20
1 A INSERÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NORTE-RIO- GRANDENSES NO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL Lúcia Rosa dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Celso Donizete Locatel Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Resumo O presente trabalho tem como objetivo compreender como vem acontecendo a inserção de agricultores familiares do território norte-rio-grandense no âmbito do circuito espacial de produção do biodiesel, que envolve agentes de diferenciados níveis e poder de atuação - firmas, Estado, grandes produtores rurais e, agricultores familiares. O Estado, ao mesmo tempo em que viabiliza a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo também atua enquanto empresa, através da Petrobras (capital público-privado), e como tal, está atrelado aos interesses do mercado. Tal relação pode gerar muitos conflitos, uma vez que o Estado encontra-se dividido entre atender aos anseios dos produtores de biodiesel (papel que ele também representa) e tornar realmente viável a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo. Palavras-chave: Biodiesel. Agricultura familiar. Estado. Território. Circuito espacial. Introdução Os discursos da finitude dos combustíveis fósseis e das mudanças climáticas contribuíram para que o mundo passasse a investir em energias “renováveis”, tidas por seus “propagandeadores” como fontes sustentáveis. Esses investimentos em energias renováveis vêm acontecendo gradativamente, geralmente impulsionados pela grande dependência das sociedades em relação aos combustíveis fósseis e pelas crises que de tempos em tempos rondam o setor petrolífero. A preocupação do homem com o futuro e a perspectiva de se ver desprovido do conforto e da segurança que ao longo da história perseguiu, faz com que a cada dia ele se supere diante da possibilidade de antever tempos difíceis. É essa característica que move os agentes hegemônicos, fazendo com que busquem cada vez mais desenvolver técnicas que lhes possibilitem superar os possíveis obstáculos que a natureza possa impor ao “desenvolvimento”. Assim, diante dessa perspectiva, os países, principalmente

A INSERÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NORTE-RIO ... · Vegetais para Fins Energéticos (PRÓ-ÓLEO, de 1980). “Os imediatos resultados do “Os imediatos resultados do PROALCOOL,

Embed Size (px)

Citation preview

1

A INSERÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NORTE-RIO-

GRANDENSES NO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL

Lúcia Rosa dos Santos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]

Celso Donizete Locatel

Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo compreender como vem acontecendo a inserção de agricultores familiares do território norte-rio-grandense no âmbito do circuito espacial de produção do biodiesel, que envolve agentes de diferenciados níveis e poder de atuação - firmas, Estado, grandes produtores rurais e, agricultores familiares. O Estado, ao mesmo tempo em que viabiliza a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo também atua enquanto empresa, através da Petrobras (capital público-privado), e como tal, está atrelado aos interesses do mercado. Tal relação pode gerar muitos conflitos, uma vez que o Estado encontra-se dividido entre atender aos anseios dos produtores de biodiesel (papel que ele também representa) e tornar realmente viável a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo.

Palavras-chave: Biodiesel. Agricultura familiar. Estado. Território. Circuito espacial.

Introdução

Os discursos da finitude dos combustíveis fósseis e das mudanças climáticas

contribuíram para que o mundo passasse a investir em energias “renováveis”, tidas por

seus “propagandeadores” como fontes sustentáveis. Esses investimentos em energias

renováveis vêm acontecendo gradativamente, geralmente impulsionados pela grande

dependência das sociedades em relação aos combustíveis fósseis e pelas crises que de

tempos em tempos rondam o setor petrolífero.

A preocupação do homem com o futuro e a perspectiva de se ver desprovido do

conforto e da segurança que ao longo da história perseguiu, faz com que a cada dia ele

se supere diante da possibilidade de antever tempos difíceis. É essa característica que

move os agentes hegemônicos, fazendo com que busquem cada vez mais desenvolver

técnicas que lhes possibilitem superar os possíveis obstáculos que a natureza possa

impor ao “desenvolvimento”. Assim, diante dessa perspectiva, os países, principalmente

2

os denominados de centrais, passaram a investir no desenvolvimento de pesquisas que

lhes permitissem no futuro, superar essa dependência dos recursos naturais finitos.

Apesar de as primeiras referências ao uso de óleos vegetais no Brasil datarem da década

de 1920, é a partir da década de 1970, impulsionado pelo crítico cenário energético

mundial, que o país passa a se preocupar de maneira mais efetiva em buscar meios para

reduzir a dependência do petróleo importado. A partir desse momento os investimentos

na produção de combustíveis oriundos de fontes renováveis ganham maior destaque,

com a implantação do PROÁLCOOL em 1975 e o Plano de Produção de Óleos

Vegetais para Fins Energéticos (PRÓ-ÓLEO, de 1980). “Os imediatos resultados do

PROALCOOL, como a competitividade econômica frente à gasolina, fizeram com que

esse programa recebesse mais atenção e investimentos em detrimento dos de óleos

vegetais” (PIRES DO RIO, 2011, p. 36).

Desde a década de 1980 são desenvolvidas pesquisas acadêmicas com biodiesel no

Brasil. Essas, no entanto, por muito tempo não tiveram a devida atenção em território

nacional e, só mais recentemente, saíram das instituições de pesquisa e se inseriram na

pauta das discussões da política nacional.

