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A INSPEÇÃO DO TRABALHO, AS RELAÇÕES DE TRABALHO E O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO INTERSISTÊMICA: OU A
ASFIXIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS DE DIREITOS NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO,
ASSUMPÇÃO, Luiz Felipe Monsores de
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A INSPEÇÃO DO TRABALHO, AS RELAÇÕES DE TRABALHO E O
PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO INTERSISTÊMICA: OU A ASFIXIA DA
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS DE DIREITOS NO ÂMBITO DO
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
ASSUMPÇÃO, Luiz Felipe Monsores de
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito - UFF
RESUMO O presente artigo visa a dar sequência ao exame do modelo de mediação pública de conflitos trabalhistas
(Mesas Redondas), no que tange aos conflitos de direitos, individuais e coletivos. Com ênfase nos
conflitos individuais, a pesquisa pretende demonstrar a relação existente entre as transformações que ocorreram no Sistema de Inspeção do Trabalho, após a CRFB/88, e sua influência no âmbito da
integração com o Sistema de Relações de Trabalho. Há fortes evidências de que o esforço classista e
institucional de mimetismo com as demais instâncias da fiscalização federal tributária desvaneceu o perfil social da fiscalização trabalhista, provocando, também, o isolamento da Inspeção do Trabalho em relação
aos demais sistemas que integram o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ampliando as tensões
entre as instâncias coativa e mediadora do MTE. O resultado é um processo em curso, lento e gradual, de
asfixia e desestímulo da mediação de conflitos individuais de direitos.
Palavras-chave: Inspeção do Trabalho. Relações de Trabalho. Mediação trabalhista.
ABSTRACT
This article aims to give sequence to analysis about the “Round Tables”, a public model of mediation of labor’s conflicts in Brazil. At this time, it is intended to empathize a specific sub-type of ADR: the
individual mediation/conciliation of conflicts about noncompliance of labor’s rights. This model,
executed by Ministry of Labour and Employment of Brazil (MTE), was strongly affected by
transformations occurred post-Brazilian Constitution of 1988 in the scope of Labor Inspection. The social profile of this inspection have been mitigated, and this fact has increased internal tensions between the
Labor Relations System (mediating action) and the Labor Inspection System (coactive action), whose
result is an easy and gradual process of asphyxia and discouragement of mediation of labor disputes of rights.
Key-words: Labor Inspection. Labor Relations. Labor mediation.
INTRODUÇÃO
Sendo mais um “capítulo” da série que trata da mediação de conflitos trabalhistas em
Mesas Redondas, objetiva-se neste ensaio esclarecer melhor o que antes deixei apenas
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enunciado1, e que costumo situar como o problema da integração intersistêmica: Inspeção do
Trabalho e Relações de Trabalho.
Pretende-se, de fato, prosseguir na análise das intervenções político-institucionais da
Inspeção do Trabalho sobre o Sistema de Relações de Trabalho, predominantemente (mas não
exclusivamente) no âmbito dos conflitos de direitos.
Após se ter descrito e examinado o halo de influência do Sistema de Inspeção do
Trabalho sobre o modelo de mediação em Mesas Redondas, executado no âmbito do Sistema de
Relações de Trabalho (ambos sistemas integrantes da estrutura do Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE). De se ter demonstrado que as razões dessa assincronia não estão localizadas
na seara das fundamentações jurídico-normativas, ou mesmo principiológicas (e neste particular,
no que se refere ao télos da Inspeção do Trabalho, relativamente à observância do princípio de
proteção do trabalhador). De se ter, enfim, evidenciado o comprometimento do modelo de
mediação de conflitos trabalhistas de direitos, em sua autonomia e identidade próprias, eis que
frequentemente visto como um meio alternativo ou preliminar da ação fiscalizadora do Estado,
passa-se a examinar, agora, a robustez dos argumentos que amiúde são invocados para justificar
a ação refratária da Inspeção do Trabalho em face do Sistema de Relações de Trabalho.
Tentar-se-á, ao fim, demonstrar que a lógica do encapsulamento da Inspeção do Trabalho
não milita em favor da racionalidade institucional do MTE, pois opera no âmbito do
empoderamento à custa da endodiferenciação, algo que é notável das profundas e recentes
transformações da estrutura da Inspeção do Trabalho, cujo cotidiano aos poucos se distancia do
que Mannrich uma vez chamou de “magistratura social”.
1. A RECENTE TRAJETÓRIA DE ESVAZIAMENTO DO MODELO DE SOLUÇÃO DE
CONFLITOS TRABALHISTAS DE DIREITOS
1.1. A origem de um modelo centrado nos interesses do trabalhador
Como um modelo institucionalizado, a composição de conflitos trabalhistas de direitos
em Mesas Redondas tem o seu “marco zero” a partir da publicação da Portaria nº 3.122/88.
Diga-se isto, porque as mediações administrativas realizadas pelo Ministério do Trabalho (ainda
sem a expressão “e Emprego”), amplificadas por conta do Decreto-Lei nº 229/67, e adiante pela
implantação do Sistema Nacional de Relações de Trabalho, e do Serviço Nacional de Mediação e
1 Conferir em “A Mediação de Conflitos de Direitos no Âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego: entre
paradigmas e paradoxos”. Disponível em:
http://media.wix.com/ugd/203511_b7060c02cce54d20b75e7be2794a7188.pdf, p. 1487-1513.
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Arbitragem – SNME (Decreto nº 88.984, de 10 de novembro de 1983), mesmo quando
tematizadas pelo descumprimento das normas trabalhistas, eram conduzidas segundo a lógica
dos conflitos coletivos.
A deflagração da mediação de conflitos de direitos, enquanto modelo de tutela individual,
não era uma prática institucionalizada no Ministério do Trabalho. Atingia-se o objetivo pela via
da mediação coletiva, cujo propósito era nem tanto a oferta de uma solução restitutiva de direitos
por mediação, mas a produção de um episódio interventivo e compulsório (conforme os artigos
616 e 617 da CLT), cujo propósito era evitar a sempre indesejada mobilização dos trabalhadores.
Entre o DL nº 229 de 1967, até a edição da Portaria nº 3.122/88, a composição (colet iva)
de conflitos de direitos fazia parte do pacote de políticas de relações de trabalho, direcionadas à
contenção dos movimentos sociais de trabalhadores, indo ao encontro da cartilha repressiva pós-
golpe, para o quê foi útil repristinar o cunho antissocial que dera o Estado-Novo ao exercício do
direito de resistência coletivo da classe trabalhadora.
Salvo o processo administrativo de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS), previsto nos artigos 36 a 39, da CLT, a política de proteção do indivíduo-trabalhador
resumia-se, de fato, à Inspeção do Trabalho.
Mas essa atuação carecia de um protocolo. As reclamações dirigidas aos plantões fiscais
volta e meia demandavam medidas pouco ortodoxas dos Fiscais do Trabalho, que muitas vezes
não se limitavam a pôr a termo a reclamação, para expedição futura de uma Ordem de Serviço2,
mas atuavam de ofício como verdadeiros árbitros, contatando e arguindo o empregador
denunciado acerca do suposto descumprimento da lei.
Não era incomum, diante de uma reclamação pelo não pagamento de salários, verbas
rescisórias ou retenção de documentos, o Fiscal do Trabalho notificar o empregador e “negociar”
uma agenda de regularização, a qual era determinada muito mais pelo tempo que o agente da
inspeção poderia se manter vinculado àquela solução3, e menos pelas reais condições do
empregador em cumprir a lei.
Nunca foi possível se ter uma medida crível da eficiência dessa prática de poder
ostensivo da Inspeção do Trabalho. Mas sugere-se que não tenha sido nada desprezível, a julgar
pelo discurso que década e meia depois se articulou para justificar as chamadas Mesas de
2 Comando administrativo formal que determina a realização das fiscalizações dirigidas. 3 Normalmente determinado pelo período em que o Inspetor do Trabalho se manteria atuando em determinada
região, antes de migrar para outra, em razão de rodízio, ou mesmo pelo tempo em que deveria “fechar” a
fiscalização (nos casos em que a solução negociada se dava durante o exercício da inspeção do trabalho).
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Entendimento4, possibilitadas pelo advento do art. 627-A, da CLT, e pela publicação da
Instrução Normativa Intersecretarial nº 13/99 (revista pela Instrução Normativa nº 23/2001), no
âmbito da política que ficou conhecida como “Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho”.
