitos interligados por ruas de ligação. A justificativa para o método era a facilidade de se percorrer todo o parque e dirigir-se a qualquer ponto sem “confusão”.

Parque das Cabeceiras do Ipiranga, entrada secundária e restaurante, M. Whately & Cia, 1935

Fonte: MAIA, 1930.

O Parque do Ibirapuera se tratava de uma iniciativa municipal com uma área de 2.000.000m² dentro da cidade. Devido a construções e arruamentos já existentes naquele momento, o parque seria dividido em duas partes ligadas entre si por dois amplos parkways “disfarçando a separação”, e completando esteticamente essa ligação, os quarteirões remanescentes nesse espaço seriam regulamentados como bairros-jardins.

O local considerado mais importante no parque é novamente a entrada principal feita pela Av. Brasil, certamente por ser a ligação direta com a cidade, o espaço de transição. Diferenciava-se do Parque das Cabeceiras por receber um tratamento com mais “arte e delicadeza” e não tão majestosa. A razão dessa alteração era exatamente a situação mais central deste parque, próxima a bairros residenciais e com uma quantidade de elementos naturais menor que no primeiro.

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A divisão do parque em duas partes é vista por Prestes Maia como positiva, pois facilita a separação das áreas destinadas a atividades distintas, satisfazendo uma diversidade natural entre os freqüentadores. A parte menor do parque seria particularmente reservada a esporte e diversões, como esportes aquáticos em lagos ou piscinas; já a parte maior não é descrita no plano, mas se seguirmos as orientações feitas para o Parque das Cabeceiras, certamente haveriam áreas destinadas a edifícios de infra-estrutura, restaurantes e áreas de passeio e descanso.

Parque Municipal do Ibirapuera, Dieberger e Comp.

Fonte: Fonte: MAIA, 1930.

O terceiro parque grande seria o Parque da Cantareira, apesar do autor afirmar que a cidade ainda não comportava mais que um grande parque perfeitamente instalado, isto é, equipado, ajardinado e com infra-estrutura para uso. Por esta razão, não seria feito ali o mesmo que estava sendo realizado nas Cabeceiras e Ipiranga, os quais já estavam iniciados, ainda mais considerando sua distância em relação à cidade. Neste caso, a solução naquele momento era preservar a beleza natural e, quando muito, realizar serviços básicos, como provavelmente circulação e clareiras formando áreas de descanso, e abrir o local a uma freqüência limitada.

O último grande parque seria o Parque do Alto da Serra que possuía um caráter mais regional e pertencia ao governo estadual. Segundo Prestes Maia, se tratava de “uma reserva florestal belíssima, embora reduzida”, e o fato de denominá-la como uma reserva, indica uma apropriação e utilização completamente diferente dos demais.

Em seguida aos grandes parques, estariam os parques médios como Pari, Mooca, Ponte Grande, Tatuapé, Lapa, Butantã e Aclimação; estes dois últimos seriam classificados como playgrounds. Com uma tipologia diferenciada das demais áreas, o playground é destinado a um usuário específico – as crianças, mas ele reconhece a dificuldade de se colocar diferentes idades em um mesmo espaço e a necessidade de atividades diferenciadas de acordo com a idade.

Portanto, os playgrounds se dividiriam basicamente no que ele chama de Internos e Externos; os internos seriam tipos menores, no interior das quadras residenciais e destinados a crianças menores e os externos abrangeriam uma área maior de influência,

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com um ou mais bairros, e seriam apropriados a crianças maiores, sem necessidade da presença constante dos pais e em condições de praticarem alguns esportes, o que levaria a dimensões maiores para abrigar as quadras e equipamentos necessários.

Quatro anos após a publicação de seu plano para São Paulo, Prestes Maia será convidado para elaborar um Plano de Melhoramentos Urbanos para Campinas. O desejo de progresso estimulado pela crescente industrialização da cidade implica em uma total mudança na imagem citadina a partir dos anos trinta do século XX.

A busca por um plano estratégico de transformação e controle do crescimento da cidade se sobrepõe às intervenções pontuais solicitadas pelos prefeitos ou sugeridas por vereadores e engenheiros da prefeitura, o contato com os recentes “manuais práticos” de urbanização europeus e norte-americanos, bem como a consolidação da Escola Politécnica de São Paulo, elevando a nível nacional o nome de seus profissionais, farão com que os políticos campineiros elaborem formas de viabilizar o desenvolvimento urbanístico da cidade.