Obedecendo a uma necessidade do mercado, em função das recorrentes crises do

petróleo e da consequente necessidade de substituição desse recurso, as pesquisas foram

intensificadas a fim de dar suporte ao início de um processo de transição energética e ao

fortalecimento do setor de energia. Essas ações sistêmicas deram forma a novas ações

que culminaram com a implementação do Programa Nacional de Produção e Uso do

Biodiesel (PNPB), em Janeiro de 2005, e à Lei no. 11.097, de 13/01/2005, que dispõe

sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, indicando a participação

da agricultura familiar na oferta de matérias-primas para a sua produção e, onde estão

estabelecidas as metas e prazos para a introdução desse novo combustível na matriz

energética brasileira.

Ocorre que, apesar da boa intenção de incluir a agricultura familiar neste circuito

produtivo, o programa tem suscitado muitas críticas no que se refere à sua eficácia no

quesito inclusão social e redução das desigualdades regionais, justificando a

necessidade de estudos que busquem descortinar as ações desenvolvidas pelos agentes

que integram este circuito produtivo, principalmente nos territórios aonde essa proposta

de inserção dos agricultores familiares vem sendo implementada.

3

Sendo assim, pretende-se com este trabalho compreender como vem acontecendo a inserção

de agricultores familiares do território norte-rio-grandense no âmbito do circuito espacial de

produção do biodiesel, que envolve agentes de diferenciados níveis e poder de atuação - firmas,

Estado, grandes produtores rurais, agricultores familiares etc.

Como recursos metodológicos, além da revisão bibliográfica, foram realizadas pesquisas junto

ao IBGE-SIDRA a fim de levantarmos as áreas de cultivo dessas oleaginosas no Rio Grande do

Norte, bem como, dados sobre a quantidade produzida desde que as ações do PNPB tiveram

início no estado. Munidos desses dados, utilizamos o recurso da confecção de mapas a fim de

demonstrar como essas atividades de cultivo estão se espacializando no RN; as oscilações no

que se refere à quantidade produzida e às áreas de produção. Também visitamos alguns dos

assentamentos onde houve envolvimento de agricultores com esses cultivos, com a

transformação das sementes em óleo bruto e levantamos dados junto a pesquisadores envolvidos

nas experiências de cultivo do girassol e do processo de prensagem das sementes. Realizamos

ainda, entrevista junto a representantes da Petrobras Biocombustíveis que atuam no âmbito dos

estados do Rio Grande do Norte e Ceará, a fim de compreender a atuação desta empresa no

território norte-rio-grandense.

O uso do território no período atual e os circuitos espaciais de produção e círculos

de cooperação

Compreender o período histórico atual, denominado Técnico-científico-informacional

(SANTOS, 2008a, 2008b) é imprescindível para a compreensão do espaço que se

apresenta para nós nesse período, em que o progresso das ciências e das técnicas

repercute no espaço geográfico, gerando o meio-técnico-científico-informacional. Este

constitui o meio geográfico atual, que possui a tendência de se universalizar por meio da

unicidade técnica, que ocorre com diferentes graus de intensidade, se distribui

desigualmente sobre os lugares, mas “seus efeitos se fazem sentir, direta ou

indiretamente, sobre a totalidade dos espaços” (SANTOS, 2009, p. 193). Essas

diferenciações espaciais expressas nos territórios agem como reguladoras de seu uso.

No circuito espacial de produção do biodiesel isso se expressa na forma como as usinas

estão distribuídas no território nacional (a maioria no Centro-Sul), na quantidade de

agricultores familiares inseridos (maioria no Sul), na principal matéria-prima utilizada

para a produção (a soja, cujo setor produtivo é altamente consolidado). No caso do Rio

Grande do Norte, por exemplo, os agricultores familiares envolvidos no circuito

produtivo do biodiesel não têm à sua disposição instrumentos técnicos dos mais

4

modernos, necessitando, por exemplo, pagar pelo aluguel de tratores, colheitadeiras, ou

seja, eles têm dificuldades de acesso a esses instrumentos técnicos modernos, mas

necessitam deles para poderem obter bons resultados na produção das matérias-primas,

isto é, sentem os efeitos de não possuí-la, pois o custo de produção é acrescido pelo

aluguel de máquinas. Essa realidade não se repete em todas as partes do território. No

Sul, por exemplo, onde grande parte dos agricultores familiares inseridos cultiva a soja,

oleaginosa cuja produção é altamente tecnificada e consolidada e, onde a tradição do

cooperativismo fortalece esse segmento, esses agricultores têm atingido bons resultados.

A categoria analítica que se apresenta como melhor instrumento para compreender essa

realidade e a inserção dos agricultores familiares norte-rio-grandenses no circuito

espacial de produção do biodiesel é o “território usado” (SANTOS, 2000), haja vista

que esta permite apreender o todo e as partes, já que “o mundo encontra-se organizado

em subespaços articulados dentro de uma lógica global” (SANTOS, 1988, p. 49). O

território usado implica em totalidade, em espaço que vai além da racionalidade

expressa pelas ações dos agentes hegemônicos que vêem o território apenas como

recurso [1] a ser explorado (e para os quais, acaba se constituindo um abrigo, por

oferecer possibilidades favoráveis à sua reprodução) quando na verdade ele se constitui

o espaço banal (SANTOS, 2000). E, sendo assim, depreende-se que ele contempla o

interesse de todos os agentes, para quem o território, além de recurso é também um

abrigo. Nas palavras de Santos (2000, p. 2), “Trata-se do espaço de todos os homens,

não importa suas diferenças; o espaço de todas as instituições, não importa a sua força;

o espaço de todas as empresas, não importa o seu poder”. E, sendo assim, também

permite demonstrar o uso diferenciado dos lugares de acordo com o poder de atuação

dos agentes e com o conteúdo técnico de que são dotados os territórios.