A Portaria nº 3.122/88 inovou ao introduzir expressamente a “mediação de conflitos
individuais e coletivos” na forma de um processo administrativo. A Mesa Redonda deixa seu
status de jargão oficioso para a assumir feição de procedimento em espécie. Mais ainda, a tal
portaria introduz tanto a mediação, historicamente vinculada aos conflitos coletivos, quanto a
conciliação, que desde a criação da Justiça do Trabalho tornara-se instituto aderente ao processo
trabalhista.
A menção à conciliação não parece ter produzido apenas uma distinção procedimental
com a mediação. Sugere reforçar o caráter restitutivo do modelo conciliatório. A Portaria
3.122/88, ao menos em tese, propõe uma inversão da ordem de interesses da ação estatal:
primeiro o resgate do patrimônio jurídico-econômico do trabalhador, depois a incolumidade do
sistema positivado de garantias trabalhistas.
Este, de fato, foi o ponto de partida para a criação de uma identidade de atuação no
campo da mediação de conflitos de direitos. A um só tempo, o modelo de composição de
conflitos de direitos ganhou autonomia em relação aos conflitos coletivos, e introduziu no
âmbito do Sistema de Relações de Trabalho uma prática restitutiva orientada a partir dos
interesses do indivíduo-trabalhador.
Obviamente que, em se tratando de um modelo administrativo, o princípio da legalidade
(estrita) não poderia ficar de fora. A despeito do viés restitutivo, e do foco nos interesses do
trabalhador lesado em seus direitos, o processo administrativo de mediação de conflitos
trabalhistas não poderia pretender usufruir da ampla margem de manobra do processo judicial,
especificamente no que tange às possibilidades de acordo, alcançável tanto pela via da
manipulação da substância do direito pretendido, quanto pelas ferramentas de convencimento
das partes. Isto sem falar da segurança jurídica deduzida do equivalente jurisdicional que é a
conciliação na Justiça do Trabalho, algo improvável no âmbito administrativo.
A estrutura processual atendeu bem às exigências da legalidade, ao passo que os
princípios administrativistas reforçaram a relação entre interesse público e a satisfação do
4 A Secretaria de Inspeção do Trabalho, por ocasião dos treinamentos e seminários realizados no âmbito das
Delegacias Regionais do Trabalho, em parceria com a Escola de Administração Fazendária (ESAF), sustentava que
as Mesas de Entendimento representavam a oportunidade de institucionalizar uma prática adotada por grande parte
dos Fiscais do Trabalho, que era a de regularizar determinado atributo trabalhista através da negociação de prazos e
condições com as empresas.
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trabalhador. O processo de mediação de conflitos de direitos se convertera num modelo de
restituição de direitos do trabalhador, bem distinto do desenho institucional da Inspeção do
Trabalho, focado na preservação da integridade do sistema jurídico-normativo trabalhista.
O predomínio da atuação dos Fiscais do Trabalho no âmbito da mediação de conflitos de
direitos pareceu confirmar as lições de Chiovenda, lembradas por Athos Gusmão Carneiro
(1975), relacionando a autoridade do conciliador à eficiência do modelo conciliatório.
Tal eficiência se fez notar, não tardando a gerar os primeiros sinais de conflito com os
demais atores do “sistema nacional [público] de inspeção e vigilância do trabalho” (CARDOSO;
LAGE, 2005, p. 451), sinais esses que iremos, agora, examinar.
1.2. Os Primeiros Acordes de um Concerto Desafinado
A Portaria nº 3.122/88 está longe de ser um primor normativo. Seu minimalismo,
associado a uma visão conservadora do processo administrativo federal (que, de fato, foi
reinventado a partir da Lei 9.784/99) concentrou as ações no campo da mediação trabalhista em
dois extremos. De um lado, houve quem entendesse que o espaço de manobra do processo
administrativo de mediação de conflitos trabalhistas de direitos era delimitado por “abismos
invisíveis”. Isto é, a escassa normatização procedimental deveria ser traduzida como uma
fronteira que não deve ser ultrapassada, coerente com a leitura de que ao agente público é dada a
liberdade que a lei expressamente lhe dispensa. Neste caso, a omissão da lei deveria ser
interpretada como um non facere. De outro, houve os que introduziram as práticas de mediação
consolidadas no cotidiano da ação fiscal para dentro da moldura processual das Mesas Redondas.
Isto é, a Portaria nº 3.122/88 representou a oportunidade de formalizar o uso alternativo do poder
da Inspeção do Trabalho, na medida em que se incorporava um protocolo de resgate de direitos,
algo que, de fato, nunca fez parte da estrutura da fiscalização trabalhista.
Pelas razões já explicadas alhures (cf. nota nº 01), os agentes da Inspeção do Trabalho se
tornaram protagonistas do novo modelo de mediação de conflitos trabalhistas de direitos. O
empoderamento intrínseco do Fiscal do Trabalho, em razão do próprio cargo, serviu a dois
propósitos imediatos: 1) ocupar os espaços de indeterminação normativa em favor do exercício
prático do poder fiscal, na forma de estratégias de restituição de direitos negociadas à sombra
desse poder; 2) criar mecanismos intersubjetivos de amortecimento das fricções com o Sistema
de Inspeção do Trabalho, baseados na solidariedade funcional.
Pode-se afirmar que as Mesas Redondas para composição de conflitos de direitos, nos anos
que se seguiram à publicação da Portaria nº 3.122/88, foram adotadas pelo Sistema de Inspeção
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do Trabalho como um protocolo restitutivo que fazia falta ao Estado-Fiscal. No fundo, todo
Fiscal do Trabalho gostaria de poder “obrigar” o empregador a pagar ao empregado o que lhe é
devido por direito, e não apenas autuá-lo pelo descumprimento da lei. Nesse sentido, a pergunta
que se reproduzia como um argumento de força para o acordo em Mesa Redonda era: “você
prefere pagar ao empregado, ou ao Estado?”
O exercício do poder fiscal no âmbito da mediação parecia dar conta inclusive das
estranhas lacunas da Portaria nº 3.122/88. Uma das mais salientes diz respeito a não relacionar o
próprio trabalhador como titular do direito a pretender a mediação trabalhista. Em que pese a
menção expressa quanto às mediações e conciliações individuais, a norma relaciona apenas os
sindicatos e as empresas como titulares dessa pretensão.
Na prática, porém, os Fiscais do Trabalho frequentemente convertiam as reclamações
feitas nos plantões fiscais em processos de mediação de conflitos (e não em fiscalização), de
modo que, apesar da omissão, o trabalhador isoladamente considerado jamais ficou à margem do
acesso às Mesas Redondas.
É claro que a processualização da mediação de conflitos trabalhistas de direitos não
garantiu – e nem poderia garantir – a uniformidade procedimental Brasil afora. Mesmo no
interior da estrutura do MTE, as distintas perspectivas acerca do que se podia ou não fazer, em
sede de Mesa Redonda, criavam atritos que nem sempre eram devidamente amortecidos pelos
mecanismos baseados em solidariedade funcional, sobretudo nas unidades regionais do MTE: as
Delegacias Regionais do Trabalho.
No entanto, a despeito do discurso circundante dos conflitos que emergiam no interior
desse modelo de mediação priorizar o argumento legalista, é equívoco apostar que, de fato, tal
argumento era o principal combustível desses atritos.
Podem-se destacar três espécies de controvérsias que, em maior ou menor grau,
estabeleceram os contornos do modelo de mediação de conflitos de direitos, no âmbito do MTE,
durante os primeiros dois terços da década de noventa. Tais controvérsias se distinguem
conforme seus respectivos elementos de ignição e os atores envolvidos.
Como uma espécie de reação sistêmica, as “desautorizações” advindas da Inspeção do
Trabalho, em relação às soluções mediadas em Mesas Redondas, projetavam sua energia para a
interface entre os Sistemas de Inspeção e Relações de Trabalho. Isto acontecia, com frequência,
quando a solução mediada era conseguida por um mediador que não pertencia aos quadros da
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Inspeção do Trabalho.5 Neste caso, os mecanismos de amortecimento não atuavam eficazmente
porque não estava presente o pressuposto da identidade funcional.
Podia acontecer também que os atritos entre os Sistemas de Inspeção do Trabalho e
Relações de Trabalho não fossem, propriamente, intersistêmicos, eis que tais espocavam no
âmbito das relações entre Fiscais do Trabalho atuantes em cada um desses sistemas. Não eram
conflitos entre diretrizes sistêmicas (como parece, atualmente, ser o caso), mas entre perspectivas
em torno do próprio papel do Fiscal do Trabalho. A mediação, para alguns, não parecia ser uma
expressão digna do poder fiscal. A punição administrativa, sim, era a razão de ser do poder de
polícia administrativo (MANNRICH, 1991), e o Auto de Infração seu principal instrumento.