A elaboração de um plano de melhoramentos para Campinas, que culminou no Relatório do engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia em 1935, teve início anos antes com um discurso do vereador Waldemar Rangel Belfort de Mattos em sessão da Câmara Municipal do dia 29 de maio de 1929, no qual apontava para a “necessidade de se elaborar um plano, de acordo com os preceitos do urbanismo, para a remodelação de Campinas”14. Naquele ano, concluída a planta cadastral da cidade pelos engenheiros Jorge Macedo Vieira e Carl Alexander Oelsner, a qual deveria servir de base para os estudos urbanísticos, foram mantidos contatos com o engenheiro arquiteto Luiz de Anhaia Mello, que elabora um “Master Plan” para acidade.

Mas apenas em 1933, quando o antigo diretor da Repartição de Obras e Viação, engenheiro Perseu Leite de Barros é nomeado prefeito da cidade é que engenheiro Carlos William Stevenson, membro do Conselho Consultivo da cidade, volta novamente ao assunto do Plano de Melhoramentos em uma conferência proferida no Rotary Club de Campinas, considerada um impulso para o desenvolvimento de Plano de Melhoramentos e marco na contratação de Francisco Prestes Maia.

Em 1934 o urbanista é contratado para elaborar um plano de urbanismo para a cidade, apresentado no ano seguinte em forma de um Relatório Preliminar. O Relatório foi apresentado à Câmara Municipal de Campinas pelo prefeito João Alves dos Santos durante o exercício de 1935, e dedica um capítulo específico às áreas verdes, sobretudo aos Parques, e tem um papel determinante na inserção de novos modelos paisagísticos na cidade.

Em seu Plano Preliminar os antigos jardins campineiros, pontualmente inseridos na malha urbana ao longo de quase cem anos, perderão certamente sua imponência diante de projetos de Parques de grande porte. No entanto, embora tímidos e, ineficientes tendo em vista um plano macro, serão parte dele, somando-se e integrando-se às novas áreas verdes que surgirão para formar o grande “sistema”.

14 Discurso proferido em 29 de maio de 1929, Livro de Atas da Câmara Municipal de Campinas de 1929 – fls 83-v. Apud. Antonio da Costa Santos, Op. Cit., p. 180.

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O ponto forte de seu plano é novamente a circulação, propondo um esquema viário através de avenidas que traziam consigo o conceito de park-ways, isto é, avenidas que deveriam proporcionar um percurso agradável ao motorista em seu automóvel, pleasure-drive segundo Anhaia Mello, e também beneficiar através do passeio arborizado o pedestre. As park-ways se comportam como verdadeiros parques lineares, facilitando também a ligação entre os grandes parques urbanos que estariam localizados nas margens externas da cidade.

Para o urbanista era de extrema necessidade aumentar o coeficiente de áreas verdes na cidade, e isto se daria de três maneiras: através de Play-grounds de quarteirão, principalmente em meio às habitações coletivas; Jardins Médios, localizadas nas áreas residenciais e Grandes Parques, que deveriam ser criados pelo poder público e destinados a grandes instalações, jogos coletivos, atividades para adultos e crianças, passeios de automóvel, escolas para deficientes mentais, etc. Desta forma, vemos que Prestes Maia inaugura em Campinas o conceito, extremamente moderno, de Sistema de Áreas Verdes ou Sistema de Parques, permeando toda cidade e atendendo a todos os níveis de necessidade, transformando a cidade num grande parque, acentuando a fama campineira de cidade bem arborizada que irá vigorar até nossos dias. Diferentes tipos de áreas verdes e a arborização das ruas faziam com que o verde ultrapassasse a dimensão do jardim e atingisse toda cidade, transformando-a num grande jardim, ou melhor, num parque.

Propõe a criação de dois parques maiores, sendo um na Vila Industrial e outro no bairro do Taquaral, localizados em cada extremo da cidade aproveitando áreas disponíveis. Para os parques de tipo médio propõe o já existente Bosque dos Jequitibás, e o Parque do Saneamento, uma área localizada no final do Canal do Saneamento (atual Av. Orosimbo Maia), fruto do plano de Saturnino de Brito, que recentemente havia sido alargado, retificado e arborizado.

O Parque da Vila Industrial visava aproveitar uma área inadequada à construção, com um relevo de declive acentuado, quase um vale, mas que por seu aspecto “pitoresco”, era apropriada a parque. Mas a má qualidade do terreno era um problema de ordem técnica a ser solucionado, pois a composição do solo era arenítica e de pouca fertilidade. No entanto, fazer o parque ali resolveria inclusive o problema das voçorocas locais, pois a vegetação conteria os deslizamentos de terra. Os estudos preliminares feitos para Campinas fizeram com que o urbanista desse especial atenção a alguns aspectos, segundo ele, considerados secundários para muitos, mas relevantes ao urbanismo, como é o caso dos solos e da vegetação regional. E afirma que “baseado nisso e mais na prática e na observação de 20 anos de jardinagem em São Paulo (parques da Avenida Independência, bosque do Museu, mata da Água Funda, etc.)”15, julgava praticável a construção do bosque na área em questão.