No período ora vigente, embasado sob a égide do meio técnico-científico-informacional,

a lógica de uso dos territórios está atrelada a uma divisão territorial do trabalho em nível

nacional, que privilegia de forma diferenciada cada porção do território. Na produção de

biodiesel, algumas porções do território são mais ou menos valorizadas para a produção

de oleaginosas ou para a implantação de usinas, gerando assim uma hierarquização dos

lugares. Não é por acaso que as ações do PNPB no RN caminham a passos lentos, haja

vista que dentro desta hierarquização coube-lhe até o momento, apenas o papel de

produtor (oscilante) de oleaginosas e campo para experimentos. Também não é por

acaso que o estado do Mato Grosso detém a maior quantidade de usinas entre os estados

5

brasileiros. Nesse estado, além da grande concentração das lavouras de soja (matéria-

prima mais utilizada na produção de biodiesel), há toda uma conjuntura infraestrutural

estabelecida para dar suporte a produção dessa commodity, que antecede a introdução da

produção de biodiesel. Nesse caso podemos dizer que “o território se impõe como

norma” (CATAIA, 2010, p. 6), haja vista, que a configuração territorial propicia a

localização dessas atividades.

As transformações ocorridas a partir da união entre técnica ciência e informação

possibilitaram a globalização e, consequentemente, a ampliação do mercado financeiro

e produtivo mundial, favorecendo a dispersão dos atores hegemônicos por meio da

divisão do trabalho nas mais diversas escalas e sua localização nos pontos dos territórios

que se apresentassem mais favoráveis à sua reprodução nos moldes da lógica capitalista.

Esse contexto criou as condições necessárias às ações dos circuitos espaciais de

produção, que representam as etapas do processo de produção de um produto, separadas

geograficamente em pontos do espaço estrategicamente pensados.

Apesar de os circuitos espaciais de produção terem origem nas ideias de Marx, Moraes

(1985, p. 19) afirma que a ideia de circuito aparece mais diretamente no documento

“MORVEN: Metodologia para o diagnóstico regional”, cujo objetivo era “compreender

e especificar como vão interagindo os diferentes agentes produtivos sobre o espaço,

objetivando maximizar sua capacidade de acumulação” (MORVEN, 1978, p. 5, apud

MORAES, 1985). A partir dessa proposta é possível compreender a dinâmica dos

fluxos que perpassam o território interligando as diversas instâncias de uma atividade

(produção, circulação, distribuição e consumo), cuja produção se dá impulsionada pela

divisão do trabalho. Trata-se de uma compreensão do processo produtivo que vai além

do simples ato de produzir e, que tem se constituído para a Geografia, numa forma

eficiente de se analisar e identificar todos os agentes e processos envolvidos desde a

produção, perpassando pelo transporte e comercialização até o consumidor final de um

produto, além de demonstrar os círculos de cooperação que são responsáveis pela

articulação entre os agentes envolvidos na produção, que se encontram geograficamente

dispersos e, sem os quais a realização do circuito não seria possível.

A ideia de circuito espacial de produção demonstra um movimento circular, que se

explica pelos elos que vão sendo construídos entre os diversos agentes das diversas

instâncias produtivas - produção, circulação, distribuição, consumo.

6

Sendo assim, operacionalizar o conceito de circuitos espaciais de produção, significa

apreender a indivisibilidade do espaço, em função do trabalho comum entre as diversas

instâncias da produção (SANTOS, 1997, p. 61). Não obstante, o circuito espacial de

produção demonstra de que forma a produção de um determinado produto se

espacializa, e as transformações que ela engendra nos territórios.

A agricultura familiar no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel

(PNPB)

Segundo consta na cartilha do PNPB (SAF/MDA, 2010), que traz o subtítulo “inclusão

social e desenvolvimento territorial”, enquanto marco regulatório, o Governo Federal

definiu como prioridade a ampliação da produção e consumo em escala comercial e de

forma sustentável, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional,

através da diversificação das matérias-primas que se prestam à produção desse

combustível (soja, mamona, girassol, canola, dendê, pinhão manso, palma, amendoim

etc.) e das regiões produtoras, visando gerar emprego e renda.

No que se refere aos agricultores familiares da região Nordeste e semiárido, optou-se,

principalmente, pelo incentivo ao cultivo da mamona (considerada como altamente

resistente às intempéries climáticas). No Rio Grande do Norte, além da mamona,

incentivou-se também o cultivo de girassol.

As ações do PNPB se constituem normas que estão se materializando em todas as

regiões do país. Dentre os principais segmentos envolvidos no programa temos a

agricultura familiar, o agronegócio de grãos e as usinas produtoras de biodiesel do setor

privado e do setor público/privado (Petrobras Biocombustíveis S.A. (PBIO).

Privilegiaremos aqui, as ações do PNPB voltadas para o segmento da agricultura

familiar.

O Grupo Gestor do PNPB é vinculado ao Ministério de Minas e Energia, que conta

com a participação de representantes da ANP, Embrapa, Petrobrás e BNDES, além de

membros dos ministérios envolvidos. Este grupo gestor tem a responsabilidade de

acompanhar todo o processo operacional do programa.