Nesse sentido, a barganha entre a multa administrativa e a restituição dos direitos do trabalhador
não seria legítima, pois representaria a declinação de um poder (munus publicum) do qual o
Fiscal do Trabalho é constitucionalmente investido. O argumento legalista, neste caso, servia de
envoltório para uma ideologia fiscal que se expressava individualmente. Portanto, o sistema de
amortecimento poderia falhar justamente por causa de sua base relacional, pois grupos de fiscais
de perfil marcadamente policialesco não se solidarizavam com os argumentos de política
restitutiva que caracterizam as ações do Sistema de Relações de Trabalho, no âmbito da
mediação de conflitos.
Mas talvez a fonte das maiores inquietações do MTE, no que tange à condução do modelo
administrativo de composição de conflitos trabalhistas de direitos, nada tinha a ver com a
qualidade das relações entre sistemas internos, ou entre os atores que neles atuam. As
controvérsias desse terceiro tipo brotavam no interior do próprio Sistema de Relações de
Trabalho, e abrangiam todos aqueles que lidavam com a mediação trabalhista, sejam eles Fiscais
do Trabalho, ou funcionários do quadro administrativo do MTE. Diferentemente dos casos
anteriores, a fonte dessas controvérsias não estava localizada nos domínios do órgão ministerial,
mas fora dele.
1.3. A Rejeição do Desconhecido
Ganhara a mediação de conflitos de direitos uma considerável envergadura, a ponto de
disputar as atenções com a mediação de conflitos coletivos de interesses, que sempre
caracterizou as ações do MTE, no âmbito das relações de trabalho.
5 Convém lembrar que os Fiscais do Trabalho não possuíam competência exclusiva para realizar mediações, que
também eram conduzidas por funcionários do quadro administrativo.
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Por outro lado, o protagonismo dos Fiscais do Trabalho e a assimilação pela Inspeção do
Trabalho como uma ferramenta que a complementava, justamente por ofertar uma alternativa de
resgate dos direitos do trabalhador, popularizaram as Mesas Redondas como um modelo dotado
de força, identificado com a proteção do trabalhador, e que estava ao alcance da comunidade,
sobretudo das circunscrições periféricas.
Mas a verdade é que um instituto tão promissor não dispunha de uma normatização com
grande densidade; tratava-se de uma simples portaria. Algo bem menos eficiente, como as
Comissões de Conciliação Prévia, mereceram, anos mais tarde, uma alteração no próprio texto
da CLT.
Não bastasse, o minimalismo procedimental das Mesas Redondas dava margem à adoção
livre de parâmetros que iam dos pressupostos de admissibilidade do processo de mediação,
passando pelas estratégias de impulso processual e de condução das Mesas Redondas, até o
conteúdo dos acordos. Mesmo a estética processual não estava sujeita a um regramento oficial.
Tudo que se tinham eram manuais de ocasião, nos quais se inseriam modelos de termo de
reclamação, convite, ata de reunião etc., que nada mais eram que sugestões ou adaptações do
antigo procedimento de reclamação pela falta de anotação de CTPS (CLT, arts. 36 a 39), uma
vez que não haviam sido anexados a nenhuma norma administrativa.
Um exemplo simples é o documento de “notificação” de comparecimento à Mesa
Redonda. A tradição dos conflitos coletivos de interesses sempre recomendou o “convite”, e esse
formato foi mantido como sugestão dominante, mesmo nos casos de conflitos de direitos. Mas
não se demorou a adotar o formato convocatório, em vez do convite, quando a mediação fosse
provocada em razão de denúncia de descumprimento de preceito normativo. Nalguns casos, a
convocação dava a entender que a Mesa Redonda era uma alternativa “pacífica”, e que era
prudente atendê-la, caso a empresa denunciada não quisesse ser visitada pela fiscalização.
Outro exemplo diz respeito à terminologia do documento que oficializava o acordo. Antes
dos “Termos de Compromisso” das Mesas de Entendimento (IN nº 13/1999), e dos “Termos de
Conciliação” das Comissões de Conciliação Prévia (CLT, Título VI-A, inserido pela Lei
9.958/00), não havia qualquer designativo “oficial” para o acordo que eventualmente surgisse em
procedimentos extrajudiciais de composição de conflitos trabalhistas6, incluindo as Mesas
Redondas. Mesmo o acordo firmado no âmbito do já citado processo de anotação de CTPS era
inominado. Nesse sentido, utilizavam-se com frequência “Termo de Acordo”, “Ata de Acordo”,
6 Excluo propositalmente as Sentenças Arbitrais, por considerar que a arbitragem não faz parte do rol de opções à
disposição dos trabalhadores, para resolução de conflitos individuais de direitos trabalhistas.
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“Ata de Conciliação”, e mesmo o “Termo de Conciliação”, então apropriado pela Justiça do
Trabalho.
Modo geral, a partir de uma reclamação dotada de consistência fático-jurídica, o processo
de mediação de conflitos em Mesas Redondas começava com uma notificação para
comparecimento (quase) compulsório do empregador denunciado à repartição do MTE, seguia
por uma sessão conduzida por um Presidente com poderes de instrução7, podendo determinar
diligências fiscais e impor a apresentação de documentos, e terminava com um acordo, cujo
descumprimento resultava na conversão do feito em procedimento de fiscalização8. Decerto que
o trabalhador poderia ser assistido, tanto pelo seu sindicato de classe, quanto por advogado. Mas
o processo não estava necessariamente condicionado à participação desses atores, eis que na
esfera administrativa prevalece o princípio inquisitório (ou inquisitivo), e o impulso de ofício por
parte do próprio Presidente da Mesa Redonda era praticamente a regra, mormente quando os
fatos delituosos estavam definitivamente comprovados, ou fossem expressamente confessados.
Num cenário como este, o mediador encarnava o papel de “protetor do trabalhador” e “fiscal da
lei”, e como tal frequentemente assumia o domínio do argumento jurídico-normativo aplicado ao
caso concreto, tornando dispensável a defesa técnica do trabalhador9.
A popularização das Mesas Redondas, como meio alternativo de solução de conflitos
trabalhistas de direitos, não tardou a alcançar outras esferas da atuação estatal em defesa dos
direitos trabalhistas10. Mas o processo de mediação pública de conflitos trabalhistas era muito
pouco conhecido fora dos limites institucionais do Ministério do Trabalho. Em alguns casos o
desconhecimento acerca desse modelo levou à crítica e à denunciação por parte da Justiça do
Trabalho11, por vezes com o endosso do Ministério Público do Trabalho, órgão com o qual a
Inspeção do Trabalho mantinha relações que oscilavam entre a colaboração e a competição.
7 A instrução poderia ocorrer independentemente da presença do empregador. 8 Caso não houvesse acordo, e as denúncias fossem consistentes, o feito poderia ser trasladado à instância fiscal. Tal
procedimento, de fato, variava, pois havia quem defendesse a extinção do processo de mediação. 9 Este fato ajudou a formar um perfil de mediador aproximadamente uniforme. Sendo fiscal, ou não, tinha que
possuir conhecimento de Direito do Trabalho. 10 As atas de Mesas Redondas para composição de conflitos de direitos começaram a aparecer na instrução dos
processos judiciais, nas situações em que não o acordo não fora firmado no âmbito administrativo, ou que, a
despeito de ter sido, não fora cumprido. Há registros até mesmo de ações de execução promovidas a partir de tais
atas. 11 Em 2005, o Setor de Relações de Trabalho da GRTE/Volta Redonda (RJ) realizou uma conciliação de conflitos individuais (proc. 46232-1079/2005-86), segundo a qual ficou pactuado um prazo para a empresa recolher o FGTS
de um empregado. O acordo não foi cumprido, pois a empresa acabou encerrando suas atividades. Munido de
advogado, o trabalhador resolveu executar o Termo de Conciliação administrativo. O Juiz da causa extinguiu o feito
sem resolução do mérito, não reconhecendo tal documento como título executivo extrajudicial. Além disso, por
desconhecer o procedimento de Mesa Redonda, encaminhou denúncia ao MPT. Este oficiou a Gerência Regional do
Trabalho e Emprego de Volta Redonda (Ofícios PRT1ª/OFVR nº 494/2008 e 86/2009), determinando que o Chefe
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Novamente o argumento legalista era o que aparecia primeiro, e como sempre ocultava o
que em verdade luzia como uma disputa pela manutenção do monopólio da solução adjudicada
dos conflitos trabalhistas12. Também há registros de reações pouco amistosas da OAB13, e elas
vinham de duas direções. A primeira, oriunda do estranhamento da Ordem pelo fato de a
participação do advogado nas Mesas Redondas ser dispensável, invocava a defesa técnica como
condição de legitimidade dos acordos administrativos. A segunda – e que de certa forma também
representava um “desempoderamento” do advogado – dizia respeito à pouca amplitude da
autonomia negocial, uma vez que os acordos firmados sobre fatos incontroversos eram de forma,
e não de conteúdo.