O Parque do Taquaral possuía o diferencial de um lago central, podendo atingir até 1km de extensão, “ótimo para recreio e esporte”. A represa seria obtida através da construção de um dique de terra na lateral da estrada para Mogi, onde seriam construídas alamedas e instalações, e fazendo-se um reflorestamento na faixa de divisa com a estrada, teríamos novamente a “cortina verde isolante”. Este parque seria de execução mais fácil do que o da Vila Industrial, por se tratar de uma área com farta

15 Francisco Prestes Maia. “Relatório de Exposição Preliminar”. Op. Cit., p. 77.

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vegetação e solo mais apropriado. Próximo à estrada para a cidade de Mogi Mirim e outras cidades vizinhas, alcançaria rapidamente um caráter regional.

A proximidade dos dois Parques em relação à área urbana, um de cada lado da cidade, era vista como uma grande vantagem destes espaços, podendo-se chegar a eles até mesmo a pé.

Parque do Taquaral, vista aérea, c. 1950

Fonte: Acervo CAV, FAU PUC Campinas

Os parques médios também seriam dois, um já existente e outro a ser projetado. O primeiro, já pronto, e em franca utilização, era o Bosque dos Jequitibás, que se manteria de porte médio devido ao alto custo para ampliá-lo, pois se localizava em um bairro residencial consolidado, e à dificuldade de receber instalações esportivas sem prejudicar a vegetação. O Bosque nesse momento já desenvolvia atividades diferenciadas ligadas ao lazer, possuía um restaurante, vários animais formando um pequeno zoológico e freqüentes apresentações musicais no coreto. Reconhecê-lo como parque demandaria uma constante adequação de seus equipamentos, já que a preocupação em formar uma farta vegetação não seria necessária.

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Bosque dos Jequitibás, jardins do restaurante, c. 1930

Fonte: MIS, PMC

O segundo parque médio seria o Parque do Saneamento, a ser projetado no final do canal do Saneamento, utilizando-se da área chamada de “filtros do saneamento”. Este parque não será descrito por Prestes, mas sua área será contada junto às demais áreas verdes.

Após os parques médios e grandes, outra maneira de inserir áreas verdes na cidade era o playground destinado principalmente às áreas residenciais. Para isso, certamente seriam aproveitadas áreas disponíveis nos bairros e jardins já existentes, como o caso da Praça Imprensa Fluminense, antigo Passeio Público, que havia sido transformado em Parque Infantil pela instalação de um playground e estava localizado num bairro praticamente todo residencial.

Em uma breve estatística, Prestes Maia compara os coeficientes de áreas verdes de algumas cidades européias e americanas com São Paulo e Campinas, relacionando a metragem quadrada de áreas verdes por número de habitantes. Este método de analisar comparativamente as áreas verdes de Campinas com outros países, utilizado também no Plano realizado para São Paulo, é uma forma de procurar igualar as cidades brasileiras aos bons exemplos estrangeiros, e demonstrar isso estatisticamente era também uma busca de convencer que o que estava sendo proposto era realmente bom e necessário.

O fato de não fazer nenhuma proposta para os jardins já existentes não significava que os estava desconsiderando, do contrário não contariam das estatísticas. A questão é que estes espaços estavam já consolidados e localizados em sua grande maioria na área central, correspondente ao que podemos chamar de centro tradicional, onde o Plano não prevê muitas alterações por ser considerado de difícil intervenção, pois os focos problemáticos estavam diluídos, não permitindo uma ação geral e completa. As áreas verdes propostas pelo plano eram ainda inexistentes e em áreas de expansão da cidade.

Apenas a tradicional Praça Visconde de Indaiatuba, mais conhecida como Largo do Rosário pela presença da igreja de mesmo nome, deixará de ser um Jardim para se transformar em uma praça cívica por se encontrar na junção de duas “avenidas centrais” por ele projetadas.

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Concluindo suas orientações a respeito das áreas verdes de Campinas, Prestes Maia faz a seguinte afirmação: “Pessoalmente acho mesmo que as nossas cidades do interior podem se notabilizar muito mais pelos seus parques e por certas outras instituições que por suas avenidas, praças e edifícios centraes, campo em que nunca poderão luctar com a grandiosidade das grandes capitaes.” 16

É claro seu posicionamento em relação à Campinas como uma cidade que jamais poderia ser tão monumental quanto ele desejava que fosse a capital, São Paulo. No entanto, com um mesmo rigor técnico, artístico, teórico e conceitual, ele propõe este “plano preliminar” para a cidade, apresentando-lhe o que existia de mais moderno nesta novíssima disciplina chamada Urbanismo.

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16 Idem, pp. 80, 81.

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