O Governo definiu como metas para o programa a adição gradativa desse combustível

na matriz energética brasileira. Assim inicialmente foi autorizado o uso de 2% de

mistura de Biodiesel ao óleo diesel oriundo do petróleo, especificação que se tornou

7

obrigatória em 2008. O Governo previa até 2013, a adição de 5% (B5) de Biodiesel a

todo o diesel consumido no país. Previa também que estes percentuais poderiam sofrer

alterações e antecipações, dependendo da capacidade produtiva instalada, da produção

de matérias-primas e do comportamento da demanda. Assim, este prazo foi antecipado,

passando essa adição (5%) a acontecer no ano de 2010.

O marco regulatório do programa prevê ainda o estabelecimento de contrato de

“parceria” entre agricultores familiares e as empresas processadoras de matéria-prima.

Uma iniciativa considerada inovadora por estimular a interação entre agentes

historicamente antagônicos, como é o caso dos agricultores familiares e dos grandes

produtores. Para harmonizar as relações entre dois grupos tão contraditórios foi criado o

“Selo Combustível Social”, a ser concedido aos produtores de biodiesel que adquirirem

um percentual mínimo de matéria-prima da agricultura familiar (Quadro 1).

Quadro 1: Percentuais mínimos de matérias-primas a serem adquiridas da agricultura familiar

Região Percentual mínimo

Safra 2009/2010 Safra 2010/2011

Nordeste e semiárido 30% 30%

Sudeste e Sul 30% 30%

Norte e Centro-Oeste 10% 15% Fonte: SAF/MDA, 2010

Vale salientar que, quando da instituição do Programa, esses valores eram de 50% na

região Nordeste e semi-árido, 10% das regiões Norte e Centro Oeste e 30% das regiões

Sudeste e Sul. Chamamos a atenção para as mudanças ocorridas. Num segundo

momento a região Nordeste e semi-árido são equiparadas às regiões Sul e Sudeste

(comprovadamente as mais prósperas) passando a ser beneficiadas em pé de igualdade

(30%). A explicação para tais mudanças estaria nas dificuldades encontradas para a

inclusão da agricultura familiar nessas áreas, devido a fatores como a desconfiança

suscitada por um cultivo estranho à região (com exceção do Estado da Bahia onde o

cultivo da mamona já existe há um tempo considerável); o baixo conteúdo técnico desse

segmento; os aspectos histórico-culturais etc. No entanto, nos termos do programa não

houve benefícios reais para os agricultores familiares do Nordeste, Benefícios como

assistência técnica, crédito facilitado, melhoria de infraestrutura produtiva, capacitação

etc., deixaram a desejar. Assim, pretendia-se incentivar a inserção dos agricultores ao

8

mercado de matéria-prima para o biodiesel sem incentivar a melhoria das condições

técnicas, atribuindo tal responsabilidade para a iniciativa privada, o que em muitos

casos não foi cumprido, conservando a desigualdade regional interna à essa categoria de

produtores. Quanto às regiões Norte e Centro-Oeste, a equiparação pode se explicar

por características antagônicas em relação às duas regiões. No Norte, a produção de

biodiesel ainda não atinge números muito substanciais e, fixar a aquisição de um

percentual de aquisição muito elevado seria inviável. Ao passo que esse percentual para

o Centro-Oeste pode ser considerado “adequado” por ser uma região onde predomina o

agronegócio.

Além desses benefícios, a cartilha do biodiesel (SAF/MDA, 2010), esclarece que os

produtores de biodiesel também devem obedecer as seguintes regras:

Firmar contratos com os agricultores familiares negociados com a participação

de uma entidade representativa dos mesmos (sindicatos, federações). A

agricultura familiar organizada na forma de sindicatos ou federações terá que dar

anuência por meio de carta para validar o que foi acordado entre as partes;

Repassar cópia dos contratos devidamente assinados pelas partes para o

agricultor familiar contratado e para a entidade representativa (sindicato,

federação, outros);

Assegurar assistência técnica gratuita aos agricultores familiares contratados:

Capacitar os agricultores e agricultoras familiares para a produção de

oleaginosa(s), de forma compatível com a segurança alimentar da família e com

os processos de geração de renda em curso, contribuindo para a melhor inserção

da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel e para o alcance da

sustentabilidade da propriedade.

Repassar ao agricultor familiar assistido pelo técnico, cópia do laudo de visita

devidamente assinado;

Em contrapartida, os produtores de biodiesel que cumprirem as regras especificadas

terão redução em alguns impostos (PIS/PASEP e Cofins); direito de oferta prioritária

nos leilões públicos da ANP; participação assegurada de 80% do biodiesel negociado

nos leilões públicos; acesso às melhores condições de financiamento nos bancos que

operam o programa ou outras instituições financeiras; uso do selo Combustível Social

para promover sua imagem no mercado.

9

Dentre as medidas de apoio à inserção dos agricultores familiares também estão a

criação de linhas de crédito do PRONAF destinadas ao incentivo ao plantio, cultivo e

colheita de oleaginosas voltadas para a produção de biodiesel; o Programa de Apoio

Financeiro a Investimentos em Biodiesel do BNDES; as linhas de financiamento do

Banco da Amazônia (BASA) e o Programa BB de Apoio à Produção e Uso de Biodiesel

(do Banco do Brasil).

É preciso lembrar que a quantidade de linhas de crédito existentes não significa que

todos os agricultores envolvidos tenham acesso irrestrito a eles. Pelo contrário, os

empréstimos só são liberados mediante condições que muitos agricultores não podem

cumprir como a exigência da Declaração de Aptidão (DAP) que se constitui uma

dificuldade para alguns, haja vista que a carta de aptidão só é emitida uma por número

de cadastro do INCRA, o que se constitui em um entrave para que todos os agricultores

tenham acesso ao crédito, uma vez que não raro vivem mais de uma família em uma

mesma propriedade.