Histórias de ações repressivas da Justiça do Trabalho, do Ministério Público Federal e do
Trabalho, e até da OAB começaram a circular pelos corredores do Ministério do Trabalho. No
interior do próprio Sistema de Relações de Trabalho, o quadro de mediadores, fiscais ou não,
podia ser classificado conforme o nível de influência das tais “ameaças” interinstitucionais sobre
cada um, o que concorria para o aumento da heterogeneidade procedimental, compreendida
como o grande ponto fraco de todo o sistema.
O advento das Mesas de Entendimento (Instrução Normativa Intersecretarial nº 13, de
1999), instituto pertencente à Inspeção do Trabalho, também órfã de uma base normativa mais
vigorosa, foi rapidamente respaldada por Medida Provisória (a MP n.º 2.164-41, de 24-08-2001,
inseriu o art. 627-A na CLT). O contexto político-institucional em que se deu a modificação do
paradigma de atuação da Inspeção do Trabalho, no final da década de noventa, tirou da
penumbra o que parecia ser, para outras instâncias do poder estatal, um procedimento de cunho
do Setor de Relações de Trabalho prestasse esclarecimentos. A denúncia, ao final, foi arquivada, depois de
demonstrada a competência do Ministério do Trabalho e Emprego para realizar mediações de conflitos individuais de direitos. 12 Algo que ainda remanesce, nem tão latente, e diz respeito à competência da Inspeção do Trabalho para
“reconhecer” a existência de vínculo empregatício (tal reconhecimento seria simbolizado pela autuação por falta de
registro do empregado), ou desqualificar um determinado vínculo jurídico (relação associativa, prestação de serviço
de forma autônoma, relação de estágio etc.) em favor da relação de emprego. 13 Conforme pesquisa no banco de dados do Setor de Relações de Trabalho da GRTE/VR, o relatório do processo de
mediação nº 46232-1643/2002-18 revelou que a Mesa Redonda não foi bem-sucedida. A razão disso é que o
advogado que assistia a empresa denunciada recusava-se a aceitar um acordo sem transação de direitos
incontroversos. A mediação insistiu que tais direitos não poderiam ser negociados, e que tão-só as condições de
pagamento desses direitos é que poderiam ser matéria de consenso. Entendendo que a atuação do advogado
impossibilitava o acordo, e como consequência impunha a conversão do feito em ação fiscal, a mediação contatou diretamente o representante da empresa, a fim de obter o referendo, ou não, da posição do causídico. Tal medida foi
interpretada pelo advogado como um embaraço à sua atuação, e em razão disso procedeu a uma queixa junto à OAB
local. Após a ida do Presidente da OAB à GRTE/Volta Redonda, ficou esclarecido que os limites materiais do
acordo de direitos em Mesa Redonda coincidem com o cumprimento da lei, e que em se tratando de direitos
incontroversos não haveria possibilidade de transação. O processo, enfim, foi convertido em ação fiscal, e a empresa
foi autuada.
A INSPEÇÃO DO TRABALHO, AS RELAÇÕES DE TRABALHO E O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO INTERSISTÊMICA: OU A
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negocial levado a cabo pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e que era respaldado pela
própria CLT.
Na verdade, fora dos limites do MTE não se fazia qualquer distinção entre Mesa Redonda
e Mesa de Entendimento. Um instituto era tomado pelo outro, e sobre ambos ainda pouco se
sabia14.
Decerto que a criação de um espaço negocial dentro do Sistema de Inspeção do Trabalho,
até então uma exclusividade do Sistema de Relações de Trabalho, produziu efeitos negativos
sobre o modelo público de mediação trabalhista, principalmente quando associada a medidas
administrativas de esvaziamento estrutural que advieram a partir da década passada15. Mas nos
três ou quatro anos que se seguiram à edição da IN nº 13/1999, revogada posteriormente pela IN
nº 23/2001, o que se viu foi um serviço de mediação trabalhista de fôlego renovado.
De fato, a flexibilização do rigor da fiscalização trabalhista refreou o ímpeto crítico dos
que, internamente, questionavam o excesso de liberdade de atuação do mediador-fiscal. Se a
Mesa de Entendimento consistia numa hipótese de barganha, segundo a qual se trocava a
autuação fiscal pelo cumprimento negociado da lei, sem que, necessariamente, tal saneamento se
convertesse em benefício patrimonial para o trabalhador, mais legítima ainda seria a barganha na
qual o beneficiário não fosse imediatamente o patrão, mas o empregado. Externamente, a notícia
de que o Ministério do Trabalho e Emprego redigiria Termos de Compromisso numa mesa de
negociação pode, de fato, ter reduzido a rejeição das demais instituições que compõem o tripé de
proteção do trabalhador brasileiro (PIRES, 2009). Mas de certo mesmo é que as tensões no
interior do Sistema de Relações de Trabalho se reduziram dramaticamente.
Como instituto, as Mesas de Entendimento não decolaram. Mas a hipótese de cumprimento
negociado da lei, trazida pela alteração na CLT (art. 627-A), extrapolou os limites do
procedimento especial de fiscalização, do qual a Mesa de Entendimento é espécie. Converteu-se,
de fato, numa oportunidade irresistível de revisitar o conceito de interesse público, quando o
assunto era a ação do Ministério do Trabalho e Emprego no campo da proteção dos direitos
trabalhistas e, em última análise, do trabalhador. A moldura processual das Mesas Redondas
permitiu que a recomposição patrimonial do trabalhador desse novo sentido ao conceito de
14 Uma evidência disso é o projeto de alteração da CLT, em especial do art. 878 (criação do art. 878-B), cuja
proposta foi produzida e encaminhada pelo TST ao Senado, tendo sido endossado pelo Senador Romero Jucá. Entre outras alterações, a proposta incluía o Termo de Compromisso firmado com a Inspeção do Trabalho (leia-se, Mesa
de Entendimento), instituto neonato, se comparado com as Mesas Redondas. 15 Uma instância negocial no interior do Sistema de Inspeção do Trabalho, apesar de pouco sustentável, como
acabou se mostrando posteriormente, produziu, como efeito secundário, um tipo de autossuficiência da Inspeção do
Trabalho, em relação ao modelo de mediação de conflitos levada a termo no âmbito do Sistema de Relações de
Trabalho. Era o caso de se indagar: “para que servem as Mesas Redondas, se temos as Mesas de Entendimento?”
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interesse público, algo sobremaneira facilitado pela reinvenção do processo administrativo
federal, advinda com a Lei 9.784/99.
A convolação das Mesas de Entendimento em Mesas Redondas passou a ser episódio
recorrente, dadas as exigências procedimentais impostas àquelas, além dos claros e estranhos16
limites cronológicos impostos aos consensos. Uma leva de novos Fiscais do Trabalho,
empossados havia pouco mais de três anos, optou por atuar no âmbito do sistema de relações de
trabalho. O que se viu na transição entre os anos de mil novecentos e noventa e dois mil foi o
revigoramento do serviço de mediação trabalhista17. O modelo de mediação de conflitos de
direitos em Mesas Redondas vivia o seu auge.
1.4. A Lenta e Gradual Asfixia do Modelo de Composição de Conflitos de Direitos em
Mesas Redondas
À primeira vista, o fenômeno de esvaziamento do modelo de composição de conflitos de
direitos, no âmbito do Sistema de Relações de Trabalho, se confunde com o processo de
coletivização das ações do MTE, deflagrado a partir do Sistema de Inspeção do Trabalho. Por
esta razão, supõe-se que o enxugamento dos procedimentos de mediação de conflitos de direitos
significou, na prática, o desestímulo sistemático à processualização dos conflitos individuais.
Mas isto, contudo, não é totalmente verdadeiro.