O “Projeto Pólos de Biodiesel” representa outra ação que, segundo o MDA (2010),

desde 2006 tem como objetivo contribuir com a promoção da inclusão social de

agricultores familiares por meio da produção de oleaginosas. Segundo definição do

MDA, esses pólos “são espaços geográficos compostos por diversos municípios, com a

presença de agricultores familiares, produtores ou potenciais produtores de matérias-

primas para fins de produção de biodiesel nos termos do PNPB (SAF/MDA, 2010)”.

Ainda segundo esse órgão, existem pólos de biodiesel em todas as regiões do país. Estes

se encontram assim distribuídos: todos os estados do Sul e do, Centro-Oeste do país

possuem municípios pólos de biodiesel; no Norte, apenas o estado do Pará; no Sudeste

os estados de São Paulo e Minas Gerais e no Nordeste os estados da Bahia, Ceará,

Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

Para viabilizar o projeto “Pólos de Biodiesel” o Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA) conta com o que chama de instituições parceiras, que se responsabilizam pela

mobilização dos principais agentes de cada pólo, sejam eles: agricultores familiares,

cooperativas de agricultores familiares, sindicatos dos trabalhadores rurais, prefeituras,

EMATERs, órgãos de pesquisa estaduais, Embrapa, empresas, entidades financeiras,

universidades, ONGs, etc., a fim de “fortalecer o capital social desses territórios e

organizar os interesses dos atores regionais envolvidos com o biodiesel” (SAF/MDA,

2010, p 38).

10

Diante dessa estratégia social do PNPB, podemos afirmar que há um esforço para evitar

que o mercado de biodiesel seja dominado apenas pela soja e pelos grandes produtores.

Verifica-se que o PNPB prima por um conteúdo social e que pode realmente ter se

embasado nas boas intenções do governo Federal (sem esquecer o apelo popular que tal

política engendra e que, com certeza, foi favorável ao governo, do ponto de vista

político), que pode até favorecer a agricultura familiar, mas dificilmente irá fazê-lo na

sua plenitude, a começar pelo fato de que, apesar dos percentuais de aquisição de

matéria-prima diferenciados segundo regiões, o programa ainda não respeita a

singularidade dos lugares. A maneira como se configura a agricultura familiar no Rio

Grande do Norte, não é igual à forma como se realiza no Sul do país. Ademais, a forma

como o Estado atua, abrindo muitas brechas para modificações no conteúdo

normatizador do programa, deixa clara a possibilidade e a intenção de reordenamento

do mesmo para atender aos interesses dos agentes hegemônicos envolvidos,

principalmente os produtores de biodiesel (usinas).

Percebe-se desta forma, que os incentivos governamentais estão pautados numa fórmula

que inclui a busca da inserção do agricultor familiar e uma política de redução de

impostos para empresários que contribuírem com essa inserção, porém não se pode

esquecer que esse processo de transição da matriz energética implica na necessidade de

produção em larga escala e o quadro que vem se apresentando durante o andamento das

ações do PNPB, demonstra que a agricultura familiar, principalmente das regiões

Norte/Nordeste e semiárido, não responde às demandas desse tipo de produção. Essa

situação suscita um questionamento: até que ponto essa fórmula governamental

conseguirá se manter viável? Essa é uma pergunta que só será possível responder após

mais alguns anos de operacionalização do PNPB.

O Rio Grande do Norte no circuito espacial de produção de biodiesel

O circuito se redefine de acordo com o lugar, e seu conteúdo técnico. A confirmação de

que o conteúdo técnico de um determinado subespaço pode levar a um reordenamento

no uso do território por um circuito produtivo é a forma como a Petrobras vem atuando

no RN. Desde que o PNPB começou a se materializar em território potiguar, enfrentou

problemas que fizeram com que sua estratégia de atuação passasse por várias mudanças,

deixando os agricultores desacreditados em relação ao mesmo. Essas dificuldades

11

expressam as diferenciações entre os lugares, que podem acolher de formas

diferenciadas esses novos nexos econômicos.

A maneira como o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel se insere no Rio

Grande do Norte possui algumas particularidades que precisam ser demonstradas.

Ao contrário do que ocorre em alguns Estados, notadamente do Centro-Sul, onde há

uma atuação predominante do setor privado (usinas produtoras de biodiesel) no circuito

espacial de produção do biodiesel no território norte-rio-grandense essa atuação é feita

pela Petrobras, uma empresa de economia mista (capital público-privado).

Os primeiros registros de cultivo de oleaginosas para a produção de biodiesel no estado

datam do ano 2004, quando teve início o cultivo de mamona. Dados do IBGE

demonstram um total de 26 municípios produtores (IBGE, 2004, Produção Agrícola

Municipal). Esse cultivo realizava-se principalmente nas regiões do Alto Oeste, Seridó e

no Agreste (Mapa 01).

Em 2005, quando passou a funcionar a primeira usina experimental em Guamaré (UEB

01), os dados mostram que o número de municípios envolvidos no cultivo de mamona

aumentou para 36. O que demonstra uma ampliação dos incentivos no estado por parte

da Petrobras. E que obviamente repercutiu no aumento da quantidade produzida no

estado neste ano. Entretanto, o que se verifica nos anos seguintes é o declínio/oscilação

e novamente o declínio da quantidade produzida que encerra o ano de 2010 com a

produção de apenas 7 toneladas dessa oleaginosa (Quadro 2).

Quadro 2: Quantidade de mamona produzida no Brasil e no RN nos anos de 2004 a 2010

BRASIL/RN

Quantidade produzida (Toneladas) 2004-2010 Lavoura temporária - mamona (baga)

ANO

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

BRASIL 138.745 168.802 95.000 98.142 122.140 91.076 95.183

RIO GRANDE

DO NORTE

769 955 567 92 43 16 7

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal

Esse declínio foi explicado pelo Engenheiro Agrônomo do IBGE-RN, Sr. Tarcisio

Soares em entrevista concedida ao jornal “Tribuna do Norte” (18/07/2008). Segundo ele

“os produtores estão desestimulados, devido a problemas na comercialização da

oleaginosa [...]”. Além disso, tiveram problemas no que se refere a documentação com

12

as cooperativas e acabaram tendo que vender a preços abaixo do esperado. O

Engenheiro também relatou que a tendência seria desaparecer o plantio da mamona,

pois a Petrobras passou a estimular o plantio do girassol.

Mapa 01 – Rio Grande do Norte: Localização das áreas de produção de mamona, 2004

As suposições apontadas pelo engenheiro agrônomo se confirmaram, tendo em vista

que no ano de 2008, o Rio Grande do Norte viria a registrar o cultivo de 3.653 hectares

dessa oleaginosa (girassol), enquanto foram cultivados apenas 69 hectares de mamona

conforme mostra o Mapa 02.

13

Mapa 02 – Rio Grande do Norte - Áreas onde se registrou o cultivo de mamona e girassol, 2008.

Segundo informações obtidas em entrevista concedida por uma Engenheira Agrônoma

da Petrobras Biocombustíveis (PBIO), desde o começo da atuação da Petrobras junto

aos agricultores do RN, toda a mamona adquirida era destinada a usina experimental da

Petrobras no município de Guamaré/RN. Lá as bagas eram esmagadas/prensadas e

transformadas em óleo bruto, que era utilizado nos experimentos para obtenção do

biodiesel. Desse processo resultavam alguns subprodutos: a torta de mamona que era

vendida em feiras para uso na produção de fertilizante e a glicerina que era vendida às

indústrias ricinoquímicas. O circuito espacial de produção da mamona nessa primeira

fase de produção no RN, que vai até 2010, pode ser visualizado a partir do esquema

simplificado expresso no Fluxograma 01.

Município onde se localiza a Miniusina de extração de óleo de girassol

14

Fluxograma 1: Esquema simplificado do circuito produtivo do Biodiesel no RN a partir da

mamona

Setores: Ensino e Pesquisa Regulatório Industrial Agrícola Financeiro Insumos agrícolas Comércio

No fluxograma também é possível constatar a atuação das instituições de ensino e

pesquisa, do sistema financeiro de crédito, do D1[2] para a agricultura, setor que

representa o segmento produtor de máquinas, implementos, fertilizantes e outros

insumos necessários para a produção agrícola, até chegar ao consumidor final,

constituindo-se um circuito espacial de produção. Nesse caso, porém, o circuito

espacial, apesar de envolver diversos agentes, se apresenta de certa forma, incompleto,

pois o produto final que é o biodiesel (B100), por ser um processo apenas experimental,

tem como consumidor final o próprio produtor, neste caso, a Petrobras. Sendo assim, o

B100 não passa pelas etapas finais de circulação, distribuição e consumo. Essa situação,

porém, não perdura e, assim que se encerram as experiências com a mamona na usina

de Guamaré/RN a Petrobras volta a incentivar o seu cultivo em 2011, desta vez

destinando-a para a usina da empresa no município de Quixadá-CE, onde é

transformada em óleo bruto que, segundo informações obtidas junto à representante da

Petrobras, não está sendo utilizada para a produção de biodiesel, como se acreditava,

mas sendo vendida para indústrias químicas. Isso acontece porque é mais vantajoso

economicamente vender para essas indústrias do que usar a mamona para produzir

Produtores de Mamona

Petrobras (B100 consumido

internamente)

Instituições de ensino e pesquisa Agentes financiadores

(Glicerina)

Indústria química

Torta Feiras de produtos agropecuários

Estado

D1 para a Agricultura

Comércio de insumos e equipamentos

Consumidor final

15

biodiesel, ou seja, a Petrobras compra a mamona para justificar o “Selo Combustível

Social”, sem o qual não pode participar do leilão da ANP.

Nesse caso específico, o processo acontece da seguinte forma: a PBIO firma contratos

individuais com os agricultores fornecendo as sementes e as embalagens (sacaria) e

contrata órgãos/instituições que prestam assistência técnica. A empresa não fornece

insumos como fertilizantes, que devem ser providenciados pelos agricultores. A

mamona em baga é ensacada e transportada pelos agricultores até um galpão no

município de Apodi/RN. É neste local que a transação financeira entre os agricultores e

a PBIO se realiza, sendo que estes receberão o pagamento num prazo de no máximo

sete dias, conforme informação da representante da PBIO. Dai por diante, a Petrobras se

encarrega de transportar as sementes até a usina em Quixadá-CE, onde será

transformada em óleo.

Assim como a mamona, o cultivo de girassol para a produção de biodiesel no RN foi

incentivado pela Petrobras, que no primeiro ano forneceu sementes, fertilizantes,

aluguel de tratores e assistência técnica para os agricultores familiares envolvidos.