O exercício da mediação oficial de conflitos trabalhistas nunca foi destino óbvio, nem para
funcionários administrativos, nem para os Fiscais do Trabalho. Para estes, a trajetória natural é a
atuação em campo, a fiscalização “de rua”. Fiscal do Trabalho, de verdade, era o “fiscal de
pasta”. O mesmo se pode dizer com relação aos Agentes Administrativos, os quais exercem uma
miríade de atribuições absolutamente necessárias para o funcionamento da estrutura do MTE, em
16 A despeito de se tratar de um procedimento fiscal, a norma que regulava as Mesas de Entendimento criou uma
interface com as Relações de Trabalho, ao impor a participação dos sindicatos laborais em algumas negociações,
nomeadamente aquelas que necessitassem de um cronograma de regularização de atributos trabalhistas que
superasse o limite de 120 dias. As Mesas de Entendimento surgiram como um espaço negocial (Inspeção do
Trabalho e empresa infratora), mas tal hipótese a transformava num espaço de deliberação tripartite que em nada, ou
muito pouco, distava das Mesas Redondas de conflitos coletivos de direitos. 17 A Delegacia Regional do Trabalho no Rio de Janeiro chegou a contar com um grupo permanente de mediadores,
entre Fiscais e Agentes Administrativos, que já chegou a totalizar seis pessoas. Em Niterói, a equipe que compunha
a (então) Seção de Relações de Trabalho chegou a ter seis Fiscais do Trabalho, além de funcionários administrativos
e estagiários, sendo pelo menos três mediadores permanentes. Em Volta Redonda, a equipe chegou a ser composta
por um Fiscal do Trabalho e um Agente Administrativo (mediadores permanentes), além de um funcionário terceirizado e quatro estagiários (que também prestavam atendimento aos trabalhadores). Em Friburgo a equipe da
Seção de Relações de Trabalho possuía dois mediadores permanentes, o mesmo número em Nova Iguaçu e Duque
de Caxias. Interessante observar que o modelo de mediadores permanentes não era o dominante em todo o território
nacional. Em alguns estados, como São Paulo, havia plantões de mediação, de modo que a equipe de mediadores em
potencial correspondia à quase totalidade dos Fiscais do Trabalho em atuação, além do corpo de funcionários
administrativos em atuação no âmbito do Sistema de Relações do Trabalho.
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especial as que compõem o conjunto de serviços ofertados pelo Sistema de Emprego e Renda
(expedição de Carteiras de Trabalho e Previdência Social, recepção do Seguro-Desemprego,
expedição do registro profissional etc.), considerado o termômetro que mede a qualidade da
relação Estado-Sociedade, a partir da perspectiva do MTE.
A mediação de conflitos exigia habilidades estranhas e, até mesmo, conflitantes com o
exercício da fiscalização do trabalho. Embora fosse difícil se livrar do halo de autoridade (o que
no caso dos conflitos de direitos talvez nem fosse desejável), o tipo ideal de mediador era, sem
dúvida, aquele que inserido na distinta lógica das relações de trabalho, conseguisse abdicar do
poder de formular juízos, e optasse pela argumentação, isto é, pela formulação de proposições
que se sustentam no plano discursivo.
É provável que, para o funcionário administrativo, adaptar-se ao perfil do mediador fosse
mais fácil, ao menos no que tange aos conflitos coletivos de interesses, nos quais a habilidade de
desobstruir os canais de entendimento é determinante para o sucesso da mediação. Mas o trato
dos conflitos de direitos individuais e, principalmente, coletivos, podia ser tarefa árdua. Diga-se
isto, porque, nomeadamente para os servidores do quadro administrativo, a barreira instrucional
se apresentava amiúde.
É bem verdade que o perfil dos servidores administrativos (de nível médio) empossados a
partir do concurso de 2008, revela um indivíduo com escolaridade frequentemente superior às
exigências do cargo. A maioria dos empossados (isto é, os primeiros colocados) possui curso
superior completo, ou em andamento, alguns com especialização lato sensu e mesmo stricto
sensu, e por isso mesmo a expectativa de permanência desses servidores no quadro
administrativo do MTE é considerada baixa18.
Mas tal realidade é fenômeno recente. Antes de 2008, não havia concurso para provimento
originário de cargos administrativos para o MTE havia mais de três décadas. O quadro
administrativo estatutário era nutrido basicamente pela migração de servidores de outros órgãos.
De regra, a escolaridade de ingresso correspondia ao ensino médio, e a depender do cargo
original, ensino fundamental bastava19.
18 Dos dez servidores empossados na Gerência de Volta Redonda (RJ), cinco saíram para assumir outros cargos
públicos, alguns de nível superior. Este êxodo ocorreu num espaço de dois anos. 19 Estudos recentes da ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), publicados em 2013 (disponível em: http://www.youblisher.com/p/1099637-Perfil-2013/), fizeram uma comparação entre os anos de 2002 e 2012, com
relação à escolaridade dos servidores ingressantes nesses respectivos anos. Em 2002, 42,3% dos servidores
declararam ter curso superior. No mesmo estudo, há uma série histórica que retroage a 1997. Neste ano, o percentual
de servidores com formação superior era de cerca de 34%. Contudo, esta pesquisa engloba todos os servidores
públicos, independentemente do cargo de provimento originário que ocupam. Isto significa que este percentual
abrange os servidores cuja escolaridade superior é exigência mínima para o cargo assumido. Nesse sentido, é lógico
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O processo de qualificação desses servidores era realmente uma experiência pessoal,
motivada seja pela expectativa de ascensão funcional (o que era possível antes da CF/88), pela
aprovação em concurso e posse noutro cargo público de melhor remuneração, ou pela “simples”
ocupação de outras funções dentro da estrutura administrativa, que eventualmente oferecessem
desafios técnicos e exigissem habilidades intelectuais específicas, garantindo aos servidores
maior visibilidade, o que nem sempre se traduzia em melhores salários.
Este era precisamente o caso da mediação de conflitos de direitos, para cujo exercício o
conhecimento da legislação trabalhista sempre foi considerado essencial20.
Os primeiros parágrafos deste subtópico servem tão-só para diagnosticar um traço
característico que se reconhecia no quadro de mediadores do MTE. Em todas as ocasiões em que
era possível compartilhar experiências – e tais oportunidades foram paradoxalmente abundantes
durante a década passada – era muito fácil identificar na narrativa dos mediadores o gérmen da
militância. Relatos como: “picado pela mosca azul da mediação”, ou “a mediação é uma
cachaça”, eram recorrentes. Mesmo o papel institucional difuso dos Setores ou Seções de
Relações de Trabalho era motivo para comentários orgulhosos do tipo: “tudo aquilo que aparece,
e ‘eles’ não sabem o que fazer, mandam para as relações de trabalho”!
O que eventualmente faltava em técnica (de mediação), sobrava em disposição. É bem
verdade que os Fiscais do Trabalho dominavam o cenário da mediação de conflitos de direitos,
seja pela autoridade que emana do cargo, seja pelo conhecimento técnico que dele se supõe. Mas
a participação dos servidores administrativos mostrava sua importância no cenário dos conflitos
de interesses, ou noutros em que a abordagem comunitarista fosse apreciável, ou em tipos de
conflitos em que o relacionamento pessoal fosse o ponto de desequilíbrio, como é o caso das
relações de trabalho doméstico, e os conflitos que emergem do poder disciplinar do patrão.
As tensões no interior do Sistema de Relações de Trabalho se amainaram, embora os
estranhamentos intersistêmicos e interinstitucionais nunca tenham desaparecido por completo.
Mas isso não parecia ser tão importante, a ponto de arrefecer o espírito de militância daqueles
que atuavam na mediação de conflitos trabalhistas.
No entanto, numa sequência que considero deflagrada pela IN nº 23/2001 (que ao revogar
a IN nº 13/1999 ampliou o alcance das Mesas de Entendimento), vários episódios que eclodiram
a partir de 2002, de origens e alcances diversos, podem ser alinhados segundo o argumento da
supor que, considerando apenas os cargos de nível médio ou inferior, esse percentual deve ser consideravelmente
menor. 20 Tais habilidades foram expressamente relacionadas na Portaria nº 818/95, que regulava o credenciamento de
mediadores privados, junto ao MTE.
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valorização da atividade fiscal, mas que produziram, como efeito colateral, o isolamento da
Inspeção do Trabalho, no plano interno, e o ofuscamento da tradicional identidade de
“fiscalização social”, no plano externo.
1.5. Ligando os pontos
A trajetória de emparelhamento da Inspeção do Trabalho com as demais instâncias que
compõem a elite da inspeção federal é história que só pode ser contada a partir da CF/88. A Lei
nº 7.839/89, revogada posteriormente pela Lei 8.036/90, dispunha que a fiscalização do FGTS
passaria a ser da competência da Inspeção do Trabalho, algo com que se encarregava a
fiscalização previdenciária, até então. A lei 7.855/89, sancionada durante o governo de José
Sarney, e subscrita por Dorothea Werneck, então Ministra do Trabalho, instituiu o Programa de
Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.
A fiscalização da Receita Federal e Previdenciária se equiparavam em relevância,
nomeadamente pelo cunho tributário e arrecadatório de suas atuações. A Inspeção do Trabalho,
até então, mostrava sua importância no campo da “fiscalização social”, apresentando-se,
também, como instrumento de intervenção estatal no âmbito da concertação que caracterizava o
modelo corporativista, e mais tarde como elemento co-regulador do mercado de trabalho (DAL
ROSSO, 1996).
Por suas características singulares, e a despeito de sua enorme importância para as
pretensões do Brasil em se realizar como um Estado de Bem-Estar Social, a partir de uma rede
de proteção trabalhista, o fato é que a Inspeção do Trabalho sempre foi tratada à sombra das
demais inspeções federais, pois eram elas que, no final das contas, garantiam os recursos
necessários para que as ações estatais pudessem ser implementadas, tanto no campo social, como
no da intervenção no domínio econômico.
Com a transferência da fiscalização do FGTS para a Inspeção do Trabalho, criou-se uma
pequena, mas saliente interface com as demais inspeções federais; um argumento em comum: a
arrecadação fiscal. Decerto que a Inspeção do Trabalho já se encarregava da fiscalização do
imposto sindical. Mas apesar da consolidação do seu caráter tributário, a partir da CRFB/88, é
fato que as várias funcionalidades do MTE21, no que tange à garantia da cobrança da
21 Por exemplo, a atuação da comissão nacional de enquadramento sindical, a fiscalização do enquadramento prévio,
o processo de cobrança e expedição de títulos executivos da contribuição sindical, a expedição de certidões de
regularidade no recolhimento da contribuição sindical, dentre outras ações previstas na CLT.
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contribuição sindical22, se perderam com o fim da intervenção estatal na organização sindical,
tornando a fiscalização da contribuição compulsória uma atribuição secundária da Inspeção do
Trabalho.
A fiscalização do FGTS garantiu o emparelhamento da Inspeção do Trabalho, em nível de
importância, com as demais inspeções federais, inclusive com relação à estrutura funcional e
salarial. A partir daí, a mobilização dos órgãos de representação categorial dos Fiscais do
Trabalho, segundo a orientação central do Sindicato Nacional dos Agentes da Inspeção do
Trabalho (SINAIT), passou a se determinar pragmaticamente pela manutenção desse
emparelhamento, articulando politicamente as ações reivindicatórias, sempre em sintonia com a
mobilização das representações nacionais dos Fiscais da Receita Federal e Previdência Social,
embora mantivesse entoado o discurso da valorização da Inspeção do Trabalho, pelo que ela tem
de diferente das outras inspeções federais.
Tratou-se, de fato, de uma opção por um tipo de ação sindical em co-irmandade com as
demais inspeções federais. O pragmatismo dessa escolha se justifica pelo fato inegável de que a
“verdadeira” força sempre esteve com as representações da Receita e da Previdência, enquanto
grupos de pressão. Todo o esforço foi canalizado para a manutenção dos laços identitários entre
seus (novos) pares, e pela garantia de tratamento isonômico por parte do Estado.
Mas a busca categorial por reconhecimento e melhores condições de trabalho quase sempre
se traduzia como a luta pela equiparação com o fisco federal, em termos de estrutura de cargos e
salários. As pequenas distinções ou “vantagens” em relação às demais carreiras, sejam materiais
(como o extinto adicional de periculosidade), ou simbólicas (como o “passe livre” garantido por
lei federal [CLT]), era o que amiúde se valorizava como elemento de comparação com a
fiscalização federal tributária. O discurso enfático da defesa do trabalhador, como o traço
verdadeiramente distintivo da Inspeção do Trabalho, foi totalmente reorientado para a sociedade.
Mas para efeito da ação conjunta das inspeções federais, no âmbito das reivindicações
categoriais junto ao Estado, a identidade de “magistratura social” era deixada de lado, pois o
momento não era o de valorizar as diferenças, mas as semelhanças.
Após uma década de noventa bastante difícil para quase todo o funcionalismo público
federal, novas medidas que influenciaram a Inspeção do Trabalho, no particular, e realçaram a
fiscalização federal, no geral, foram implantadas a partir deste novo século.
22 A CRFB/88 introduziu nova nomenclatura ao imposto sindical: contribuição sindical, da espécie contribuição
especial de interesse das categorias profissionais e econômicas.
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Uma importante conquista simbólica da Inspeção do Trabalho adveio com a Lei
10.593/2002. Tal como a fiscalização tributária federal, agora os Fiscais do Trabalho passariam a
ser chamados de Auditores-Fiscais do Trabalho (AFT), conforme uma classificação em três
especialidades: legislação do trabalho, segurança do trabalho e saúde no trabalho. O Decreto nº
4.552/2002, que atualizara o Regulamento da Inspeção do Trabalho, extinguiu também com as
denominações funcionais “Médicos do Trabalho” e “Engenheiros [de Segurança]” previstas na
Lei 7.855/89. A política de “especialização” da Auditoria-Fiscal do Trabalho vigorou por pouco
tempo, pois o Decreto nº 4.552/2002 foi derrogado em 2003 (Decreto 4.870), acabando com as
especializações funcionais como um aspecto estrutural23 da Inspeção do Trabalho.
Critérios de repercussão salarial em razão do desempenho individual e institucional foram
implantados pela Lei 10.910/2004 e pelo Decreto nº 5.916/2006, e vincularam o fisco federal
como um todo. Com a Lei 11.457/2007 o Governo criou a “Super-Receita”, unificando as
fiscalizações da Previdência Social e a Receita Federal.
Os primeiros movimentos das representações classistas de Auditores-Fiscais do Trabalho,
por ocasião dos debates legislativos, foram no sentido de integrar a Inspeção do Trabalho ao
novo conceito. A iniciativa de unificar a fiscalização tributária federal parecia, de fato, uma
ameaça ao permanente esforço de mimetismo com a receita e a previdência. O isolamento das
duas na forma de uma Super-Receita podia ser o argumento que faltava para a retomada de uma
diferenciação in pejus da Inspeção do Trabalho por parte do Estado.
Mas a unificação das fiscalizações tributárias federal e previdenciária envolvia não
apenas uma generalização terminológica: Receita Federal do Brasil, mas a fusão mesma das
estruturas de uma e outra. Viu-se, então, que a Inspeção do Trabalho não poderia se integrar a
essa nova concepção, pois isto implicaria em realizar o que parecia impensável: retirar a
Inspeção do Trabalho da estrutura do MTE. Dessa constatação, a mobilização dos Auditores-
Fiscais do Trabalho, embora dividida, se reorientou para a manutenção do tratamento isonômico,
mas apartado da Super-Receita. E isso, de fato, foi garantido pela Lei 11.457/2007.
O emparelhamento foi mantido, e isso ficou evidente com a Lei 11.890/2008, que
reconfigurou o assalariamento dos Auditores-Fiscais, que passaram a ser remunerados na forma
de subsídios. O passo foi considerado importante, dentro de um percurso que se reconhece difícil
e longo, na direção da isonomia salarial com os Juízes e Procuradores Federais.
23 A fixação de determinados “perfis” para a Inspeção do Trabalho, normalmente vinculados à qualificação dos
AFTs, passou a ser definida no momento da publicação dos editais dos concursos públicos para a Auditoria-Fiscal
do Trabalho, isto é, como um filtro da população de ingressantes na carreira, e não mais como uma classificação
funcional.
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A criação e consolidação dos laços de identificação da Inspeção do Trabalho com a
inspeção tributária federal é um dado concreto. E o reposicionamento das representações dos
Auditores-Fiscais do Trabalho, como integrantes de uma frente conjunta de reivindicação
categorial junto ao Estado, pode ser considerada exitosa. No entanto, não se pode deixar de
reconhecer que tal êxito se deu à custa da valorização das semelhanças com a inspeção federal
tributária, e não dos atributos que sempre distinguiram a Inspeção do Trabalho ao longo dos
anos.
A consequência disso é que a mesma lógica produtivista que assolou a Inspeção Federal
Tributária (MAGALHÃES; CARDOSO, 2014) também alcançou a Inspeção do Trabalho, e isso
causou repercussões notáveis no modelo público de mediação de conflitos trabalhistas.