Além do cultivo, a Petrobras também investiu no processamento das sementes no

contexto da agricultura familiar, quando através de um termo de concessão, fez uma

parceira com a Agência Regional de Comercialização do Mato Grande (ARCO), para a

instalação de uma miniusina extratora de óleo no Assentamento Rosário – Agrovila

Canudos, no município de Ceará-Mirim/RN, na sede da Cooperativa dos Produtores de

Canudos (COPEC). Para a instalação dessa miniusina, o governo Federal e a Petrobras

investiram ainda na construção de um galpão, onde aconteceria o processo de extração

do óleo bruto.

No segundo ano (2009) a Petrobras deixou de financiar a fundo perdido os insumos para

a produção de girassol e os agricultores tiveram que buscar outras fontes financiadoras

ou utilizar recursos próprios para custear a produção dessa oleaginosa. Os reflexos dessa

mudança de rumo na atuação da Petrobras, como incentivadora para a produção de

matéria-prima destinada ao biodiesel, se fez sentir na redução da área cultivada que de

3.510 hectares em 2008 (Quadro 3), reduziu pra 2.533 em 2009 e, em 2010 a área

plantada se resumiu a 2 hectares gerando uma produção de apenas 1 tonelada de

sementes, segundo dados do IBGE. Vale salientar que a retirada da ajuda da Petrobras,

apesar de ter sido preponderante não foi o único fator relevante para a queda na

produção no ano de 2009. Também contribuiu para isso os altos índices pluviométricos

16

registrados no estado e que causaram a perda da produção em algumas localidades, fato

que também contribuiu para desestimular alguns agricultores.

Quadro 3: Quantidade de girassol produzida no Brasil e no RN nos anos de 2008 a 2010

BRASIL/RN

Quantidade produzida (Toneladas) 2008-2010 Lavoura temporária – Girassol (em grão)

ANO

2008 2009 2010

BRASIL 148.297 100.905 86.730

RIO GRANDE DO NORTE 1.231 1.246 1 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Nessa fase da produção de girassol o circuito espacial de produção se configurou de

forma um pouco diferenciada (ver Fluxograma 02), do circuito da mamona, a começar

pelo fato de que o processamento das sementes também passou a ser realizado nas

dependências do assentamento Rosário, agrovila Canudos, no município de Ceará-

Mirim, em parceria com a Agência Regional de Comercialização do Mato Grande

(ARCO).

Para viabilizar a implantação do circuito, inicialmente a Petrobras fornecia as sementes

previamente selecionadas aos agricultores familiares em várias regiões do estado que se

dispunham a cultivar a oleaginosa. A partir do cultivo do girassol se obtinha o óleo

bruto extraído da semente; a torta – gerada depois do processo de esmagamento da

semente – e o mel proveniente da apicultura utilizada para a polinização do girassol, o

que diversificou as fontes de renda dos agricultores envolvidos nesse circuito. O óleo

era vendido à PBIO e a torta era vendida a atravessadores que a revendiam para o

fabrico de ração animal.

Além da Petrobras, algumas instituições colaboravam com o circuito fornecendo

assistência técnica e cursos de capacitação para os agricultores, dentre elas o Instituto de

Assistência Técnica e Extensão Rural do RN (EMATER), a Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (SEBRAE).

17

Fluxograma 2: Esquema simplificado do circuito produtivo do Biodiesel no RN a partir do

girassol

Setores: Ensino e Pesquisa Regulatório Industrial Agrícola Financeiro Insumos agrícolas Circulação Comércio

O óleo extraído das sementes de girassol era acondicionado em tonéis plásticos e depois

transferido para caminhões tanques e, em seguida, transportados até a unidade da

Petrobras em Guamaré - RN, para ser utilizado nos experimentos na segunda usina

experimental construída para esse fim. Essa experiência de inserir a agricultura familiar

na primeira fase do processo industrial, ou seja, na realização da prensagem para

extração do óleo, agrega maior valor ao produto e, consequentemente, maiores

rendimentos para os agricultores inseridos. Entretanto essa experiência só se realizou

em um dos assentamentos e ainda assim, só se concretizou nos anos de 2008 e 2009.

Depois disso a maioria dos agricultores deixou de cultivar o girassol, pelos motivos já

mencionados anteriormente, e a usina ficou ociosa.

Produtores de Girassol

Petrobras

(B100 – Consumo interno)

Instituições de ensino e pesquisa Agentes financiadores

Indústria química

(Glicerina)

Comércio em geral

Estado

D1 para a Agricultura

Comércio de insumos e equipamentos

Agroindústria (ARCO)

Indústria de rações

Consumidor

Atravessadores

18

Das experiências realizadas no processo de produção do biodiesel na usina de Guamaré

resultavam, além do óleo (B100) consumido internamente, a glicerina, cujo destino era

a indústria química cujo uso mais comum é a produção de sabões e cosméticos.

A produção de girassol para o mercado de biodiesel constitui-se como um circuito

espacial complementar, haja vista que, a produção de girassol já constitui um circuito

produtivo em que um dos destinos é o fornecimento de óleo para a produção de

biodiesel. No caso específico da produção que se realiza no Rio Grande do Norte o

girassol não é utilizado para a indústria alimentícia, sendo que o biodiesel se constitui o

seu destino principal. Esta realidade, aliás, suscita críticas quanto ao uso de um óleo

considerado nobre por suas propriedades alimentícias, para a produção de combustível.