A diretriz política de emparelhamento da Inspeção do Trabalho não podia, de fato,
sustentar-se apenas em bases relacionais com a inspeção tributária federal. Era necessário
demonstrar objetivamente a eficácia da fiscalização trabalhista, de preferência nos mesmos
termos da Receita Federal do Brasil, isto é, através de ganhos de arrecadação.
O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, desde os primeiros anos da década passada,
vem desenvolvendo sistemas cada vez mais sofisticados, visando à maximização do desempenho
da fiscalização do trabalho, especialmente no que tange à administração do tempo. Uma nova
organização da Inspeção do Trabalho foi implantada com a ajuda de ferramentas virtuais, cujo
objetivo foi aumentar a capacidade de processamento e cruzamento de informações de cadastros
públicos (RAIS, CAGED, FGTS, CNIS etc.), de modo a garantir, em primeiro plano, o aumento
da arrecadação do FGTS.
Mudanças na legislação trabalhista, como foi o caso da Portaria nº 1.510/2009, que criou o
Sistema de Registro Eletrônico de Ponto, incrementou sobremaneira a capacidade da Inspeção do
Trabalho em levantar débitos salariais (em função de horas extras não pagas) e,
consequentemente, recolhimentos de FGTS devidos.
A Inspeção do Trabalho do Século XXI no Brasil obteve ganhos de desempenho a partir da
valorização de um trio de atributos “de ouro”: FGTS, registro (formalização do vínculo
empregatício) e jornada de trabalho. Mas o interesse pela arrecadação do FGTS perpassava por
todos esses atributos, e impulsionava todo esse processo de criação de ferramentas virtuais de
fiscalização.
À exceção da fiscalização das condições de segurança e saúde no trabalho, e das políticas
públicas implantadas desde 1995, orientadas para o resgate de trabalhadores em condições
análogas à escravidão, cujas metas não são necessariamente definidas em termos quantitativos, a
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Inspeção do Trabalho passou a ser planejada, executada e avaliada conforme uma lógica
produtivista, através da imposição de metas progressivas.
O emparelhamento da Inspeção do Trabalho com seus “primos ricos” tornou-a dispendiosa
para o Estado. O aumento do desempenho fiscal, centrado na arrecadação e no levantamento de
débitos com o FGTS, tornou-se exigência para justificar os “altos salários” dos AFTs, e
verdadeiramente definiu os rumos da Inspeção do Trabalho a partir da segunda metade da década
passada. Por outro lado, a taxa de reposição de Auditores-Fiscais do Trabalho reduziu-se24, e o
déficit contabilizado, segundo os critérios da OIT, passou a ser um problema25.
A extinção das especialidades determina a exigência de aproveitamento integral do
Auditor-Fiscal do Trabalho, independentemente de sua qualificação. Antigos Médicos do
Trabalho ou Engenheiros de Segurança passaram a ter atribuições de arrecadação e levantamento
de débitos de FGTS. Se necessário, os ex-especialistas na legislação trabalhista teriam que
fiscalizar as condições de segurança no trabalho, dos quais se esperava o mesmo desempenho
dos verdadeiros expertos26.
O paradigma quantitativo da Inspeção do Trabalho impôs medidas que, sob o ponto de
vista intersistêmico, concorreu para o isolamento desse sistema em relação aos demais, incluindo
o de Relações de Trabalho. A exigência produtivista, associado ao crescente déficit de
Auditores-Fiscais do Trabalho, levou a Secretaria da Inspeção do Trabalho a impor uma
migração forçada dos AFTs de outros nichos de atuação para a fiscalização propriamente dita.
Novas portarias secretariais, em sintonia com a política de metas individuais e institucionais,
dificultaram sobremaneira a atuação permanente dos AFT em mediações de conflitos, pois tais
atividades não contribuíam para o alcance das metas traçadas pelo planejamento fiscal.
Mas talvez a ação mais explícita contra o Sistema de Relações de Trabalho tenha vindo
mesmo da Nota Técnica MGB/DEFIT/SIT nº 106/2011. Ela afastou a competência da Inspeção
24 Importa ressaltar que a consolidação do emparelhamento categorial com a inspeção tributária federal, bem como o
advento da remuneração por subsídios (que eliminou o problema da conservação das gratificações de desempenho
quando da aposentadoria do AFT), deu mais tranquilidade àqueles Auditores-Fiscais do Trabalho que já possuíam
condições de se aposentar. Contabiliza-se que já em 2012, mais de seiscentas vagas para a Auditoria-Fiscal do
Trabalho eram oriundas da vacância em razão de aposentadoria. 25 Segundo o Sindicato Nacional dos Agentes da Inspeção do Trabalho, a OIT contabiliza um déficit de mais de
cinco mil Auditores-Fiscais do Trabalho no Brasil. 26 Na prática, porém, os AFT antigos ainda conseguiam se manter atuando no âmbito de suas antigas especialidades: legislação trabalhista, segurança e saúde no trabalho. Mas os novos AFTs empossados ainda na primeira metade da
década passada já foram introduzidos no ofício como “generalistas”, marcando uma distinção interna entre estes e os
“especialistas”. A despeito do desaparecimento das especialidades, enquanto um traço funcional do AFT, a estrutura
regimental do MTE manteve, por exemplo, as Seções de Segurança e Saúde no Trabalho, dando conta de que no
plano do gerenciamento da Inspeção do Trabalho as distinções entre a inspeção de legislação e de segurança e saúde
no trabalho foram mantidas.
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do Trabalho (leia-se, dos AFTs) para atuar nos processos oriundos de reclamações por falta de
anotação da CTPS. Tal posicionamento foi provocado a partir de demandas tanto do Sistema de
Relações do Trabalho, quanto do Sistema de Emprego e Renda, e o abstencionismo
recomendado pela citada Nota Técnica vai de encontro à longa tradição de atuação da Inspeção
do Trabalho nessa seara, sem comentar que tal processo configura o modelo de ignição celetista
das mediações individuais. Não bastasse, a mesma Nota Técnica excluiu da competência dos
AFTs e das Seções e Setores de Inspeção do Trabalho a mediação de conflitos individuais e
coletivos. Ou seja, para além de dizer o óbvio, que a mediação de conflitos não é atuação que
compete ao Sistema de Inspeção do Trabalho, a Nota Técnica excluiu o próprio AFT da
mediação de conflitos, não importando se a sua atuação se dá no âmbito do Sistema de Relações
de Trabalho.
A edição da Nota Técnica nº 106/2011 instaurou um conflito entre as Secretarias de
Relações de Trabalho (SRT) e de Inspeção do Trabalho (SIT), remediado apenas informalmente,
através da concordância da SIT em não impor nenhuma medida administrativa restritiva da
atuação dos AFTs como mediadores.
A ocupação de postos gerenciais por AFT também foi desestimulada. A Portaria nº
153/2009, que reconfigurou os regimentos internos das Superintendências e Gerências
Regionais, foi expressa em impedir que um AFT pudesse chefiar o Setor de Mediação, no âmbito
das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego. Mais recentemente, com o registro de
ponto eletrônico introduzido até mesmo na esfera gerencial, AFTs que ocupavam chefias de
Seções ou Setores de Relações de Trabalho passaram a migrar para a fiscalização de rua. Mesmo
a atuação dos AFT como assistentes homologadores das rescisões trabalhistas foi
problematizada, depois do advento da Instrução Normativa nº 15/2010, valendo lembrar que era
comum a instauração de Mesas Redondas para mediação de conflitos individuais a partir de
situações identificadas durante a assistência homologatória.
Com a Portaria nº 546/2010 introduziu-se um novo modelo de organização da Inspeção do
Trabalho, denominado fiscalização por projetos. Tal modelo prioriza a coletivização das ações
fiscais, em detrimento das chamadas demandas individuais. Desse modo, a reclamação ou queixa
nos plantões fiscais deixou de ser referência privilegiada para a ação da fiscalização do trabalho.
A fiscalização por projetos deveria ser fiel ao planejamento fiscal previamente traçado, e às
metas estabelecidas em conformidade com esse planejamento. O contato com a realidade do
mundo do trabalho passou a ser feita quase que exclusivamente através de interlocutores, como
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os sindicatos e o Ministério Público do Trabalho, e mesmo assim sem qualquer precedência
sobre a prescrição do Planejamento Plurianual (§ 1º, art. 3º da Portaria nº 546/2010).