Considerações finais

A inserção da agricultura familiar no circuito espacial de produção do biodiesel incorre

em uma relação desigual, que pode estar levando os agricultores a uma situação de

dependência e alienação, afinal, se está inserindo na dinâmica da produção familiar,

instrumentos de produção, forçando as famílias de agricultores (principalmente as do

Nordeste e semiárido) à especialização de seu trabalho, ampliando a dependência de

técnicas as quais os agricultores, na maioria dos casos, não dispõem (sementes

modificadas, insumos, maquinários etc.) e a sujeição às demandas do mercado, fazendo

com que, desta forma, esses agricultores fiquem suscetíveis à exploração por parte de

empresas que atuam nesses segmentos e que detêm os meios, o capital e

consequentemente, o poder de regulação dos preços.

Além desse aspecto, há que se ressaltar a destinação de áreas, que poderiam ser

direcionadas ao cultivo de produtos alimentares básicos, para a plantação extensiva de

um único produto (no caso do RN, um cultivo estranho ao lugar) que envolve o

interesse de variados e poderosos agentes do capital, tanto nacional quanto

internacional. Agentes detentores de grande poder econômico e político e, também,

possuidores de grande conteúdo técnico, como os grandes produtores rurais, usineiros,

as indústrias químicas e laboratórios, os proprietários de redes de postos de

combustíveis, as distribuidoras, a Petrobrás, os produtores de todo tipo de insumos

necessários à produção, etc. Ademais, preocupa-nos o fato de que a função maior desses

agricultores possa ser apenas a de legitimar o selo “Combustível Social” beneficiando

preferencialmente os produtores de biodiesel.

19

Essa realidade tem mostrado que o Estado apesar dos esforços despendidos para inserir

esses agricultores acaba se enredando numa relação conflituosa, já que ele também atua

enquanto empresa por meio da Petrobras, empresa de capital público/privado, e como

tal possui interesses mercadológicos. Assim, para cumprir o seu papel social ele tem que

atentar para todos os agentes, porém quando interesses hegemônicos (que representam

os agentes com maior poder de atuação) pressionam, verifica-se que há uma tendência

deste em viabilizar muito mais o uso do território como recurso do que como abrigo que

é ou deveria ser para todos os agentes.

Notas

_____________________

[1] Santos, (2000, 2004) baseado em Jean Gottman, utiliza as expressões território como recurso/abrigo, para explicar que “Para os atores hegemônicos o território usado é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares”. Já os “atores hegemonizados - que preferimos classificar como agentes sujeitos às forças resultantes da ação dos agentes hegemônicos (grifo nosso) - têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares”. (SANTOS 2000, p. 108). O autor ressalta ainda que uma “mesma fração do território pode ser recurso e abrigo”. Entretanto vale lembrar que a princípio, o território pode se constituir abrigo e recurso para todos os atores sociais, à medida que dele se extrai o necessário à sobrevivência de todos os atores. [2] O D1 é o setor que representa o segmento produtor de máquinas, implementos,

fertilizantes, e outros insumos necessários para a produção agrícola (GRAZIANO DA

SILVA, 1998).

Referências

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2010. Cartilha do Biodiesel. Disponível em: http://brasilbio.blogspot.com/2011/10/mda-lanca-cartilha-apresentando.html - Acesso em 05/08/2011. CATAIA, Márcio. et al. Território e nação: novos usos do território no Brasil. Anais do XVI Encontro Nacional dos Geógrafos. Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças - Espaço de Socialização de Coletivos. 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre, 2010. CASTILLO, Ricardo; FREDERICO, Samuel. Espaço Geográfico, produção movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade &

20

Natureza, Uberlândia, 22 (3): 461-474, dez. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sn/v22n3/04.pdf> Acesso em: 14 jun. 2011. GRAZIANO DA SILVA, José. A Nova Dinâmica da Agricultura brasileira. 2. Ed. rev. Editora da Unicamp, 1998. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal - PAM (2004/2010). Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1612&z=p&o=24>. Acesso em 15 jan. 2011.

MORAES, Antônio Carlos Robert. Os circuitos espaciais da produção e os círculos de cooperação. São Paulo: [s.n.], 1985, 32p. (Mimeog.). PIRES DO RIO, Gisela A. Escalas de política energética: O Programa nacional de biodiesel. In: BERNARDES, Júlia Adão; ARACRI, Luís Angelo dos Santos (org.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. 202 p. SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: Hucitec, 1988. ________, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1997. ________, Milton. O papel ativo da Geografia: Um Manifesto. XII Nacional de Geógrafos. Florianópolis, Julho de 2000. In: Revista Território, ano V, nº 9, PP. 103-109, jul./dez. 2000. Disponível em: www.revistaterritorio.com.br/pdf/09_7_santos.pdf . Acesso em 24/05/2012. ________, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2004. ________. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. 4. Ed. 5. Reimpr. São Paulo: Edusp, 2009. ________. Técnica, espaço e tempo. Globalização e meio técnico-científico-informacional. 5.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008a. ________. Da Totalidade ao Lugar. 1 ed., 1. Reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008b. ________; SILVEIRA, Maria Laura da. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 12ª Ed. Rio de Janeiro. Ed. Record, 2008c. TRIBUNA DO NORTE, 2008. Produção de grãos no RN tem redução de 38,6%. Disponível em: http://tribunadonorte.com.br/noticia/producao-de-graos-no-rn-tem-reducao-de-38-6/81540. Acesso em: 17/03/2012.