O esforço de exteriorização das semelhanças com a fiscalização federal de caráter
estritamente tributário produziu um fenômeno de vetor contrário, caracterizado por um processo
de diferenciação e isolamento da Inspeção do Trabalho no interior da estrutura do MTE. O
paradigma produtivista e quantitativista determinou a coletivização das ações da fiscalização
trabalhista, além da proscrição de qualquer atuação que não diga respeito ao atendimento das
metas institucionais da Inspeção do Trabalho27. Nesse sentido, a Nota Técnica nº 106/2011 se
destacou muito mais por seu valor simbólico, pois o conjunto de normas e medidas
administrativas já era o bastante para produzir um verdadeiro êxodo de Auditores-Fiscais do
Trabalho do Sistema de Relações de Trabalho.
Numa piscadela da história, um considerável acervo de experiências se perdeu. É bem
verdade que a Secretaria de Relações de Trabalho tentou remediar esse processo de
esvaziamento da mediação pública de conflitos trabalhistas, adotando programas de qualificação
dos servidores do quadro administrativo, o que pareceu promissor, considerando o recente e
maciço ingresso de novos Agentes Administrativos, em geral com muito boa qualificação.
Mas as iniciativas não têm sido, de fato, suficientes28, e não apenas pela escassez de
recursos, mas também pelo fato de que o espírito de militância não se reproduziu, em boa
medida, nos novos quadros de servidores, seja pela expectativa geral de transitoriedade, que
caracteriza a atuação dos quadros mais qualificados da burocracia administrativa do MTE, quer
por uma percepção compartilhada entre os novos Agentes Administrativos de que a atuação no
âmbito do Sistema de Relações de Trabalho, como mediadores de conflitos trabalhistas de
direitos e interesses, implica numa gradual inversão do protagonismo que antes era dos Agentes
da Inspeção. Em muitos casos, assim como se viu no contexto específico das homologações de
rescisões trabalhistas, o maior protagonismo dos Agentes Administrativos, no âmbito da
27 Em verdade, verifica-se que o paradigma produtivista alcançou o próprio Sistema de Relações de Trabalho. O
esvaziamento da mediação de conflitos individuais se deu por uma opção político-administrativa, e não por qualquer
alteração normativa que se imponha aos Setores e Seções de Relações de Trabalho. Mas sistemas integrados ao
SIRT (Sistema Integrado de Relações de Trabalho), tal como o Homognet, tornaram-se verdadeiros obstáculos
sistêmicos à mediação de conflitos individuais. A própria sub-rotina de acompanhamento das Mesas Redondas, que
atualmente faz parte do Sistema Mediador, não está aparelhada para a os conflitos individuais, e para os conflitos de direitos, de modo geral, pois fora configurada quase exclusivamente para acompanhar as mediações de conflitos de
interesses. 28 A escassez de recursos tem sido, de fato, um problema. Nesta década, houve poucas iniciativas de capacitação de
mediadores, e desde 2012 que não há nenhum projeto nesse sentido. Segundo informações da SERT/SRTE/RJ, os
poucos recursos estão sendo dirigidos para os mutirões organizados para pôr em dia os processos de requerimento
de registro sindical.
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mediação de conflitos, teria sido percebido como uma verdadeira “transferência” de atribuições.
Algo que nem sempre é desejado, principalmente quando não se tem, no horizonte visível,
qualquer perspectiva de criação de um quadro de Analistas de Relações de Trabalho, ou de
valorização salarial pela concessão de gratificações pelo exercício da função de mediador.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS: um diagnóstico em construção
O problema da integração Inter sistêmica (Relações de Trabalho e Inspeção do Trabalho)
sempre se apresentou como um obstáculo em potencial, no que tange ao propósito de
consolidação de um modelo de mediação de conflitos de direitos, no âmbito do Ministério do
Trabalho e Emprego. Os atritos com outras instituições que compõem o sistema de proteção
social do trabalhador brasileiro também se alinhavam ao rol de dificuldades enfrentadas pelo
modelo de mediações em Mesas Redondas.
Em comum, o discurso legalista, patrocinado muito mais pela debilidade normativo-
procedimental da mediação administrativa, que por ofensa real à lei ou a qualquer princípio geral
ou jurídico, seja da Administração Pública (nomeadamente do processo administrativo federal),
seja do próprio Direito do Trabalho.
A histórica aderência da mediação pública de conflitos trabalhistas ao programa
administrativo de proteção das relações de trabalho produzia uma zona de atrito com a Inspeção
do Trabalho. Por outro lado, a lógica restitutiva da mediação de conflitos de direitos era vista –
muito mais por desconhecimento do instituto – como uma ameaça ao monopólio da Justiça do
Trabalho, enquanto modelo oficial de solução adjudicada dos conflitos trabalhistas. Em ambos
os casos, o cerne da questão situava-se na percepção de perda de poder.
Quanto ao patrulhamento interinstitucional, sempre se admitiu que a solução definitiva
passaria necessariamente pelo advento de uma legislação de peso, seja pela introdução do
processo de mediação na CLT, seja pelo reconhecimento da eficácia dos acordos, na forma de
títulos executivos extrajudiciais.
No âmbito interno, as barreiras à integração entre o Sistema de Relações de Trabalho e a
Inspeção do Trabalho jamais se situaram no campo normativo29, haja vista o predomínio dos
29 Observem-se alguns exemplos de integração intersistêmica previstos em normas que regulam o funcionamento do MTE:
No Dec. 5.063/2004 (Estrutura Regimental do MTE)
A) Departamento de Emprego e Salário:
Art. 11:
XI - apoiar tecnicamente os órgãos colegiados do Ministério, em sua área de competência; e
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argumentos de caráter ideológico. Mesmo assim, o protagonismo dos Agentes da Inspeção do
Trabalho em ambos os domínios possibilitou a formação de certos mecanismos customizados de
amortecimento desses atritos, baseados no que costumo denominar de solidariedade funcional,
que eram bastante eficazes sobretudo nas unidades descentralizadas do MTE.
Contudo, o progressivo isolamento institucional da Inspeção do trabalho, como
consequência de uma série de medidas administrativas, normativas e de gestão, orientadas por
uma lógica produtivista adquirida por derivação, cuja assimilação foi fruto da exitosa política
categorial e institucional de similitude com a fiscalização tributária federal, acabou por esvaziar
a atuação dos AFTs no âmbito da mediação de conflitos.
Tal fato, além de ressaltar as idiossincrasias da ala mais conservadora da Inspeção do
Trabalho, para o que concorreu a criação de uma instância negocial exclusiva: a Mesa de
Entendimento, corroeu os mecanismos de amortecimento dos atritos intersistêmicos, expondo o
fato de que, apesar da longevidade, a mediação de conflitos de direitos em Mesas Redondas
ainda não havia se autonomizado como um autêntico modelo de resgate dos direitos patrimoniais
do trabalhador, por via alternativa à adjudicação judicial. Tampouco havia deixado de ser uma
adjacência restitutiva da Inspeção do Trabalho; um mero desvio da atuação coativa do Estado.
O diagnóstico provisório que faço é de um modelo em crise. Nem tanto pelo “mal” que
sempre lhe acometeu: a heterogeneidade procedimental, mas pelo desvanecimento do espírito de
militância que há muito se tornou uma característica marcante da mediação trabalhista.
Tal espírito pode ser restaurado, e a mediação de conflitos trabalhistas de direitos pode se
configurar num modelo realmente consolidado. Mas isso dependeria, a meu ver, de uma
legislação que fosse capaz de sustentar os efeitos subjetivos dos consensos, no plano
interinstitucional. De uma regra ou cultura de vinculação interna desses consensos, no plano
intersistêmico. E de uma política de formação e qualificação contínua de mediadores, de
XII - articular-se com os demais órgãos envolvidos nas atividades de sua área de competência.
B) Secretaria de Inspeção do Trabalho:
Art. 14:
III - participar, em conjunto com as demais Secretarias, da elaboração de programas especiais de proteção
ao trabalho;
IV - participar, em conjunto com as demais Secretarias, da formulação de novos procedimentos reguladores
das relações capital-trabalho;
V - supervisionar, orientar e apoiar, em conjunto com a Secretaria de Relações do Trabalho, as atividades
de mediação em conflitos coletivos de trabalho, quando exercidas por Auditores-Fiscais do Trabalho;
Na Portaria 153/2009 (Regimento Interno das SRTEs)
A) Setor de Mediação:
Art. 18:
VIII - executar, com o apoio da área de fiscalização, o serviço de mediação em conflitos entre trabalhadores
e empregadores sobre direitos controversos denunciados;
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preferência com a criação de um quadro diferenciado de servidores administrativos, além dos
AFTs que eventualmente remanesçam no ofício.
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